a era dos games na sociedade da escolha
TRANSCRIPT
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FABIANO ALVES ONA
A ERA DOS GAMES NA SOCIEDADE DA ESCOLHA
Tese apresentada rea de
Concentrao Meios e Processos
Audiovisuais da Escola de
Comunicaes e Artes da
Universidade de So Paulo, como
exigncia parcial para a obteno
do Ttulo de Doutor em Cincias da
Comunicao, sob a orientao do
Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa.
So Paulo, agosto de 2014
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BANCA EXAMINADORA
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DEDICATRIA
Para Tati,
com amor!
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AGRADECIMENTOS
Ao meu querido professor, Mauro Wilton de Sousa, que com pacincia, carinho
e amizade sempre me orientou em meus caminhos.
Aos meus pais Jos Antonio e Anete, pelo incentivo constante de uma vida
inteira. E aos pais de meus pais, Jos, Hlia, Hermgenes e Antonieta.
Vocs vivem em mim.
minha amada esposa Tatiana, incrvel companheira de aventuras.
boa e velha ECA, na figura de seus muitos funcionrios, alunos e professores.
Com suas qualidades e idiossincrasias, no deixar nunca, por vrios motivos,
de ser muito significativa em minha vida.
E a todo o meu povo, parentes e amigos: os daqui e os de l! Muito obrigado!
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Somos os pees deste jogo do xadrez
que Deus trama. Ele nos move, lana-nos
uns contra os outros, nos desloca, e depois
nos recolhe, um a um, Caixa do Nada.
Omar Khayyam
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RESUMO:
Os jogos eletrnicos, ampliados em suas possibilidades pela tecnologia e
alinhados com o modo de ser contemporneo, experimentam um crescimento
vertiginoso nas trs ltimas dcadas. Este trabalho sustenta que a atual sntese
entre jogos, tecnologia e sociedade estabeleceu as condies para a
deflagrao de uma Era dos Games.
Esse cenrio se caracteriza no apenas pelo papel preponderante dos jogos
eletrnicos como uma das principais formas de entretenimento, mas, tambm,
pela internalizao da lgica de jogo em diversas outras instncias da dinmica
contempornea. Em seu patamar mais alto, a Era dos Games a constatao
de que o uso massivo dos jogos eletrnicos promove, em seu enraizamento no
corpo social, um rebalanceamento na luta travada entre diversas retricas, que
lutam pela hegemonia explicativa do que seja o jogo e o jogar na
contemporaneidade.
Palavras-Chave: games; comunicao; tecnologia; filosofia; jogo
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ABSTRACT:
The electronic games, expanded in its own possibilities thanks to its
alliance with technology and aligned with the contemporary way of being,
experienced an outstanding growth over the past three decades. This work
argues that the current synthesis between games, technology and society
established the conditions for the outbreak of an "Age of Games".
This scenario is characterized not only by the dominant role of electronic
games as a major form of entertainment but also for the internalization of
game logic in several other instances of contemporary dynamics. The "Age of
Games", in its last phase, is the assumption that the massive use of electronic
games, in its rooting in the social body, is rebalancing the struggle waged
nowadays between different rhetorics, each fighting for explanatory hegemony
of what is play in contemporaneity.
Keywords: games; communication; technology; philosophy; play
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SUMRIO
Introduo
Introduo - pg. 11
Captulo I: Jogos Eletrnicos no Cenrio Contemporneo
1.1. A Visibilidade Social dos Jogos Eletrnicos a partir da Mdia - pg. 16
1.2. Nmero de Jogadores ao Redor do Mundo - pg. 23
1.3. Perfil dos Jogadores nos EUA e na Gr-Bretanha - pg. 24
1.4. A Indstria de Games no Mundo - pg. 27
1.5. Brasil: os Gamers e o Mercado - pg. 29
Captulo II: As Mltiplas Faces do Jogo
2.1. As Mltiplas Faces do Jogo - pg. 31
2.2. Em Busca de Uma Definio de Jogo - pg. 45
2.3. Jogo como Linguagem - pg. 47
2.4. Jogo como Meio de Comunicao de Massa pg. 50
2.5. O Modus Operandi do Jogo - pg. 53
2.6. O que o Jogo Significa para os Jogadores - pg. 60
2.7. Jogo e Diverso (Fun) - pg. 62
2.8. Jogo e Fantasia - pg. 67
2.9. Jogo e Onipotncia - pg. 73
2.10. Jogos Eletrnicos no Contexto Maior dos Jogos - pg. 77
Captulo III: As Tecnologias da Escolha
3.1. As TICs (Tecnologias de Informao e Comunicao) e o Jogo - pg. 79
3.2. Caracterstica Procedimental e Escolha - pg. 82
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SUMRIO
3.3. Caracterstica Participativa e Diverso (Fun) - pg. 84
3.4. Caracterstica Espacial e o Jogo - pg. 90
3.5. Caracterstica Enciclopdica e o Jogo - pg. 96
Captulo IV: A Sociedade da Escolha
4.1. A Sociedade da Escolha - pg. 103
4.2. Consumismo e Escolha - pg. 105
4.3. Consumismo e Diverso - pg. 109
4.4. Consumismo e Fantasia - pg. 111
4.5. Consumismo e Onipotncia - pg. 113
4.6. Identidade e Escolha - pg. 115
4.7. Identidade e Diverso - pg. 125
4.8. Identidade e Fantasia - pg. 129
4.9. Identidade e Onipotncia pg. 134
Captulo V: Concluso
5.1. Concluso - pg. 139
Bonus Phase
6.1. Games: Comunicao Ldica de Massa pg. 145
6.2. Games: Ideal Contemporneo do Ldico pg. 149
6.3. Retricas do Jogo em Reordenao pg. 153
Referncias
Referncias pg. 156
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INTRODUO
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INTRODUO
Nas ltimas trs dcadas, os jogos eletrnicos, popularmente conhecidos
como games1, ampliam gradativamente seu espao como uma das expresses
culturais mais efervescentes da contemporaneidade.
Envolvidos diretamente com a revoluo digital, os jogos reinventaram-
se em sua modalidade eletrnica, ampliando suas capacidades de maneira
considervel (TURKLE, 1995).
Como produto, os jogos eletrnicos constituem hoje uma das mais
pujantes indstrias culturais do planeta (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2011).
Como entretenimento, preenchem cada vez mais o tempo livre dos
indivduos, muitas vezes suplantando outros hbitos de diverso de massa j
estabelecidos (BBC, 2005) (PEW INTERNET & AMERICAN LIFE PROJECT, 2008)
(ESA, 2012).
1 Nota do Autor: neste trabalho, os termos jogos eletrnicos e games sero utilizados como sinnimos.
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INTRODUO
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Graas sua nova expresso digital, tornaram-se ubquos na mesma
proporo em que a informatizao espraiou-se pelas mais diferentes situaes
do cotidiano (MIGE, 2009, p. 140). Para alm dos computadores e consoles,
os jogos tornaram-se presentes tambm em celulares, relgios, tablets e os
mais variados aparelhos eletrnicos, o que os coloca, em ltima instncia,
como possibilidades para todas as horas.
Nas cidades esvaziadas de espaos pblicos e com espaos privados
reduzidos, os jovens encontraram nos jogos eletrnicos um espao amplo de
brincadeira solitria e tambm de interao com seus amigos e colegas. Nas
relaes familiares, os jogos assumiram o papel de ponte atravs da qual
diferentes geraes dialogam e se entretm. Nas relaes amorosas, so um
dos sinais de intimidade. Nas relaes interpessoais, posicionam-se como um
parmetro de modernidade e incluso tanto quanto de excluso.
Em diferentes momentos da vida cotidiana a solido nos
deslocamentos pelas extensas metrpoles, nos diferentes eventos sociais nos
quais os indivduos se sentem deslocados, dos filhos diante de pais sem
pacincia para os interesses da infncia, dos adolescentes em busca de desafios
e liberdade, dos despossudos e desempregados em busca de escape, dos
idosos em busca de vida os jogos eletrnicos tornaram-se um calmante, um
elixir, um blsamo, um osis de diverso e alegria para as incompletudes e
angstias da vida.
Na poltica, na imprensa, na educao, na publicidade, na Academia, na
esfera das relaes familiares, na expresso da identidade grupal, na prpria
seara da identidade pessoal a cultura dos jogos eletrnicos exerce influncia
sobre os mais diversos eixos nos quais transita a cultura contempornea.
Dada a amplitude de uso dos jogos eletrnicos e dada a relevncia com
que isso se apresenta no corpo social, sem limitar-se a classes sociais, geraes
e campos de interesse especficos, generalizando-se no uso cotidiano, operando
como termmetro de insero cultural, emprestando sua lgica de
funcionamento para outras esferas da vida, seria razovel afirmar que os jogos
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INTRODUO
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eletrnicos tornaram-se um elemento decisivo na construo da socialidade
contempornea.
Enfim, por que os jogos eletrnicos adquiriram tanta importncia no
cenrio contemporneo? Quais seriam os valores, cultivados dentro desse
cenrio social, que explicariam essa ascenso dos games? Em que medida a
dinmica da sociedade atual responde pelo uso intensivo dos jogos eletrnicos?
A hiptese deste trabalho que a ascenso dos jogos eletrnicos fruto
de uma profunda e indita sntese entre trs elementos: caractersticas da
dinmica social atual que se associam a especificidades dos jogos e ao modus
operandi das TICs (Tecnologias de Informao e Comunicao) (MIGE, 2009,
p. 10). A afinidade entre esses trs elementos constituiria o fator central
explicativo para a importncia adquirida pelos jogos eletrnicos na
contemporaneidade.
Como consequncia, os jogos caminhariam, pois, para tornar-se no
apenas uma forma cultural de entretenimento hegemnica dos tempos atuais,
mas tambm meio de comunicao atravs do qual, pelo ldico, a sociedade se
enxergaria, se comunicaria e se legitimaria.
Essa proeminncia seria responsvel, em ltima instncia, por uma
alterao da prpria concepo de jogo sustentada pelo corpo social. O impacto
geral provocado por essas mudanas o que caracterizaria a chamada Era dos
Games.
Em relao estrutura do trabalho, a primeira varivel, concernente aos
jogos, ser dividida em dois captulos. O primeiro captulo tratar da
dimenso ocupada pelos jogos eletrnicos no cenrio contemporneo. Embora
no seja um captulo de anlise, ele importante porque oferece uma
dimenso aproximada da extenso com que os jogos se infiltram no corpo
social. Para orientar essa primeira aproximao, sero selecionadas:
a) Reportagens e artigos na imprensa, com diversas posies a respeito
das prticas relacionadas aos jogos eletrnicos.
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INTRODUO
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b) Dados quantitativos a respeito do nmero de jogadores no mundo e
no Brasil.
c) Pesquisas que apontem o perfil dos jogadores e hbitos de uso (faixa
etria, gnero, nvel scio-econmico).
d) Dados sobre o desenvolvimento da indstria de jogos eletrnicos no
mundo.
O segundo captulo procura dar conta das muitas explicaes que
cercam o enigmtico fenmeno do jogo. Alm disso, ser examinado com mais
detalhe o modus operandi particular encontrado no jogo, diferente de outras
tecnologias e expresses desenvolvidas pelo Homem. Afinal, se os jogos,
operando dentro de um suporte eletrnico, so ferramentas que de alguma
forma seduzem as pessoas, a explicao para esse engajamento est, antes de
tudo, na prpria maneira pela qual os jogos, mesmo antes do advento de suas
verses eletrnicas, capturam a imaginao humana desde a aurora dos
tempos. Por isso, uma anlise sobre as propriedades do jogar compe o
segundo captulo da tese.
O terceiro captulo voltado para a anlise da razo estruturante
oferecida pelas TICs (Tecnologias de Informao e Comunicao) (MIGE,
2009, p. 10). Essas tecnologias possuem tambm certas propriedades de uso
que influenciam as outras duas variveis. No caso dos jogos, h uma
consonncia, uma ampliao e um enriquecimento das suas qualidades
impulsionadas pela conjuntura digital. Um exame mais detalhado sobre a
influncia das condies tecnolgicas dentro desse cenrio o objetivo deste
captulo.
O quarto captulo diz respeito ao ltimo eixo desse trip: os valores
presentes no corpo social, que de algum modo encontram afinidade com as
caractersticas do jogo eletrnico. Pois, se esse gnero cultural hbrido de
jogo e tecnologia - vem alcanando magnitude e importncia, porque ele
tambm satisfaz e reflexo da sociedade que o alimenta, que o molda.
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INTRODUO
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O quinto captulo abriga a concluso do trabalho. Aqui, pretende-se
defender a ideia de que o impacto promovido pelo uso intensivo dos jogos
eletrnicos reverbera em diversos nveis dentro do extrato social. O peso total
dessa ancoragem dos games no tecido social inauguraria a chamada Era dos
Games.
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CAPTULO I:
JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
1.1. A VISIBILIDADE SOCIAL DOS JOGOS ELETRNICOS A PARTIR DA MDIA
As notcias ligadas ao universo dos jogos particularmente os jogos
eletrnicos - tm merecido um espao cada vez maior e mais frequente dentro
de diversos veculos de comunicao. Jornais, revistas, noticirios televisivos,
programas de rdio e diversos sites veiculam regularmente matrias que
expem os humores de diferentes grupos em relao aos games. Nesta
introduo, sero indicados alguns ttulos de matrias veiculadas na mdia,
divididas em cinco grupos distintos.
O primeiro grupo contm matrias que ainda expressam, de uma forma
negativa, o estranhamento do corpo social diante das prticas relacionadas aos
jogos eletrnicos. Ora so reportagens sobre a relao entre jogos e violncia
(Jogador esfaqueia homem que matou seu personagem em game) (FOLHA
DE SO PAULO, 2010), ora matrias sobre jogos e comportamento social
(Grupo cristo promove boicote a jogos com personagens gays) (FOLHA DE
SO PAULO, 2012), ora pautas que expem a conduta esdrxula de certos
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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tipos de jogadores (Japons se casa com personagem de videogame) (G1,
2009), ou ainda alertas sobre o efeito nocivo dos jogos (Jogos violentos
podem alterar funes cerebrais) (ESTADO, 2011).
Em comum, um tratamento jocoso ou sensacionalista, buscando o
inusitado, o bizarro, o estranho. As prticas relacionadas aos jogos aparecem
aqui como objeto de riso, de escrnio, de indignao moral ou ainda como um
sintoma a ser medicado. Nesse grupo de matrias, os jogadores so vistos
como pessoas praticamente doentes.
Esse tipo de atitude hostil em relao aos jogos, embora expresse uma
recusa, no deixa de traduzir tambm uma aproximao e uma delimitao
desse campo simblico, na medida em que, ainda que pelo vis negativo,
reconhecem os jogos eletrnicos como um vetor social.
No segundo grupo, no outro lado do espectro, o estranhamento para
com os jogos toma a forma de um certo fascnio, de uma rendio aos games.
Na medida em que aumentam sua popularidade, os jogos so vistos como
ferramentas capazes de levar seus praticantes a um melhor patamar em outros
aspectos da vida.
Nesse tipo de matrias, a caracterstica mais marcante a atribuio de
pretensas qualidades aos jogos eletrnicos, qualidades essas que operam como
um aval para seu uso no mundo cotidiano. Um exemplo dessa nova panacia
universal encontra-se na revista Veja Games para os Avs (VEJA, 2012), da
qual se reproduz aqui o lead: Foi-se o tempo em que a diverso do vov era
jogar biriba com os amigos. Cada vez mais familiarizados com a tecnologia, os
idosos que trocam o baralho pelo videogame s tm a ganhar.
Talvez os idosos tenham realmente a ganhar, no por jogarem video
game em vez de biriba, uma vez que, em ambos os casos, as faculdades
cognitivas so igualmente estimuladas. Mas sim pelo fato de que, ao aderirem
ao uso dos jogos eletrnicos, os idosos so guindados da desconfortvel
posio de velho ultrapassado para a muito mais integrada e confortvel
postura de jovem de esprito.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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Isso para no falar da integrao proporcionada pelo consumo. Ao
aspirar por um determinado console, ao escolher determinados ttulos, ao
participar do ritual de comparaes entre produtos, o idoso participa de uma
lgica contempornea.
Figura 1: Games para os Avs. Revista VEJA.
Os jogos, dentro desta segunda perspectiva, ajudam a melhorar os
sentidos (Pesquisa: jogos em primeira pessoa melhoram ateno e viso dos
usurios) (OLHAR DIGITAL, 2012), o desempenho mental (Jogos de ao
melhoram o desempenho do crebro) (GAMES UNIVERSE BLOG, 2012), a
coordenao motora e at mesmo as boas maneiras (Games melhoram
coordenao motora e boas maneiras das crianas) (FOLHA DE SO PAULO,
2004).
No terceiro grupo, h as matrias que, tambm dentro da linha do
fascnio, vislumbram a importncia dos games a partir daquilo que parece ser
um dos maiores pontos de legitimao para esta sociedade: jogos como
negcio, como oportunidade de ganhar dinheiro. Dentro dessa lgica, os games
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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so levados em considerao principalmente porque so a expresso de uma
nova e pujante indstria cultural.
A matria publicada pela revista poca, A Maior Diverso da Terra
(POCA, 2012), por exemplo, prope em seu lead uma relao causal entre o
desenvolvimento da indstria de games e a disseminao de prticas sociais
relacionadas ao jogar: Depois de se transformar na forma mais lucrativa de
entretenimento, os games esto prestes a mudar a maneira como nos
relacionamos com a realidade.
Figura 2: "A Maior Diverso da Terra". Revista POCA
De fato, o amadurecimento cada vez maior da indstria dos games a
coloca, hoje, em p de igualdade com outras formas de expresso cultural
mercantilizadas, como a msica, os seriados de TV e os filmes. Jogar no deixa
de ser uma expresso de um determinado tipo de consumo. Porm, existem
outros elementos explicativos para a popularizao dos games que ultrapassam
a lgica de mercado. A popularizao dos jogos beneficiada pela indstria,
mas no tributria apenas dela.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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De qualquer modo, o que vale ressaltar que o fato dos games serem
tratados como negcio, j , em si, tambm, uma maneira de propor uma
legitimao dos jogos dentro do campo de valores vigentes.
Exemplos desse tipo de aproximao podem ser encontrados em
matrias veiculadas no Terra (Mercado Brasileiro de Games vira oportunidade
de negcios) (G1, 2012), na revista Exame (A Vez dos Advergames na
Internet) (EXAME, 2012), na revista Pequenas Empresas & Grandes Negcios
(Mercado de Games tem potencial para faturar R$ 3 bilhes) (PEGN, 2011),
etc..
No quarto grupo, alinham-se reportagens que apontam para a
disseminao do uso dos jogos eletrnicos em diversas funes e atividades
humanas que no o jogar. Nesse grupo de matrias, a racional est na
valorizao dos jogos no pela diverso que se obtm jogando o jogo em si,
mas sim como uma maneira nova, divertida, interativa, enfim, ldica de lidar
com assuntos ou tarefas do cotidiano considerados ridos, complexos ou
tediosos. O jogo torna-se instrumento para outra coisa que no o jogo em si.
Assim, os jogos so apresentados como soluo para treinamentos
corporativos (Empresas em Jogo) (PEGN, no informado), para
procedimentos mdicos (Os Games da Sade) (ISTO, 2012), para o ensino
de matrias na escola (Game Conflitos Globais tenta quebrar paradigma e
colocar jogos na escola) (G1, 2010), para ajudar a escolher profisses (Jogo
Empresarial ajuda a escolher profisses) (ESTADO, 2012), etc..
Essas matrias descrevem um gnero de jogos apelidado, em ingls,
como serious games, cuja principal funo ajudar os participantes a absorver
contedos e conceitos diversos. Como o prprio nome j diz, este gnero traz
embutida a percepo dos jogos como algo originalmente no-srio, que
tornado srio (produtivo) ao ser usado para a resoluo de uma tarefa prtica.
uma viso ainda bastante angulada pelo entendimento do jogo como algo
oposto ao trabalho.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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Mesmo na publicidade, a nsia de utilizar a dinmica dos jogos em
benefcio de outra coisa que no o jogo pode ser mensurada pelas diversas
matrias que tratam dos advergames e os processos de Gamification. Os
advergames como uma nova maneira de se trabalhar questes como branding
(Saiba como os Advergames podem promover uma marca) (INFO EXAME,
2012), ou ainda como meio ideal para o lanamento de produtos (O Jogo
Rentvel dos Games) (ISTO DINHEIRO, 2008); e a Gamification como uma
maneira de trabalhar estmulos-recompensas, princpio vital para a indstria da
publicidade (O que Gamification) (EXAME, 2011).
Finalmente, o quinto grupo composto pelas matrias que trabalham os
jogos dentro de uma tica positiva, alavancadas por essa nova indstria
cultural. So anlises de jogos, reportagens sobre os novos lanamentos da
temporada, avaliao de gadgets e at mesmo matrias de vis
comportamental voltadas para os insiders, para os praticantes, para as pessoas
que jogam regularmente.
O tratamento dado aos jogos o mesmo que um veculo especializado
em filmes d aos lanamentos da temporada, ou que um site sobre futebol
oferece em relao aos jogos da rodada. Traduz uma postura de assimilao
em relao aos games, enquadrando este gnero cultural na longa e variada
cadeia de interesses das pessoas. Geralmente, essas notcias ainda esto
restritas aos cadernos de informtica e aos sites especializados (Novos games
tornam Playstation 4 e Xbox One mais atraentes) (FOLHA DE SO PAULO,
2014).
Ao analisar esses grupos de notcias, percebe-se em primeiro lugar que
esse assunto tornou-se significativo para uma parcela maior da sociedade.
Jogar e isso que essas matrias demonstram - tornou-se, em variados
graus e por diversas razes, uma atividade merecedora de crescente
curiosidade. Os jogos eletrnicos deixaram de ser uma atividade de interesse
restrito e tornaram-se um assunto de interesse geral.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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Em segundo lugar, chama a ateno a variedade de aproximaes
encontradas nas notcias. Se os games so percebidos pela mdia como um
novo objeto dentro do cenrio social, sua apreciao est longe de ser
consensual. Pelo contrrio, assiste-se a uma relao ainda ambgua e paradoxal
entre a mdia e os games. Como se essa cacofonia de posicionamentos diante
dos games expressasse um vaivm, uma hesitao, um revoluteio, no apenas
da mdia, mas sim da sociedade.
A julgar pelos discursos das matrias, os games so desejados porque
simbolizam uma nova fonte de prazer e entretenimento, porque trazem o ldico
vida das pessoas, porque integram, porque trazem refgio ao stress, porque
suavizam processos que de outro modo seriam ridos, porque podem ser uma
fonte de lucro.
Mas, ao mesmo tempo, recusam-se os games porque eles desviam as
pessoas perigosamente da realidade, porque parecem despertar
comportamentos doentios, porque so alienantes, porque incitam violncia,
porque so improdutivos e porque parecem ser perigosamente epidmicos. Os
pais exemplificam bem essa dualidade: no querem que as crianas sejam
escravizadas pelos games. Porm, no Natal, lhes oferecem novos consoles.
Essa dubiedade com que a sociedade lida com os jogos eletrnicos vaza
pelos canais miditicos e epitomiza o embate de uma sociedade que oscila
entre diferentes aproximaes e julgamentos. Uma sociedade que, por um lado,
usufrui do jogo, mas que ao mesmo tempo o rejeita, o estranha, ainda o toma
como frvolo.
Isso ainda mais verdade quando se considera o jogo como a grande
nmesis de uma sociedade ainda fundada no trabalho e em certos valores
morais-religiosos. Neste sentido, a emergncia dos jogos eletrnicos a ponta-
de-lana que reacende uma luta intestina entre diversas concepes a respeito
do jogo, cujas origens se perdem no tempo.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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1.2. NMERO DE JOGADORES AO REDOR DO MUNDO
McGonigal (MCGONICAL, 2011) tenta estimar a comunidade gamer ao
redor do mundo. Note-se que, por gamers, entende-se desde aqueles que
possuem um console at aqueles que utilizam jogos sociais via internet,
passando por usurios dos clssicos jogos de computador at os que se
divertem em dispositivos mveis, como celulares e tablets.
Apenas nos Estados Unidos existem 183 milhes de jogadores ativos [...].
Globalmente, a comunidade gamer online incluindo console, PC e jogos
para celular contabiliza mais de 4 milhes de jogadores no Oriente Mdio,
10 milhes na Rssia, 105 milhes na ndia, 10 milhes no Vietn, 10
milhes no Mxico, 13 milhes nas Amricas Central e do Sul, 15 milhes na
Austrlia, 17 milhes na Coria do Sul, 100 milhes na Europa e 200 milhes
na China (MCGONICAL, 2011, p. 3).
Aceitando os nmeros propostos por McGonical, chega-se a uma
populao de quase 670 milhes de jogadores ao redor do planeta, um nmero
nada desprezvel.
Nos Estados Unidos, pesquisa realizada em 2011 pelo NPD Group estimou
em 211,5 milhes o nmero de gamers norte-americanos (NPD GROUP, 2012),
um nmero ainda maior do que o oferecido por McGonigal (183 milhes).
Pesquisa da holandesa Newzoo, especializada na aferio do mercado de
games ao redor do mundo, reportou um total de 157 milhes de jogadores
ativos nos EUA em 2012 (NEWZOO, 2012), um nmero mais conservador. Ou
seja, a julgar por estas trs fontes, o nmero de gamers norte-americanos
oscila de 150 milhes a 200 milhes, num universo de 319 milhes de
habitantes (UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2013).
Do mesmo modo, as estimativas se estendem para outros territrios do
mundo, com nmeros muitas vezes conflitantes. Enquanto McGonical estima
em 4 milhes os gamers no Oriente Mdio, a Newzoo coloca, apenas na
Turquia, um nmero prximo de 30 milhes de jogadores. Na Rssia,
McGonical projeta 10 milhes de jogadores, enquanto pesquisa realizada pela
Viximo (VIXIMO, 2012), plataforma especializada em social games, contabiliza
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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35 milhes de jogadores e levantamento conduzido pela Newzoo aponta 38
milhes de gamers russos.
De qualquer modo, quer estime-se 700 milhes de jogadores, numa
estimativa conservadora, ou quer projete-se 1 bilho de jogadores no planeta,
numa estimativa mais ousada, fica evidente que este um fenmeno massivo
que, quer pela populao de praticantes, quer pela distribuio ao redor do
mundo, no pode deixar de ser examinado em mais detalhe.
1.3 PERFIL DOS JOGADORES NOS EUA E GR-BRETANHA
Os Estados Unidos e a Gr-Bretanha so os pases onde os jogos
eletrnicos alcanam hoje sua expresso mais vigorosa. So mercados
maduros, lugares onde diversas prticas associadas aos jogos j esto
enraizadas. Devido a isso, as pesquisas sobre esse tema neles desenvolvidas
no apenas so mais fidedignas, como tambm servem como parmetro para
estudos sobre o assunto.
Tomou-se como base para a anlise as seguintes pesquisas: Adults and
Video Games (PEW INTERNET & AMERICAN LIFE PROJECT, 2008) e Teens,
Video Games and Civics (PEW INTERNET & AMERICAN LIFE PROJECT, 2008);
BBC UK Games Research (BBC, 2005), Essential Facts About the Computer
and Video Game Industry Sales, Demographic and Usage Data da ESA
(Entertainment Software Association) (ESA, 2012).
A primeira constatao importante diz respeito ao nmero total de
jogadores dentro da populao total. O Pew Institute afirma que 53% dos
americanos com mais de 18 anos jogam videogames, dos quais 21% jogam
todos os dias ou quase todos os dias. De modo similar, pesquisa da BBC,
reportando sobre o pblico do Reino Unido, afirma que 59% da populao
pratica algum tipo de jogo eletrnico, seja ele num console, num PC, na TV
interativa, num porttil ou no celular.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
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Um segundo corte demonstra que, em todas as pesquisas, h um
componente geracional. A ESA aponta 30 anos como a idade mdia do gamer,
enquanto a BBC calcula em 28 anos a idade mdia (lembrando que entre as
duas pesquisas existe uma diferena de sete anos. Certamente, a idade mdia
sugerida pela BBC, a pesquisa mais antiga, j se elevou).
E em todas as pesquisas, quanto mais jovem, maior a taxa de uso dos
games. No Reino Unido, virtualmente 100% da populao de 6-10 anos
praticante. A taxa cai para 97% na faixa de 11-15 anos, 82% na de 16-24
anos; 65% na de 25-35 anos; 51% na de 36-50 anos e 18% na de 51-65 anos.
Os dados do Pew Institute no so diferentes: confirmam os mesmos 97% de
uso para a faixa de 11 a 15 anos. Na introduo do relatrio, pesquisadores do
Pew afirmam:
Jogar games algo universal, virtualmente todos os adolescentes jogam
games e ao menos metade jogam todos os dias. Experincias com games
so diversas, com as categorias mais populares recaindo nos gneros de
corrida, puzzle, esportes, ao e aventura. Jogar tambm social, com
muitos adolescentes jogando games uns com os outros ao menos parte do
tempo e incorporando vrios aspectos de civilidade e vida poltica. (PEW
INTERNET & AMERICAN LIFE PROJECT, 2008)
Entretanto, ainda que eventualmente geracional, h alguns dados que
chamam a ateno e que desmontam a ideia de que jogos eletrnicos so um
privilgio exclusivo dos jovens.
De acordo com o Pew Institute, o grupo dos americanos com mais de 65
anos que jogam games , proporcionalmente, mais compromissado com o jogo
que os extratos mais jovens: quase um tero dessa populao joga todos os
dias, contra apenas 20% dos jovens que jogam diariamente.
Uma terceira angulao a que diz respeito ao gnero dos participantes.
Contrariando a percepo de que o jogo uma atividade eminentemente
masculina, a pesquisa da ESA, de 2012, reporta uma proporo de 53% de
homens e 47% de mulheres gamers. Estes dados so confirmados pela
pesquisa da BBC, de 2005, que classifica os gamers entre 55% homens e 45%
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
26
mulheres. Mais ainda, de acordo com a ESA, mulheres de 18 ou mais
representam uma parte significativamente maior da populao gamer (30%) do
que garotos de 17 ou menos (18%).
Em relao educao, a pesquisa Pew indica que, quanto maior o grau
de instruo, maior a porcentagem de praticantes. Dos jogadores com 18 anos
ou mais, cerca de 57% das pessoas com grau universitrio jogam games,
contra 51% com apenas o colegial, e contra 40% das pessoas com apenas o
fundamental ou menos. Ainda de acordo com a pesquisa, estudantes podem
ser classificados como jogadores vidos, com uma taxa de 76% de usurios
que jogam diariamente, comparados com 49% dos no-estudantes.
Em termos de classe social, essa diferena tambm encontrada, ainda
que de maneira mais moderada: 56% das pessoas com renda superior a US$
75.000 anuais jogam games, contra 52% das pessoas com menos de US$
30.000 anuais. Nisto, a pesquisa da BBC aponta resultados prximos: 52% dos
membros das classes A, B, C1 jogam, contra 48% dos membros da classe C2,
D, E.
De modo geral, o que essas e outras pesquisas indicam que a populao
gamer em pases que convivem de modo mais intenso com essa prtica est,
hoje, longe de coincidir com o perfil que ainda resiste no imaginrio popular, do
gamer como homem, jovem, de classe alta.
Jogar um hbito que se espalhou pelos gneros e por diferentes classes
sociais. Tornou-se uma atividade corrente para uma parcela razovel da
populao mais idosa, uma prtica comum para a gerao dos trinta, um
componente imprescindvel de socializao quando se trata de adolescentes e
um elemento praticamente natural quando falamos de crianas.
Tambm impressiona o grau de penetrao nas diferentes classes sociais.
A maior diferena no est tanto no poder aquisitivo, mas sim no grau de
formao cultural e educacional (57% contra 40%). Jogar, neste sentido,
torna-se uma prtica cada vez mais universalizada, tal qual o uso que se faz de
outros meios, como ver TV, ouvir msica ou ir ao cinema. Jogar pode ser visto
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
27
como um componente cada vez mais presente dentro do estilo de vida
contemporneo.
Ao projetar estes dados em escala mundial, percebe-se um fenmeno
massivo, global, geracional e ainda em curso de consolidao, que estende sua
influncia no apenas queles que jogam, mas tambm, cada vez mais, queles
que no jogam - mas que convivem com os gamers e a cultura gamer em casa,
no trabalho, na escola e em outros momentos da vida social.
1.4. A INDSTRIA DE GAMES NO MUNDO
A ascenso dos jogos eletrnicos ao longo das ltimas trs dcadas
tambm est atrelada ao surgimento e desenvolvimento do jogo como produto
cultural. O tamanho da indstria de games j superou outras do setor, como a
de msica ou de revistas.
Matria publicada na revista The Economist, intitulada All the worlds a
game, oferece uma viso objetiva a esse respeito.
Nas duas ltimas dcadas o negcio de video games evoluiu de uma
indstria artesanal, que vendia para pequenos nichos de consumidores, para
um dos ramos mais pujantes da indstria de entretenimento. De acordo com
a consultoria PricewaterhouseCooopers (PwC), o mercado global de video
games rendeu cerca de US$ 56 bilhes em 2010. Isso mais que o dobro
do tamanho da indstria fonogrfica, quase um quarto a mais do que o
negcio de revistas e cerca de trs quintos do tamanho da indstria de
filmes, incluindo vendas de DVDs. PwC prediz que os video games sero a
mdia de crescimento mais rpido ao longo dos prximos anos, com vendas
subindo para US$ 82 bilhes em 2015. (THE ECONOMIST, 2011).
De acordo com a consultoria norte-americana DFC Intelligence (DFC
INTELLIGENCE, 2011), o mercado mundial de games movimentou US$ 65
bilhes de dlares em 2011 (em 2010, foi estimada uma movimentao de 62,5
bilhes). Deste valor, US$ 29 bilhes foram obtidos com a venda de consoles e
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
28
ttulos. J outros US$ 18 bilhes, com a venda de itens em jogos online, como
Farmville e congneres.
J para o analista da indstria de games Colin Sebastian, o setor faturou
USS 60 bilhes em 2011, motivado principalmente pelo crescimento nos jogos
online e mobile (IBM, 2011). Para a PricewaterhouseCooopers
(PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2011), o setor de games alcanou a marca de
US$ 68,3 bilhes em vendas no ano de 2012.
Figura 3: Faturamento anual por mdia at 2015 (Pricewaterhouse Coopers)
Em relao ao crescimento futuro, Sebastian prev que a indstria alcance
vendas de US$ 80 bilhes em 2014. A DFC Intelligence aponta US$ 82 bilhes
em 2017, e PricewaterCoopers aposta que os US$ 82 bilhes sero batidos pela
indstria em 2015.
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
29
Enfim, o que se depreende dessas estimativas que a indstria de
games, daqui a menos de uma dcada, ser majoritria dentro da indstria
cultural.
1.5 BRASIL: OS GAMERS E O MERCADO
Segundo matria publicada na Folha de So Paulo (FOLHA DE SO
PAULO, 2012), de acordo com a pesquisa Game Pop, conduzida pelo IBOPE
nas treze maiores capitais do pas, cerca de 23% dos brasileiros entrevistados
jogam videogame ou algum tipo de jogo eletrnico, ao menos de vez em
quando, perfazendo uma populao de jogadores de 45,2 milhes de pessoas.
A diviso por gnero, de acordo com os dados da pesquisa IBOPE, seria
relativamente equilibrada. Cerca de 53% dos jogadores so homens, contra
47% mulheres, acompanhando a tendncia internacional, como j observado.
Em termos de faixa etria, a mais significativa a de at 19 anos,
respondendo por 40% dos usurios algo natural, uma vez que o universo dos
jogos eletrnicos no Brasil ainda est menos amadurecido do que pases como
EUA ou Gr-Bretanha.
A classe social tambm seria fator influente. De acordo com a pesquisa,
41% so membros da classe B, o que refora a ideia de que, no Brasil, as
prticas relativas ao jogo eletrnico ainda estejam razoavelmente atreladas
classe social qual o indivduo pertence.
Em relao ao volume de dinheiro movimentado, segundo matria da
Folha de So Paulo (FOLHA DE SO PAULO, 2012), a consultoria
PricewaterhouseCoopers (PwC) estima que o mercado nacional movimentou R$
840 milhes em 2011, o que o colocaria como o quarto maior mercado do
mundo. A previso mdia de crescimento, segundo a consultoria, giraria em
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CAPTULO I: JOGOS ELETRNICOS NO CENRIO CONTEMPORNEO
30
torno de 7,1% ao ano, at 2016 quando o mercado brasileiro atingiria o valor
de R$ 4 bilhes.
Pensado como negcio, os jogos no Brasil esto ainda dentro de um
processo de maturao. Porm, os dados sugerem que esse quadro se altera
paulatinamente, ano a ano, impulsionado pela disseminao massiva da
internet e de aparelhos como celulares, tablets e computadores.
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31
CAPTULO II:
AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
2.1. AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
O campo de estudos sobre os jogos conhecido por duas caractersticas:
a primeira que um campo vasto, escrutinado por especialistas de reas to
distintas como a Etologia, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Filosofia e
Comunicao.
E a segunda que, a despeito das inmeras tentativas de defini-lo, ele
permanece ainda um campo em boa parte no desvendado, cercado por
ambiguidades, elusivo quanto s classificaes e generalizaes com que a
Cincia tenta elucidar seus objetos de estudo.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
32
primeira vista, parece relativamente fcil identificar quando uma pessoa
est envolvida num jogo. Por exemplo, tome-se duas crianas brincando num
jardim, empreendendo uma disputa para ver se uma consegue pegar a outra.
Quer o observador seja um participante da cultura global contempornea, ou
quer seja membro de outra tradio cultural, quase instintivo para um ser
humano identificar o comportamento delas como um jogo.
Por outro lado, embora identificar um jogo parea muitas vezes uma
atividade banal, facilmente reconhecvel, alcanar uma definio precisa a
respeito das fronteiras daquilo que jogo (e do que no ) tarefa que se
demonstra praticamente impossvel.
A razo disso, de maneira muito resumida, est no fato de que, sob a
gide da palavra jogo, abrigam-se um grande nmero de percepes,
fenmenos, agentes e motivaes, que impossibilitam uma totalidade
explicativa mesmo para os mais bem elaborados esquemas tericos.
Nas palavras do pesquisador-chefe do Laboratrio de Pesquisa sobre o
Jogo e o Jogar da Universidade Paris-Nord, Jacques Henriot (HENRIOT, 1989),
citado por Brougre (BROUGRE, 1998, p. 17), O jogo uma coisa de que
todos falam, que todos consideram como evidente e que ningum consegue
definir.
De antemo, o vocbulo jogo, por si s, j traz consigo uma formidvel
polissemia, como ser visto adiante, indicativa ela mesma da amplitude e da
variabilidade com que esse tipo de fenmeno se manifesta dentro de inmeros
contextos. E que se adensa ainda mais, caso jogo seja utilizado no sentido
mais amplo que o sentido original dado ao verbo play na lngua inglesa e
spielen na lngua alem que considera como jogo atividades estruturadas
em torno de regras informais, como as brincadeiras infantis, ou ainda
considerando como jogo um tipo particular de fruio que a participao
vicria (assistir a uma pea de teatro, assistir a uma partida de futebol, etc..).
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
33
Um bom exemplo de como opera essa polissemia imaginar uma pessoa
dialogando com outra. Mostre um jogo s crianas. E a pessoa imediatamente
ensina-as a jogar dados a dinheiro. No tive em mente um jogo como esse
dir o primeiro (WITTGENSTEIN, 1999, p. 54).
Na tentativa de organizar melhor os nveis de entendimento atrelados ao
termo jogo, Gilles Brougre, por exemplo, em seu livro Jogo e Educao,
distingue trs contextos de uso diferentes para essa palavra. Em sua viso,
jogo pode ser entendido primeiramente como uma atividade, uma situao
que se caracteriza pelo fato de que seres jogam, tm uma atividade que diz
respeito ao jogo, qualquer que seja sua definio (BROUGRE, 1998, p. 14).
Para ele, isso abrange desde atividades reconhecidas diretamente como
jogo (uma partida de futebol) at aes que sejam nomeadas como jogo dentro
de um plano metafrico (jogo poltico, jogo do amor, jogo da vida, etc.).
Mas, para Brougre, jogo tambm pode ser entendido como uma
estrutura, um sistema de regras (game, em ingls), que existe e subsiste de
modo abstrato independentemente dos jogadores, fora de sua realizao
concreta em um jogo entendido no primeiro sentido (BROUGRE, 1998, p. 14).
Claro, nesta acepo, o jogo tambm transborda para o mundo real, na medida
em que pode ser traduzido como um software, ou ainda como um espetculo
(um jogo de tnis televisionado, uma partida de futebol).
Finalmente, para Brougre, o jogo tambm um objeto, numa associao
que o aproxima de um brinquedo, embora, para ele, exista uma diferena
fundamental, que o uso dos objetos de jogo dentro de um sistema de regras
que os dotem de sentido. Um tabuleiro de xadrez, nesta acepo, um
material ldico que ganha expresso na medida em que a representao
concreta de um sistema de regras que o sustenta.
J Wittgenstein, em sua obra Investigaes Filosficas, segue outro
caminho. Ele tenta dar conta dessa grande diversidade que se abriga sob o
signo do jogo assumindo a ambiguidade que se embute nesse fenmeno e
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
34
nessa palavra. Em seu aforismo 66, ele demonstra seu entendimento da
questo:
Considere, por exemplo, os processos que chamamos de jogos. Refiro-me
a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, torneios esportivos, etc. O que
comum a todos eles? [...] Considere, por exemplo, os jogos de tabuleiro,
com seus mltiplos parentescos.
Agora passe para os jogos de cartas: aqui voc encontra muitas
correspondncias com aqueles da primeira classe, mas muitos traos
comuns desaparecem e outros surgem. Se passarmos agora aos jogos de
bola, muita coisa comum se conserva, mas muitas se perdem. So todos
recreativos?
Compare o xadrez com o jogo da amarelinha. Ou h em todos um ganhar e
um perder, ou uma concorrncia entre os jogadores? Pense nas pacincias.
Nos jogos de bola h um ganhar e um perder; mas se uma criana atira a
bola na parede e a apanha outra vez, esse trao desapareceu. Veja que
papis desempenham a habilidade e a sorte. E como diferente a habilidade
no xadrez e no tnis.
Pense agora nos brinquedos de roda: o elemento divertimento est
presente, mas quantos dos outros traos caractersticos desapareceram! E
assim podemos percorrer muitos, mas muitos outros grupos de jogos e ver
semelhanas surgirem e desaparecerem. E tal o resultado desta
considerao: vemos uma rede complicada de semelhanas, que se
envolvem e se cruzam mutuamente. Semelhanas de conjunto e pormenor.
(WITTGENSTEIN, 1999, p. 52)
Wittgenstein nomeia essa teia de semelhanas como semelhanas de
famlia, do mesmo modo que, dentro de uma grande famlia, encontramos
tanto uma vaga semelhana entre os indivduos que dela fazem parte, quanto
algumas diferenas, quer seja a cor dos olhos, o temperamento, a estatura ou
os traos fisionmicos. Ou seja, Wittgenstein entende os jogos como uma
famlia, impossvel de ser definida nitidamente, mas semelhante o suficiente
para que seus membros possam celebrar algo em comum.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
35
Porm, a polissemia dos jogos tambm se traduz atravs de outro prisma
que no o da linguagem: pelas diferentes atividades atravs das quais o jogo se
expressa dentro da experincia humana. Sutton-Smith (SUTTON-SMITH, 2001,
p. 5) lista algumas nas quais o jogo pode surgir.
a) Jogos Mentais ou Subjetivos: sonhos, sonhar acordado, fantasia,
imaginao, ruminaes, divagaes, Dungeons & Dragons (RPG),
metforas de jogo, jogar com metforas.
b) Jogos Solitrios: hobbies, colees, modelismo (trens, avies, barcos),
escrever para amigos postais, construir maquetes, ouvir msica,
construes, projetos de arte, jardinagem, arranjos florais, utilizao de
computadores, assistir vdeos, leitura e escrita, novelas, brinquedos, viagem,
simulaes de batalhas, msica, bichos de estimao, trabalhos em madeira,
ioga, antiguidades, voar, corrida de carro, colecionar e reconstruir carros,
velejar, mergulhar, astrologia, andar de bicicleta, trabalhos manuais,
fotografia, fazer compras, viagem de mochila, pescar, bordar, observar
pssaros, palavras-cruzadas, cozinhar.
c) Comportamentos de Jogo: pregar peas, brincar por a, jogar contra o
tempo, animar algum atravs de brincadeiras, fazer troa de outros, fazer
trocadilhos com as palavras, fuar em equipamentos, colocar algum na
brincadeira, manter as coisas em jogo, jogar limpo, jogar contra as regras.
d) Jogos Sociais Informais: piadas, festas, cruzeiros, viagem, lazer, dana,
skate, perder peso, jantares, jogos de conquista, jantares coletivos, passear
no shopping, receber convidados, cuidar de crianas, baladas, puxar e
agarrar, parques de diverso, anacronismo criativo, parques de diverso,
intimidades, jogos de fala (histrias, fofocas, nonsense), bares de solteiros,
bares, mgica, radio-amador, restaurantes, internet.
e) Jogos de Audincia Vicria: televiso, filmes, quadrinhos, concertos,
terras da fantasia, espectador de jogos, teatro, shows de msica, desfiles
(Carnaval, procisses, datas cvicas), concursos de beleza, corridas de
automveis, parques nacionais, festivais de folclore, museus, realidade
virtual.
f) Jogos de Performance: tocar piano, tocar msica, ser um ator, jogar o
jogo pela graa do jogo, curtir um determinado lugar (Nova York),
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
36
pescaria, cavalgada, imitar e fazer vozes diferentes, fazer mmica, brincar
por brincar.
g) Celebraes e Festivais: aniversrios, Natal, Pscoa, Dia das Mes, troca
de presentes, banquetes, churrascos, casamentos, festivais, iniciaes.
h) Disputas (jogos e esportes): atletismo, jogos de azar, cassinos, cavalos,
loterias, boles, futebol, luta de pipas, golfe, gincanas, beber entre amigos,
Olimpadas, touradas, briga de galo, crquete, pquer, truques sujos,
estratgia, habilidades fsicas, sorte, disputas entre animais, arqueria, queda
de brao, jogo de tabuleiro, jogos de cartas, artes marciais, ginstica.
i) Jogos de Risco: explorao em cavernas, asa delta, caiaque, rafting,
esquiar na neve, bunguee jumping, windsurf, escalada, mountain bike,
ultramaratona, pular de paraquedas.
E da mesma maneira com que o jogar se espraia pelas mais diferentes
atividades humanas, tambm possvel perceber sua presena atravs do seu
vasto nmero de agentes (de crianas a atletas); ou ainda atravs dos
equipamentos utilizados para o jogar, que vo desde os mais formais (bolas,
tacos, dados, cartas, peas, softwares) at os mais informais, j que
praticamente qualquer coisa pode se tornar um objeto de jogo.
Outra maneira de se dar conta da amplitude do jogo (e de suas
definies) atravs do fato de que ele largamente ultrapassa a fronteira da
humanidade, podendo ser encontrado no s em praticamente todos os grupos
de mamferos, mas tambm em aves. O eminente etologista Robert Fagen, em
seu clssico trabalho Animal Play (1981), oferece exemplos de
comportamento de jogo em mais de quinhentas espcies diferentes de
mamferos e aves, e aponta ainda dois estudos sobre comportamento de jogo
at mesmo em rpteis, como os crocodilos, que gozam de certo parentesco
com as aves (corao com quatro cmaras, cuidados ps-natais). De certa
maneira, o jogo parece atrelar-se ao prprio desenvolvimento da inteligncia.
Ademais, a confirmao de que outras espcies tambm jogam obriga os
estudiosos do jogo a enquadrar esse fenmeno, dentro da esfera humana, no
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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apenas eminentemente como uma manifestao cultural, mas sim como um
algo anterior cultura, como uma fora primeva.
Talvez por conta disso, vrios tericos tenham insistido em buscar a raiz
do jogar dentro do comportamento animal, j que nesse campo estariam
menos suscetveis s complexas variaes culturais, psicolgicas e sociais
encontradas na espcie humana.
Ao realizar um balano dos estudos sobre o jogo animal, autores como
Salen e Zimmerman (SALEN e ZIMMERMMAN, 2004, p. 309) indexam algumas
das supostas motivaes ou funes que, desde o sculo XVIII, eram
tipicamente associadas com o jogar em diversos campos de estudo, tendo
como pano de fundo uma explicao biolgica.
Via de regra, essas teorias procuravam divisar uma funo ou vantagem
evolutiva associada ao jogo. Dentre outras possibilidades, o fenmeno do jogo
era comumente associado a:
a) Gasto de um surplus de energia.
b) Expresso de exuberncia geral, joie-de-vivre.
c) Expresso de impulsos relacionados ao sexo, agresso ou ainda
ansiedade.
d)Treino, prtica juvenil de habilidades relacionadas vida adulta.
e) Contexto para explorao e experimentao.
f) Um meio de socializao.
g) Ferramenta para auto-expresso e diverso.
Entretanto, esse tipo de explicao, que procurava oferecer uma funo
de ordem biolgica para justificar a existncia do jogo, no se provou suficiente
para dar conta da totalidade desse fenmeno. Como diria Huizinga,
O mais simples raciocnio nos indica que a natureza poderia igualmente ter
oferecido s suas criaturas todas essas teis funes de descarga de energia
excessiva, de distenso aps um esforo, de preparao para as exigncias
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
38
da vida, de compensao de desejos insatisfeitos, etc., sob a forma de
exerccios e reaes puramente mecnicos. Mas no, ela nos deu a tenso,
a alegria e o divertimento do jogo. (HUIZINGA, 2001, p. 5)
Um exemplo prtico que demonstra os limites desse tipo de interpretao
o fornecido pela etologista Lynda Sharpe, em depoimento Scientific
American. Durante catorze anos ela estudou em campo o comportamento de
pequenos mamferos habitantes do deserto de Kalahari, chamados de suricatas.
Seu objetivo, ao acompanhar o crescimento de quarenta e cinco suricatas, era
comprovar se comportamentos de jogo efetivamente se traduziam em
vantagens para seus participantes.
O resultado de suas observaes foi que indivduos que brincavam mais
de caador no se transformavam em melhores caadores do que aqueles
que jogavam menos. Do mesmo modo, suricatas que brincavam juntos e eram
mais sociveis no desenvolveram laos de amizade superiores aos que no
brincavam tanto. E nem aqueles que brincavam mais de luta desenvolveram-
se preponderantemente como machos dominantes. Vrios outros estudos com
coiotes, gatos e outros mamferos chegaram mesma concluso (SHARPE,
2011).
o que exemplifica Sutton-Smith, rebatendo a idia de que o jogo, por
exemplo, uma preparao para a vida: Em termos humanos, quantos de ns
vamos assistir a uma pea, ou a um filme, ou assistir desenhos primariamente
para ganhar informao a respeito de habilidades teis para a vida real?
(SUTTON-SMITH, 2001, p. 27).
essa ambiguidade que leva Fagen (FAGEN, 1981), citado por Sutton-
Smith (SUTTON-SMITH, 2001, p. 2) a afirmar que
A mais irritante caracterstica do jogo no sua incoerncia perceptual,
como tal, mas sim, que o jogo nos provoca com sua inacessibilidade. Ns
sentimos que algo est por trs de tudo, mas ns no sabemos, ou
esquecemos como enxergar isso.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
39
Essa sensao de areia escapando das mos se deve, em boa parte,
maneira sutil como esse fenmeno se infiltra na vida cotidiana. Pois como
definir algo que se insinua, sem aviso, nas mais variadas necessidades e
motivaes?
Ainda assim, especialmente nos ltimos dois sculos, propagaram-se as
mais diferentes definies sobre jogo, a partir de suas mltiplas expresses e
cruzamentos dentro da experincia humana.
Burghardt, em seu livro The Genesis of Animal Play: Testing the Limits
lista alguma delas (BURGHARDT, 2006, p. 7), produzidas por pesquisadores de
diversos campos de estudo, o que apenas refora a sensao de perplexidade
diante de to diferentes maneiras de se perceber o jogo:
a) Jogo liberdade.
b) Jogo um respiro essencial das seriedades da vida.
c) Jogo um comportamento srio nos quais as artes da guerra so
aprendidas.
d) Jogar simplesmente vagabundear: o comeo de um caminho que leva
delinquncia, apostas e at mesmo crime.
e) Jogo encorajado pelos poderosos da sociedade para distrair as massas
de suas opresses, ou mais benignamente, para amenizar a falta de controle
sobre as decises que os afetam.
f) Jogo carrega em si toda a criatividade e inovao, incluindo arte e cincia
produzida pelos adultos.
g) Jogo o manancial dos rituais e mitos pelos quais ns estruturamos
nossas vidas. Toda vida um jogo ou um palco no qual ns atuamos
durante o nosso tempo dado.
h) Jogo um produto burgus da industrializao e ganhou tal denominao
apenas aps o trabalho tornar-se apartado da vida cotidiana.
i) Jogo a feliz e entusistica participao na vida.
j) Jogo um esporte cruel, tenso e competitivo.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
40
A partir desse quadro de extensa diferena, Sutton-Smith sugere a
seguinte sada terica. Para ele, em torno das diferentes vivncias e
aproximaes em relao ao jogo, foram sendo forjadas diferentes retricas,
que buscam, implcita ou explicitamente, convencer e persuadir os outros a
respeito da veracidade de suas crenas. E cada uma dessas retricas acaba por
descrever o jogo a partir de um contexto mais amplo de entendimento.
Sutton-Smith enumera sete grandes tradies, cada qual com sua prpria
retrica e associadas a diferentes tradies histricas, significados, formas,
disciplinas e tericos. Embora todas sejam vlidas, em suas diferenas elas
demonstram o que talvez seja uma das poucas concordncias em relao ao
jogo: sua grande variabilidade contextual. Em resumo, essas sete retricas
buscam aproximaes com os jogos da seguinte maneira (SUTTON-SMITH,
2001, p. 9):
a) Jogo como Progresso por esta retrica, o jogo visto como uma
adaptao, como um mecanismo de progresso, como uma forma de
desenvolvimento do crebro, como uma maneira de indivduos jovens
adquirirem habilidades, socializarem, amadurecerem as emoes. Surgida a
partir do Iluminismo, usualmente aplicada no estudo de animais e em estudos
sobre o jogo infantil. Para Sutton-Smith, uma viso que agrada bastante aos
pais e ao pblico ocidental, embora sua eficcia tenha sido mais assumida do
que demonstrada (SUTTON-SMITH, 2001, p. 9). Nela, o jogo visto, muitas
vezes, muito mais como uma forma de desenvolvimento do que de
divertimento.
b) Jogo como Destino provavelmente a retrica mais antiga e remonta
ao prprio conceito do homem como um joguete dos deuses. Aqui, o jogo
associado pura aleatoriedade, ao caos, sorte, ao destino e s tentativas de
manipulao a partir de orculos e prticas animistas. Embora esteja em
desprestgio junto elite intelectual, ainda se manifesta com vigor na cultura
popular. Ela contrasta com teorias mais modernas que definem o jogo, por
exemplo, como uma questo de livre escolha.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
41
c) Jogo como Poder esta retrica diz respeito ao uso do jogo como
mecanismo de hegemonia. Aqui, jogo estratgia, habilidade, com um fim
claro de vitria e dominao. O jogo pensado como representao de um
conflito e uma maneira de fortalecer o status quo. Huizinga, de certo modo, ao
apontar o jogo civilizatrio como uma competio entre naes, participa dessa
viso. uma retrica to antiga quanto a guerra e o patriarcado. Encontra eco
na contemporaneidade principalmente nos esportes, embora seja desprezada
por estudiosos que enxergam o jogo como lazer e divertimento.
d) Jogo como Identidade aqui, o jogo visto como meio de interao
simblica, criao de laos, vida comunal, (festividades, performances teatrais e
at mesmo como rituais religiosos, como enterros e casamentos). Neste caso, o
jogo visto como um meio de confirmao e manuteno de um vnculo social.
uma abordagem popular entre antroplogos e folcloristas.
e) Jogo como Imaginrio usualmente aplicada a toda sorte de
improviso na literatura e em outros lugares. Ela idealiza a imaginao, a
flexibilidade e a criatividade que permeiam o jogar. Associada ao movimento
romntico, acadmicos da rea literria e das artes ainda hoje enxergam o jogo
a partir dessa perspectiva, tornando essa retrica uma das mais populares nos
dias de hoje.
f) Jogo como Self uma retrica muito presente quando se descrevem
atividades solitrias como hobbies ou esportes radicais que produzem
atividades de pico, como bungee jumping. Suas bases cientficas examinam a
diverso, o relaxamento, o escape proporcionado pelo jogo. Aqui existe uma
conexo com o consumismo e o individualismo presentes na vida moderna.
g) Jogo como Frivolidade esta retrica abriga tanto as descries de
jogos que se manifestam a partir da inverso da ordem social (Carnaval)
reino dos bufes, dos mascarados, dos bobos da corte quanto, tambm, a do
jogo como atividade negativa, oposta ao trabalho e virtude.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
42
Naturalmente, essas retricas no operam com o mesmo peso dentro da
dinmica contempornea. Discursos pertencentes a certas retricas (como a
antiqussima retrica que pensa o jogo como Destino) encontram dificuldade
em impor-se numa sociedade que, ao menos nos ltimos duzentos anos, se
imagina calcada no mrito, no progresso e na cincia.
Viver, dados os avanos da medicina e os nveis cada vez maiores de
controle da violncia, tornou-se uma tarefa muito menos arriscada do que
anteriormente.
Ademais, a sorte, o destino, o acaso, que se agigantam em tempos de
guerra, de peste e de tragdias naturais, tornam-se elementos menos evocados
em tempos de calmaria.
Ainda assim, uma retrica que no perdeu de todo o seu poder. O
grande apelo das loterias, a despeito da enormidade das chances em contrrio,
uma demonstrao de como a Fortuna ainda arrebata magicamente coraes
e mentes treinados para o racionalismo. E os jogos de azar, embora no gozem
do mesmo prestgio dos games, ainda respondem por um faturamento dez
vezes maior.
Do mesmo modo, outras retricas antigas como as que enxergam o
Jogo como Poder ou Jogo como Identidade ainda que acossadas pela
ampliao dos Direitos Humanos, pela alta regulao do comportamento social,
enfim, pela noo de civilizao, com todo o mal-estar que isso provoca, so
capazes de volta e meia se impor no cenrio social. Elas se expressam nos
cnticos enlouquecidos das torcidas nos estdios, nas exaltaes ao Carnaval e
nos games de tiro com seus enredos supremacistas.
Por outro lado, retricas que surgiram na esteira do Iluminismo, como a
do Jogo como Progresso, ou que sofreram influncia do Romantismo, como o
Jogo como Imaginrio, ou ainda de fontes mais modernas, como o Jogo
como Self, gozam de mais trnsito dentro da conjuntura contempornea.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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mais fcil para os ouvidos modernos conceber o jogo como uma
ferramenta para o aprendizado, ou um treino para a vida. mais palatvel
imaginar o jogo como uma disposio pessoal, uma intencionalidade
intrinsecamente motivada, divertida e livre, do que como um fenmeno
extrnseco, governado pela vida comunal, um dever nem sempre prazeroso,
como o so diversos rituais de tribos e comunidades rurais.
Finalmente, impossvel no mencionar a influncia at poucas dcadas
inconteste, e ainda hoje bastante influente, que a retrica do Jogo como
Frivolidade exerce dentro do corpo social, fruto de sculos do martelar de
valores puritanos em relao ao jogar, bem como da presso exercida pela
ideologia capitalista nos ltimos quatrocentos anos, que viu durante muito
tempo no jogo um inimigo a ser combatido (tempo dinheiro, e o jogo , sob
esse ponto de vista, uma perda de tempo).
Ainda hoje, ecos desses discursos assombram aqueles que jogam.
Jogadores so viciados em games. Jogar, muitas vezes, associado a
vagabundear. Jogos so vistos como perda de tempo, ou uma atividade
restrita ao universo infantil. Ou ainda, s so bem vistos se forem direcionados
para alguma atividade produtiva, como treinamento corporativo ou como
ferramenta de educao.
Talvez por conta da fora desta ltima retrica, como diria Lhte, autor da
maior enciclopdia sobre jogos em lngua francesa: O jogo permanece um
universo obscuro, frequentemente suspeito, raramente observado com ateno
e ainda mais raramente visto com simpatia (LHTE, 1994, p. 7)
Mas, afinal, o que essas diferentes concepes de jogo demonstram? Essa
impressionante variedade e tambm sua aparente disparidade parecem lanar
sobre o jogo muito mais um vu de ocultamento do que efetivamente aclarar
alguma coisa, pois algo que se desdobra em muitas possibilidades, em verdade,
no se compromete inteiramente com nenhuma delas.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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essa caracterstica que faz com que Spariosu qualifique o jogo com a
palavra grega anfibolo, que significa um objeto que corre simultaneamente
para direes opostas, em flagrante ambiguidade (SPARIOSU, 1989).
Para ele, a despeito do crescente interesse no conceito de jogo e nas
centenas de definies a respeito de sua natureza e funo, ainda assim esse
um fenmeno que permanece nos dias de hoje to elusivo quanto h dois mil
anos atrs, podendo ser enquadrado naquilo que os germnicos classificam
como das stumme Wissen (conhecimento tcito), ou seja, um conhecimento
muito mais fcil de ser intudo do que racionalizado.
Ao fim, no entremear de todas essas diferentes retricas e tradies, que
competem pela primazia explicativa a respeito dos jogos, o que resta, na viso
de Sutton-Smith, so apenas as ideologias, preconceitos e disciplinas das
pessoas que tentam desvendar esse enigma.
Spariosu coaduna com a viso de Sutton-Smith. Para ele, por exemplo,
essas diferentes vises a respeito do jogo traduzem uma:
[...] Incomensurvel, descontnua srie de interpretaes engajadas numa
disputa pela supremacia. A histria daquilo que ns chamamos de jogo no
mundo Ocidental , portanto, uma histria de conflito, de competio entre
conceitos de jogo que ora tornam-se dominantes, ora cedem terreno, para
ento reemergirem, de acordo com as necessidades dos vrios grupos e
indivduos que pelejam por autoridade cultural num dado perodo histrico
(SPARIOSU, 1989, p. xi).
Em outros termos, uma definio de jogo, dadas as diferentes razes
explicativas pelas quais pode ser construda, mostra-se sempre como uma meta
instvel, fugidia, ambgua. Ela ser sempre a expresso da hegemonia de
alguma retrica.
O jogo, ao cabo de tudo, permanece um mistrio, ao mesmo tempo em
que opera como um espelho: ele apenas reflete os prprios termos nos quais
foi inquirido. E, ao tentar desconstruir essa ambiguidade e alcanar uma
definio precisa, ns camos em tolices (SUTTON-SMITH, 2001, p. 1).
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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2.2. EM BUSCA DE UMA DEFINIO DE JOGO
Prope-se como norte desta anlise uma frase muito simples e direta,
encontrada no Homo Ludens de Huizinga. Antes de mencion-la, porm, vale
comentar que alguns autores modernos possuem uma postura dual em relao
a esse pioneiro.
Por um lado, o aplaudem, j que o atrevimento desse autor foi o de
provocativamente clamar pelo jogo como uma das mais fundamentais funes
humanas, permeando todas as culturas desde o incio, desvencilhando-o de
puritanismos e vises utilitaristas reinantes na poca.
Por outro lado, Huizinga acusado, s vezes, de realizar anlises carentes
de um aprofundamento metodolgico mais claro (ECO, 1989, p. 274), ou ainda
de se abrigar numa mentalidade romntica, na qual o jogo aparece idealizado e
sacralizado (SUTTON-SMITH, 2001, p. 203).
De fato, Huizinga ardoroso, romntico e mesmo aristocrtico em sua
argumentao. Entretanto, seu livro permanece como fonte primordial para
qualquer estudo na rea de jogos no apenas por seu valor histrico, mas
principalmente porque ao menos no entendimento contemporneo que se
tem do jogo Huizinga foi extremamente lcido ao propor que o jogo fosse
estudado em seus prprios termos, e no como algo menor, coadjuvante de
outras cincias.
Isso fica claro logo no incio de seu livro, quando o autor, procurando
desatrelar o estudo dos jogos das teorias que buscavam justificar esse
fenmeno a partir de causas puramente biolgicas, incisivo ao afirmar qual
deveria ser o foco das pesquisas. Para ele, o jogo deveria ser considerado
em si mesmo e naquilo que ele significa para os jogadores (HUIZINGA,
2001, p. 5).
Por que o beb grita de prazer? Por que motivo o jogador se deixa absorver
inteiramente por sua paixo? Por que uma multido imensa pode ser levada
ao delrio por um jogo de futebol? [...] nessa intensidade, nessa
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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fascinao, nessa capacidade de excitar que reside a prpria essncia e a
caracterstica primordial do jogo (HUIZINGA, 2001, p. 5).
Como jogo em si mesmo, numa leitura literal, j se assumiu a
impossibilidade de uma objetividade. Por outro lado, a frase de Huizinga pode
ser encarada como uma disposio para tentar explorar o jogo em suas
particularidades, em seus mecanismos internos (mesmo operando
inevitavelmente dentro de certas retricas).
Opta-se, assim, por definir o jogo (dentre as muitas e legtimas definies
possveis) a partir de um prisma comunicacional, pela constatao de que, em
sua expresso contempornea a partir dos games eletrnicos, o jogar reflete,
em si suas temticas, suas mecnicas, sua esttica, suas possibilidades de
interao , uma cadeia de valores dentre os quais, como valor-base, se inclui a
vocao comunicacional desta sociedade.
Por isso, a discusso se encaminhar primeiro para demonstrar que o jogo
uma linguagem. Segundo, que pode ser pensado como um meio de
comunicao de massa. E terceiro, que seu modus operandi contm certas
particularidades, fundamentais para posteriormente se entender a conexo
entre o jogo e a dinmica contempornea.
Quanto segunda afirmao, o que o jogo significa para os jogadores,
no inteno esquadrinhar todas as possveis motivaes internas que fazem
com que as pessoas joguem. As razes ntimas para se jogar so as mais
variadas, assim como so variados os motivos pelos quais as pessoas, por
exemplo, se dispem a ir ao cinema, ou ler um livro.
Joga-se por prazer, joga-se por alegria, joga-se por tdio, joga-se para
espantar a tristeza, joga-se para alvio da solido, joga-se para se enturmar,
joga-se para se exibir, joga-se por escapismo, joga-se por curiosidade. Jogar
pode ser veculo para muitas coisas, inclusive para o sentimento de jogar por
jogar. E isso, em si, algo a ser considerado como um indcio da qualidade do
jogo como uma forma especial de comunicao. Afinal, visto como uma
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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linguagem, o jogo exerce naturalmente essa funo de expresso dos mais
diferentes sentimentos e atitudes.
Ao examinar porque o jogo significativo para os jogadores, o que se
pretende aqui evidenciar a conexo entre o jogo e determinadas sensaes
que so produzidas pelo mecanismo de funcionamento do jogar jogo como
fonte de diverso, jogo como fonte para o exerccio da fantasia e jogo como
fonte de onipotncia.
2.3. JOGO COMO LINGUAGEM
Em 1952, na tentativa de desvendar a origem da fascinao pelo jogo,
Bateson prope uma perspectiva inovadora a partir da biologia. Para ele, o jogo
se revelaria na intencionalidade dos que dele participam.
Afinal, quer esteja formalizado atravs de regras, quer seja apenas uma
brincadeira, o fato que jogar envolve, acima de tudo, uma disposio mental,
uma inteno, uma vontade e conscincia peculiares, que tornam aquele ato
particular diferente de outros atos, mesmo que ele seja exteriormente similar.
Na viso de Bateson, ao se especular sobre a origem da comunicao em
termos biolgicos, uma fronteira fundamental se estabelece no momento em
que um organismo gradualmente deixa de responder automaticamente aos
signos emitidos por outro organismo e comea a tomar conscincia de que
esses signos emitidos pelo outro so, em verdade, sinais.
Sinais que podem ser acreditados, iniciando-se um rudimento de
linguagem. Mas sinais que, dentro de uma sofisticao do quadro evolutivo,
tambm podem ser desacreditados, falsificados, negados, ampliados, corrigidos
e da por diante (BATESON, 2000, p. 178), naquilo que seria a base de uma
meta-comunicao, essa sim capaz de gerar complexidades como empatia,
identificao, projeo (BATESON, 2000, p. 179).
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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Nesse momento hipottico estaria a origem do jogo, pois este fenmeno
s poderia ocorrer se os organismos participantes fossem capazes de sustentar
algum grau de meta-comunicao, no qual aquilo que se denota no aquilo
que se intenciona.
Em seu exemplo clssico, Bateson menciona dois ces, brincando de se
morderem. A mordida de brincadeira, de fato, significa uma mordida dentro
do contexto do jogo, mas paradoxalmente no conota aquilo que uma mordida
em situao de real combate significaria (BATESON, 2000, p. 180). Para ele,
estaria a resumida a situao intrinsecamente paradoxal do jogo.
o que leva o prprio Bateson a pensar no jogo como uma inescrutvel
forma de meta-comunicao que sorrateiramente se espraia por praticamente
todos os ramos da experincia humana.
Posteriormente, operando a partir desse conceito-chave de Bateson,
Sutton-Smith formula, em seu livro Toys as Culture, uma definio de jogo
que evidencia com mais clareza seus contornos como linguagem.
Para Sutton-Smith, jogar seria, em primeiro lugar, (a) uma forma
primitiva de comunicao. Primitiva no no sentido de pouco apurada, mas
sim porque ela ocorre no apenas entre humanos, mas tambm entre animais.
Sendo uma linguagem, algo que necessita de tempo para ser aprendido
e, mais importante ainda, algo que precisa ser aprendido com os outros
membros do grupo.
Seus sinais, no plano fsico, so especficos. Cachorros abanam o rabo,
primatas sorriem e batem na garganta, humanos exageram e distorcem suas
aes usuais. Fazem barulhos engraados, mmicas absurdas, riem, galopam,
pulam.
Em segundo lugar, jogar seria tambm (b) uma forma primitiva de
expresso. Mais do que uma forma de comunicao, jogar seria uma maneira
de se expressar, regida por regras especficas, a mais importante das quais a
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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representao altamente esquematizada do ser, lanando mo de pantomima,
caricatura, sons, aes exageradas e representaes esquemticas.
O sentido disso no apenas o de comunicar ao outro isto um jogo.
Essas so caractersticas-chaves que fazem parte da prpria estrutura do jogar.
Crianas brincando de casinha conseguem, em poucos minutos, simular o que
seria um dia inteiro numa casa real. Jogadores de futebol representam
esquematicamente, em uma hora e meia, o conflito entre dois grupos, com
seus guerreiros especializados e tticas de dominao.
O jogo, em sua expresso, esquematiza a vida. Ele alude vida, mas no
a imita num sentido estrito, como advogam muitos tericos. Ele fagocita o
sentido original, distorce, reaproveita as partes e constri autonomamente
outro sentido.
Ademais, em terceiro lugar, jogar tambm pode ser visto como (c) uma
forma paradoxal de comunicao. Paradoxal na medida em que a atividade
sugestionada no significa, de fato, a atividade real. Uma criana brincando de
arrumar a casa no est, de fato, arrumando a casa, embora esteja
arrumando a casa. Os dois ces de Bateson, ao brincarem de mordida, no
esto de fato se mordendo, embora em seu ato fsico estejam se mordendo.
Esse relacionamento ambivalente entre jogo e vida, na viso de Sutton-
Smith, evidencia uma quarta qualidade do jogo, que a sua (d) constante
bipolaridade entre as fronteiras da vida cotidiana e o jogo,
recorrentemente reequilibradas.
Essa guerra de fronteiras entre esses dois limites pode ser bem entendido
pelas primeiras brincadeiras infantis, como a brincadeira de esconder. A criana
se esconde atrs de um pano qualquer e depois coloca a cabea para fora do
pano, revelando-se novamente (Achoooou!), ou ainda qualquer brincadeira
que mostre a sucessiva repetio entre estados alternados, como atacar e
defender.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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Jogar , dentro de um estado real, entregar-se a uma realidade paralela
que, paradoxalmente, por sua vez, no possui condies de firmar-se
definitivamente como tal. Como numa alucinao, o crebro obrigado a
conviver com duas percepes distintas e realizar um rebalanceamento
constante entre elas.
Por fim, como quinta caracterstica, o jogo considerado (e) uma forma
primitiva de simbolizao de motivaes subjacentes. O jogo um
veculo que, certamente precedendo a arte e a linguagem, capaz de
compartilhar estados emocionais com aqueles que partilham da mesma ao.
O resultado disso pode ser facilmente observado ao se analisar quantos
estados de esprito, emoes e motivaes ganham forma atravs do jogo.
Jogar pode ser a forma de velhos amigos se confraternizarem, de Estados
adversrios demonstrarem a superioridade um sobre outro, de uma me e um
filho passarem bons momentos juntos, de casais apaixonados demonstrarem
interesse mtuo, de jovens disputarem a supremacia num grupo.
Ademais, essa capacidade de trnsito de motivaes subjacentes
frequentemente forma uma conexo que deixa parte todos os que no esto
jogando. Isso facilmente comprovvel ao ver que a excitao que percorre
aqueles que esto jogando muitas vezes no compartilhada por aqueles que
esto alheios ao jogo. O jogo, de certa forma, possui a qualidade de formar um
grupo secreto a partir dessas emoes subjacentes.
2.4. JOGO COMO MEIO DE COMUNICAO DE MASSA
Pensar o jogo como uma meta-comunicao, ou como uma forma de
comunicao primitiva algo que j foi divisado, principalmente por autores
dedicados ao jogo dentro no universo infantil. Vrios tericos j apontaram
essa proximidade entre jogo e linguagem, como Piaget, ao descrever o jogo
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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simblico (PIAGET, 1988) como mecanismo-chave pelo qual a criana aprende,
ou ainda Winnicott, quando prope o jogar como um estado transicional, uma
ponte, um veculo entre a realidade psquica e a realidade externa
(WINNICOTT, 1975).
Porm, na rea de Comunicao, essa conexo entre jogos e linguagem
s foi percebida de maneira direta por McLuhan, em 1964, ao publicar sua obra
clssica Os Meios de Comunicao como Extenses do Homem. Ele claro ao
apontar:
Como nossos idiomas vernculos, todos os jogos so meios de comunicao
interpessoal e no possuem existncia nem significado a no ser como
extenses de nossas vidas interiores imediatas. (MCLUHAN, 2011, p.
266)
McLuhan no tinha, quela altura, condies de antever a prolfica relao
que o jogo teria com as novas tecnologias computacionais, nem prever a
importncia que os jogos tomariam dentro da dinmica cultural moderna. Por
isso mesmo, sua anteviso de que os jogos podem ser considerados meios de
comunicao de massa ainda mais surpreendente:
Se se perguntar, finalmente: os jogos so meios de comunicao de
massa? a resposta tem de ser: Sim. Os jogos so situaes arbitradas
que permitem a participao simultnea de muita gente em determinada
estrutura de sua prpria vida corporativa ou social. (MCLUHAN, 2011, p.
275)
A se concordar com McLuhan, para alm da fascinao que exercem
enquanto entretenimento, os jogos eletrnicos tambm podem e devem ser
considerados como meios de comunicao de massa, um conceito que ser
explorado na concluso do trabalho.
Porm, mais que isso, McLuhan atenta para algo fundamental relativo ao
jogo. A de que esse fenmeno possui, alm de uma linguagem particular, uma
dinmica particular.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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A forma de qualquer jogo de primordial importncia. A teoria do jogo,
como a teoria da informao, ignorou esse aspecto do jogo e do movimento
informacional. Ambas as teorias tm tratado do contedo informativo dos
sistemas, limitando-se a observar os fatores de rudo ou de fraude que
distorcem os dados. como abordar um quadro ou uma composio musical
do ponto de vista do contedo. Em outras palavras, este o caminho mais
seguro para ignorar o cerne estrutural da experincia. Pois assim como o
padro de um jogo que lhe confere relevncia para a nossa vida interior e
no quem joga ou o resultado do jogo assim tambm se d com o
movimento da informao (MCLUHAN, 2011, p. 272).
Em primeiro lugar, a crtica realizada s teorias Funcionalistas, implcita na
fala de McLuhan, poderia tambm, em igual medida, ser destinada escola de
Frankfurt. Pois ambas as teorias fundadoras, embora diametralmente opostas
entre si, expressavam uma viso comum sobre os receptores da
comunicao: seres apassivados e manipulveis, numa postura que, na melhor
das hipteses, subestimava o jogo de negociao de sentidos dentro do
processo comunicacional, viso esta que s ganharia proeminncia na rea da
Comunicao tardiamente, a partir da dcada de oitenta, com os estudos
culturais ingleses e posteriormente com sua contraparte latino-americana.
De fato, a relao de predomnio do emissor sobre o receptor a idia que
primeiro desponta, sugerindo uma relao bsica de poder, em que a
associao entre a passividade e receptor evidente. Como se houvesse
uma relao sempre direta, linear, unvoca e necessria de um plo, o
emissor, sobre outro, o receptor [...] e no eixos de um processo mais
amplo e complexo, por isso mesmo, permeado por contradies (SOUSA,
1995, p. 14).
Porm, de todas as suas observaes, a que mais impressiona aquela na
qual exerce seu mantra de que o meio a mensagem. McLuhan busca
compreender os jogos a partir de seu padro, de sua estrutura, de sua forma
especfica, daquilo que, em suma, o diferencia de outras linguagens. McLuhan
iguala a experincia de jogo da fruio de uma obra de arte.
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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Para ele, tanto a Arte, como os jogos, como os meios de comunicao
tm o poder de impor seus prprios pressupostos, reordenando a comunidade
humana por meio de novas relaes e atitudes. Em sua viso, tanto a Arte
quanto os jogos so ambos tradutores de experincia e sua existncia no
tem sentido ou funo fora dos efeitos que produz sobre os observadores
(MCLUHAN, 2011, p. 272).
2.5. O MODUS OPERANDI DO JOGO
Nesse sentido, a viso de McLuhan se aproxima da de Hans-Georg
Gadamer, filsofo alemo que quatro anos antes, em 1960, publicara Verdade
e Mtodo. Neste livro, Gadamer no est diretamente interessado em
desvendar o conceito de jogo. Ele o utiliza para demonstrar a falibilidade da
metafsica da subjetividade na apreciao esttica da obra de arte, este sim
seu verdadeiro alvo.
Na trilha de Heidegger, Gadamer buscava, pensando no jogo como uma
experincia para alm da subjetividade do jogador, desmantelar a tese que v
o Sujeito como o ser que subjaz a tudo, criador e legitimador dos objetos,
medida de todas as coisas, herana do Cartesianismo.
Para ele, o jogo um exemplo que demonstra os limites dessa
subjetividade do indivduo, j que [...] o jogo no surge na conscincia do
jogador, e enquanto tal mais do que um comportamento subjetivo
(GADAMER, 2008, p. 23).
Para Gadamer, tanto o jogo quanto a arte, quanto a festa, so
experincias que s podem ser verdadeiramente compreendidas se encaradas
de forma aberta, para alm da conscincia do indivduo, no prprio ato de sua
vivncia. A festa s existe na medida em que celebrada (GADAMER, 2008,
p. 181).
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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Do mesmo modo, a arte, mecanismo simblico por excelncia, s pode ser
compreendida como verdade na medida em que o espectador se proponha a
vivenci-la, saia de si, de sua subjetividade, indague-se sobre o que ela tem a
lhe dizer e a confronte com suas expectativas.
A experincia da obra de arte sempre ultrapassa, de modo fundamental,
todo horizonte subjetivo de interpretao, tanto o horizonte do artista
quanto de quem recebe a obra. A mens auctoris no nenhum padro de
medida plausvel para o significado da obra de arte (GADAMER, 2008,
p. 17).
Nesse sentido, o jogo tambm uma experincia que, para alm da
subjetividade do jogador, s pode ser verdadeiramente compreendida a partir
do jogar, a partir do momento em que o jogador decide mergulhar nessa
experincia e submeter sua subjetividade natureza do jogo, tal qual ocorre
com a experincia da obra de arte.
[...] O sujeito da experincia da arte, o que fica e permanece, no a
subjetividade de quem a experimenta, mas a prpria obra de arte.
justamente esse o ponto em que o modo de ser do jogo se torna
significativo, pois o jogo tem uma natureza prpria, independente da
conscincia daqueles que jogam (GADAMER, 2008, p. 255).
por isso que Gadamer afirma que o jogar s cumpre a finalidade que
lhe prpria quando aquele que joga entra no jogo (GADAMER, 2008, p. 155).
Sem lanar-se para dentro dele, sem abrir mo de uma subjetividade
pretensamente onisciente, sem aceitar a realidade do jogo como algo parte,
impossvel usufruir de fato dessa experincia.
O jogo se revela apenas no momento de sua vivncia. E vivenci-lo
significa aceitar que o sujeito do jogo no so os jogadores. (O jogo)
simplesmente ganha representao atravs dos que jogam o jogo (GADAMER,
2008, p. 155).
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CAPTULO II: AS MLTIPLAS FACES DO JOGO
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Ora, se o jogador no o sujeito do jogo, e o jogo no apenas uma
projeo da sua subjetividade, ento a relao estabelecida entre o jogador e
jogo a inversa do que uma leitura calcada na primazia do Sujeito faria. No
o jogador que joga o jogo. Pelo contrrio, todo jogar um ser-jogado. O
atrativo do jogo, a fascinao que exerce, reside justamente no fato de que o
jogo se assenhora do jogador (GADAMER, 2008, p. 160).
Quer seja uma criana brincando com uma bola; quer sejam jogadores de
final de semana disputando uma pelada; quer seja uma pessoa caminhando
solitria pela praia em busca apenas das conchinhas rosas; quer sejam
profissionais do xadrez disputando um campeonato, o jogo possui a
propriedade de tragar os jogadores para dentro de sua lgica.
Assim, quanto mais joga, mais a criana parece endoidecer com a bola;
pacatos pais de famlia transformam uma improvisada pelada dominical numa
luta de vida ou morte; o caminhante solitrio chega a refazer o caminho para
ver se no deixou passar uma conchinha rosa e vrios jogadores de xadrez de
alto nvel utilizam toda sorte de golpes baixos em busca da vitria, como os
grandes-mestres Petrossian e Korchnoi, em 1977, em plena competio pelo
ttulo mundial, que no hesitaram em aplicar chutes um no outro por debaixo
da mesa.
Ao se deixar arra