a escala de depressão de beck ou inventário de depressão de beck

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A Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory, BDI, BDI-II), criada por Aaron Beck, consiste em um questionário de auto-relato com 21 itens de múltipla escolha. É um dos instumentos mais utilizados para medir a severidade de episódios depressivos. Seu desenvolvimento marcou uma mudança entre os profissionais de saúde mental, que até então entendiam a depressão em uma perspectiva psicodinâmica, ao invés de enraizada nos próprios pensamentos dos pacientes (cognição). Na sua versão atual, o questionário é desenhado para pacientes acima de 13 anos de idade e é composto de diversos ítens relacionados aos sintomas depressivos como desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar sendo punido, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido. Existem três versões da escala: a BDI original, publicada em 1961 e revisada em 1978; a BDI-1A; e a BDI-II, publicada em 1996. A escala é largamente utilizada como ferramenta para medida por profissionais de saúde e pesquisadores em uma variedade de contextos clínicos e de pesquisa. Historicamente, a depressão era descrita em termos psicodinâmicos como "hostilidade invertida contra o self". A BDI, entretanto, foi desenvolvida em um novo modelo: coletando as descrições textuais de pacientes sobre seus sintomas e utilizando estes termos para estruturar uma escala que refletisse a intensidade e severidade de um dado sintoma. Durante seu trabalho, Beck chamou atenção à importância de "cognições negativas": pensamentos negativos persistentes, imprecisos e intrusivos sobre o self. [3] Beck acreditava que estas cognições "causavam" a depressão, ao invés de serem gerados pelo quadro depressivo. Beck desenvolveu uma tríade de cognições negativas sobre o mundo, o futuro e o self, que têm grande papel no desenvolvimento de um quadro depressivo. Um exemplo da tríade retirado de Brown (1995) é o caso do estudante que obtinha maus resultados nos exames: O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o mundo, assim ele passa a acreditar que não gosta das aulas. O estudante apresenta pensamentos negativos sobre seu futuro, pois pensa que não será aprovado na disciplina. O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o seu self, já que acredita que não merece estar na faculdade. DESENVOLVIMENTO E HISTÓRIA

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Page 1: A Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck

A Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck

(Beck Depression Inventory, BDI, BDI-II), criada por Aaron Beck, consiste em um questionário de auto-relato com 21 itens de múltipla escolha. É um dos instumentos mais utilizados para medir a severidade de episódios depressivos. Seu desenvolvimento marcou uma mudança entre os profissionais de saúde mental, que até então entendiam a depressão em uma perspectiva psicodinâmica, ao invés de enraizada nos próprios pensamentos dos pacientes (cognição).

Na sua versão atual, o questionário é desenhado para pacientes acima de 13 anos de idade e é composto de diversos ítens relacionados aos sintomas depressivos como desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar sendo punido, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido.

Existem três versões da escala: a BDI original, publicada em 1961 e revisada em 1978; a BDI-1A; e a BDI-II, publicada em 1996. A escala é largamente utilizada como ferramenta para medida por profissionais de saúde e pesquisadores em uma variedade de contextos clínicos e de pesquisa.

Historicamente, a depressão era descrita em termos psicodinâmicos como "hostilidade invertida contra o self". A BDI, entretanto, foi desenvolvida em um novo modelo: coletando as descrições textuais de pacientes sobre seus sintomas e utilizando estes termos para estruturar uma escala que refletisse a intensidade e severidade de um dado sintoma.

Durante seu trabalho, Beck chamou atenção à importância de "cognições negativas": pensamentos negativos persistentes, imprecisos e intrusivos sobre o self.[3] Beck acreditava que estas cognições "causavam" a depressão, ao invés de serem gerados pelo quadro depressivo.

Beck desenvolveu uma tríade de cognições negativas sobre o mundo, o futuro e o self, que têm grande papel no desenvolvimento de um quadro depressivo. Um exemplo da tríade retirado de Brown (1995) é o caso do estudante que obtinha maus resultados nos exames:

O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o mundo, assim ele passa a acreditar que não gosta das aulas.

O estudante apresenta pensamentos negativos sobre seu futuro, pois pensa que não será aprovado na disciplina.

O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o seu self, já que acredita que não merece estar na faculdade.

DESENVOLVIMENTO E HISTÓRIA

Historicamente, a depressão era descrita em termos psicodinâmicos como "hostilidade invertida contra o self". A BDI, entretanto, foi desenvolvida em um novo modelo: coletando as descrições textuais de pacientes sobre seus sintomas e utilizando estes termos para estruturar uma escala que refletisse a intensidade e severidade de um dado sintoma.

Durante seu trabalho, Beck chamou atenção à importância de "cognições negativas": pensamentos negativos persistentes, imprecisos e intrusivos sobre o self. Beck acreditava que estas cognições "causavam" a depressão, ao invés de serem gerados pelo quadro depressivo.

Beck desenvolveu uma tríade de cognições negativas sobre o mundo, o futuro e o self, que têm grande papel no desenvolvimento de um quadro depressivo. Um exemplo da tríade retirado de Brown (1995) é o caso do estudante que obtinha maus resultados nos exames:

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O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o mundo, assim ele passa a acreditar que não gosta das aulas.

O estudante apresenta pensamentos negativos sobre seu futuro, pois pensa que não será aprovado na disciplina.

O estudante apresenta pensamentos negativos sobre o seu self, já que acredita que não merece estar na faculdade.

O desenvolvimento da BDI reflete estes problemas na sua estrutura, com ítens como "Eu perdi todo o interesse em outras pessoas" para refletir o mundo, "Eu me sinto desencorajado sobre o futuro", para refletir o futuro, e "Eu me culpo por tudo de ruim que acontece" para refletir o self. A visão da doença depressiva como mantida por cognições negativas intrusivas tem particular aplicação na Terapia cognitivo comportamental, que busca desafiar e neutralizá-las através de técnicas como a reestruturação cognitiva.

BDI

A BDI original, publicada em 1961[5] consistia de 21 questões sobre como o indivíduo se sentiu na última semana. Cada questão apresentava pelo menos quatro possibilidade de respostas, que variavam em intensidade. Como exemplo:

(0) Eu não me sinto triste (1) Eu me sinto triste (2) Eu me sinto triste todo o tempo e não consigo sair desta situação (3) Eu me sinto tão triste ou infeliz que não consigo suportar

Para avaliar o resultado, um valor de 0 a 3 é determinado para cada resposta e o resultado final é comparado a uma chave para determinar a severidade do quadro depressivo. Os valores standard são: 0-9 indicam que o indivíduo não está deprimido, 10-18 indicam depressão leve a moderada, 19-29 indicam depressão moderada a severa e 30-63 indicam depressão severa. Valores maiores indicam maior severidade dos sintomas depressivos.

BDI-IA

A BDI-IA consistia em uma revisão do instrumento original, desenvovida por BECk na década de 1970 e registrada em 1978. Para facilitar o uso, Beck retirou ítens com a mesma pontuação e os indivíduos passaram a responder sobre a qualidade do seu humor nas duas últimas semanas antes da entrevista. A consistência interna da BDI-IA era boa, com um coeficiente alfa de Cronbach por volta de 0.85, o que significa que os ítens do inventório são fortemente correlacionados uns aos outros.

Entretanto, esta versão ainda apresentava algumas falhas: a BDI-IA apenas lidava com seis dos nove critérios para depressão do DSM-III. Estes e outros problemas foram tratados na BDI-II.

BDI-II

A BDI-II é resultado da revisão realizada em 1996, desenvolvida em resposta à publicação da quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders pela American Psychiatric Association's, que alterou muitos dos critérios diagnósticos do Transtorno Depressivo.

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Ítens que envolviam mudanças em imagem corporal, hipocondria e difuldade para trabalhar foram substituídos. Ítens sobre sono e apetite foram revisados para medir tanto aumento quanto redução dos mesmos. Apenas três ítens permaneceram os mesmos: ítens sobre sensação de estar sendo punido, pensamentos suicidas e interesse sexual.

Assim como a BDI, a BDI-II também contém 21 questões e cada resposta recebeu um valor de 0-3. As categorias utilizadas diferem da original: 0-13 depressão mínima, 14-19 depressão leve, 20-28 depressão moderada e 29-63 depressão severa.

Uma outra forma de avaliar a utilidade de um instrumento é notando-se quão perto suas medidas estão em sintonia com instrumentos similares, que foram validados contra entrevistas clínicas realizadas por clínicos treinados. A este respeito, a BDI-II é positivamente correlacionada com a Escala de Depressão de Hamilton com Pearson r de 0.71, indicando boa concordância. O teste também demonstrou ter alto one-week test–retest reliability (Pearson r =0.93), o que sugere que não é extremamente sensível a mudanças diárias no humor. O teste também demonstrou ter alta consistência interna (α=.91).

Abordagem bifatorial da depressão

A depressão pode ser entendida com tendo dois componenetes: o componente afetivo (humor) e o componente físico ou "somatico" (por exemplo, perda de apetite). A BDI-II reflete esta abordagem e pode ser divida em duas subescalas. O propósito destas subescalas é determinar a causa primária da depressão do paciente.

A subescala afetiva contém oito ítens: pessimismo, perdas passadas, sentimentos de culpa, sentimentos de punição, auto-desprezo, autocrítica, pensamentos ou desejos suicidas e pensamentos de desvalor. A subescala somática consiste de outros treze ítens: tristeza, alterações no apetite, perda de prazer, choro, agitação, perda de interesse, cansaço ou fatiga, indecisão, perda de energia, alterações nos padrões de sono, irritabilidade, dificuldades de concentração e diminuição da libido. As duas subescalas são moderadamente correlacionadas a 0.57, o que sugere que os aspectos físicos e psicológicos da depressão são relacionados ao invés de completamente distintos

IMPACTO

O desenvolvimento da BDI foi um importante evento em psiquiatria e psicologia. Ela representou a mudança na visão da depressão entre os profissionais de saúde de uma abordagem freudiana e psicodinâmica para uma guiada pelos pensamentos ou cognições do paciente. A escala também estabeleceu o princípio de que ao invés de se tentar desenvolver uma medida psicométrica baseada em uma teoria possivelmente inválida, questionários de auto-relato, quando analisados através de técnicas como análise fatorial podem sugerir construtos teoréticos.

A BDI foi originalmente desenvolvida para garantir medida quantitativa da intensidade do quadro depressivo. Como foi desenhada para refletir o grau de depressão, ela pode ser utilizada para monitorizar mudanças e prover medidas objetivas para julgar melhora ou efetividade de métodos de tratamento. O instrumento continua a ser largamente utilizado em pesquisa e em 1998 já tinha sido utilizada em mais de 2000 estudos.

A escala foi traduzida e validada em múltiplas línguas

LIMITAÇÕES

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A BDI sofre o mesmo problema de outros inventórios ou escalas de auto-relato, nos quais os resultados podem ser facilmente exagerados ou minimizados pelo indivíduo que as completa. Assim como os demais questionários, a forma na qual o instrumento é administrado pode causar um efeito no resultado final. Se a um paciente é solicitado que complete a escala em frente de outras pessoas em um ambiente clínico, por exemplo, expectativas sociais podem suscitar uma resposta diferente quando comparados a administração através dos correios.

Em respondentes com quadros físicos associados, o peso da BDI em sintomas físicos como fatiga, por exemplo, pode artificialmente inflacionar os resultados devido a sintomas físicos de doenças, ao invés de depressivos. Em uma tentativa de lidar com este problema, Beck e colegas desenvolveram a "Beck Depression Inventory for Primary Care" (BDI-PC), uma curta escala de rastreio que consiste em sete ítens da BDI-II considerados independentes da função física. Diferentemente da BDI, a BDI-PC produz apenas o resultado binário de "sem depressão" ou "deprimido" para pacientes que pontuam acima de 4.

Embora desenhada como um instrumento de rastreio e não como ferramenta diagnóstica, a BDI pode ser ocasionalmente utilizada por profissionais de saúde para obter um rápido diagnóstico