a estória da galinha e do ovo (luandino)

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Estudo sobre o conto de Luandino

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Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa Iprofa. Rita Chaves

A estria da galinha e do ovo (Jos Luandino Vieira)Gabriel Mouro Soaresn.USP 5439478

1.A estria da galinha e do ovo um conto de Luandino de 1963, publicado na coletnea Luuanda. As circunstncias de sua produo o livro foi escrito enquanto o autor estava preso por seu envolvimento nos movimentos de independncia de Angola no so irrelevantes para a compreenso da relevncia da obra na literatura angolana, como no o so a histria de seu autor Luandino nasceu em Portugal, mas adotou, no nome e na identificao, a cidadania angolana e a trajetria do livro, em si, cuja premiao pela Sociedade Portuguesa de Escritores causou enorme rebolio na sociedade salazarista, cuminando no desmantelamento da prpria SPE.Essas caractersticas extrnsicas, porm, so apenas contornos que permitem ao leitor situar a obra na histria angolana. Seu poder questionador, de rompimento com instituies ento instauradas no novssimo pas africano, porm, decorrem no desses aspectos extralingusticos, mas das prprias histrias, dentre as quais a que ora analisamos, parte de uma tradio de escritores angolanos que usavam a literatura como verdadeira arma contra as foras coloniais.

2.O conto narra a disputa entre duas vizinhas, nga Zefa e nga Bina, pela propriedade de um ovo botado pela galinha daquela, de nome Cabri, no quintal desta. A disputa acirrada, com Zefa defendendo seu direito com base na posse da galinha, da qual decorreria a do ovo, enquanto Bina alega que se a galinha entrou em seu quintal, se comeu de seu milho, e se ali botou um ovo, ora, este certamente lhe pertenceria. Conforme o conflito se estende, moradores da localidade vo se somando ao debate at que a polcia intervm de forma truculenta. Por fim, a trama se soluciona pela atuao de Beto, o menino filho de nga Zefa, e pela deciso desta de ceder o ovo vizinha, que afinal estava grvida e tinha o marido preso.

3.A estria narrada se passa em um musseque, espcie de bairro pobre angolano, por isso mesmo tipicamente ignorado pela literatura tradicional. A escolha desse cenrio em si j um fator de confrontamento com as regras do jogo colonial, contrrio ao retrato de certas realidades. De fato, havia enorme dificuldade em publicar-se qualquer material de ares regionalistas em Angola suspeitava-se logo de um empenho nacionalista contrrio aos interesses da Metrpole. No bastante o espao da narrativa, Luandino optou ainda por retratar personagens tpicos de um povo angolano tradicionalmente deixado de lado das representaes artsticas: mulheres pretas, pobres, uma delas grvida de marido preso. Tambm as crianas, aqui protagonistas, por um engenho essencialmente infantil, da resoluo da trama. Enfim: os moradores do musseque, o povo angolano.E para falar desse povo do musseque, Luandino lana mo de uma linguagem nica, notadamente diferente do portugus tradicional. bem verdade que escreve na lngua do opressor que tambm sua prpria lngua, sendo ele portugus de nascena e, ao contrrio da maior parte da populao em nome de quem pretende falar, lusfono letrado , mas insere neste portugus um tanto do quimbundo lngua africana mais comum em Angola no apenas no lxico (em palavras como as citadas nga e Cabri, mas tambm em dezenas de outras, a ponto de exigir-se um glossrio que acuda o leitor lusfono estrangeiro), mas tambm na sintaxe ocasionalmente estranha ao portugus europeu, inclusive como recurso para traduzir a oralidade (como em E ela estava ver todos os dias eu dava milho na galinha) e na semntica, mesmo, nos significados prprios quele povo.

4.Ao falar da literatura em Luanda, Tnia Macedo reproduz trecho de Jorge da Cunha Lima pelo qual a representao nacional tradicionalmente envolve a eleio de cidades que representam aqueles aspectos que, em uma determiada poca, melhor representam a proposta de Nao. Tnia refora o papel que Luanda teve, nesse sentido, para Angola.No conto em anlise, Luandino no apenas retrata Luanda em seu detalhe no, como talvez pudesse ser esperado, em seus aspectos mais nobres, mas em sua realidade simples, pobre; em seus personagens do povo , mas o faz sob uma perspectiva prpria da capital e com uma lngua prpria da capital. Neste sentido, trata-se o conto de importante gesto poltico de um escritor que, como tantos outros angolanos, acreditava na literatura como ferramenta de afirmao nacional e confrontamento contra o imperialismo.

bibliografiaMACEDO, Tnia. Luanda: violncia e escrita. In: MACEDO, T. e CHAVES, Rita (Org.) Marcas da diferena: as literaturas africanas de lngua portuguesa. So Paulo: Alameda, 2006.SKEIKA, Jhony Adelio. Por uma literatura menor: a estria da galinha e do ovo como marca sutil de protesto de Jos Luandino Vieira. E-scrita, Nilpolis, v.5, Nmero 1, pgs. 66-77, janeiro-abril, 2014. (disponvel em http://www.uniabeu.edu.br/publica/index.php/RE/article/view/1400)GONALVES, Adelto. Luandino Vieira e a literatura como arma. Disponvel em http://triplov.com/letras/adelto_goncalves/2007/Luandino-Vieira.htm. Acesso em 21 abr. 2015.