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Janeiro de 2014 | “A estruturação das organizações: a nova gestão pública, o ensino superior e o caso da Universidade do Porto”, no âmbito da unidade curricular de Psicossociologia das Organizações do Mestrado em Economia e Administração de Empresas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP). Autor: Cláudio Carvalho. Avaliação: 18 em 20 valores.TRANSCRIPT
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Mestrado em Economia e Administração de Empresas
Psicossociologia das Organizações
A estruturação das organizações: a nova gestão pública, o
ensino superior e o caso da Universidade do Porto
Cláudio Carvalho ‐ n.º mecanográfico 200500442
Porto, janeiro de 2014
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Índice
Introdução ..................................................................................................................................... 4
Estruturação das organizações: conceitos genéricos .................................................................... 6
O funcionamento de uma organização ..................................................................................... 6
Os parâmetros de conceção de uma organização .................................................................... 7
Os fatores de contingência de uma organização ...................................................................... 8
Configurações estruturais ......................................................................................................... 8
A estruturação das organizações: da gestão pública à gestão do ensino superior .................... 11
NGP: contextualização e conceptualização ............................................................................. 11
A NGP e o ensino superior português ..................................................................................... 14
A estruturação das organizações e o RJIES ......................................................................... 16
O regime fundacional .......................................................................................................... 18
A reorganização estrutural da U.Porto que não chegou a acontecer ..................................... 20
Descrição da U.Porto e da configuração da sua estrutura .................................................. 20
Análise à proposta de alteração ao regulamento orgânico ................................................ 26
Conclusão e considerações finais ................................................................................................ 31
Referências bibliográficas ........................................................................................................... 33
Bibliografia .................................................................................................................................. 34
Anexos ......................................................................................................................................... 36
Anexo 1: Considerações adicionais sobre a caracterização das estruturas organizacionais
através das dimensões estruturais .......................................................................................... 36
Anexo 2: Considerações adicionais sobre os formatos estruturais convencionais ................. 37
Anexo 3: Considerações adicionais sobre as demais configurações de Mintzberg ................ 38
Anexo 4: Quadro‐sumário com a dimensão das cinco configurações estruturais .................. 41
3
Anexo 5: A criação da U.Lisboa ............................................................................................... 44
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Introdução
No âmbito da unidade curricular de Psicossociologia das Organizações do Mestrado em
Economia e Administração de Empresas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto,
é da minha responsabilidade apresentar este documento que consubstancia uma breve
revisão de literatura sobre a estruturação nas organizações e que procura associar esta
matéria com os desenvolvimentos recentes no setor do ensino superior português e com o
caso particular da tentativa de reestruturação da Universidade do Porto (U.Porto).
Inicialmente, apresentar‐se‐ão conceitos genéricos sobre o que são estruturas e de
que forma estas se relacionam com as organizações, expondo conceitos relativos ao
funcionamento das organizações ‐ i.e. mecanismos de coordenação, componentes básicas de
uma organização e sistemas de fluxo ‐, aos parâmetros de conceção e aos fatores de
contingência. De igual forma, sumariaremos alguns dos formatos estruturais existentes,
particularizando as configurações definidas por Mintzberg (2010). Neste ponto, a preocupação
não se centrou no desenvolvimento dos conceitos – para, desde logo, não aumentar a
extensão do trabalho ‐, mas, tão‐só, na sua apresentação tendo em conta as considerações do
autor agora referido e as esboçadas em Pina e Cunha, Rego et al. (2007).
Posteriormente, far‐se‐á uma breve descrição da estruturação das organizações no
âmbito da administração pública, destacando o ensino superior nacional. Neste sentido,
contextualizaremos e conceptualizaremos a “nova gestão pública” e a sua aplicação concreta
no âmbito da gestão das instituições de ensino superior (IES) públicas portuguesas dos últimos
anos. Quanto ao caso da U. Porto, analisar‐se‐á a recente discussão do regulamento orgânico,
no âmbito do qual foram discutidas profundas alterações em toda a arquitetura institucional.
Finalmente, findar‐se‐á este trabalho com a conclusão do mesmo e com algumas
considerações finais.
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Importa, ainda, referir que a (sumária) revisão bibliográfica e o estudo reflexivo aqui
exposto foram desenvolvidos com o apoio de bibliografia que se considerou de referência e de
diversos documentos de natureza legislativa. Paralelamente, e com o intuito de complementar
com o plano prático do supramencionado caso da U. Porto, atentou‐se a documentos ‐
públicos e privados ‐ que suportaram ou fomentaram as discussões nele integradas. Ao longo
do documento estão dispostas notas de rodapé que visam enriquecê‐lo, mesmo não tendo,
por vezes, relação fulcral com o objeto do estudo.
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Estruturação das organizações: conceitos genéricos
O funcionamento de uma organização
As organizações têm sido concebidas, desde há muito tempo, como estruturas –
formais ou até informais ‐ e/ou como sistemas com estruturas próprias que criam relações
entre os seus componentes. «Uma estrutura é, em primeiro lugar, algo que pode suportar‐se a
si própria» (Gabriel 2008:288‐289), podendo esta ser rígida, flexível, robusta ou maleável e
sendo o conceito aplicável a uma grande variedade de entidades e em inúmeras situações.
Pina e Cunha, Rego et al. (2007:38) salientam a complexidade da conceptualização do conceito
"organização", destacando Tsoukas (2000) que considera que as organizações formais se
caracterizam por serem "contextos onde a ação individual tem lugar" e que assentam num
"conjunto de regras para a ação" e "cuja identidade se desenvolve ao longo do tempo" (Pina e
Cunha, Rego et al. 2007:38).
Mintzberg (2010), por sua vez, apresenta uma conceção mais cuidada que Gabriel
(2008), mas ainda assim simples, considerando que "a estrutura de uma organização pode ser
definida (...) como o total da soma dos meios utilizados para dividir o trabalho em tarefas
distintas" (Mintzberg 2010:20), sendo que existem cinco mecanismos de coordenação desse
trabalho: o ajustamento mútuo; supervisão direta; estandardização dos processos de trabalho;
estandardização dos resultados; e, finalmente, a estandardização das qualificações dos
trabalhadores. Estes mecanismos são tidos como fundamentais numa estrutura, sendo a "cola
que aglutina as diferentes partes de uma organização" (Mintzberg 2010: 21), fazendo‐a
funcionar adequadamente. À medida que a organização cresce e que o trabalho se torna mais
complexo, sendo que a sua divisão de trabalho aumenta, "os meios preferidos de coordenação
parecem deslocar‐se (...) do ajustamento para a supervisão direta e, em segunda, até à
estandardização dos processos de trabalho, de preferência, ou até à estandardização dos
resultados ou das qualificações, para regressar ao ajustamento mútuo nas situações mais
complexas" (Mintzberg 2010:25). Este "regresso ao ajustamento mútuo" ocorrerá por
impossibilidade de se estandardizarem as tarefas diferenciadas (Mintzberg 2010:26). Não
obstante o exposto, as organizações têm por hábito utilizar uma mistura destes cinco
mecanismos de coordenação ainda que possam favorecer um destes.
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Ainda ao nível do funcionamento das organizações, importa salientar as componentes
básicas das organizações e os sistemas de fluxo das mesmas.
Ao nível das componentes básicas, importa destacar o centro operacional, o vértice
estratégico, o pessoal de apoio (i.e. funções logísticas), a tecnoestrutura e, finalmente, a linha
hierárquica (Mintzberg 2010:43).
Ao nível dos sistemas de fluxo que atravessam estas componentes, a organização pode
ser perspetivada como: um sistema de autoridade formal; um sistema de fluxos de informação
regulados; um sistema de comunicação informal; um sistema de constelações de trabalho; e
um sistema de processos de decisão ad hoc. Estes sistemas são tidos como complementares e
que descrevem uma parte do funcionamento das organizações e que quando combinados
transmitem a complexidade de todo o sistema (Mintzberg 2010:31).
Mais adiante esta matéria será analisada com maior profundidade e tendo como
quadro o caso de estudo da tentativa de reestruturação da U.Porto.
Os parâmetros de conceção de uma organização
Apresentados os fundamentos relativos ao funcionamento da organização, importa
analisar os elementos básicos utilizados para conceber as estruturas das organizações, ou seja
os parâmetros de conceção. Estes parâmetros de conceção são "as alavancas que influenciam
a divisão do trabalho e os mecanismos de coordenação, que vão afetar todo o funcionamento
da organização ‐ como os fluxos de materiais, de autoridade, de informação e os processos que
a percorrem" (Mintzberg 2010:88). Assim, apresentam‐se de seguida os tais nove parâmetros
de conceção: (i) especialização do trabalho; (ii) formalização do comportamento; (iii) formação
e socialização; (iv) agrupamento em unidades; (v) dimensão das unidades; (vi) sistemas de
planeamento e de controlo; (vii) mecanismos de ligação; (viii) descentralização vertical; (ix)
descentralização horizontal. Os primeiros três estão associados à conceção dos postos de
trabalho, o quarto e o quinto estão aliados à conceção da superestrutura, enquanto que o
sexto e o sétimo são relativos à conceção das ligações laterais e, finalmente, os últimos dois
são relativos ao sistema de tomada de decisão (Mintzberg 2010:90). Em Pina e Cunha, Rego et
al. (2007:607‐611), constatam‐se algumas diferenças expositivas relativamente a Mintzberg
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(2010), sendo que os autores consideram que as estruturas das organizações podem ser
caracterizadas por diversas dimensões estruturais, nomeadamente: a amplitude de controlo, a
amplitude vertical, a autonomia, a delegação, a centralização, a complexidade, a componente
administrativa, a diferenciação, a especialização, a normalização, a formalização, a
profissionalização e a integração. Uma síntese destas características é apresentada no anexo 1
e é baseada nas definições mais extensas dispostas em Pina e Cunha, Rego et al. (2007:607‐
611).
Os fatores de contingência de uma organização
Estes parâmetros de conceção, quando combinados, "dão origem à estrutura das
organizações" (Mintzberg 2010:243), mas a escolha da sua aplicação é definida de acordo com
um conjunto de fatores de contingência, nomeadamente: o poder; o ambiente; o sistema
técnico; e, finalmente, a idade e a dimensão.
De acordo com Pina e Cunha, Rego et al. (2007:611‐613), as variáveis determinantes
do tipo de estrutura organizacional são a dimensão, a tecnologia, a envolvente e a estratégia.
Da variável “dimensão” ‐ tida como a mais relevante ‐ destaca‐se, quase de forma intuitiva,
que uma organização que cresce tem necessidade de (re)ajustar a sua estrutura, resultando
em aumentos da especialização, da normalização, da formalização e da complexidade desta. A
tecnologia, também, influi na estrutura das organizações, visto que a integração da tecnologia
numa organização exige conhecimentos, formação, entre outras características que têm
impacto direto na eficácia organizacional, na especialização e complexidade da estrutura. A
envolvente, por sua vez, influencia o funcionamento e estrutura das organizações. Assim, é
aconselhável que sob envolventes instáveis ou de alta velocidade, as estruturas não sejam
rígidas. Finalmente, a estrutura da organização deve adequar‐se à estratégia da mesma, pelo
que diferentes estratégias exigem diferentes estruturas.
Configurações estruturais
O agrupamento harmonioso dos parâmetros de conceção e dos fatores de
contingência, resultam em configurações estruturais, onde se destaca uma associação aos
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mecanismos de coordenação e às componentes básicas anteriormente elencadas, destacando
Mintzberg (2010:33) “o que parece ser mais do que uma mera coincidência”.
Tomando como referência Pina e Cunha, Rego et al. (2007:613‐623), no que aos
formatos estruturais diz respeito, os mais comuns são a estrutura funcional, a estrutura
(multi)divisional (forma M), a estrutura matricial, a estrutura horizontal e, por último, a
estrutura em rede. Considerando o caráter que se pretende não muito extensivo do trabalho
remete‐se o desenvolvimento para o anexo 2, onde se apresenta uma breve descrição destes
formatos, segundo o consubstanciado em Pina e Cunha, Rego et al. 2007:613‐623.
Considerando as configurações de Mintzberg, «os cinco principais tipos estruturais (...) [são]
estrutura simples, burocracia (organização) mecanicista, burocracia (organização) profissional,
estrutura divisionalizada e adocracia» (Pina e Cunha, Rego et al. 2007:623‐625). Desta
destacaremos a organização ou burocracia profissional que é a mais relevante para o âmbito
do trabalho que aqui exposto, enquanto que as restantes configurações aparecem detalhadas
em maior pormenor no anexo 3 e no anexo 4.
Como referenciado por Mintzberg (2010:379‐408), a organização ou burocracia
profissional é uma estrutura frequente em hospitais, gabinetes de contabilidade, organismos
de ação social, empresas artesanais e, também frequente no nosso objeto central de estudo,
portanto em instituições de ensino superior. A estandardização ou normalização das
qualificações e dos conhecimentos é o seu principal mecanismo de coordenação – i.e. poder
da competência ‐ e o centro operacional é a componente‐chave da organização, sendo este
constituído por especialistas formados e socializados a quem lhes é conferido um elevado grau
de autonomia e de descentralização no seu trabalho. A complexidade do seu trabalho está,
também, associada a uma reduzida formalização do trabalho assim como do seu controlo e,
consequentemente, também se verifica uma considerável descentralização horizontal e
vertical e uma especialização horizontal do trabalho.
Este tipo de estrutura comum em universidades é de cariz marcadamente
democrático, nomeadamente quanto aos trabalhadores do centro operacional (i.e. docentes
das IES), sendo que estes não controlam unicamente o seu trabalho como têm um papel
acentuado na componente administrativa. Considera‐se aqui componente administrativa, no
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sentido lato, visto estarmo‐nos a referir sobretudo a órgãos de gestão, de departamentos, de
direção de ciclos de estudos ou outros análogos. Tal poder reforçado pela colegialidade,
acentua ainda mais o poder do centro operacional e, no limite, o «administrador profissional
só mantém o seu poder, se os profissionais considerarem que o administrador serve
eficazmente os seus interesses» (Mintzberg 2010:379‐408).
Não obstante o disposto, ao contrário dos trabalhadores do centro operacional, os das
unidades de apoio têm o poder e o estatuto associados à sua funcionalidade e não às suas
competências, constituindo uma estrutura bem diferente ou independente da que aqui foi
inicialmente exposta. Assim, poder‐se‐á afirmar que «na realidade, existem como constelações
de burocracias mecanicistas dentro da burocracia profissional», visto que «as unidades de
apoio (...) são muito provavelmente geridas de uma forma muito apertada a partir do vértice
da organização» (Mintzberg 2010:379‐408). Ou seja, «na burocracia profissional tem‐se
frequentemente duas hierarquias paralelas, uma para os profissionais, no sentido ascendente
e que é de natureza democrática, e a outra para as funções de apoio logístico, no sentido
descendente e que tem a natureza de uma Burocracia Mecanicista» (Mintzberg 2010:379‐
408).
Como é retratado em Pina e Cunha, Rego et al. 2007:626, nesta configuração, os
trabalhadores encontram‐se mais motivados e dedicados às suas tarefas, existe uma maior
capacidade de se responderem a problemas complexos e o controlo ou a coordenação não
exigem tanto dos "agentes" (hierarquicamente) superiores. A autonomia, que propícia maior
motivação e dedicação, poderá ser contraproducente perante uma postura menos responsável
dos constituintes do centro operacional. Concomitantemente, o corporativismo profissional e
a resistência à inovação são, por vezes, desvantagens que se constatam neste tipo de
configuração organizacional (Pina e Cunha, Rego et al. 2007:626). Tal «como a burocracia
mecanicista, a burocracia profissional é uma estrutura inflexível, bem adaptada à produção
dos seus resultados estandardizados mas não à inovação» (Mintzberg 2010:379‐408). Veremos
que este aspeto teve relevância no caso da U.Porto que apresentaremos adiante.
De igual forma, voltar‐se‐á a referir alguns dos conceitos apresentados neste ponto
mais à frente no presente documento.
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A estruturação das organizações: da gestão pública à gestão do ensino superior
Os autores de Boer, Enders et al. (2007) registam que a burocracia (organização)
profissional ‐ descrita, anteriormente ‐, a organização colegial, a anarquia organizada e the
loosely coupled organization como os modelos tradicionais de estruturação das universidades,
assinalando todavia que, desde a década de 80, vêm surgindo modelos alternativos a estes. Os
mesmos autores destacam como modelos alternativos, o modelo corporativo de
universidades, o modelo de empresa, o modelo de serviço e, ainda, o modelo do stakeholder.
De seguida, veremos o impacto de um novo modelo de gestão pública na estruturação das
universidades, sem deixar de ter em conta que analisamos a estruturação universitária mais
tradicional, no ponto imediatamente anterior.
NGP: contextualização e conceptualização
Desde os anos 80, vários países desenvolvidos efetuaram reformas nas suas
administrações públicas e nas suas economias, marcando um período de incorporação de
medidas assentes no liberalismo económico e, portanto, promovendo‐se políticas que
objetivassem uma crescente globalização das economias e das sociedades mais desenvolvidas,
assim como a redução do peso das administrações públicas e a cooperação entre os setores
público e privado (Martins 2012:12‐13, Entwistle, Marinetto et al. 2007 e Gabriel 2008:202‐
203). Assim, a diversa literatura salienta frequentemente as reformas introduzidas na África do
Sul, na Austrália, no Canadá, na Holanda, nos Estados Unidos da América, em Hong Kong, na
Nova Zelândia e no Reino Unido (Dunleavy, Margetts et al. 2006, Hood 1995). Neste último
país, particularizam‐se duas fases: a primeira durante a década de 80, focada no processo de
desregulamentação e de liberalização da economia e, também, de redução do setor público
característica do Thatcherismo; a segunda fase respeitante ao período de governação na
década de 90, aquele que foi apelidado do período liderado pelo New Labour, com vista à
integração do setor público com o setor privado e onde se procurou desenvolver muitos dos
instrumentos políticos introduzidos inicialmente pela governação encabeçada pelo
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Conservative Party (Entwistle, Marinetto et al. 2007). Quanto a Portugal, à semelhança dos
seus países parceiros da OCDE, também adotou políticas públicas economicamente
liberalizadoras, destacando‐se, neste trabalho, a aplicação de conceitos aliados à NGP. Como
veremos, posteriormente, o ensino superior foi um dos setores em que tais conceitos foram
incorporados, não sendo todavia o único setor: a gestão hospitalar na saúde é tida como um
dos maiores exemplos (Carvalho 2006 e Pêcego 2010) e as telecomunicações, os serviços
postais, a gestão das vias rodoviárias e a gestão dos transportes públicos rodoviários e
ferroviários são mais alguns exemplos da aplicação progressiva de conceitos da NGP (Martins
2012:21).
A NGP, sinteticamente, trata‐se de uma reforma da administração pública iniciada na
década de 80 que consistiu na aplicação ao setor público de ideias, doutrinas e técnicas do
setor privado, nomeadamente provenientes da economia organizacional, da gestão e da
contabilidade (Gabriel 2008:202‐204). Alguns dos conceitos‐chave são:
(i) a aplicação de mecanismos ou critérios de mercado a serviços de provisão pública;
(ii) uma gestão mais assertiva nomeadamente quanto a “grupos de interesse” como
sindicados e funcionários públicos, como, a título meramente exemplificativo,
sistemas remuneratórios mais focados nos desempenhos, por conseguinte
remunerações mais elevadas mas também associada a um maior risco e
instabilidade laboral,
(iii) sistemas de auditoria e de avaliação de performance mais elaborados e rigorosos
(iv) e, ainda, um modelo de gestão contratual ao invés do típico modelo hierarquizado,
onde se promove uma maior descentralização e autonomização de organismos
pertencentes à administração pública face à tutela1 (Gabriel 2008:202‐204 e Page
2005).
Já Dunleavy, Margetts et al. (2006) destacam três grandes temas ‐ relacionados, de
alguma forma, com os quatro conceitos‐chave acima referidos ‐ e respetivas componentes‐
chave que integram a NGP e que sumariamos na tabela abaixo disposta. Destas componentes‐
chave, as que se destacam e caracterizam marcadamente a NGP são, indubitavelmente, a
1 Considera‐se aqui tutela o poder executivo exercido, por exemplo, por um ministério.
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descentralização administrativa, a tentativa de diminuir o poder de reivindicação/negociação
dos organismos de agregação profissional (e.g. sindicados, associações e similares), a
implementação de medidas contra o rent‐seeking, o melhoramento da medição do
desempenho e a maior preocupação com a eficiência das instituições públicas e, também, a
externalização de serviços, nomeadamente a criação de parcerias público‐privadas, a criação
de empresas públicas ou, ainda, de agências públicas com fins empresariais ou regulatórios.
Concomitantemente e na senda do aspeto anterior, uma outra característica associada à NGP,
senão mesmo a mais associada, é a privatização, desregulamentação e liberalização de
mercados que outrora eram de provisão ‐ total ou dominantemente ‐ pública.
Principais temas e componentes‐chave da NGP (Dunleavy, Margetts et al. 2006).
Tema Componente
Desagregação
Separação comprador‐fornecedor
Agenciamento
Criação de agências semigovernamentais
Separação de agências microlocais
Dissociação entre sistemas políticos
Privatização de indústrias
Empresarialização e gestão organizacional única e forte
Competição por comparação
Melhoramento na medição de desempenho
Perda de direitos de determinadas profissões ou redução do controlo ou influência das mesmas
Tabelas de desempenho das agências
Competição
Sistemas de vouchers
Externalização (outsourcing)
Contratação intragovernamental
Polarização entre os setores públicos e privados
Liberalização do mercado de bens
Desregulamentação
Quasi‐mercados (também denominados por mercados internos ou mercados planeados)
Financiamento direto ao consumidor
Controlo do utilizador
Testes de mercado de cariz obrigatório
Atribuição de incentivos
Reespecificação dos direitos de propriedade
Regulação adequada
Envolvimento em projetos do mercado de capitais
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Privatização da propriedade de ativos
Medidas anti‐rent‐seeking (ou medidas com o objetivo de cessar os privilégios de mercado eventualmente existentes)
Fim de privilégios de determinadas profissões
Remunerações de acordo com o desempenho
Parcerias público‐privadas (PPP)
Financiamento de iniciativa privada (FIP)
Taxas de retorno e de desconto unificadas
Desenvolvimento de tecnologias de carregamento (e.g. carregamento de cartões eletrónicos de transporte público)
Valorização do capital público
Acréscimos de eficiência obrigatórios
Os críticos da NGP apontam que esta fragiliza o poder decisório do poder executivo e
que tem, consequentemente, impactos na capacidade de "administrar" um país, sendo que em
última instância questiona‐se a legitimidade democrática deste modelo de gestão da
administração pública. Ademais, esta tende a promover um modelo de gestão mais
verticalizado, o que pode prejudicar a resolução de questões de cariz mais horizontal, isto é
que abranjam mais do que uma área de ação e que necessitem de uma concertação da cariz
intersectorial ou interministerial. Os pós‐modernistas apontam, ainda, que «a NGP é mais uma
narrativa modernista racionalista que neglicencia temas mais orgânicos e menos controláveis
da governança cívica ou da coevolução do governo com o ambiente» (Gabriel 2008:202‐204).
Do lado de quem é favorável, destaca‐se o enfoque na melhor eficiência e
transparência dos contratos e da gestão de desempenho (Gabriel 2008:202‐204) mas,
também, o facto de as políticas não estarem tão sujeitas a alterações suscitadas por ciclos
político‐eleitorais e, portanto, terem maior continuidade e, ainda, por serem suportadas por
análises e acompanhamentos com maior profundidade e acuidade técnica.
A NGP e o ensino superior português
Na última década têm existido várias mudanças, nem sempre publicamente
percetíveis, na estruturação e na gestão das IES um pouco por todo o mundo, não sendo
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exceção as instituições nacionais. Estas têm encetado alterações ou adaptações suscitadas por
variáveis extrínsecas e intrínsecas – a maior parte delas interrelacionadas ‐ às instituições,
destacando‐se particularmente as seguintes afetações externas: a criação do espaço europeu
de ensino superior; a criação do espaço europeu de investigação; a ação governamental,
sobretudo no período pré‐crise orçamental, na ciência e tecnologia; as alterações suscitadas
pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que estabelece o regime jurídico das instituições de
ensino superior (vulgo, RJIES); e, como não poderia deixar de ser, os recentes
constrangimentos orçamentais. A um outro nível, por via de afetações de variáveis intrínsecas
ao setor como, por exemplo, a desmesurada e desarticulada rede de ensino superior, a
ausência da aplicação integral da atual lei de financiamento do ensino superior2, a endogamia
científica e académica, as alterações ou adaptações têm sido mais lentas.
Assim, assistiu‐se gradualmente a um aumento da preponderância dos mecanismos de
mercado, da maior preocupação com os instrumentos de gestão e de controlo de gestão, em
particular passou‐se a dar um maior ênfase ao desempenho, à eficiência, à gestão por
objetivos e à autonomia institucional. Em contraste, a colegialidade, a liberdade, a autonomia
à escala micro3, o mérito académico e o sentimento de pertença a uma comunidade
académica foram perdendo relevância (Martins 2012:25‐29). Concomitantemente, assistiu‐se
à escala macro, a um aumento da descentralização de decisões do governo para as IES e um
aumento da respetiva autonomia desta, enquanto à escala micro, os poderes estão mais
concentrados nas lideranças institucionais (i.e. reitores no caso de universidades e instituições
similares, presidentes no caso dos politécnicos e instituições similares) e foi promovida uma
profissionalização da gestão, com o intuito desta centralização à escala institucional favorecer
a partilha de uma visão estratégica institucionalizada (Martins 2012: 26‐27). Mais à frente,
2 A lei que define as bases do financiamento do ensino superior é a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, alterada pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto. A lei é tida teoricamente como referência, mas com deficiências na aplicação, daí as críticas da ausência da aplicação integral do referido enquadramento jurídico‐legal. Neste sentido, aconselha‐se a leitura de Gherghina, Nicolae et al. (2010). 3 A aplicação da NGP tem que ser diferenciada pelos níveis, isto é: (i) à escala macro, nomeadamente ao nível da administração pública e sobretudo considerando a relação da administração central com os serviços e fundos autónomos, onde se inserem as instituições de ensino superior; (ii) e à escala micro, nomeadamente ao nível de cada uma das instituições de ensino superior. Não obstante o enfoque do presente documento, como se constata é sobretudo ao segundo nível (i.e. micro).
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voltaremos a incidir nesta temática sob a conceptualização de Mintzberg (2010). Destacam‐se,
ainda, alterações ao nível da prestação de contas e nas relações laborais (Martins 2012:29‐31).
Importa salientar que, ao nível do ensino superior, além de serem, genericamente,
partilhadas as críticas quanto à aplicação da NGP noutros setores (e que foram referidas no
final do ponto NGP: contextualização e conceptualização) são, também, apontados problemas
no enviesamento do debate com enfoque em critérios económico‐financeiros, a menor
comparticipação financeira do Estado, a redução de padrões de qualidade e a dependência
face ao mercado (Martins 2012:32‐33).
A estruturação das organizações e o RJIES
Segundo Martins (2012:34), “o surgimento do discurso managerial em Portugal está
associado à Lei de Autonomia Universitária e à Lei do Estatuto de Autonomia dos
Estabelecimentos do Ensino Superior Politécnico”; contudo, “seria a publicação do RJIES que
viria a dar o passo decisivo no sentido de concretizar a abordagem managerial”. Assim,
consideramos que uma das faces mais visíveis da aplicação relevante de conceitos da NGP no
setor do ensino superior nacional é precisamente o RJIES. Antes da aplicação deste novo
regime jurídico que veio a transfigurar a realidade do ensino superior nacional, embora
abundassem os diplomas relativos ao setor, parcamente se articulavam entre si. Destes,
destacamos o supra referido diploma da autonomia das universidades (doravante, LAU)4. Este
consagra uma governação institucional assente na colegialidade, legitimação pela via
democrática e ligação académica dos agentes presentes nos órgãos das instituições
universitárias. Como órgãos de governo das universidades, o artigo 16.º da LAU elenca a
assembleia da universidade, o reitor, o senado universitário e o conselho administrativo, sendo
que a U.Porto tinha, à altura da segunda alteração aos seus primeiros estatutos, previsto,
também, o órgão de fiscalização5. Quanto ao RJIES, o número 1 do artigo 77.º define que as
4 Este diploma foi instituído pela Lei n.º 108/88, de 24 de setembro. 5 vd. artigo 11.º do Despacho n.º 1311/2006, de 18 de abril que aprova a segunda alteração aos Estatutos d U.Porto, homologados pelo Despacho Normativo n.º 73/89, de 4 de agosto e com a primeira alteração dos referidos Estatutos homologada pelo Despacho Normativo n.º 23/2001, de 19 de abril
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universidades possuem como órgãos de governo: o conselho geral, o reitor e o conselho de
gestão.
A assembleia da universidade (vd. artigo 15.º, LAU) foi extinta e algumas das suas
competências passaram para os “novos” conselhos gerais (vd. artigo 81.º, RJIES) que passaram,
também, a possuir algumas competências que estavam até aí integradas no âmbito do
“antigo” senado universitário. Este senado universitário (vd. artigo 24.º, LAU), ‐ considerado
anteriormente como o órgão colegial de governação mais relevante dada a transversalidade
das suas áreas de ação que passavam desde da estratégica e da avaliação da gestão
operacional à pedagógico‐educativa, científica e disciplinar, ‐ deixa de assumir cariz obrigatório
com o RJIES.
O caso particular do senado da U.Porto é sintomático do esvaziamento deste órgão,
agora sem caráter deliberativo, sendo que este tem‐se cingido, quando reúne, a questões de
natureza fundamentalmente disciplinar ou relativa a matérias científico‐pedagógicas dos
planos de estudos das diferentes unidades curriculares. A aprovação do RJIES também deixou
bem vincada uma outra vertente da NGP: o senado universitário deixou de ter a presença
obrigatória das associações de estudantes das unidades orgânicas, o que revela o
enfraquecimento do "poder" de determinados "grupos de interesse" ou do enfraquecimento
das instituições que salvaguardam a defesa de uma determinada classe socioprofissional
(neste caso, da "classe" estudantil) elencado anteriormente.
O reitor (universitário) é tido como «o órgão superior de governo e de representação
externa da respetiva instituição» (vd. número 1, do artigo 85.º, RJIES) e como «o órgão de
condução da política da instituição e [que] preside ao conselho de gestão» (vd. número 2, do
artigo 85.º, RJIES), podendo ser eleito independentemente de ser ou não professor ou
investigador da referida universidade (vd. artigo 86.º, RJIES). Contrariamente, a LAU só
permitia a eleição «de entre os professores catedráticos de nomeação definitiva» (vd. número
1, do artigo 19.º, LAU).
O conselho administrativo (vd. artigo 26.º, LAU) encontra equivalente, no RJIES, ao
conselho de gestão (vd. artigo 94.º, RJIES), tendo deixado de estar vinculada a obrigatoriedade
18
da representação estudantil. Neste aspeto, verificamos que o RJIES teve um impacto na
tentativa de diminuir o "poder" da componente‐chave da organização que é o centro
operacional e a procura em enfraquecer a colegialidade sobretudo ao nível do vértice
estratégico.
O pessoal não docente perdeu, também, a parca representatividade que vinha tendo,
ficando agora confinado a um papel meramente residual. No caso da Universidade da Madeira
e da Universidade Nova de Lisboa, a representação deste corpo nos conselhos gerais
universitários foi mesmo eliminada (Mano, M.; Marques, M. 2012).
Por outro lado, os estudantes deixam de ter representação paritária relativamente aos
docentes nos órgãos máximos da universidade e passam para ter um papel mais reduzido e de
menor importância até que entidades externas: 15‐20% de representação estudantil dos
conselhos gerais face a 30‐35% das personalidades externadas cooptadas. A consagração de
uma representatividade de pelo menos 50% de docentes e investigadores nos conselhos gerais
revela a tentativa de conciliar colegialidade neste segmento com o novo modelo de gestão.
Esta fragilização do poder de decisão dos trabalhadores‐profissionais (i.e. docentes e
investigadores), estudantes e funcionários, foi acompanhada do reforço do poder do papel da
administração/gestão (i.e. reforço do papel de reitores/presidentes e a existência de "figura"
de curadores no caso das fundações universitárias) e do reforço já referido da presença de
personalidades externas. Esta evidência é extensível ao nível das unidades orgânicas.
O regime fundacional
Importa promover um destaque ligeiramente mais pormenorizado a um aspeto da
aplicação da NGP no ensino superior nacional anteriormente referido, que é a aplicação do
regime fundacional consagrado no RJIES. Assim, o número 1 do artigo 9.º do RJIES também
tem um caráter marcadamente associado à NGP, com a possibilidade das IES públicas se
constituírem como fundações públicas de direito privado administradas por um conselho de
curadores6 nomeados pelo Governo sob proposta da instituição (vd. capítulo VI, título III do
6 Cf., a título exemplificativo, o Capítulo III dos estatutos da fundação U.Porto, consagrados no anexo ao Decreto‐Lei n.º 96/2009, de 27 de abril.
19
RJIES). Este regime, estritamente associado ao independent legal status, possibilita um
“aprofundamento da autonomia institucional [anteriormente descrita], na concretização da
máxima gerencialista let managers manage” (Martins 2012:41).
Neste sentido, em Portugal, a U.Porto, a par da Universidade de Aveiro (UAv.) e do
ISCTE ‐ Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE‐IUL), passaram a constituir‐se enquanto
instituição de natureza fundacional7 e a U.Porto, particularmente, viu os seus primeiros
Estatutos pós‐RJIES homologados pelo ministro com a tutela do ensino superior em 2009 pelo
Despacho normativo n.º 18‐B/2009, publicado a 14 de maio desse mesmo ano.
A adoção deste regime jurídico, tolhido em boa parte pelas opções governativas em
nome da resolução da crise orçamental que afeta o país, poderia ter possibilitado um regime
de maior autonomia, nomeadamente no capítulo financeiro e patrimonial. As possibilidades,
quedadas, de se utilizarem sem restrições os saldos transitados, de se encetarem contratos
plurianuais (vd. número 1 do artigo 136.º, RJIES) e das IES não estarem sujeitas ao “Código dos
Contratos Públicos na aquisição de bens e serviços e empreitadas até ao valor dos limiares
comunitários” (Martins 2012:67) são alguns destes exemplos. Assim como é exemplo o
incumprimento dos contratos‐programa acordados entre o Governo e as IES8. Ainda, assim,
registam‐se os benefícios claros associados à possibilidade de se contraírem empréstimos
bancários e, ainda, associados à possibilidade de adoção de contratos laborais por regime de
direito privado9, o que permitiu uma maior celeridade na contratação, simplificação de
processos, eficiência e adaptação a possíveis volatilidades de conjuntura.
7 No caso do ISCTE‐IUL, através do Decreto‐Lei n.º 95/2009, de 27 de abril; a U.Porto através do Decreto‐Lei n.º 96/2009, de 27 de abril e a UAv. pelo Decreto‐Lei n.º 97/2009, de 27 de abril. Ainda, assim, este regime está a ser aplicado em regime experimental que finda no dia 2 de maio de 2014. Quer o Governo, quer as IES podem optar por cessar este regime, ainda que não exista atualmente manifestas intenções das IES para que isso aconteça (Martins 2012:67). 8 No caso do contrato‐programa celebrado entre o Governo e a U.Porto, este foi assinado a 11 de setembro de 2009 com o objetivo de «contribuir para o cumprimento, pela Universidade do Porto, dos objetivos programáticos constantes do seu programa de desenvolvimento e ainda dos expressamente previstos [no] contrato‐programa» (cf. n.º 1 da cláusula 1 do contrato‐programa plurianual para financiamento complementar da Fundação Universidade do Porto). 9 O número 3 do artigo 134.º do RJIES refere explicitamente: «No âmbito da gestão dos seus recursos humanos, a instituição pode criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador e outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações
20
Destaque, ainda, para o disposto no título V do RJIES e para o regime jurídico da
avaliação do ensino superior (vulgo RJAES, provado pela Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto), isto
é para avaliação e acreditação do setor e em particular da que está à responsabilidade da
Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) que demonstra mais uma
característica da NGP referida anteriormente: a criação de agências semigovernamentais.
Também a A3ES é uma fundação de direito privado, mas com a finalidade de «garantir a
qualidade do ensino superior em Portugal, através da avaliação e da acreditação das
instituições do ensino superior e dos seus ciclos de estudos» (n.º 1 do artigo 4.º dos Estatutos
da A3ES que constam do anexo ao Decreto‐Lei n.º 369/2007, de 5 de novembro).
A reorganização estrutural da U.Porto que não chegou a acontecer
Importa agora, também, atentar para um dos outros pontos centrais deste estudo, ou
seja para a recente discussão quanto a uma reformulação estrutural da universidade, à luz da
aprovação do regulamento orgânico10 da mesma. Dar‐se‐á enfoque à proposta inicialmente
apresentada, dado que a discussão (pública) que se lhe seguiu não é tão frutífera para o
âmbito do trabalho, dada a inexistência de suporte documental tecnicamente relevante de
cariz público.
Descrição da U.Porto e da configuração da sua estrutura
Os órgãos de governo da U.Porto são o conselho de curadores, o conselho geral e o
reitor e o respetivo conselho de gestão, sendo também órgãos: o senado, a provedoria (do
estudante) e o fiscal único. A, um nível hierárquico inferior, a reitoria integra: (i) vários serviços
centrais; (ii) como serviços autónomos ‐ com autonomia administrativa e financeira ‐ o centro
de recursos e serviços comuns ou serviços partilhados (CRSCUP ou SPUP) e os serviços de ação
social (SASUP); (iii) unidades orgânicas. As unidades orgânicas subdividem‐se em três classes:
a) a escola doutoral; b) os institutos e as unidades de investigação, desenvolvimento e
extensão (I&D&E) autónomos ou acolhidos por faculdades; c) unidades com responsabilidades
académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público». 10 O regulamento orgânico consubstancia o modelo organizativo da U.Porto, estando devidamente consagrado no número 1 do artigo 12.º dos Estatutos da U.Porto.
21
educacionais e de I&D&E (i.e. faculdades) que têm autonomia estatutária, administrativa,
pedagógica, científica e financeira. Esta universidade até à data da fusão entre Universidade de
Lisboa (UL) e a Universidade Técnica de Lisboa (UTL) era a instituição que apresentava mais
estudantes inscritos, assim como os melhores indicadores relativos à investigação e
desenvolvimento e o melhor posicionamento nacional em boa parte dos rankings de cariz
internacional. As 14 faculdades encontram‐se distribuídas por três polos principais, tendo
ainda uma escola de negócios (i.e. Porto Business School), cerca de 60 unidades de
investigação, 25 bibliotecas e 14 museus. Apresenta uma vasta gama de ciclos de estudos (624,
sendo 314 de formação contínua), encontrando‐se inscritos mais de 30 mil estudantes
(U.Porto 2013a). Este número de unidades orgânicas, assim como os departamentos internos a
estas unidades orgânicas, e a complexidade do trabalho do corpo docente e de investigadores
demonstram a elevada descentralização – horizontal e vertical ‐ na universidade.
O centro operacional, tido como “âmago de cada organização” (Mintzberg 2010:43)
compreende todos os membros operacionais com uma missão estritamente voltada para a
produção de produtos e serviços. Segundo a U.Porto (2013b), com dados que reportam a
situação dos recursos humanos da universidade a 31 de dezembro de 2012, esta tinha 1853,6
(em regime de equivalente a tempo integral, doravante apenas ETI) docentes e investigadores
que "prestam um serviço" de cariz pedagógico‐educativo e que desenvolvem atividades de
investigação, fazendo parte do centro operacional da instituição. Considerando o exposto
anteriormente, olhando para o caso particular da U.Porto e articulando‐o com a proposta de
Mintzberg (2010), à semelhança das demais IES, é plenamente percetível a estandardização
das qualificações dos trabalhadores como mecanismo de coordenação da U.Porto. A
complexidade do trabalho – sobretudo pedagógico, mas também de investigação – dificulta a
supervisão por superiores hierárquicos ou a estandardização por analistas (Mintzberg
2010:386), pelo que a estandardização de qualificações é mais adequada, exigindo que o
controlo seja efetuado pelo corpo docente da universidade, ou seja pelos próprios
operacionais. Inerentemente, para alcançar esta estandardização é necessário alcançar
conhecimentos, competências e normas associadas ao trabalho e à organização, ou seja
22
similarmente à conceção das demais IES, a U.Porto tem profissionais que são submetidos a
processos de formação e de socialização. No primeiro caso, é bem percetível a qualidade da
formação corpo docente da U.Porto, visto que 79% dos docentes e investigadores (ETI) são
doutorados e a meta para 2015 é de 80% (U.Porto 2013c:7). Adicionalmente, existe a
preocupação de promover a mobilidade, quer in quer out do corpo docente (U.Porto
2013c:28,70). No segundo caso, a socialização da U.Porto também parece desenrolar‐se
informalmente (Mintzberg 2010:121) e com maior pendor à escala de cada uma das unidades
orgânicas. Considerando o elevado nível de profissionalização proporcionado pela formação, a
formalização é reduzida, sendo que Mintzberg (2010:124) considera a formalização e a
formação substitutos, algo que também era partilhado, em certa medida, por Weber que tinha
estes parâmetros como mutuamente exclusivos (Mintzberg 2010:126). Daqui decorre, que o
trabalho docente é especializado na dimensão horizontal e alargado na dimensão vertical
(Mintzberg 2010:380). Considerando o exposto, nomeadamente a elevada complexidade do
trabalho do centro operacional que resulta em elevada especialização horizontal, em parco
planeamento e capacidade de controlo e de supervisão é natural que a burocracia profissional
tenha uma estrutura muito democrática e assente na colegialidade (Mintzberg 2010:388‐389),
em que os profissionais do centro operacional “não só controlam o seu próprio trabalho como
procuram exercer o controlo coletivo sobre as decisões administrativas que os afetam”
(Mintzberg 2010:388).
O vértice estratégico encontra‐se na extremidade oposta da estrutura da organização
e é respeitante à direção que tem como função assegurar o cumprimento da estratégia por
toda a organização e detém o poder (Mintzberg 2010:43‐44). No vértice estratégico
encontram‐se os membros encarregados da responsabilidade global desta instituição
(Mintzberg 2010:43) e apesar de U.Porto (2013b) considerar 5,0 ETI respeitantes aos vice‐
reitores e reitor (atualmente docentes em dedicação exclusiva ou não, mas tal não tem
necessariamente que ocorrer, como vimos com as alterações ao RJIES11), na verdade, a
quantidade de membros da U.Porto que pertencem ao vetor estratégico é maior. Assim, o
vértice engloba constituintes de outros órgãos, ainda que alguns possam não ser
remunerados. Neste sentido, destacam‐se os constituintes do conselho de curadores da
11 vd. artigos 86.º e 88.º do RJIES
23
fundação, do conselho geral, para lá do reitor e da sua respetiva equipa reitoral e, ainda, os
constituintes do conselho de gestão (que é constituído pelo reitor, dois vice‐reitores e o
administrador da universidade).
O pessoal de apoio serve para suportar a organização fora do fluxo de trabalho
operacional (Mintzberg 2010:50), exercendo uma influência relevante ao nível da organização
profissional, ainda que com o intuito de servir os profissionais do centro operacional
(Mintzberg 2010:385). Ao nível do pessoal de apoio da U.Porto realça‐se que existem funções
logísticas que são assumidas por organismos internos à faculdade ou outros a ela associados
mas que são prestados por entidades externas (externalização de funções ou serviços), como
são os casos mais evidentes os serviços segurança, bares, cantinas e os serviços de papelaria e
de tipografia, v.g.. Enquanto que quanto a organismos internos não externalizados destacam‐
se serviços, unidades e organismos similares integrados nas unidades orgânicas, serviços ou
unidades que pertencem ou pertencerão aos serviços partilhados (SPUP ou CRSCUP) ou outros
estritamente associados à reitoria. Quanto aos serviços de apoio pertencentes aos SPUP ou
integrados na Reitoria são dignos de particular destaque os seguintes: Antigos Estudantes;
Apoio Administrativo à I&D+i; Apoio ao Estudante com Deficiência; Biblioteca Virtual;
Comunicação e Imagem; Cooperação com Países Lusófonos e Latino‐Americanos; Cultura,
Desporto e Lazer; Financiamento Complementar; Formação e Organização Académica;
Inovação e Empreendedorismo; Relações Internacionais; Secretariado e Órgãos de Governo;
Universidade Digital; Universidade do Porto Inovação; U.Porto Editorial; e, ainda, os serviços
económico‐financeiros, de apoio jurídico, de recursos humanos, de tecnologias de informação
e comunicação, os gabinetes de apoio, de instalações e infraestruturas e unidade de projetos
respeitantes aos SPUP. Como anteriormente referido, esta componente básica da organização
tem um caráter diferente. O pessoal de apoio está "encarregado (...) de executar trabalho não‐
profissional" e não tem associado um cariz democrático, surgindo frequentemente conflitos
nas organizações entre os profissionais e o pessoal de apoio (Mintzberg 2010:391). O RJIES
acentuou particularmente estes conflitos, com a perda de preponderância do pessoal de apoio
nos órgãos de gestão das IES e das unidades orgânicas destas.
24
A tecnoestrutura é composta por analistas que não executam o trabalho propriamente
dito e respeitante aos constituintes do centro operacional, mas que podem, a título
exemplificativo, desenvolver sistemas de planeamento estratégico e financeiros para controlar
os objetivos das unidades mais relevantes, a pedido do vértice estratégico (Mintzberg 2010:49‐
50). Estes podem, ainda, servir para estandardizar o trabalho dos demais trabalhadores afetos
à estrutura, ainda que tal não ocorra relativamente aos constituintes do centro operacional da
IES visto que já existe uma estandardização das qualificações, sendo estes constituintes do
centro operacional da IES (i.e. docentes e investigadores) altamente qualificados. Assim, a
tecnoestrutura não é uma parte desenvolvida na burocracia profissional (Mintzberg 2010:385)
e, no caso particular da U.Porto, mesmo não sendo uma tarefa de fácil definição, o que
eventualmente se poderá considerar como organismos respeitantes à tecnoestrutura são, por
exemplo, algumas das suas comissões e conselhos, nomeadamente, o Conselho Coordenador
do Modelo Educativo da U.Porto (CCMEUP), o Conselho Coordenador da I&D+I da U.Porto, a
Comissão de Ética da U.Porto (CEUP), assim como o serviço de planeamento estratégico e
participações empresariais e, em certa medida, o serviço de melhoria contínua. O fiscal único,
a provedoria do estudante e o senado podem, também, ser considerado como órgãos
pertencentes à tecnoestrutura. Importa atentar para o caso particular do senado que antes do
RJIES seria categorizado como um organismo mais relevante e inerente ao vértice estratégico e
com a perda de relevância já referida anteriormente (e.g. perda de caráter deliberativo), vê o
seu papel relegado para a componente da tecnoestrutura.
Atentemos agora à linha hierárquica que é tida como muito estreita (Mintzberg
2010:385). "O vértice estratégico está ligado ao centro operacional pela cadeia de quadros da
linha hierárquica com autoridade formal" (Mintzberg 2010:45), sendo esta linha estreita e
habitualmente controlada pelos próprios profissionais, i.e. pelos docentes universitários. A
este nível, podemos destacar o papel de alguns vice‐reitores, pró‐reitores e dirigentes
intermédios. Contudo, a linha hierárquica é muito mais percetível ao nível das unidades
orgânicas. Se tomarmos como exemplo as faculdades, verifica‐se que esta é respeitante aos
diretores de departamento e de ciclos de estudos (e.g. o caso da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (FCUP)). Em alguns casos, como por exemplo no caso da Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), existem subunidades
25
orgânicas com os seus respetivos presidentes e órgãos de gestão. As linhas hierárquicas na
Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) podem ser percetíveis através das
“lideranças”/direções/presidências dos diferentes agrupamentos científicos e, posteriormente,
das respetivas secções.
Importa frisar que, sobretudo atendendo ao caso particular do modelo estrutural e
organizacional da U.Porto, ao nível das unidades orgânicas e de serviços autónomos (como é o
caso mais evidente os SASUP, v.g.) se revela a existência de estruturas análogas à da própria
U.Porto mas em cada faculdade (ou institutos e unidades de I&D&E ou escola doutoral ou
escola de negócios) ou nos próprios SASUP. Ou seja, tem‐se várias burocracias profissionais
respeitantes às faculdades dentro de uma burocracia profissional “maior” que diz respeito à
U.Porto. Já relativamente às unidades de apoio ou funções logísticas, Mintzberg (2010:51)
referia inclusive que "muitas das unidades de apoio constituem miniorganizações, muitas delas
com o seu próprio centro operacional, como no caso de uma tipografia universitária" e "estas
unidades funcionam independentemente do centro operacional da organização, com o qual só
têm uma ligação de comunidade" (Mintzberg 2010:51). Concomitantemente, como já referido,
salienta‐se que existe mais uma hierarquia paralela para as funções de apoio logístico e de
natureza similar à da burocracia mecanicista.
O ambiente, tido como o fator de contingência principal que leva à criação das
organizações ou burocracias profissionais, desta estrutura é complexo e estável, considerando
que existem procedimentos assimilados pelos profissionais (i.e. docentes universitários) que
demoram anos a aprender e que exigem um trabalho afincado (Mintzberg 2010:396). Noutra
perspetiva, a importância é menor relativamente aos fatores idade e dimensão e o “sistema
técnico das burocracias profissionais não é nem muito sofisticado, nem muito automatizado,
nem muito regulador” (Mintzberg 2010:397), ainda que no caso das universidades possa haver
um deslize para um tipo híbrido entre burocracia profissional e adocracia, fruto da existência
de atividades de investigação (Mintzberg 2010:398) visto que na adocracia, o sistema técnico
é, por sua vez, mais sofisticado e automatizado. Na burocracia profissional inerente à U.Porto,
um sistema técnico mais sofisticado “empurraria o profissional [(i.e. docentes)] para uma
relação de trabalho mais chegada aos seus colegas e para uma relação mais distante com os
26
seus clientes [(i.e. estudantes)]” (Mintzberg 2010:397). Assim, os níveis reduzidos de
sofisticação, automatização e regulação são tidos como incompatíveis com a autonomia que os
operacionais devem dispor (Mintzberg 2010:397).
Análise à proposta de alteração ao regulamento orgânico
Apesar dos resultados positivos propiciados em boa parte por este modelo de
organização, foi assumido por diversas personalidades com responsabilidades de gestão
universitária ou não – incluindo o próprio Reitor da U.Porto ‐, que: (i) as autonomias das
faculdades conflituavam e conflituam com a gestão, sobretudo financeira, da universidade; (ii)
a multiplicidade de unidades (e.g. faculdades, departamentos, entre outros) e a sua
complexidade dificulta essa mesma gestão à escala da reitoria; (iii) não existe uma cultura
organizacional à volta da U.Porto (apenas à volta de cada uma das faculdades),
nomeadamente ao nível do sentimento de pertença; (iv) não existe uma tendencial equidade
pedagógica entre faculdades; (v) a carga administrativa é elevada; (vi) a relação hierárquica
teórica entre unidades orgânicas e os órgãos de governo da U.Porto é reduzida; entre outros
problemas, nomeadamente de índole associada ao relacionamento com entidades externas
assim como de reporte. Assim, sinteticamente, a reformulação estrutural suportava‐se
inicialmente na necessidade de aumentar a eficácia administrativa e financeira, reduzir o
número dito excessivo de unidades orgânicas e a dita necessidade de um maior controlo da
liderança da equipa reitoral.
Para responder a estes problemas, as intenções iniciais para o regulamento orgânico,
que se destacavam, passavam por alterações profundas na estruturação de toda a
universidade12, estando salvaguardados órgãos como o conselho de curadores e o conselho
geral nos seus modelos atuais. Em contrapartida, na proposta intencionada13 pretendia‐se criar
agrupamentos de unidades orgânicas em escolas que abrangessem grandes áreas científicas
12 Exigia alterações profundas na estrutura orgânica, nos próprios estatutos e, potencialmente, de geografia ou da distribuição física. 13 Referimo‐nos à proposta, que não terá sido divulgada publicamente, apresentada pelo reitor ao conselho geral da U.Porto reunido em 27 de março de 2012.
27
com afinidades14, que tivessem uma elevada atividade científica e, também, sustentabilidade
financeira. Estas escolas seriam coordenadas por um presidente de uma escola que
responderia diretamente ao reitor e seria inclusivamente integrado na equipa reitoral
enquanto vice‐reitor. Este seria nomeado pelo reitor após indicação de três personalidades
pela comissão de seleção da escola composta por docentes, não docentes, estudantes e,
eventualmente, personalidades externas a cooptar. Como órgãos, as escolas teriam ainda o
conselho de coordenação e gestão, o conselho de escola e o órgão de fiscalização. As
faculdades, que estariam integradas nas escolas, não teriam órgãos de autogoverno, nem
autonomia administrativa e financeira. Tal resultaria na extinção dos atuais conselhos de
representantes e na manutenção dos conselhos executivo, científico e pedagógico, sendo que
o diretor seria nomeado pelo presidente da escola sob proposta de uma comissão de seleção
análoga à referida anteriormente. Os diretores das faculdades, que presidiriam também ao
conselho científico e pedagógico além do executivo, seriam integrados no respetivo conselho
de coordenação e de gestão da escola. Importa referir que, ao nível do conselho pedagógico,
pretendia‐se que os estudantes perdessem a paridade representativa.
Perante estes traços iniciais da proposta que acabaram por não ir avante, evidenciou‐
se que existia uma clara intenção de aumentar a centralização da organização no vértice
estratégico e de diminuir, ainda mais, a influência da colegialidade e da democraticidade
interna15. Concomitantemente, ainda que sem aparente prejuízo do sistema de comunicação
informal, a proposta apresentada parecia assentar num reforço da autoridade formal e da
informação regulada. Também, parece razoável interpretar que outro objetivo da proposta
passaria por diminuir o poder da linha hierárquica através do aumento dos mecanismos de
controlo da organização, apesar de aumentar a amplitude vertical. Seria, assim, difícil de evitar
a «cascata de decisões» referida pela proposta inicial e a estratégia para se evitar este
fenómeno, provavelmente, assentaria num aumento, dificilmente aceitável pela comunidade
14 A intenção nacional seria criar: (i) a escola da saúde, constituída pelas faculdades da FADEUP, FCNAUP, FFUP, FMDUP, FMUP e ICBAS; (ii) a escola das ciências, engenharia e economia, que agruparia a FCUP, FEUP e FEP; (iii) e, finalmente, a escola das ciências sociais, artes e humanidades, constituída pela FAUP, FBAUP, FDUP, FLUP e FPCEUP. 15 Um diretor de uma determinada unidade orgânica, cuja identidade pretendemos preservar neste documento, levantou inclusive dúvidas quanto ao respeito pela «democraticidade do governo das universidades públicas» consagrada na lei fundamental.
28
académica, da formalização do comportamento e do planeamento e controlo. A autonomia ao
nível das escolas e das faculdades também seria francamente afetada, o que iria certamente
promover uma desmotivação da parte dos administradores‐profissionais, isto é dos
constituintes dos órgãos de gestão das atuais faculdades. Estas intenções parecem ter
procurado levar – ainda que, talvez, de forma involuntária ‐ a implementação da NGP
constante do RJIES, que não parece granjear particular simpatia no seio do centro operacional
da universidade, mais além16. Mintzberg (2010:407) realça, aliás, que “um controlo externo
demasiado forte conduz (…) à centralização e à burocratização da estrutura, transformando‐a
numa burocracia mecanicista”.
Esta proposta, mesmo salvaguardando‐se a potencial boa intencionalidade da mesma,
parece descurar ainda outros parâmetros de conceção desta organização. O papel da
socialização anteriormente referido, a par da autonomia inerente aos operacionais desta
estrutura, parecem também ter tido um papel preponderante para o "atrito" que foi causado ‐
e que se percecionou visivelmente ‐ à proposta apresentada pelo Reitor da U.Porto, visto que
a socialização associa‐se à "cultura e ideologia da organização" exigindo "grande lealdade dos
seus membros" (Mintzberg 2010:122‐123). Quanto à questão ideológica e cultural importa
reforçar que a proposta apresentada pelo Reitor ignora claramente as diferentes missões e
culturas específicas das faculdades tomando todas as faculdades como homogéneas, como
terá referido inclusivamente um dos elementos pertencentes ao conselho geral e,
simultaneamente, parece desvalorizar o papel dos atuais departamentos.
Concomitantemente, não só o corpo docente parece identificar‐se mais com a sua profissão do
que com a universidade, como parece identificar‐se mais com a cultura e ideologia da sua
faculdade do que com a própria U.Porto (de um ponto de vista holístico). Ademais, parece ter
sido descurado que “na burocracia profissional, a autonomia dos operacionais e do poder da
16 A título exemplificativo e preservando a privacidade do autor, um dos diretores de uma faculdade da U.Porto escreveu num espaço de domínio público: "(...) subscrevo a denúncia no tocante aos agravos à Universidade e aos académicos, à sua autonomia e liberdade, resultantes do ‘managerialismo’ (New Public Management – Nova Gestão Pública) e do centralismo inerentes ao modelo de gestão empresarial que, pouco a pouco, se institui na UP, em detrimento da direção colegial e participada. Como ele proclamo: há vida universitária para além da mera gestão!" Para este efeito, poderia, ainda, referenciar‐se a opinião emitida por Alberto Amaral a 4 de junho de 2012. Estes são alguns dos exemplos da parca simpatia da NGP junto da comunidade académica. Todavia, estudos futuros poderão procurar corroborar cientificamente esta hipótese.
29
base nas decisões na associação profissional com os seus próprios procedimentos
democráticos, o poder de mudar a estratégia é difuso” (Mintzberg 2010:405) e que deveria ter
sido procurada uma gestão de comunicação mais adequada, uma mudança mais consensual,
politicamente mais hábil e temporalmente mais espaçada. Mintzberg (2010:396) alerta
inclusive que “nestas estruturas (…), o administrador não pode impor a sua vontade aos
profissionais do centro operacional” e que o administrador deve avançar cuidadosamente,
usando o poder de forma informal e subtil.
Atendendo à discórdia originada pela proposta junto do centro operacional, poder‐se‐
á considerar que o administrador profissional (i.e. corpo reitoral) deixou de servir, de forma
eficaz, os interesses do centro operacional, apesar da manutenção do poder, ainda que de
forma mais fragilizada. À luz do consagrado em Mintzberg (2010:393‐394), percecionou‐se a
perda de poder do vértice estratégico e registou‐se um maior envolvimento do corpo docente
após a apresentação da proposta em análise (não difundida publicamente) junto do Conselho
Geral, tendo resultado ‐ a título exemplificativo ‐ em presenças acentuadas e bastante
participadas nas reuniões públicas para discussão da proposta e, subsequentemente, num
número relevante de candidaturas às eleições para o novo mandato do Conselho Geral.
Ao nível da análise dos fatores de contingência poderá considerar‐se que a proposta
perturbou a estabilidade do ambiente do sistema e que, quer as afetações do RJIES quer a
proposta em estudo pretendiam introduzir e introduziram, respetivamente, mais regulação no
sistema técnico, o que desvirtua o cariz da estrutura.
Ainda assim, facilmente se poderão aceitar alguns méritos da proposta, como por
exemplo, poderia alcançar‐se uma maior uniformização e controlo da gestão financeira e dos
procedimentos administrativos, bem como de questões de cariz pedagógico e científico.
Todavia, é menos fácil de descortinar como se criaria uma cultura organizacional à volta da
U.Porto por uma mera via de alterações regulamentares. Concomitantemente, não se
perspetivaria uma redução da carga administrativa e um melhoramento ao nível da
30
complexidade das unidades, embora facilitasse porventura a gestão relacional do reitor com as
escolas devido à agregação.
31
Conclusão e considerações finais
Como vimos, as organizações são estruturas de funcionamento complexo e com
diversos parâmetros de conceção, fatores de contingência e configurações estruturais.
Considerando o setor do ensino superior ‐ onde a configuração estrutural dominante é a
burocracia profissional ‐ têm‐se constatado alterações jurídico‐legais com impacto ao nível
organizacional, como é exemplo a aplicação da NGP através, sobretudo, do RJIES (incluindo a
adoção do regime fundacional constante deste regime jurídico). Como se viu, o impacto desta
aplicação resultou num aumento da importância de critérios de mercado e numa diminuição
de critérios como a colegialidade, democraticidade, liberdade e autonomia.
Considerando o exposto anteriormente, olhando para o caso particular da U.Porto e
articulando‐o com a proposta de Mintzberg, podemos inferir que, neste momento, a
Universidade tem uma estruturação híbrida em que a horizontalidade, a colegialidade e a
democraticidade associadas à organização/burocracia profissional coexistem com a
centralização à escala da universidade no vértice estratégico da universidade, isto é com o
modelo de gestão mais verticalizado e focado em "administradores profissionais", típico da
NGP.
Por sua vez, a proposta de reorganização estrutural da U.Porto parece ter procurado
acentuar alguns dos fatores com impacto da NGP. Assim, o vértice estratégico da U.Porto
parece ter pretendido aumentar o seu próprio poder através de um aumento da amplitude
vertical, da centralização, da formalização e, ainda, do planeamento e do controlo, através de
um aumento do sistema de autoridade formal e do sistema de fluxos de informação regulado,
recorrendo‐se ainda a um agrupamento em unidades maiores. Esta proposta parece assim
descaracterizar bastante, em certas matérias, a típica estrutura da burocracia profissional.
Concomitantemente, os respetivos proponentes e apoiantes da proposta de reestruturação
que aqui se discutiu parecem não ter percebido o papel marcadamente democrático da
instituição U.Porto e, ainda, não parecem ter percebido quais as melhores formas de lidar com
alguns dos problemas inerentes à burocracia profissional, como são os problemas de
coordenação, de autonomia e de inovação consubstanciados em Mintzberg (2010:401‐408) e
32
abordados no trabalho que aqui se apresentou. Assim, esta proposta que induziu uma elevada
perturbação no ambiente tido como estável da U.Porto, naturalmente, não teve um
acolhimento positivo no centro operacional da comunidade académica da U.Porto. Poder‐se‐á
dizer inclusivamente que a proposta caiu antes mesmo de esta ter uma discussão científica
suficientemente profunda no seio da comunidade académica.
Adicionalmente, esta recente experiência à volta do regulamento orgânico demonstra
a importância das temáticas do conflito e da negociação que não cabem no âmbito da
discussão deste trabalho.
Como nota final importa também ressalvar que apesar da dedicação que se procurou
imprimir na realização do trabalho que aqui se expôs, o tempo disponível e a própria finalidade
do próprio não possibilitaram uma análise ainda mais detalhada dos conceitos genéricos da
estruturação das organizações e da aplicação da NGP ao ensino superior português, do caso de
estudo em análise e de todas as questões que o rodeiam. Seria, particularmente, pertinente
em futuras oportunidades estudar‐se mais pormenorizadamente o caso supra elencado e,
ainda, o da recém‐instituída Universidade de Lisboa (U.Lisboa) que aparece referido no anexo
5, procurando efetuar‐se uma análise qualitativa com opiniões e informações obtidas junto
dos agentes que mais de perto lidaram com os fenómenos em causa, nomeadamente junto
das equipas reitorais, dos elementos que constituem ou constituíram os conselhos gerais
universitários, dos diretores das diferentes unidades orgânicas, mas, eventualmente, também
junto de elementos do centro operacional das diferentes estruturas universitárias
referenciadas neste documento.
Atentando ao exposto, uma das possíveis oportunidades para abordar mais
detalhadamente esta(s) matéria(s) poderá, de facto, ser a dissertação deste ciclo de estudos
de mestrado no ano letivo subsequente.
33
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Bibliografia
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36
Anexos
Anexo 1: Considerações adicionais sobre a caracterização das estruturas organizacionais através das dimensões estruturais
A amplitude de controlo refere‐se ao número de indivíduos sob supervisão de uma
determinada chefia. Esta depende de algumas variáveis associadas, essencialmente, aos
subordinados e às tarefas que lhes estão incumbidas, como por exemplo: (i) a diversidade das
tarefas; (ii) a complexidade das tarefas; (iii) dispersão geográfica dos subordinados; (iv)
formação e motivação; (v) mecanismos de controlo da organização. A amplitude vertical diz
respeito ao número de níveis hierárquicos existentes entre a base e o topo de uma dada
organização. A autonomia, sendo sempre limitada a um dado grau, está associada ao grau de
liberdade de um indivíduo, grupo ou departamento determinar as suas ações. A delegação
associa‐se à característica anterior e refere‐se às decisões que são atribuídas pelos
responsáveis superiores aos seus subordinados. Quanto à centralização, esta é tanto maior
quanto mais concentrado estiver o poder ou a responsabilidade de tomada de decisão numa
organização. A complexidade é respeitante ao número de níveis hierárquicos (complexidade
vertical), ao número de departamentos (complexidade horizontal), ao número de funções
(complexidade horizontal) e ao número de zonas geográficas em que a organização marca
presença (complexidade espacial). A componente administrativa trata‐se da relação entre o
número de supervisões, gestores e pessoal afeto ao apoio de funções na organização e o
número total de trabalhadores. A diferenciação caracteriza‐se pelo agrupamento de pessoas e
tarefas por divisões ou funções, com o intuito de se produzirem bens e/ou serviços. A
especialização é a designação que se atribui ao conjunto de atividades que um trabalhador
deverá realizar, sendo que esta pode ser de cariz funcional ou social. A normalização, também
referida frequentemente como estandardização, tem normalmente os objetivos de diminuir a
incerteza, padronizar procedimentos e evitar desvios substantivos em relação ao planeado e
para alcançar tais objetivos recorre‐se ao estabelecimento de regras e regulamentos. A
formalização surge da definição de atividades laborais por escrito, incumbindo ao trabalhador
respeitar o que estiver estritamente estabelecido. A profissionalização diz respeito, a título
exemplificativo, à autonomia que os trabalhadores consideram possuir e à dedicação
37
transmitida ao seu trabalho, sendo que a formalização é tanto menor quanto maior for o grau
de profissionalização dos constituintes da organização. A integração é entendida como a
combinação das diversas funções e especialidades existentes numa determinada organização,
sendo que os mecanismos de integração pode ser categorizados como de tipo vertical ou de
tipo horizontal. As ligações verticais são, por exemplo, o reporte hierárquico, regras e planos e
sistemas de informação verticais (e.g. correio eletrónico). As ligações horizontais também
podem ser os sistemas de informação, o contacto direto, as equipas de projeto (i.e. task
forces), integradores (e.g. gestores de produto ou de projeto) e equipas.
Anexo 2: Considerações adicionais sobre os formatos estruturais convencionais
A estrutura funcional, tida como a mais tradicional, é aquela que é recorrente em
contextos estáveis, que dão importância à eficiência e qualidade técnica e, ainda, em
contextos que existem baixos níveis de interdependência. Assim, nesta estrutura ocorre um
agrupamento de atividades por função, ocorrendo uma racionalização do trabalho através da
divisão de tarefas a especialistas o papel de gestão da área. Tal estrutura dá primazia à
comunicação vertical e à centralização dos processos quer de controlo quer de gestão,
perdendo‐se em matéria de comunicação interdepartamental, em inovação, em
aprofundamento de conhecimentos e, possivelmente, no tempo de resposta, isto é em
encetar determinadas decisões atempadamente.
A estrutura multidivisonal, ou forma‐M, estrutura‐se com base nos resultados
operacionais e, ao contrário do formato anterior, é mais adequada para contextos de incerteza
mais elevados. Esta estrutura adota a estrutura funcional mas com aplicabilidade a cada um
dos vários grupos de produtos, mercados e/ou áreas geográficas. Aquando da análise das
configurações de Mintzberg, apresentar‐se‐á a estrutura (multi)divisionalizada com maior
pormenorização.
A estrutura matricial combina a estrutura funcional e a estrutura divisional
anteriormente referidas, procurando obter níveis superiores de qualidade técnica – associada
à estrutura funcional – e de inovação – associada à estrutura multidivisional. Apesar de ser
uma estrutura complexa que exige boas competências interpessoais e comprometimento de
38
todos os envolvidos para se evitarem lutas internas pelo poder, se for implementada com
sucesso poder‐se‐á obter melhor coordenação, integração, flexibilidade, circulação de
informação e comunicação lateral.
A redução dos típicos modelos de burocracia e de organização menos hierarquizada
constatou‐se com o aparecimento de estruturas horizontais, onde se verifica um achatamento
da hierarquia, uma descentralização do poder do vértice estratégico para o centro operacional
(delegação do trabalho para níveis inferiores), dando‐se uma valorização das equipas
multifuncionais e o enfoque aos processos17 em detrimento das funções. Estas equipas
autodirigidas devem incluir trabalhadores de diversas áreas (multifuncionalidade), ter o poder
e os recursos necessários para executar as suas tarefas, assim como o acesso a estes mesmos
recursos. Este modelo possibilita melhorias na rapidez, eficiência, inovação e motivação dos
trabalhadores, mas exige uma filosofia de gestão diferente das mais habituais o que nem
sempre é fácil de alterar.
Um modelo diferente dos que temos analisado anteriormente é o da rede, que
substitui o típico modelo hierarquizado pelo controlo do mercado, em que se dá importância à
confiança e à cooperação e se «procura reter internamente as suas competências nucleares,
subcontratando as demais atividades a organizações especializadas» (outsourcing) (Pina e
Cunha, Rego et al. 2007:622). Nesta estrutura de cariz flexível recorre‐se a tecnologias para
ultrapassar entraves ao funcionamento e crescimento da organização, procurando‐se alcançar
resultados rápidos e evitando‐se perdas de tempo e de recursos contraproducentes em
atividades sem relevo ou com pouco relevo para a entidade. Como reverso, destaca‐se a
potencial perda de controlo sobre atividades de menor importância, a possibilidade de
comportamentos excessivamente individualistas dos trabalhadores e a dificuldade em se criar
uma cultura organizacional, entre outros pontos fracos.
Anexo 3: Considerações adicionais sobre as demais configurações de Mintzberg
17 Pina e Cunha, Rego et al. (2007) definem processos como «um conjunto de atividades reciprocamente relacionadas e que resultam num resultado distinguível (e.g. desenvolvimento de um novo produto, o processamento de uma encomenda)».
39
A estrutura simples ou a organização empreendedora é aquela que, geralmente, não
acarreta chefias de nível intermédio ou quando acarreta esta é de apenas um nível, tendo
como mecanismo de coordenação principal a supervisão direta. Tem como vantagens a
celeridade de atuação e estar associado a ambientes mais motivadores ou agradáveis. Dada a
centralização, o enfoque do supervisor em questões operacionais em vez de estratégias pode
ser prejudicial. Esta dependência do vértice estratégico pode também ser negativa, perante
situações inesperadas, assim como pode ser um entrave à mudança em caso de necessidade.
A organização mecanicista é adequada para envolventes estáveis e para uma
estratégia focada no planeamento, pelo que, naturalmente, a componente‐chave é a
tecnoestrutura e ocorre uma normalização dos processos de trabalho. Concomitantemente, a
organização tem como características demarcadas: a formalização, a especialização e, ainda, a
centralização vertical. Esta organização tem como "prós" a eficácia que consegue promover, a
estabilidade/segurança, a consequente previsibilidade e coerência organizacional. As
desvantagens são várias e vão desde a centralização vertical excessiva e a resultante menor
adaptabilidade à mudança ao excessivo controlo passando pelo facto de a estrutura ser de
cariz mecanizado e, portanto, de cariz menos pouco humanizado.
No que à estrutura divisionalizada diz respeito, esta é adequada para organizações de
grande dimensão, que gerem muitos produtos e que estão presentes em envolventes com um
relevante grau de incerteza ou de mutabilidade. De igual forma, é adequada para organizações
onde existe elevada interdependência entre departamentos ou divisões e também para
organizações com enfoque na eficácia e adaptabilidade e, ainda, na satisfação do cliente. Ao
nível vertical, existe descentralização da tomada de decisão, como já se referiu de certa forma
implicitamente. Assim, ao nível da divisão, esta componente pode assumir uma estrutura
similar à organização mecanicista anteriormente descrita, podendo esta padecer das mesmas
desvantagens desse tipo de organização, nomeadamente tendo impacto ao nível do espírito
inovador e empreendedor dos constituintes da organização, por exemplo, pela necessidade de
prestar contas a superiores hierárquicos. Do ponto de vista das vantagens, destacam‐se a
grande capacidade de resposta e o facto das decisões não se darem ao nível do vértice
estratégico mas da linha hierárquica (i.e. das divisões).
40
A estrutura adocrática, também denominada organização inovadora, tem cariz
marcadamente orgânico, não existindo formalismos nem burocracias relevantes, pelo que
regista‐se uma assinalável descentralização e complexidade, aliadas a uma reduzida
formalização. As componentes‐chave assentam no apoio logístico e no centro operacional.
Considerando o exposto, apesar do sistema ser democrático, menos burocrático, corre‐se o
risco de se gerar alguma desorganização e ineficiências. Como vantagens pode‐se destacar,
também, a eficácia no tratamento de questões mais complexas e menos expectáveis. Ainda, é
relevante destacar um ponto negativo possível da adoção deste tipo de configuração que é
respeitante às «potenciais ambiguidades [que podem surgir] no que concerne às áreas de
responsabilidade, linhas de comunicação, definição de postos de trabalho» (Pina e Cunha,
Rego et al. 2007:626).
41
Anexo 4: Quadro‐sumário com a dimensão das cinco configurações estruturais
Estrutura Simples Burocracia Mecanicista
Burocracia Profissional
Estrutura Divisionalizada
Adocracia
Mecanismo de Coordenação Principal Supervisão Direta Estandardização do
Trabalho Estandardização das
Qualificações Estandardização dos
Resultados Ajustamento Mútuo
Componente‐chave da Organização Vértice Estratégico Tecnoestrutura Centro Operacional Linha Hierárquica Funções de Apoio (Com o Centro Operacional) na Adocracia Operacional
Parâmetros de Conceção
Especialização dos postos de trabalho
Fraca Horizontal e vertical
importante Horizontal importante
Horizontal e vertical moderada (entre a Sede e as
Divisões) Muita especialização horizontal
Formação e socialização
Pouca Pouca Muita Moderadas (dos diretores de
Divisões) Muita formação
Formalização do comportamento,
burocrático/orgânico
Pouca formalização orgânica
Muita formalização e socialização
Pouca formalização. Burocrática.
Formação e socialização moderadas (dos diretores de
Divisões). Burocrática.
Pouca formalização. Burocrática.
Forma de agrupamento
Geralmente por funções
Muita formalização. Burocrática
Por função e por mercado Por mercado Por função e por mercado
Dimensão das unidades
Grande
Geralmente por funções. Grande na base e pequena noutros pontos.
Grande na base e pequena noutros pontos.
Grande (no vértice) Pequena em todos os pontos
Sistemas de planeamento e de
controlo
Pouco planeamento e controlo
Planeamento das ações
Pouco planeamento e controlo
Muito planeamento e controlo
Planeamento limitado das ações (particularmente na adocracia administrativa)
Mecanismos de ligação
Poucos Poucos Mecanismos de ligação na
administração Poucos Muitos em todos os pontos
Descentralização Centralização Horizontal limitada Horizontal e vertical Vertical limitada Seletiva
Funcionamento Vértice estratégico Todo o trabalho administrativo
Resolução minuciosa.
Coordenação de funções. Resoluções
de conflitos.
Ligação com o exterior. Resolução dos conflitos.
Gestão do portfólio. Controlo das performances.
Ligação com o exterior. Resolução dos conflitos.
Equilíbrio do fluxo de trabalho. Controlo dos projetos.
42
Centro operacional Trabalho informal. Pouca autonomia.
Trabalho rotineiro. Formalizado com pouca autonomia.
Trabalho qualificado. Estandardizado. Muita autonomia individual.
Tendência para formalizar devido a divisionalização
Separação (na adocracia administrativa) ou fusão com a administração para a realização de um trabalho informal sobre
os projetos (na adocracia operacional)
Linha Hierárquica Insignificante
Elaborada e diferenciada. Resolução dos
conflitos. Ligação com os funcionais. Apoio dos fluxos
verticais.
Controlada pelos profissionais. Muito ajustamento mútuo.
Formulação das estratégias das divisões, gestão e
operações
Importante mas confundida com os funcionais. Implicada no
trabalho por projetos.
Tecnoestrutura nenhuma Elaborada para
formalizar o trabalho Pouca
Elaborada na sede para o controlo das performances
Pequena e confundida com o resto no trabalho por projetos
Funções de apoio Pequenas Muitas vezes
elaboradas para reduzir a incerteza
Elaboradas para apoiar os profissionais. Estrutura da burocracia mecanicista.
Divididas entre a sede e as divisões
Muito elaborada (particularmente na adocracia
administrativa) mas confundidas com o resto no
trabalho por projetos
Fluxo de autoridade Significativo no vértice Significativo em todos os pontos
Insignificante (exceto nas funções de apoio)
Significativo em todos os pontos
Insignificante
Sistema de fluxos regulados
Insignificante Significativo em todos os pontos
Insignificante (exceto nas funções de apoio)
Significativo em todos os pontos
Insignificante
Fluxo de comunicação informal
Significativo Desencorajado Significativo na administração
Moderado entre a sede e as divisões
Significativo em todos os pontos
Constelações de trabalho
Nenhuma Insignificantes,
particularmente nos níveis inferiores
Algumas na administração Insignificantes Importante em todos os pontos
(sobretudo na adocracia administrativa)
Fluxo das decisões No sentido descendente
No sentido descendente
No sentido ascendente Diferenciado entre a sede e as
divisões Complexo a todos os níveis
Fatores de contingência
Idade e dimensão Tipicamente jovem e
pequena (primeira fase)
Tipicamente velha e grande (segunda
fase) Varia
Tipicamente velha e muito grande (terceira fase)
Tipicamente jovem (adocracia operacional)
Sistema técnico Simples. Não regulador. Regulador mas não automatizado. Não muito sofisticado.
Nem regulador, nem sofisticado
Divisível ou idêntico ao da burocracia mecanicista
Muito sofisticado. Muitas vezes automatizado (na adocracia
administrativa). Nem regulador, nem sofisticado (na adocracia
operacional).
43
Ambiente Simples e dinâmico. Por vezes hostil.
Simples e estável Complexo e estável Relativamente simples e estável. Mercados
diversificados (especialmente no que diz respeito aos produtos e aos serviços)
Complexo e dinâmico. Por vezes dispare (na adocracia
administrativa)
Poder Controlado pelo diretor‐geral. Muitas
vezes empresa individual. Estrutura
não na moda.
Controlo tecnocrático e
externo. Estrutura não na moda.
Controlo pelos operacionais profissionais. Estrutura na
moda.
Controlo pela linha hierárquica. Estrutura na moda (particularmente na
indústria).
Controlo pelos especialistas. Estrutura muito na moda.
Fonte: Mintzeberg (2010:492‐493)
44
Anexo 5: A criação da U.Lisboa
Atente‐se à fusão recente da antiga UL com a UTL que resultou na criação da U.Lisboa.
Em consonância com o definido no artigo 55.º (fusão, integração, cisão e extinção de
instituições de ensino superior públicas) do RJIES, o Decreto‐Lei n.º 266‐E/2012, de 31 de
dezembro, do Ministério da Educação e Ciência procedeu à fusão da UL e da UTL, resultando
uma nova instituição denominada por Universidade de Lisboa, como assinalado na introdução
do presente relatório.
Quanto às unidades orgânicas, nomeadamente quanto às escolas, com a U.Lisboa
verificou‐se a fusão das 11 escolas da UL18 e as 7 escolas da UTL19, sem existir qualquer
supressão ou união de escolas. A um outro nível, ainda que a literatura e a informação a que
tivemos acesso não sejam conclusivas, assim como o prazo para a realização do trabalho não
nos possibilite apresentar dados fidedignos em tempo útil, é possível considerar a
possibilidade de que possa ter existido uma redução do número de ciclos de estudos
oferecidos, em estrita consequência desta fusão. Assim, ainda que tenham aumentado o
número de ciclos de estudos ao nível do 3º ciclo (+9), a redução global de ciclos de estudos
cifrou‐se em vinte e sete (vd. tabela abaixo). Ao nível do número de constituintes do corpo
estudantil, também se verifica uma ligeira descida (i.e. de 1025 estudantes), ainda que não
seja possível, de momento e pelos mesmos motivos elencados para o caso dos ciclos de
estudos, manter condição ceteris paribus (Curado, Fonseca et al. 2012 e Universidade de
Lisboa 2013).
Ciclo de Estudos Antes da fusão Depois da fusão
Variação UL UTL UL+UTL U.Lisboa
1º ciclo e ciclos de estudos integrados (MI)
51 59 110 102 ‐8
2º ciclo 150 90 240 212 ‐28
18 A saber: Faculdade de Belas Artes, Faculdade de Ciências, Faculdade de Direito, Faculdade de Farmácia, Faculdade de Letras, Faculdade de Medicina, Faculdade de Medicina Dentária, Faculdade de Psicologia, Instituto de Ciências Sociais, Instituto de Educação e Instituto de Geografia e Ordenamento do Território. 19 A saber: Faculdade de Medicina Veterinária, Instituto Superior de Agronomia, Instituto de Economia e Gestão, Instituto Superior Técnico, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Faculdade de Motricidade Humana e Faculdade de Arquitetura.
45
3º ciclo 43 57 100 109 9
Total 244 206 450 423 ‐27
As principais razões, para esta fusão, elencadas no prefácio do supra referido Decreto‐Lei
são:
i. possibilidade de expansão da capacidade de investigação;
ii. sinergias entre disciplinas e temas contíguos, promovendo a interdisciplinares;
iii. os anteriores objetivos estão alinhados com a necessidade de internacionalização.
A partir da análise destes três pontos, pode eventualmente considerar‐se que está
implícito o objetivo de aumentar a eficiência e a eficácia das duas instituições agora fundidas
e, principalmente, de aumentar a competitividade da mesma num mercado de ensino superior
globalizado e extremamente dinâmico. Não obstante, quanto à estruturação da nova
organização, importará estudar futuramente que ganhos de eficiência e de eficácia se
conseguiram ou se vão conseguir com uma universidade desta envergadura (administrativa,
patrimonial, académica, etc.). Veja‐se que, na verdade, a nova instituição terá resultado de
uma união e não de uma fusão, onde poderia ter ocorrido a agregação de escolas de áreas
científicas contíguas, no sentido de promover uma maior racionalização de recursos e de
sinergias de cariz pedagógico, científico e administrativo. Assim, é possível que, num futuro a
médio prazo, os órgãos ligados à Reitoria da U.Lisboa, tenham as mesmas intenções que a
equipa reitoral da U.Porto teve aquando da discussão do (da) regulamento orgânico
(reestruturação da U.Porto).
O estudo específico deste caso terá que ficar para outra altura, todavia é pelo facto
elencado na frase anterior que a referência sumária a este caso se revela extremamente
importante.
Fontes: Curado, Fonseca et al. (2012) e Universidade de Lisboa (2013).