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A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS BRASILEIROS COM O PREGÃO ELETRÔNICO: AVANÇOS, LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS Hélio Janny Teixeira Luis Patrício Cintra do Prado Filho Sérgio Mattoso Salomão

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A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS BRASILEIROS COM O PREGÃO

ELETRÔNICO: AVANÇOS, LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS

Hélio Janny Teixeira Luis Patrício Cintra do Prado Filho

Sérgio Mattoso Salomão

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Painel 47/001 Compras Públicas por Pregão: Balanço, Limitações e Perspectivas de uma Experiência Inovadora

COMPRAS PÚBLICAS POR PREGÃO: BALANÇO, LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS DE UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA. ISIDRO-

FILHO

Hélio Janny Teixeira Luis Patrício Cintra do Prado Filho

Sérgio Mattoso Salomão

RESUMO

O pregão, autorizado por lei em 2002, representa uma das principais inovações no

processo de compras do setor público brasileiro desde a promulgação da lei 8.666/93.

Com o aporte da tecnologia, desenvolveram-se ferramentas que permitiram o

emprego da modalidade também em versão eletrônica. Com ampla aceitação, o

pregão eletrônico predomina na realização das licitações.

Os avanços são inequívocos, seja em termos de transparência e agilidade, como,

principalmente, de redução de custos. No entanto, o pregão, isoladamente, não é

suficiente para superar a rigidez e o detalhismo exagerados da lei 8666/93, nem outro

sem número de lacunas que têm impedido os diversos níveis da federação de

implantar políticas públicas de compras e gastos públicos mais amplas e conducentes

a uma gestão sistêmica da cadeia de suprimentos.

O trabalho analisa limitações e avanços no emprego da modalidade em estados

selecionados da federação, com ênfase em São Paulo. Espera-se, ao final da análise,

ser possível a avaliação de eventuais abusos ou impropriedades na adoção da

modalidade, com a indicação dos caminhos mais promissores a serem seguidos por

outras unidades e contextos da gestão pública.

3

1. INTRODUÇÃO

Compras e contratações públicas, aqui e nas repúblicas em geral, são guiadas

por preceitos constitucionais e regidas por um conjunto de leis, comumente visando a

princípios similares: legalidade, igualdade, moralidade, publicidade e eficiência (ou

bom uso do recurso público). No Brasil, os procedimentos de compras e contratações

decorrentes dessa legislação maior são comumente conhecidos como licitação

pública ou, simplesmente, licitação. Ao contrário do que possa soar ao primeiro

contato com o termo, do ponto de vista etimológico, licitação não se refere à lícito,

submetido ou conforme à lei, mas ao ato de leiloar1.O que pode parecer – e realmente

é - uma veleidade linguística, não deixa de ser coincidência interessante para o tema

deste trabalho em que analisaremos, quase quinze anos depois de sua criação por

lei, o desempenho da modalidade de licitação denominada pregão, que se trata, em

essência, de um leilão reverso (ou seja, em que os lances subsequentes são

obrigatoriamente inferiores aos anteriormente apresentados por outro concorrente)

para a aquisição de bens ou serviços pela administração pública. Vê-se, então, que a

mais recente modalidade de licitação criada pode ser justamente a que vai reencontrar

a essência original da licitação ou do leilão, que talvez se tenha perdido em meio ao

emaranhado legal, jurídico e burocrático sempre crescente em nossa já não tão jovem,

mas ainda imatura, república: o melhor preço para o objetode uma determinada

transação.

Praticantes qualificados são sempre boas fontes para levantamento e definição

de questões relevantes de pesquisa e de hipóteses a testar em estudos científicos.

No caso do pregão, modalidade ainda recente e pouco estudada, sobremaneira

quando consideramos o potencial de disponibilidade e de acesso a dados que a

tecnologia da informação nos permitiria atualmente, esses profissionais são

servidores e gestores públicos responsáveis pelas compras públicas, gestores de

conhecimento e inteligência em compras, bem como de plataformas de pregão

eletrônico, além de consultores jurídicos e outros responsáveis pela fiscalização e

1 Conforme verbetes licitação e lícito do Grande dicionário Houaiss da língua portuguesa; in: http://houaiss.uol.com.br – versão para assinantes; acessado em 07/05/2016.

4

controle dos processos de compras. Entre esses profissionais, em geral funcionários

de carreira, com muitos anos de experiência e que dominam a legislação e conhecem

o cenário antes e depois da introdução da modalidade, as avaliações empíricas sobre

o pregão, normalmente formuladas de forma pouco sistemática ou incompleta, são

feitas na forma de afirmações, em geral positivas, como as seguintes:

1. Próximo de completar uma década e meia2 de autorização, o pregão3

mostrou-se uma modalidade de licitação vitoriosa e amplamente aceita e

valorizada, tanto pelo administrador público de todos os níveis e naturezas,

quanto pelos fornecedores privados, independentemente de quaisquer

críticas ou sugestões de melhoria que possam ser feitas, tornando-se, em

poucos anos, a modalidade de licitação predominante para a aquisição de

bens e serviços de uso comum, passando a ser utilizada – no Governo

Federal e em estados como São Paulo, por exemplo – em praticamente

100% dos certames.

2. Desde a introdução da modalidade, verificam-se reduções significativas de

preços (que chegam a superar os 30%, dependendo do objeto da

contratação), tanto em relação aos preços pagos antes da introdução da

modalidade, quanto, ainda hoje, em relação aos preços máximos de

referência estabelecidos com base em cotações ou mesmo pesquisas de

mercado realizadas com métodos estatísticos.

3. Com o desenvolvimento e adoção de plataformas eletrônicas via internet, a

modalidade permitiu a democratização do acesso às compras públicas, seja

pela maior transparência do processo, pela facilidade de acesso às

informações, pela redução dos custos de venda (e, consequentemente, dos

custos da perda da venda, resultado que, todo empresário sabe, é a regra;

2Anos antes da concepção e autorização legal da modalidade pregão em lei, o estado de São Paulo lançou a BEC – Bolsa Eletrônica de Contratações, salvo melhor juízo, para democratizar, aprimorar e baratear as compras diretas de uso comum e baixo valor, nas quais a licitação é dispensada; a partir da autorização do pregão como modalidade de licitação essa plataforma eletrônica via internet passou também a ser utilizada para realizar licitações dessa natureza, alcançando grande expansão e relevância nas compras e contratações de bens e serviços de natureza comum no estado. 3 As principais características do pregão e as diferenças mais marcantes em relação a outras modalidades de licitação serão detalhadas adiante neste estudo.

5

assim, uma plataforma que reduza os custos de participação em licitações

permite, com o mesmo orçamento, envolver-se em mais certames).

4. A corrupção é dificultada com a versão eletrônica da modalidade por

diversas razões, entre as quais se destacam o estabelecimento de um preço

máximo de referência baseado em cotações ou pesquisa de mercado

(também existente na versão presencial) e o aumento da concorrência pelo

alargamento da base de fornecedores, inclusive com a ampliação do

alcance geográfico permitido pela tecnologia da informação.

5. A redução dos custos e prazos de contratação em função da redução do

estímulo ao questionamento da regularidade documental entre

concorrentes em detrimento a questões de qualidade e preço, redução essa

que decorre da inversão entre as fases de “habilitação” e “propostas”4.

No entanto, alguns contrapontos importantes são apresentados por

observadores “informados”, como consultores e pesquisadores, os quais podem ser

deduzidos da própria observação mais ampla do leque global de contratações da

administração pública, incluídos seus braços produtivos e empresariais (empresas e

departamentos de obras, por exemplo), responsáveis pela aplicação da parcela de

compras e contratações dedicadas aos investimentos, e que servem igualmente como

hipóteses e questões de pesquisa, ainda que em direção diversa das anteriores:

1. A despeito da contribuição inequívoca da modalidade Pregão para a

simplificação do processo licitatório e redução dos gastos com os objetos

que ela permite contratar, os valores contratados por meio de outras

modalidades de licitação – como o Regime Diferenciado de Contratações,

os estatutos próprios das empresas estatais, as concorrências públicas

(especialmente para obras), entre outras, são muito superiores àqueles

contratados via pregão e/ou com a utilização de plataformas eletrônicas de

4 A inversão entre as fases de “habilitação” (documental: certidões, atestados, estatutos etc.) – propícia a muitos questionamentos administrativos e judiciais - e “propostas” (qualidade e preço) é, talvez, a segunda principal diferença entre a modalidade pregão e suas antecessoras, depois, é claro, do fato de prever um leilão reverso, em que os concorrentes podem reduzir o preço inicial ofertado.

6

leilão reverso, como a do ComprasNet (do Governo Federal), BEC-SP (do

Governo do Estado de São Paulo) ou Banco do Brasil (Licitações-e).

2. Os resultados positivos do pregão nas situações em que é aplicável de

forma suficientemente confortável terminam por transformá-lo em uma

espécie de “fetiche” ou panaceia, exigindo dele muito mais do que pode

entregar efetivamente, decorrendo em uma tentativa de transformar todos

os objetos de contratação em “objetos pregoáveis” (“se sua única

ferramenta é um martelo, cuidado para não tratar todos os seus problemas

como um prego”5).

3. Observando o fenômeno das compras e contratações públicas de forma

ainda mais ampla, não pode o pregão - e sequer qualquer lei de licitações

públicas -, por mais relevante e inevitável que seja, substituir a reflexão

sobre políticas públicas sistêmicas de logística e de suprimentos (em outras

palavras, uma lei, uma modalidade de compras ou uma plataforma

tecnológica não substituem uma “Política Pública de Meios”).

Nosso objetivo neste ensaio é, pois, enriquecer e ilustrar um pouco mais essas

categorias de avaliação mais frequentes da experiência do pregão como modalidade

de licitação, com foco na esfera estadual, discutindo-as preliminarmente com base em

evidências atualmente disponíveis, mas considerando-as como teses ou hipóteses a

serem futuramente testadas em estudos mais detalhados e profundos. Dados e

informações sobre o emprego da modalidade na esfera federal ou municipal serão

utilizados a título de comparação e apoio. Na esfera estatual, propriamente, a ênfase

foi dada a São Paulo, unidade em que estamos sediados e em que coordenamos ou

participamos de diversos projetos de desenvolvimento da gestão pública em geral e

das compras em particular, elevando a facilidade de acesso e a segurança na

interpretação das informações.

5Adaptação da citação de MASLOW, A. The psychologyofscience. New York: Harper and Row, 1966; in Motta, A.R. O combate ao desperdício no gasto público: uma reflexão baseada na comparação entre os sistemas de compra privado, público federal norte-americano e brasileiro. (Dissertação de Mestrado). Campinas: Instituto de Economia da Unicamp, 2010 – p. 139.

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2. O AMBIENTE JURÍDICO DAS COMPRAS E CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

Em função da abrangência do tema abordado, começaremos pela ênfase

legalista das compras públicas no Brasil e também nos estados, último ponto

destacado na introdução. É claro que, como princípio republicano, as compras e

contratações públicas têm obrigatoriamente de ser tratadas como processos legais.

No Brasil, no entanto, além da Constituição Federal e dos marcos legais mais amplos,

há um outro sem número de leis estaduais e municipais, normas infra legais e

decisões jurisprudenciais a regê-las, infelizmente, de forma desafinada. Como

agravante, esse diversificado, e por vezes conflitante, conjunto de marcos legais

termina também por provocar e sedimentar práticas burocráticas igualmente

diversificadas e conflitantes que ganham força similar à lei no âmbito de cada

organismo público, seja por meio de sua direção, das consultorias jurídicas ou dos

próprios departamentos envolvidos diretamente na execução das licitações.

De forma resumida, no quadro seguinte:

Ambiente Jurídico

Constituição Federal

Lei 8.666

Regime Diferenciado de Contratações

Lei do Pregão

Leis de fomento e proteção

Acordos internacionais

Leis Estaduais Leis Municipais

Instruções Normativas Súmulas de decisõesjudiciais

Termos de Referência Editais Pareceres e recomendações das

Consultorias Jurídicas

Muitas vezes, talvez pela própria força que têm, por sua capacidade de resolver

conflitos ou dúvidas anteriores, e também pela tradição burocrática brasileira, leis - ao

menos as mais importantes e intensamente praticadas, que determinam princípios e

procedimentos para os diversos atores - são confundidas com políticas públicas. É o

que ocorre com as compras e contratações públicas, baseadas especialmente em

peças legais como a lei geral de licitações 8.666/1993, a lei 10.520/2002 que instituiu

o pregão, e o regime diferenciado de contratação, criado pela lei 12.462, em 2011.

Além de não trazerem visão sistêmica e logística abrangente, pois tratam apenas de

8

compras e licitações, estão longe de estabelecer políticas públicas para o

abastecimento e prestação de serviços públicos.

Conceber e empreender uma política pública de compras e contratações

envolve a compreensão de um diálogo social mais rico, com respeito ao acúmulo e

evolução das ideias no campo da economia, direito, administração e política, só para

citar alguns campos. Na falta de referências mais amplas, e restringindo-se o debate

apenas sobre artigos e permissões específicos de determinada lei, as posições se

fecham em termos de dicotomias, como por exemplo: a favor vs contra a contratação

de Organizações Sociais, a favor vs contra o Regime Diferenciado de Contratações e

assim por diante.

Um bom exemplo desse embate, é a colocação de Luis Roberto Ponte,

empresário e ex-deputado, autor da Lei 8.666/93:

Cabe, preliminarmente, indagar se é lógica e conveniente a existência de dois regimes jurídicos distintos, a Lei 8666 e o RDC, com o idêntico objetivo de regulamentar o mesmo dispositivo da Constituição, o inciso XXI do Art. 37, que estabelece os fundamentos da lei que deve instituir as normas gerais para as licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços e compras, no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios, que respondem pela destinação de mais de 50% da imensa carga tributária do País.6

Há necessidade de ampliar o escopo atual, circunscrito pela legislação,

especialização e fragmentação departamental para tratar de questões como relações

com o mercado internacional (globalização), inovações na cadeia de suprimentos,

vinculação com as políticas das atividades fins, a organização como feixe de contratos

e a definição do grau de centralização das compras para obter economia de escala e

inovação. É necessário melhorar a articulação entre políticas de meios, no caso

compras e contratações e políticas setoriais mais amplas, bem como às possibilidades

de concentração de compras, tendo sempre em vista o valor público.

6 Ponte, L.R. (Luis Roberto Ponte), empresário, ex-Deputado Federal, autor da Lei 8.666/93; “Propostasdeaprimoramentos necessários na Lei Nº 8.666 para maior clareza e mais correta interpretação, e para suprir lacunas deixadas pelos vetos e coibir seu descumprimento” – apresentação no seminário Obras Públicas, em 11/11/2015; in: website TCE-RS; http://www1.tce.rs.gov.br/pvrweb/PK_PORTAL_AGENDA_BLOBS.ptc_agenda_blob?p_anexo=4122; acessado em 07/05/2016.

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3. O AMBIENTE E A REALIDADE DA GESTÃO DAS COMPRAS PÚBLICAS

Outras categorias relevantes para a reflexão e correto dimensionamento da

relevância da contribuição dessa nova e tão bem aceita modalidade de licitação são

as do planejamento e da gestão das compras públicas, vistas de um ponto de vista

mais amplo.

Em um ambiente de demandas crescentes e necessidade de controle de

gastos, necessidade de combate à corrupção e aos conluios (facilitados pela

concentração de fornecedores em alguns mercados), burocracia e cartorialismo, a

confusão de conceitos e prioridades de categorias de gestão foi-se instalando e

sedimentando ao longo de décadas. Direitos crescentes e fontes de recursos

estagnadas, convivem com horizontes de planejamento pautados pelos tempos

eleitorais, os quais têm-se também encurtado, seja pela redução dos mandatos, seja

pelo descasamento dos calendários eleitorais.

Diante desses desajustes de natureza mais geral e política, com origens já

distantes na história, vale comentar três importantes disfunções no planejamento

público brasileiro que os autores discutiram já em diversas oportunidades, e que têm

impacto direto sobre o planejamento e gestão das compras e contratações públicas.

A impressão que recebe um olhar isento ao observar a gestão de compras e

contratações nos órgãos públicos brasileiros – e os estados da federação não são

exceção – é de confusão: confusão instalada, mantida cuidadosamente e lubrificada

rotineiramente.

Apesar de as práticas do planejamento público estarem previstas em lei nas

suas linhas gerais, as regras do orçamento, que deveria guardar correspondência total

com o planejamento propriamente dito, são muito mais detalhadas, rígidas e, em

vários sentidos, independentes. O orçamento, que deveria ser parte do planejamento

geral e dele decorrer, ganha “vida própria” e independente. É, também, sempre muito

detalhado nos quantitativos e geralmente pobre nos aspectos qualitativos,

empobrecendo o planejamento e sobrelevando o econômico em relação a outros

inúmeros aspectos importantes das políticas públicas e da gestão como um todo.

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Da falta de reconhecimento e aceitação do caráter político da gestão e do

planejamento público decorre a segunda das três disfunções mencionadas, que é o

grande distanciamento entre o planejamento estratégico e o operacional. Mais que

mero distanciamento, aliás, muitas vezes abre-se um verdadeiro fosso entre eles.

Muitas vezes são elaborados por equipes distintas, separadas por seus projetos

políticos, por sua posição na hierarquia e pelo caráter de seu vínculo com a

administração pública (permanente ou não permanente).

A terceira disfunção decorre da força que ganha, na gestão pública, a

polarização dicotômica entre rotina e inovação. Muitas vezes, dependendo da

diferença de projeto técnico-político de uma nova gestão em relação ao de sua

antecessora, a cúpula, em seu planejamento estratégico, procura promover inovações

importantes e significativas nas políticas públicas, programas e projetos. Porém, com

poucas exceções em momentos em que uma combinação rara de fatores acaba por

favorecer a mudança, via de regra a máquina segue cumprindo estritamente a letra

da lei e as rotinas sedimentadas.

Dessa forma, é comum observarmos uma completa inversão dos momentos do

planejamento nos órgãos da administração pública:

Os departamentos de orçamento, regidos pelos tempos legais, saem na

frente, levantando necessidades nos departamentos executores e

registrando previsões de gastos com compras em cada rubrica.

Os departamentos de compras, cientes do longo tempo necessário para a

conclusão de uma licitação e tementes do risco de desabastecimento dos

departamentos executores (além do risco de “perder” no ano seguinte a

parcela do orçamento não consumido – mito corrente na administração

pública), levanta as listas de compras e procede às licitações.

Por fim, com os materiais já adquiridos e estocados, os departamentos

estratégicos e executores, tem de executar seu planejamento – o qual foi

concluído depois dos dois processos anteriores – com os materiais e

serviços contratados e recebidos, adequados ou não.

11

As organizações em geral, e as organizações públicas em particular, são

sistemas complexos, e a essência da administração, que envolve a tomada de

decisões em um ciclo de planejamento-execução-controle, inclui a visão de um

sistema em que o comportamento ou resultados em uma parte tem implicações sobre

as demais e sobre o todo. Os erros propagam-se para além das fronteiras estritas de

onde foram cometidos, e a importância de considerar o todo quando se atua em

qualquer das partes é, sem dúvida, um dos maiores e mais importantes insights do

conhecimento administrativo, sendo um dos conceitos que merecem ser considerados

como fixos ou permanentes em nosso campo. O enfoque sistêmico da administração

recomenda a gestão por processos, certamente.

Por outro lado, a evolução histórica da doutrina e da prática da gestão pública

tem privilegiado a visão funcional e a responsabilização individual como regras

básicas. O Promotor, o Juiz e, em última instância, o Cidadão, querem sempre saber

“quem é o responsável” por qualquer ato da Administração Pública. A reforçar essa

situação, temos de conviver com as distorções culturais de preenchimento de cargos-

chave de gestão a partir de critérios exclusivamente político-eleitorais. Muitas vezes,

sentam-se lado a lado gestores com visões político-estratégicas em desarmonia,

reforçando as disfunções apontadas.

4. O PAPEL E A DIMENSÃO DO PREGÃO NAS COMPRAS PÚBLICAS

A confusão comentada acima, espraia-se, como não poderia deixar de ser, dos

ambientes lega e do planejamento, para o entorno mais próximos das compras

públicas em geral, das licitações e do pregão.

Parte do que, por força de expressão, chamamos anteriormente de confusão,

reconheça-se, decorre de aspectos positivos. O pregão é indubitavelmente uma

experiência positiva, não havendo qualquer evidência de que a avaliação favorável

dos “praticantes qualificados”, resumida no início deste trabalho, não mereça

credibilidade. O pregão, certamente democratiza o acesso, encurta e barateia o rito

12

de compra, reduz os preços praticados (donde se deduz que também reduz ou limita

as práticas de corrupção e conluio)7.

Por que se fala, então, em confusão?

Porque tudo indica, assim como já ocorreu com outras ideias de base legalista

e de sucesso, que se começa a exigir do pregão mais do ele pode entregar, o que

pode exauri-lo e reduzir sua credibilidade, o que não seria interessante. Para entender

essa afirmação, basta observar o simples diagrama a seguir e verificar a dimensão e

a posição da modalidade em seu ambiente maior:

Para a própria preservação da ideia do pregão e garantia da manutenção das

conquistas obtidas com a modalidade, é preciso entender e respeitar seus limites:

O pregão, assim como qualquer lei isolada, não é uma política pública ou

sequer uma estratégia de compras. Não se pode abrir mão de refletir

estrategicamente sobre a logística de suprimentos, cadeias de

fornecimento, planos específicos de aquisição para cada família de bens

e serviços, além da modalidade mais apropriada para a aquisição ou

contratação de cada uma delas.

O pregão – e essa característica explica a maior parte do seu sucesso e

importância no contexto atual – é especialmente eficaz na obtenção do

7 Avaliação semelhante também pode ser encontrada nos raros trabalhos acadêmicos que tratam do tema, como, por exemplo em Motta, A.R. O combate ao desperdício no gasto público: uma reflexão baseada na comparação entre os sistemas de compra privado, público federal norte-americano e brasileiro. (Dissertação de Mestrado). Campinas: Instituto de Economia da Unicamp, 2010 – p. 136-139.

Inteligência e logística de suprimentos

Estratégias de Governo e Políticas Públicas

Gestão de compras e contratações

Licitações públicas

Bens e Serviços de Uso Comum

Modalidade Pregão

Pregão EletrônicoPregão Presencial

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menor preço para o objeto licitado. É, assim, especialmente preparado

para o alcance de uma das pontas do objetivo de selecionar a proposta

mais vantajosa para a administração. Na verdadeira tirania da simplicidade

que vivemos atualmente, esse princípio, que carrega obrigatoriamente

uma outra face, a da qualidade e adequação às necessidades do

planejamento, tem sido traduzido apenas como a busca do menor preço.

Ocorre que em muitas situações, gasto de qualidade, boa compra,

proposta mais vantajosa para a administração, não são sinônimos de

menor preço.

Procuraremos aprofundar a discussão sobre essas difíceis questões – quase

dilemas – nos tópicos subsequentes.

5. PREGÃO NO NÍVEL ESTADUAL E A EXPERIÊNCIA DE SÃO PAULO

Pela limitação de espaço e de tempo, optamos pelo relativo aprofundamento

na experiência de São Paulo em vez de uma exploração mais vasta, mas mais

superficial, em vários estados. Neste trabalho, como ensaio, é mais importante a

exploração de possibilidades de sucesso com a implantação e utilização da

modalidade pregão, do que a exploração mais ampla e superficial de várias

experiências.

Em São Paulo, acumulam-se já vários anos de avanços de conhecimentos e

resultados consistentes na utilização da modalidade pregão, na utilização de

plataformas eletrônicas de compras (para pregão e para outras modalidades de

compras) e no aprimoramento da contratação de serviços de uso comum, sempre de

forma interligada, o que já pode ser considerado um avanço adicional. Entre um

grande conjunto de instrumentos na área de suprimentos e compras públicas do

Governo do Estado de São Paulo, destacam-se, em relação ao pregão: o sistema de

gerenciamento da contratação de serviços terceirizados e a BEC-Bolsa Eletrônica de

Contratação.

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Os sistemas de contratação que se valem, hoje, preferencialmente, da

modalidade Pregão, são bastante complexos, contanto com um processo de avaliação

e aprimoramento permanentes, tendo sido, inclusive, amplamente beneficiados pela

incorporação de tecnologias da informação ao longo dos anos.

Originalmente, a partir da crise fiscal então presente, no final da década de

1990, ancorado em determinação política e orientado por valores fortes, o modelo

implantado baseava-se em um conjunto de ações coerentes e integradas, visando,

simultaneamente, ao aumento da eficiência no uso dos recursos públicos e ao ajuste

do orçamento do estado.

A tabela a seguir aponta alguns dos principais eventos ou marcos de evolução

do processo8, dentre os quais os mais relevantes para o processo em foco serão

comentados em seguida:

Ano Evento

1995 SEI – Sistema Estratégico de Informações:

CADTERC – Cadastro de Serviços Terceirizados

1996 SIAFEM – Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios

1997 Sistema Orçamentário

1998 SIAFISICO – Sistema Integrado de Informações Físico-Financeiras

2000 BEC – Bolsa Eletrônica de Compras do Governo do Estado de São Paulo

2002 Autorização legal para realização de pregão, pela Lei 10.520, e início da expansão do uso da modalidade no estado de São Paulo

2007 Obrigatoriedade do Pregão Eletrônico para aquisição de bens e serviços comuns em toda a Administração Pública Estadual por meio da BEC/SP

2010 Certificação ISO 9001:2008

2012 Autorização da celebração de convênios com municípios paulistas para utilização do Pregão Eletrônico, envolvendo aquisição de bens e contratação de serviços comuns, independentemente do valor

5.1. SEI – SISTEMA ESTRATÉGICO DE INFORMAÇÕES:

8 Secretaria da Fazenda – SP - Relatório de Gestão 2011-2014 da Coordenadoria de Entidades Descentralizadas e Contratações Eletrônicas

15

Tratava-se de uma rede privativa, gerida a partir da Secretaria da Casa Civil,

que interligava os dirigentes da administração pública estadual, utilizando ferramentas

de comunicação e de trabalho em grupo.

Os meios de comunicação do governo, em 1995, eram apenas telefone e fax,

não existindo uma rede para comunicação de dados. Naquele ano, a rede foi iniciada

com cerca de 200 estações, interligando o Governador, os Secretários, os principais

dirigentes e assessores, no final do primeiro ano, já contava com 4.000 estações,

chegando a 22.000 estações e 66 aplicativos em 2005.

Mais que na infraestrutura computacional e de rede instalada, a importância do

SEI estava nos estudos desenvolvidos, bases de dados acumuladas, procedimentos

estabelecidos, no monitoramento constante das ações de governo, entre as quais as

de compras. Enfim, sua importância estava no fato de ser um embrião de sistema de

inteligência para apoio às decisões e ações de governo.

5.2. CADTERC – CADASTRO DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS

O Cadastro de Serviços Terceirizados – hoje de abrangência muito maior – foi

lançado como um aplicativo do Sistema Estratégico de Informações – SEI,

desenvolvido para acesso por meio da Internet, e consistia em um banco de dados

que consolidava informações de todos os contratos de terceirização do Estado, ao

qual estão conectadas todas as Secretarias, Autarquias, Fundações e Empresas

Públicas. Por seu intermédio, foi possível estabelecer um gerenciamento ágil e

eficiente de todos os contratos terceirizados, além de fornecimento de subsídios às

novas contratações e negociações com fornecedores.

Um de seus objetivos é colocar à disposição dos órgãos da Administração

Pública informações de todos os contratos de serviços terceirizados, para permitir o

acompanhamento / monitoramento da evolução dos gastos e respectivos preços

unitários praticados.

16

Outro objetivo não menos importante é o estabelecimento de preços

referenciais máximos para a contratação dos principais serviços de terceiros, o que é

feito com a combinação de duas abordagens.

A primeira é o desenvolvimento de estudos técnicos sobre os principais

serviços de terceiros contratados pelos órgãos do Governo do Estado (como, por

exemplo, alimentação de presos, segurança e vigilância predial, limpeza predial,

fornecimento de gases hospitalares, entre outros). Esses estudos objetivam a

padronização da forma e qualidade dos serviços, o detalhamento da composição de

custos diretos e indiretos de fornecimento, a pesquisa de preços de mercado para,

finalmente, permitir o estabelecimento de preços máximos de referência. Além da

precisão dos preços referenciais obtidos a partir do conhecimento técnico do próprio

processo produtivo do fornecedor, a padronização dos serviços garantida pelos

estudos, permite o emprego da modalidade pregãonas licitações para contratação de

serviços, que comprovadamente é a que resulta nos menores preços. O conjunto de

serviços com preços referenciais calculados desta forma já representavam, em 2010,

aproximadamente 60% dos gastos com Serviços Gerais e Administrativos, no âmbito

da Administração Pública Estadual.

O sistema recebe, armazena e divulga para os órgãos públicos os preços

referenciais, organiza os dados por tipo de serviço, por órgão público, por fornecedor,

entre outros, indicando automaticamente aqueles localizados acima dos preços

referenciais máximos. Essa flexibilidade de organização e agilidade de acesso aos

dados facilita tanto a negociação entre unidades contratantes e fornecedores, quanto

o acompanhamento e auditoria das próprias unidades contratantes pelos organismos

de controle do estado.

Completando o conjunto de medidas que garante o sucesso desta prática, é

obrigatório o registro dos preços no sistema, tanto quanto o respeito aos preços

referenciais divulgados através do SEI. Eventuais desvios obrigam a unidade

contratante a renegociar os preços com fornecedores, sob o risco de serem

investigados pelos órgãos de controle do estado.

17

Atualmente, os estudos técnicos são revisados e atualizados anualmente, com

base em pesquisa de preços dos insumos que fazem parte da composição de preços

de cada um dos serviços. A prospecção permanente da necessidade de

desenvolvimento de novos estudos também foi incorporada ao modelo. Outra nova e

importante inovação incorporada ao modelo é o aprimoramento do sistema de

acompanhamento, avaliação e gerenciamento dos contratos pelas unidades

contratantes, incluindo, desde o edital, regras claras e detalhadas segundo as quais

os contratos serão acompanhados e, eventualmente, sancionados os serviços ou

punidos os fornecedores inadimplentes.

Para essa revisão e atualização, bem como para desenvolvimento de novos

estudos, atualmente, são sistematicamente realizadas as seguintes atividades (fonte:

http://www.cadterc.sp.gov.br):

avaliação da sistemática de gerenciamento de contratos de serviços

terceirizados, objetivando a identificação de oportunidades de

aprimoramento dos Cadernos Técnicos de Serviços Terceirizados, seja do

ponto de vista da especificação dos serviços ou dos instrumentos de

controle;

avaliação das especificações relacionadas às questões trabalhistas e

sócio ambientais, avaliando impactos e possibilidades de aprimoramento

e de inovações em decorrência de avaliação de mercado público e privado,

levando-se em consideração o poder de compra do Governo do Estado de

São Paulo;

avaliação do comportamento dos preços ofertados durante o último

ano avaliando o processo de contratação no âmbito do Administração

Pública Estadual;

avaliação dos preços praticados no âmbito do setor privado dos serviços

contemplados pelos cadernos já publicados;

avaliação junto aos fornecedores dos serviços contemplados nos cadernos

técnicos quanto aos conhecimentos, uso, impacto, abrangência e

aceitação dos respectivos estudos;

18

atualização dos aspectos legais, especificações técnicas, evolução

tecnológica e critérios sócio-ambientais;

pesquisa de preços de insumos e das atualizações das convenções

trabalhistas de todos os segmentos de mercado para composição dos

novos preços referenciais;

atualização dos valores referenciais.

Estão disponibilizados neste sítio, a íntegra dos principais estudos técnicos de

serviços terceirizados, bem como os respectivos valores referenciais vigentes,

simuladores, legislação e diversas informações relativas ao tema terceirização e

compras públicas.

5.3. SIAFEM – SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS

Em 1996, implanta-se o SIAFEM, inspirado no SIAFI (Sistema Integrado de

Administração Financeira), implantado anos antes no Governo Federal. O SIAFEM é

um sistema integrado e em rede que visa à execução orçamentária, financeira e

contábil de toda a administração estadual.

Posteriormente integrado com sistemas e funcionalidades de planejamento

orçamentário (1997) e de gestão de materiais e fornecedores (SIAFISICO-1998) a

implantação do sistema tem dois grandes méritos. O primeiro é a transparência e

possibilidade de acompanhamento social do gasto público, já que há terminais para

acesso online tanto nas sedes da cúpula do governo como nas sedes dos poderes

Legislativo e Judiciário. O segundo é relacionado a uma medida administrativa que foi

possível somente com o uso desta tecnologia e tratou-se da centralização de todos

os recursos financeiros do estado em uma conta única, cuja liberação física passou a

ser feita exclusivamente pela Secretaria da Fazenda, responsável pela gestão do

tesouro do estado. Foi de importância central na recuperação das finanças do estado,

que passou de mais de 21% de déficit no ano anterior, para menos de 3% no primeiro

ano do novo governo e superávits em todos os demais 12 anos desde então.

19

5.4. COMPRAS ATRAVÉS DE LEILÃO REVERSO

Como resumimos no início deste trabalho, o Pregão é uma nova modalidade

de licitação, do tipo menor preço, destinada à aquisição de bens e de serviços comuns,

aplicável a compras de qualquer valor, em que a disputa é feita por meio de propostas

iniciais e lances sucessivos, no formato de um leilão reverso em sessão pública. Neste

tipo de licitação, os fornecedores concorrentes, a partir de propostas iniciais, iniciam

um processo de lances alternados e sucessivos de redução de preços até a

proclamação do vencedor. Mesmo após a proclamação de um vencedor, o pregoeiro

ainda pode negociar reduções.

Criada pelo Governo Federal, essa nova modalidade de licitação criou um novo

procedimento de compras mais ágil e mais vigoroso do ponto de vista negocial,

eliminando excessos e alterando o rito da lei geral de licitações, criada com um claro

viés para a contratação de obras e serviços de engenharia.

Dentre as principais inovações e vantagens do pregão em relação a outras

modalidades utilizadas para compras de grande vulto, podemos citar:

Prazo mínimo de 8 dias úteis entre a publicidade e o recebimento das

propostas iniciais vs até 45 dias em outras modalidades.

Maior competitividade, proporcionada pela etapa de lances;

Possibilidade de negociação do preço na sessão pública, com o detentor

da melhor oferta, mesmo depois de encerrada a etapa de lances. Essa

possibilidade, apesar de, à primeira vista, poder parecer remota, tem sido

frequente graças principalmente aos cadastros de preços informatizados

descritos neste estudo. Diante de uma proposta vencedora no leilão, um

pregoeiro habilidoso e treinado pode negociar reduções adicionais, por

exemplo, fazendo ver ao fornecedor que o mesmo já fornece a outro órgão

do estado o mesmo produto ou serviço em condições semelhantes e por

preço menor.

Inversão temporal entre a etapas de habilitação (avaliação documental) e

a etapa de propostas de preços, sendo que o processo se inicia pela

última. Além de reduzir as frequentes batalhas de questionamentos

20

administrativos ou mesmo na Justiça, baseados em questões formais,

muitas vezes secundárias ou com objetivo meramente protelatório, esta

inversão permite que apenas a documentação do fornecedor que

apresentou a melhor oferta seja analisada.

Havendo recurso, será apresentado e motivado ao final da própria sessão,

agilizando o processo.

Maior rigor nas punições, que podem ir a até 5 anos de impedimento de

contratar com a administração pública.

A utilização do pregão teve início na administração pública do estado de São

Paulo no final de 2002, com a edição do decreto que regula sua implantação e a

distribuição do software de gerenciamento de pregões para todos os órgãos do

Governo do Estado e prefeituras municipais.

Outras ações complementares foram fundamentais, desde então, para garantir

o sucesso da iniciativa:

Treinamento de 3.763 servidores para atuar como pregoeiros.

1.518 pregoeiros treinados em técnicas de negociação, comunicação,

formação de preços, registro de preços, recebimento de materiais etc.

Em março/2006 passou a ser oferecido também o curso de técnicas de

negociação e comunicação, por meio de ferramentas de e-learning.

Apenas nos primeiros quatro anos de utilização da modalidade, tinham sido

instaurados 44.420 pregões no estado de São Paulo, sendo 902 eletrônicos e 43.518

presenciais, obtendo-se 18,96% de economia adicional (R$ 3,19 bilhões), dos quais

4,37 pontos percentuais foram obtidos na negociação posterior ao encerramento da

fase de lances (624 milhões). Atualmente, já são mais de 160 mil pregões realizados,

segundo dados da BEC (bec.sp.gov.br), com mais de 25% de economia média,

calculada pelos descontos oferecidos sobre os preços referenciais de mercado.

Como em praticamente todos os componentes do modelo, também neste caso

o sucesso da implantação do pregão pelo Governo do Estado de São Paulo deve-se

a uma combinação de fatores, entre os quais destacam-se a vontade política

fortalecida pela transparência, uma solução técnica adequada à complexidade do

21

problema, a atuação permanente de uma equipe responsável por todos os aspectos

do problema e pela orientação e suporte técnico, por fim, normas formais para

disciplinar e obrigar a máquina administrativa ao uso da solução.

No caso do pregão, através de normas editadas em meados de 2003, o

Governador do Estado estabeleceu o uso obrigatório desta modalidade para

contratação de bens e serviços no Estado de São Paulo. Além de todo o investimento

em soluções tecnológicas e treinamento, foram necessários pelo menos 10 meses de

monitoramento da máquina pela Corregedoria do Estado, inclusive promovendo o

cancelamento de licitações em andamento, para obter um resultado, até então, sem

paralelo na administração pública brasileira, inclusive se considerado o Governo

Federal à época (atualmente a utilização do pregão também é amplamente majoritária

na União), que instituiu o pregão e o utiliza pelo menos desde 1999: mais de 99% das

licitações de bens e serviços de uso comum realizadas através de leilões reversos.

5.5. CERTIFICAÇÃO ISO-9000

Após vários anos de implantação de programas da qualidade, a Bolsa Eletrônica de Compras – BEC/SP, submeteu-se ao processo de auditoria e obteve a certificação pelas normas ISO-9001, em 2010. Mais que um selo, tratou-se de um longo processo de consolidação de procedimentos que garantem a regularidade, confiabilidade e rastreabilidade de atos e informações.

5.6. CONVÊNIOS COM MUNICÍPIOS

Em 2012 abriu-se a possibilidade de acesso à plataforma da BEC aos

municípios paulistas, sem custo, ampliando para todo o estado seus benefícios e

permitindo ao governo estadual, ao mesmo tempo, garantir um melhor uso dos

recursos repassados às prefeituras.

Finalizando a análise da experiência iniciada há muitos anos pelo governo do

estado de São Paulo, tempo esse que, associado à dedicação e investimentos

permanentes, permitiu a consolidação de um conjunto de ações, estruturas e

ferramentas que garantem o melhor aproveitamento do pregão como modalidade de

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licitação. Conversando com gestores9 de “contratação de serviços terceirizados de

uso comum” (CADTERC) e da “bolsa eletrônica de compras”, percebe-se que o

sucesso da estratégia paulista deve-se, em grande medida, à “gestão ativa” das

compras, com uma dinâmica de ajustes permanentes no rol de itens adquiridos via

pregão, nos preços de referência, na mecânica e parâmetros da plataforma eletrônica,

no número de fornecedores e especificação de itens, nas estratégias de controle da

qualidade e dos gastos etc..

6. À GUISA DE CONCLUSÃO: CUIDADOS PARA GARANTIR E PROSPERAR O PREGÃO

Nosso objetivo neste ensaio não foi o de realizar um trabalho de pesquisa e

análise de dados primário, mas o de discutir as próprias categorias de análise que têm

sido utilizadas para a avaliação do pregão como modalidade de licitação, seu

ambiente mais amplo, o entorno mais próximo e a própria necessidade de

aprimoramento da análise futura do seu desempenho.

No encerramento deste trabalho, por sua própria natureza, faremos apenas

algumas colocações finais nesse sentido.

A necessidade de uma política pública de meios

Tendo em vista o volume de recursos públicos empregados nas licitações

públicas e a importância das obras, bens e serviços contratados, é surpreendente a

omissão dos governos de todos os níveis, e dos governos estaduais em especial, em

relação às políticas de meios. Decisões sobre fazer internamente ou contratar são

negligenciadas ou dominadas por discursos ideológicos ou corporativos. É

fundamental o estabelecimento de uma discussão técnica permanente sobre a

natureza do Estado e das funções públicas essenciais, o estabelecimento de

estratégias de logística e suprimentos, o estudo e estabelecimento de famílias de bens

9 Agradecemos aos gestores públicos paulistas Maria de Fátima Alves Ferreiro (responsável pela BEC/SP) e Alexandre Sabella (responsável pelo CadTerc) a gentileza de receber os autores em entrevistas realizadas em abril de 2016.

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e serviços com tratamento diferenciado quanto às formas de contratação e

fornecimento. A dispersão das decisões e o caso a caso não podem mais ser a regra

nas compras e contratações públicas.

Pregão para o que é “pregoável”

O pregão é modalidade de contratação que se presta perfeitamente para bens

padronizados, com especificações claras e sem muita margem para a variabilidade

da qualidade. O sucesso da modalidade em termos de redução de preços tem

ampliado talvez excessivamente o espectro de contratações para objetos com uma

definição mais ampla e genérica, denominada pelos gestores públicos usualmente por

“bens e serviços de uso comum”. Dessa forma, é o uso ou demanda generalizada que

tem definido o que é “pregoável” e não as próprias características padronizadas e sem

margem a dúvidas do bem ou serviço objeto da contratação. Temos visto, cada vez

mais, itens relativamente difusos ou imprecisos sendo contratados via pregão, dando

margem a conflitos entre contratante e contratado, dificultando o estabelecimento de

um nível de qualidade mínimo aceitável, elevando a chance de inadimplência do

fornecedor por exigências impostas posteriormente à contratação, entre outras.

Objetos como desenvolvimento de sistemas, consultoria, manutenção de

equipamentos e instalações complexas, entre outros, são objetos especialmente

difíceis de especificar previamente a ponto de se poder proceder a uma etapa de leilão

reverso. Para tanto, nos casos factíveis, é preciso investir com seriedade no estudo,

padronização e especificação, como comentamos no ponto seguinte.

Inteligência para o melhor uso do pregão

É possível expandir o espectro de aplicação do pregão para além do material

de escritório e pó de café, garantindo a qualidade do bem ou serviço e o equilíbrio dos

contratos? Certamente é possível e a experiência de São Paulo, descrita nesse

trabalho, que ao longo dos anos vem expandindo o leque de serviços de uso comum

contratados por pregão é prova da viabilidade dessa estratégia. Já são 18 os serviços

contratados, representando mais de R$ 9 bilhões em valores compromissados com

contratos, com apoio do Cadterc. O leque é grande, indo da limpeza predial à

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vigilância eletrônica, dos serviços de portaria à alimentação de presos, do moto frete

à contratação de gases hospitalares. Mas essa expansão depende de estudos

detalhados de cada setor e mercado, para atingir o melhor equilíbrio entre preço e

qualidade, bem como para aumentar a segurança ao gestor público de cumprimento

dos contratos, entre outras dimensões importantes. A análise da cadeia produtiva, a

cotação de insumos e outros componentes de custos, a modelagem dos serviços

visando as diversas situações de utilização e a padronização das unidades de

contratação são fundamentais para o estabelecimento de preços máximos de

referência e parâmetros claros de comparação e contratação, além de garantir preço

justo para a administração e rentabilidade saudável para o fornecedor.

Aproveitamento dos dados para avaliação e aprimoramento futuro

Por fim, é importante o avanço dos gestores da inteligência em compras e

gestores das plataformas informatizadas na análise dos dados disponíveis. Salvo

engano, não há estudos aprofundados sobre o impacto do pregão na qualidade dos

serviços, na inadimplência dos fornecedores, no desconto médio por mercado (mais

concorrenciais vs mais concentrados), na avaliação dos gestores de contratos e

usuários em geral, na avaliação dos fornecedores entre tantos outros que seriam

relativamente fáceis de estruturar, tendo em vista que quase todas as informações

estão disponíveis nas bases de dados das próprias plataformas e sistemas

governamentais.

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AUTORIA

Hélio Janny Teixeira – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA/USP

Endereço eletrônico: [email protected]

Telefone: (11) 3732-2026

Luis Patrício Cintra do Prado Filho – Fundação Instituto de Administração - FIA

Endereço eletrônico: [email protected]

Telefone: (11) 3732-2027

Sérgio Mattoso Salomão – Fundação Instituto de Administração - FIA

Endereço eletrônico: [email protected]

Telefone: (11) 3732-2027