a febre em pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros · 2019. 5. 6. · a febre em...
TRANSCRIPT
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Hospital de Santa Maria/Centro Hospitalar
Lisboa Norte
Clínica Universitária de Pediatria
Trabalho Final de Mestrado integrado em Medicina
Ano Lectivo 2013/2014
A febre em Pediatria: perspectiva de pais,
médicos e enfermeiros
Orientador: Dr. Francisco Abecasis
Marta Esteves Martins (nº10723)
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
2
RESUMO
Introdução: O objectivo deste estudo foi o de avaliar o conhecimento e actuação sobre a febre
por parte dos pais e profissionais de saúde.
Materiais e métodos: Os dados foram obtidos através da aplicação de um questionário a uma
amostra de pais que recorreram ao Serviço de Urgência (SU), a enfermeiros do SU e a médicos
de Medicina Geral e Familiar e de Pediatria a exercer actualmente em Portugal.
Resultados: Foram obtidas 265 respostas de pais, 49 de enfermeiros e 525 de médicos. Quase
metade dos pais (43%) considerou febre a partir de uma temperatura de 38ºC, valor igualmente
apontado pela maioria dos médicos e enfermeiros. A primeira reacção dos pais perante uma
criança febril é administrar medicação, sendo o paracetamol o fármaco mais utilizado (44%). Os
enfermeiros consideram que uma criança com febre deve ser sempre tratada e que os
antecedentes de convulsão febril são o factor mais decisivo para o início de terapêutica enquanto
para os pediatras o mais importante é a presença de irritabilidade e desconforto. O efeito
adverso mais temido da febre não tratada por parte de pais (74%) e enfermeiros (92%) é a
convulsão ao passo que para os pediatras (97%) a irritabilidade é a principal consequência.
Conclusão: As atitudes dos pais transparecem receio da febre e dos eventuais efeitos adversos.
A abordagem perante a febre difere significativamente entre profissionais de saúde.
ABSTRACT
Introduction: The aim of this study was to evaluate the knowledge of parents and health care
professionals about fever and their response to febrile children.
Methodology: Data was obtain through a questionnaire administered to a sample of parents
whose children were admitted to the Emergency Room (ER), to nurses that work at the same ER
and to family doctors and pediatricians, currently practicing in Portugal.
Results: We collected 265 answers from parents, 49 from nurses and 525 from doctors. Almost
half of the parents (43%) considered fever a temperature above 38ºC, the same value referred by
most nurses and doctors. The first reaction of parents to a febrile child is giving antipyretics;
being acetaminophen the most used one (44%). Nurses think that a child with fever must be
always treated and that a history of febrile seizures is the most decisive factor to initiate
treatment. Contrarily, for pediatricians the most important factor is the presence of irritability
and discomfort. The most feared effect of a fever without treatment to parents (74%) and nurses
(92%) is a seizure. For pediatricians (97%), irritability is the main consequence.
Conclusions: Parents’ attitudes demonstrate fear of fever and its possible consequences. The
approach to a febrile child is significantly different between health care professionals.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
3
INTRODUÇÃO
A febre é uma manifestação clínica extremamente frequente em crianças, sendo
uma das principais razões de vinda ao Serviço de Urgência (SU) em Pediatria1. Apesar
de, na maioria dos casos, ter origem em doenças infecciosas relativamente benignas em
idade pediátrica, a febre constitui por si só razão de preocupação e ansiedade para os
pais1-3
. Tal fenómeno tem sido descrito na literatura como “fobia da febre”3, resultado
de desconhecimento e desinformação e que condiciona atitudes incorrectas na
abordagem e valorização da febre por parte dos pais.4,6,8
Além disso, a “fobia da febre” tem sido reportada também entre profissionais de
saúde, médicos e enfermeiros, contribuindo para a generalização de conceitos e ideias
erradas e irrealistas sobre a febre e o seu tratamento.5-8
Em simultâneo, várias questões relativamente ao tratamento e abordagem da febre
permanecem controversas e têm sido alvo de estudo e discussão entre especialistas.
Resultados inconclusivos têm muito provavelmente contribuído para as diferentes
abordagens e concepções por parte dos profissionais de saúde. Infelizmente, algumas
dessas abordagens veiculam aos pais a ideia da febre como “perigosa”, com possíveis
efeitos adversos graves e que, como tal, deve ser activamente tratada,
independentemente do estado geral da criança.9-11
Este tipo de tratamento agressivo, não
só aumenta a ansiedade dos pais, como estimula o uso de antipiréticos e o recurso a
esquemas intensivos, com possível aumento de efeitos adversos, erros de dosagem e
casos de intoxicação medicamentosa.4
Assim, e apesar de terem sido realizados alguns estudos sobre esta temática em
vários países do Mundo, a maioria debruça-se sobre uma única população (pais ou
médicos), não existindo muitos estudos que procurem comparar as concepções que pais
e médicos têm da febre.14-19
Deste modo, pretendemos com este estudo compreender a perspectiva que pais,
enfermeiros e médicos (de Medicina Geral e Familiar – MGF – e de Pediatria) têm da
febre e verificar se os conhecimentos e abordagem da criança febril divergem
significativamente entre eles.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os dados foram obtidos com recurso à aplicação de 2 questionários diferentes, um
dirigido aos pais e o outro dirigido aos profissionais de saúde (médicos de MGF,
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
4
pediatras e enfermeiros). Ambos foram construídos com base numa revisão da literatura
disponível e em estudos semelhantes, tendo sido submetidos a testes piloto para
validação.
O questionário dirigido aos pais incluía 19 perguntas: 7 items para caracterização
sociodemográfica, 2 perguntas sobre a definição de febre e os seus efeitos adversos e 9
perguntas sobre a abordagem da febre: local e frequência de medição da temperatura,
atitude perante uma criança febril, temperatura a que inicia terapêutica, fármacos
administrados, via de administração, cálculo da dose e intervalo entre tomas. Incluía
ainda uma pergunta sobre as fontes de informação que utilizam. Todas as perguntas
eram do tipo escolha múltipla.
Este questionário foi distribuído a uma amostra de conveniência de pais
acompanhantes de crianças que recorreram ao SU do Hospital de Santa Maria (HSM) e
do Hospital Beatriz Ângelo (HBA) entre Dezembro de 2013 e Março de 2014. Os locais
foram escolhidos de forma a optimizar a diversidade da amostra.
O questionário dirigido aos profissionais de saúde incluía 12 perguntas: 3 items
para caracterização profissional (profissão, especialidade médica e anos de prática
clínica), 2 perguntas sobre a definição de febre e os seus efeitos adversos e 6 perguntas
sobre a abordagem da febre: local de medição da temperatura num lactente e numa
criança, importância de vários factores para a decisão terapêutica (grau de febre,
presença de outros sintomas, antecedentes pessoais de convulsão febril e gravidade da
doença subjacente), temperatura que aconselha medicar, fármacos
prescritos/recomendados e utilização de esquema de fármacos alternados. Todas as
perguntas eram de escolha múltipla à excepção da pergunta 7 em que se pedia para
classificar os 4 factores para iniciar terapêutica antipirética de acordo com o grau de
importância atribuída, numa escala de 1 a 5 (sendo 1=nada importante e 5=muito
importante). O último item era composto por 7 afirmações, tendo sido solicitado a
classificação de cada afirmação de acordo com o grau de concordância com a mesma,
numa escala de 1 a 5 (sendo 1=discordo completamente e 5=concordo completamente).
Este questionário foi divulgado electronicamente através de e-mail entre os
enfermeiros do SU pediátrico de ambos os hospitais, entre os médicos de MGF através
de 2 fóruns de discussão (MGF XXI e USF-NA) e entre os pediatras através da
newsletter da Sociedade Portuguesa de Pediatria. O preenchimento foi efectuado com
recurso a uma plataforma online, tendo sido registadas respostas entre Dezembro de
2013 e Abril de 2014.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
5
Os questionários e o estudo foram aprovados pela Comissão de Ética para a Saúde
do Centro Hospitalar Lisboa Norte/Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e
pela Comissão de Ética para a Saúde e Comissão de Investigação Clínica do HBA.
Tratamento e análise de dados: O tratamento estatístico dos dados obtidos foi
realizado recorrendo a software informático (Microsoft Excel®, RealStats®, GraphPad
Prism 5®). Os dados foram submetidos a análise estatística descritiva (proporções,
média, mediana e desvio-padrão). Para comparação entre grupos foi utilizado o Teste de
Mann-Whitney para as variáveis discretas e contínuas com distribuição não normal.
Para as variáveis categóricas, as diferenças de proporções entre grupos foram testadas
com o Teste do qui-quadrado e o Teste de Fisher. Admitiu-se significância estatística
para um valor de p<0,05.
RESULTADOS
Dos questionários aplicados aos pais, obtivemos 270 respostas, 150 provenientes do
HSM e 120 do HBA. Após revisão de todas as respostas foram anulados 5 questionários
por preenchimento muito incompleto.
Em relação aos profissionais de saúde, registámos 49 respostas por parte de
enfermeiros e 525 respostas por parte de médicos, dos quais 228 eram da especialidade
de MGF e 291 de Pediatria. Das restantes 6 respostas, 4 pertenciam a Cardiologistas
Pediátricos, uma a um Cirurgião Pediátrico e uma a um especialista em Saúde Pública,
as quais optámos por não contabilizar.
Características demográficas: A amostra de pais era constituída por 83,8% de
indivíduos do sexo feminino e 15,5% do sexo masculino, com idades compreendidas
entre os 18 e os 58 anos e idade média de 34,7 anos. Em 90,9% dos casos, os pais eram
de nacionalidade portuguesa, em 3% dos casos, de origem africana e noutros 3% dos
casos, de origem brasileira. Relativamente ao número de filhos, 41,5% tinham 2 filhos,
34,7% tinham apenas 1 filho e 16,6% tinham 3 filhos ou mais. Quanto à escolaridade, a
maioria dos pais tinha frequentado o Ensino Superior ou Secundário (Gráfico 1). Em
cerca de metade dos casos (46,8%) a febre foi o motivo ou um dos motivos de vinda ao
SU.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
6
Como já referido, a amostra de profissionais de saúde era composta por 49
enfermeiros, 228 médicos de MGF e 291 pediatras. Os enfermeiros apresentavam em
média 9,5 anos de exercício profissional, os médicos de MGF 10,5 anos e os pediatras
12,9 anos.
Febre – definição
Para 43,4% dos pais o valor de temperatura corporal (T) que definia a presença de
febre foi de 38ºC e para 32,1% esse valor foi de 37,5ºC. Já 10,5% dos pais considerou
valores inferiores (37ºC ou 36,5ºC) como febre. Por outro lado, os restantes 11,7% da
amostra apontaram valores de temperatura superiores para definir febre (Gráfico 2).
Assim, a Tmédia considerada pelos pais como febre foi 37,8ºC.
De uma forma geral, também entre os profissionais de saúde a temperatura mais
frequentemente referida foi de 38ºC, para praticamente todos os locais de medição
(Gráficos 3 a 5). Mais especificamente, a Taxilar mais utilizada pelos 3 grupos foi a de
38ºC (73,5% dos enfermeiros, 51,8% dos médicos de MGF e 58,8% dos pediatras).
Todavia, uma maior proporção de médicos de ambas as especialidades apontou valores
Gráfico 1 - Nível de escolaridade dos pais
Gráfico 2 - Temperatura a partir da qual considera febre (Pais).
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
7
mais baixos pelo que a Tmédia
referida pelos médicos
(médicos de MGF: 37,75ºC;
pediatras: 37,79ºC) foi inferior
à referida pelos enfermeiros
(37,97ºC); p=0,0001.
Quanto à Trectal: 40,8% dos
MGF e 47,1% dos pediatras
identificaram os 38ºC enquanto
apenas 28,6% dos enfermeiros
concordaram com este valor.
De facto, a Tmédia apontada
pelos médicos de MGF e
pediatras foi de 38,12ºC e
38,19ºC, respectivamente ao
passo que a Tmédia referida
pelos enfermeiros foi de
38,44ºC (p<0,0001).
Relativamente à Ttimpânica,
mais uma vez, uma maior
proporção de enfermeiros
respondeu valores mais
elevados de temperatura. A
Tmédia respeitante aos
enfermeiros foi superior
(38,2ºC) à dos médicos de
MGF (37,91ºC) e à dos
pediatras (38,03ºC); p <0,0001.
Ainda sobre aquilo que é a perspectiva dos médicos e enfermeiros sobre a definição
de febre, a grande maioria concordou com a afirmação “A febre constitui um mecanismo
fisiopatológico benigno que contribui para o funcionamento do sistema imunitário.”
(Gráfico 6). No entanto, verificou-se uma diferença no grau de concordância entre
pediatras e os restantes grupos. Assim, os pediatras expressaram um grau de
concordância maior (cotação média: 4,59) em comparação, tanto com médicos de MGF
Gráfico 3 - Temperatura axilar que considera febre, por grupo
profissional
Gráfico 4 - Temperatura rectal que considera febre, por grupo
profissional.
Gráfico 3 - Temperatura timpânica que considera febre, por grupo
profissional.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
8
(cotação média: 4,43) como com os enfermeiros (cotação média: 4,27), p=0,0138 e p
=0,009, respectivamente.
Local de medição: a maioria dos pais geralmente efectua a medição da temperatura
na axila (66,4%). Dos restantes, 15,8% medem a temperatura no recto, 9,8% no
tímpano, 2,3% na região frontal e 1,5% na cavidade oral.
Em contrapartida, para os profissionais de saúde há, claramente, uma distinção no
que toca ao local
mais apropriado para
a medição da
temperatura, de
acordo com a idade
da criança. Assim,
quando questionados
acerca do local onde
medem/recomendam
a medição num
lactente (<1 ano de idade), a maioria, tanto dos enfermeiros (53,1%), como dos médicos
(67,5% dos médicos de MGF e 62,2% dos pediatras) referem o recto (Gráfico 7).
Apenas 26,5% dos enfermeiros, 24,1% dos médicos de MGF e 31,3% dos pediatras
recomendam a medição da temperatura axilar nesta faixa etária.
Já perante uma criança mais velha (>1 ano), as respostas apontam sobretudo para a
axila como o local de referência (55,1% dos enfermeiros, 83,8% dos médicos de MGF e
Gráfico 4 - Grau de concordância com a afirmação enunciada, por grupo profissional.
Gráfico 5 - Local de medição da temperatura num lactente, por grupo
profissional.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
9
84,5% dos pediatras), indo de encontro àquilo que são os hábitos da maioria dos pais
(Gráfico 8).
No entanto, há que
destacar que, para ambos
os grupos etários, há uma
proporção de enfermeiros
que prefere a temperatura
timpânica (20,4% e
36,7% em caso de
lactente e criança com >1
ano, respectivamente).
Atitude perante a febre
No caso de o seu filho apresentar febre, 66,4% dos pais disse que a sua primeira
reacção é tentar baixar
a febre através da
administração de
medicamentos
(Gráfico 9). Pelo
contrário, 9,4% dos
pais referiu recorrer
em primeiro lugar a
métodos físicos para
diminuir a febre como um banho com água fria ou morna. Apenas 7,5% respondeu que
liga à linha Saúde 24h ou ao seu médico assistente e somente 6% se desloca
imediatamente ao Centro de Saúde ou Serviço de Urgência.
Ainda sobre a atitude dos pais foi questionada a frequência de medição da
temperatura, tendo-se obtido uma grande variabilidade de respostas: 31,7% dos pais
referiu medir a temperatura de 1h em 1h, 27,4% a cada 3/4h e 20% a cada 2h. É de
salientar que 16,2% dos inquiridos respondeu que mede a temperatura do seu filho a
cada 30min.
Uma vez que uma reacção frequente ao aparecimento da febre é a administração de
medicação, procurámos identificar qual a temperatura a partir da qual os pais o fazem e
compará-la com a temperatura que enfermeiros e médicos habitualmente recomendam
medicar. Verificámos então que 48% dos pais medica a partir dos 38ºC assim como
Gráfico 6 - Local de medição da temperatura numa criança > 1 ano, por
grupo profissional.
Gráfico 7 - Primeira atitude perante um filho com febre (Pais).
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
10
81,6% dos enfermeiros, 68% dos médicos de MGF e 70,4% dos pediatras. No entanto,
23% dos pais administram medicação para uma temperatura inferior (18,5% a partir dos
37,5ºC e 3,6% a partir dos 37ºC). Apenas 10% dos médicos de MGF e 3,8% dos
pediatras recomendou terapêutica para temperaturas dessa ordem (nenhum dos
enfermeiros o recomendou). Assim, a Tmédia a partir da qual os pais administram
medicação é inferior (37,96ºC) à dos enfermeiros (38,09ºC; p=0,0099), à dos médicos
de MGF (38,07ºC; p=0,0007) e à dos pediatras (38,14ºC; p<0,0001).
A afirmação “Uma criança com febre deve ser tratada com antipiréticos
independentemente do seu estado geral” reuniu consenso por parte dos enfermeiros
(67,3% disseram “concordar” ou “concordar completamente”), porém a maioria dos
médicos, tanto de MGF como de Pediatria, discordaram (61,8% dos MGF e 63,6% dos
pediatras) – Gráfico 10. Essa divergência foi confirmada pela diferença estatisticamente
significativa entre a cotação média atribuída pelos enfermeiros (4,25) e a dos médicos
(médicos de MGF: 2,47; Pediatras: 2,47); p<0,0001.
Relativamente à importância atribuída aos vários factores para iniciar terapêutica
antipirética (Gráfico 11), obtivemos, para o grau de febre, uma pontuação média de 4,2
por parte dos enfermeiros, 3,97 por parte dos médicos de MGF e 3,60 pelos pediatras. A
presença de outros sintomas concomitantes registou uma pontuação média de 4,19 pelos
enfermeiros, 4,29 pelos médicos de MGF e 4,59 pelos pediatras. A existência de
antecedentes pessoais de convulsão febril teve, em média, 4,56 pontos atribuídos pelos
enfermeiros, 4,46 pontos pelos médicos de MGF e 3,96 pontos pelos pediatras. Por fim,
a gravidade da doença subjacente foi, de todos, o factor com menos pontuação conferida
pelos 3 grupos (3,75 pelos enfermeiros, 3,69 pelos dos médicos de MGF e 3,28 pelos
pediatras).
Gráfico 10 - Grau de concordância com a afirmação enunciada, por grupo profissional.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
11
Tratamento da febre
Para o tratamento da febre na criança, 43,6% dos pais dos referiram utilizar apenas
o paracetamol, 7,3% apenas o ibuprofeno e 24,7% ambos os fármacos (Gráfico 12). Por
outro lado, a maioria dos profissionais de saúde recomenda a administração dos 2
antipiréticos (73,5% dos enfermeiros, 56,1% dos médicos de MGF e 80,4% dos
pediatras). Contudo, uma maior proporção de médicos de MGF recomenda apenas o uso
Gráfico 12 - Fármaco(s) que utiliza/recomenda para o tratamento da febre na criança, por
grupo
Gráfico 11 - Importância atribuída a cada factor para iniciar terapêutica; cotação média por grupo
profissional
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
12
de paracetamol (43,9%) em comparação com os enfermeiros (25%) e pediatras (18,9%).
É de destacar o facto de, em nenhum dos grupos, nem de pais nem de profissionais de
saúde, se ter registado o uso de aspirina ou glucocorticóides para antipirexia.
Quanto à recomendação para utilização de um esquema alternado de 2 antipiréticos
(paracetamol e ibuprofeno), 100% dos enfermeiros afirmou fazê-lo, dos quais 93,9%
referiu utilizá-lo quando a febre não baixa com apenas 1 antipirético em dose apropriada
e os restantes 6,1% utilizam-no sempre. Entre os médicos, a proporção de respostas
positivas foi ligeiramente menor (78,1% de médicos de MGF e 81,4% de pediatras).
Dos médicos que recomendam o esquema alternado, 94,4% dos médicos de MGF e
95,4% dos pediatras disse prescrevê-lo quando a febre não baixa com 1 único
antipirético e os restantes quando consideram que a febre é muito alta. Somente 21,9%
dos médicos de MGF e 18,6% dos pediatras negaram recomendar este esquema
terapêutico.
Outro aspecto importante relacionado com o esquema terapêutico é o seu
cumprimento no caso de a criança adormecer. Perante a afirmação “Uma criança com
febre não deve ser acordada para a administração de medicação antipirética” a maior
parte dos enfermeiros discordou (89,8%), atribuindo uma cotação média de 1,59
(Gráfico 13). Já entre os médicos, a proporção de respostas discordantes foi inferior
(44,7% de médicos de MGF e 41,9% de pediatras), com cotações médias (MGF: 2,77;
pediatras: 2,93) superiores à dos enfermeiros, p<0,0001.
Gráfico 13 - Grau de concordância com a afirmação enunciada acima, por grupo profissional.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
13
Via de administração: Relativamente à via de administração, os pais recorrem mais
frequentemente à via oral (68,7%), sobretudo na forma de suspensão oral e somente
24,5% administra o antipirético pela via rectal (em forma de supositório).
A afirmação “A administração de antipiréticos por via rectal deve ser apenas
usada quando a via oral não é tolerada.” obteve respostas discordantes pela maioria
dos profissionais de saúde (65,3% dos enfermeiros, 57,5% dos médicos de MGF e
51,9% dos pediatras) – Gráfico 14. A cotação média dada pelos enfermeiros foi de 2,31,
a dos médicos de MGF 2,63 e a dos pediatras 2,71, sendo que apenas se verificou uma
diferença estatisticamente significativa entre as cotações de enfermeiros e pediatras (p
=0,0248).
Cálculo da dose: a maioria dos pais utiliza o peso para calcular a dose (68,7%),
porém registámos ainda uma percentagem significativa de pais que disse fazê-lo com
base na idade (20,4%). Além disso, 72,1% dos pais referiu seguir as instruções do
médico ou farmacêutico para saber que dose administrar, sendo que apenas 21,5% lê o
folheto informativo para obter essa informação.
Frequência de administração: 54,3% dos pais administram o antipirético com
intervalos de 4 a 6h e 32,1% com intervalos superiores a 6h contudo, 11,32% dos pais
admite administrar uma nova dose menos de 4h depois da última toma.
Terapêutica não farmacológica: apesar de apenas 9,4% dos pais da amostra
recorrerem a métodos físicos para diminuir a febre (ver acima), a grande maioria dos
profissionais de saúde concorda com a sua utilização como complemento à terapêutica
farmacológica. A afirmação “Os métodos físicos para baixar a febre como o banho ou a
remoção de peças de roupa podem ser usados como complemento aos antipiréticos.”
Gráfico 14 - Grau de concordância com a afirmação enunciada acima, por grupo profissional
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
14
obteve concordância por 93,9% dos enfermeiros, 92,5% dos médicos de MGF e 81,8%
dos pediatras (Gráfico 15). No entanto, o grau de concordância foi significativamente
maior entre enfermeiros (cotação média:4,65) comparativamente com MGF (cotação
média:4,45; p=0,0155) e pediatras (cotação média:4,15; p<0.0001).
Efeitos adversos da febre sem tratamento
O efeito adverso mais referido pelos pais foi a convulsão, com 74% de respostas,
seguido da desidratação (52,8%) e irritabilidade (50,2%). 7,2% dos pais associa a
meningite e o aparecimento de lesões cerebrais à ocorrência de febre e 2,3% acredita
que o coma é uma consequência possível (Gráfico 16). Para os enfermeiros, o principal
efeito adverso é também a convulsão, apontada por 91,7%, sendo a irritabilidade e a
desidratação mencionadas por 72,9% e 54,2% da amostra, respectivamente. Pelo
contrário, entre os médicos de MGF o efeito adverso mais referido foi a irritabilidade,
com 85,1% de respostas. Ainda assim, as convulsões foram igualmente apontadas por
uma grande percentagem de médicos (77,2%) assim como a desidratação (71,9%). Em
ambos os grupos, verificou-se que uma proporção de profissionais considera as lesões
cerebrais e o coma como eventos passíveis de ocorrer em caso de febre não tratada
(22,9% de enfermeiros e 19,7% dos médicos de MGF para as lesões cerebrais; 12,5%
dos enfermeiros e 15,8% dos médicos de MGF para o coma).
Do ponto de vista dos pediatras, a irritabilidade foi, indubitavelmente, o efeito
adverso mais vezes mencionado, com 96,7% de respostas. 49,3% da amostra referiu
ainda a desidratação, sendo que neste grupo apenas 37,5% de indivíduos considerou as
convulsões como possível consequência da febre não tratada. Também neste grupo, a
Gráfico 15 - Grau de concordância com a afirmação enunciada acima, por grupo profissional
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
15
percentagem de respostas a favor da ocorrência de lesões cerebrais e coma foi menor do
que nos restantes (6,8% e 4,3% respectivamente).
Ainda acerca das convulsões febris e do papel dos antipiréticos na sua prevenção, a
afirmação:” A terapêutica antipirética numa criança permite prevenir o aparecimento
de convulsões febris.” recebeu respostas concordantes por parte de 65,3% dos
enfermeiros e 52,2% dos médicos de MGF enquanto apenas 17,2% dos pediatras
concordaram com a mesma (Gráfico 17). Recorrendo à cotação média conferida pelos 3
Gráfico 16 - Efeitos adversos da febre não tratada segundo pais e profissionais de saúde.
Gráfico 17 - Grau de concordância com a afirmação enunciada, por grupo profissional.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
16
grupos de profissionais, constatámos uma diferença tanto entre pediatras (cotação
média:2,26) e médicos de MGF (cotação média:3,28) como entre pediatras e
enfermeiros (cotação média:3,41); p< 0.0001.
Quanto à utilização dos antipiréticos na profilaxia dos efeitos adversos das vacinas,
verificámos que tanto os enfermeiros (40,8%) como os médicos (85,1% dos médicos de
MGF e 84,2% dos pediatras) discordaram da afirmação “O uso de antipiréticos para
profilaxia de reacções adversas às vacinas deve ser recomendado”. No entanto, o grau
de discordância foi maior entre médicos (cotação média MGF:1,73 e cotação média
pediatras:1,76) do que entre enfermeiros (cotação média:2,71), p<0,0001.
Por último, quando questionados acerca da fonte de informação a que recorrem
para obter esclarecimentos acerca da febre, 89% dos pais mencionaram o médico
assistente e 20% o enfermeiro ou o farmacêutico. Apenas 9% dos inquiridos disse
servir-se da internet com esse fim.
DISCUSSÃO
Este estudo permitiu-nos perceber melhor a perspectiva que pais, médicos e
enfermeiros têm do conceito de febre e da abordagem de uma criança febril.
Identificámos, efectivamente, algumas divergências importantes, não só entre pais e
profissionais de saúde mas também entre os vários grupos profissionais.
Assim, os pais consideram febre a partir de uma Tmédia de 37,8ºC, valor muito
aproximado ao da Tmédia axilar referida pelos médicos de ambas as especialidades
(37,75ºC e 37,79ºC). Já os enfermeiros tendem a julgar como febre temperaturas
ligeiramente mais elevadas (Tmédia axilar: 37,97ºC), não só na axila mas também nos
restantes locais de medição. Além disso, tanto médicos como enfermeiros, tendem a
utilizar valores de referência superiores (>38ºC) quando a medição é efectuada no recto
(em comparação com outros locais de medição).
Verificámos ainda que a maioria dos pais habitualmente mede a temperatura na
axila o que vai, em parte, de encontro às recomendações de médicos e enfermeiros,
segundo os quais, esse é o local mais apropriado para a medição da temperatura em
crianças acima de 1 ano de idade. Porém, no caso de um lactente tanto médicos como
enfermeiros preferem a temperatura rectal. Apesar das recomendações mais recentes20,21
(NICE guidelines, 2013; Italian Pediatric Society Guidelines, 2009) sugerirem a
medição axilar para qualquer faixa etária, incluindo idade <1 ano, a maioria dos
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
17
médicos continua a preferir a temperatura rectal, talvez pelo facto de se acreditar ser
este o método mais preciso e que fornece o valor mais aproximado da temperatura
central.22
No entanto, vários outros factores devem ser tidos em conta, nomeadamente a
variabilidade de acordo com a profundidade a que o termómetro é inserido e com a
presença de fezes ou sangue23
e o risco de contaminação e lesões rectais24,25
, além do
desconforto para a criança24
.
É de destacar o facto de existir uma maior proporção de enfermeiros que
recomendam a medição a nível do tímpano em comparação com os médicos. Este facto
pode estar relacionado com a utilização generalizada de termómetros timpânicos nos
SU’s e nas enfermarias de Pediatria por parte das equipas de enfermagem e, portanto,
não reflectir uma real preferência por este método.
À semelhança daquilo que tem sido reportado por vários estudos noutros países13,15
,
confirmámos que a atitude imediata dos pais é a de procurar diminuir a temperatura
corporal, sobretudo através da administração de antipiréticos, e com a preocupação
constante de verificar a eficácia dos mesmos (mais de metade dos pais mediam a
temperatura com intervalos inferiores a 2h), repetindo a dose de antipirético a uma
elevada frequência (54% administra a cada 4 a 6h e 11% a um intervalo inferior a 4h).
Além disso, pudemos observar que a temperatura a partir da qual medicam uma criança
febril (Tmédia:37,97ºC) foi apenas ligeiramente superior à temperatura considerada febre
(Tmédia:37,8ºC) e significativamente inferior à que médicos e enfermeiros apontaram
como referência. Todos estes aspectos sugerem que, de facto, a febre é vista pelos pais
como indesejável e alvo de tentativas, mais ou menos intensivas, de a tratar.
Um dos aspectos mais interessantes deste estudo foi evidenciar a diferença na
forma como os diferentes grupos de profissionais de saúde encaram o tratamento da
febre. Na perspectiva dos médicos, tanto médicos de MGF como pediatras, uma criança
com febre deve ser tratada com antipiréticos de acordo do seu estado geral, sendo a
presença de outros sintomas como irritabilidade ou desconforto muito importante para a
decisão de iniciar terapêutica farmacológica. Para os pediatras, este constitui mesmo o
factor mais importante. Pelo contrário, os enfermeiros concordam que a febre numa
criança deve ser tratada, mesmo que esta se mantenha com bom estado geral, e
consideram como factor mais importante a existência de antecedentes pessoais de
convulsão febril. A esmagadora maioria dos enfermeiros (90%) acha mesmo que se
deve acordar uma criança febril para lhe administrar um antipirético. Tal facto está,
muito provavelmente, relacionado com a ideia de que os antipiréticos previnem o
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
18
desenvolvimento de convulsões febris, noção que ainda subsiste no seio da comunidade
médica5,27
, apesar dos estudos mais recentes não o sustentarem26-30
. Efectivamente, os
nossos resultados mostraram que, ao contrário dos pediatras, os médicos de MGF e os
enfermeiros acreditam ser esse um dos objectivos e mais-valias da terapêutica
antipirética.
Tal como tem vindo a ser descrito em vários estudos12-16,31-33
, o antipirético mais
utilizado pelos pais é o paracetamol e, ainda que a maioria dos médicos e enfermeiros
recomende a administração de paracetamol e/ou ibuprofeno, há uma grande
percentagem de pais (44%) que recorre apenas ao paracetamol. Uma percentagem
semelhante de médicos de MGF (44%) recomenda, igualmente, apenas a utilização de
paracetamol, o que pode explicar esta preferência dos pais uma vez que são os médicos
de MGF quem, na maior parte dos casos, faz o primeiro aconselhamento acerca da
terapêutica antipirética. Felizmente, não registámos recurso ao ácido acetilsalicílico,
nem por pais, nem por médicos ou enfermeiros, resultado favorável face ao
recentemente relatado por Bertille et al., (França, 2013)31
e Chiappini et al., (Itália,
2012)32
, em que 1% (n=6596) e 0,5% (n=388) dos pais, respectivamente, admitiu
utilizar este fármaco como antipirético.
Apesar de não se ter comprovado, até à data, uma maior eficácia do regime de
antipiréticos alternados, particularmente na melhoria dos sintomas associados e do
estado geral da criança34
, esta é uma prática relativamente generalizada32,35,36
. Num
estudo suíço17
, Lava et al. (2012) relatou o uso deste tipo de esquema por 77% de
pediatras (n=322), valor muito semelhante ao que registámos no nosso estudo por parte
de médicos de MGF e pediatras (78% e 81%, respectivamente). Além de aumentar a
probabilidade de confusão e erros de dosagem por parte dos pais, esta prática incute
maior preocupação e ansiedade com o valor da temperatura e com a eficácia dos
antipiréticos no desaparecimento objectivo da febre e não na melhoria sintomática da
criança.
Outro ponto controverso é a via de administração preferível. Os estudos
comparativos das duas vias de administração em geral não mostraram diferenças quanto
à sua eficácia pelo que alguns autores consideram adequado o recurso a qualquer uma
delas37,38
. Todavia, em termos farmacocinéticos, a absorção do fármaco (paracetamol)
por via rectal é comprovadamente mais prolongada e menos previsível, com maior
variação dos picos de concentração e maior tempo de semi-vida39,40
. Além disso, o
doseamento com o supositório nem sempre é linear e fácil de realizar pelos pais4 pelo
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
19
que outros autores consideram que esta via deve ser reservada para os casos em que a
via oral não é tolerada, dado o potencial risco de sobredosagem e toxicidade21,41
. No
nosso estudo, a via oral foi a mais frequentemente referida pelos pais, sendo que apenas
um quarto recorre à via rectal. Tanto os enfermeiros como os médicos discordam com o
recurso à via rectal apenas em caso de intolerância oral, sugerindo que consideram a via
rectal uma opção de 1ª linha a par da via oral.
A maioria dos pais utilizam correctamente o peso para calcular a dose de
antipirético, não obstante 20% dos pais ainda diz fazê-lo com base na idade e apenas um
quarto lê o folheto informativo para saber a dose. Assim, e tendo em conta que mais de
70% dos pais segue as instruções do médico, importa averiguar se, realmente, os pais
sabem calcular a dosagem ou se se limitam a administrar a quantidade que o médico
indica no momento da consulta.
Apesar de, tanto médicos como enfermeiros, concordarem que o mecanismo da
febre é benigno e contribui para o combate do organismo contra os agentes patogénicos,
uma proporção preocupante (cerca de 20%) de enfermeiros e de médicos de MGF
acreditam que a febre, sem tratamento, pode provocar lesões cerebrais e induzir coma
(>10% de respostas).
A maioria dos pais (74%) teme especialmente o surgimento de convulsões caso a
febre não seja tratada, preocupação que partilham com grande parte dos enfermeiros
(92%) e médicos de MGF (77%). Estes resultados são semelhantes aos apresentados por
Karwowska et al. 33
num estudo canadiano, no qual 70% dos pais, 62% dos enfermeiros
e 92% dos médicos de MGF apontavam a convulsão como efeito adverso.
Em contrapartida, para os pediatras a principal consequência da febre não medicada
é a irritabilidade, sendo a convulsão referida por uma proporção significativamente
inferior de médicos (37,5%). Em comparação com os resultados de Karwowska et al.33
,
(92%) registámos uma proporção muito menor de pediatras que acredita nas convulsões
como resultado da febre não medicada. Dado o estudo citado ter sido realizado em
2002, os nossos resultados podem corresponder a uma evolução da opinião dos
pediatras, não existindo desde essa altura nenhum outro estudo para comparação.
Por último, destaca-se a percentagem de pais (89%) para quem o médico é a
principal fonte de informação, o que reforça a importância dos médicos na transmissão
de informação verídica e adequada que permita aos pais ter uma melhor abordagem da
febre.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
20
Limitações
O nosso estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente o recurso a amostras
de conveniência, ainda que as mesmas detenham um n razoavelmente grande. Os
médicos incluídos na amostra constituem cerca de 20% de todos os pediatras e 3% de
todos os médicos de MGF a exercer actualmente em Portugal.
Os indivíduos que participaram podem estar mais interessados no tema do que
aqueles que não preencheram os questionários, o que pode constituir um viés. Os
resultados foram baseados em atitudes reportadas pelos participantes, podendo não
corresponder exactamente à forma como actuam realmente na prática.
CONCLUSÃO
Este estudo demonstra que a definição de febre é similar entre pais, médicos e
enfermeiros, contudo a abordagem da febre difere significativamente nalguns aspectos
importantes, designadamente, o local de medição da temperatura, indicações para a
terapêutica antipirética e efeitos adversos da febre sem tratamento.
De uma forma geral, verificámos que as atitudes e crenças dos pais transparecem
receio da febre e preocupação com eventuais efeitos adversos, associando, em especial,
a febre com a ocorrência de convulsões. Simultaneamente, alguns desses receios são
partilhados por enfermeiros e, no que diz respeito aos efeitos adversos, também pelos
médicos de MGF. Ainda que os pediatras demonstrem deter conceitos e opiniões
significativamente diferentes dos restantes, nem sempre isso se traduz numa abordagem
diferente.
Este estudo demonstrou uma diferença significativa nas atitudes perante a febre
entre médicos e enfermeiros, que deve ser alvo de reflexão para que não se perpetue a
ideologia de “fobia da febre”. Os pediatras têm um papel fundamental na
desmistificação da febre não só para os pais como para outros profissionais de saúde.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à equipa médica e de enfermagem do Serviço de Urgência Pediátrico do
HSM e do HBA pela colaboração na realização do estudo.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
21
REFERÊNCIAS
1. Crocetti M, Moghbeli N, Serwint J. Fever phobia revisited: have parental
misconceptions about fever changed in 20 years. Pediatrics. 2001;107(6):1241–1246
2. Kluger M.J. Fever revisited. Pediatrics 1992;90:846-50
3. Schmitt BD. Fever phobia; misconceptions of parents about fevers. Am J Dis Child
1980;134:176-81.
4. Bilenko N, Tessler H, Okbe R, Press J, Gorodischer R. Determinants of antipyretic
misuse in children up to 5 years of age: a crosssectional study. Clin Ther.
2006;28(5):783–793
5. Demir F., Sekreter O. Knowledge, attitudes and misconceptions of primary care
physicians regarding fever in children: a cross sectional study. Italian Journal of
Pediatrics 2012, 38:40
6. Sarrell M, Cohen HA, Kahan E: Physicians', nurses', and parents' attitudes to and
knowledge about fever in early childhood. Patient Educ Couns. 2002, 46:61–65.
7. Poirier MP, Davis PH, Gonzalez-del-Rey JA, Monroe KW. Pediatric emergency
department nurses’ perspectives on fever in children. Pediatr Emerg Care 2000;16:9-12.
8. Goldman RD. et al. Practice Variations in the Treatment of Febrile Infants Among
Pediatric Emergency Physicians. Pediatrics 2009;124;439
9. Betz MG, Grunfeld AF. ‘Fever phobia’ in the emergency department: a survey of
children’s caregivers. Eur J Emerg Med. 2006;13 (3):129–133
10. May A, Bauchner H. Fever phobia: the pediatrician’s contribution. Pediatrics.
1992;90(6):851– 854
11. Ipp M, Jaffe D. Physicians’ attitudes toward the diagnosis and management of fever in
children 3 months to 2 years of age. Clin Pediatr 1993;66-70.
12. Zyoud et al.: Beliefs and practices regarding childhood fever among parents: a cross-
sectional study from Palestine. BMC Pediatrics 2013 13:66.
13. Seçil A et al. Knowledge, attitude and response of mothers about fever in their children.
Emerg Med J. 2012;29:e4
14. Matziou V. et al. What Greek mothers know about evaluation and treatment of fever in
children: An interview study. International Journal of Nursing Studies. 45 (2008) 829–
836
15. Enarson MC, Ali S. Beliefs and Expectations of Canadian Parents Who Bring Febrile
Children for Medical Care. Pediatrics 2012;130;e905
16. Walsh A. Et al. Over-the-counter medication use for childhood fever: A cross-sectional
study of Australian parents. Journal of Paediatrics and Child Health 43 (2007) 601–606
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
22
17. Lava S., Simonetti G. Symptomatic Management of Fever by Swiss Board-Certified
Pediatricians: Results From a Cross-Sectional, Web-Based Survey. Clinical
Therapeutics. Volume 34, Number 1, 2012
18. Bettinelli et al.: Symptomatic fever management among 3 different groups of
pediatricians in Northern Lombardy (Italy): results of an explorative cross-sectional
survey. Italian Journal of Pediatrics. 2013 39:51.
19. Chiappini et al.: Adherence among Italian paediatricians to the Italian guidelines for the
management of fever in children: a cross sectional survey. BMC Pediatrics 2013 13:210
20. NICE guidelines: Feverish illness in children: assessment and initial management in
children younger than 5 years. May 2003
21. Chiappini E et al. Management of Fever in Children: Summary of the Italian Pediatric
Society Guidelines. Clin Ther. 2009;31:1826–1843
22. Martin SA, Kline AM. Can there be a standard for temperature measurement in the
pediatric intensive care unit?. AACN Clin Issues. 2004;15:254–266.
23. Nimah MM, Bshesh K, Callahan JD, Jacobs BR. Infrared tympanic thermometry in
comparison with other temperature measurement techniques in febrile children. Pediatr
Crit Care Med. 2006;7:48–55.
24. El-Radhi AS, Barry W. Thermometry in paediatric practice. Arch Dis Child.
2006;91:351–356.
25. Chaturvedi D, Vilhekar KY, Chaturvedi P, Bharamble MS. Comparison of axillary
temperature with rectal or oral temperature and determination of optimum placement
time in children. Indian Pediatr. 2004;41:600–603.
26. Schnaiderman D, Lahat E, Sheefer T, Aladjem M. Antipyretic effectiveness of
acetaminophen in febrile seizures: ongoing prophylaxis versus sporadic usage. Eur J
Pediatr. 1993;152(9):747–749
27. van Stuijvenberg M, Derksen-Lubsen G, Steyerberg EW, Habbema JDF, Moll HA.
Randomized, controlled trial of ibuprofen syrup administered during febrile illnesses to
prevent febrile seizure recurrences. Pediatrics. 1998;102(5).
28. van Esch A, Van Steensel-Moll HA, Steyerberg EW, Offringa M, Habbema JDF,
Derksen-Lubsen G. Antipyretic efficacy of ibuprofen and acetaminophen in children
with febrile seizures. Arch Pediatr Adolesc Med. 1995;149(6):632–637
29. van Esch A, Steyerberg EW, Moll HA, et al. A study of the efficacy of antipyretic drugs
in the prevention of febrile seizure recurrence. Ambul Child Health. 2000;6(1):19–26
30. El-Radhi AS, Barry W. Do antipyretics prevent febrile convulsions? Arch Dis Child.
2003;88:641–642.
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
23
31. Bertille N, Fournier-Charrie`re E, Pons G, Chalumeau M. Managing Fever in Children:
A National Survey of Parents’ Knowledge and Practices in France. PLOS ONE.2013;
8(12): e83469.
32. Chiappini et al. Parental and medical knowledge and management of fever in Italian
pre-school children. BMC Pediatrics. 2012, 12:97
33. Karwowska A. Et al. Parental and health care provider understanding of childhood
fever: a Canadian perspective. CJEM • JCMU. 2002; 4(6)
34. Wong T, Stang AS, Ganshorn H, Hartling L, Maconochie IK, Thomsen AM, Johnson
DW. Combined and alternating paracetamol and ibuprofen therapy for febrile children.
Cochrane Database of Systematic Reviews 2013, Issue 10. Art. No.: CD009572. DOI:
10.1002/14651858.CD009572.pub2.
35. Wright AD, Liebelt EL. Alternating Antipyretics for Fever Reduction in Children: An
Unfounded Practice Passed Down to Parents from Pediatricians. CLIN PEDIATR 2007
46: 146. DOI: 10.1177/0009922806293922
36. Mayoral CE et al. Alternating antipyretics: is this an alternative? Pediatrics. 2000;
105:1009-1012
37. Gibb IA, Anderson BJ. Paracetamol (acetaminophen) pharmacodynamics: Interpreting
the plasma concentration. Arch Dis Child. 2008;93:241–247.
38. Scolnik D, Kozer E, Jacobson S, et al. Comparison of oral versus normal and high-dose
rectal acetaminophen in the treatment of febrile children. Pediatrics. 2002;110:553–
556.
39. Birmingham PK, Tobin MJ, Henthorn TK, Fisher DM, Berkelhamer MC, Smith FA,
Fanta KB, Cote CJ: Twenty-four-hour pharmacokinetics of rectal acetaminophen in
children. An old drug with new recommendations. Anesthesiology 1997, 87:244-252.
40. Birmingham PK, Tobin MJ, Fisher DM, Henthorn TK, Hall SC, Cote CJ: Initial and
subsequent dosing of rectal acetaminophen in children: a 24-hour pharmacokinetic
study of new dose recommendations. Anesthesiology 2001, 94:385-389.
41. Nabulsi et al. Equal antipyretic effectiveness of oral and rectal acetaminophen: a
randomized controlled trial. BMC Pediatrics 2005, 5:35 doi:10.1186/1471-2431-5-35
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
24
ANEXO 1 - Questionário aplicado aos pais
1. Idade:___ 2. Sexo: F M 3. Nacionalidade:____________________
4. Número de filhos: 1 2 ≥3 5. Idade do filho que acompanha:___
6. Nível de escolaridade:
1º ciclo (4º ano)
2º ciclo (6º ano)
3º ciclo (9º ano)
Ensino secundário (12º ano)
Ensino Superior
7. A febre foi a razão ou uma das razões pelas quais trouxe o seu filho ao Serviço de Urgência/Centro de
Saúde?
Sim
Não
8. A partir de que temperatura considera febre? (Assinale apenas 1 opção)
36,5°C
37°C
37,5°C
38°C
38,5°C
39°C
39,5°C
9. Qual o local onde costuma medir a temperatura? (Assinale apenas 1 opção)
Axila
Boca
Ouvido
Recto
Testa
10. Quando o seu filho tem febre de quanto em quanto tempo mede a temperatura? (Assinale apenas 1
opção)
A cada 30 min.
De hora a hora
1 vez a cada 2h
1 vez a cada 3/4h
1 vez a cada 5h ou mais
11. O que faz quando o seu filho tem febre? (Assinale apenas 1 opção)
Desloca-se ao Serviço de Urgência/Centro de Saúde de imediato
Telefona ao médico assistente/linha saúde 24h
Dá-lhe um medicamento para a febre
Tenta baixar a febre dando um banho com água fria ou morna
Espera que a febre passe
12. Qual o medicamento que costuma dar ao seu filho para a febre? (Assinale 1 ou mais opções)
Paracetamol (Ben-U-ron®)
Ibuprofeno (Brufen®)
Aspirina
Outro. Qual?_______________
Não costumo dar nenhum medicamento
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
25
13. A partir de que temperatura administra o medicamento? (Assinale apenas 1 opção)
37°C
37,5°C
38°C
38,5°C
39°C
40°C
14. Em que forma costuma dar o medicamento? (Assinale apenas 1 opção)
Xarope
Supositório
Comprimido
15. Como sabe qual a dose a administrar? (Assinale apenas 1 opção)
Sigo as instruções do médico ou farmacêutico
Leio o folheto informativo
Pergunto a familiares ou amigos
Pesquiso na internet, revistas ou outros meios de comunicação
16. O que tem em conta para calcular a dose? (Assinale apenas 1 opção)
O peso
A altura
A idade
A temperatura
17. Qual o intervalo de tempo que deixa passar entre cada toma? (Assinale apenas 1 opção)
<2h
2h-4h
4h-6h
>6h
18. Quais as consequências que pensa que a febre pode ter numa criança? (Assinale uma ou mais opções)
Desidratação
Convulsões
Irritabilidade/desconforto
Meningite
Coma
Lesões cerebrais
Cegueira
Não sei
19. Onde adquiriu a informação de que dispõe sobre a febre? (Assinale uma ou mais opções)
Médico de família/pediatra
Farmacêutico
Enfermeiro
Familiares ou amigos
Revistas ou livros
Internet
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
26
ANEXO 2 – Questionário aplicado aos profissionais de saúde
1.Assinale a sua profissão:
Médico – Interno
Médico – Especialista
Enfermeiro
2. Especialidade:
Pediatria
Medicina Geral e Familiar
Outra: ___________________
3. Indique o número de anos de prática clínica (desde a conclusão do curso): ____
4. Indique o local que utiliza/recomenda habitualmente para a medição da temperatura em lactentes (≤
1ano de idade)
Cavidade oral
Tímpano
Recto
Axila
Região frontal
5. Indique o local que utiliza/recomenda habitualmente para a medição da temperatura em crianças (>
1ano de idade).
Cavidade oral
Tímpano
Recto
Axila
Região frontal
6. Indique para cada local de medição qual o valor de temperatura que utiliza como critério para definir
febre.
37ºC 37,5ºC 38ºC 38,3ºC 38,5ºC 39ºC
Recto
Cavidade oral
Axila
Tímpano
Região frontal
7. Classifique, de acordo com o grau de importância atribuída, cada um dos seguintes factores para iniciar
terapêutica antipirética numa criança febril. (Considere 1=nada importante e 5=muito importante)
1 2 3 4 5
Grau de febre (temperatura medida)
Sintomas acompanhantes como desconforto ou irritabilidade
Antecedentes pessoais de convulsões febris
Gravidade da doença que deu origem à febre
8. A partir de que temperatura costuma recomendar/prescrever antipiréticos a uma criança febril?
37°C
37,5°C
38°C
38,5°C
39°C
40°C
A febre em Pediatria: perspectiva de pais, médicos e enfermeiros
27
9. Qual ou quais os fármacos que prescreve/recomenda habitualmente para o tratamento da febre?
(Assinalar uma ou mais opções)
Paracetamol
Ibuprofeno
Aspirina
Corticóides
Outro. Qual? _________
10. Costuma recomendar a administração de 2 antipiréticos (por exemplo paracetamol e ibuprofeno) de
forma alternada?
Sim, sempre.
Sim, se a febre não baixar com apenas um antipirético em dose apropriada.
Sim, se a febre for muito alta.
Não.
11. Quais os possíveis efeitos adversos da febre não tratada? (Assinalar uma ou mais opções)
Desidratação
Convulsões
Irritabilidade/desconforto
Coma
Lesões cerebrais
Não sei
12. Assinale o seu nível de concordância com cada uma das seguintes afirmações:
Discordo
completamente
Discordo Não
concordo
nem
discordo
Concordo Concordo
completamente
A febre constitui um mecanismo
fisiopatológico benigno que contribui para
o funcionamento do sistema imunitário.
Uma criança com febre deve ser tratada
com antipiréticos independentemente do
seu estado geral.
Os métodos físicos para baixar a febre
como o banho ou a remoção de peças de
roupa podem ser usados como
complemento aos antipiréticos.
A administração de antipiréticos por via
rectal deve ser apenas usada quando a via
oral não é tolerada.
A terapêutica antipirética numa criança
permite prevenir o aparecimento de
convulsões febris.
Uma criança com febre não deve ser
acordada para a administração de
medicação antipirética.
O uso de antipiréticos para profilaxia de
reacções adversas às vacinas deve ser
recomendado.