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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES, NUMA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CRÍTICA: UMA INVESTIGAÇÃO EM DIDÁTICA,
NO CURSO DE PEDAGOGIA, DE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA
DE ENSINO SUPERIOR, ENQUANTO ESPAÇO DE
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
SANTOS, Nilva de Oliveira Brito dos (UEM)
GASPARIN, João Luiz (UEM)
Agência financiadora: Fundação Araucária
Introdução
As transformações pelas quais passa a sociedade, sejam elas no campo
econômico, nas relações sociais, nas condições de vida, na política, nos meios de
comunicação e da tecnologia, tornam complexo o trabalho educativo. Sendo o professor
um mediador entre os conhecimentos produzidos socialmente e os alunos, as alterações
na forma de pensar, sentir e agir das novas gerações implica pensar a formação deste
profissional, propiciar-lhe aquisição científica e pedagógica para o exercício da
docência.
Tendo como objeto de estudo, a formação inicial de professores, este trabalho,
fruto de uma investigação que ora vem sendo desenvolvida, no ensino superior,
objetiva evidenciar esta formação, subsidiada por um referencial teórico-prático, neste
caso, a Pedagogia Histórico-Crítica. Investigar a teoria do conhecimento segundo o
materialismo histórico-dialético; traduzir esta teoria para a Pedagogia Histórico-Crítica
e desenvolver uma proposta pedagógica, na disciplina de Didática, assentada nos passos
do método dialético do conhecimento constituem os demais objetivos.
Por que em Didática? O interesse em desenvolver a pesquisa-ação nesta área
se dá pelo fato de que, enquanto docente no ensino superior pensamos ser este um
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espaço cujo papel fundamental é oferecer conhecimentos que permitam ao professor
compreender e organizar o processo de ensino, sem perder de vista a educação em sua
relação com o social. O conhecimento desse fenômeno exige compreensão do contexto
da sociedade na qual se insere.
Para uma realidade dinâmica, a formação de professores necessita-se de postura
e método dinâmicos de captação. Posição que vem sendo assumida como um ideal a ser
perseguido, na perspectiva de compreender o contexto a ser estudado, formulando um
conhecimento possível dessa realidade, num dado momento histórico. Para isto, os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica e da teoria Histórico-Cultural constituem
em o referencial teórico.
A investigação toma como marco o materialismo histórico-dialético, uma vez
que, a abordagem dialética tem, na temporalidade e na historicidade, seus principais
referentes. No materialismo histórico, a prática é condição primeira para reflexão
sobre um objeto, compreendendo-o no movimento que o constitui e o transforma.
Gasparin ao discutir a necessidade de uma nova forma do trabalho pedagógico, que dê
conta do desafio posto para a escola, enuncia que, o ponto de partida será a realidade
social mais ampla.
A leitura crítica da realidade torna possível apontar um novo pensar e agir pedagógicos. Deste enfoque, defende-se o caminhar da realidade social, como um todo, para a especificidade teórica da sala de aula e desta para a totalidade social novamente, tornando possível um rico processo dialético (GASPARIN, 2007, p. 3-4).
A pesquisa-ação, envolvendo acadêmicos do curso de Pedagogia, de uma
instituição de ensino superior, fundamentada numa abordagem qualitativa, visando
compreender a situação e intervir com vistas a modificá-la, constitui a metodologia de
pesquisa.
Segundo Severino (2007) “ao mesmo tempo em que realiza um diagnóstico e a
análise de uma determinada situação, a pesquisa-ação propõe ao conjunto dos
envolvidos mudanças que levem a um aprimoramento nas práticas analisadas” (p.120).
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O referido estudo, em fase inicial de investigação contempla, ainda que de forma
sucinta, uma trajetória sobre o papel do professor; a Pedagogia Histórico-Crítica
enquanto pressupostos teórico-metodológicos para pensar a formação de professores e
a Didática, espaço da investigação.
O Papel do Professor: a trajetória
A educação, como processo de transmissão da cultura, se faz presente em todas
as instituições. No entanto, em uma sociedade como a nossa cabe à escola a função de
transmissão da cultura. “Ela é o espaço de transmissão sistemática do saber
historicamente acumulado pela sociedade, com o objetivo de formar os indivíduos,
capacitando-os a participar como agentes na construção dessa sociedade” (RIOS, 2004,
p.34).
Enquanto espaço de transmissão do saber sistematizado e acumulado
historicamente, a escola deve possibilitar àqueles que estão no seu interior a apropriação
da herança social. Preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais era a
idéia sustentada pela pedagogia liberal. No contexto da pedagogia liberal tradicional, a
escola é chamada a cumprir uma clássica função, conforme evidencia Libâneo (1989,
p.23): “A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para
assumirem suas posições na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os
problemas sociais pertencem à sociedade”.
O princípio de que “a educação é direito de todos e dever do Estado”, defendido
sob pretexto da instauração de uma sociedade democrática é lançado e defendido pela
classe burguesa, que se afirmava no poder. A escola passou a ser pensada enquanto
instrumento capaz de sanear a marginalidade, o analfabetismo. A função do professor
neste espaço seria de executor, o responsável pela transformação. A pedagogia
tradicional pautada, segundo Saviani (2012), pela centralidade da instrução (formação
intelectual) pensava a escola como uma agência centrada no professor, cuja tarefa é
transmitir os conhecimentos acumulados.
Os resultados evidenciaram que a “educação para todos” não se efetivou. Grande
parte da população continuou fora do processo educativo formal. Por outro lado a escola
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não possibilitou àqueles que a freqüentaram a apropriação da herança social e, os que
alcançaram êxito nem sempre se ajustaram ao tipo de sociedade pretendida pela
burguesia.
No final do século XIX, as críticas foram dando corpo a uma nova tendência. A
bio-psicologização da sociedade, da educação e da escola passa a ser defendida. “O
marginalizado já não é propriamente, o ignorante, mas o rejeitado. Alguém está
integrado não quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo grupo e pela
sociedade em seu conjunto” (SAVIANI, 1984, p.11). Ao professor cabe acompanhar o
aluno, auxiliá-lo. A questão pedagógica se desloca do professor para o aluno. As
esperanças depositadas na escola, enquanto instigadora da mudança social, resultaram
frustradas articulando-se outro movimento no campo educacional, o tecnicismo.
A perspectiva tecnicista concebe uma escola voltada para modelar o
comportamento humano. Atua no aperfeiçoamento da ordem vigente, o sistema
capitalista, articulando-se com o sistema produtivo. Quanto ao professor e alunos, o
processo define o que farão, quando e como. Marginalizado será então o improdutivo.
A educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes, portanto capazes de darem sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade da sociedade. Estará ela cumprindo sua função de equalização social, identificada nesse contexto com o equilíbrio do sistema (SAVIANI, 1984, p.17).
A partir da década de 70, há toda uma crítica da sociologia francesa denunciando
o papel discriminador da escola na sociedade capitalista e, esta se descobre palco de
conflitos e contradições. Para Rios (2004), adotando uma atitude pessimista,
contrapondo-se à concepção de que a escola seja a alavanca de mudança social seus
defensores procuram chamar a atenção para a reprodução dos valores no âmbito escolar.
Levando-se em conta essa crítica, delineia-se a pedagogia progressista que,
partindo de uma análise da realidade social discute o compromisso e a finalidade sócio-
política da educação. Se a escola não vem cumprindo sua função, isto é, não tem sido
eficiente é preciso investigar, na perspectiva de que se encontrem caminhos para sua
transformação. Para Saviani (2003) a pedagogia progressista na vertente Histórico-
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Crítica vem responder à necessidade de encontrar alternativas à pedagogia dominante:
”Há necessidade de se compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-
objetivo” [...] (p. 93).
Pedagogia Histórico-Crítica e a Formação de Professores
É no interior dessa sociedade capitalista, que se encontra a escola e, é neste
espaço que se dá a formação do professor. A qualidade do ensino ministrado na escola e
o alcance do objetivo, qual seja, formar cidadãos capazes de participar da vida
socioeconômica, política e cultural do país, relaciona-se às condições da instituição: os
recursos físicos, didáticos, materiais e financeiros; ao número de alunos em sala de aula,
mas também ao professor enquanto um dos elementos do processo educativo.
Neste sentido há que se pensar sobre a remuneração, a dedicação integral e a
formação deste profissional. Para Rios (2004) se faz necessário pensar a visão crítica
que o mesmo tem de seu papel na construção da escola e da sociedade.
Para muitos pesquisadores e teóricos, a qualidade do ensino relaciona-se à
formação do professor. Com relação à questão recorrendo-se à legislação constata-se
que, explícita e implicitamente, a formação de professores aparece. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, em seu Capítulo VI “Dos Profissionais da
Educação” estabelece:
Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características da cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I – a associação entre teorias e práticas, inclusive a capacitação em serviço; II – aproveitamento de formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades; Art.62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
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Art.63. Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – Programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica (BRASIL, 1996).
Entre os avanços da educação, com a aprovação da LDB, o professor como eixo
central da qualidade da educação, fica evidenciado. Sabe-se, contudo que, a legislação,
por si só, não garante esta formação. Implica pensar a formação do professor, pautada
na articulação entre o conhecimento, a pesquisa e a prática pedagógica.
Para Libâneo (2000) o professor está saindo da universidade sem a necessária
formação, sem o domínio dos conteúdos que irá transmitir. A atividade essencial de
uma escola é assegurar a aprendizagem do aluno com a ajuda pedagógica do professor.
O professor é o mediador desse encontro do aluno com os objetos de conhecimentos.
“Se é preciso que o aluno domine solidamente os conteúdos, o professor precisa ter ele
próprio esse domínio [...]. Se queremos alunos capazes de fazer uma leitura crítica da
realidade, o mesmo se exige do professor” (LIBÂNEO, 2000, p.60).
A qualidade da educação e de uma escola de educação básica passa
necessariamente pela formação de professores realizada no ensino superior. Se o
professor, conforme destaca Facci (2004), não possuir o conhecimento a ser transmitido,
se não realizar um estudo das teorias pedagógicas e dos avanços das ciências, se não se
apropriar desses conhecimentos, acabará trabalhando no espontaneísmo. Fica difícil
exigir do professor que ensine bem, que transmita as formas desenvolvidas do saber
objetivo, se ele próprio não teve acesso a esse tipo de conhecimento na universidade.
Considera-se fundamental registrar o que Saviani (1997) argumenta com relação
aos conhecimentos que o professor precisa dominar. Para o educador estes
conhecimentos são os específicos da disciplina que ministra; o didático-curricular, ou
seja, conhecimento que o informe como os conhecimentos específicos devem ser
organizados para que tenham efeito no processo de apropriação e produção do
conhecimento nos alunos; o ‘saber pedagógico’, ou seja, apropriar-se dos
conhecimentos produzidos pelas ciências da educação e sintetizados nas teorias da
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educação; o saber relativo à compreensão das condições sócio-históricas que
determinam a tarefa educativa e o ‘saber atitudinal’.
Nessa linha de reflexão, busca-se pensar a formação do professor recorrendo-se
também à teoria Histórico-Cultural. Histórica porque, segundo Klein e Cavazotti
(1993), não é possível chegar à compreensão da realidade e, portanto, a uma prática
pedagógica adequada, pelo exercício ingênuo de aproveitar o que cada teoria tem de
bom, mas pela história dos homens. E, por outro lado, é no interior das relações sociais
que o homem produz os elementos de sua realidade. Ao manter relações sociais,
conforme evidencia Vigotski (1998), o homem desenvolve a linguagem e,
simultaneamente a ela, sua consciência racional.
Saviani (2003), ao discutir uma concepção pedagógica, enquanto ciência da
educação delineia a Pedagogia Histórico-Crítica. A partir do final da década de 70, vai
se generalizando, entre os professores, a expectativa em torno da busca de alternativas
quanto à condução do trabalho pedagógico. Uma análise crítica da visão crítico-
reprodutivista se apresenta na busca de compreensão da questão educacional a partir dos
condicionantes sociais. [...] “uma análise crítica porque consciente da determinação
exercida pela sociedade sobre a educação; no entanto, é uma análise crítico-dialética e
não crítico-mecanicista” (SAVIANI, 2003, p. 92).
Para o autor, a relação com a realidade escolar constitui eixo de análise, uma vez
que implica na compreensão dessa realidade nas suas raízes históricas.
O que se chama de desenvolvimento histórico não é outra coisa senão o processo através do qual o homem produz sua existência no tempo. Agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, o homem vai construindo o mundo histórico vai construindo o mundo da cultura, o mundo humano. E a educação tem suas origens nesse processo (SAVIANI, 2003, p. 94).
O homem se destaca da natureza, entra em contradição com ela, e busca
transformá-la. O que define, portanto, a natureza humana é o trabalho.
Diferentemente dos outros animais, que se adaptam à realidade natural tendo sua existência garantida naturalmente, o homem necessita produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de
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se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la. E, isto é feito pelo trabalho (SAVIANI, 2003, p. 11).
Para sua subsistência, o homem necessita produzir bens materiais, trabalho
material. Neste processo de produção da vida material, “o homem necessita antecipar
em idéias os objetivos da ação, o que significa que ele representa mentalmente os
objetivos reais” (SAVIANI, 2003, p. 12). Envolve a ciência, a ética e a arte. A produção
de idéias, conceitos valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, traduzem-se no
trabalho não-material. Sendo a educação um fenômeno próprio dos seres humano
constitui-se, ela própria, um processo de trabalho. Um processo de trabalho não-
material.
Pelo trabalho o homem se humaniza. É através dessa prática que ele transforma a
realidade para atendimento às suas necessidades. Ao transformar a realidade, ele mesmo
se transforma. O homem enquanto um ser social é, ao mesmo tempo, determinado e
determinante da sociedade, podendo transformá-la. Ao fazer isso cria, segundo o autor
“um mundo humano (o mundo da cultura)” (SAVIANI, 2003, p.11).
A educação, no entanto, segundo o autor, não transforma direta e imediatamente
a sociedade. Ela o faz agindo sobre os sujeitos da prática de modo indireto e mediato.
Discutir a formação do professor, tendo por base a concepção progressista
Histórico-Crítica, significa a opção por uma teoria pedagógica que possui alicerces
claros de sustentação, o materialismo histórico-dialético. Teoria esta que evidencia ser
objeto da educação, não somente a transmissão dos conteúdos clássicos, mas também
uma forma de se efetuar essa transmissão.
Interessada em articular a escola com as necessidades da classe trabalhadora,
essa corrente teórica empenha-se em na utilização de um método de ensino, para além
dos métodos tradicionais e novos, incorporando as contribuições das correntes
pedagógicas (SAVIANI, 2012).
Possibilita, portanto, a compreensão de que o desenvolvimento de uma prática
pedagógica consistente vincula-se a uma metodologia coerente com a teoria que lhe dá
sustentação.
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A Didática: espaço de investigação na perspectiva histórico-crítica
Ao recorrer à literatura, quanto à formação de professores, é possível sumariar
alguns problemas que emergem com freqüência:
a) ênfase ou excessiva valorização da ‘modernização’ do ensino desvinculado do ‘por que’ e do ‘para que’ da atividade educacional propriamente dita; b) pressupostos de neutralidade científica e técnica subsidiando os programas de educação de professores; c) ausência de articulação entre os fundamentos nas disciplinas básicas dos cursos; d) elevada ênfase na dimensão ‘técnica’ desvinculada das demais dimensões inerentes ao ensino e à escolarização; e) fragmentação das disciplinas e das atividades oferecidas ao longo dos programas de formação; f) ausência de articulação entre teoria e prática, entre o saber e o fazer, entre o ensino e a pesquisa; g) pouca - se alguma - relação ou uso apropriado dos resultados da pesquisa educacional na área, presentes na literatura nacional, no subsídio dos encaminhamentos para análises e sugestões de novas possibilidades na educação de professores; h) elevado ‘consumismo’ das teorias importadas, provocando um alto nível de dependência e aceitação do imperialismo cultural (FELDENS, 1998, p. 127).
À relação apontada, por sinal, de longa data na história da educação brasileira,
acrescentam-se as dificuldades que o professor enfrenta quanto ao desenvolvimento de
uma fundamentação teórica articulada à implementação prática.
A educação básica tem como finalidade a transmissão sistemática dos conteúdos
e conhecimentos produzidos historicamente e acumulados pela humanidade e, ao
mesmo tempo, assegurar ao aluno a apropriação desse conhecimento para que possa (re)
elaborar novos conhecimentos, efetuando uma crítica com base na compreensão
científica e social. “O reconhecimento desta finalidade da educação escolar implica
reconhecer que a formação do professor deverá dotá-lo de condições concretas para
transmitir, produzir e socializar conhecimentos” (BRZEZINSKI, 1998, p.162).
Instrumentalizá-lo, para que perceba que concepção de educação é capaz de
atender às reais necessidades das camadas populares que ingressam na escola e que nela
devem ser bem sucedidas, deve constituir-se objetivo dos cursos de formação.
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Entre as vertentes progressistas de educação há convergência de que a
preparação de professores para o desempenho do trabalho pedagógico, em qualquer
nível, deve envolver conteúdos, habilidades didáticas, compreensão da organização do
trabalho e da dinâmica das relações sociais e pedagógicas.
A concepção progressista é que permite uma revisão das funções da escola e de seus profissionais [...]. Acentua a necessidade de a escola ser responsável pela humanização do homem, pela formação da segunda natureza, que contribua para sua inserção no universo do trabalho, no universo da vida social, no universo da cultura e de consciência política (SEVERINO, 1991, p. 31-33).
Aqui cabe analisar o papel da Didática. Esta área do conhecimento, componente
curricular fundamental nos cursos de formação de professores, responsável por oferecer
ao professor subsídios teórico-metodológicos para que este organize as condições e
modos de promoção da aprendizagem, no entanto, vem sendo questionada. A partir da
década de 80 iniciam-se estudos em busca de alternativas para a Didática numa
perspectiva crítica.
Veiga ao trazer para discussão a Didática e abordá-la no âmbito de uma
pedagogia crítica, argumenta que esta, por si só, não é condição suficiente para a
formação do professor crítico, no entanto, pode propor mudanças no seu modo de
pensar e agir, uma vez que:
A didática crítica busca superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar os efeitos do espontaneísmo escolanovista, combater a orientação desmobilizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especificamente pedagógicas desprestigiadas a partir do discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade social onde está inserida a escola (VEIGA, 1990, 39-40).
Para a autora, a ação no interior da escola, na sala de aula, deve se efetuar no
sentido de contribuir para transformar a própria realidade e à Didática cabe o papel de
articular escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma, ensino-pesquisa, professor-
aluno.
A atividade educativa comprometida com esta articulação, tal como concebida
pela Pedagogia Histórico-Crítica, não prescinde de uma formação do professor com
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bases sólidas, fundamentada em conhecimentos científicos. Esta concepção teórica
possibilita a compreensão de que o desenvolvimento de uma prática pedagógica
consistente vincula-se a uma metodologia coerente com a teoria que lhe dá sustentação.
Nesta perspectiva há que se explicitar as ações didáticas fundamentais para que o
professor organize e aplique a proposta teórico-metodológica, pois, conforme evidencia
Gasparin, os autores que discutem esta pedagogia [...] “ nem sempre explicitam as ações
didáticas necessárias para que os professores possam aplicar essa proposta teórico-
metodológica nos diversos campos de conhecimento(GASPARIN, 2007, p.153).
A Pesquisa: uma síntese possível
Orientando-se por essas preocupações a busca de literatura nesta área, lendo e
analisando a produção teórica publicada a fim de estruturar a investigação constituiu o
passo inicial.
Na oportunidade solicitou-se ao Colegiado de Pedagogia da Instituição em que é
realizada a pesquisa, a ementa de Didática visando análise, com vistas à organização do
programa da disciplina. Para a elaboração do programa forma percorridas algumas
fases: busca de referencial teórico e elaboração do documento em cinco eixos/unidades
didáticas cujo objetivo é possibilitar ao acadêmico, futuro professor, contato com a
didática, identificando-a enquanto espaço de fundamentação teórico-metodológica para
uma formação profissional, voltada ao exercício da docência, bem como à atuação
enquanto pedagogo escolar, na educação básica, de forma crítico-transformadora.
Na construção do documento recorreu-se a Saviani (1984) e Gasparin (2007),
uma vez que estes preconizam o método presente na Pedagogia Histórico-Crítica. Um
método estruturado em cinco passos: prática social, problematização,
instrumentalização, catarse e prática social, capaz de manter sempre presente a
vinculação educação e sociedade. Uma estruturação delineada didaticamente em passos,
porém articulados entre si. Um método que encarnando a natureza da educação,
conforme preconiza o autor, como uma atividade mediadora no seio da prática social
global, tem como ponto de partida e ponto de chegada a própria prática social.
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Cada unidade foi estruturada observando-se os momentos do método histórico-
crítico. A primeira delas, já em andamento e a segunda em fase final de elaboração,
Para dar início aos trabalhos, os acadêmicos foram contatados/convidados a
participar da investigação. Feito isso, esclareceu-se a metodologia de trabalho, para as
de Didática, ou seja, os pressupostos e proposta metodológica da Pedagogia Histórico-
Crítica e Teoria Histórico-Cultural, com o apoio de recursos de didáticos, na perspectiva
de que enquanto acadêmicos/futuros professores exercitem um método de trabalho que
tem como base o processo dialético: teoria-prática-teoria.
O ponto de partida metodológico, a prática social, comum a professor e aos
acadêmicos constituiu o passo inicial. “O primeiro passo caracteriza-se por uma
preparação, mobilização do aluno para a construção do conhecimento escolar. É a
primeira leitura da realidade, um contato inicial com o tema a ser estudado
(GASPARIN, 2007, p.15).
O encaminhamento do trabalho teve início com a apresentação do programa
(tópicos e subtópicos) a serem abordados nas próximas aulas e respectivos objetivos.
Como a primeira unidade de trabalho docente-discente envolve o tema “Sociedade,
Educação, Ensino” e seus desdobramentos: relação educação e sociedade; concepções
educacionais: diferentes formulações teórico-metodológicas e a Pedagogia Histórico-
Crítica definiu-se como objetivo refletir sobre a educação, compreendendo que as
nossas ações pedagógicas são influenciadas pela forma de pensamento e pelas teorias
que se originam a partir da organização da sociedade.
Dialogando com os acadêmicos buscou-se as concepções, vivências, percepções,
conceitos, detectando a existência do conteúdo em questão. No primeiro encontro,
desencadeado com uma dinâmica, cada acadêmico recebeu como tarefa conceituar uma
das palavras/expressões: homem, sociedade, trabalho, educação, cultura, relações
sociais, instituições sociais, escola, ensino, política, classes sociais, sistema capitalista,
senso comum, saber científico, ideologia, dialética, concepções pedagógicas, prática
pedagógica, pedagogia liberal, pedagogia progressista, pedagogia histórico-crítica. A
atividade ocorreu de forma oral e também por escrito, sendo a produção recolhida para
estudo/análise. Aqui cabe ressaltar que no decorrer das aulas está sendo feito o uso de
um diário de bordo, uma vez que os registros são fundamentais para a pesquisa.
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Na problematização, momento em que se inicia o trabalho com o conteúdo
sistematizado as questões a serem resolvidas no âmbito da prática social foram sendo
delineadas.
Essa fase consiste, na verdade, em selecionar e discutir problemas que têm sua origem na prática social, descrita no primeiro passo desse método, mas que se ligam e procedem, ao mesmo tempo, do conteúdo a ser trabalhado. São, portanto, as grandes questões sociais, porém inseridas e especificadas no conteúdo da unidade que está sendo desenvolvida pelo professor (GASPARIN, 2007, p. 37).
Nesta etapa do trabalho foram apresentadas e discutidas as razões pelas quais os
acadêmicos devem aprender o conteúdo proposto em função de necessidades sociais.
No caso da unidade trabalhada, as questões delineadas foram:
Quais as características que se reveste a escola em nossa sociedade?
Por que a escola tem função contraditória?
Como se dá a relação educação e sociedade?
Por que ao trabalhar com o processo de ensino e aprendizagem a escola necessita adotar uma teoria pedagógica?
Como organizar as ações pedagógicas?
A discussão objetivou evidenciar aos acadêmicos as múltiplas faces do conteúdo.
“É o enfoque da ‘interdisciplinaridade singela’ que se pretende explicitar quando é
traduzido o conteúdo em questões desafiadoras” (GASPARIN, 2007, p.43). As
dimensões foram estabelecidas conforme seguem:
Conceitual/Científica: O que é o homem? Qual a concepção de trabalho? O
que é sociedade? Qual o conceito de educação? O que significa cultura? O que
é ensino? O que é método? O que significa dialética?
Social: Qual o papel da educação?
Histórica: Como o conhecimento é produzido? Quais as concepções
pedagógicas na história da educação brasileira? Qual a visão de escola / ensino
que norteia cada teoria pedagógica?
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Política/Econômica: Quais os reflexos que uma sociedade organizada nos
moldes do sistema capitalista, como o brasileiro confere ao processo educativo?
Filosófica: Qual a concepção filosófica presente na pedagogia progressista
histórico-crítica?
Educacional: Que teoria pedagógica está presente nos projetos das escolas da
rede pública de educação? Os professores planejam suas atividades em
consonância com o que está proposto no texto do documento?
Ideológica: O que é ideologia? Que ideologia está presente na sociedade
capitalista?
Operacional: Como se estrutura o método pedagógico na perspectiva
histórico-crítica?
Em decorrência, o terceiro passo, a instrumentalização, ações didático-
pedagógicas tem início com o estudo do tema de trabalho. “Esse é o momento do saber
fazer docente-discente, em sala de aula, evidenciando que o estudo dos conteúdos
propostos está em função das respostas a serem dadas às questões da prática social”
(GASPARIN, 2007, p.53). O confronto entre o conhecimento cotidiano, prática social
do aluno e o conteúdo científico apresentado pelo professor implica que o acadêmico
negue o primeiro pela incorporação do segundo, conforme evidencia o autor. Atuando
como mediador, como agente cultural, o professor neste momento, possibilita aos
educandos o contato com a realidade.
Para tanto foram solicitadas leituras prévias de textos selecionados e
disponibilizados aos acadêmicos. Visando assegurar a aquisição de conceitos
científicos, as atividades de instrumentalização vêm envolvendo:
Sessões de discussões dialogadas,
Atividades (estudo e discussão dos textos propostos para leitura);
Debates.
De posse dos instrumentos teóricos e práticos “é chegado o momento da
expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se
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ascendeu” (SAVIANI, 2012, p.8), a catarse. Neste momento, que por sinal está em
andamento, os objetivos propostos no plano de trabalho docente-discente estão sendo
retomados. Quanto às questões elaboradas quando da problematização espera-se dos
acadêmicos que as respondam valendo-se dos conhecimentos sistematizados. Para
avaliação, do conteúdo desta unidade, uma produção textual está programada.
Sabedores de que os momentos do método acontece de forma articulada, nesta
etapa da catarse, em razão das ações pedagógicas, já é possível detectar avanços,
mesmo neste estágio em que se encontra a pesquisa. A superação do conhecimento
espontâneo por meio do conhecimento científico-teórico possibilitará ao acadêmico uma
nova postura diante da realidade, prática social final.
Considerações Finais
A atividade essencial de uma escola é assegurar a aprendizagem do aluno com a
atuação pedagógica do professor. O professor é o mediador desse encontro do aluno
com os objetos de conhecimentos. Esta atuação docente exige uma formação com bases
sólidas, fundamentada em conhecimentos científicos.
Na perspectiva de compreender o contexto a ser estudado, ou seja, a formação de
professores e, por outro lado, a necessidade enquanto docente de repensar como
trabalhar os conteúdos de Didática nesse contexto, os pressupostos da Pedagogia
Histórico-Crítica e da teoria Histórico-Cultural, alicerçadas no materialismo histórico-
dialético vêm constituindo o referencial teórico.
Para a Pedagogia Histórico-Crítica o desenvolvimento de uma prática
pedagógica consistente vincula-se a uma metodologia coerente com a teoria que lhe dá
sustentação.
Ainda que, numa fase inicial de trabalho/investigação, na disciplina de
Didática, no ensino superior, curso de licenciatura, a Pedagogia Histórico-Crítica,
enquanto proposta teórica e sua respectiva didática vêm subsidiando as aulas de
Didática, na perspectiva de um trabalho qualitativo, pedagogicamente diferenciado.
Espera-se com a pesquisa, por enquanto em fase inicial, apontar um novo
encaminhamento quanto à formação de professores, no ensino superior. Que, o
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acadêmico possa assimilar uma proposta teórica, no caso, a Pedagogia Histórico-Crítica
e sua respectiva didática, enquanto possibilidade para uma atuação docente qualitativa e
pedagogicamente diferenciada.
REFERÊNCIAS
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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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