a fotografia de sebastião salgado

12

Upload: obudaganesh

Post on 14-Dec-2015

21 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Estudo sobre a estética de Sebastião Salgado.

TRANSCRIPT

V O L U M E I N I ] M E R O 1 . 1 9 9 7

ï , 4 D111j"1,; :

,

, : :x!i:'Y.raiii

R Ë V I 5ì irr; : .

:'::r: I

l ; .r: ' ì r. r 'r:

t

gtJtr,lÁntO

OIALOGIA ENÍKE AKíE E VIDA:t ei lÉ|cA, DA REgroNDtBlLìDADE DE lvl lKHAìt ÉAKHÍÌN

lrene A. Machaào

MODERNISMO:GERME OU 9ENÍlÌvlENÍO EN/ IRRADI

I'lala;ca àoo 9anLo;

A ̂ UT,JEÍIVID ADE ? 05Í A EÌ\4 OUE9TÃO TOKNARRADOREg E TEKgONAGEN9

Menegazzo

UM TARAí5O IN/AGINÁRIO OU A DICHARADA NO CIMENïOFernanàes

CID ADE REAL, CÌ DADE FÌCCIONALIZADA:WALÍER DENJAMIN ?AC�g�E:A' TELO CENARIO MO7COVITAKonalào Aeeunção

AMfilGÜID ADE, ? O'ÉÍ]C A E I NTEKíEXíO:A F ATOGRAFI A DE EEb A7T:F'O 9 ALG ADOMarcelo Marinho

UMA LEIÍUKA DE. UM7ERTA ECAMariâ Lmília Eorles Dâniel

DEìIGNNIVA1 DO VOC ABJI.O "D I ABA" EM "GRANDE )ERTÃO: VERED A5" :

JMEsÍUDa sócro-rrNoLrN oÜíEtca -Ana Maria í Firee àe Oliveira

AM1IOÜIDADE, TOÉNCA E INÍEKTEXÍO

A FATOGRAFIA DEsEDAeTlÃO ãALOADO

Marcelo Marirtho'

" lnúmeros t r i rços pocl icus rc lac i t tnam se não ape-nas com as Ciências da Linguagem, mas com a Teoriados Signos cm seu conJunto; em outros termos, com ascmiologia (ou scmiótica) geraÌ", afirma Jakobson'.Ora, traços poéticos são aqucles que caractenzâm apoesia como artc da linguagem (escrita ou não) expri-rnindo ou sugerindo idéias ou sentimcntos através doritmo, da harmonia c da imagem. Assim, a pocsia podese manifestar (e ó cssencial) em qualquer obra de arte(literatura, pintura, escultura, cinema, fotografia, etc')e Ìigar-se-á, de mancira cxhemamente cocsa, à lin-guagem conotativa e, por conscqüente, à ambigüida-de. O conccito "pocsia", é notório, poderá igualmentedcsignar cerlas propriedades de seres ou objetos quedcsperteur no homem um cstado poético (estado oníricoou de devaneio).

Cumprc portanto buscar os traços poéticos na obrade Sebastião Salgado, hoje considerado como um dosmaiores fbtógraÍbs vivos do planeta. Em sua dimen-são poética, esta fotograÍ'ia não poderá ser subrnetidaa urna qualqucr prova de verdade. Ela não sabcria ole-reccr se como unÌ sìmplcs registro da realidade, comopropõem tantos e mais detratorcs da artc fotográfica'imagcm unívoca, obediente a normas c hábitos, previ

sível, transparente, dotada dc automatismo, buscandoapenas e tão somente inlbrmação objetiva - caractc-rísticas, como sabemos, da linguagem comum, não dalinguagem poótica . Por esta razão, considerarcntoscomo centra l o aspecto f icc ional , imaginí r r io 'dcsconsidcrando para tanto a dimensão docunrentaÌ da

ìmagern fotografada. Nesta perspectiva, lançaremosum olhar sobrc a fotografia intitulada "Nômades atra-vessam o Lago Faguibin, ressecado", composição as-saz despojada e paradoxa"lmente rcpleta de clementosde reflexão sobre a arte fotográfica e o estatutoontolósico do homcrn.

Pú tanto, buscaremos inicialmente traços signifi-cativos na composìção Íbtográfica (desde a escolha tÌosupoftc até o agenciamento das formas, luminosidade,cores e texturas), traços que instauram aquela "forme-

sens" da qual fala Henri Mcschonnic, e por cujo inter-médio a obra de iÌrte grava-se na memória, incorpora-se às experiências vividas pclo homem. ao contrário dasinformações jomalísticas, cujas pretensa objetividade,brevidade, univocidade ou clareza c, sobretudo, ausên-cia de correlação, de solução de continuidade entre asinformações, diminucm it-s chances de incorporação deacontecimentos cxteriorcs à expcriência pessoal do scrhumano, pois o bombardcio de fatos não atinge ainterioridade privada de qucnr os decodifica. Nesta pers-pectiva, chamaremo s leítor-decodificador, ou apenase tão somentc leilor, ao destinatário da fbtografia. Comvistas à decodificação da mensagem (no sentidolingüístico do tcrmo), vercntos com JaÌobson que, "para

ser opcranle. a mensagcm requcr inicialtncnle utn con-texto ao qual cla remcte, (...) contexto passíveÌ de captação peÌo dcstinatário, contexto que será ou verbaÌ, oususcetível de ser vcrbalizado."z Cumprc portal.ìto, naseqüôncia, vcrbalizar o contexto de proclução e leiturada 1'otograÍìa anaÌisada.

I Roman Jakobson, Ersai'í de I'ìtlTltistÌque Générale'p.2102 l b i d . , p .213 .

P r p é n R È v ì . c t r s U I ; N í S , ( ì n Ì l s G r â D d c , l U S l l Ì l 1 4 4 3 . l , ì / j Ì u - l ! ' l l

Contudo, para rctomar noções propostas porJakobson, dircmos que, considerado nosso objetivo decontribuir ao dcbate cientííico, nos sltuamos na vcr-tcr'ìte oposta àqueÌa dos dcbatcs políticos, c, desta fei-ta, não buscamos nem podemos busczrr o conscnso,assim como não podcmos Íàzer rccurso ao voto e aoveto, pois "o desacordo desvela antjnomias e tensõcsno interior do campo estudado; clc é pretexto para no-vas cxplorações"3, como escreve o lingüista. Visare-mos, portanto, ter lançado, ao término de nossa anáìi-se, bases para novas cxplorações, chaves para novasc múltiplas leituras.

Como sói scr cm obras de supcrior vaìor estótico,inúmeras são as relèrências (conscìentes ou inconcien,tes) intertexfuais trazidas a cfcito nesta composiçãofotográfica. Assirn, podemos inicialmentc ver que, talqual em composiçõcs p ic tór icas do per íodorenascentista, os nômadcs retratados por Salgado tra-zem sobrc si tecidos drapeados e esvoaçantes, soltosao vento, tecidos apenas atados sobre o corpo c semcosturas, cujas dobras são sublinhadas por uma certaluminosicladc diáfana, etérea. A título de iÌustração,estas são caractcrísticas quc podcremos obscrvar nasreproduções cm anexo, a sabcr, Nascimento de Vênus,de Botticelli (1444-1510), A Sograda Farnília, dcMichclângelo (1475-1564) e MadonncL. de Rafael(1483 1520) .

Poucas não serão as semeÌhanças entre a Nôma-de de Salgado e cerlts Müdorutas dos períodos me-dieval - aquelas de Cìmabue (1240-l3OZ) ou Giotto( 1 2 6 7 l l 3 3 7 ) , p o r e x e m p l o - c r e n â s c e n t i s t a -Michclangclo, PeruggÌno, Ralael, entre outros -. As-

sim, tal qual a Ìlladonna de Rafacl (ver reprodução),a Nômade traz consigo duas crianças (figura 2, per-sonagcns 2 e 3), em qucm as dobras adiposas rever-tem-se em sulcos ìnter-ósseos, retratos inversos dcrotundos, bem nutridos e quase arianos Cristo e SãoJoão em companhia da Virgem, africanos Cristo cSão João esqueìéticos c lamintos, símbolos de um pro-vável Cristo pouco louro e com olhos nada azuis ig-norado pelos horncns em sua manjcdoura, local ondcaÌimentam-sc animais. Atravós do recurso à regrarenascentista dos três terçoÍj (Le Nornhre d'Or'), Sal,gado acentua dois ponlos simétricos em cuja direçãoscrá carreado o olhar: ombros clescarnados e nus damulhcr famélica, nádegas nuas e clescarnatlas da desnutrìda criança, fato quc rcaÌça o contraste entre asimagens aqui comparadas, que dí relcvo a persona-gens angulosos c distantes das rotundidades daquc-Ìcs levados à tela pcios pintores renasccntistas notc-se coincidcntcmcnte aqui a rnoldura circular daÁ .lagroda liam.íl.ia., de Michclângelo -. Por outro Ìado,

' Ì b i d . . p .210 .aGeorgcs

Póninou, "Física e tnetalisjca da inÌagerÌì puhlicitária". itìChtisfian Mctz,,4,,1r7ãlise rÌas imagent;. Pctrópolis, Vozcs, 1973)

vemos quc a tamélìca criança (figura 2, personagcm2) traz fechad.a sua mão, c nas represcntações sa-cras as mão encontram-se, na maior parte do casos,ostensivamente abertas, como para recebcr a graçaou mìsericórdia Divinas. Aqui, nada se espera. Nes-ta perspectiva, observaremos que as mãos dos ou-tros pcrsonagens cncontram-sc cscondidas, ou pcn-dcm inertes nrrno ao soÌo. Este mesmo pequeno per-sonagcm (n" 2) csconde seu rosto e faz pcnsar noInlèmo da Capela Slslúza, pìntado por Micheìângclo;igualmente, o pequcno leva scus olhos fcchados emsugcstão de desamparo, de rccusa à situação vivida,ao momento atÍavessado.

Ao furrdo, na pintura dc Michelãngc7o, A SagradaFam.ília, vemos anjos guardiões desnudos cujas figu-ras, em Saìgado, serão substituídas pclos gruota c ga-rotos semi-desnudos (figura 2, personagens 4,5 c 6),

Nônader dh'd\.essdm o lago lìaguibitt, rts.çetodo. Mtrli. 1985.Foto de Sebastião SalÊado.

P{Éis Rev l-cras UFNIS. Lllmpo lj,rndc. MS. 1(l ) :ì,1-.11,jrn /irLi. 1a9?.

I

anjos esgorados e vencirtos petos rc- i Como a6 corn?oÕiçõeo i 1]j]9,l.?j,l' ou-^Anton Dvolák

vcses. scres que. cnrrcrirnto. p",.:: : renabceníieíaÒ: i :::lL,L:llmÏrïï:::; flf,:l:

n c c e m ü n j o s . P U s l ' ) q u e . t a l t l u a l v i p e ' ' " " : " - -

no simbolìsmo do ìmaginluio cristãfi i oa nômaàea àe I to' mis também diante daquelas so-

"ã",r'"ì". " p'*"Berí a caminhacla i eaQaào lrâzern :

-'tÂ:ü;iffïïfu", ao públi-

dcste grupo de nòmadcs Adcmais. : '

na vcncnlc r)fusla as uonvcncrtrnais i f,eCiàOg ̂ OILOA AO VenLO I co prrdcm fazer cmcrgtr as noçoes

l \4adonna. medicra i ' ou : com lumino^ iàâàe i l t ' " io : ' : ' . n1 l . , -C -P: : 'n"u " t t *

r c n i r s c e n ( i s l a s a f r c \ e n t a d a s l Ì ' ) n t J l - | À i Á Í , l n a - t l a ç à o â l o t o g r i Ú i a ' n o t a d l t m c t t l e p u -n]"n," uo espcctador-reito',"" :.- ----::1t::? -.: :5'iiJÏrJffÏïïïi 'ffiïï"d:Maclonna de Salgado ó mãe que,

Çono seus anjos pÍotetores, \'olta as do objeto [anunciado empublicida

"rpuian, oo p.ifrtLo, busca rctirar-se, cscapar ao olhir de] ou fogem, oblíquos, para longe' â mensagem

humano. E mãe que esta a meÌo termo de tornar-se çonativa sè apaga"o ora. nesta fotografia de Scbas-

Pietà, fLgura quc traz à ."no n i"*u "ti,tão cla mãe tião Salgado nãã.há oìhar em dircção ao espcctador'

desampararla (strtbat ttruter t",'iìt"' iolo'o'o, - logo apúina-se a fìnção conativa'.cuja etimologìa (la-

tcmacancacloàcxprcssáomusicalporPcrgoleset imconat io , |entú iva,esforço) ind ica impulsãonoscn-

Ì ' ! ú Á R c ! . l . r ì s L j t N 1 5 . C ì . D o ( ; n i d c l Ì s l l l r ' r a * l r r L / n r ' r 9 9 7

tido dc dctcrmhar um ato,um esforço, tendônciaconsciente para atuar .Ainda uma vez, lembrc-mos das mãos fechadasou braços pcndcntcs dascrianças retratadas, sím-bolos dc uma total dcses-perança nâ prov idênciahumana ou divina. Ncstaperspecf iva, pcnsemosnaqucÌcs íntrigantes per-soÌriìgens clas pinturas deNicolas Poussin ( 1594-ló65) que, a pafiir dc umponto quâlquerdo quadro,contcmplam porvezes, diretamcntc c cm posjçãofÌorìtiÌI. o Ìugar oncle de-verá situar-se o espccta-dor. como a chamá-lo aparticipar da situação rcprcsentada, a compÌetar o quadro, obra aberta, situação diâmetralmente oposta àquelados nômades no Lago Faguibin.

Esta fotografia cle Salgado pode igualmente scr vistâcomo reconstrução às avcssas do célebre Nascirnen-to de Vàrus, d.eBotticclli ( 1444-1510), retrato inversoondc csvai-sc o elemento líquido, como indica a lcgen-da, ondc encontra-se ausente a água, sínrbolo de /ocasatnoenus, de alegria do rctorno ao aprazível líquidouterino. Ern Salgado, não haverá ninfaprimavera, comsua vcstc oÌmamentacla tlc tlorcs c seu manto protetorem toÌÌs paslcl; tampouco haverá vegetação à csperadesta desidratada Vônus af r icana. AdemaÌs, estaVênus caminha da direita. para a esqucrda, scntidocontrário àquclc indicado pelo movimento esboçadopcÌa Vênus de BotticeÌli, cuja pcma clireita avança so-hrc a csr lucrda comrr se [ r r . :e in ìc iar um movimcnlona direção da margcm dircita da composição. Obser-vc-sc ainda que, coincidentemente, a nascel]tc Vênuse sua antípoda Nômacle trajando o cscurecido mantoda Moltc - sínrbolo do emllate entre Eros e Tanatos,puls i res de v iJa c ntor te - "cu lanÌ i l mcsma posiç i ìo narni,se en page dcstas col.Ì.ìpo:iições respectivamentcpictórica c fotográfica, cujas estruturas em pìrâmidctôm conlo vórticc o ápice das cabeças das Íìguras ccn-trais das situaçõcs rcprcscntadas (figuras I e 3). Estcembatc entrc Dros (Vônus) e Tanatos sìmboliza aspulsircs bipolares que regem a caminhada do scr hu-mano, e da comparação entre a Vônus cle Botticelli ea Nômade c le Salgado poderernos abstra i r p i ì resantinômisos lais como alto x baixo; misória x riqucza;vida x mo:-te; cerirnônia dc vida (tcsta) x cerimônia demoÌ1c (lcrctro c scpu ltamento);júbilo x dor; dinanris-mo x ostaÌlsÍno.

Niru ub\ lJr ì tc . nutcrno\ quc:r cornpo' içàrr p i r l tn idal é moeda corrcnlc cntrc artistas plásticos como F-r a

t 8

Figura Ì

Angelico ( 1400-1,155), konardo Da Vinci ( 1452-1519).Rafãel (1483-1520), entre tantos outlos, e nela pode-mos obscrvar a presença, em termos implícitos, daSantíssirna Trindade. Na composição do ÍbtógraÍo bra-sileiro, os limites do manto, a inclinação e o alto dacabeça da rnulhcr adulta, o olhar dir garota e o alinhir-mento das cabeças do garoto e da garota (figura 2,pcrsonagens 1, 4 e 5) complctarn a pirâmidc. Estc étambém um triânguÌo quc aponta para o céu e quc trazem s i a oposição entre a l to e baixo, com suasconotações valorativas antropomórficas (os pés. planoinfcrior, cm oposição à inteÌigência. plano superior).IguaÌmente, poderemos obscrvar uma segunda pirâ-mide, rcduzida, contudo, ìr sua metade, e ligeiramenteincÌinada, tal corno poderíamos perccbcr uma cvcntuaipirâmide que se deslocassc com vclocidadc relativa-mcnte alta (tigura l). imtrgem também presente cmBofiiceÌli.

Ambas as Vônus - a da vida e a da morte - ofere-ccnÌ a mesma elegância em seu dcÌgado movinìentoondulante. Entrctanto, as ondulantes madeixas ruivasdc Vônus de Boticelli translbrmam-se, nas mãos deSalgado, em bem sólidas e fixas tranças negras, tran-

ças às quais o sopro do Zêfiro clo quadro iniciaì nãoconseguirá dar movimcnto. lgualmente, o Zéfiro deBotticelli sopra no sentido sugerido peÌo movimento deVênus, movimento que é firvorecido pelo vigor daslorças cólicas; por suâ vez, a descarnada Vênus dcSalgado deve ain<la, adcmais clc scus rcvcses, cnfrentar vcÍìto contrário a seu movimcnto, como obscrva-mos no balançar de suas vestes.

As incÌicaçõcs ótnica (vcstr.rário, pigmentação dapclc, cor clos cabelos) e geográl'ica c{btuadas por Salgaclo realçam a contradição enire o padÍão de vidà deceftas ciìmadas da população do pÌaneta - simboliza-das pelo Museu cÌo Ofício, ern FÌorcnça, onde encon-

P r I i ó \ R c v r - c L a s l l F N i S , a t u n t ) o G r a i d r M S . l í l ) : u 4 l . i t u r . / i u Í . Ì 9 9 7

I ra-se a Vênus em meio a formidável accrvo

renasccntista - e o padrão de outras totalmente

desmunìdas e dcsamparadas, como este grupo cla Áfri-

ca do ocste. Os primciros, aqucles que abandonam (cs

pectaclorcs impassíveÍs), estão assim sugcridos nestas

i.ug"n. qrr" podemos ler como refcrências à cultura

ociciintaÌ (aqui entcndida como cultura dos países in-

cìustrializados ). As altas tbrmas de abstração atingi

clas por cstas socicdadcs do Nortc (e colocatlas em

exercícìo nesta composição lbtográfica) somente aÌra-

vés clas Ìentes de um poola da imagcrn como Sebas-

tião Salgaclo poderão dar exprcssão (e contradição) à

reali<lacli cotidiana de socìcdadcs inteiras que vivem'

ao Sul, à margem das conquistâs matcriais c intelcctu-

ais logradas em um planeta quc' afinal, a todos per-

tcnce. A função conativa eliminada pela ausôncia do

olhar em direção ao espectador é assim rccupetada

através de um jogo especular que tràz à tona a ima-

sem do espectador diante de si mcsmo, diante de suas

ieferências culturais transmutadas em páÌido quadro

do oeste africano.PoÍ outro lado, podemos vcr, pelo desccntramento

temático enconftãdo na fotogralìa de Sebastião Salga-

do, a modernidade anunciada na literatura por

Guillaume Apollinaire ( 1880- 1918) c Manuel Bandei-

ra ( 1886-1968), Ìevada a efeito na fotografia de RobeÍ

Doisneau (nascido em 1912) c Henri Ciuticr-Brcsson(nascido em 1908), temátìca que pode ser lida como

transPosiÇão intertextual

Fryun 2

daqtuele Enterremen.t àOrnans, dc GustavcCourbet (1819- 1877), quetaÍÌto chocou o Públicofrancês pelo tema realistae pela inusitada extraçãosocial dos pcrsonagcns. Namesma perspectiva, a fo-tografia de cunho socjalexcÌusivamentc em Pretoe branco de Salgado podeser lida como sugestão deum certo passadismo, deumâ ccrta recusa a umpresente indigno de screshunranos, retruto sobÍepapel fotográfico daqucla"lit-téÍature engagéc" pÍe-conizirda por Sartres. Te-ríâmos portanto uma re-versão, em termo s dccompromisso social, dotena cristão da ca[ÌÌinha-da (Maria e José, o bomSamaritano), da peregri-nação, procissão sem tma-gens, sem ídoÌos, sem vencraçõcs, tema qttc Podcfazer pensar tambÓm na-quelcs retirantes do nordcste brasileiro e, Por estavcr tentc, re lac ionar sc,s o b u m a ó P t i c arnteÍtcxtual, com a PocslrÌde João Cabral de MclÌoNeto e inúmcras outras

5lÌégis Dcbray decl:ua: "deve

n)os a Salgado areconci l iaçãodo estót ico com â mil i lância'lveja. 12/01/91, P. 80).

-y^ti ;.*'r .]'.',ffi' \ . j \ \Y- i r .

_. . " f Ì i

F igura )

Ì , x p i i ! l { t r J c r i ' s U F M s a ì D n ì t ; r o d c . N 1 S . l í r r J ' L a l j r Ì / j Ì ì D l ! ' r l

manifestações da cuìtura brasileir-a.IncoÌìtáveis são, poÌtânto, os elc-

mentos conduzindo a uma leituramúl t ip la c amhigui r dcsta Io togra l ia .Entre as qucstõcs diretamente accò-síveis e ostcnsivamente mais abcr-tas, poderíamos sublinhtrr: a nuÌhcrlcva as crianças (personagens 2 e 3)pc l rs tnàos ou cstas a seguem por s ipróprias, abandonadas à própria sor-te'? A garota (personagem 4) ri oufranze o rosto? Sc franzc o rosto,seria por cfcito da ação do vento oup e l a p r c d o m ì n â n c i a d a l u z

lnconf,áveie6à0 oe elôff ienloÕ

canòuz inào auma leiLura mú\Ï, i?la

e arnbíquâ àâtoLoqrafia.

serpen. t , de Nicolas Poussrn,L. Marin obscrva, a partir de lcitu-ras em aparência contraditórias pro-postas por Fénelon, Fólibien e peloautor de um catá logo, quc asupcrposição destas leituras distrn-tas unicamente possíveis em função da anbigüidade, da dualidadeexls teÍ ì tc na reprcsentação dePoussin - "liberaurn coneço de scn-tido"7, c, aclemais, "dualidade queé o sentido e não variação sobre un.rtema oculto"l em outros ternÌos, adr.ralidade seria a chave de acesso

I

ÍÍI

I

ÍI

I

I

I

ÍI

I

I

I

1

I

I

I

I

L

I

I

I

I

I

I

,I

I

I

I

I

I

ÍI

J

esbranquiçada? Qual a posição da fonte dc luz? A mu-lhcr encontra-se grávida ou scu manto está abauÌadopcla ação do vento'Ì A criança (personagem 2) choraou protege se do vcnto e da areia? Qual é o objetocarregado pcla mulhcr? Este objeto cncontra,se à mãoou a tiracoÌo? A garota (personagem 4) traz um gaÌho àmão, o gaìho encontÍa-se cravado no solo ou tratâ-sede um pcdaço de tecido de sua roupa? Qual é a icladcaproximada das crianças? Os Ìaços que os unern são cÌeparentesco ou dc amizade? O percurso é de ida ou deletomo?

Nestâ perspectiva, podemos ver que a luz provéntnão se sabe bem dc onde, pois o solnbrcarnento dovcsluário cla mulher parccc indicar uma Êontc lumìno,sa do oulro lado do véu, cn] contraluz, ncr lado opostoao espectador (e ao fotógrafo - é notória a prcdilcçãode Sebastião Salgado poÍ construções cm contraluz6 ).IguaÌmente. podcmos lenrbrar que, quando tcmos àfrcnte uma espessa barrcira dc ncblina. ou neve, ouareia muito clara, o rel'lexo da Ìuz podc scr tão fodequrr ì to ü in tcr ìs id i ì t le dr fon te lu 0 ì in i ,ça qUe l ( ' rventuracncontra-se em nossa rctaguarda.

Assim, csta fotografia parecc rcgcr-se peÌo princÊpio da inccfieza: idade, sexo das crianças, gravidez,mãos do garoto, mãos da muJher, grupo ou família, sor-riso ou ciueLa da menìna, galho ou larrapo de tecido,destino da caminhada, objetivos, ol.rjeto lcvado a tiracolo pcla mulher, taÌìtos scrão por conseqüente os eic-mentos (ìúbios na composìção. Esta duaÌidade podc clue-rcr se imagcm cspecuÌar da moclcrnidade, da era dohomem binário ( I .0, l,0,sirn,não), do princípio da incer-tcza da f ís ica quânt ica c da l ra tuÍa dos p i larcsepistômicos Ìevada ao paroxismo. Scja conro Í'or, po-demos dizer, com l,ouis Marin, que a ambigüìdade sóLencìe a agrcgar valor à obra cle afic. Com elreito, aoanalisar o quadro Paysage ovec un ltotnrne tué par Lrn

ao "conjunto aberto das leituras possíveis", para rcto-mar paÌavras do crítico8 que fazem eco à noção pro-posta por W.H. Audcn.

Em que pcse a ambigiiidadc presente em inúmeroselementos da 1òto, é patentc o estado de sofrimento eprivação em quc encontram-se os personagens, que ca-mìnham oÌhando para o chão, cabisbaixos, pensativos.O olhar alcança apenas c tão somente o espaço defÌni,do peb ptóximo passo, tèito quc sublinha uma ccrta au-sôncia de perpcctivas. Assim, caminharn como autô-matos, abúlicos, indilèrentes à propria sone, scrn dcsti-no scguro, pois nada há no horizontc da paisagem retra-tada. Nesta perspectiva, torna,se impensável saber, apiutir dos eÌementos apresentitdos. sc os personagensestão ìndo ou voltando. e estes não tr.uemconsigo ouais-qucrobjc tor que indìquern ohjet ivo tp . , rcxcnrÉ1, , . urnaânÍora vazia, objefos para venda. objetos adquiridos ourecebidos, bagagens, um livro, alimentos)" Ademais, ca-n inham.h d c i ta pui r a e 'querda. movi l r rento quc c lperirncntamos como reffocesso. pois dá-sc em sentidocontrário ao da leiLura na cuìtura ocidental. Basta coio-c:Lr-sc a lbtografia ern contraluz e obscrvá-la invertida.com seu clorso voltado aos olhos, para perceber se quco movimento fará aquisição dc valores positivos, serápercebido como avanço, não rctÍocesso.

A roupagem parece scr um farclo difícil a transpor-tar, um fardo de grande volume, pesando sobre osonbros apcsar de apresentarc[Ìì-sc csvoaçantes sob abrìsa soprada por Zéfiro. As tranças figuram-se para,Jclas às margcns vefticais que, poÍ sua vez, encon-tran.r-sc solidamente soldadas às margens horizontaisda pouco malcável molclura. As tranças toÌ.ì.Ìbam rctase rígidas cn.r direção ao solo, corro peso fìxando-sc àterra dc origen], como rccusa à terra cÌe destino, cot.norccusa ao movimcnto. recusa à própria vida. A cena épaisagem Ìunar que nada inclui e muito contribui para a

6 SaÌgado aíirma: "É clâÍo que eu tenho clc trabalhar conlra a Luz. ^ minha cidade, AiÌnoÉs. Linha um sol incrível. A gentc vivja oa soÍlbta.ELÌscmprcoÌhcjmedpaicJtegatdoetnclsaIìaconlraluZ.I]ulì i1soÌnbra,e|e! indodosoÌ 'Numa1iaçrãodesegundo'curcs1ìtuot1Ìdojsso..(.vr1jct. 12/03/97, p. 8lj.

7l-ouis Marin, "A descrìçàcr da imagcrÌÌ : a propósi lo de uma paisagenì de Poüssjn". i7 Clìr isl ian Metz,A Autl l ise t las ünagen.r-p-85.I l b i d . , p . 105 .

Ì ) r p é i ! Ì r . f Ì . . ! r s U F I I S . C . ú n D o C ' r Ì 1 . . N Ì s . l t l : l t r t 3 . j r ú / i ' Ì n . I ' r a 7

expressão cle uma vida em vacuidade' indigna de sercs

humanos. O agcnciamcnto dos elementos de composi-

ção fotográfià sugeÍc que o prolongamento do olhzLr

áIrr dir"ção a "tq.,e"rda ou à dircita, acima ou abaixo do

enarradramento. somentc revelaria o vazio, o nada' uma

lurninosiclade opaca que nada podc iluminar nem con-

tcr. Mais ninguóm encontra-sc no enquadramento' c a

ausôncia clc ãgua e de vida vegetal é total, elemcntos

quc contribucm para criar a impressão de desamparo

iu" "*p";-"nto-os ao obscrvar csta fotografia No

e'ntanto, a ir1éia quc permanecc é a de idir em dircçáo a

aleo. pois o cspaço e mais vaz io à l rentc do ' camt

rrh"antes do que a iua retaguarda Em siluaqào inversa

íesnaco mais vazio à retaguaÍda), a ação de abandonar

ìrilocaÌ cstaria sugcrida com nrais proprìedade que a

ação de buscar um local 1ou algo)'

O grupo parcce caminhar poÍ entre a luz (tudo é

csbraÃuiçaáo, .omo um véu translúcido)' em um cs-

paço indcfinidn cntre o céu e a telra, e notâ-se a au-

iei.iu a. sombras bem dcfinidas' como se a fonte de

luz fosse tão somentc um halo' A indefinição da som-

bra oroictada no solo lrenoso lambóm sugerc scres

A Sagratlu

M ic ltelân ge kt Mddonrlí1,

de RaÍael

I r a F a l \ R . r l ' Ì i , \ L : l r \ l S ' t r r i | L ' ( n ) n ú c N s l Ì l ì l a 1 ì i r n r j t r r ' l 9 o ?

i m p a l p á v e i s , i m : r t e r i a j s , f a n -tasÌnagóÍicos, seres do além. A im-presstro dc dcsamparo ó reforçada pela fragilidade dos famélicoscorpos, sem condiçõcs físicas paracaÌnrnhar, como o garoto que teÌnsua perna arqucacìa pelo esforçof í s i c o l e v a d o a o p a r o x i s m o .MaÌgrado a brisa, o véu da muÌherarïasta-se pelo chão, assim comoseus pés.

Os pequenos Ìogram, corn seuscur tos l lsso\ . aculnpanhar a carnì -nhada. quc deverá portanto lazer-sc lcnta: todos os caminhantes tôm scus pés fixadospcìa Íbtografia no iÌìstiìnte cm que encontravam-secolados ao chão, como sc cstivessem parados (Ìem-bremos que, em fotos clc cunho esportivo - ocasìãoem quc cclebra-se a força, a velocidade, a vitaÌidade, os pós flutuarão no ar, suspensos num presenteatemporaì quc é também o tempo do mito), imagcmdo csgotaÌnento, do cansaço, lassidão; o pcqueno (lf 2)ì r ì r Ì )cn lc ievar Ì la r rm cìos pcs apr is apoiar o outr t r cr t rnpÌetamentc no solo; o passo do garoto da frente (n" 5),não obstante sua estatura rclativamente supcrioÌ, é tãoo u m i r i , c u n o q u c u q u e ì c d a s t r i l n ç a s q u c s c g u c n Ìat rás (n '2 c 3) .

Os personagcns paÍecenÌ caminhar em cílculo,pois a direção sugerida pelos três personagens daretaguarda ó diferente daqucla sugerida pelos queestão à frentc da marcha (figura 2). Contudo, trata-se de ilusão de óptica quc pode se riesfazcr na aná-lise da composição do grupo anterior. Em outra pers-pectiva, vcmos que o garoto tla frente (personagem-5) anda em direção à linha do horrzonte, mas! comonão há distinção cntre cóu e terra, c como ele cstáI igc i ramcntc dcsfocado como por efe i to do véuti-anslúci<lo de luminosidadc - mas ern rcalidade porum sábio efcito clo expÌoração da profundidade decampo -, temos a scíÌsiÌção cie quc o garoto yai atra-vcssar (ou.já começou a iìtravessar) a folha. o pa-pel Íbtográfico, c cscapiÌr ao nosso olhar (logo, àsnossas v idas) . Iguaìmcntc, na medida crn está sa in-do do campo Íbcal, está cscapando ao alcance dasÌcnles do Íbtógrafo, ao seu/nosso olhar, temos a im-pressão de estanÌÌos perdendo para semprc a suaimprovável companhìa.

Maìgrado os reveses, e apcsar de cabisbaixas emeditabundas, as pessoas clo grupo caminham ligeiramente incìinadas para Íiente, altìvas, fazendo pro-va de persìstôncia em seu destino, dc resistência aunra ventania irlaginária quc sopra em seltido con,trário - não estaria o garoto (n" 2) prolegendo scusolhos contra a vcntania? - a seu n.Ìovimento cm dirc-t ' l io ao nrd l . E nrr tc mor imcnt , . r . rcrao cr ì lnçus osq u e u h r c n t I I n a r t h u . ( o n d u / e r ì ì u g r u p o . i r t c c n t i v l L n tà carnìnÌlada: convite à persistôncia, à espcrança, for.

4 2

I

I

I

I

t

A, tôIâl auÕênciâ àe lI

PArgAnAAenq I

maôcul inoÒ aàul f ,oa .no enquaàrarnenío àa I

l r a t 2 n P r r t 6 t t n P r P f a \ t . a 2 |

sol iàão àe màe ,I

n rn fpae rÀn f i l hna Ir ' " - " " ) "

_ _ _ r , _ _ J

mulado por estes guias pueris e des-providos da dcscrença que é o lotepróprio dc adultos em rÌÌomentosde rcvcscs. Ncstc serr l ido, scr iaigualrncnle plausível ver que, se porum lado a eventLraÌ gravidez da mu-lhcr (n" 1) podcria sugeriro adven-to Jc mais um ser fadado ao sol r imento, por outro Ìado poderia sim-bol izar a renovação, o c ternorcnascimento próprio ao ciclo vr-tal.

Os dois grupos que podemosoh. .crvar na eom posiç io Io togrd-

fica formarão um conjunto indivisível, cujo laço seráo olhar que a garota (n" 4) lança para trás como seesperasse ou veriÍìcassc o ponto em que os persoÍìa-gens (n" 1, 2 e 3) encontram-se em sua marcha. oque cria um elo de Ìigação entre os dois grupos cdemonstra a carga de matcrialidade quc podemos cn-contrar no olhar. Adcrnais, os ciclos da vida estaÍãoigualmente impìícitos neste instalÌtc de passagem,iniciático, instante de amadurecimento rcprcsentadopor este oÌhar protetor, dc vcrificação, de preocupa-ção que a gaÍota (n" 4), scr desprotegìdo em relaçãoà muÌher adulta (n" I ), Ìança à rctaguarda. A criançatoma portanto a si a lìnção de proteção que a mu-lhcr adul ta parccc n io pot lcr assurn i r no nìomcnlo.taì como podcríamos ver eüÌ uln certo abandono àprópria sorte sugerido pelo avanço em relação aospequenos (n" 2 e 3) quc observamos cm seu deslo-camento. Notemos ainda que a garota parecc pueril-rneÌìte arraslar um galho pela areia. lúdico alheamentoao sofÍirnento através de jogos infantis. e sutiÌ su-gestão de permanência no cstatuto de cntidacle humana malgratlo a perda dos benefícios que o hor.nempodc encontrar cn sua existôncia sotrrc a Tcrra.

Por outro lado, a total ausência dc personagensmascuiinos adultos no enquadramento sugerc força esolidão de mãe protcgcndo filhos. Esta ausônciir tor-na incomplcta a figuração da cena, pois nossos hábi-tos pictóricos e nosso imaginário solicitam comple.mento no scnlido de aproximar o quadro (fotográlì-co) de, por cxcmplo, A Sagrada Família. Assim Se-bastião Salgado parcce.jogar com a [ìt'Ìção proretoÍado animal macho e a função nutricional do animalfômca, tal como estas apreseÌÌtam-se ao imaginárioocidcntal. Apesar dcssa trusência, o grupo prosseguedcmonstrando força, demonstrando dignidadc, e astrâbalhosas trançiìs das nulhcrcs, se por um lado in-dicam vaidade, por oulro mostriÌm quc, apesar dosinl'ortúnios, cstão ali lbtografados seres que mantêmse em sua qualidade cle humanos pois não desvelarnsobrc sua próplia aparôncia.

"Seus hurrrildcs são gigiurtes", escrcve Dorrit Harazìmq .Com efeito, as pcssoas Íbtograíadas porSalgado ocupamgrandc espaço na lbÌha, enr relição a otrtros elcmcntos da

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

r:pis Rev L.Las Lrl-r,rs. C:ìnìno Crardc. Ms. ríl) 3c 4:l.jaì./irÌn. t'l'r7

composição. Na fotografia em tela,nada há além de pessoas, e o ângulocscolhido por Salgado situa o olhardo lcitor cm um plano inferior àqueleondc situa-sc o ohar(prcsumível) dospcrsonagcns lotogralados. pois l mí-quina fotográfica estaria ao nívcl dacintura da mulher adulta; deste feito,o leitor experimenta a imprcssão dcobsenar um personagem agigirÌìtado,desproporcional, efeito criado pclaslentes do Í'otógrafo.

A universalidadc buscada porSaigado ó sugerida, no câso desta

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

I

L

I

I

I

A tsniverealiàaàe :buacaàa ?or 1âlqaào :

Te eUAertAA 2elA r

âu^ência àe roeloe. :I Al /ê+ Ò t^+ ̂t , t I v t t ! L . t t I L U , I

o mono?ólio àa :I

2reôenca numânâ e I

0âLenÍ e.I

I

- - - - - - - r

por r.ros dar uma sensação de unr-verso"rr, e, acrcsccntamos, por tor-nar-se revelação do instan teepifânico. Entre tântas maneiras. apoesia pode revelar-se também nacapacidade humana de rnanter adignidade mcsrno cm situações ex-tremamente adversas, pois traz àtonLì um certo espaço onírico, tem-po de sonhos e dcvancios.

Parafraseando Guimarães Rosa,dircmos que a [btografia de Sebas-tião Saìgado "pode valer pelo muitoque nela não deveu caber". De fato,

I'otograÍìa, pcla ausência de rostos. Entretanto, o mo-nopólio da presença humana ó patcntc, pois o fundo dacornposição encontra-se desguamccido. Veremos aqui,portanto, rnensagens do ser, que Íundam sua autorida-dc na sobriedade, ntr Iaconismo, no silêncio ou na soli-dão: busca da essência, não dc acìdentes. A situação ócaracterizada por seu r:statuto ontológico, o scr cm pri-meiro plano. Não há pretexto para naração de um qual-quer evcnto particuìar. A identidade formaÌ entre per-sonagens provém do vcstuário, pigmentação da pele,estado lísico, traços fisionômicosr0, c a unidade ou so-lução de continuidadc cntre os elementos da lòtografìaprovém de clcmcntos como idênticas roupas (ou suaausência), areias, rcpctição do nlesmo pcrsonagem emtaÍnanhos distintos, símboÌos de uma enumcração adinfinìnrm, diferentes e idônticas etapas da vida diantede mal fadadars condiçõcs de sobrevivôncia. Nesta mes-ma pcrspcctiva, Sebastião Salgado coÌoca em ccnaumasituação desprovida de qualquer indício tenrporal,marcada pela ausência de dalação, suspensa no tempo,um tempo quc scrá indeterminado c vago. carregadocle atcrnporalidade. de imprccìsão tenporal, tendcndoà geheralização e não à individualização, à universali-dade c não à parti culiridatle. Ora, como afirma ArrigucciJr., "a emoção poótica se distingue da emoção banaÌ

bib l iograf ia^RRIGI,'CCÌ JR.. Davi. //e,nì1.1,1., pãi\tia e ,úrE. Rjo dc Janciìo. G)ftpmtua das I ctÌas. 199óDU(IROIT. OswaÌd . TODORO\: lzlrLat. 1)rÌnr"rdìrc encrcLopédìqre des v:ìeí.es dr, Iti9d8e. Pdis. Scuil, I972

rIAjìRAZTM. Dor.it. O FokiÊnJn da lu. ,|nve)a, !" 1.1'16, ì2103/97. p. 70 87.J^KOBSON, Ronran. E.txait de t.ìnqurslíque Cé lral.. PaÍìs. lÌ\ !:dittuns de Mìnnjt. 19Ó3.

P^GEAI,'X, Ddricl llcrÌr. In Ì.itti.ral re Gtnltule et CrnpdÌ,re. ì)üis. ^fttutd Colit. 1994.

MEIZ. ChÍhüatr dr alii.4 ,1nãlis. íln\ inogenx Peirópoìis, vozes, 197:1.

ITRAZ, Miúo Lúemturu e Arte! v6aaò. Sao Pâúb. DDUSP/CìrLtrix. 1982.ROSSI, Filippo. rhe Uíìz.i und Pitti. La Lcs, Than:es and Hudson, Ì9ÓÓ.

S^l-ClADO. Scb6tìúr. tiubalhü.lales. Rio nc lancno, CoÍìfanhia drs trlrls, 1996.

. S(hittiala Sdlgodn. Parìs, Ccnhn Na.io.al da Fotogratì{ 199:ì.

. Naituotl.J altaksún Ò LdAo Faqúhín reÍs?.úia. \|ali, I985",in Vcià. n" 1486,12103197, p lE

q Veja, 12/03/91, p.80.i0

Quancìo Salgado afir ma, por cxcmplo, "unì rosto dessas crÌravânas pode reveÌar toda urrÌa lÌis(ória. a culturade urn povo" (Vz7a, 12103/' 91 , p. '71), é possívcl dizer Lìue "Lrnf ' , na maior partc das vezes, rcprescnta loda ümâ série de repctiçõcs, e os l Ìaços Í lsionôlÌ l icos

indìvìduais. partìcuÌarcs, não teÍ io grandc importância. Assim, a ausênciadc rostos ou sLrarepetjção tenÌ a Ì Ì lesma lunção naconstruçãodo sertido. pois trata se de rostos serlì idcnlidadc com ìnluilo de dcspersonalização. generâlização.

rL Davi AÍÌigucci ir., Flmìkldde, paìúo e tnoïte , p. 137.r2 Citado por Cuimaiães lìosl, eÌÌì cpíBraÍb a Zílaníiir.

l,r a Rcv Lcras LiFVs. (.rLnìpl) r-ìnndc i\JS. /tj tj Jj. rnlur, lr':,r

a q[estão da valoraçâo da obra artística residiria nonúmero de suas interpretações potenciais, como atir-mam W.H. Audcn e Rolland Barthes, entÍc lantos ou-tros. Para tanto, por vezes será necessário reverter aperspectiva de análisc c dcÍìnir o processo de leitura,com G. Rosa, a partir dc uma definição proposta porAugusro dos Anjos para "rede": "uma porção de bura-cos, amarrados conÌ barbantc..."

Poderemos então dizer que, a partir de materiaÌ, emprincípìo, não poótico; de destino singularde pobres coi-tados nôrnades: cle retrato da contraditória realidade in-temacional, Sebastião Salgado visa a operar a sínteseda cxperiência humana. Se csta ó uma cntre as múlti-plas leituras possíveis de sua obra Í'otográfica, cremoslurçzr aqui bases para um "início de sentido", conformea expressão dc Barthcs, sentido a ser reconstruído apafti-r das noções propostas por Schopeúauer: "daí, pois,comojá se disse, cxigir a plimeira Ieitura paciência, fun-dada na ccúeza que na segurlda, muita coisa ou tudo, seentenderá sob luz intciramcnte outm."ì2