a geraÇÃo de energia elÉtrica represas e usinas - e …
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V Simposio Internacional de la Historia de la Electrificación
La electricidad y la
transformación de la vida urbana y social
Évora, 6-11 de mayo de 2019
La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – REPRESAS E USINAS - E
REDES TÉCNICAS DE ENERGIA E ABASTECIMENTO DE ÁGUA
DELA DECORRENTES NO RIO DE JANEIRO – 1940 A 1960
Floriano José Godinho de Oliveira Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Projeto CAPES PrInt
O objetivo deste artigo é tratar da associação entre o processo de produção de energia elétrica
e o de desenvolvimento urbano na cidade do Rio de Janeiro, com ênfase no período
compreendido pelas décadas de 1940 e 1950, quando a Light and Power – empresa canadense
instalada no Brasil em 1899, na cidade de São Paulo, e que chega também ao Rio de Janeiro a
partir de 1904 – além da produção e distribuição de energia, passa também a atuar na
dinamização dos serviços públicos, por meio da associação de seu sistema de geração de
energia com o de abastecimento de água na cidade.
A referida companhia, ao se instalar no Rio de Janeiro, recebeu concessão para a realização de
geração, transmissão e distribuição de energia – geração que foi intensamente potencializada
pela aquisição da concessão para a construção da Represa de Ribeirão da Lages, no planalto
da Serra do Mar, no sul do estado, distante 76 km do centro da cidade. Pouco a pouco, foi
também conquistando o monopólio de serviços de transportes urbanos sobre trilhos (bondes) e
ônibus eletrificados, o de distribuição de gás fabricado a partir do carvão e o de serviços de
telégrafos. Nessa primeira fase, “ficaram de fora de seu escopo apenas os serviços de água e
de saneamento básico”1.
Evidencia-se nesta primeira fase de atuação da companhia de energia, a contribuição na
modernização de alguns dos principais sistemas que compõem as redes técnicas em ambiente
urbano, como as de energia, transportes sobre trilho, gás e telégrafos, que, juntamente com as
de distribuição de água e saneament 2 , formam as bases para a urbanização e o
desenvolvimento urbano. Para Horácio Capel 3 várias são as redes técnicas necessárias à
1 Leite, 2008. 2 Redes identificadas por Capel como estruturantes do espaço urbano que formam as bases para a organização
social (Capel, 2011). 3 Capel, 2011.
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formação do espaço urbano, de forma a consolidar as condições básicas de deslocamento, por
meio dos sistemas de transportes, saneamento e comunicação. Neste mesmo sentido,
acrescentamos, também dos serviços e equipamentos públicos que devem ser providos ou
concedidos pelo poder público para viabilização das bases produtivas, econômicas e sociais.
O desenvolvimento dessas redes, no início do século XX, é um indício importante de que o
Brasil incorpora as bases para a estruturação de sua inclusão nos marcos do capitalismo
monopolista industrial e da evolução da urbanização, que marcou os primeiros anos daquele
século em todo o mundo. Para vários autores, estávamos diante do que poderia ser
considerada uma segunda revolução industrial, que foi apresentada como uma revolução
técnico-científica4, produzindo mudanças significativas nas formas de se organizar a produção
industrial e o comércio em geral e, consequentemente, influindo no território, que cada vez
mais firmava-se como espaço produtivo, o espaço urbano.
A incorporação das ciências, como a química, a física e a biologia, como fator de
aprimoramento e desenvolvimento de novos produtos e aperfeiçoamento das forças
produtivas, não só cria novas possibilidades no campo produtivo, como altera as bases para o
desenvolvimento econômico e social. A incorporação do petróleo como matriz energética e
como insumo na indústria petroquímica e a disseminação do uso da eletricidade foram dois
aspectos fundamentais desse período, que levou a avanços significativos no campo das
engenharias e produziu um espetacular movimento de espraiamento urbano.
A energia elétrica foi fator decisivo nos países da economia periférica nesse período, pois
permitiu uma primeira aproximação com essas novas tecnologias e induziu o crescimento
econômico já ancorado nessa matriz. Não é por outro motivo que, no Brasil, as cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro conheceram um grande impulso em seu desenvolvimento a partir da
chegada da Light, que passou a produzir energia elétrica em grande escala por meio das
hidrelétricas construídas naquele início de século.
Até os primeiros anos da década de 1900, as experiências de uso da energia elétrica no Rio de
Janeiro eram esparsas e de pequena capacidade. Data de 1879 a inauguração da iluminação
elétrica da estação ferroviária D. Pedro II, e de 1881 a iluminação da Praça da República, com
apenas 16 lâmpadas5. A partir desse período, algumas poucas companhias de eletricidades
geravam e forneciam pequenas quantidades de energia elétrica, por meio de usinas
termoelétricas, alimentadas a carvão. Com a chegada da Lighr and Power no Rio, em 1904, a
produção e distribuição de energia deram um significativo salto, em função da produção de
energia em usina hidrelétrica.
Com efeito, a expansão e a consolidação do tecido urbano no Rio de Janeiro tiveram forte
influência das redes técnicas instaladas pela Light, com destaque para a modernização e
eletrificação dos bondes que circulavam na cidade. O desenvolvimento urbano decorrente das
ações da companhia foi tratado por mim em outro artigo6, no qual destaco a influência que a
Light and Power exerceu, por meio da eletrificação do sistema de transportes coletivos de
bondes, na urbanização da cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX,
4 Radovan Richta, 1972; Theotônio dos Santos, 1983 e 1987; Milton Santos, 1996; Roberto Santos, 2018. 5 Müller, 2008, p.535. 6 Oliveira, 2013. Trabalho apresentado no Simpósio Internacional Globalización, innovación y construcción de
redes técnicas urbanas em América y Europa – 1900-1930, realizado em Barcelona, em janeiro de 2012, e
posteriormente publicado em coletânea organizada por Horacio Capel e Vicent Casals.
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envolvendo a formação de novos bairros em decorrência da expansão imobiliária e a
mobilidade para áreas que foram incorporadas ao tecido urbano da cidade.
Com essa expansão do tecido urbano, agudizou-se o problema de abastecimento de água e de
saneamento. Em face da inexistência de redes estruturadas na maior parte da cidade,
intensificou-se o processo de periferização e suburbanização das novas áreas que iam sendo
integradas. Mananciais locais e poços, simples e artesianos, eram as formas encontradas para
o abastecimento de água, mas as águas servidas não eram tratadas. Nas áreas centrais da
cidade, o abastecimento era feito a partir do reservatório do Pedregulho, inaugurado em 1877,
próximo ao Centro, com águas captadas no Contraforte da Serra do Mar.
Coube ao Presidente Vargas, no decorrer dos anos 1930, definir estratégia de controle das
águas e da geração de energia para atender aos novos propósitos do projeto de
desenvolvimento, dando consequência ao projeto de industrialização que intensificou a
urbanização no Brasil e em particular na cidade do Rio de Janeiro e sua hinterlândia. Não por
outro motivo foi instituído o Código de Águas, pelo Decreto nº 24.643, em 10 de julho de
1934, que foi o instrumento inicial para tentar regular e estabelecer parâmetros para a
utilização das águas, sendo um de seus objetivos anunciado já nos preâmbulos: “a energia
hidráulica exige medidas que facilitem e garantam seu aproveitamento racional” 7 . A
regulamentação do uso das águas para fins de geração de energia ocupou todo o Livro III do
Decreto, intitulado Forças hidráulicas - Regulamentação da indústria hidroelétrica, do artigo
139 ao 200, de um total de 208 artigos. Importante ressaltar a perspectiva político-estratégica
desse decreto, pois ele delineia o controle do poder público sobre as quedas d’água e fontes
hídricas, bem como estabelece controle sobre as tarifas das concessionárias.
Nesse código havia também uma determinação de que as concessionárias existentes deveriam
solicitar uma revisão dos contratos de concessão, e enquanto isso não ocorresse ficava
impedida qualquer ampliação dos reservatórios. Contudo, essa restrição foi suspensa em
1940, pelo Decreto-lei nº 2.059 8 , que permitiu que a Light promovesse o aumento da
capacidade de armazenamento e, por determinação do Estado, contribuísse com o
abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro.
A rigor, a suspensão da medida deveu-se ao aumento exponencial da demanda de energia para
o setor industrial, que, em São Paulo, aumentou a partir de 1933. No Rio de Janeiro, três
empreendimentos alarmavam o Estado sobre a capacidade de abastecimento por parte da
concessionária: a eletrificação das ferrovias da capital; a construção da histórica estatal
brasileira Fábrica Nacional de Motores (FNM, popularmente conhecida como FêNêMê),
inaugurada em 1942, no município de Duque da Caxias, para fabricar motores para aviões,
caminhões e automóveis, em parceria com a Alfa Romeo Italiana; e, sobretudo, o maior
empreendimento industrial brasileiro na década de 1940, a Companhia Siderúrgica Nacional –
CSN. Diante desse eminente crescimento da demanda, a Light iniciou a expansão da represa
de Ribeirão das Lajes, aumentando em mais 28 metros a barreira de contenção, ampliando em
250% a capacidade de armazenamento de água9.
Assim, consideramos que se inicia uma segunda fase de intervenção da Companhia nas redes
técnicas do processo de urbanização do Rio de Janeiro, que é a de ampliação de seu sistema
para atender às novas demandas de energia e, ao mesmo tempo, sua associação ao sistema de
7 Brasil, 1934. 8 Duncan L. McDowall, 1988, p. 434. 9 McDowall, D., 1988, p. 442.
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abastecimento de água para a cidade e a parte oeste da Região Metropolitana. Assim, a partir
da década de 1940, a Light passa também a atuar no campo de abastecimento de água, como a
provedora de água diretamente de sua represa para os reservatórios da cidade do Rio de
Janeiro, por meio de duas adutoras especialmente construídas para tal fim, e, na década de
1950, por meio da transposição de águas do Rio Paraíba do Sul para alimentar seu próprio
sistema de geração de energia e, após a passagem das águas por suas turbinas, oferecer a água
para a empresa de tratamento e distribuição criada em 1955.
A ênfase deste trabalho, portanto, será identificar esse novo campo de intervenção da empresa
Rio Light, que associa a captação de água para a geração de energia e, simultaneamente, após
seu uso com força motriz nas usinas geradoras, a faz seguir, por meio de adutoras e rios, para
tratamento e abastecimento das cidades. Importante destacar a estrutura das adutoras, que são
visíveis na paisagem, registrando a complexa obra de engenharia civil que garantiu a
espetacular explosão do tecido urbano no Rio de Janeiro.
As redes de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro e sua
Região metropolitana
O abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro começou a ser oficialmente estruturado
em 1723, com a construção do aqueduto que transportava as águas captadas no Morro de
Santa Tereza, situado bem próximo ao sítio histórico da cidade. Suas águas eram distribuídas
por meio de um chafariz no Largo da Carioca, onde a população se abastecia. Hoje em dia, o
chafariz não mais existe, mas o aqueduto tornou- se um ponto turístico na cidade e sobre ele
se instalou uma linha férrea para circulação de bondes que ainda ligam o centro histórico da
cidade ao Morro de Santa Tereza, um bairro intensamente povoado por apresentar ruas
aprazíveis e ser localizado bem próximo ao centro comercial da cidade.
Figura 1. Aqueduto construído em 1723
Fontes: CEDAE, site, 2019.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015.
Destacam-se, nessa fase de urbanização da cidade do Rio de Janeiro, os mananciais de Santa
Tereza, a partir das nascentes de Carioca, Lagoinha e Paineiras. Na medida em que a
urbanização foi se desenvolvendo, foram sendo acrescentadas fontes localizadas nas encostas
dos morros, cuja administração era realizada pela própria população e pelas forças dominantes
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locais, tornando-se base do poder político dos “mandões” 10 da cidade. Acompanhando a
sequência do crescimento da ocupação urbana, verificamos a organização de sistemas locais
de abastecimento de água, seguindo o mesmo modelo do Centro, ou seja, de distribuição por
meio de chafarizes ligados às nascentes. Tivemos, assim, o sistema da Tijuca, com as
nascentes Maracanã, Trapicheiro, São João, Andaraí, Gávea Pequena e Cascatinha; da Gávea,
com as nascentes Chácara da Bica, Piaçava, Cabeça e Macacos (cujo reservatório é ainda hoje
a base de armazenamento para a Zona Sul da cidade); de Jacarepaguá, com as nascentes Rio
Grande, Covanca, Três Rios e Camorim; de Campo Grande, com as nascentes do Mendanha,
Cabuçu, Quininha e Batalha; e, por fim, no estremo oeste da cidade, de Guaratiba, com as
nascentes Andorinha e Taxas. Nessas duas últimas áreas, o poder político se dava pelo
controle das águas, e tornou-se muito conhecido o chamado poder do triângulo, que
representava os três políticos de maior expressão na região.
Somente em 1876, o governo imperial iniciou a construção de redes de abastecimento por
redes de canalização para prédios e domicílios. Para organizar esse sistema, foi construído o
primeiro reservatório público na cidade, no bairro de São Cristovão11. O reservatório começou
a ser construído em 1876, por ordem de Dom Pedro II, e significou um marco na canalização
e regularização do abastecimento de água. As obras foram concluídas somente em 1880, mas
precisou de revisão técnica de engenharia e, por isso, só a partir de 1883 passou a funcionar
como o principal reservatório distribuidor da cidade. Sua alimentação de água, no entanto,
ainda se constituía como o maior problema, pois era ligado por dutos aos mananciais de maior
capacidade de abastecimento localizados no contraforte da Serra do Mar, distante entre 50 e
60 Km do reservatório.
O sistema montado de captação de água para alimentar o reservatório de Pedregulho, ficou
conhecido como Sistema Acari. O primeiro manancial interligado foi o de São Pedro, no
município de Japeri, no ano de 1877, seguido dos mananciais de Rio Douro, em 1880 e
Tinguá, em 1893, no atual município de Nova Iguaçu; Xerém, no ano de 1908, em Duque de
Caxias, e, por fim, o manancial da Mantiqueira, localizado no município de Magé, também
em 1908. Todos esses mananciais estão localizados no Contraforte da Serra do Mar, distantes
entre 50 e 60 km do reservatório, apresentando, à época, um sistema simplificado de captação,
ou seja, água direta da fonte, e, por isso, funcionando em um fluxo intermitente em função das
estações de estiagem, que reduziam a capacidade de abastecimento da cidade. Mesmo assim,
a partir do reservatório do Pedregulho era garantido o fornecimento de água para os bairros da
Zona Sul, por meio da alimentação das subestações de distribuição do Morro de São Bento,
no Centro, e do Morro da Viúva, no bairro do Flamengo, e para a Zona Norte, por meio das
transferências para os sub-reservatórios, como: “reservatório do morro do Livramento (1882);
do França, em Santa Teresa (1883), Caixa Nova, da Tijuca (1883); Engenho de Dentro
(1908); e morro do Costallat, na Ilha de Paquetá (1908)”12.
Esse sistema foi o primeiro estruturado como serviço público e é um dos que funcionam ainda
hoje, contribuindo com 3,8 m³/s, totalizando 7% do abastecimento da cidade13, volume que,
10 Termo usado para representar forças políticas que atuavam como “coronéis urbanos” e impunham seu
controle, muitas vezes por meio do uso de grupos de homens armados, que são conhecidos como jagunços,
milicianos etc, e representam uma força ligada a esses políticos. 11 Importante ressaltar que é o bairro onde se localizava a residência do Imperador, para onde se expandia o
tecido urbano da cidade e onde se daria a localização da sua primeira zona industrial. 12 Ana Brito. e Suyá Quintslr, 2017, p. 145. 13 Cedae, 2015. Engenheiro Edes de Oliveira, 2015.
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no entanto, é completamente insuficiente para atender a demanda crescente na cidade do Rio
de Janeiro.
A falta de regulação dos serviços públicos e de políticas de desenvolvimento econômico e
social no país, nas primeiras décadas do século XX, fez como que a cidade seguisse apenas
com esse sistema público até o ano de 1940. Consequentemente, nos primeiros anos do século
XX, no Rio de Janeiro, predominava o que ficou conhecido pejorativamente como a “política
da bica d’água”, pois, na ausência de serviços públicos, o abastecimento nas áreas centrais era
realizado de forma extremante precário. Além disso, na periferia, o controle das nascentes
identificadas linhas acima se constituía fonte de poder político. A Figura 2, a seguir, ilustra o
sistema Acari, que interliga as nascentes ao reservatório do pedregulho.
Figura 2. Sistema Acari de abastecimento de água com captação nas nascentes
Fonte: CEDAE, 2015.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015
O sistema Ribeirão das Lajes, Pedregulho: o primeiro passo para a associação das redes
técnicas de energia e água
A proposta deste artigo é justamente mostrar a conjugação dessas duas redes técnicas,
ressaltando a forte influência que a Light desempenhou na constituição dessas redes. Na
literatura corrente, no Brasil, essa associação é muito pouco desenvolvida, e a participação da
Light no sistema de abastecimento de água não é destacada. Mas é inegável o fato de que 91%
de toda a água que chega às torneiras da cidade do Rio de Janeiro e a da maior parte da
Região Oeste do espaço metropolitano, passa pelas turbinas da Light, nos dois sistemas de
represamento produzidos para geração de energia. Tal fato nos permite defender a tese de que
a Light participou efetivamente também dessa rede e, em grande medida, é reguladora desses
sistemas, pois qualquer redução do sistema de geração de energia pode significar o
comprometimento do abastecimento de água na cidade, uma vez que as águas estão contidas
nos reservatórios da Light. Por outro lado, é interessante ressaltar os efeitos ambientais
negativos provocados pelo represamento de Ribeirão das Lages e pela transposição das águas
do Rio Paraíba do Sul, para a formação da Represa do Vigário, para revelar os interesses por
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parte do Estado brasileiro em ampliar a geração de energia, e dos governos do estado e da
cidade do Rio de Janeiro em ampliar a captação para alimentar o sistema de abastecimento de
água das cidades. Analisaremos esses aspectos mais adiante.
As obras de construção (1904) e expansão (1940) da Represa de Ribeirão das Lages para o
abastecimento das adutoras
A primeira experiência de construção de uma grande represa, no Brasil, foi realizada pela
Light no estado de São Paulo, em Parnaíba, distante cerca de 36 Km dessa cidade, represando
as águas do Rio Tiête14. Para McDowall, essa foi a primeira grande obra de engenharia no
Brasil que mobilizou milhares de trabalhadores, consistindo em uma primeira grande
experiência na construção desse tipo empreendimento no país. Com a consolidação da
empresa em São Paulo, e o desenvolvimento do projeto de renovação urbana promovido pelo
prefeito Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro, a Light passou, a partir de 1904, a atuar
também no Rio. Para que seu empreendimento tivesse êxito, o primeiro movimento da
Companhia na cidade foi a disputa, com o engenheiro Willian Reid – que identificou o
potencial hidrelétrico no planalto da Serra do Mar, na região de Ribeirão, na Serra do Piloto –
e com a Companhia Nacional de Eletricidade – que recebeu por transferência os direitos
concessionários do Engenheiro Willian –, da concessão para construir a represa de Ribeirão
das Lajes15. Tal fato se devia à estratégia da LIGHT em associar produção e distribuição de
energia, como fator de domínio de mercado, uma vez que a energia hidroelétrica reduzia o
custo de produção e garantia uma vantagem sobre qualquer outro concorrente. Vencida a
disputa com outras empresas, e obtida a concessão junto ao governo do estado, a Light passa a
se dedicar a construir o que veio a ser sua principal base para dominar esse novo mercado.
A represa começou a ser construída em 1905 e passou a transmitir energia em maio de 1907,
com as seguintes características:
uma represa curva, com 35 metros de altura, solidamente afixada no granito, bloquearia o
fluxo do Ribeirão das Lajes à medida que essa corresse ao redor do sopé de um pequeno
morro íngreme, criando assim um reservatório com capacidade de 204 milhões de metros
cúbicos. Um túnel seria perfurado através da escarpa para retirar água do reservatório e levá-
la por duas tubulações de 1.800 metros para a casa de máquinas no vale vizinho. A queda de
água efetiva seria de 312 metros16.
Oficialmente, a inauguração só ocorreu no ano seguinte, em 1908, com a instalação de 2
geradores na usina de Fontes e, mais tarde, com o acréscimo de mais 4 geradores na usina de
Fontes Nova. Tal estrutura seguiu funcionando até 1939, quando o novo modelo de
crescimento industrial do governo Getúlio Vargas passa a demandar um volume de energia
exponencialmente maior do que vinha sendo produzido. Estava em curso, no Brasil, o projeto
de expansão industrial e urbana, e a produção e ampliação das redes técnicas voltam a ser o
aspecto estratégico para o êxito desse crescimento.
Em 1940, o Governo Vargas promove uma revisão do Código de Águas de 1934 e autoriza a
ampliação das represas no Brasil. No Rio de Janeiro, essa autorização foi determinada
principalmente pelo fato de que a CSN começava a ser construída em 1942, no Distrito de
14 McDowall, D. 1988: 110. 15 McDowall, D. 1988: 173. 16 McDowall, D. 1988: 193
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Volta Redonda, no município de Barra Mansa, vizinho ao município de Piraí, onde se localiza
a represa da Ligth. Concretamente, a CSN, que se tornou a maior consumidora individual de
energia elétrica no estado, foi o que obrigou Getúlio Vargas a autorizar a ampliação da
represa. A importância dessa ampliação foi tão significativa, que o Governo promoveu o
destombamento histórico da cidade de São João Marcos, para que a cidade fosse inundada
pelas águas da “nova” represa. A barragem foi aumentada de 35 para 58 metros de altura, para
ampliar a capacidade de armazenamento e garantir o adequado fluxo de água nas usinas
durante os períodos de seca.
Figuras 3, 4 e 5. Barragem da represa de Ribeirão das Lajes, no Município de Piraí
Fonte: Fotos do autor, 2005.
O registro das consequências da ampliação da barragem – que inundou a Cidade de São João
Marcos, mesmo sendo esta uma rica cidade histórica, fundada em 1737 e sede das principais
fazendas de café da região, que chegou a ter uma população residente de aproximadamente 20
mil habitantes – é importante por revelar a atenção que o governo Vargas dava às
necessidades de energia para atender à CSN. Sob a ameaça de inundação por conta da
ampliação da represa, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
tombou a cidade, em 1939, mas, logo a seguir, Vargas assina o decreto de destombamento
para permitir sua submersão.
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O objetivo maior da ampliação foi o fornecimento de energia para a CSN, que foi regulado
por meio de contrato particular de venda e significou um negócio extraordinário para a Light,
por fornecimento exclusivo e com tarifas rejustadas. A contrapartida ao estado, no entanto, foi
a associação da represa ao sistema de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro,
então, Distrito Federal do Brasil, por meio da construção das adutoras interligando a represa
ao reservatório do Pedregulho. A emergência dessa obra era imensa, pois a população da
cidade do Rio de Janeiro, naquele ano, já atingia 1.764.141 habitantes 17 e era suprida de água
por um sistema cuja última ampliação ocorrera em 1908, quando a população residente era de
975.812 habitantes18.
Essa proposta, a rigor, já era prevista desde o início da década de 1930, quando,
em estudo [...] intitulado “Novas diretrizes para o reforço do abastecimento de água do Rio
de Janeiro”, Henrique de Novaes já abordava, dentre outros pontos, a “innoportunidade dos
projectos menores”; a possibilidade do uso do Paraíba do Sul e de Ribeirão das Lages; e a
determinação aproximada dos índices de custo relativo dos diversos projetos19.
Vale destacar que o lago formado pela represa capta águas diretamente nas fontes da Serra do
Piloto e dos morros localizados no planalto da Serra do Mar. São águas não poluídas por
nenhum tipo de uso e seus canais não passam por cidades ou vilas, principalmente após a
evacuação da cidade de São João Marcos. Aliás, sem margem para dúvidas, a submersão da
cidade, a rigor, não era necessária, pois as águas nunca chegaram a ocupar suas ruas. Porém,
sua destruição permitiu manter o reservatório sem qualquer interferência humana
significativa.
Contudo, como já assinalamos linhas acima, o Governo Getúlio Vargas, mesmo
administrando o país a partir da cidade do Rio de Janeiro, que era considerada Distrito
Federal, capital do país, tinha como prioridade a questão energética e, quando foi instituído o
Código de Águas, verifica-se que a prioridade não era o abastecimento de água, mas sim a
geração de energia. Por isso, o uso dos reservatórios estava sujeito às determinações das
normas federais, que restringiam, por exemplo, a ampliação dos reservatórios em todo o país
sem expressa autorização do governo da União.
Mas o cenário se altera consistentemente com a necessidade de aumento da produção de
energia para atender à demanda industrial e para a eletrificação dos trens que circulavam na
cidade do Rio de Janeiro. Como vimos, a prioridade de Getúlio Vargas era o controle das
águas para a produção de energia e, por isso, somente na década de 1940, enfim, foi
autorizada a ampliação da represa de Ribeirão das Lages e, ainda nessa mesma década, em
1945, também foi autorizada a transposição do Rio Paraíba do Sul para alimentar o sistema
Rio Light, por meio do Decreto n.º 7.542, de 11 de maio de 194520, ainda no Governo de
Getúlio Vargas. Mas as obras de transposição das águas do Paraíba do Sul só começaram em
1952, já no segundo período de Getúlio Vargas na presidência do Brasil, para alimentar o
segundo sistema de represamento e geração de energia da Light. Ressaltamos, com isso, que
consideramos que foi o interesse energético que viabilizou a oferta de água para o
abastecimento da cidade do Rio de Janeiro.
17 IBGE, 2010 18 IBGE, 2019 19 Ana Brito, A. e Quinstslr, S (2017: 145) 20 Oliveira, 2015.
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Assim, nessa primeira fase, foi determinado, no acordo de permissão para a ampliação, que
uma parte das águas utilizadas na geração de energia na usina de Fontes – a mais antiga,
ilustrada na Figura 6 – seria segregada e dirigida por um canal específico até o ponto de
canalização e bombeamento nas adutoras contratadas, que levariam água da represa
diretamente ao reservatório de Pedregulho, no bairro de São Cristovão, na cidade do Rio de
Janeiro. Na Figura 6, podemos observar, no sopé do morro, no lado direito do canal de
escoamento do rio, a tubulação que segrega a água passada pela usina geradora e a faz seguir
até uma estação de bombeamento localizada logo abaixo da casa de geradores de Fontes,
situada à jusante da usina. Essa água não se mistura com as águas da transposição do Rio
Paraíba do Sul, que chegam às usinas com alta carga de poluição industrial, devido às
atividades indústrias situadas à montante do ponto de transposição.
Figuras 6 e 7. Usinas Fontes (prédio menor à esquerda) e Fontes Nova (prédio maior) e, margeando a
encosta, tubulação das adutoras I e II
Fontes: Figura 6: Foto do autor (2005)
Figura 7: Foto Light, site.
A primeira adutora foi construída logo após a autorização presidencial e inaugurada em 1940,
ampliando o abastecimento em 210 milhões de litros por dia, com uma vazão de 2,4 m³/s, o
que, de imediato, representou um acréscimo de 63% de volume de água fornecida à cidade do
Rio, já que, como vimos anteriormente, o sistema Acari possuía uma vazão total de 3,8 m³/s.
A segunda adutora, contudo, sofreu um grande atraso em sua realização, só sendo concluída
no ano de 1949, proporcionando outro acréscimo significativo, da ordem de 220 milhões de
litros diários, por meio da vazão de 2,55 m³/s. Com esse reforço, e considerando-se os vários
ajustes nos sistemas de adução, as duas adutoras representaram um acrescimento de 144,7%
no abastecimento existente no final da década de 1930. Uma terceira adutora estava nos
planos de expansão dos serviços, mas não chegou a ser efetivada, pois, com o crescimento da
urbanização e da produção industrial na cidade e no estado, a capacidade extra de adução já
não seria expressiva e pouco contribuiria para atender a crescente demanda por água na
cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, já havia o decreto de transposição das águas do Rio
Paraíba do Sul para o sistema da geração de energia da Light, de 1945, que, se posto em
prática, representaria uma solução mais duradoura. Para termos uma visão geral de como era
estruturado o sistema de abastecimento de água na cidade em 1950, apresentamos, por meio
da Figura 8, o conjunto dos dois sistemas então existentes.
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La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
Figura 8. Sistema Acari, águas captadas em mananciais, e sistema Ribeirão das Lages, águas captadas na
represa
Fonte: CEDAE, 2015.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015
É importante lembrar que o processo de urbanização da cidade e o de expansão da região
metropolitana passam a crescer em ritmo muito elevado a partir dos anos 1950, em face do
dinamismo industrial que produziu intensa concentração na Região Sudeste do Brasil. Não só
a cidade do Rio de Janeiro cresce nesse processo de urbanização e de forte movimento
migratório no Brasil. Cresce, sobretudo, o entorno metropolitano, que se consolida como área
urbana, estimulada tanto pela ampliação dos sistemas viários, como pela abertura da Avenida
Brasil, quanto, ainda, pela eletrificação dos trens urbanos. E tal crescimento clama por
soluções mais definitivas para o abastecimento de água para as cidades. Vale registrar que a
população residente na cidade do Rio de Janeiro atinge 2.377.451 habitantes em 1950 – um
crescimento de 34% em relação ao ano de 1940, e o surpreendente índice de 39,1% entre os
anos de 1950 e 1960. Somadas a esse crescimento, a consolidação da urbanização na Baixada
Fluminense, a parte oeste da região metropolitana, e a expansão da parte leste da Bahia de
Guanabara, a partir da cidade de Niterói, o crescimento populacional e o número de atividades
industriais exigia um sistema de abastecimento mais planejado.
As medidas determinadas para isto foram: (i) estimular a Light a realizar a transposição das
águas do Rio Paraíba do Sul, que corta o estado do Rio de Janeiro no vale homônimo,
formado pela vertente do interior da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira; e (ii) criar uma
empresa pública de abastecimento e saneamento básico do estado para administrar a
construção do sistema Guandu de tratamento e distribuição de água. Mais uma vez, fica
evidente que as soluções propostas estão associadas a um velho projeto de ampliação do
sistema de geração de energia. A solução de transposição para o sistema de produção elétrica,
no entanto, significou uma verdadeira devastação ambiental, pois a Light não admitiu a
transposição de apenas 50 m³/s, como era defendido pelo Clube de Engenharia do Rio de
Janeiro, para evitar uma redução do fluxo de água que prejudicasse os usos e capacidade de
navegação no Rio. A Light inaugurou o sistema transpondo 160 m³/s, para garantir a
formação de uma segunda represa para a alimentação das usinas Nilo Peçanha e Pereira
Passos. Essa autorização, além dos danos ambientais, gerou desapropriações de imensas
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áreas, tornadas de utilidade pública, que acabaram por constituir o maior latifúndio existente
no estado do Rio de Janeiro, que pertence à empresa Rio Light.
A transposição das águas do Paraíba do Sul e a ETA Guandu
A transposição das águas do Paraíba do Sul para fins de abastecimento de água na cidade do
Rio de Janeiro poderia ser feita por meio de um sistema de transposição via adutora direta
para ampliar a vazão do Rio Guadu em pelo menos 50 m³/s, de forma que as águas
alimentassem a usina de tratamento batizada de Estação de Tratamento de Água do Guandu
(ETA Guandu). Mas, o governo federal concedeu a autorização à Light para realizar a
transposição de maior volume e, com isso, antes das águas chegarem à ETA Guandu,
alimentariam as duas novas usinas geradoras de energia, a Usina de Nilo Peçanha (1952) e a
Usina Pereira Passos (1962).
Esse sistema entra em funcionamento em 1952, com o fechamento do canal por onde o Rio
Piraí desaguava no Rio Paraíba do Sul. Com isso, institui-se o represamento do Rio Piraí e,
por meio da transposição de águas do Paraíba do Sul, uma ampliação do seu volume de águas
para a “nova” represa que surgia com o fechamento do canal. Essa “nova” represa, então,
passa a receber contribuições de águas tanto das nascentes do Rio Piraí, no município de Rio
Claro, localizado na Serra do Mar, quanto da transposição das águas do Paraíba do Sul. As
águas dessa nova represa são bombeadas pela Estação Elevatória de Vigário, no centro da
cidade de Piraí, para os lagos artificiais que levam as águas dessa represa ao ponto de
adutoração da Usina Nilo Peçanha, construída junto das usinas Fontes e Fontes Nova.
Nesse sistema, 160m3/seg. das águas do rio são desviados pela Usina Elevatória de Santa
Cecília, para o Reservatório de Santana, no rio Piraí, e, posteriormente, através de novo
bombeamento, na Usina Elevatória de Vigário, para o Reservatório de Vigário. Deste último,
após já terem ultrapassado a Serra do Mar, as águas descem através de condutos, por
gravidade, indo alimentar as três hidrelétricas (Nilo Peçanha, Fontes e Pereira Passos) e, a
seguir, a tomada de água da Estação de Tratamento de Água do Guandu21.
Esse novo reservatório, é importante frisar, não mistura suas águas às da Represa de Ribeirão
das Lages, preservando-se a pureza da água nesta última, que abastece as adutoras I e II que
alimentam o reservatório de Pedregulho, em São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. As
águas transpostas que alimentam a Represa de Vigário, no entanto, são bastante poluídas, por
atravessarem importantes áreas industriais em São Paulo e no Rio de Janeiro, passando
inclusive no entorno da CSN. Por isso, a necessidade de tratamento e, por conseguinte, a
criação do sistema Guandu.
Outro aspecto que deve ser destacado é que a Light procurou um aproveitamento máximo
dessa autorização para a transposição das águas. O principal uso das águas do Reservatório de
Vigário é para a geração de energia na Usina Nilo Peçanha. Essa usina é totalmente
subterrânea e foi construída em uma caverna escavada na rocha na base da Serra do Mar, no
mesmo sítio onde estão localizadas as usinas de Fontes e Fontes Nova (mostradas nas figuras
6 e 7). A usina possui quatro andares subterrâneos e mede 32 metros de profundidade, o que
equivale a um prédio normal de 10 andares. A usina possui seis geradores movidos por um
21 Prefeitura Municipal de Barra do Piraí, site oficial.
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volume aproximado de 140 mil litros de água por segundo, em uma tubulação que desce por
cerca de 200 metros do alto da encosta até os geradores.
Trata-se, portanto, do principal sistema da Companhia e foi projetado para um consumo
significativo de água, só possível conjugando-se os dois fatores que alimentam esse
empreendimento: o fluxo de água contínuo obtido com a transposição, e a declividade no
ponto de adução da água para mover as turbinas. As águas da Represa do Vigário, portanto,
passaram a ser a base para a movimentação de todo o sistema de usinas existente no sítio
original de geração de energia da Light, ou seja, o prédio da Usina de Fontes Nova, que
aparece na Figura 6, e na usina localizada na caverna que não é visível na foto. As águas da
primeira represa, a de Ribeirão das Lajes, hoje, só movimenta um dos geradores da usina de
Fontes Nova, justamente para alimentar as adutoras I e II.
As águas utilizadas nesse primeiro estágio continuarão represadas a jusante desse ponto,
formando um terceiro reservatório da Light, a represa de Ponte Coberta, para armazenar as
águas já utilizadas na usina de Pereira Passos. Essa foi a última usina produzida pela Light,
em 1962, e que completa o sistema de geração de energia nesse complexo que é associado ao
abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro.
Após a passagem pela usina Pereira Passos, as águas passam a formar o Rio Guandu, e serão
captadas e tratadas na ETA Guandu. A Figura 9 apresenta um panorama geral de todo o
sistema de abastecimento da Cidade do Rio de Janeiro e de parte da Região Metropolitana no
estado.
Figura 9. Representação dos três sistemas de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro: sistema
Acari, sistema Ribeirão das Lages e Sistema Guandu
Fonte: CEDAE, 2015.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015.
A partir da liberação das águas pela Light é que o sistema de captação e tratamento de água
para abastecimento entra em operação. A ETA Guandu foi inaugurada em 1955, no município
de Nova Iguaçu, localizado na parte Oeste da Região Metropolitana, e é considerada a maior
estação de tratamento de água do mundo em produção contínua. Sua construção, próxima ao
leito do Rio Guandu e fora da área urbanizada, permitiu a formação de um grande lago de
armazenamento, que é alimentado diuturnamente pelas águas que vêm das usinas de geração
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La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
de energia. Como é uma estação situada a cerca de 50 Km do reservatório dos Macacos, que é
o reservatório final de recepção das águas tratadas, situado no bairro do Leblon, na cidade do
Rio de Janeiro, foi necessária uma estrutura de adução extraordinária das águas.
Evidentemente, ao longo do trajeto, foram sendo construídas subestações de distribuição para
os pontos intermediários. Mas resalta na paisagem a grandiosidade dessa adutora, considerada
uma grande obra de engenharia.
A ETA Guandu é um sistema complexo e revela o amadurecimento da indústria química e de
engenharia no país. Trata-se de uma estação com capacidade de tratamento e adução de
45.000 mil litros por segundo e que fornece diariamente um volume de 3,6 bilhões de litros de
água tratada a mais de 10 municípios na cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro.
Figura 10. ETA Guandu e informações básicas do sistema
Fonte: CEDAE, 2015.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015
Após sua inauguração, e tendo em vista o volume de água produzida e distribuída, a obra
estabeleceu um marco no desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro, baseando em uma só
unidade mais de 91% de toda a água distribuída a uma população, atualmente, de 7 milhões
de pessoas. Atualmente, a cidade e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro são abastecidas
pelos três sistemas apresentados anteriormente, assim distribuídos: Sistema Guandu, com
distribuição a partir de subestações e do reservatório dos Macacos, com 81% do
abastecimento e vazão de 45 m³/s; o sistema Ribeirão das Lages, a partir das adutoras I e II,
que interliga a represa de Ribeirão ao reservatório de Pedregulho, fornecendo 10% das águas,
com vazão de 5,5 m³/s; o sistema Acari, que capta águas das nascentes no Contraforte da
Serra do Mar e é responsável por abastecer 7% do consumo total, com vazão de 3.3 m³/s. Por
fim, segundo os dados da Cedae, ainda há pelo menos 2% do abastecimento suprido por
pequenos mananciais locais na cidade do Rio de Janeiro, com uma vazão média de 1 m³/s do
consumo 22.
A distribuição de água dos sistemas Acari e Ribeirão das Lages é feita por meio de adutoras
simples, estruturadas por dutos enterrados, visíveis apenas em alguns pontos dos trajetos. Mas
a distribuição das águas do Sistema Guadu exigiu uma complexa obra de adução, por meio de
túneis e pontes que atravessam a cidade. O primeiro trecho da distribuição é realizado em um
22 CEDAE, 2015.
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La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
túnel pressurizado que liga a ETA Guandu ao reservatório de Lameirão, no bairro de
Santíssimo, na Zona Oeste da cidade, onde há uma estação bombeadora que impulsiona a
água tratada por mais 35 Km, sobre pontes que ligam a estação ao reservatório dos Macacos,
no ponto mais à leste da cidade do Rio de Janeiro. As figuras 11, 12 e 13 mostram o trajeto da
linha de adução entre a ETA Guandu e o reservatório dos macacos, mostrando a dimensão das
estruturas produzidas para essa adução.
Figuras 11, 12 e 13. Traçado dos túneis pressurizados e dos canais de adução das águas da ETA-Guandu e
imagens internas dos túneis
Fonte: CEDAE, 2015.
CEDAE, Sistema Guandu, Eng. Edes Fernandes de Oliveira, 2015
Toda essa estrutura foi construída nos anos 1950 e um sistema com essas dimensões é visível
na paisagem em vários pontos da cidade. Curiosamente, para finalizar esta exposição, não
poderia deixar de registrar que durante a execução das obras o governador da época, Sr.
Carlos Lacerda, marcou sua gestão com a disseminação da imagem de um governo realizador
de grandes obras, agindo como os “mandões” controladores das bicas d’águas, ignorando (ou
escondendo) o fato de que essa obra foi a resultante de uma histórica riquíssima de sentido e
de realizações que teve início nos primeiros anos do século. É a própria história da
modernização das estruturas e das forças produtivas no Rio de Janeiro, capturadas
ferozmente, com frequência, pelas forças conservadoras.
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La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
Considerações finais
Duas questões orientaram a elaboração deste texto: (i) a convicção de que a história da
produção das redes técnicas de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro, e
posteriormente na Região Metropolitana do estado, é diretamente vinculada à produção de
energia elétrica, pois a companhia de eletricidade é que recebeu as concessões que lhe confere
o controle sobre o fluxo das águas que abastecem 91% dessa área; e, (ii) a modernização da
estrutura e das forças produtivas no estado, a partir do final do século XIX e início do XX,
ocorreu por meio da incorporação da matriz energética, que permitiu a modernização das
redes técnicas fundamentais que sustentam o desenvolvimento urbano contemporâneo.
O primeiro aspecto se destaca pelo fato de que todas as discussões e soluções encontradas por
parte da administração publica da cidade do Rio de Janeiro, para ampliar o abastecimento de
água na cidade, a rigor, dependiam da política de concessões de ampliação de barragens e
transposição de água para a produção de energia. Isso porque era a companhia de eletricidade,
a Rio Light, que tinha o controle do maior reservatório de água doce no estado e, portanto,
evidente interesse em ampliar seus sistemas com a transposição de água do Rio Paraíba do
Sul diretamente para suas usinas. A empresa, por isso, era parte da geração do problema, pois
contribuiu expressivamente para a “explosão” 23 do tecido urbano da cidade do Rio de Janeiro
no início do século. E, ao mesmo tempo, era portador da solução em termos de ampliação da
vazão de água nas proximidades da cidade, tanto para a adução direta dos reservatórios,
quanto para aumentar o fluxo para alimentar e empresa de tratamento de água, criada e
estabelecida à jusante das usinas de geração de energia.
A importância da eletricidade como rede técnica essencial em países periféricos também se
evidencia neste trabalho. A chamada revolução técnico-científica, mencionada no corpo do
texto, representou uma importante alteração dos padrões produtivos e uma significativa
mudança na composição orgânica das forças produtivas, que modificaram as matrizes
energéticas até então dominantes. Em países periféricos, no entanto, o petróleo e seus
derivados em termos combustíveis e petroquímicos, bem como a incorporação imediata de
motores à combustão e outros segmentos industriais que começam a despontar no início do
século, não produzem efeitos diretos em nossa economia. Mas a incorporação da energia
elétrica, uma das manifestações mais avançadas em todos os países em termos de inovações
científicas, chega ao Brasil no mesmo período.
A modernização dos sistemas de transportes urbanos, a eletrificação de indústrias, prédios e
residências, e a incorporação de grandes obras de engenharia começam a criar elementos
capazes de produzir certo dinamismo na estrutura urbana e estimular usos dessa “nova” matriz
em estruturas produtivas24. Evidentemente, outros fatores foram determinantes, mas, para nós,
é inegável que a revolução técnico-científica no Brasil teve início com a produção em larga
escala da energia elétrica. E o papel da Light and Power nesse processo é sem dúvida
destacado.
23 Henry Lefebvre, 1978. No livro o Direito á cidade Lefebvre analisa os fatores que induzem o intenso
movimento de expansão urbana no período capitalista industrial. 24 Alexandre Saes, 2015.
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La electricidad y la transformación de la vida urbana y social, 2019, p. 175-192
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