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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL COMO ELEMENTO DETERMINANTE DO SISTEMA
PROCESSUAL
DAYANA VOLPATO
Itajaí, junho de 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL COMO ELEMENTO DETERMINANTE DO SISTEMA
PROCESSUAL
DAYANA VOLPATO
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Mdo. Fabiano Oldoni
Itajaí, junho de 2010.
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus pela vida, por tudo.
Agradeço as minhas amigas Néguia Pereira e Thais Gonzaga dos Santos, as quais tive a alegria de conhecê-las ainda no início dessa caminhada,
pois nesse período aprendemos, nos divertimos muito e conseguimos!
Agradeço, também, ao professor orientador Fabiano Oldoni em reconhecimento a sua imensa
contribuição, além do incentivo e atenção dispensados em toda essa trajetória.
Enfim, agradeço a todos vocês que compartilharam meus ideais e me amaram o
suficiente para compreender minha ausência e aplaudir esta vitória, minha profunda gratidão.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais que contribuíram muito para que eu chegasse até
aqui.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 08 junho de 2010.
DAYANA VOLPATO Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Dayana Volpato, sob o título A
gestão da prova no processo penal como elemento determinante do sistema
processual, foi submetida em 08 de junho de 2010 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Mdo. Fabiano Oldoni, orientador, Msc.
Rogério Ristow, examinador, e aprovada com a nota 10 (dez).
Itajaí, 08 junho de 2010.
Mdo. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca
Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Elemento determinante
São partes integrantes de um sistema processual que de forma isolada ou
conjunta caracterizam um sistema.
Gestão da prova
É quem tem o poder/dever de produzir a prova. Se a gestão da prova se
encontrar nas mãos do julgador o sistema é o inquisitório e quando estiver nas
mãos das partes funda o sistema acusatório.1
Fase probatória
‘’[...] se define como o conjunto de atos processuais que têm por objeto recolher
as provas com que deve ser decidido o litígio’’.2
Processo
‘’[...] é um encadeamento de atos conexos que se vão sucedendo, desde a
dedução da pretensão até a decisão definitiva com trânsito em julgado. Tais atos,
entretanto, obedecem a uma ordem preestabelecida por lei, de molde a assegurar
‘uma resolução justa do conflito’’’.3
1 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do processo penal
brasileiro. Revista de Estudos Criminais . Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01, 2001. 2 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed.. Campinas:
Millennium, 2000. v. II p. 326. 3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.
IV. p. 20.
vii
Processo Penal
‘’É um conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos),
submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter
penal’’.4
Prova
‘’[...] conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados
a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um
fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e
qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de
comprovar a verdade de uma alegação’’.5
Sistema Processual
É ‘’[...] onde as regras jurídicas são focalizadas à luz das finalidades e objetivos
do próprio processo [...]’’.6
4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 9. 5 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 282. 6 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas:
Millennium, 2000. v. I. p. 61.
viii
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................ X
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ........................................ .............................................. 3
HISTÓRIA DO PROCESSO PENAL ........................ .......................... 3
1.1 O JUS PUNIENDI ............................................................................................. 3
1.2 O PROCESSO PENAL NA GRÉCIA .................... ............................................ 6
1.3 O PROCESSO PENAL EM ROMA ...................... ............................................. 8
1.4 PROCESSO PENAL GERMÂNICO ...................... ......................................... 10
1.5 PROCESSO PENAL CANÔNICO ....................... ........................................... 12
1.6 CONCEITO DE PROCESSO PENAL .................... ......................................... 14
1.7 AUTONOMIA E INSTRUMENTALIDADE DO DIREITO PROCES SUAL PENAL ............................................. ..................................................................... 15
1.8 PROCESSO PENAL A SERVIÇO DE QUEM .............. .................................. 17
CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 20
DA PROVA NO PROCESSO PENAL......................... ...................... 20
2.1 CONCEITO E OBJETIVOS .......................... .................................................. 20
2.2 ESPÉCIES DE PROVAS ................................................................................ 23 2.2.1 Do exame do corpo de delito e das perícias em geral ............................ 24 2.2.2 Do interrogatório do acusado e da confissão . ........................................ 27 2.2.3 Das perguntas ao ofendido e testemunhas ..... ........................................ 33 2.2.4 Do reconhecimento de pessoas e coisas ....... ......................................... 37 2.2.5 Da acareação ................................ .............................................................. 39 2.2.6 Dos documentos .............................. .......................................................... 40 2.2.7 Dos indícios ................................ ................................................................ 42 2.2.8 Da busca e apreensão ........................ ....................................................... 43
2.3 PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS .................. .............................................. 45
CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................ 49
O PROCESSO PENAL BRASILEIRO E O SISTEMA INQUISITIVO 49
ix
3.1 SISTEMA INQUISITIVO .................................................................................. 49
3.2 SISTEMA ACUSATÓRIO ............................ ................................................... 50
3.3 SISTEMA MISTO ............................................................................................ 52
3.4 A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO .................. 53
3.5 A GESTÃO DA PROVA COMO ELEMENTO DETERMINANTE DO SISTEMA PROCESSUAL ........................................ ............................................................. 59
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 72
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ..................... 79
RESUMO
Ocorrendo a prática de um ilícito penal, surge para o Estado
a obrigação de aplicar uma sanção correspondente à norma transgredida pelo
indivíduo. Para tanto, nasce o Código de Processo Penal que nada mais é do que
um conjunto de atos concatenados que têm como objetivo compor as lides
penais. Embora considerado uma ciência autônoma não se pode negar o caráter
instrumental deste direito, porquanto constitui um meio para fazer atuar o direito
material. Assim, para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal
e aplique sanção a uma pessoa, necessário que tenha certeza da ocorrência de
um delito e de que seja ela a autora. Para isso, ele deve se convencer da
materialidade e autoria do crime e, para gerar essa convicção, indispensável que
as partes produzam provas. O Código de Processo Penal, de forma
exemplificativa, enumera alguns tipos de prova: exame de corpo de delito e
perícias em geral; interrogatório do acusado e confissão; perguntas ao ofendido e
testemunhas; reconhecimento de pessoas e coisas; acareação; documentos;
indícios e busca e apreensão. Quando essas provas violam o direito material ou
processual podem ser consideradas ilícitas e ilegítimas, respectivamente.
Conforme ensinamento da doutrina tradicional, existem três sistemas processuais
utilizados na evolução do direito: sistema inquisitivo; sistema acusatório e sistema
misto, cada qual com suas peculiaridades. Para a doutrina tradicional o sistema
acusatório é o que vige no Código de Processo Penal, porém, segundo a doutrina
diferenciada, o sistema que define o Código de Processo Penal é o sistema
inquisitivo, uma vez que a gestão da prova também está nas mãos do magistrado,
bastando analisar alguns artigos dispostos nesse código sobre a atuação ex
officio do juiz. Dessa forma, concluiu-se o presente trabalho afirmando que o
Código de Processo Penal está formado sobre os pilares do sistema inquisitivo.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto explicar os três
sistemas processuais utilizados na evolução histórica do direito, bem como a
gestão da prova no processo penal brasileiro visando demonstrar se a gestão da
prova é o elemento determinante do sistema processual.
O seu objetivo é demonstrar se o Código de Processo Penal
Brasileiro adota o sistema inquisitivo ou acusatório para gerir a prova.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, com a história do
Processo Penal, iniciando-se com o jus puniendi, origem do Processo Penal na
Grécia, em Roma, Germânico e Canônico. Em seguida, passa-se a conceituar o
Processo Penal, sua autonomia e instrumentalidade e, por fim, realizar-se-á breve
análise a serviço de quem está o processo penal.
No Capítulo 2, tratando da prova no processo penal, serão
definidos o conceito e objetivos do processo penal, abordando-se as espécies de
provas elencadas no Código de Processo Penal e diferenciando-se provas ilícitas
e ilegítimas.
No Capítulo 3, tratando do processo penal brasileiro e do
sistema inquisitivo, serão abordados os três sistemas processuais utilizados na
evolução histórica do direito, bem como a gestão da prova no processo penal
brasileiro e a gestão da prova como elemento determinante do sistema
processual.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a gestão da prova no Processo Penal como elemento determinante do
sistema processual.
2
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
� O que determina o sistema processual penal é a gestão
da prova.
� O Código de Processo Penal brasileiro adota o sistema
acusatório.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação7 foi utilizado o Método Indutivo8, na Fase de Tratamento de
Dados o Método Cartesiano9, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente10, da Categoria11, do Conceito Operacional12 e da
Pesquisa Bibliográfica13.
7 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
8 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104.
9 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
10 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62.
11 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31.
12 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45.
13 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 239.
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DO PROCESSO PENAL
1.1 O JUS PUNIENDI
O jus puniendi nasce com a finalidade de punir os cidadãos
que infringirem dispositivo de lei.14
Assim, com a prática de um ilícito penal, considerando que
‘’Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por
meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente
impossível’’15, surge para ele o dever de aplicar uma sanção correspondente ao
cidadão que transgredir a regra imposta.
Júlio Fabbrini Mirabete16 define o jus puniendi como sendo
um direito penal em sentido subjetivo, uma vez que tem como função punir os
indivíduos que não respeitarem o conjunto de normas que descrevem os delitos e
estabelecem as sanções, o qual classifica este último como sendo um direito
penal, em sentido objetivo.
Na mesma linha, colhe-se dos ensinamentos de Fernando
da Costa Tourinho Filho17:
O jus puniendi pertence, pois, ao Estado, como uma das expressões mais características da sua soberania. [...] Quando o Estado, por meio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal, surge para ele o jus puniendi num plano abstrato e, para o particular, surge o dever de abster-se de realizar a conduta punível. Todavia, no
14 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 2. 15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 4. 17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v.
I. p. 12.
4
instante em que alguém realiza a conduta proibida pela norma penal, aquele jus puniendi desde do plano abstrato para o concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida.
Determinados bens ou interesses tutelados pelo Estado
quando violados afetam sobremaneira as condições de vida em sociedade e,
consequentemente, violam direitos constitucionais, em especial o direito à vida, à
honra, à integridade física, todos previstos no artigo 5° da Constituição Federal,
doravante denominada CF.18
Acerca do assunto, discorre Fernando da Costa Tourinho
Filho19:
[...] como esses bens ou interesses são tutelados em função da vida social, como tais bens ou interesses são eminentemente públicos, eminentemente sociais, o Estado, então, ao contrário do que ocorre com outros bens ou interesses, não permite que a aplicação do preceito sancionador ao transgressor da norma de comportamento, inserta na lei penal, fique ao alvedrio do particular. [...] quando ocorre uma infração penal, quem sofre a lesão é o próprio Estado, como representante da comunidade perturbada pela inobservância da norma jurídica e, assim, corresponde ao próprio Estado, por meio dos seus órgãos, tomar a iniciativa motu proprio, para garantir, com sua atividade, a observância da lei. Por essa razão, quando se comete uma infração penal, quem sofre a lesão é o próprio Estado, a par da lesão sofrida pela vítima.
Diante disso, percebe-se que o Estado é o detentor do poder
de punir, uma vez que ‘’o crime lesa não apenas direitos individuais, mas sociais
também, pois perturba as condições da harmonia e estabilidade, sem as quais
não é possível a vida comunitária’’.20
Sobre a obrigação de punir do Estado, ensina Julio Fabbrini
Mirabete21:
18 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 12. 19 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 12. 20 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 3. 21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 4.
5
A sujeição de todas às normas estabelecidas pelo Estado somente pode ser obtida com a cominação, aplicação e execução das sanções previstas para as transgressões cometidas, denominadas ilícitos jurídicos. Essas sanções, em princípio, são o ressarcimento dos danos e prejuízos causados pela conduta proibida. Por vezes, porém, tais sanções se mostram insuficientes para coibir determinados ilícitos. Há certos deveres que, por sua transcendência social, devem ser reforçados com outras normas, destinadas a fazer possível a convivência dos indivíduos em sociedade. São deveres que devem ser obedecidos em favor de toda comunidade, sem o que não poderia existir a paz jurídica. Em caso de infração a esses deveres, a exigência de que se sancione o ilícito transcende a esfera jurídica do interesse particular para afetar a própria comunidade social e política. Nessa hipótese, em que se lesa ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir, institui sanções penais contra o infrator.
No mesmo contexto José Frederico Marques22 conceitua
direito de punir como sendo:
[...] o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica, de maneira reprovável.
É de grande importância ressaltar que o direito de punir do
Estado não é arbitrário, portanto, deve respeitar alguns ditames constitucionais,
dentre eles, o princípio constitucional da reserva legal, inserido no artigo 5°,
XXXIX, da Constituição Federal de 1988:
Art. 5°, XXXIX. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Por fim, Mirabete23 salienta que ‘’[...] os interesses tutelados
pelas normas penais são, sempre, eminentemente, públicos, [...] o Estado não
tem, apenas, o direito de punir, mas, sobretudo, o dever de punir’’. E, para realizar
essa punição, utiliza-se do processo penal.
22 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas:
Millennium, 2000. v. I. p. 3. 23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 4.
6
Dessa forma, o cidadão que não cumprir as normas jurídicas
fica submetido à coação do Estado, o qual tem competência exclusiva para punir.
1.2 O PROCESSO PENAL NA GRÉCIA
Desde os primórdios da civilização já havia a distinção entre
os crimes de ação penal pública e ação penal privada. Na Grécia essa
diferenciação era feita, pois os delitos públicos por serem mais graves e atingirem
interesses sociais que prejudicavam a coletividade eram apurados com a
participação direta dos cidadãos, predominando a oralidade e publicidade dos
debates.24
Todavia, a repressão dos crimes privados era classificada
pelo Estado como os delitos de menos importância, uma vez que atingiam bens
essencialmente particulares e, assim, dependiam exclusivamente da iniciativa do
ofendido.25
No tocante aos delitos perpetrados contra o Estado, o
procedimento consistia na denúncia do acusado perante a Assembléia do Povo,
ou ante o Senado, cabendo ao Arconte designar e compor o tribunal popular para
o julgamento.26
Sobre a forma de julgamento dos acusados, ensina
Fernando da Costa Tourinho Filho27:
Apresentada a acusação, as provas e prestado o juramento, o Arconte procedia à prelibação da seriedade da acusação e designava o Tribunal competente, convocando as pessoas que deveriam constituí-lo. No dia do julgamento, falava, por primeiro, o acusador, inclusive inquirindo suas testemunhas. Em seguida a defesa. Os Juízes [...] punham-se na posição puramente passiva de árbitros de uma luta leal entre as partes; afinal, votavam sem
24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 14. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 14. 26 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 14. 27 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 75/76.
7
deliberar. A decisão era tomada por maioria dos votos. Quando havia empate, o acusado era absolvido.
Na mesma linha, sustenta João Mendes de Almeida Júnior28:
A denúncia era oferecida a um arconte que então exigia indícios do crime, apresentação de testemunhas e caução paga pelo acusador; em seguida, esse arconte convocava o tribunal competente, designando a data do julgamento. Até essa data, a denúncia permanecia fixada em local público no pretório, a fim de que qualquer pessoa pudesse contestá-la ou indicar provas que viessem a desconfirmá-la. Em seguida, notificava-se a defesa para a contestação da denúncia. Os atos processuais eram realizados oral e publicamente, inclusive o julgamento. Os gregos, ao contrário dos hebreus, já admitiam a prisão preventiva dos acusados.
Ainda, Tourinho destaca os mais importantes tribunais
atenienses: Assembléia do Povo, que se reunia, exclusivamente, para julgar
crimes políticos de maior gravidade, não concedendo ao acusado qualquer
garantia; Areópago, o mais célere tribunal ateniense, era competente para julgar
os homicídios premeditados, incêndios, traição, e enfim, todos aqueles crimes a
que se cominava pena capital. O tribunal se reunia ao cair do sol, as partes não
podiam afastar-se da matéria de fato e a votação era secreta; Éfetas, composto
por cinquenta e um Juízes, dentre os membros do Senado, e cuja competência se
circunscrevia aos homicídios involuntários e não premeditados; e, finalmente, o
Tribunal de Heliastas que exercia a jurisdição comum, chegando a ser composto
por 6.000 Juízes, dividido em seções de 500 pessoas, em que cada uma poderia
julgar isoladamente ou em conjunto com outras (sublinhou-se).29
Assim, pode-se dizer que o processo penal na Grécia se
caracterizou pelo predomínio do processo de tipo acusatório.30
28 ALMEIDA JÚNIOR apud MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. São
Paulo: Atlas, 2009. p. 13. 29 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 76. 30 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. p. 13.
8
1.3 O PROCESSO PENAL EM ROMA
Em Roma, como na Grécia, também existia a separação
entre os crimes públicos e privados. No processo penal privado, o Estado exercia
o papel de árbitro para solucionar os litígios entre as partes, proferindo a decisão
de acordo com as provas apresentadas. Por outro lado, no processo penal
público, o Estado atuava como sujeito de um poder público de repressão.31
Com o passar do tempo, o processo penal público evoluiu,
de modo que no início da monarquia não havia nenhuma limitação ao poder de
julgar, ou seja, o acusado não se sujeitava a nenhuma garantia constitucional,
fase esta conhecida como inquisitio.32
Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho33:
Para moderar o arbítrio do Juiz, surgiu a provocatio ad populum, com o intenso colorido de apelação, concedida pela célebre “Lex Valeria de Provocatione”. O condenado tinha a faculdade de recorrer da decisão para o povo reunido em comício. O magistrado que proferia a condenação, embasado nas provas coligidas durante a inquisitio, devia apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão.
Em que pese a existência da recorribilidade das decisões, o
autor supracitado ressalta que pouco adiantou a provocatio ad populum, porque
somente os civis romanos poderiam fazer uso de tal remédio.34
Posteriormente, surgiu uma nova forma de procedimento, a
acusatio, que consistia na possibilidade de qualquer cidadão acusar, com
exceção dos magistrados, mulheres, menores e as pessoas que por seus
antecedentes não oferecessem garantias de honra.35
31 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 14/15. 32 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 15. 33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. I. p. 77. 34 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. I. p. 77. 35 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. I. p. 77.
9
Daí então, iniciava-se o processo com o pedido do acusador
dirigido ao quaesitor, pessoa quem decidia se o fato alegado constituía crime e se
não havia impedimentos para que a demanda fosse admitida. Aceita a
postulação, ocorria a inscrição no registro no Tribunal, incumbindo-lhe ao autor
acompanhar a causa até a decisão final, não podendo desistir, uma vez que cabia
a ele proceder as investigações para demonstrar em juízo a acusação.36
Conforme explica Antônio Alberto Machado, as comissões,
conhecidas como quaestiones perpetuae, ‘’eram formadas pelo pretor e pelos
judices jurati’’37. Cabia ao pretor fazer uma análise do pedido a fim de verificar a
razoabilidade deste, presidindo todo o processo que seria julgado pelos judices
jurati.
Também, acerca do tema, discorre Tourinho Filho:38
O tribunal era presidido pelo quaesitor, que se limitava a manter a ordem e a lavrar a sentença, ditada pelos judices jurati. Havia réplica e tréplica. A princípio, a votação era feita oralmente. Depois, passou a ser secreta. Cada judex recebia uma pequena tábua sobre a qual escrevia a letra A (absolvo), ou a letra C (condeno) ou, então, as letras N.L.non liquet (abstenho-me). A decisão era tomada por maioria absoluta.
Se eventualmente houvesse na maioria das tábuas as letras
N.L.non liquet, era realizado novo julgamento, procedendo-se uma nova votação.
Com o passar do tempo, a accusatio foi desaparecendo,
momento em que surgiu a Cognitio Extra Ordinem, que assegurava ao magistrado
o poder de agir de ofício.39
O novo procedimento, na visão de Tourinho Filho,40 se
assemelhava com as atribuições da polícia judiciária. Observa-se:
36 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 77. 37 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. p.15. 38 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 78. 39 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. p. 16. 40 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 79.
10
Com o novo procedimento [...] procedia-se a uma inquisição preliminar, e havia, à semelhança da nossa Polícia Judiciária, funcionários encarregados de procederem a tais investigações preliminares.
Nesse procedimento o magistrado atuava ex officio, pois o
julgador e o acusador eram uma só pessoa. “O julgamento não mais ficava afeto
aos judices jurati, mas há um magistrado’’.41
A apelação era dirigida ao Imperador e, em determinada
época, começou a ser dirigida a magistrados superiores.
O processo da cognitio extra ordinem passou admitir a
tortura do réu e das testemunhas que depusessem falsamente, bem com a prisão
preventiva. Podendo-se apontar citado procedimento como base primordial do
sistema inquisitivo42.
1.4 PROCESSO PENAL GERMÂNICO
Entre os germânicos, da mesma forma que os atenienses e
romanos, havia a distinção entre crimes de natureza pública e crimes de natureza
privada.
Os crimes de ação penal pública eram administrados por
uma assembléia presidida pelo rei, príncipe, duque ou conde.43 Já os crimes de
ação penal privada ‘’eram reprimidos pela vingança privada e também, mais
tarde, pela composição. Existia também a Assembléia, que atuava somente por
iniciativa da vítima e de seus familiares’’.44
41 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 79. 42 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 15. 43 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 79. 44 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 15.
11
Com relação à forma de processamento dos crimes,
comenta Tourinho Filho45:
A confissão tinha um valor extraordinário. Se o réu confessasse, seria condenado. Feita a acusação, era o réu citado para comparecer ante a Assembléia. O ônus da prova [...] não incumbia ao autor e sim ao réu, que devia demonstrar sua inocência, sob pena de ser condenado.
De igual forma, comenta o doutrinador Julio Fabbrini
Mirabete46, salientando, ainda, que, além de a confissão possuir um valor
extraordinário, vigorava a época ‘’na questão das provas, as ordálias ou juízos de
Deus [...], bem como os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios,
pessoalmente ou através de lutadores profissionais’’.
Sobre os tipos de provas, acrescenta Tourinho Filho47 além
das ordálias e Juízos de Deus, o juramento:
As principais provas eram os ordálios, ou Juízos de Deus, e o juramento. O acusado jurava não ter praticado o crime de que era processado, e tal juramento podia ser fortalecido pelos Juízes, os quais declaravam sob juramento que o acusado era incapaz de afirmar uma falsidade. Essa prova do juramento baseava-se na crença de que Deus, conhecendo o passado, pode castigar aquele que jura falsamente. Quanto ao Juízo de Deus, [...] não era propriamente uma prova, mas uma devolução a Deus da decisão sobre a controvérsia, sua prática foi generalizada.
Também, prossegue o doutrinador acima citado48 ensinando
o modo pelo qual a prova Juízo de Deus era executada:
Conforme as pessoas, realizava-se, como Juízo de Deus, o duelo judicial: se o acusado vencesse, seria absolvido, pois era inocente. Havia outros Juízos de Deus, chamados, posteriormente, purgationes vulgares, como o da ‘’água fria’’ e o da ‘’água fervente’’. O primeiro consistia em arremessar o acusado à água: se submergisse, era inocente; se permanecesse à superfície, era culpado. O outro consistia em fazer o réu colocar o braço dentro da água fervente e, se, ao retirá-lo, não houvesse
45 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 79. 46 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 15. 47 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 79/80. 48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 80.
12
sofrido nenhuma lesão, era inocente. Pelo Juízo de Deus do ‘’ferro em brasa’’, devia o acusado segurar por algum tempo um ferro incandescente e, caso não se queimasse, era inocente.
Assim, o processo penal germânico se caracterizou pela
rigidez probatória, sendo absolvido quem suportasse as ordálias ou vencesse o
duelo.
Sustenta Mirabete49 que ‘’o procedimento era acusatório,
regido pelos princípios da oralidade, imediatidade, concentração e publicidade’’.
De modo contrário, afirma Tourinho Filho50: ‘’quando da invasão de Roma pelos
germânicos, estes levaram consigo seus costumes, aparecendo, assim, entre os
romanos, um verdadeiro processo misto’’.
1.5 PROCESSO PENAL CANÔNICO
Durante o processo penal romano e germânico ‘’estendeu-se
o Direito Canônico ou Direito Penal da Igreja, com influência decisiva do
cristianismo na legislação penal’’.51
Nessa época a igreja lutava pela proteção dos interesses
religiosos. Inicialmente, até o século XII, o processo só poderia ser iniciado com a
acusação, de modo que se caracterizava pelo tipo acusatório.
Porém, do século XIII em diante, com uma simples denúncia
anônima se iniciava um processo, inclusive sem nenhuma garantia ao acusado,
predominando para tanto o procedimento inquisitivo. Inclusive, não era permitido
o contraditório, porquanto ‘’poderia criar obstáculos na descoberta da verdade’’.52
Também, ‘’tentava-se abolir as ordálias e os duelos
judiciários mas se estabelecia a tortura, a ausência de garantia para os acusados,
49 MIRABETE, Julio Fabbrini Mirabete. Processo penal. p.15. 50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 80. 51 MIRABETE, Julio Fabbrini Mirabete. Processo penal. p. 15. 52 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 81.
13
o segredo’’53. Assim, visando reprimir a heresia, o sortilégio e a bruxaria, criou-se
o Tribunal de Inquisição.
Após a denúncia anônima, segundo Tourinho Filho54:
O juiz procedia ex officio e em segredo. Os depoimentos das testemunhas eram tomados secretamente. O interrogatório do imputado era procedido ou seguido de torturas. Regulamentou-se a tortura: ‘’deve cessar quando o imputado expresse a vontade de confessar. Se confessa durante os tormentos e, para que a confissão seja válida, deve ser confirmada no dia seguinte’’.
No mesmo norte, explica Antônio Alberto Machado55 com
detalhes todos os passos da tramitação do processo a época da inquisição:
Esse processo obedecia à seguinte tramitação: (a) denúncia secreta em que a acusação não era revelada nem mesmo ao acusado; (b) instauração do processo com o exame da gravidade da culpa; (c) prisão que se prolongava por anos a fio nos casos mais graves; (d) seqüestro de bens para custeio do réu no cárcere; (e) inquirição de testemunhas de acusação e de defesa; (f) inquirição do réu em que este deveria revelar sua religião, origem, idade, profissão, laços familiares e de amizade; (g) preparação para a tortura, em que o acusado assinava um termo de responsabilidade pelos castigos que passaria a receber; (h) exame de consciência e tortura, quando então o réu era aconselhado pelos inquisidores a confessar os seus delitos; (i) Mesa do Despacho, destinada ao exame da culpabilidade do réu; (j) sentença com a qualificação do delito e aplicação da pena correspondente (penitências, flagelações públicas, degredo, prisão, trabalho forçado e morte na fogueira; (h) Auto-de-fé, com a leitura da sentença e execução da pena em meio a verdadeiras festas nas sedes do Tribunal, em praça pública.
E prossegue argumentando que ‘’o Tribunal da Inquisição,
basicamente, instalou-se com os objetivos de processar e punir todas as condutas
que viessem a ser consideradas como contrárias à moral e à fé”56.
Dessa forma, o processo penal canônico se caracterizou
pelo procedimento inquisitivo, consubstanciado na acusação secreta, utilização de
53 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 16. 54 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 80/81. 55 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. p. 21. 56 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. p. 21.
14
tortura como meio de prova e a adoção de penas cruéis quase sempre utilizando
o sofrimento físico do acusado.
1.6 CONCEITO DE PROCESSO PENAL
Ocorrendo um fato definido como crime, se faz necessário a
intervenção do Estado a fim de que exerça o poder jurisdicional que lhe foi
conferido, ou seja, o direito de punir, que se exercita por meio do processo
penal.57
Sobre o poder-dever do Estado de aplicar a sanção
correspondente ao indivíduo, dispõe Norberto Avena58:
Essa aplicação, contudo, não poderá ocorrer à revelia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo necessária a existência de um instrumento que, voltado à busca da verdade real, possibilite ao imputado contrapor-se à pretensão estatal.
Para Mirabete59 o processo penal é um ‘’conjunto de atos
cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios e regras
jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal’’.
Conforme ensinamento de Fernando Capez60 o processo
penal é o ‘’conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das
lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo’’.
Já o autor José Frederico Marques61 conceitua como:
O conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.
57 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 9. 58 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. Rio de Janeiro: Forense,
2009. p. 2. 59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 9. 60 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 1. 61 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. I. p. 16.
15
Fernando da Costa Tourinho Filho62, por sua vez, aduz que
o direito processual penal ‘’compreende também a persecução fora do juízo’’ e,
por isso, adota o conceito de Frederico Marques.
E, por fim, Denílson Feitoza63 leciona:
Direito processual penal é o conjunto de normas-regra, de normas-princípios e de normas-postulando que regulam as características, os atos e os meios dos sujeitos e órgãos (investigador, acusador, órgão jurisdicional, defensor, indiciado, réu, servidores/auxiliares da justiça) que atuam nos procedimentos, administrativos ou judiciais, que tenham por fim a demonstração de uma infração penal e sua autoria ou a obtenção de uma sentença penal condenatória (ou absolutória imprópria com imposição de medida de segurança).
Dessa forma, o processo penal nada mais é do que um
procedimento que tem como função conduzir os atos processuais.
1.7 AUTONOMIA E INSTRUMENTALIDADE DO DIREITO PROCES SUAL
PENAL
O direito processual penal constitui ‘’ciência autônoma no
campo da dogmática jurídica, uma vez que tem objeto e princípios que lhe são
próprios’’.64
Acerca do assunto, observa Giovanni Leone65:
No que respeita ao Direito Processual Penal [...] a sua autonomia não decorre, apenas, da existência de um Código de Processo Penal, mas, sobretudo, da consideração de que os princípios reguladores do Processo Penal não têm nenhum ponto de contato com os princípios que disciplinam a definição de crime, sua estrutura e os institutos conexos.
62 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 29. 63 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impetus,
2009. p. 58. 64 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. I. p. 17. 65 LEONE apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 29.
16
Em face da autonomia que o processo penal possui, não
deve ser chamado de direito adjetivo como muitos autores se referem, uma vez
que não havendo direito penal, o processo penal não teria razão de existir. Por
outro lado, existindo o direito penal sem o direito processual, aquele seria de
pouca importância, porque nenhuma pena pode ser aplicada sem o devido
processo legal.66
Em que pese a autonomia do direito processual penal, não
se pode negar o caráter instrumental deste direito, ‘’porquanto constitui ele um
meio, o instrumento para fazer atuar o direito material’’.67
Tourinho Filho68 enumera uma série de considerações sobre
a instrumentalidade do processo:
[...] a) aspecto lógico – o Direito Processual está ordenado segundo uma reconstrução histórica, não como fim em si mesmo, senão como meio, como instrumento para conseguir um fim preexiste a ele e o transcende, a saber, a atuação do Direito material. O Direito material tem necessidade, para a sua atuação, de instrumentos processuais, sem que estes se identifiquem com aquele; b) aspecto jurídico – só a concepção do caráter instrumental do processo explica aquela distinção entre admissibilidade da demanda e fundamento da demanda, ou melhor, entre indagação sobre os pressupostos processuais e indagação sobre o mérito.
E, prossegue argumentando69:
No que concerne ao Direito Processual Penal propriamente, mais clara se apresenta a instrumentalidade, uma vez que não sendo o Direito Penal de coação direta, e uma vez que o Estado autolimitou o seu jus puniendi, não se concebe a aplicação de pena sem processo. Os princípios do nulla poena sine judice e nulla poena sine judicio, elevados à categoria de dogma constitucional, e segundo os quais nenhuma pena poderá ser imposta senão pelo Órgão Jurisdicional e por meio do regular processo, impedem a aplicação da sanctio juris sem o devido processo.
66 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 30. 67 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 30. 68 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 30/31. 69 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 31.
17
Assim, a instrumentalidade do processo penal se caracteriza
por ‘’constituir um meio para fazer atuar o direito material penal, tornando efetiva a
função deste de prevenção e repressão das infrações penais’’.70
1.8 PROCESSO PENAL A SERVIÇO DE QUEM
Buscar uma resposta a serviço de quem está o processo
penal não é uma tarefa fácil, pois necessário definir a lógica do sistema que ‘’vai
orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais’’.71
O autor Aury Lopes Jr.72 opta pela leitura constitucional e,
partindo desta perspectiva, visualiza o processo penal como instrumento de
efetivação das garantias constitucionais.
A respeito disso, ensina Goldschmidt73:
Os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa do que segmento da sua política estatal em geral; e o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição. A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário, utilitarista (eficiência antigarantista). Contudo, a Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo.
Assim, pode dizer que o fundamento ‘’legitimante da
existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade
constitucional’’. Significando dizer que o processo penal contemporâneo ‘’somente
70 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 10. 71 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. 4. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2009. v. I. p. 07. 72 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
07. 73 GOLDSCHMIDT apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade
Constitucional. v. I. p. 07.
18
se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir
da constituição’’.74
Juarez Tavares75 preleciona que na questão da liberdade
individual e o poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que ‘’a
garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer
legitimação, em face de sua evidência’’.
E, continua afirmando que ‘’o que necessita de legitimação é
o poder de punir do Estado, e esta legitimação não pode resultar de que ao
Estado se lhe reserve o direito de intervenção’’.76
Nesse sentido, Aury77 complementa ensinando que ‘’o que
necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir, é a intervenção estatal e
não a liberdade individual’’, pois essa é um pressuposto para o Estado
Democrático de Direitos em que vivemos.
O que acontece atualmente é uma inegável crise da teoria
das fontes onde ‘’uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria
Constituição, não sendo raro aqueles que negam a Constituição como fonte,
recusando sua eficácia imediata e executividade’’.78
Com efeito, aponta com precisão Aury Lopes Jr.79:
O processo penal não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo (direito penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito
74 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
08. 75 TAVARES apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade
Constitucional. v. I. p. 08. 76TAVARES apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade
Constitucional. v. I. p. 08. 77 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
08. 78 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
09. 79 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
09.
19
às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena.
Daí porque existe uma relação entre repressão ao delito e
respeito às garantias constitucionais, porém, é de se admitir que atualmente
existe uma espécie de preconceito no tocante à eficácia da Constituição no
processo penal.
Sobre a importância de o processo penal estar diretamente
ligado à Constituição Federal, vale a pena transcrever os ensinamentos do autor
Aury Lopes Jr80:
[...] não basta qualquer processo, ou a mera legalidade, senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo (devido processo legal) na dimensão formal, mas, principalmente, substancial, resistente à filtragem constitucional imposta.
Destarte, verifica-se que o processo penal está a serviço da
garantia dos direitos do acusado, devendo ser ‘’lido à luz da Constituição e não ao
contrário’’.81
No próximo capítulo tratar-se-á de forma específica sobre a
prova no processo penal, exemplificando o conceito, objetivos, espécies e
diferenciando provas ilícitas de ilegítimas.
80 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
11. 81 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. v. I. p.
11.
CAPÍTULO 2
DA PROVA NO PROCESSO PENAL
2.1 CONCEITO E OBJETIVOS
Para que o juiz declare a existência da responsabilidade
criminal e aplique uma sanção correspondente a uma pessoa, é necessário que
tenha certeza da ocorrência de um ilícito penal e de que seja ela a autora. ‘’Para
isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à
verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a
realidade dos fatos’’. E, para gerar essa convicção é necessário que as partes
produzam provas.82
Nos ensinamento de Guilherme de Souza Nucci83 a acepção
da palavra prova deriva do latim probatio, que significa ‘’ensaio, verificação,
inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação’’.
E, continua, afirmando que há três sentidos para o termo
prova84:
Há, fundamentalmente, três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex. fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex. prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: ‘’Fez-se prova de que o réu é o autor do crime’’. Portanto, é o clímax do processo.
O autor Fernando Capez85, por sua vez, conceitua como:
82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 249. 83 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p.338. 84 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 338.
21
[...] conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.
Norberto Avena86 define como o ‘’conjunto de elementos
produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do
convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias’’.
Na mesma linha estabelece Miguel Fenech87 na obra de
Julio Fabbrini Mirabete:
[...] ‘’provar’’ é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou solução de um processo.
Da mesma forma, ensina Fernando da Costa Tourinho
Filho88:
Provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. Provar é, enfim, demonstrar a certeza do que se diz ou alega. Entendem-se, também, por prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio juiz visando estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos.
Também o autor E. Magalhães Noronha julga o termo prova
como sendo ‘’a fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que
objetivam: o acusador a pretensão punitiva, o acusado sua defesa’’89.
No tocante ao objetivo da prova, que se diferencia do objeto,
uma vez que este é ‘’toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio sobre
85 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 282. 86 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 372. 87 FENECH apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.249. 88 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v.
III. p. 213. 89 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 113.
22
os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o
deslinde da causa’’90, assevera o promotor de justiça e professor Norberto
Avena91:
[...] a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade das afirmações das partes em juízo. Não se destina, portanto, às partes que a produzem ou requerem, mas ao magistrado, possibilitando, destarte, o julgamento de procedência ou improcedência da ação penal.
Da mesma forma, Capez92 argumenta que a prova ‘’destina-
se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o
deslinde da causa’’.
Igualmente, salienta Denílson Feitoza93 que o objetivo da
prova ‘’é o convencimento do juiz, ou, em termos mais genéricos, a formação da
convicção da entidade decisória sobre a existência ou não de um fato’’.
A respeito do assunto, ministra Vicente Greco Filho94:
A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado.
E, por derradeiro, E. Magalhães Noronha95 leciona que ‘’a
prova se destina a gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu
pronunciamento. É através dela que o magistrado firma seu juízo acerca da
pretensão das partes’’.
90 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 282. 91 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 372. 92 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 282. 93 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 689. 94 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal . 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 196. 95 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 113.
23
Portanto, conclui-se que a prova é um elemento processual
indispensável à elucidação dos fatos levados a juízo, cabendo a ela formar a
convicção do magistrado acerca da materialidade e autoria do crime.
2.2 ESPÉCIES DE PROVAS
Inúmeras são as classificações dadas ao termo prova.
Dentre essas classificações definiremos a prova quanto à forma ou aparência.
O Código de Processo Penal, doravante denominado CPP,
enumera alguns tipos de prova que podem ser produzidas, sempre em busca da
verdade real96 97. Lembrando-se que os meios de prova elencados no Código de
Processo Penal são meramente exemplificativos98, uma vez que ‘’todas as provas
que não contrariem o ordenamento jurídico podem ser produzidas no processo
penal, salvo as que disserem respeito [...] ao estado das pessoas’’99, conforme
prevê o artigo 155, parágrafo único, Código de Processo Penal.
Essas provas podem ser classificadas em pessoal,
documental e material.
Sobre o assunto, explica Fernando da Costa Tourinho
Filho100:
Quanto à forma, a prova pode ser pessoal, significando a afirmação feita por uma pessoa: testemunho, interrogatório, declaração; documental, que é a afirmação feita por escrito; e material ‘’consistente em qualquer materialidade que sirva de
96São ‘’[…] todos os meios para a descoberta do culpado, e para aquisição de exato conhecimento
de todas as circunstâncias da infração’’. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000. v. II. p. 352.
97 Ressalta-se que, apesar do conceito citado na nota 96, o termo verdade real será tratado no 3° capítulo desta monografia, onde apresentar-se-á o sentido dessa expressão.
98‘’Explicar, elucidar com exemplos; aplicar como exemplo; citar, mencionar como exemplo’’ FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro e GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 54. ed. São Paulo: Globo, 2001.
99 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 342. 100 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 218.
24
prova ao fato probando’’: o instrumento do crime, os producta sceleris, as coisas apreendidas, os exames periciais.
Assim, seguindo a ordem do Código de Processo Penal
passaremos a abordar cada espécie de prova.
2.2.1 Do exame do corpo de delito e das perícias em geral
Espécie de prova, considerada material no tocante à forma,
regulada pelos artigos 158 a 184, todos do Código de Processo Penal.
Disciplina o artigo 158 do Código de Processo Penal:
Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
O termo exame de corpo de delito ‘’compreende-se a perícia
destinada à comprovação da materialidade das infrações que deixam
vestígios’’101. Portanto, não há que falar em exame de corpo de delito quando
ausente os vestígios decorrentes da prática delituosa. Nesse caso, o termo
correto é corpo de delito.
Acerca da diferença entre exame de corpo de delito e corpo
de delito, o autor Fernando Capez102 ensina:
Existem infrações que não deixam vestígios (delicta facti transeuntis), como nos crimes contra a honra praticados oralmente, no desacato etc. Mas, por outro lado, existem as infrações que deixam vestígios materiais (delicta facti permanentis), como o homicídio, o estupro, a falsificação etc. Nesse caso, é necessária a realização de um exame de corpo de delito, ou seja, a comprovação dos vestígios materiais deixados. O exame de corpo de delito é um auto em que os peritos descrevem suas observações e se destina a comprovar a existência do delito (CP, art. 13, caput); o corpo de delito é o próprio crime em sua tipicidade.
101 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 443. 102 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 319-320.
25
O exame de corpo de delito pode ser direto ou indireto. Diz-
se direito ‘’quando procedido por inspeção pericial, quando os peritos procedem
diretamente ao exame’’103. Todavia, se não for possível o exame de corpo de
delito direto, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá
suprir-lhe a falta (art. 167, CPP) 104. Assim, diz-se indireto.
De modo contrário, o autor Norberto Avena105 argumenta
que ‘’o exame indireto é aquele realizado com base em informações verossímeis
fornecidas aos peritos quando não dispuserem estes do vestígio deixado pelo
delito’’.
Aduz, ainda, que no exame indireto há um laudo elaborado
pelos peritos, diferentemente ocorre na situação de suprimento da perícia com
base em prova testemunhal que vier a ser prestada em Juízo acerca dos vestígios
do crime, caso em que não se estará diante de uma prova pericial indireta, mas
sim de uma prova testemunhal.106
Prevê o artigo o art. 564, III, ‘’b’’, do Código de Processo
Penal que a ausência do exame pericial nos crimes que deixam vestígios,
ressalvado no caso de terem desaparecidos, poderá caracterizar nulidade
insanável.
Outrossim, preconiza o artigo 525 do Código de Processo
Penal:
No caso de haver o crime deixado vestígios, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito.
103 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 258. 104 Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os
vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. 105 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 444. 106 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 444.
26
Sobre o não recebimento da denúncia pela ausência de
exame pericial, o Procurador de Justiça Denilson Feitoza107 argumenta:
Para a propositura da ação penal [...], o que não pode ocorrer é a total falta de prova quanto à exigência da infração penal, [...] pois a exigência de provas preliminares suficientes (justa causa) se impõe com fundamentação constitucional. Essa prova além da pericial, pode ser, por exemplo, a documental ou testemunhal. Desse modo, geralmente a denúncia ou queixa poderá ser oferecida sem o laudo de exame de corpo de delito direto, nas infrações penais que deixam vestígios, mesmo sendo possível sua realização, salvo nas hipóteses em que a lei expressamente o impõe como condição de procedibilidade. No procedimento principal, o laudo pericial poderá ser realizado e/ou juntado aos autos durante a instrução processual penal, as partes poderão alegar sua falta até as alegações finais e o juiz poderá supri-lo até o momento de prolatar a sentença.
Nos termos do artigo 159 do Código Penal, os exames de
corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de
diploma de curso superior. Essa é a regra.
Entretanto, prevê o artigo 159, §§1° e 2°, do mesmo diploma
legal:
§1°: Na falta de perito oficial, o exame será reali zado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. §2°: Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
Outro ponto que merece destaque é a redação do artigo 171
do Código de Processo Penal:
Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.
Importante registrar que o juiz não ficará adstrito ao laudo
pericial, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte (art. 182 CPP). Da
107 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 740.
27
mesma forma, poderá negar a realização de perícia requerida pelas partes, salvo
no caso de exame de corpo de delito, quando não for necessário ao
esclarecimento da verdade (art. 184, CPP).
2.2.2 Do interrogatório do acusado e da confissão
O interrogatório do acusado, bem como a confissão são
regulados pelos artigos 185 a 200 do Código de Processo Penal.
O legislador ao trazer o interrogatório no capítulo atinente à
prova, de maneira indireta considerou o ato como sendo um meio de prova. No
entanto, existem diversos posicionamentos sobre a natureza jurídica do
interrogatório.
O autor Guilherme de Souza Nucci108 comenta alguns
entendimentos e se posiciona no sentido que o interrogatório é meio de defesa,
primordialmente e, em segundo plano, é meio de prova:
Há quatro posições: a) é meio de prova, fundamentalmente; b) é meio de defesa; c) é meio de prova e de defesa; d) é meio de defesa, primordialmente; em segundo plano, é meio de prova. Esta última é a posição que adotamos. Nota-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.
Já Fernando Capez109 sustenta que o interrogatório constitui
meio de autodefesa e meio de prova:
[...] o interrogatório conserva sua natureza de meio de defesa, tanto que ficou garantida expressamente a possibilidade de o acusado entrevistar-se previamente com seu advogado, a fim de estabelecer melhor estratégia para sua autodefesa. [...] Ficou, portanto, reforçada a sua natureza jurídica-constitucional de autodefesa, pela qual o acusado apresenta a sua versão, fica em
108 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 401. 109 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 326.
28
silêncio ou faz o que lhe for mais conveniente. Paralelamente, tal ato constitui também um meio de prova, na medida em que, ao seu final, as partes poderão perguntar.
Por seu turno, ensina Fernando da Costa Tourinho Filho110,
que o interrogatório é o meio pelo qual ‘’o juiz ouve do pretenso culpado
esclarecimentos sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe
dados importantes para o seu convencimento’’.
O interrogatório do réu, por sua vez, apresenta várias
peculiaridades, senão vejamos:
a) Ato processual personalíssimo: ‘’somente o imputado é
que pode e deve ser interrogado, não sendo possível sua representação,
substituição ou sucessão neste ato por qualquer pessoa’’111.
A presença do defensor durante o interrogatório, do início ao
fim, é imprescindível, sob pena de nulidade, nos moldes do art. 185, caput e § 1°,
do Código de Processo Penal.
Sobre a obrigatoriedade da presença do membro do
Ministério Público no interrogatório ensina Fernando Capez112:
[...] a defesa está sempre obrigada a acompanhar o ato, mas o Ministério Público, por não ter sido mencionado pelo art. 185 do CPP (‘’o acusado será interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado’’), tem a mera prerrogativa de fazer-se ou não presente ao ato (CPP, art. 188). Tendo em vista o disposto no art. 394 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, ou, conforme a hipótese, também o querelante, deve fazer-se presente ao ato do interrogatório, uma vez que para tanto notificado.
b) Ato privativo do juiz: ‘’cabe ao juiz, e só a ele, interrogar o
réu’’113.
110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 277. 111 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 473. 112 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 327. 113 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 274.
29
Nas palavras de Hélio Tornaghi114 o interrogatório é o único
momento processual que o juiz tem para conhecer o acusado:
[...] a grande oportunidade quem tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d’alma em que se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato e para verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e à formação moral.
Importante registrar que, embora o artigo 188 do Código de
Processo Penal possibilite as partes formulação de perguntas ao final do
interrogatório, o juiz poderá repassá-las ao acusado ou indeferi-las quando
considerar impertinente ou irrelevante, uma vez que são feitas em caráter
meramente complementar. Diante disso, ‘’fica mantida a característica de ser o
interrogatório um ato privativo do juiz, mesmo com a possibilidade de as partes
sugerirem uma ou outra indagação ao seu final [...]’’115.
c) Ato oral: A regra é que o interrogatório seja realizado por
meio de perguntas e respostas. Todavia, prevê o próprio Código de Processo
Penal nos artigos 192 e 193 normas próprias para o interrogatório do surdo,
mudo, do surdo-mudo e do estrangeiro.
d) Ato não preclusivo: O interrogatório não preclui, podendo
ser realizado a qualquer tempo, conforme preceitua o artigo 196116 do Código de
Processo Penal.
A propósito do tema, assinala Guilherme de Souza Nucci117:
Durante o curso do processo penal, que segue até o trânsito em julgado da decisão condenatória ou absolutória, a autoridade judiciária de 1° ou 2° grau, a qualquer momento, fo ra do instante
114 TORNAGHI apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.274. 115 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 327. 116 Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes. 117 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 402.
30
próprio, que é o da realização da audiência de instrução e julgamento pode ouvir o réu. [...] Naturalmente, se o processo já estiver em 2° grau, aguardando para ser julgado, po de o Tribunal determinar seja o réu ouvido pelo juiz de 1° grau, ou, se houver preferência, pode ser ouvido pelo relator. A falta do interrogatório, quando o réu se torna presente após o momento próprio, é nulidade relativa, isto é, somente deve ser reconhecida se houver provocação da parte interessada, demonstrando ter sofrido prejuízo.
Também, constitui um meio de prova imprescindível e, sua
ausência, gera nulidade processual, nos moldes do artigo 564, III, ‘’e’’, do Código
de Processo Penal.
Fernando Capez118 assevera que há duas posições na
doutrina acerca da nulidade pela ausência de interrogatório. A primeira defende a
nulidade relativa, enquanto a segunda a nulidade absoluta. Tal autor defende que
a ausência de interrogatório constitui nulidade absoluta, pois ‘’o prejuízo é
presumido, uma vez que violado preceito de ordem constitucional, qual seja, o
princípio da ampla defesa’’.
e) Ato individual: Havendo dois ou mais réus, a teor do artigo
191 do Código de Processo Penal, o interrogatório será realizado separadamente,
de modo que eventualmente seja dada versão contraditória, o juiz poderá acareá-
los, prova esta que não teria eficácia se um dos acusados tivesse assistido à
versão do outro.
O interrogatório do réu se solto será realizado no Fórum da
Comarca em que reside e, se preso, será realizado, em sala própria, no
estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a
segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares, bem como a
presença do defensor e a publicidade do ato (art. 185, §1° do CPP).
Se eventualmente o local não oferecer segurança, poderá
ser realizado no fórum ou, excepcionalmente, por videoconferência ou outro
recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que
118 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 329.
31
a medida seja necessária para atender as finalidades descritas nos incisos I, II, III
e IV do artigo 185, §2°, do Código de Processo Pena l:
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência [...];
IV – responde à gravíssima questão de ordem pública.
Importa ressaltar que em qualquer modalidade de
interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito a entrevista prévia e reservada com
o seu defensor.
No que concerne ao silêncio e mentira do réu, a própria lei
processual no artigo 186, caput, e parágrafo único, prevê a possibilidade, sendo
que o silêncio não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, pois é garantido
constitucionalmente (art. 5°, LXIII, CF).
Com relação a confissão, acentua Guilherme de Souza
Nucci119:
Confessar no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso. Deve-se considerar confissão apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem qualquer coação), expresso (manifestado, sem sombra de dúvida, nos autos) e pessoal (inexiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, o que atentaria contra o princípio da presunção de inocência).
119 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 427.
32
Aponta a doutrina para a obtenção de uma confissão válida
requisitos intrínsecos e requisitos formais. Julio Fabbrini Mirabete120 comenta
todos esses requisitos:
Entre os requisitos intrínsecos estão: a verossimilhança, ou probabilidade de o fato ter ocorrido como confessado; a certeza, ou a ciência advinda da evidência dos sentidos por parte do julgador; a clareza, a circunstância de que está despida de obscuridades, ambiguidades, não apresentando fatos inexplicáveis; a persistência, ou seja, a repetição; e a coincidência com os demais elementos probatórios e circunstâncias do fato.
E prossegue explicando os requisitos formais:
Entre os requisitos formais são referidos os elementos seguintes: ser pessoal, não se admitindo a produção por mandatário ou defensor; ser expressa, e logo reduzida a termo ou ato; ser feita perante o juiz competente; ser livre e espontânea, ou seja, sem coação ou erro; ter o confidente saúde mental.
A confissão não pode embasar, por si só, uma sentença
condenatória, uma vez que necessita estar em consonância com as demais
provas produzidas no processo.
Com efeito, estabelece o artigo 197 do Código de Processo
Penal:
O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre elas existe compatibilidade ou concordância.
Outrossim, pode ser retratável e divisível, nos termos do
artigo 200121 do Código de Processo Penal.
A divisibilidade significa ‘’que o juiz pode considerar
verdadeira uma parte da confissão e inverídica outra parte, não sendo obrigado a
120 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 287. 121 Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz,
fundado no exame das provas em conjunto.
33
valorar a confissão como um todo’’122. Já a retratabilidade consiste no ato do
acusado ‘’desdizer a confissão ofertada’’123.
Norberto Avena124 leciona que a confissão mesmo após a
retratação não perde seu valor como prova, pois caberá ao magistrado confrontar
a confissão e a retratação com os demais meios de prova, verificando, assim,
qual delas deve prevalecer.
2.2.3 Das perguntas ao ofendido e testemunhas
As perguntas dirigidas ao ofendido e as testemunhas são
divididas pelo Código de Processo Penal em capítulo especial e separado,
regidas pelos artigos 201 e 202 a 225, todos da referida legislação,
respectivamente.
Guilherme de Souza Nucci125 define ofendido como sendo ‘’o
sujeito passivo do crime – a vítima – ou seja, a pessoa que teve diretamente o
seu interesse ou bem juridicamente violado pela prática da infração penal’’.
Estabelece o artigo 201 do Código de Processo Penal que
sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
Importante salientar que o ofendido não se encaixa no
contexto como testemunha e sua oitiva é de grande importância, até porque o
artigo supracitado, expressamente, menciona que ela será ouvida sempre que
possível. Assim, cabe ao juiz ouvi-las mesmo que as partes não tenham arrolado
como testemunha.
Embora o ofendido não preste compromisso de dizer a
verdade, suas declarações devem ser confrontadas com os demais elementos de 122 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 493. 123 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 334. 124 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 493. 125 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 440.
34
prova existente nos autos, até porque, no caso de delitos cometidos na
clandestinidade, a palavra da vítima do crime é deveras relevante e possui valor
extraordinário.
Acerca do assunto em tela, leciona Julio Fabbrini
Mirabete126:
Em princípio, o conteúdo das declarações deve ser aceito com reservas, já que o ofendido é normalmente interessado no litígio, podendo, às vezes, ser motivado por ódio, vingança etc. Todavia, como se tem assinalado na doutrina e jurisprudência, as declarações do ofendido podem ser decisivas quando se trata de delitos que se cometem às ocultas, como os crimes contra os costumes [...]. É preciso, porém, que as declarações sejam seguras, estáveis, coerentes, plausíveis, uniformes, perdendo sua credibilidade quando o depoimento se revela reticente e contraditório e contrário a outros elementos probatório.
Importante frisar que ‘’inexiste possibilidade lógico-
sistemática de se submeter o ofendido a processo por falso testemunho’’127,
devendo o juiz avaliar as suas declarações da mesma forma que o faz no
interrogatório do réu.
Com o advento da lei n. 11.690/2008, a qual acrescentou os
parágrafos 2° a 6° ao artigo 201 do Código de Proce sso Penal, o ofendido será
comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da
prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos
que a mantenham ou modifiquem, bem como sobre a prisão ou liberdade do
acusado.
Ainda, antes do início da audiência e durante a sua
realização, será reservado espaço separado para o ofendido e, se o juiz entender
necessário, poderá encaminhá-lo ao atendimento multidisciplinar, a expensas do
ofensor ou do Estado.
Também, poderá adotar as providências necessárias para
resguardar a imagem, honra e a vida privada do ofendido.
126 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 291/292. 127 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 446.
35
No que tange as testemunhas, ensina Capez128 que ‘’a
palavra testemunhar origina-se do latim testari, que significa confirmar, mostrar’’.
E finaliza o mesmo autor129 conceituando testemunha:
Testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa.
Como todo meio de prova, a prova testemunhal possui
algumas características:
a) Oralidade: o depoimento da testemunha deve ser
prestado de forma oral (art. 204, caput, CPP)130, salvo o caso do mudo, surdo e
do surdo-mudo;
b) Objetividade: a testemunha deve depor sobre os fatos de
forma objetiva, sem externar opiniões e emitir juízo de valor (art. 213, CPP)131;
c) Retrospectividade: a testemunha prestará depoimento
sobre fatos passados, depõe o que visualizou no dia do fato e não do que
possivelmente vai acontecer;
d) Individualidade: cada testemunha prestará seu
depoimento individualmente, conforme prevê o artigo 210 do Código de Processo
Penal132;
128 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 336. 129 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 336. 130 Art. 204. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo
por escrito. 131 Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo
quando inseparáveis da narrativa do fato. 132 Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam
nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.
36
e) Obrigatoriedade da prestação de depoimento:
comparecendo em Juízo a testemunha tem a obrigação de testemunhar, com
exceção no caso de ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge,
ainda que “desquitado”, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado.
Todavia, essas pessoas só serão obrigadas a depor quando
não for possível por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias, consoante artigo 206 do Código de Processo Penal.
Da mesma forma, são proibidas de depor as pessoas que,
em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo
se desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho, segundo
preceitua o artigo 207 do Código de Processo Penal.
Portanto, como regra a testemunha tem o dever de
testemunhar e de falar a verdade, sob pena de ser acusada por falso testemunho.
Se, regularmente intimada, deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz
poderá conduzi-la, podendo requisitar força policial, inclusive.
O artigo 214 do Código de Processo Penal133 permite a
possibilidade de a testemunha ser contraditada.
Norberto Avena134 defende que, embora o artigo 214 não
seja explícito, sua redação permite concluir que a contradita e a arguição de
defeito não são expressões sinônimas e, ainda, não são aplicáveis aos mesmos
casos.
Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci135, contradita é:
[...] a impugnação ou objeção apresentada pela parte, geralmente, me relação à testemunha arrolada pelo adversário. Diz respeito, especificamente, às pessoas que não podem depor (art. 207, CPP) ou às que não devem ser compromissadas (art. 208, CPP).
133 Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir
circunstâncias ou defeitos, que tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé [...]. 134 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 514. 135 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 482.
37
E, por sua vez, Avena136 explica que a argüição de defeito
‘’ocorrerá quando alguma das partes tiver ciência de fatos que tornem a
testemunha indigna de fé ou suspeita de parcialidade’’.
Assim, conclui-se que contraditada diz respeito as pessoas
que são proibidas de depor (art. 207, CPP) e as pessoas que deverão depor sem
prestarem compromisso por constarem no artigo 208 do CPP e, por outro lado, a
argüição de defeito diz respeito a situações específicas da testemunha, que
sugerem não ser ela isenta. Exemplo: amigo íntimo ou inimigo capital das partes.
As testemunhas podem ser classificadas em diretas,
indiretas, próprias, impróprias, informantes, numerárias e referidas.
A respeito da classificação, preconiza Fernando da Costa
Tourinho Filho137:
Diz-se direta a testemunha, quando depõe sobre fatos a que assistiu. Indireta, quando depõe sobre fatos cuja existência sabe por ouvir dizer. [...] Própria é a testemunha que depõe sobre os fatos objeto do processo, cuja existência conhece de ciência própria ou por ouvir dizer. Diz-se imprópria, quando depõe sobre um ato, fato ou circunstância alheia ao fato objeto do processo e que se imputa ao acusado. [...] Dizem-se numerárias as testemunhas que prestam compromisso e informantes aquelas que não o prestam. Ainda há as chamadas testemunhas referidas, que são terceiras pessoas indicadas no depoimento de outra testemunha.
O autor Norberto Avena138 ainda classifica as testemunhas
como judicial, ou seja, aquela inquirida pelo juiz independentemente de
requerimento das partes.
2.2.4 Do reconhecimento de pessoas e coisas
Reconhecimento ‘’é o meio processual de prova,
eminentemente formal, pelo qual alguém é chamado para verificar e confirmar a
136 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 515. 137 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 319/320. 138 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 508.
38
identidade de uma pessoa ou coisa que lhe é apresentada com outra que viu no
passado’’139.
O autor Fernando Capez140 identifica seis tipos de
reconhecimento:
a) imediato: quando não há por parte do reconhecedor qualquer necessidade de exame ou análise; b) mediato: o reconhecedor sente a necessidade de um esforço evocativo para chegar ao resultado final; c) analítico: as duas fases separam-se nitidamente – depois da reminiscência (recordação, aquilo que se conserva na memória), o reconhecedor começa a examinar detalhes para através de partes chegar ao resultado objetivado; d) mediante recordação mental: há apenas uma impressão de reminiscência (‘’acho que conheço’’, cujo resultado final, com a certeza e a localização, somente será obtido dias depois; e) direto: visual e auditivo; f) indireto: através de fotografia, filme, vídeo, gravação sonora etc.
O reconhecimento pode ser de pessoas ou coisas. O
reconhecimento de pessoas exige uma forma específica para a produção da
prova, com o fim de se evitar má-fé, indução ou até mesmo o engano.
Assim, o artigo 226 do Código de Processo Penal exigiu as
seguintes cautelas: a) descrição prévia da pessoa; b) colocação da pessoa ao
lado de outras que com ela tiverem semelhanças, salvo impossibilidade de fazê-
lo; c) havendo constrangimento da pessoa chamada para o reconhecimento, a
autoridade deverá providenciar local adequado para que a pessoa a ser
reconhecida não visualize a outra; d) lavratura de um auto pormenorizado, o qual
será subscrito pela autoridade, por quem reconheceu e por duas testemunhas
presenciais.
Não sendo observadas as formalidade legais, ‘’o
reconhecimento, mesmo assim, não perde todo o seu valor, valendo como
elemento de convicção do julgador’’.141
139 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 346. 140 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 346/347. 141 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 309.
39
E quanto ao reconhecimento realizado por meio de
fotografias, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que ‘’o
reconhecimento fotográfico, como meio de prova, é plenamente apto para a
identificação do réu [...], desde que corroborado por outros elementos [...]’’.142
Na mesma linha, afirma Norberto Avena143:
E quanto ao reconhecimento realizado através de fotografia? Tem sido admitida essa forma de reconhecimento como meio legítimo de prova, embora com valor inferior ao reconhecimento pessoal. Isso porque a fotografia, dependendo do ângulo, da luz e da própria qualidade do equipamento empregado pode mascarar a realidade, permitindo perigosos equívocos.
Júlio Fabbrini Mirabete preleciona que o reconhecimento de
pessoa realizado na fase policial ‘’tem um valor reduzido, e não absoluto, como
prova’’.144
No que concerne ao reconhecimento de coisas, que são
instrumentos utilizados na prática de crimes, armas, objetos furtados, etc., o artigo
227 do Código de Processo Penal preceitua que o procedimento deverá obedecer
as cautelas do reconhecimento de pessoas, no que for aplicável. Dessa forma,
evidentemente que o julgador deve abster-se do inciso III, do artigo 226, o qual
trata da preservação visual da pessoa do reconhecedor.
Visando evitar a comunicação entre as pessoas chamadas a
efetuar o reconhecimento de pessoas ou coisas, cada uma fará a prova em
separado, consoante artigo 228 do Código de Processo Penal.
2.2.5 Da acareação
O procedimento relativo à acareação tem previsão legal nos
artigos 229 e 230 do Código de Processo Penal e consiste no ‘’ato de natureza
142 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 358. 143 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 535. 144 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 309.
40
probatória, no qual duas ou mais pessoas são colocadas frente a frente, para
elucidarem pontos controvertidos de suas declarações [...]’’145.
Pode ser feita entre acusados; entre acusado e testemunha;
entre testemunhas; entre acusado e ofendido; entre testemunhas e ofendido e
entre as pessoas ofendidas (art. 229 do CPP).
Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os
pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação (art. 229,
parágrafo único, do CPP).
Pode ser requerida por qualquer das partes e, também,
determinada pela autoridade policial e pela autoridade judiciária. O autor
Guilherme de Souza Nucci146 ensina que ‘’a sua realização fica ao prudente
critério do julgador, visto ser a ele que o conjunto probatório se destina. Portanto,
nem sempre o indeferimento [...] configura [...] cerceamento’’.
Se essencial para a descoberta da verdade real e não
importe demora prejudicial ao processo, no caso da ausência de alguma
testemunha, cujas declarações divirjam das de outra que esteja presente, o juiz,
se entender conveniente, poderá determinar a expedição de carta precatória a fim
de subsistir a discordância (art. 230, CPP).
2.2.6 Dos documentos
A prova documental se encontra prevista nos artigos 231 a
238 do Código de Processo Penal.
Nos termos legais, documento é todo e qualquer escrito,
instrumento ou papéis, públicos ou particulares, inclusive a fotografia do
documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original (art. 232
do CPP).
145 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 767. 146 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 503.
41
Nota-se que o Código de Processo Penal diferenciou
instrumento de papéis. O instrumento, por sua vez, ‘’é o escrito pré-constituído
para a prova’’147, de modo que papéis se entende como ‘’aquele feito sem o
propósito de servir de prova, podendo, entretanto, exercer tal função,
ocasionalmente’’148.
Segundo Guilherme de Souza Nucci149 documento é:
[...] toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva para expressar e provar um fato ou acontecimento juridicamente relevante. São documentos, portanto: escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras, disquetes, CD’s, e-mails, entre outros.
Conforme ensina Fernando Capez150, o documento possui
três aspectos: dispositivo, constitutivo e probatório:
a) dispositivo: quando necessário e indispensável para a existência do ato jurídico; b) constitutivo: quando elemento essencial para a formação e validade do ato, considerado como integrante deste; c) probatório: quando a sua função é de natureza processual.
A produção da prova pode ser espontânea, quando a própria
parte apresenta ou provocada, que se faz na forma do artigo 234 do Código de
Processo Penal.
O artigo 233 do Código de Processo Penal possibilita ao
destinatário de cartas a utilização como prova, para a defesa de seu direito,
mesmo sem o consentimento do remetente. Contudo, não são admitidas como
meio de prova cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos.
O documento público tem presunção relativa de veracidade,
não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o
147 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 366. 148 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 366. 149 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 505. 150 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 350.
42
funcionário declarar que ocorreram em sua presença, nos moldes do artigo 364
do Código de Processo Civil.
Já, o documento particular, por seu turno, considera-se
autêntico quando: ‘’a) a firma do signatário for reconhecida por oficial público; b)
aceitos como autêntico por quem possa prejudicar; c) ou quando a letra e/ou a
firma forem provados por exame pericial’’.151
As declarações constantes do documento particular, escrito
e assinado ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao
signatário (art. 368, CPC). Contudo, se a letra e firma forem contestadas serão
submetidas a exame pericial (art. 235, CPP).
Os documentos originais, juntos a processo findo, quando
não exista motivo relevante que justifique a sua conservação nos autos, poderão,
mediante requerimento e ouvindo o Ministério Público, ser entregues à parte que
os produziu, ficando traslado nos autos (art. 238, CPP).
2.2.7 Dos indícios
O indício é um meio de prova, classificado como prova
indireta, ‘’uma vez que obtida através de raciocínio lógico’’.152
Nos termos do artigo 239 do Código de Processo Penal,
considera-se indícios a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação
com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias.
Importe diferenciar indícios de presunção. Para tanto, o
autor Guilherme de Souza Nucci153 explica:
Presunção não é um meio de prova válido, pois constitui uma mera opinião baseada numa suposição ou uma suspeita. É um simples processo dedutivo. [...] indícios possibilitam atingir o
151 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 768. 152 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 360. 153 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 515.
43
estado de certeza no espírito do julgador, mas as presunções apenas impregnam-no de singelas probabilidades e não podem dar margem à condenação.
Acerca do valor probatório dos indícios, preleciona Julio
Fabbrini Mirabete154:
[...] a prova indiciária, também chamada circunstancial, tem o mesmo valor das provas diretas, como se atesta na Exposição de Motivos, em que se afirma não haver hierarquia de provas por não existir necessariamente maior ou menor prestígio de uma com relação a qualquer outra. Assim, indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória [...]. Não são suficientes para fundamentar uma decisão condenatória indícios isolados, que permitam uma explicação diferente, ou seja, de que o acusado poderia não ter praticado o ilícito.
Assim, indício é um meio de prova que isoladamente não
tem força suficiente para levar a uma condenação e, quando em conformidade
com as demais provas coligidas ao processo, pode ensejar uma condenação.
2.2.8 Da busca e apreensão
A busca e apreensão se encontram tipificada nos artigos 240
a 250 do Código de Processo Penal. Embora o legislador trate do assunto em um
único capítulo, importante ressaltar que busca e apreensão são termos diferentes.
Entende-se por busca ‘’o movimento desencadeado pelos
agentes do Estado para a investigação, descoberta e pesquisa de algo
interessante para o processo penal, realizando-se em pessoas ou lugares’’.155
E, por apreensão: ‘’vem a ser a medida que se sucede à
busca. Uma vez procurada e encontrada a pessoa ou coisa (busca), proceder-se-
á à apreensão, [...] já que a apreensão é o objeto da busca’’.156
154 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 318. 155 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 515. 156 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 383/384.
44
A busca e apreensão possuem natureza jurídica mista, pois
‘’pode significar um ato preliminar à apreensão de produto de crime [...]. Pode
significar, ainda, um meio de prova, quando a autorização é dada pelo juiz’’157.
Sobre a natureza jurídica, afirma o Procurador de Justiça
Denilson Feitoza158:
A busca e apreensão têm dupla natureza jurídica: a) para a lei: meio de prova, de natureza acautelatória e coercitiva; b) para doutrina: também medida acautelatória, destinada a impedir o perecimento de coisas e pessoas. Nessa linha, pode ser medida cautelar real ou pessoal, conforme o objeto da busca, seja, respectivamente, coisa ou pessoa.
A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento
de qualquer das partes (art. 242 CPP). O objeto pode ser pessoa ou coisa.
A teor do art. 242, §1°, do Código de Processo Pena l,
proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: a)
prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios
criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos
falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos
utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos
necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas
ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o
conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender
pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.
A Constituição Federal estabeleceu no artigo 5°, XI , que a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Portanto, a busca só poderá ser realizada por meio de
mandado judicial, com exceção nos casos da busca ser feita pessoalmente pela
157 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 516. 158 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 771.
45
autoridade judicial; de o morador autorizar ou se estiver ocorrendo flagrante delito
no interior da residência.
E, proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada
suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida, objetos obtidos por meios
criminosos, cartas e para colher qualquer elemento de convicção, conforme
dispõe o artigo 242, §2° do Código de Processo Pena l.
Nos termos do artigo 250 do Código de Processo Penal, a
autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território de jurisdição alheia,
ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no
seguimento da pessoa ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade
local, antes da diligência ou após, conforme a urgência desta.
2.3 PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS
O artigo 5°, LVI, da Constituição Federal dispõe qu e são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Entende-se por prova obtida por meios ilícitos as provas
‘’que sejam incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e à
dignidade humana, os meios cuja utilização se opõem às normas reguladoras do
direito que, com caráter geral, regem a vida social de um povo’’.159
O autor Fernando Capez160 sustenta que provas obtidas por
meios ilícitos são as realizadas de modo que contrariem os requisitos impostos
pelo ordenamento jurídico. Ensina que esses requisitos se dividem em formal e
material:
A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua origem. Já a ilicitude material delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito e pelo qual se
159 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 253. 160 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 284.
46
consegue um dado probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar, violação do sigilo epistolar, constrangimento físico, psíquico ou moral a fim de obter confissão ou depoimento de testemunha.
Em síntese, provas obtidas por meios ilícitos são aquelas
conseguidas com violação ao direito material ou processual. A doutrina quando se
refere ao assunto em tela, divide as provas em ilícitas e ilegítimas.
Sobre o assunto, Julio Fabbrini Mirabete161 conceitua prova
ilícita como ‘’as que contrariam as normas de Direito Material, quer quanto ao
meio ou quanto ao modo de obtenção’’.
E, Fernando Capez162 complementa no sentido de que
também ‘’serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou
contravenção, as que violem normas do Direito Civil, Comercial ou Administrativo,
bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais’’.
Define o artigo 157 do Código de Processo Penal prova
ilícita como aquela obtida em violação a normas constitucionais ou legais e
quando acostada aos autos devem ser desentranhadas, uma vez que é
inadmissível.
Preclusa a decisão de desentranhamento da prova
declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando às
partes acompanhar o incidente (art. 157, CPP).
Norberto Avena163 cita alguns exemplos decorrentes de
violação direta ao texto constitucional:
a) interceptação telefônica realizada sem ordem judicial; b) prova obtida mediante violação de correspondência lacrada; c) gravação ambiental de sons e imagens no interior de residência privada, mediante a utilização de aparelho eletrônico clandestinamente colocado no interior do recinto; d) busca e apreensão domiciliar sem ordem judicial, abstraídas as hipóteses de flagrante,
161 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 253. 162 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 286. 163 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 535.
47
desastre, socorro ou consentimento do morador; e) interrogatório policial do flagrado sob coação.
E prossegue citando outros casos que afrontam
indiretamente a Constituição Federal, ou seja, dispositivos infraconstitucionais
com conteúdo material:
a) interrogatório judicial do réu sem a presença de advogado; b) interrogatório judicial do réu sem que tenha o juiz, previamente, concedido a ele e seu defensor o direito de entrevista prévia e reservada; c) interrogatório judicial do réu sob coação.
Conforme aponta o §1° do artigo 157 do Código de Pr ocesso
penal e se conhece na doutrina como teoria dos frutos da árvore envenenada, são
também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Na mesma linha, o §2° do referido artigo, conceitua fonte
independente, a qual é aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova.
O autor Júlio Fabbrini Mirabete164 comenta que ‘’Não são
ilícitas [...] as provas admitidas quando o interessado consente na violação de
seus direitos assegurados constitucionalmente ou pela legislação ordinária’’,
desde que sejam direitos disponíveis.
Com relação às provas ilegítimas, Fernando Capez165 ensina
que ocorre ‘’quando a norma afrontada tiver natureza processual’’.
Sobre o assunto, Norberto Avena166 ensina que, ao contrário
das provas ilícitas, essas não tem reflexo em nível constitucional, citando alguns
exemplos:
164 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 253. 165 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 285. 166 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 403.
48
a) Perícia realizada por apenas um perito não-oficial, ou seja, aquele nomeado pelo delegado ou pelo juiz na ausência de perito oficial; b) reconhecimento judicial do réu realizado com inobservância das formalidades legais do art. 226 do CPP; c) juntada pela defesa, aos autos, de notícia jornalística e declarações de testemunhas, informando a morte do réu, para fins de extinção da punibilidade com base no art. 107, I, do CP.
No mesmo sentido, afirma Julio Fabbrini Mirabete167 que são
ilegítimas as provas que ‘’afrontam normas de Direito Processual, tanto na
produção quanto na introdução da prova no processo’’.
Salienta-se, por oportuno, que, conforme ensinamentos de
Ada Pellegrini Grinover168, ‘’determinadas provas, ilícitas porque constituídas
mediante a violação de normas materiais ou de princípios [...], podem ao mesmo
tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impede sua produção em juízo’’.
Dessa forma, verifica-se que prova ilícita é a prova que
contraria as normas de direito material e, por outro lado, prova ilegítima é aquela
que contraria normas de direito processual.
Após a conceituação da acepção da palavra prova, definição
dos objetivos e uma breve explanação das principais espécies de prova,
diferenciando inclusive provas ilícitas e ilegítimas, serão abordados no próximo
capítulo, em síntese, os três sistemas processuais utilizados na evolução histórica
do direito, bem como tratar-se-á da gestão da prova no processo penal brasileiro
e da gestão da prova como elemento determinante do sistema processual.
167 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 253. 168 GRINOVER apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.253.
49
CAPÍTULO 3
O PROCESSO PENAL BRASILEIRO E O SISTEMA INQUISITIVO
3.1 SISTEMA INQUISITIVO
O processo do tipo inquisitivo ‘’tem suas raízes no Direito
Romano, quando, por influência da organização política do Império, se permitiu ao
juiz iniciar o processo de ofício’’.169
O sistema inquisitivo ‘’correspondia à concepção de um
poder central absoluto, com a centralização de todos os aspectos do poder
soberano (legislação, administração e jurisdição) em uma única pessoa’’. 170
Sobre a origem do processo inquisitivo, o autor Denilson
Feitoza171 afirma:
Desenvolveu-se em razão da convergência de interesses entre a igreja católica, que afirmava sua universalidade e lutava contra os infiéis, e os estados nacionais sob o regime de monarquia absoluta, que procuravam se firmar contra o poder feudal.
Sobre o assunto, destaca Fernando Capez172 as
características desse sistema:
É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram frequentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão.
Por sua vez, Fernando da Costa Tourinho Filho173
complementa afirmando: 169 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.21. 170 FEITOSA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 61. 171 FEITOSA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 61. 172 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 46.
50
O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não existe o contraditório, e, por isso mesmo, inexistem as regras da igualdade e da liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas em uma só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação, que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.
Portanto, o sistema processual inquisitivo se caracterizou
pelo sigilo do processo judicial, inexistindo contraditório e reunindo na mesma
pessoa as funções de acusar, defender e julgar.
3.2 SISTEMA ACUSATÓRIO
O sistema acusatório ‘’foi criado pelos gregos, desenvolvido
pela república romana e conservado, até hoje, na Inglaterra’’.174
O procedimento do tipo acusatório é ‘’contraditório, público,
imparcial, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar,
defender e julgar a órgãos distintos’’.175
Para Mirabete é um sistema que ‘’implica o estabelecimento
de uma verdadeira relação processual [...], estando em pé de igualdade o autor e
o réu, sobrepondo-se a eles, como órgão imparcial [...], o juiz’’.176
Os traços que marcam esse sistema, segundo Tourinho
Filho177, são:
[...] a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do
173 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 88. 174 FEITOSA, Denilson. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis. p. 60. 175 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.45. 176 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 21. 177 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 86.
51
contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo; e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado.
O autor Norberto Avena178 sustenta que o sistema
acusatório pressupõe diversas garantias constitucionais:
Em termos de Constituição Federal, a contemplação desse tipo de processo penal encontra-se nítida em várias disposições, como no artigo 5°, incisos I (isonomia processual), LIV (de vido processo legal), XXXVII e LIII (juiz natural), LV, LVI e LXII (ampla defesa), e LVII (presunção de inocência) e, ainda, no artigo 93, IX (obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais).
Acerca do assunto, Capez179 acrescenta ainda o princípio da
tutela jurisdicional (artigo 5°, XXXV, da CF), gara ntia do acesso à justiça (artigo
5°, LXXIV, da CF), tratamento paritário das partes (artigo 5°, caput, e I, ambos da
CF) e publicidade dos atos processuais (artigo 93, IX, da CF).
Por fim, salienta-se que o sistema do tipo acusatório
consoante sustenta os autores Julio Fabbrini Mirabete, Fernando Capez,
Fernando da Costa Tourinho Filho e Norberto Avena, é modelo adotado no
processo penal brasileiro.
178 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. p.7. 179 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 45.
52
3.3 SISTEMA MISTO
Também chamado de sistema acusatório formal, ‘’é
constituído de uma instrução inquisitiva (de investigação preliminar e instrução
preparatória) e de um posterior juízo contraditório (de julgamento)’’.180
Sobre o surgimento do sistema processual misto preconiza
Fernando da Costa Tourinho Filho181:
Surgiu após a Revolução Francesa. A luta dos enciclopedistas contra o processo inquisitivo, até então vigorante, não cessava, e, logo após a maior revolução de que se tem memória, ele desapareceu e o Code d’Instruction Criminelle de 1808 introduziu na França o denominado processo misto, seguindo-lhe as pegadas todas ou quase todas as legislações da Europa Continental. [...] Esse sistema misto, que se espalhou por quase toda a Europa continental, no próprio século em que surgiu, começou a sofrer sérias modificações, dada a tendência liberal da época, exigindo fossem aumentadas as garantias do réu.
Com relação a esse sistema processual, ensina Hélio
Tornaghi182:
Misto, porque nele o processo se desdobra em duas fases; a primeira é tipicamente inquisitória, a outra é acusatória. Naquela faz-se a instrução escrita e secreta, sem acusação, e, por isso mesmo, sem contraditório. Apura-se o fato em sua materialidade e a autoria, ou seja, a imputação física do fato ao agente. Nesta o acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga. É pública e oral.
No mesmo sentido, afirma Norberto Avena183:
Abrange duas fases processuais distintas: uma inquisitiva, destituída de contraditório, publicidade e defesa, na qual é realizada uma investigação preliminar e uma instrução preparatória; outra, posterior a essa, corresponde ao momento em que se realizará o julgamento, assegurando-se ao acusado, nesta segunda fase, todas as garantias do processo acusatório.
180 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 22. 181 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. I. p. 89. 182 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9. ed.. São Paulo: Saraiva, 1995. v. I p. 17-18. 183 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. p.9.
53
Assim, verifica-se que o sistema processual é subdividido
em duas fases processuais, uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma
investigação preliminar, e uma fase final acusatória, em que se contempla todas
as garantias constitucionais ao julgamento.
3.4 A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Como explicado nos subtítulos supracitados, existem três
espécies de sistemas processuais penais: inquisitivo, acusatório e misto, cada
qual com as suas características próprias.
Para a doutrina tradicional, o sistema acusatório, como já
estudado, existe quando o processo é público, há contraditório e quem acusa,
julga e defende são partes distintas.
Sobre esse sistema processual Julio Fabbrini Mirabete184,
por sua vez, aponta alguns traços marcantes:
a) contraditório como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo; excepcionalmente permite-se uma publicidade restrita ou especial; d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo; e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes [...].
Nesse sistema, segundo José Frederico Marques185 ‘’[...]
autor e réu se encontram em pé de igualdade, sobrepondo-se a ambos, como
órgão imparcial de aplicação da lei [...] o juiz’’.
E, ainda, Frederico Marques186 prossegue afirmando que a
iniciativa do processo cabe a parte acusadora e não ao juiz ex-officio. Observa-se:
184 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 21-22. 185 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. I. p. 66.
54
A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu.
Na mesma linha, pondera Norberto Avena187 que ‘’este
sistema rege-se pela imparcialidade do magistrado, relegando-se à polícia
judiciária a atividade investigatória sob o controle externo do Ministério Púbico
[...]’’.
Assim, para a doutrina tradicional, subentende-se que para a
caracterização do sistema acusatório, deve haver a iniciativa atribuída às partes,
o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, a oralidade e a
publicidade dos procedimentos, o tratamento igualitário das partes e a sentença
sustentada pelo livre convencimento motivado. Partindo dessas características
formar-se-ia um sistema acusatório compatível com o ordenamento jurídico
constitucional.
E, em contrapartida, o sistema processual inquisitivo que
predominou com plenitude até o final do século XVIII e início do século XIX, tinha
como objetivo principal a verdade absoluta dos fatos. Essa verdade era
alcançada, muitas vezes, por meio de tortura ou manipulação da prova, sempre
com o fim de obter a confissão do acusado. Uma vez que obtida a confissão,
considerada a rainha das provas no sistema de prova tarifada, o inquisidor já
poderia condenar o acusado.188
Nesse sistema, as atividades de acusar e julgar se
confundem, pois é permitido que o magistrado atue de ofício, bem como busque
de ofício o material probatório que irá servir para proferir sua sentença. Sobre o
tema, preleciona Gilberto Thuns189:
186 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. I. p. 66. 187 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. p. 7. 188 LOPES Jr. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional. 3.ed. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2008. p. 64/65. 189 THUNS, Gilberto. Sistemas processuais penais. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p.
202.
55
[...] o sistema inquisitório caracteriza-se pela reunião das funções de persecução e julgamento num único órgão estatal. É típico de concepção de Estado absolutista, havendo concentração de todo poder nas mãos do soberano [...]. A prova pode ser obtida por qualquer meio, ainda que cruel [...]. O objetivo é a verdade a qualquer custo.
Também, acerca das características do sistema inquisitório,
Fernando da Costa Tourinho Filho190 ressalta que ‘’o segredo alcançava o lugar e
a forma dele, a pessoa do julgador, o pronunciamento da sentença e, também, às
vezes, era secreto o próprio momento da execução da condenação’’.
Assim, para a doutrina tradicional, pode-se afirmar que o
sistema inquisitivo se caracteriza pelo sigilo do processo judicial, inexistindo
contraditório e concentrando as funções de acusar, defender e julgar a uma só
pessoa.
E, por derradeiro, o sistema processual misto se destaca por
abranger duas fases processuais distintas: inquisitório na fase de investigação
preliminar e acusatória no julgamento.191
Não obstante a doutrina tradicional entender que para se
estabelecer o sistema processual (se inquisitivo ou acusatório) é necessário
observar as características acima descritas, há uma parte da doutrina que
sustenta que o elemento que define o sistema processual é a gestão da prova, ou
seja, quem tem o poder/dever de produzir a prova.
A respeito disso, Aury Lopes Jr.192 explica que o ‘’sistema
legal das provas varia conforme tenhamos um sistema inquisitório ou acusatório,
pois é a gestão da prova que funda o sistema’’.
E, Geraldo Prado193 explica que ‘’a gestão da prova e
acusação são atividades que não dizem nada se não olharmos quem – que
sujeitos [...] – realiza estes atos.
190 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 88. 191 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 22. 192 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. 4.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2009. v. I. p. 525.
56
Já o autor Jacinto Coutinho194, por sua vez, afirma que o
processo tem como finalidade buscar a reconstituição de um fato histórico, ou
seja, o crime, ‘’de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do
processo penal, estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios
informadores’’: princípio dispositivo e princípio inquisitivo. Este a gestão da prova
se encontra nas mãos do julgador, por isso funda um sistema inquisitório e aquele
a gestão da prova está nas mãos das partes e assim funda o sistema acusatório.
Outrossim, Geraldo Prado195 assinala que o processo
acusatório se diferencia do inquisitório, porque este último ‘’se satisfaz com o
resultado obtido de qualquer modo, pois nele prevalece o objetivo de realizar o
direito penal material’’, enquanto no processo acusatório o que se prima é a
defesa dos direitos fundamentais do acusado ‘’contra a possibilidade de arbítrio
do poder de punir que define o horizonte do mencionado processo’’.
Aury Lopes Jr.196 lembra que ao ‘’atribuir a gestão e o poder
de iniciativa probatória ao juiz, funda um sistema inquisitório e, como
consequência, afeta o próprio regime legal das provas’’.
Na mesma linha, Geraldo Prado197 salienta que se o
poder/dever da prova está nas mãos do magistrado, o sistema processual é o
inquisitivo:
No sistema inquisitório, portanto, os atos atribuídos ao juiz devem ser compatíveis com o citado objetivo. [...] o juiz cumpre função de segurança pública no exercício do magistério penal. Essa linha de raciocínio permite abarcar todos os atos judiciais inquisitórios em um só plano. Exercer a ação penal no lugar de terceiro, quer originalmente como previa o artigo 531 do Código de Processo
193 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.104. 194 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do processo penal
brasileiro. Revista de Estudos Criminais . Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01, 2001. 195 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais.p.104. 196 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucioanal. v. I. p. 520. 197 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais.p. 105.
57
Penal brasileiro, quer de modo superveniente, interferindo na delimitação do objeto do processo (como ocorre com a mutatio libelli), significa prestigiar a idéia de que a punição não pode depender de um autor de ação penal independente e livre para apreciar se deve ou não acusar e o que deve (ou não) incluir na acusação.
E continua explicando:
[...] atribuir ao juiz o poder de produzir provas de ofício deforma o duelo intelectual [...]. Supor que a atividade probatória está desvinculada do exercício dos “direitos processuais’’ [...] e imaginar, por outro lado, que o juiz exerce ‘’direitos’’ no processo importa controlar o material da decisão para reduzir as brechas da impunidade.
O exercício da ação penal pelo juiz, a produção de provas
de ofício e o recurso igualmente de ofício compõem o chamado direito de ação,
pois essas tarefas apontam para a prevalência do interesse em punir sobre o de
tutelar os direitos fundamentais do réu, podendo ser reunidas como tarefas de
acusação.198
Desse modo, pode-se afirmar que a característica
fundamental do sistema processual inquisitivo está na gestão da prova, confiada
essencialmente ao magistrado199. Assim, ‘’não existe a necessária separação
entre o agente encarregado da aquisição e aquele que deve fazer o juízo de
admissibilidade da prova no processo’’200.
Acerca do exposto, Aury Lopes Jr.201 deixa claro que o
sistema que vigora no Código de Processo Penal é o inquisitivo, porém ‘’não é o
modelo inquisitório historicamente concebido na sua pureza, mas uma
neoinquisição que coexiste com algumas características acessórias mais afins
com o sistema acusatório, como a publicidade, oralidade [...]’’.
198 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.105. 199COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal .
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 24. 200 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p. 521. 201 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p. 522.
58
Portanto, quando o juiz tem o poder/dever de produzir a
prova o sistema é o inquisitório, sendo que os elementos citados pela doutrina
tradicional são acessórios e não determinantes para caracterizar o sistema. Logo,
pode existir um sistema inquisitivo com contraditório, publicidade, dentre outras
características.
Já, no sistema acusatório há ‘’existência de parte autônoma,
encarregada da tarefa de acusar, funciona para deslocar o juiz para o centro do
processo, cuidando de preservar a nota de imparcialidade que deve marcar a sua
autuação’’.202
Nesse sistema, o juiz ‘’assume uma posição de espectador,
sem iniciativa probatória. Forma sua convicção através dos elementos probatórios
trazidos ao processo pelas partes (e não dos quais ele foi atrás)’’203.
A propósito, é importante transcrever os ensinamentos de
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho204:
O mais importante [...] ao sistema acusatório [...] é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de ‘’quadro mental paranóico’’, em face de não ser, por excelência, o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase que por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a ‘’sua’’ versão [...].
Geraldo Prado205, por seu turno, preleciona que a
acusatoriedade real depende da imparcialidade do juiz, porque sua tarefa mais
importante é decidir a causa, a qual ‘’é fruto de uma consciente e meditada opção
entre duas alternativas, em relação às quais se manteve, durante todo o tempo,
equidistante’’.
202 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.106. 203 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p. 522. 204 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal. p.
32. 205 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais.p.108.
59
Nesse norte, o que se pretende do magistrado no sistema
acusatório é a preservação de um órgão neutro e imparcial que ‘’por não ter
interesse direto no caso, tutelaria a igualdade das partes no processo’’.206
Por outro lado, como bem aduz Jacinto Coutinho, é preciso
que fique claro que ‘’não há imparcialidade, neutralidade e, de consequência,
perfeição na figura do juiz, que é um homem normal e como todos os outros,
sujeito à história de sua sociedade e à sua própria história’’207.
Destarte, se a gestão da prova estiver exclusivamente nas
mãos das partes, o sistema processual é o acusatório. Releva-se destacar que
esse sistema não impera no Código de Processo Penal, em virtude da atuação ex
officio do juiz.
Embora exista o sistema processual misto, na sua essência
ele será inquisitório ou acusatório, visto não existir um princípio informador misto.
Assim, significa dizer que no sistema inquisitório, fundado através do princípio
inquisitivo, a gestão da prova está nas mãos do julgador e, em contrapartida, no
sistema acusatório, decorrente do princípio dispositivo, a gestão da prova é
encarregada às partes.208
3.5 A GESTÃO DA PROVA COMO ELEMENTO DETERMINANTE DO SISTEMA
PROCESSUAL
A partir dos ensinamentos acima, verifica-se que o sistema
que define o Código de Processo Penal, segundo a doutrina de Geraldo Prado,
Aury Lopes Jr. e Jacinto Miranda Coutinho é o inquisitivo, porquanto a gestão da
206 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal. p.
44. 207 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal. p.
15. 208 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do processo penal
brasileiro. Revista de Estudos Criminais . p. 28.
60
prova está nas mãos do magistrado, bastando analisar alguns artigos que
dispõem sobre a atuação ex officio do juiz.
O Código de Processo Penal sofreu recentemente
importantes e profundas modificações trazidas pelas Leis n. 11.689/2008, n.
11.690/2008 e n. 11.719/2008 referentes ao Tribunal do Júri, às provas e aos
procedimentos penais em gerais, respectivamente.
Essa reforma surgiu com o escopo de modernizar a lei e
alcançar a celeridade e a efetividade do processo penal brasileiro, porém trouxe
em seu bojo importantes mudanças, notadamente a que se refere ao poder do
juiz ordenar a produção antecipada de provas antes mesmo de iniciada a ação
penal.
A constituição Federal, por força do artigo 129, inciso I,
estabelece um modelo processual acusatório, de forma que o processo penal
deve ser formado por uma relação jurídica triangular, ou seja, autor (titular da
ação penal), juiz e réu.
Porém, em que pese a Carta Magna traga como sistema
processual o modelo acusatório, a doutrina diferenciada sustenta que, em razão
da gestão da prova estar também nas mãos do juiz, o Código de Processo Penal
é inquisitório. Assim, passa-se a fazer uma análise de forma isolada de cada
dispositivo que reflete isso.
Dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal, com
redação alterada pela Lei n. 11.690, de 2008:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
61
Segundo Guilherme de Souza Nucci209 existem basicamente
três sistemas de avaliação da prova: a) livre convicção; b) prova legal; c)
persuasão racional.
O autor supracitado define livre convicção como sendo ‘’o
método concernente à valoração livre [...], significando não haver necessidade de
motivação para suas decisões’’210. Esse sistema é o adotado no Tribunal do Júri,
uma vez que os jurados não motivam o voto.
E, continua explicando o sistema denominado prova legal:
É o método ligado à valoração taxada ou tarifada da prova, significando o pré-estabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem como restringindo na sua atividade de julgar. [...] Há resquícios desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova, v.g., art. 158, CPP, demandando o exame de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal, que deixar vestígios, vedando a sua produção através da confissão211.
Por derradeiro, entende que o sistema de persuasão
racional, também chamado de livre convencimento motivado ou convencimento
racional, é um sistema misto, consubstanciado na ‘’permissão dada ao juiz para
decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, no entanto,
cuidar de fundamentá-la, nos autos, buscando persuadir as partes [...]’’212. Trata-
se do sistema adotado pelo Código de Processo Penal, encontrando fundamento
no artigo 93, IX, da Constituição Federal.
Já para Julio Fabbrini Mirabete e Norberto Avena além dos
sistemas acima mencionados, existiram também o sistema étnico e o sistema
religioso ou ordálio. O primeiro era a ‘’apreciação das provas ao sabor das
impressões do juiz, que as aferia de acordo com sua própria experiência, num
209 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 339. 210 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 339. 211 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 339. 212 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 339.
62
sistema empírico’’213. O segundo era um sistema em que se invocava ‘’o
julgamento divino, através das ordálias, dos duelos judiciários e dos juízos de
Deus’’.214
Assim, levando em conta o sistema do livre convencimento
motivado, o juiz analisando o conjunto probatório, notadamente o que foi
produzido sob o crivo do contraditório, formará sua convicção livremente, desde
que motivada e calçada nos parâmetros constitucionais.
Com a nova redação do artigo 156 do Código de Processo
Penal, o poder instrutório do magistrado se potencializou com relação a redação
anterior, porquanto agora é expressamente permitido que o juiz ordene de ofício a
produção de provas nas duas fases da persecução penal. Veja-se:
A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevantes.
A recente reforma manteve o caput do artigo, o qual dispõe,
na primeira parte, que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Como regra,
no processo penal o ônus da prova é da acusação que apresenta sua pretensão
em juízo por meio da denúncia e da queixa-crime. Entretanto, ‘’o réu pode chamar
a si o interesse de produzir prova, o que ocorre quando alega, em seu benefício,
algum fato que propiciará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade’’.215
Vale dizer que o ônus da prova ‘’diz respeito ao juiz, na
formação do seu convencimento para decidir o feito, buscando atingir a certeza
213 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. p. 377. 214 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 260. 215 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 334.
63
da materialidade e da autoria, de acordo com as provas produzidas’’216. Logo, em
caso de dúvida, o caminho seria a absolvição.
Contudo, não é o que aparenta a nova redação do artigo 156
do Código de Processo, pois a segunda parte desse artigo, complementada pelos
incisos I e II, confere a faculdade ao juiz, sem qualquer requerimento das partes,
o poder de ordenar a produção antecipada de provas, mesmo antes de iniciada a
ação penal, bem como determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a
sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevantes.
Importante atentar-se que o magistrado só poderá ordenar a
produção antecipada de provas se observar a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida. Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci217 leciona
que ‘’necessário é ago indispensável; adequado, algo apropriado a certo aspecto
ou estágio de investigação; proporcional significa situação equilibrada, diante da
antecipação e gravidade de produção de uma prova antes de iniciada a ação
penal’’.
Portanto, a nova redação do artigo 156 aprofundou, no
inciso I, o poder de atuação do magistrado na fase de investigação e, em
contrapartida, o inciso II, nada foi alterado com a reforma, pois manteve a
faculdade de o juiz ordenar, no curso da instrução, a produção de provas para
dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Nesse contexto, o legislador ao atribuir poderes instrutórios
ao juiz violou a garantia da imparcialidade sobre a qual se estrutura o processo
penal e o sistema acusatório.218
Assim, com a recente reforma ocorrida no Código de
Processo Penal brasileiro se perdeu grande oportunidade de afastar a atuação do
juiz, sem a provocação das partes, na fase probatória e, por consequência,
afastar o sistema inquisitório do ordenamento processual.
216 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 345. 217 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 347. 218 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p. 525.
64
Acerca disso, é a lição de Nereu José Giacomolli219:
As diligências ex officio não encontram sustentação num processo penal acusatório, pois na dúvida sobre ponto relevante aplica-se o in dúbio pro reo, com solução absolutória. Determinar diligências de ofício, nessas hipóteses, significa produzir prova acusatório em detrimento do acusado.
Segundo Ferrajoli220, a figura do juiz no sistema acusatório é
definida como um órgão: a) imparcial, alheio ao interesse das partes, onde há
separação entre acusador e julgador; b) independente, que decorre da separação
institucional dos poderes, não podendo o juiz se sujeitar à interferência de outro
poder; e c) juiz natural, onde sua competência está expressamente definida em
lei.
Dessa forma, pode-se dizer que a posição do juiz na relação
processual é de órgão super partes221, que conforme preleciona o autor Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho, ‘’não significa dizer que ele está acima das partes,
mas que está para além dos interesses delas’’.222
A propósito, Geraldo Prado223 afirma que no momento em
que o magistrado passa a ordenar a produção de provas, é porque está
desconfiado da culpa do acusado e com isso ‘’investe o juiz na direção de meios
de prova que sequer foram considerados pelo órgão da acusação’’. Asseverando,
ainda, que ‘’quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em
termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência
perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador’’.224
219GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas do processo penal . Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2008.
p. 36. 220 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón : Teoria Del garantismo penal. Madrid: Trotta, 2001. p.
580. 221 MARQUES apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito
processual penal. p. 11. 222 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal. p.
11. 223 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.137. 224 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.137.
65
Nessa esteira, Aury Lopes Jr.225 dispõe que ao atribuir
poderes instrutórios ao juiz – em qualquer fase – opera a ‘’prevalência das
hipóteses sobre os fatos, porque como ele pode ir atrás da prova (e vai), decide
primeiro [...] e depois vai atrás dos fatos (prova) que justificam a decisão (que na
verdade já foi tomada)’’.
Ainda, de modo semelhante, preleciona Jacinto Coutinho226:
Abre-se ao juiz a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro’’.
Assim, estando o juiz comprometido psicologicamente,
acaba se afastando da posição de seguro distanciamento das partes. Destarte, o
juiz fundamentará sua decisão de acordo com os elementos de prova que ele
mesmo incorporou no processo, por considerá-las importantes para a resolução
da lide.227
Outrossim, nesse sentido Franco Cordero228 salienta que ao
atribuir poderes instrutórios ao magistrado independente da fase, se opera a
prevalência das hipóteses sobre os fatos, gerador de quadros mentais
paranóicos. Isso porque, o juiz que vai atrás da prova, primeiro decide (definição
da hipótese) e depois vai atrás dos fatos que justificam sua decisão (que na
verdade já foi tomada).
Com efeito, aponta Aury Lopes Júnior229:
O art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, pois representa uma quebra de igualdade, do contraditório e da própria estrutura
225 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p.
521. 226 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do processo penal
brasileiro. Revista de Estudos Criminais . p. 37. 227 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.137. 228 CORDERO apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade
constitucional. p. 75. 229 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p.
523.
66
dialética do processo. Com decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador.
Também, ensina Fernando da Costa Tourinho Filho230:
[...] o juiz somente em casos excepcionais deve empreender a pesquisa de ofício. Seu campo de ação na área de pesquisa probatória deve ser por ele próprio limitado, para evitar uma sensível quebra de sua imparcialidade. [...] o juiz que desce do seu pedestal de órgão superpartes e destas equidistante, para proceder à pesquisa e colheita do material probatório, compromete, em muito, a sua imparcialidade [...].
E, finaliza o mesmo autor afirmando que “[...] o inciso I do
art. 156 deixa entrever que o nosso processo mais se aproxima do misto que do
acusatório”, uma vez que a produção de provas ex officio pelo juiz “não é função
própria de uma pessoa de quem se exige absoluta imparcialidade”. 231
Portanto, verifica-se que o artigo 156 do Código de Processo
Penal vai contra o sistema acusatório, uma vez que a gestão da prova também
está nas mãos do juiz. Ainda, vale destacar que na dúvida o magistrado deve
absolver o réu e não produzir novas provas.
Para Goldshimidt232 é um erro psicológico ‘’crer que uma
mesma pessoa possa exercer funções antagônicas como acusar, julgar e
defender; ou em termos probatórios, ter iniciativa (probatória), realizar o juízo de
admissibilidade e gerir sua produção’’.
Em contrapartida, muitos processualistas defendem a
aplicação do artigo 156 do Código de Processo Penal, afirmando que esse
dispositivo não fere os princípios constitucionais, uma vez que o processo penal
adotou o princípio da busca da verdade real233.
230 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 248. 231 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III. p. 249. 232 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a sua Conformidade Constitucional. v. I. p.
495. 233 O termo verdade real está intimamente relacionado com o sistema inquisitivo, adotado a época
da inquisição, ‘’onde o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação, ‘detentor da verdade de um crime’, e, portanto, submetido a um inquisidor que está autorizado a extraí-la a qualquer custo’’ LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a sua Conformidade
67
Nesse sentido, entende Guilherme de Souza Nucci234:
Trata-se de decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial. Em homenagem à verdade real, que necessita prevalecer no processo penal, deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso. Não deve ter a preocupação de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas única e tão-somente atingir a verdade. O impulso oficial também é princípio presente no processo, fazendo com que o juiz provoque o andamento do feito, até final decisão, queiram as partes ou não. O procedimento legal deve ser seguido à risca, designando-se as audiências previstas em lei e atingindo o momento culminante do processo que é a prolação da sentença.
Na mesma linha, preconiza o autor Norberto Avena235 que a
produção de prova ex officio constitui corolário da verdade real e quando
ordenada ‘’não está o magistrado substituindo-se às partes no processo criminal,
mas tão-somente ordenando diligências no intuito de saber a realidade como
efetivamente ocorreram os fatos’’.
Se não bastasse, o Código de Processo Penal trouxe em
outros artigos resquícios do sistema inquisitorial, como é o caso do artigo 127 do
Código de Processo Penal:
O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, poderá ordenar o seqüestro, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa.
Nota-se que novamente o magistrado possui o poder de
ordenar o seqüestro, antes mesmo de oferecida a denúncia ou queixa, bastando
que existam indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.
Constitucional. v. I. p. 77. O autor Aury Lopes Jr. também sustenta que ‘’a verdade no processo penal é inacessível, mas, conscientes disso, (eles) montam uma estrutura que precisa legitimar a submissão ao poder, através da afirmação de que a sentença e o juiz são portadores da revelação do sagrado (verdade)’’. Portanto, a sentença nada mais é do que um ato de crença do juiz consubstanciada nas provas contidas nos autos, pois ‘’o juiz, na sentença, constrói a ‘sua’ história do delito, elegendo os significados que lhe parecem válidos [...]. O resultado final nem sempre é (e não precisa ser) a ‘verdade’, mas sim o resultado do seu convencimento’’. LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a sua Conformidade Const itucional. v. I. p. 559.
234 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 346. 235 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. p. 390.
68
Embora o autor Guilherme de Souza Nucci236 pondere que
‘’os indícios veementes devem apontar para a origem ilícita dos bens e não para a
responsabilidade do autor da infração penal’’, o juiz sem qualquer requerimento
da parte autora e não sabendo se efetivamente a denúncia ou queixa vai ser
oferecida poderá ordenar o sequestro.
De igual forma, tem-se a redação do artigo 196 do Código
de Processo Penal:
A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.
Sobre o citado dispositivo, o autor Guilherme de Souza
Nucci237 preleciona que o novo interrogatório pode ocorrer por diversas razões,
dentre elas:
a) o juiz sentenciante não é o mesmo que realizou o ato [...]; b) o juiz sentenciante ou o que preside a instrução constata a pobreza do interrogatório, realizado em poucas linhas, sem nenhum conteúdo [...]; c) o juiz interrogante entra em confronto com o réu, havendo nítida parcialidade na colheita do depoimento; d) o Tribunal entende que deve ouvir diretamente o réu, a despeito de o interrogatório já ter sido feito pelo juiz (art. 616, CPP); e) o acusado, que confessou no primeiro interrogatório, resolve retratar-se [...]; f) surge uma prova nova, como uma testemunha, desejando o réu manifestar-se sobre o seu depoimento, desconhecido até então; g) há co-réu envolvido que tenha proferido uma delação, envolvendo outro co-réu que já foi interrogado [...].
Dessa forma, depreende-se da redação do artigo 196 que
novamente a gestão da prova também está nas mãos do magistrado, de modo
que ficará a seu livre arbítrio a realização ou não de um novo interrogatório. Isso,
segundo a doutrina diferenciada, viola o princípio acusatório, adotado pela
Constituição Federal.
Também, destaca-se o artigo 209 do Código de Processo
Penal:
236 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p.315. 237 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p.427.
69
O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.
§1° Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas a s pessoas a que as testemunhas se referirem [...].
E, por fim, o artigo 311 do Código de Processo Penal:
Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelado, ou mediante representação da autoridade policial.
Da mesma maneira, observa-se da redação dos artigos
acima que novamente o juiz tem o poder de produzir prova ou até mesmo
decretar prisão de ofício, fato esse que demonstra que o Código de Processo
Penal fere o sistema acusatório, consagrado pela Constituição Federal, uma vez
que o magistrado detém a gestão da prova.
Importante ressaltar que o legislador ao atribuir a iniciativa
probatória ao magistrado, este passa atuar como parte e, em consequência, viola
a estrutura do sistema acusatório, pois as funções de investigar, acusar e julgar
se confundem.
Visando buscar uma legislação de ordem democrática e,
consequentemente, tendo por objetivo conservar a imparcialidade do juiz, o
anteprojeto238 do Código de Processo Penal trouxe, dentre outras novidades, a
figura do juiz das garantias239, o qual terá como função controlar a legalidade da
238 Projeto de Lei do Senado n. 156, de 2009, subscrito pelo Presidente do Senado Federal,
Senador José Sarney. Disponível em <http://www.senado.gov.br/novocpp/pdf/anteprojeto.pdf>. Acesso em 15 de maio de 2010.
239 Do Juiz das Garantias (sublinhou-se)
Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5° da Constituição da República;
II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543;
III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;
IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;
70
investigação criminal, ou seja, coordenar a produção da prova, salvaguardando os
direitos fundamentais do acusado.
Assim, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da
investigação e, após o oferecimento da ação penal, competirá ao juiz do processo
julgar o caso, ficando livre para avaliar as provas colhidas no inquérito policial.
V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;
VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;
VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o andamento da investigação;
XII – decidir sobre os pedidos de:
a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática;
b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.
XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por período único de 10 (dez) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será revogada.
Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal.
§1° Proposta a ação penal, as questões pendentes se rão decididas pelo juiz do processo.
§2° As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso.
§3° Os autos que compõem as matérias submetidas à a preciação do juiz das garantias serão juntados aos autos do processo.
Art. 17. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15 ficará impedido de funcionar no processo.
Art. 18. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Disponível em <http://www.senado.gov.br/novocpp/pdf/anteprojeto.pdf>. Acesso em 15 de maio de 2010.
71
Por derradeiro, cabe salientar que se instituído o juiz de
garantia aí sim o sistema processual passará a ser o acusatório, haja vista que o
juiz do processo – aquele que atuará após a propositura da ação penal – apenas
decidirá se manterá as medidas deferidas pelo juiz da instrução ou não, sendo
que as provas serão requeridas exclusivamente pelas partes.
Portanto, ante todo o exposto, conclui-se que estando a
gestão da prova nas mãos do julgador, forma-se um processo fundado sob os
pilares do sistema inquisitório, podendo ocasionar a quebra da principal garantia
jurisdicional: a imparcialidade do juiz que proferirá a sentença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia teve como objetivo de estudo
demonstrar se o Código de Processo Penal Brasileiro adota o sistema inquisitivo
ou acusatório. Durante o trabalho foi possível verificar que há muita divergência a
respeito do tema, como também a importância desse, até porque recentemente o
Código de Processo Penal sofreu importantes e profundas modificações,
especialmente com relação às provas.
Para melhor apreciação do assunto abordado e consequente
desenvolvimento lógico da matéria, tornou-se imprescindível dividir a monografia
em três capítulos, sendo que, no primeiro capítulo, foi definido o jus puniendi, que
é o dever que o Estado tem de aplicar uma sanção correspondente ao cidadão
que vier a transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal. O
direito de punir do Estado não é arbitrário, devendo respeitar principalmente o
princípio constitucional da reserva legal, o qual dispõe que não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Na sequência, passou-se a explicar o surgimento do
processo penal na Grécia, em Roma, Germânico e Canônico. Importante destacar
que desde o surgimento do processo já havia a distinção entre os crimes de ação
penal pública e ação penal privada.
Em seguida, conceituou-se processo penal que, em suma, é
o meio pelo qual se exercita o direito de punir. Definido também como um
‘’conjunto de atos cronologicamente concatenados, submetidos a princípios e
regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal’’240.
Ainda no primeiro capítulo, explicou-se a autonomia e
instrumentalidade do direito processual penal, pois o direito processual penal
constitui ciência autônoma, uma vez que possui princípios que lhe são próprios,
240 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 9.
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porém não se pode negar o caráter instrumental deste direito, porque constitui um
meio para fazer atuar o direito material.
E, por fim, abordou-se a serviço de quem está o processo
penal. Para saber a serviço de quem está o processo penal é necessário definir a
lógica do sistema que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas
processuais penais. Em síntese, verificou-se que o processo penal está a serviço
da garantia dos direitos do acusado, devendo ser lido a luz da Constituição
Federal e não ao contrário.
No segundo capítulo, cuidou-se em conceituar a acepção da
palavra prova que nada mais é do que demonstrar a certeza do que se diz ou
alega, cujo objetivo é o convencimento do juiz acerca da pretensão das partes.
Na sequência, passou-se a explicar as espécies de provas
enumeradas no Código de Processo Penal, quais sejam: exame de corpo de
delito e perícias em geral; interrogatório do acusado e confissão; perguntas ao
ofendido e testemunhas; reconhecimento de pessoas e coisas; acareação;
documentos; indícios e busca e apreensão. Importante frisar que esse rol é
meramente exemplificativo.
Por derradeiro, diferenciou-se provas ilícitas de ilegítimas
que, em suma, significa dizer que prova ilícita é aquela que contraria as normas
de direito material quer quanto ao meio ou quanto ao modo de obtenção e prova
ilegítima é aquela que contraria as normas de direito processual.
No último capítulo o tema foi tratado com ênfase, sendo que
inicialmente foram explicados os três sistemas processuais utilizados na evolução
histórica do direito, quais sejam: inquisitivo, acusatório e misto.
O sistema inquisitivo tem como objetivo principal a verdade
absoluta dos fatos, essa verdade era muitas vezes alcançada por meio de tortura,
sempre com o fim de obter a confissão do acusado. Correspondia a concepção de
um poder central, absoluto, reunindo na mesma pessoa as funções de acusar,
defender e julgar, sendo que o juiz que inicia o processo de ofício, recolhe as
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provas e profere a decisão. O sistema é sigiloso, sempre escrito, não há
contraditório e nenhuma garantia se confere ao acusado.
O sistema acusatório, por sua vez, é contraditório; público;
imparcial; assegurado a ampla defesa; quem acusa, defende e julga são partes
distintas; autor e réu se encontram em pé de igualdade, sobrepondo-se a eles
como órgão imparcial o juiz; processo pode ser oral ou escrito e a iniciativa do
processo cabe a parte acusadora e não ao juiz.
Partindo dessas características, a doutrina tradicional
entende que forma um sistema compatível com o ordenamento jurídico
constitucional. Portanto, defende que esse é o modelo adotado no Código de
Processo Penal Brasileiro.
E, por fim, o sistema processual misto, também chamado de
sistema acusatório formal. Esse sistema se destaca por abranger duas fases
distintas: a primeira fase é uma instrução inquisitiva, ou seja, escrita e secreta,
sem contraditório, na qual é realizada uma investigação preliminar e a segunda
corresponde ao momento em que se realizará o julgamento assegurando-se ao
acusado todas as garantias do processo acusatório.
Dando continuidade ao tema, explicou-se a gestão da prova
no processo penal brasileiro. Conforme explicado, existem três espécies de
sistemas processuais penais: inquisitivo, acusatório e misto. Apesar da doutrina
tradicional entender que para se estabelecer o sistema processual, se inquisitivo
ou acusatório, é necessário observar as características acima descritas, há uma
parte da doutrina que sustenta que o elemento que define o sistema processual é
a gestão da prova.
Se a gestão da prova se encontrar nas mãos do julgador o
sistema processual é o inquisitivo e, em contrapartida, se a gestão da prova
estiver nas mãos das partes o sistema é o acusatório.
O legislador ao atribuir a gestão e o poder de iniciativa
probatória ao juiz funda um sistema inquisitório. Desse modo, pode-se afirmar que
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a característica fundamental do sistema processual inquisitivo está na gestão da
prova confiada essencialmente ao magistrado.
Embora a Constituição Federal estabeleça um modelo
processual acusatório, o modelo processual que vigora no Código de Processo
Penal é o inquisitivo, pois o poder/dever de produzir a prova também está nas
mãos do juiz, em virtude da atuação ex officio. Porém, ‘’não é o modelo
inquisitório historicamente concebido, mas uma neoinquisição que coexiste com
algumas características acessórias afins com o sistema acusatório, como a
publicidade, contraditório’’241, dentre outras características.
Já se o poder/dever de produzir a prova está exclusivamente
nas mãos das partes o sistema processual é o acusatório, sendo que o juiz
assume uma posição de expectador e forma sua convicção através dos
elementos probatórios trazidos pelas partes.
Finalmente, explicou-se a gestão da prova como elemento
determinante do sistema processual. Com base nos ensinamentos acima,
verificou-se que o sistema processual que define o Código de Processo Penal,
segundo a doutrina diferenciada é o inquisitivo, porquanto a gestão da prova
também está nas mãos do magistrado, bastando analisar os artigos que dispõe
sobre a atuação ex officio do juiz.
Recentemente o Código de Processo Penal sofreu algumas
alterações, especialmente no que se refere ao poder do juiz ordenar a produção
de provas antes mesmo de iniciada a ação penal.
Com a nova redação do artigo 156 do Código de Processo
Penal, o poder instrutório do juiz se potencializou com relação a redação anterior,
porque agora é expressamente permitido que o juiz ordene de ofício a produção
de provas nas duas fases da persecução penal.
241 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. p. 522.
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No que tange a redação desse artigo vale dizer que o ônus
da prova diz respeito ao juiz na formação do seu convencimento para decidir o
feito. Logo, em caso de dúvida o caminho seria a absolvição e não a produção de
provas ex officio.
Nesse contexto, o legislador, ao atribuir poderes instrutórios
ao juiz, violou a garantia da imparcialidade sobre a qual se estrutura o processo
penal e o sistema acusatório.
A doutrina diferenciada afirma que no momento em que o
magistrado passa a ordenar a produção de provas é porque está desconfiado da
culpa do acusado e com isso ‘’investe o juiz na direção de meios de prova que
sequer foram considerados pelo órgão da acusação’’242 com o fim de fundamentar
sua sentença.
Se não bastasse esse dispositivo, o Código de Processo
Penal trouxe em outros artigos resquícios do sistema inquisitorial como é o caso
dos artigos 127, 196, 209 e 311 todos do Código de Processo Penal.
Dessa forma, observa-se da redação dos artigos acima
mencionados que novamente o juiz tem o poder de produzir a prova ou até
mesmo ordenar o sequestro mesmo antes de iniciada a ação penal e decretar a
prisão de ofício, fato este que demonstra que o Código de Processo Penal vai
contra o sistema acusatório consagrado pela Constituição Federal, uma vez que o
magistrado detém a gestão da prova.
Importante ressaltar que o legislador ao atribuir a iniciativa
probatória ao magistrado este passa atuar como parte e, em consequência, viola
a estrutura do sistema acusatório, pois as funções de investigar, acusar e julgar
se confundem.
Visando buscar uma legislação de ordem democrática e,
consequentemente, tendo por objetivo conservar a imparcialidade do juiz, o
242 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais. p.137
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anteprojeto do Código de Processo Penal trouxe, dentre outras novidades, a
figura do juiz das garantias, o qual terá como função controlar a legalidade da
investigação criminal, ou seja, coordenar a produção da prova, salvaguardando os
direitos fundamentais do acusado.
Assim, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da
investigação e, com o início da ação penal, competirá ao juiz do processo julgar o
caso.
Se eventualmente for instituído o juiz das garantias aí sim o
sistema processual passará a ser o acusatório, uma vez que o juiz do processo
apenas decidirá se manterá ou não as medidas deferidas pelo juiz das garantias,
sendo que as provas serão requeridas exclusivamente pelas partes.
Portanto, conclui-se que estando a gestão da prova nas
mãos do julgador, forma-se um processo fundado sob os pilares do sistema
inquisitório, podendo ocasionar a quebra da principal garantia jurisdicional: a
imparcialidade do juiz que proferirá a sentença.
No tocante às hipóteses, verificou-se que a primeira, a qual
afirma que o sistema processual penal é determinado pela gestão da prova, foi
confirmada, já que, segundo a doutrina diferenciada, se a gestão da prova está
nas mãos do julgador o sistema é o inquisitivo e, em contrapartida, se a gestão da
prova estiver exclusivamente nas mãos das partes o sistema é o acusatório.
Observando a segunda hipótese, que discutiu se o Código
de Processo Penal adotava o sistema acusatório, não foi confirmada, pois
analisando alguns dispositivos legais que dispõem acerca da atuação ex officio do
juiz, verificou-se que o legislador, ao atribuir a iniciativa probatória ao magistrado,
violou a estrutura do sistema acusatório, permitindo que a gestão da prova
estivesse também nas mãos do juiz.
Com o término da presente pesquisa, a qual resultou neste
trabalho, foi possível perceber que, estando a gestão da prova nas mãos do
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julgador, o Código de Processo Penal está fundado sobre os pilares do sistema
inquisitório.
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