a guinada quântica no pensamento de alexander wendt e suas iimplicações para a teoria das...

Upload: estacio-neto

Post on 14-Oct-2015

34 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

A Guinada Quântica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplicações Para a Teoria Das Relações Internacionais

TRANSCRIPT

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    UNIVERSIDADE DE BRASLIAINSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    FLAVIO ELIAS RICHE

    A GUINADA QUNTICA NO PENSAMENTODE ALEXANDER WENDT E SUAS

    IMPLICAES PARA A TEORIA DASRELAES INTERNACIONAIS

    BRASLIA

    2012

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    FLAVIO ELIAS RICHE

    A GUINADA QUNTICA NO PENSAMENTODE ALEXANDER WENDT E SUAS

    IMPLICAES PARA A TEORIA DASRELAES INTERNACIONAIS

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor emRelaes Internacionais na rea dePoltica Internacional e Comparada

    Orientador: Prof. Dr. Estevo Chaves de Rezende Martins

    BRASLIA2012

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    Ficha Catalogrfica

    Riche, Flavio Elias.

    A guinada quntica no pensamento de Alexander Wendt esuas implicaes para a teoria das relaes internacionais /Flvio Elias Riche.2012.

    323f.: il.; 30 cm

    Orientador: Estevo Chaves de Rezende MartinsTese (Doutorado) Universidade de Braslia, Instituto deRelaes Internacionais.

    Inclui referncias bibliogrficas.

    1. Teoria das Relaes Internacionais. 2. AlexanderWendt. 3. Guinada Quntica. I. Martins, Estevo Chavesde Rezende. II. Universidade de Braslia. Instituto deRelaes Internacionais. III. Ttulo.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    FLAVIO ELIAS RICHE

    A GUINADA QUNTICA NO PENSAMENTODE ALEXANDER WENDT E SUAS

    IMPLICAES PARA A TEORIA DAS

    RELAES INTERNACIONAIS

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor emRelaes Internacionais na rea dePoltica Internacional e Comparada

    BANCA EXAMINADORA

    Professor Doutor Estevo Chaves de Rezende Martins (Orientador)

    Professor Doutor Antonio Jorge Ramalho da Rocha

    Professor Doutor Joo Pontes Nogueira

    Professor Doutor Jos Flvio Sombra SaraivaProfessor Doutor Samuel Jos Simon Rodrigues

    Professora Doutora Tnia Maria Pechir Gomes Manzur (Suplente)

    BRASLIA2012

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    A Natlia

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    AGRADECIMENTOS

    Tomo por premissa que a produo do conhecimento representa sempre um esforo

    coletivo. Impossvel, portanto, seria a elaborao desta tese sem o devido apoio e

    auxlioseja de parentes, amigos, colegas, professores ou funcionrios razo pela

    qual sou profundamente grato:

    Ao Prof. Dr. Estevo Chaves de Rezende Martins, por sua dedicada orientao. Ao

    me conferir liberdade para a escolha e investigao do tema, mas ao mesmo tempo

    intervir em momentos precisos, nos quais corria risco de incorrer em digresses

    improfcuas, o senhor propiciou as condies necessrias para que este trabalhopudesse ganhar forma e sustentao.

    Aos Profs. Drs. Antonio Jorge Ramalho da Rocha, Joo Pontes Nogueira, Jos

    Flvio Sombra Saraiva, Samuel Jos Simon Rodrigues e Tnia Maria Pechir

    Gomes Manzur, pela aceitao do convite para participar da Comisso

    Examinadora.

    Ao Prof. Dr. Alexander Wendt, que gentilmente cedeu os rascunhos dos captulosde seu prximo livro. Agradeo-o, ainda, por sua participao ativa mediante um

    debate enriquecedor no qual no somente esclareceu pontos de seu pensamento e

    indicou referncias bibliogrficas, como tambm aceitou crticas e incorporou

    sugestes. Sem sua contribuio, a presente pesquisa perderia parte de seu valor.

    Ao Prof. Dr. Juarez Tavares, que desde a graduao em Direito inspirou em mim o

    interesse pelo conhecimento, pela pesquisa e pela docncia.

    Ao Corpo Docente do Programa de Ps-Graduao do Instituto de Relaes

    Internacionais da UnB, cujas disciplinas contriburam, cada qual a seu modo, para

    as ideias aqui expressas.

    A Ben Wagner, por ter intermediado o contato com Wendt e pelas relevantes

    discusses sobre o tema.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    Aos colegas das turmas de Mestrado e de Doutorado de 2009, com os quais pude

    integrar um ambiente acadmico marcado por debates construtivos e pela

    solidariedade.

    Aos funcionrios do iRel, especialmente Odalva, sempre solcita em seu mister.

    Aos familiares, pelo contnuo incentivo aos estudos.

    A Adriano Botelho, Jean Karydakis, Rafael Porto Santiago Silva e Rodrigo Valle

    da Fonseca, verdadeiros amigos no Itamaraty.

    A Dalmir Lopes Jnior, cuja amizade sempre me foi fundamental, ao iniciarmos a

    vida acadmica como estudantes, posteriormente como docentes, e inclusive nosdias de hoje, no obstante a distncia.

    A Natlia Braga Ferreira Riche. Todas as ocasies em que o trabalho parecia ser

    inconcilivel com as atividades de doutoramento, voc foi quem proveu o

    equilbrio necessrio para eu seguir adiante e no desistir.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    RESUMO

    A pesquisa em questo tem por objetivo operar uma anlise crtica do pensamento de

    Alexander Wendt. Tomando por base o termo guinada quntica, realizada uma

    clivagem entre a produo terica que tem em Social theory of international politics

    seu marco principal e textos mais recentes nos quais o autor postula uma nova

    ontologia e epistemologia da poltica internacional, fundadas em aportes oriundos da

    fsica quntica e da filosofia da mente. Mediante uma contextualizao da relao

    entre cincias naturais e cincias sociais a partir da modernidade, aliada a um

    questionamento tripartite da proposta de Wendt, perquire-se sobre a viabilidade de

    aproveitamento das consideraes do autor em uma dimenso metafrica, tendo

    como base a viso interativa da metfora proposta por Paul Ricoeur. Tais reflexes

    permitem, por fim, indicar caminhos para eventual renovao conceitual ou terica

    no mbito das relaes internacionais.

    Palavras-chave

    Relaes Internacionais; Alexander Wendt; Teorias; Conceitos; Guinada Quntica.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas

    ABSTRACT

    The current research aims to operate a critical analysis of Alexander Wendts

    thought. Based on the term quantum turnit makes a cleavage between the theoretical

    production which has in Social theory of international politics its landmark, andsome recent texts where the author posits a new ontology and epistemology for

    international politics, based on contributions from quantum physics and the

    philosophy of mind. Through a contextual approach of the relationship between

    natural sciences and social sciences since modernity, combined with a tripartite critic

    of Wendts proposal, it inquiries about the feasibility of the authors considerations

    in a metaphorical dimension, based on the interactive vision of metaphor proposed

    by Paul Ricoeur. Finally, such remarks allow us to indicate some possible ways for aconceptual or theoretical renewal of the international relations field.

    Keywords

    International Relations; Alexander Wendt; Theories; Concepts; Quantum Turn.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    Eu quase que nada no sei.

    Mas desconfio de muita coisa.Joo Guimares Rosa

    (Grande Serto: Veredas)

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    SUMRIO

    Introduo ............................................................................................................... 13

    Captulo ITeoria social da poltica internacional: Wendt I

    1.1. Consideraes iniciais ...................................................................................... 211.2. Ontologia ps-positivista e epistemologia positivista ..................................... 301.3. Sobre causalidade e constituio: o poder das ideias ...................................... 371.4. A relao agente-estrutura ............................................................................... 411.5. O estado como pessoa ...................................................................................... 521.6. As culturas de anarquia e o sistema de estados ............................................... 621.7. Processo e mudana estrutural ......................................................................... 741.8. Principais questionamentos .............................................................................. 78

    Captulo IIA viragem quntica: Wendt II

    2.1. Esclarecimentos sobre a guinada quntica ....................................................... 852.2. A fsica quntica como restrio ntica ........................................................... 882.3. O problema mente-corpo ................................................................................. 992.4. A hiptese da conscincia quntica (QCH) ..................................................... 111

    2.4.1.Bottom-up: o modelo Penrose-Hameroff ............................................... 1132.4.2. Top-down: o resgate do pampsiquismo ................................................. 123

    2.5. Elementos para uma cincia social quntica .................................................... 133

    2.5.1. O modelo quntico de indivduo ............................................................ 1342.5.2. O modelo quntico de sociedade ........................................................... 137

    2.6. States are not people too: a realidade virtual da poltica internacional ........... 1422.6.1. Percepo visual, holografia e relaes internacionais .......................... 1432.6.2. A linguagem sob o prisma da QCH ....................................................... 1482.6.3. A natureza hologrfica do estado e do sistema de estados .................... 1512.6.4. Monadologia quntica e poltica internacional ...................................... 1552.6.5. O fim dos nveis de anlise .................................................................... 162

    2.7. Wendt II revisita Wendt I ................................................................................ 165

    Captulo IIISobre a relao entre as cincias naturais e as cincias sociais: donewtonianismo fsica quntica

    3.1. Aspectos introdutrios ..................................................................................... 1713.2. Newtonianismo: principais caractersticas ....................................................... 1723.3. As cincias naturais e o contratualismo moderno ............................................ 1763.4. As cincias naturais e o positivismo sociolgico ............................................. 1803.5. As cincias naturais nas relaes internacionais .............................................. 1863.6. Notas histrico-conceituais sobre a fsica quntica ......................................... 195

    3.6.1. Surgimento e consolidao .................................................................... 197

    3.6.2. Interpretaes dos postulados ................................................................ 2063.7. A disseminao da fsica quntica nas cincias sociais:exemplos de distores .................................................................................... 220

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    Captulo IVViragem quntica e teoria das relaes internacionais: uma anlisecrtica

    4.1.Hard sciences e Wendt II ................................................................................. 2334.1.1. A supervalorizao do vetor cientfico-natural ...................................... 2354.1.2. O problema das conexes lgicas .......................................................... 2394.1.3. Incongruncias teortico-conceituais ..................................................... 2454.1.4. Consequncias da proposta de Henry Stapp para os fundamentos

    da guinada quntica ............................................................................... 2504.2. Metforas cientficas contemporneas e poltica internacional ....................... 260

    4.2.1. A metfora segundo Paul Ricoeur ......................................................... 2614.2.2. Metfora, imaginrio e construo do real ............................................ 2684.2.3. Apontamentos sobre a relao entre cincia e metaforicidade .............. 272

    4.3. A hiptese da conscincia quntica enquanto situao contraftica ................ 279

    4.3.1. Situaes contrafticas na teoria poltica contempornea ..................... 2804.3.2. Teorias democrticas da deliberao pblica ........................................ 2834.3.3. Desafios para a reimaginao da deliberao pblica no cenrio

    internacional .......................................................................................... 293

    Concluso ................................................................................................................. 298

    Referncias bibliogrficas........................................................................................ 304

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    13

    Introduo

    Linternationaliste doit en effet se souvenir

    que, dans la Grce classique, le sens premierde thoria () dsignait un groupe de

    personnes consultant un oracle lors dunecrmonie religieuse. Peut-tre sedemandera-t-il alors quel rapport unit les

    spculations quil publie dans des revues

    vocation scientifique (sic) et les ructations

    oraculaires de laruspice.

    Frank Attar1

    A literatura sobre a histria da teoria das relaes internacionais, em sua

    verso mais recorrente, tanto em artigos cientficos quanto em manuais acadmicos,

    consiste em apontar uma trajetria com incio prximo ao entreguerras, marcada, do

    ponto de vista contextual, pelas experincias vivenciadas na poltica internacional ao

    longo do sculo XX, as quais foram traduzidas para o mbito da disciplina por meio

    da noo de grandes debates.

    primeira vista, a referida narrativa tende a levar o leitor concluso

    segundo a qual a teoria das relaes internacionais no somente amadureceuenquanto campo de conhecimento interdisciplinar, como tambm superou a

    necessidade de recorrer continuamente a discusses metatericas. Estaria, portanto,

    apta a se dedicar exclusivamente promoo de pesquisas empricas, a fim de prover

    descries e respostas a problemas concretos em escala global.

    Inferir como pressuposto da referida maturidade a reduo (ou mesmo

    eliminao) da presena de temas relativos epistemologia e principalmente

    1ATTAR: 2009, 940.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    14

    ontologia das relaes internacionais (RI) representa ao menos um sofisma, que

    termina por ignorar imperativos basilares para que tal saber mantenha um mnimo de

    autonomia, passvel de aferio por meio do poder explicativo de suas teorias e

    conceitos, assim como pela maior compreenso dos fenmenos mundiais que os

    mesmos geram.

    A sobrevivncia da metateoria, mesmo aps os grandes debates, pode ser

    verificada ao se contrastar o pensamento de dois autores com contribuies de relevo

    para o desenvolvimento das RI, cujas posies, muito embora aparentemente

    situadas em extremos opostos, mostram como a reviso de postulados ontolgicos e

    epistemolgicos termina quase sempre por gerar maior aprofundamento e gradativa

    consolidao da disciplinaainda quando no se considere ser esta a tarefa principaldo especialista em relaes internacionais.

    Em escritos recentes, Amado Cervo contrape as funes desempenhadas por

    teorias e conceitos na rea de RI. Com relativa dose de maniquesmo, o autor

    propugna a valorizao do uso dos conceitos em detrimento do imperialismo

    epistemolgico das teorias nas relaes internacionais. Isto porque a aplicao de

    teorias nesse campo de conhecimento possui dois graves problemas:

    (i) Insuficincias de ordem gnosiolgica: impossibilidade de uma teoriapossuir alcance explicativo universal, ainda que o sustente comfrequncia;

    (ii) Existncia de valores, padres de conduta e interesses que se encontramintimamente associados teoria, os quais a mesma busca ocultar a fimde no invalidar sua pretenso de veracidade fundada no carteruniversal supracitado.

    Diversamente das teorias, os conceitos, na viso de Cervo, evidenciam os

    elementos contextuais e muitas vezes conjunturais que lhes servem de

    fundamento, razo pela qual so desprovidos do intuito de prover explicaes globais

    aos analistas de relaes internacionais. Dessa constatao adviria sua legitimidade.

    Alm do mais, os conceitos, enquanto construo social permeada pela historicidade,

    porm submetidos a um rigor metodolgico, refletiriam um esforo de sntese entre

    fatores descritivos e normativos.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    15

    Denotando a adoo de uma modalidade de clivagem Norte-Sul, Cervo

    defende que as teorias, muito embora aleguem universalidade, representam no raro

    interesses especficos associados a pases desenvolvidos nos quais se originam. Por

    essa e por outras razes, o autor enfatiza que um cluster de conceitos seria capaz de

    suprir as funes bsicas de uma teoria, com a vantagem de possuir vnculo mais

    direto com o mundo emprico, tornando desnecessria a ocultao de interesses e de

    valores presentes em sua gnese.

    A anlise pormenorizada de sua posio, assim como eventuais crticas,

    escapa aos objetivos de uma introduo, tendo em conta se tratar to somente de

    exemplificao do argumento sobre a importncia dos debates nticos e epistmicos

    em RI. De qualquer modo, as ideias de Cervo representam, sem dvida, um alertapara o fato de teorias formuladas no exterior serem comumente apropriadas sem

    qualquer espcie de filtragem contextual por parte de pesquisadores brasileiros e

    assim transmitidas a estudantes de relaes internacionais.

    Consequentemente, realismo, liberalismo, construtivismo e tantos outros

    -ismos, ainda que nas verses neo- (neorrealismo, neoliberalismo) ou ps-

    (ps-estruturalismo, ps-positivismo)acabam adquirindo teor dogmtico que, a seu

    turno, gera um desvio de finalidade, na medida em que pode levar, em casos

    extremos, docentes e discentes a se agregarem em clsincomunicveis em defesa

    de uma causa que no necessariamente lhes pertence.

    Alexander Wendt, por sua vez, ainda que mencionado positivamente por

    Cervo, seguiu seara oposta. De fato, sua obra central Social theory of

    internacional politics (STIP) , foi duramente criticada (dentre outros motivos a

    serem expostos ao longo do trabalho) pelo alto grau de abstrao subjacente, tendoem conta que uma de suas principais metas consistiu em repensar a ontologia da vida

    social no que se refere ao sistema de estados. Inclusive quando o autor procura

    atualizar seu pensamento, por meio da anlise da teoria da histria e do resgate da

    teleologia nas cincias sociais, a crtica abstrao foi reiterada, contribuindo para

    uma descrio equivocada de seu pensamento, como se houvesse por parte do autor

    pouca ou nenhuma preocupao com a poltica internacional contempornea e com

    questes empricas.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    16

    Mais ainda, quando trouxe a um pblico mais amplo sua guinada quntica,

    mediante a publicao do texto Social theory as a Cartesian science: an auto-

    critique from a quantum perspective, Wendt teria novamente se distanciado do

    mundo emprico inerente poltica internacional, ao recorrer a postulados da fsica

    quntica, muitos dos quais alimentaram, nas ltimas dcadas do sculo XX, rspidos

    debates entre cientistas naturais e cientistas sociais.

    No o caso de questionar ou defender, por ora, as proposies de Wendt,

    tendo em conta que, assim como no caso de Cervo, o autor foi aqui mencionado to

    somente para corroborar o raciocnio de que discusses metatericas so inerentes

    prpria existncia da teoria das relaes internacionais como um campo de

    conhecimento autnomo e interdisciplinar.

    Todavia, preciso esclarecer o porqu de termos escolhido o pensamento do

    autor como objeto principal de reflexo para esta tese. Mesmo quando considerada

    apenas STIP e alguns de seus desdobramentos, Wendt foi alvo de crticas no apenas

    por neorrealistas e neoliberais, mas pelos principais expoentes do construtivismo,

    que consideraram seu comprometimento com uma epistemologia positivista

    incompatvel com o mago do projeto construtivista em RI.

    Caso consideradas as modificaes propostas pelo autor por meio da viragem

    quntica, a situao se torna ainda mais complexa. No est claro at o momento se a

    comunidade cientfica de RI optou simplesmente por condenar o autor ao ostracismo,

    considerando sua hiptese da conscincia quntica como algo mais prprio da fico

    cientfica do que da teoria das relaes internacionais, ou se pretende lev-lo a srio,

    caso no qual, mesmo que se tencione rejeitar suas proposies, fundamental se torna

    considervel esforo intelectual, visto que Wendt recorre a elementos no somenteda fsica quntica, mas tambm da filosofia da mente envolvendo, por sua vez,

    distintos ramos do conhecimento (neurocincias, cincias cognitivas), alm de

    tradies filosficas que quedaram margem ao longo da modernidade (como o

    pampsiquismo).

    De qualquer modo, nossa opo no se deve a um acolhimentoou rejeio

    apriorsticos da guinada quntica, na medida em que tais alternativas to s podem

    vir tona aps um exerccio rigoroso de reflexo. A proposta do autor nos chamou a

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    17

    ateno por uma preocupao de ordem no somente normativa, mas tambm

    descritiva: a necessidade de renovao de teorias e conceitos em relaes

    internacionais.

    Tal assertiva toma por base o seguinte paradoxo: por um lado, a produo

    acadmica em relaes internacionais criticada por se dedicar excessivamente a

    assuntos que versam sobre ontologia e epistemologia, ao invs de buscar formular

    programas de pesquisa concretos; por outro lado, boa parte de teorias e conceitos

    utilizados no estudo da poltica internacional tem mostrado um dficit no que se

    refere a seu poder explicativo. O behaviorismo, por exemplo, que possuiu um papel

    de destaque ao longo do segundo grande debate, terminou por ser gradativamente

    abandonado, tendo em conta que muitas de suas concluses beiraram a trivialidade,dado este constatado por Wendt.

    Com relao aos conceitos, basta verificar a relevncia que a noo de

    balano de poderpossui inclusive nos dias de hoje, sendo utilizada por praticamente

    todo e qualquer pesquisador interessado em temas de segurana internacionale no

    somente por partidrios de vertentes realistas, conforme Michael Sheehan bem

    percebera.

    Certamente, neste caso o problema diverso em sua forma, pois o conceito

    em questo no foi descartado, porm similar em contedo, visto ser possvel

    questionar o valor agregado por ele trazido compreenso dos objetos de estudo das

    RI.

    A indagao proposta se fundamenta no fato de que, tanto na teoria como na

    prtica, o balano de poder adquiriu status cientfico e poltico ao longo dos sculos

    XVII e XVIII, ocasio na qual o mecanicismo derivado da fsica newtoniana serviu

    como fonte prolfica para a emergncia de analogias e metforas que, por sua vez,

    reforaram a validade do prprio conceito.

    A ideia segundo a qual o balano de poder operaria com a mesma preciso

    dos mecanismos de um relgio ou o paralelismo entre o surgimento de novos estados

    e as descobertas de Urano (1781) e Netuno (1846)assim como os novos planetas se

    sujeitariam s mesmas leis astronmicas aplicadas aos orbes ento conhecidos, osnovos estados seriam regulados pelo mesmo princpio diretor aplicado aos estados

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    18

    anteriormente existentes, o que definiria no somente a posio por eles ocupada

    como inclusive os respectivos movimentos na esfera internacional so duas

    comprovaes paradigmticas das relaes supramencionadas entre fsica e RI.

    No obstante se possa argumentar que, no pensamento contemporneo,

    poucos pesquisadores utilizariam o termo balano de poder em similar acepo,

    cumpre notar que o conceito internalizou o newtonianismo de tal maneira que

    mesmo seu correspondente imaginrio social encontrar-se-ia fortemente imbricado

    com premissas mecanicistas, afetando, pois, o modo pelo qual se concebem as

    relaes interestatais. Portanto, a necessidade de renovao de teorias e conceitos em

    RI mostra-se uma demanda no apenas razovel e plausvel, mas inclusive de ordem

    lgica em determinadas situaes.

    Tendo os referidos dilemas como pano de fundo, a presente pesquisa ser

    dividida em quatro partes.

    O primeiro captulo dedicado a um estudo detalhado do pensamento de

    Alexander Wendt em sua verso mais propagada entre pesquisadores de RI,

    composta, grosso modo, pelas ideias centrais contidas em STIP (muitas delas

    antecipadas em artigos publicados previamente), com algumas alteraes promovidasem momento posterior, especialmente no que se refere concepo do estado como

    pessoa e ao papel da teleologia na evoluo do sistema de estados. Procuramos nos

    ater aos principais escritos do autor, assim como de cientistas sociais que tiveram um

    forte impacto em seu pensamento, de modo a utilizar acessoriamente fontes

    secundrias provindas de comentadores. Ao final do captulo, apontamos as

    principais crticas tecidas contra a teoria de Wendt.

    O segundo captulo tambm se concentra nos textos de Wendt, porm, com

    outro objetivo. O termo guinada quntica (ou viragem quntica) utilizado para

    indicar a mudana radical ocorrida em seu pensamento, a partir da qual o autor

    busca, por meio da combinao entre princpios metafsicos pampsiquistas e ideias

    advindas de teorias qunticas do crebro, formular uma nova ontologia e uma nova

    epistemologia da vida social, assim como, mais especificamente, da poltica

    internacional.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    19

    Conforme se perceber, ainda que Wendt tenha at o momento efetuado duas

    publicaes sobre o tema, a anlise dos esboos dos captulos de seu futuro livro,

    Quantum mind and social science, deixa claro ter o autor definido o ncleo duro de

    seu projeto, estando agora mais a refinar seus argumentos do que a abandonar suas

    ideias originais. A partir deste novo marco terico, as crticas levantadas no captulo

    anterior so retomadas por Wendt, ocasio na qual o autor tem a oportunidade de

    rever os principais tpicos de STIP.

    O terceiro captulo oferece uma contextualizao a fim de permitir um melhor

    entendimento das proposies de Wendt. Nesse sentido, procura demonstrar que a

    existncia de relaes entre a fsica e demais campos do conhecimento representa um

    fenmeno antigo, anterior mesmo emergncia do pensamento moderno. Contudo,na medida em que com a modernidade se verifica a intensificao do processo

    gradativo de compartimentalizao dos saberes, optou-se por realizar um corte

    temporal a partir desse perodo, dado este que confere maior sentido anlise da

    influncia das cincias naturais em diversos setores das cincias sociais.

    O estudo do embasamento histrico da racionalidade cientfica ocidental no

    limitado na presente pesquisa ao newtonianismo. Uma vez que se pretende agrupar

    elementos para uma anlise consistente da viragem quntica de Wendt, procurou-se,

    da mesma forma, elaborar breves consideraes histrico-conceituais sobre a fsica

    quntica, expondo alguns de seus princpios e interpretaes de seus postulados ao

    mesmo tempo indicando o uso muitas vezes equivocado deles feito nas cincias

    sociais.

    A partir do arcabouo terico acumulado ao longo dos captulos, chega-se

    ltima parte dessa tese, que pode ser considerada como um esforo de snteserelativo s ideias mais recentes de Wendt. Assim, o quarto captulo se divide em trs

    partes. A primeira pretende demonstrar a inviabilidade do projeto de Wendt nos

    moldes por ele concebidos, mediante o desenvolvimento de uma crtica fundada na

    supervalorizao do vetor cientfico-natural, na precariedade de conexes lgicas,

    assim como em inconsistncias teortico-conceituais. A segunda e a terceira partes

    pretendem perquirir em que sentido a guinada quntica poderia ter relevncia para as

    relaes internacionais.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    20

    As opes aqui basicamente se resumem ao nvel de comprometimento com a

    proposta do autor. A verso mais tnue consiste em aproveitar os conceitos

    aventados por Wendt em uma dimenso metafrica. Para tanto, necessria uma

    discusso sobre o papel e ser exercido por metforas cientficas contemporneas em

    RI, representando a metfora, antes que mera associao de semelhana, um enigma

    cuja resoluo contribui para a ampliao de significados e para a renovao do

    imaginrio social sobre determinado tema, com implicaes, a seu turno, para a

    realidade da poltica internacional. A verso mais intensa consiste em considerar a

    pedra angular da viragem quntica como uma situao contraftica, de modo a

    permitir uma sondagem acerca dos principais desafios para a reimaginao de

    processos deliberativos no cenrio internacional.

    Na concluso, buscar-se- articular os temas desenvolvidos ao longo da tese,

    com o escopo de oferecer uma avaliao sobre a viabilidade de se criar programas de

    pesquisa fundados em uma das alternativas acima expostas.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    21

    Captulo ITeoria social da poltica internacional: Wendt I

    Constructivism without naturegoes too far.

    Alexander Wendt21.1. Consideraes iniciais

    O presente captulo tem por objetivo central sintetizar a teoria de Alexander

    Wendt tal como amplamente disseminada, principalmente a partir de sua principal

    obra, Social theory of international politics (STIP), anterior, portanto, mudana

    operada com a publicao, em 2006, de Social theory as a Cartesian science: an

    auto-critique from a quantum perspective3,quando o autor faz uma reviso radical

    de seu pensamento por meio da combinao de princpios da mecnica quntica e de

    aportes inovadores desenvolvidos a partir das cincias da mente4.

    Durante a pesquisa, iremos nos referir a esses dois momentos como Wendt

    I (ou W1) e Wendt II (ou W2). Ao utilizar tal classificao, partimos do

    prprio argumento de Wendt, para quem o embasamento quntico implicaria uma

    guinada no apenas para suas ideias, mas para qualquer acadmico que reconhecesse(i) a aplicao do fechamento causal do mundo fsico5 a todos os campos do

    2WENDT: 1999, 72.3 O texto j circulava como paper desde 2004. Posteriormente, tornou-se captulo do livroConstructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics, publicado pela editoraRoutledge em 2006.4 O tema ser desenvolvido no segundo captulo, razo pela qual no ser oferecida agora umadefinio mais elaborada das mudanas ocorridas.5Em ingls,Causal Closure of Physics, tambm denominado Causal Completeness of Physics, enormalmente designado pela abreviao CCP. Novamente, trata-se de um ponto a ser abordado

    adiante. Contudo, a ttulo ilustrativo, seria de interesse oferecer uma definio prvia, a partir doentendimento do prprio autor: Most social scientists would probably agree that physics should havethe last word on reality, in the sense that, if something seems incompatible with it, such as fairies,

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    22

    conhecimento cientfico, assim como (ii) a impossibilidade de elaborar o referido

    princpio nos moldes da fsica clssica. Divergimos, portanto, de algumas

    classificaes prvias feitas por comentadores.

    Petr Drulk, por exemplo, distingue o construtivismo de STIP das mudanas

    que Wendt leva a cabo com o artigo Why a world state is inevitable, de 2003,

    relativas ao papel da teleologia na transformao estrutural do sistema de estados:

    Wendt I views structural change as ideational change in cultures of anarchy in the world ofstates; Wendt II adds to this an institutional super-change, in the shape of a transition fromthe world of states to a world state. [...] Wendt Iuses a soft teleology, seeing progress as amatter of a historical contingency, making cautious arguments for the possible irreversibilityof what has been achieved so far (Wendt: 1999, 311-12), while Wendt IIargues that progressis a result of historical necessity based on a deterministic teleology of mankind. (DRULK:

    2006,140).

    A questo, no entanto, que, seguindo o raciocnio de Wendt, a mudana

    mencionada por Drulk no justificaria a ciso entre W1 e W2, visto que ambos os

    casos compartilhariam as premissas da fsica clssica. Da a opo de diferenciar as

    duas fases do pensamento de Wendt a partir de sua prpria autocrtica.

    Como qualquer classificao, a distino entre W1 e W2 corre o risco de

    incorrer em simplificaes, como, por exemplo, supervalorizar as diferenas eignorar possveis continuidades entre as duas etapas. Esse um dos motivos, porm

    no o nico, que justificam o presente captulo.

    No que se refere metodologia, alguns esclarecimentos se fazem

    necessrios. Optou-se por trabalhar de forma mais direta com os textos de Wendt e

    incidentalmente com obras de comentadores as quais tero maior destaque no

    ltimo item do captulo, ao tratar das crticas desenvolvidas ao construtivismo de

    Wendt. A referida escolha tem por objetivo centrar o debate na teoria de Wendt, tal

    como desenvolvida em STIP e com as alteraes subsequentes ainda includas em

    W1, de modo a servir de contraste para o estudo da guinada quntica presente em

    W2. No obstante a nfase analtica, vale a pena realizar uma contextualizao, ainda

    ghosts or reincarnation, then it cannot be said to exist. To that extent physics is a reality constraint toour work. (WENDT: 2006, 183).Por certo, existem verses mais sofisticadas e precisas do CCP, aserem expostas no captulo II.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    23

    que breve, tanto do significado de sua obra, quanto do prprio termo

    construtivismo6.

    Comeando pelo ltimo ponto, Constructivism is not a theory of

    international politics. (WENDT: 1999, 193). As palavras de Wendt podem parecer

    redundantes primeira vista. Contudo, sempre importante recordar que o

    construtivismo se desenvolveu no apenas nas relaes internacionais (RI). Pelo

    contrrio, o termo s foi introduzido neste campo por Nicolas Onuf, em 1989.

    Alm ter aplicao em diversas reas de pesquisahistria, sociologia, teoria

    poltica e at nas cincias naturais7 o construtivismo abrange um espectro de

    relaes que vo alm daquelas estabelecidas por estados. Em outras palavras,

    qualquer forma social passvel de identificao via unidades e nveis de anlise

    famlia, escravido, capitalismo, so alguns exemplos citados por Wendt ao longo de

    STIPestaria apta ao aporte construtivista.

    Conforme o autor esclarece, tornou-se lugar-comum afirmar que o

    construtivismo v a poltica internacional como uma realidade socialmente

    construda. Nesse contexto, dois princpios fundamentais tm sido associados a essa

    corrente: (i) estruturas relativas associao humana dependem antes de ideiascompartilhadas que de foras materiais; (ii) identidades e interesses de atores em um

    determinado sistema so construdos principalmente a partir de tais ideias, e no

    apenas dados pela natureza (WENDT: 1999, 1). Enquanto que (i) trabalha com a

    relao idealismo/materialismo, (ii) opera com a relao holismo/individualismo. Em

    ambos os casos, o primeiro elemento valorizado, de modo que o construtivismo

    seria, grosso modo, uma espcie de idealismo estrutural.

    Ocorre que, sob os princpios mencionados, podem abrigar-se uma mirade de

    vertentes construtivistas, das mais radicais que negam qualquer papel a fatores

    materiaisa verses mais amenas, como aquela advogada por Wendt: The version

    6Entende-se, todavia, que discorrer sobre o surgimento do construtivismo nas relaes internacionais,assim como sobre seus demais expoentes especialmente Nicholas Onuf e Friedrich Kratochwil ,seria uma digresso desnecessria, seja por escapar dos escopos da pesquisa proposta, seja por setratar de tema cujo tratamento exaustivo pela literatura implicou sua incorporao inclusive emmanuais didticos, tais como: BATTISTELLA: 2009, 315-353;JACKSON; SRENSEN: 2007, 333-357; MESSARI; NOGUEIRA: 2005, 162-186; MINGST: 2009, 51-74.7Constructivists can be found not only in the cultural sciences. Indeed, some of its most prominentexponents have been biologists [Humberto Maturana e Francisco Varela] who, in turn, influenced anentirely new systems theory in sociology [e.g., Niklas Luhmann]. (KRATOCHWIL: 2006, 22).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    24

    of constructivism that I defend is a moderate one, that draws especially on

    structurationist and symbolic interactionist sociology. (WENDT: 1999, 1).

    Justamente aqui reside a explicao, ainda que parcial, do xito de Wendt.

    STIP no apenas fornece uma crtica sofisticada ao neorrealismo e, em

    diversos aspectos, tambm ao neoliberalismo e ao construtivismo fundado

    exclusivamente no poder das ideiascomo tambm estabelece pontes para o dilogo

    entre correntes tericas antagnicas e para uma releitura do debate positivismo/ps-

    positivismo. Estas so questes a se ter em mente, passveis de verificao em

    praticamente todos os temas abordados por Wendt. Por ora, basta apontar os aspectos

    gerais que embasam suas proposies para, em seguida, discutir especificamente

    alguns temas caros ao autor.

    Um dos objetivos principais de Wendt consiste em desenvolver uma teoria do

    sistema de estados capaz de se contrapor ao neorrealismo de Kenneth Waltz8. No

    por acaso que seu livro intitulado Social theory of international politics basta

    lembrar o ttulo da obra de Waltz publicada originalmente em 1979, Theory of

    international politics, para se ter uma primeira impresso da importncia que o

    neorrealismo possui para o desenvolvimento da proposta construtivista de Wendt:

    Like Waltz, I aim to develop a systemic as opposed to reductionist theory of internationalpolitics. However [...] I argue that it is impossible for structures to have effects apart from theattributes and interactions of agents. If that is right, then the challenge of systemic theory isnot to show that structure has more explanatory power than agents, as if the two wereseparate, but to show how agents are differently structured by the system, so as to producedifferent effects. (WENDT: 1999, 12).9

    Outro elemento relevante, esclarecido desde o incio de STIP, que a anlise

    feita tem por foco o estado como ator central da poltica internacional, ao qual podem

    ser atribudas caractersticas tipicamente associadas conduta humana:racionalidade, intencionalidade, interesses, dentre outras (WENDT: 1999, 10). Dito

    8 Through a series of influential articles, Alexander Wendt has provided one of the mostsophisticated and hard-hitting constructivist critiques of structural realism. Social theory ofinternational politicsprovides the first book-length statement of this unique brand of constructivism.[...] The overarching goal is to do for constructivism what Waltz did for realism, namely, the buildingof a parsimonious systemic theory that reveals the overarching constraining and shaping force ofstructurethis time from an ideational perspective. (COPELAND: 2006, 1 e 4).9O neorrealismo atuar, portanto, como o ponto de partida em relao o qual Wendt desenvolve sua

    teoria, tanto em termos positivos reconhecimento da importncia do estado e da anlise estrutural quanto em termos negativos rejeio do materialismo e da preconizao dos efeitos causais emdetrimento dos efeitos constitutivos (DRULK: 2006, 146 e 147).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    25

    de outro modo, o estado realmente um agente, e no s uma fico til para a

    formulao de uma teoria.

    No o caso expor precocemente as crticas, sejam relativas adoo de uma

    viso antropomorfizada do estado, cuja justificativa abordamos mais adiante, sejam

    relativas a uma eventual supervalorizao do papel do estado. Por ora, vale apenas

    mencionar, a respeito da ltima, o argumento do autor:

    State-centrismdoes not mean that the causal chain in explaining war and peace stops withstates, or even that states are the most important links in that chain, whatever that mightmean. [...] It may be that non-state actors are becoming more important than states asinitiators of change, but system change ultimately happens throughstates. In that sense statesstill are at the center of the international system, and as such it makes no more sense tocriticize a theory of international politics as state -centric than it does to criticize a theory of

    forests for being tree-centric. (WENDT: 1999, 9).

    Para finalizar essa parte introdutria, preciso, ainda, abordar o esquema

    pelo qual Wendt articula quatro tipos de abordagem sociolgica materialista,

    idealista, individualista e holista de forma a esclarecer o que o autor entende por

    estruturalismo. Isto feito tendo como pano de fundo dois debates de relevo para as

    teorias de relaes internacionais: (i) a composio material ou social de uma

    estrutura; (ii) a forma como estrutura e agentes se relacionam.

    Assim, Wendt articula as sociologias da estrutura mencionadas em dois pares

    materialismo/idealismo e individualismo/holismoconsiderados por ele como uma

    espcie de contnuo dentro do qual se pode encontrar diversas posies, no obstante

    a prtica demonstrar uma tendncia para o agrupamento em cada um dos respectivos

    extremos, gerando a seguinte combinao: materialistas individualistas, materialistas

    holistas, idealistas individualistas e idealistas holistas.

    Antes, contudo, de identificar as principais correntes tericas de RI com uma

    das resultantes do cruzamento de pares, cumpre tecer alguns comentrios sobre cada

    uma das sociologias.

    Para os materialistas, a natureza e as foras materiais representam elementos

    de primeira ordem sob os quais se funda a sociedade, ficando reservado s ideias

    uma funo secundria ou mesmo suprflua. Via de regra, os autores engajados nessa

    linha de pensamento recorrem a fatores como a natureza humana, a geografia, os

    recursos naturais, as foras de produo, as foras de destruio, que podem gerar

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    26

    efeitos na poltica internacional por diferentes formas: by permitting the

    manipulation of the world, by empowering some actors over others, by disposing

    people toward aggression, by creating threats, and so on. (WENDT: 1999, 23).

    A principal crtica de Wendt a este respeito, a ser aprofundada, consiste no

    na rejeio da importncia de fatores como poder e interesse, mas na aceitao a

    priori, por boa parte da comunidade acadmica, de que os efeitos por eles gerados

    seriam antagnicos queles decorrentes de foras no materiais. Em outras palavras,

    Wendt sustenta que aquilo que muitas vezes se entende como resultante

    exclusivamente de elementos materiais tambm constitudo, em parte, por ideias.

    Por sua vez, os idealistas10 tomam a natureza e a estrutura da conscincia

    social (Wendt prefere se referir distribuio de ideias, ou conhecimento, ao uso

    daquela expresso) como a base da sociedade. Ainda que nem sempre adquira essa

    forma, comum que a estrutura, na viso idealista, assuma a forma de instituies,

    regras e normas compartilhadas pelos atores. Agora, na mesma direo (mas em

    sentido oposto), as foras materiais que assumem o papel secundrio, ou mesmo

    inexistente em certos casos, visto que s sero consideradas conforme o significado

    que os atores a elas confiram.

    A estrutura decorrente das ideias no somente constitui identidades e

    interesses, como tambm configura as expectativas sobre o comportamento dos

    demais atores, a ponto de poder tanto criar caminho para a obteno de solues

    comuns quanto influenciar a percepo do outro como uma ameaa (WENDT: 1999,

    24). Enquanto o materialismo normalmente associado a relaes de causalidade, o

    idealismo normalmente associado a relaes de constituio. A falta de clareza

    entre efeitos causais e efeitos constitutivos seria, de acordo com Wendt, o principalmotivo de abordagens equivocadas sobre a relao entre foras materiais e ideias.

    10Tendo em conta que o termo idealismo associado em relaes internacionais com a tradioliberal, Wendt procura enfatizar que o uso que faz da expresso est vinculado teoria social, sendoimpossvel uma superposio dos termos motivo pelo qual expressa, na seguinte sntese, aquilo queo idealismo no representa para a teoria social: (1) It is not a normative view of how the world oughtto be, but a scientific view of how it is. [...] (2) It does not assume that human nature is inherentlygood or social life is inherently cooperative. (3) It does not assume that shared ideas have no objective

    reality. [] (4) It does not assume that social change is easy or even possible in a given, sociallyconstructed context. [] (5) Finally, it does not mean that power and interest are unimportant, butrather that their meaning and effects depend on actors ideas. (WENDT: 1999, 24-25).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    27

    As sociologias individualista e holista, conforme dito, se encontram ligadas

    ao debate agente/estrutura. Enquanto o individualismo prope uma explicao

    cientfica a partir das propriedades e da interao de agentes cuja existncia se d de

    forma independente, o holismo rejeita a possibilidade de um reducionismo dessa

    ordem, ao sustentar que os efeitos de estruturas sociais dependem da interao e da

    constituio de suas unidades. Se o primeiro parte de indivduos pr-definidos do

    ponto de vista ontolgico, o segundo parte da irredutibilidade das estruturas sociais:

    Holism implies a top-down conception of social life in contrast to individualisms

    bottom-up view. (WENDT: 1999, 26).

    verdade que, em ambos os casos, confere-se estrutura um poder

    explicativo. Contudo, enquanto individualistas admitem apenas a ao da estrutura

    no comportamento dos agentes, tomando identidades e interesses como dados,

    holistas entendem que a construo social dos indivduos vai alm da dimenso

    behaviorista, atingindo tambm as outras propriedades mencionadas. Sobre a

    expresso construo social, cabe lembrar que Wendt associa o termo construo

    ao peso relativo conferido aos efeitos e natureza da estrutura, enquanto que o termo

    social levaria em conta o peso relativo das ideias, conforme o esquema abaixo

    (WENDT: 1999, 26 e 33):

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    28

    Figura 1.1.1.11

    Isto posto, Wendt, procura identificar as diversas correntes nas relaes

    internacionais segundo a tipologia em questo. Conforme sua atitude perante a vida

    social, as teorias poderiam ser12:

    (i) materialistas e individualistas: realismo clssico, neorrealismo(individualista ao recorrer microeconomia)13 e neoliberalismo(materialista ao no questionar as concepes correntes de poder einteresse);

    11Adaptado deWENDT: 1999, 29.12Detalharemos entre parnteses apenas os casos de teorias que, segundo Wendt, poderiam estar emmais de um quadrante (ver figura 1.1.2.), conforme o elemento que se queira destacar. Apenas paraficar com um exemplo, o neoliberalismo seria uma teoria individualista, porm com aspectos tantomaterialistas (aceita, mesmo que tacitamente, poder e interesse como fatores puramente materiais)quanto idealistas (enfatiza a importncia das expectativas, cuja garantia de estabilidade por meio deinstituies poderia contribuir para a superao de um cenrio de ganhos relativos em prol de umcenrio de ganhos absolutos). O desenvolvimento de cada uma das classificaes se encontra emWENDT: 1999, 29-33.13 Veja-se, como exemplo, o caso de Kenneth Waltz, para quem tanto o mercado como o sistemainternacional seriam compostos por unidades autointeressadas. Mais ainda, destaca o autor a

    importncia do recurso anlise microeconmica, enquanto ferramenta capaz de gerar previsibilidadede resultados e prover explicaes sobre a motivao dos atores. No caso das RI, o estado seria o atore sua motivao a sobrevivncia. Para maiores detalhes, cf. WALTZ: 2010, 90-92.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    29

    (ii)materialistas e holistas: neorrealismo (holista ao enfatizar os efeitos daestrutura sobre as unidades, de modo a tolher a especializao dasmesmas)14, marxismo neogramsciano e teoria dos sistemas-mundo;

    (iii)idealistas e individualistas: liberalismo e neoliberalismo (idealista ao

    destacar o papel das expectativas em detrimento do poder e dointeresse);

    (iv)idealistas e holistas: escola inglesa, sociedade mundial, feminismo, ps-modernismo, construtivismo.

    Figura 1.1.2.15

    14No cabe, na presente pesquisa, descrever minuciosamente o neorrealismo de Waltz, no obstanteseu pensamento servir como um dos contrastes tericos para o desenvolvimento do construtivismosocial de Wendt. Aplica-se aqui, a mesma lgica indicada na nota de rodap n. 6, com relao emergncia do construtivismo nas RI. Em ambos os casos a literatura acadmica abundante.Contudo, dada a importncia que o debate estrutural possui para Wendt, julgamos necessrio aomenos citar a definio tripartite de estrutura oferecida por Waltz, de ordem eminentementematerialista: Structures are defined, first, according to the principle by which a system is ordered.Systems are transformed if one ordering principle replaces another. To move from an anarchic to ahierarchic realm is to move from one system to another. Structures are defined, second, by thespecification of functions of differentiated units. Hierarchic systems change if functions are differentlydefined and allotted. For anarchic systems, the criterion of systems change derived from the second

    part of the definition drops out since the system is composed of like units. Structures are defined,

    third, by the distribution of capabilities across units. Changes in this distribution are changes ofsystem whether the system be an anarchic or a hierarchic one. (WALTZ: 2010, 100 e 101).15Adaptado deWENDT: 1999, 32.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    30

    Naturalmente, a proposta de Wendt, como ele prprio afirma (WENDT:

    1999, 32), encontrar-se-ia no quadrante holismo/idealismo, todavia, com importantes

    diferenas com relao a verses radicais do construtivismo.

    Assim, alm de questes associadas ao liberalismocomo a possibilidade do

    progresso, a relevncia da poltica interna, de ideias e instituies etc. compartilha

    o autor temas caros ao realismo estadocentrismo, a importncia do interesse

    nacional e o papel desempenhado pela anarquia na poltica internacional.

    Apesar disso, um dos pontos que mais distancia Wendt dos demais

    construtivistas (e no apenas daqueles extremados), consiste em seu compromisso

    com o realismo cientfico, traduzido na forma como o autor procura combinar uma

    ontologia ps-positivista com uma epistemologia positivista.

    1.2. Ontologia ps-positivista e epistemologia positivista

    O argumento central de Wendt consiste em sustentar que a adoo de uma

    ontologia especfica no caso dele idealista, ou ps-positivista no tem efeitos

    deterministas sobre a posio epistemolgica a ser defendida. Com isto em mente, ateoria de Wendt vista como uma via media16para o debate entre racionalistas e

    construtivistas, tendo em conta que o autor correlaciona posturas no campo

    ontolgico e epistemolgico consideradas por muitos como incompatveis e mesmo

    incomunicveis:

    Given my idealist ontological commitments, therefore, one might think that I should befirmly on the post-positivist side on this divide, talking about discourse and interpretationrather than hypothesis testing and objective reality. Yet, in fact, when it comes to the

    epistemology of social inquiry I am a strong believer in sciencea pluralistic science to besure, in which there is a significant role for Understanding, but science just the same. Iam a positivist. In some sense this puts me in the middle of the Third Debate, not becauseI want to find an eclectic epistemology, which I do not, but because I do not think that anidealist ontology implies a post-positivist epistemology. (WENDT: 1999, 39-40).

    16Na verdade, seria mais correto classificar a teoria de Wendt como uma sntese do que simplesmentecomo uma via media, ainda que esta expresso tenha sido amplamente aplicada:He is not simplystriving to establish a list of collectors items, a golden mean combination of the best of differentother positions. Rather, Wendt wants to abstract, reconfigurate, indeed sometimes assimilateapparently antagonistic theoretical positions within one (his) social theory of IR. (GUZZINI;

    LEANDER: 2006, 73). Ou seja, Wendt no busca um meio termo, quase matemtico, entre posiescontrrias, seno que as assimila e as reformula em um novo plano terico, logrando torn-las, emcertos casos, mesmo complementares.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    31

    Assim, tomando por base o realismo cientfico, Wendt busca demonstrar a

    possibilidade de se conciliar positivismo ao situar sua produo acadmica no

    terreno cientfico17 e construtivismo ao sustentar que o mundo, muito embora

    tenha por base um materialismo residual ou de fundo (rump materialism),

    composto em sua maior parte por ideias compartilhadas.

    Este fator, por sua vez, seria responsvel por contribuir para eventuais

    mudanas no mbito da estrutura, no obstante a ressalva do autor: Sometimes

    structures cannot be changed in a given historical context. My idealism is that of

    Durkheim and Mead, not Pollyana and Peter Pan. (WENDT: 1994, 389). Em outras

    palavras, a transformao a nvel sistmico possvel, o que no significa ser a

    mesma fcil ou trivial.

    Na verdade, a maior parte do seu livro dedicada a assuntos correlatos

    ontologia em um primeiro momento para esclarecer sua verso construtivista

    (subitens 1.3 e 1.4) e, em seguida, para discorrer sobre a natureza do sistema

    internacional (subitens 1.5 a 1.7). Tanto que Wendt afirma, ao fim de sua obra, ter

    procurado o desenvolver ao longo do texto uma ontologia da vida internacional

    (WENDT: 1999, 370).

    Entretanto, visto que o autor pretende construir uma ligao entre positivismo

    e ps-positivismo, Wendt dedica parte inicial de seu livro para tratar de problemas

    epistemolgicos. Tomando por base o realismo cientfico, procura demonstrar a

    possibilidade de: desenvolverpesquisas sociais cientficasno obstante a adoo de

    teorias construtivistas (o argumento de Wendt aqui direcionado a crticas ps-

    positivistas) e realizar consideraes ontolgicas sobre inobservveis (neste caso,

    procura-se refutar crticas empiricistas).

    17Cumpre notar que, apesar de no abrir mo do status cientfico de sua obra, Wendt no chega aoextremo de desprezar outras formas da saber (e.g., literrio), como feito pelo positivismo em suaverso mais vulgar. Trata-se apenas de estipular qual forma de conhecimento seria mais aplicvel aoestudo da poltica internacional: Epistemologically I have sided with positivists. Social science is anepistemically priviledged discourse that gives us knowledge, albeit always fallible, about the world

    out there. Poetry, literature, and other humanistic disciplines tell us much about the human condition,but they are not designed to explain global war or Third World poverty, and as such, if we want tosolve these problems our best hope, slim as it may be, is social science. (WENDT: 1999, 90).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    32

    O realismo cientfico ao qual Wendt tambm se refere simplesmente pelo

    termo realismo representa uma corrente da filosofia da cincia que parte das

    seguintes premissas (WENDT: 1999, 47):

    (i) O mundo existe independemente dos seres humanos (distino entresujeito e objeto)18.

    (ii) Teorias cientficas amadurecidas devem se referir a esse mundo.

    (iii) A qualidade inobservvel de um objeto no suficiente para a refutaoda premissa anterior.

    Posto em um sentena,A teoria reflete a realidadee no a realidade reflete a

    teoria (WENDT: 1999, 47). Logo, para o realismo, a ontologia precede aepistemologia: The world is what it is, wether we see it or not . (WENDT: 1999,

    52).

    Na viso de Wendt, a maioria dos pesquisadores em relaes internacionais

    seriam realistas tcitos19, ainda que, paradoxalmente expressassem por vezes

    posies antirrealistas. Isto porque a natureza representa a fundao material da

    sociedade, mesmo que esta no se reduza quela (WENDT: 1999, 51). Trata-se de

    um ponto relevante, pois se verificar semelhante argumento em W2. Neste caso,contudo, o autor argumentar que os tericos de RI adotam, implicitamente, na

    maioria dos casos, o princpio do fechamento causal do mundo fsico (CCP).

    De qualquer modo, Wendt identifica essa contradio aparente na nfase dada

    epistemologia nas relaes internacionais: I think that IR scholars have been too

    worried about epistemology and have not sufficiently let the nature of their problems

    and their questions dictate their methods. (WENDT: 1999, 48). Ocorre que, para

    mudar o fiel da balana em prol da ontologia, Wendt julga ser preciso o

    desenvolvimento de uma argumentao epistemolgica slida, qual seja: o estado e o

    18 The core of scientific realism is opposition to the view, held in various forms by its skepticalcritics, that what there is in the world is somehow dependent on what we know or believe. (WENDT:1999, 51).19A posio de Wendt aqui deve ser vista contextualizada, no sentido de que um de seus objetivoscom semelhante afirmao seria redirecionar o terceiro debate. Isto porque, se tanto positivistasquanto ps-positivistas so realistas com a diferena de que enquanto aqueles o so de forma

    expressa, estes o so de forma tcita, ento no h muito sentido em se discutir problemas de ordemepistemolgica. A seu ver, The debate should be about what the international world is made of ontologynot how can we know it. (WENDT: 1999, 90).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    33

    sistema de estados so reais e, no obstante inobservveis, passveis de apreenso

    cientfica (WENDT: 1999, 48).

    A este respeito, duas crticas antirrealistas merecem destaque. A primeira

    questiona se as teorias cientficas de fato proveem conhecimento sobre uma realidade

    exterior.

    Sua verso mais moderada, de ordem empiricista, consiste em fazer com que

    a epistemologia preceda a ontologia, a fim de sustentar a impossibilidade de teorizar

    a respeito de inobservveis. Consequentemente, estado e sistema de estados seriam

    na melhor das hipteses fices teis, mas jamais estruturas dotadas de realidade.

    Sua verso radical, de filiao ps-moderna, afirma ser possvel questionar a

    existncia em um mundo exterior inclusive de entidades observveis, pois as mesmas

    decorrem comumente de uma prtica discursiva. Neste caso, epistemologia e

    ontologia se equivalem, de modo que o mundo seria construdo por teorias em uma

    acepo quase literal (WENDT: 1999, 49).

    A segunda crtica antirrealista sustenta, que muito embora se possa conhecer

    a natureza por meio da cincia, o mesmo no possvel quando o objeto a

    sociedade: On this view, even if we can be realists about nature, a realism aboutideas is incoherent, and as such there can be no via media between positivist and

    post-positivist approaches to social science.(WENDT: 1999, 50).

    Conforme o autor reconhece, o problema maior neste caso no levantado

    por empiricistas, mas por construtivistas, na medida em que, ao postularem que os

    tipos sociais so compostos por ideias, terminam por inferir a impossibilidade de

    utilizao da distino sujeito/objeto, sob a qual o realismo se funda. Ademais,

    aplicam a dicotomia explicar (erklren)/entender (verstehen), para dissociar as

    cincias sociais do realismo, alegando que o mesmo compatvel to somente com

    efeitos causais, quando os efeitos decorrentes das ideias so predominantemente

    constitutivos.

    Com base nesse quadro geral, Wendt procura explicitar a epistemologia por

    ele adotada. Para tanto, o autor retoma a definio do realismo supramencionada,

    recordando que a mesma representa uma forma de filosofia da cincia e, enquantotal, no capaz de responder a questes de primeira ordem (empricas): Realism

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    34

    makes it possible to concieve of states and states systems as real and knowable, but

    it does not tell us that they exist, what they are made of, or how they behave.

    (WENDT: 1999, 51). No se trata, portanto, de uma teoria social.

    Aps detalhar as duas principais premissas do realismo cientfico

    independncia do mundo e necessidade de referncia a esse mundo por uma teoria

    que se pretenda cientfica (WENDT: 1999, 52-60) Wendt se debrua sobre o

    principal bice levantado por empiricistas e ps-modernistas aplicao do realismo

    nas RI, isto , a capacidade de uma teoria prover conhecimento sobre referentes no

    observveis: [...] compared to observables, our knowledge of unobservables is much

    more dependent on what our theoriesrather our senses tell us, so that we will have to

    abandon this knowledge as soon as we abandon the theories which give support tothe unobservables. (WENDT: 1999, 60).

    Na medida em que semelhante raciocnio poderia implicar a falcia do

    argumento realista segundo o qual a realidade condiciona as teorias (ainda que no as

    determine) tambm formulado sob a roupagem a ontologia condiciona a

    epistemologia , Wendt procura rejeitar o entendimento antirrealista de que, perante

    os inobservveis, somente seria possvel uma posio terica instrumentalista. O

    problema, contudo, que na medida em que se desprov o inobservvel de existncia

    real, abre-se espao para uma forma especulativa de raciocnio, ou, como define o

    autor, as if thinking:

    If theories are merely instruments for organizing experience, then it does not matter whethertheir assumptions are realistic. The task of theory becomes merely to predict successfully orsave the phenomena. The problem is that just because a process can be modeled as if itworks a certain way does not mean that it in fact works that way. If our view of sciencemakes successful explanation dependent on successful prediction, and nothing else, theninsofar as we believe that there is a world independent of thought we may never get around

    to explain how it really works. (WENDT: 1999, 61).

    Como alternativa, Wendt prope a defesa do status ontolgico dos

    inobservveis por meio da inferncia melhor explicao (inference to the best

    explanation, ou simplesmente IBE). Segundo os realistas, a IBE no fornece o

    mesmo nvel de certeza que a deduo lgica. Contudo, enquanto forma de induo,

    estaria presente no ncleo-duro do mtodo cientfico, capaz de produzir um

    conhecimento seguro sobre objetos no observveis.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    35

    Em termos prticos, a inferncia melhor explicao pode ser aplicada

    mediante perguntas do tipo: Is it reasonable to infer the existence of the state from

    the activities of people calling themselves customs officials, soldiers, and diplomats,

    given that state theory is our best satisfactory explanation of these activities yet

    might turn out to be wrong? (WENDT: 1999, 62).

    Com isso, ainda que a premissa sobre o condicionamento das teorias no seja

    refutada, certo que a teoria passa a ter maior peso ao tratar de categorias

    inobservveis. Wendt no rejeita esse fato, mas to somente recorda que admitir estar

    a prpria observao, at certo ponto, imbuda de teoria, no implica aceitar qualquer

    espcie de relao determinstica subjacente (WENDT: 1999, 63).

    Uma vez aceita a defesa oferecida pelo autor, ainda resta um ltimo desafio

    ao realismo cientfico: provar sua aplicabilidade a tipos sociais: Realism about

    natural science is based on a materialist ontology, whereas the nature of social kinds

    seems to imply na idealist or nominalist one. (WENDT: 1999, 68). De forma mais

    precisa, a primeira premissa do realismo cientfico, relativa existncia do mundo

    independentemente da ao humana, pareceria, a princpio, contradizer a prpria

    essncia de um tipo social.

    A fim de provar o contrrio, Wendt procura primeiramente estabelecer uma

    distino entre tipos naturais e tipos sociais, baseado em quatro critrios (WENDT:

    1999, 69-74):

    (i) Tipos sociais so mais peculiares do ponto de vista espaotemporal,quando comparados a tipos naturais20.

    (ii)Ao contrrio dos tipos naturais, os tipos sociais possuem sua existncia

    vinculada a ideias compartilhadas pelos atores.

    (iii) Na mesma linha, tipos sociais dependem de prticas humanas.

    (iv)O reducionismo muitas vezes aplicado aos tipos naturais no seria vivelno caso dos tipos sociais, pois estes so dotados tanto de estrutura internaquanto de estrutura externa (aspecto relacional)21.

    20Wendt considera esse um dos pontos mais fceis de se contornar, pois, a seu ver, trata-se de umaquesto supervalorizada: Critics say it precludes social science because they think science dependson truths being transhistorical. This may be true of an empiricist theory of science (perhaps), but not a

    realist one. On a realist view of explanation, with its emphasis on the description of causalmechanisms rather than deduction from universal laws, theories do not have to be transhistorical to bescientific. (WENDT: 1999, 69).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    36

    Frente aos desafios impostos por esses fatores, a soluo do autor consiste em

    postular que, no obstante baseados em ideias compartilhadas, os tipos sociais

    continuam objetivos. Aqui, trs caminhos so possveis. O primeiro consiste em

    enfatizar o papel exercido por foras materiais na constituio de tipos sociais, ainda

    que, conforme mencionado antes, a relevncia de uma base material na poltica

    internacional seja relativamente menor, no obstante seu valor para corroborar a

    objetividade supramencionada22.

    O segundo se funda no papel exercido pela auto-organizao na constituio

    de tipos sociais. Se a auto-organizao um dos elementos que impedem, por

    exemplo, que a existncia de um tipo natural seja negada, o mesmo ocorre com os

    tipos sociais, com a seguinte diferena: [...] social kinds lie on a spectrum ofvarying combinations of internal, self-organization and external, social construction,

    the relative weights of which determine whether we should be realists or anti-realists

    about the term. (WENDT: 1999, 74).

    Para Wendt, entretanto, mesmo no caso de atores corporativos, como o

    estado, possvel verificar a existncia de dinmicas internas de grupo que, a

    despeito de serem incapazes de gerar auto-organizao em absoluto, propiciam uma

    estrutura interna capaz de faz-los agir no mundo de uma forma especfica

    (WENDT: 1999, 75).

    O terceiro caminho se resume constatao de que tipos sociais podem

    depender de mentes e de discursos, mas na medida em que esse fenmeno no se d

    no plano individual, e sim no plano coletivo Individuals do not constitute social

    kinds, collectives do. (WENDT: 1999, 75) sua constituio como fatos sociais

    objetivos torna-se mais plausvel.

    Dessa forma, Wendt afirma como regra a reificao dos tipos sociais sob a

    forma sujeito/objeto, ainda que ligeiramente obscurecida pelo papel exercido por

    teorias nas hipteses de inobservveis. Tal reificao s no seria aplicvel em

    momentos de maior reflexividade, quando as coletividades adquiririam maior

    conscientizao sobre os tipos sociais por elas constitudos, abrindo espao para sua

    21A partir desse ponto, o autor gradativamente traz tona a influncia do interacionismo simblico,

    que segue em toda sua obra, e.g., To be a professor is, by definition, to stand in a certain relation to astudent; to be a patron is, by definition, to stand in a certain relation to a client. (WENDT: 1999, 71).22Cf. subitem 1.3.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    37

    transformao. Percebe-se, neste ponto, a influncia da sociologia de Anthony

    Giddens, explicitada pelo prprio autor (WENDT: 1999, 76)23. Importa, todavia, que

    Wendt conclue pela compatibilidade entre realismo cientfico e uma ontologia da

    vida social: [...] social kinds are materially grounded, self-organizing phenomena

    with intrinsic powers and dispositions that exist independent of the minds and/or

    discourse of those who would know them. These phenomena should regulate social

    scientific theorizing, even though they cannot determine it. (WENDT: 1999, 77).

    Sendo possvel a articulao entre positivismo (epistemologia) e ps-

    positivismo (ontologia), resta ainda a questo da abordagem cientfica dos tipos

    sociais. Neste ponto, preciso aprofundar o pensamento de Wendt, uma vez que a

    meno a expresses como reificao ou mesmo sujeito/objeto pode levar a umasimplificao de sua teoria, caso no se reconhea a distino feita pelo autor entre

    relaes de causalidade e relaes de constituio, fundamental para a compreenso

    do papel efetivo das ideias no meio social.

    1.3. Sobre causalidade e constituio: o poder das ideias

    Em um primeiro momento, causalidade e constituio parecem oferecer a

    melhor justificativa para a distino entre as atividades desenvolvidas por cientistas

    naturais e por cientistas sociais. Enquanto os primeiros, segundo o mainstream

    positivista, desenvolvem explicaes de ordem causal, os segundos, conforme

    pensam boa parte dos ps-positivistas, elaboram teorias de ordem constitutiva. Para

    Wendt, este um mal-entendido responsvel por boa parte da falta de comunicao

    entre as duas correntes, visto que ambas recorrem em suas teorias a elementos tanto

    causais quanto constitutivos:

    23 Ao tratar da reflexividade enquanto caracterstica diferenciadora das cincias naturais e sociais,Wendt recorre noo de hermenutica dupla desenvolvida por Giddens, traduzida nos seguintestermos: O conhecimento sociolgico espirala dentro e fora do universo da vida social,reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como uma parte integral deste processo. (GIDDENS: 1991, 24). Por sua vez, a reflexividade, associada por Giddens emergncia damodernidade, assim definida pelo autor: A reflexividade da vida social moderna consiste no fato deque as prticas sociais so constantemente examinadas e reformadas luz de informao renovadasobre essas prprias prticas, alterando assim constitutivamente seu carter. (GIDDENS: 1991, 45).

    No que se refere investigao cientfico-social, Wendt toma a reflexividade por exceo e no pelaregra, o que permitiria manter a relao sujeito-objeto, porm em uma verso mais refinada, uma vezque o autor no se limita a conceb-la em termos causais, conforme ser visto.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    38

    [...] causal and constitutive theories simply ask different questions. Causal theories askwhy? and to some extent how?. Constitutive theories ask how-possible? and what.These questions transcend the natural-social science divide, and so do the correspondingforms of theorizing. (WENDT: 1999, 78)24.

    Tome-se, por exemplo, o debate agente/estrutura, expresso de forma mais

    abstrata sob a forma individualismo/holismo. Perguntar como, ou at que ponto,

    agentes produzem (ou so produzidos por) estruturas, implica uma abordagem causal

    de um dos temas centrais da teoria social, na medida em que se pressupe o

    estabelecimento de uma relao de interao entre unidades independentes

    (provavelmente com a prevalncia de uma sobre a outra)25.

    Grosso modo, dizer que A causa B, significa pressupor que: (i) A e B existem

    de forma independente; (ii) A antecede a B, temporalmente; (iii) eliminado A, B noocorrer (WENDT: 1999, 79). Todavia, pode ocorrer que na prtica verifiquem-se (i)

    e (ii), mas no (iii). Neste caso, do ponto de vista lgico, estaremos diante da falcia

    denominada falsa causa.

    Por exemplo, quando se afirma que o rufar de tambores produziu a chuva, h

    a existncia de dois entes independentes, assim como a precedncia temporal, porm

    sem qualquer nexo de causalidade, uma vez que choveria de qualquer forma. Isso

    no significa, obviamente, que a referida prtica seja desprovida de um sentido

    especfico para determinado grupo social, podendo contribuir no apenas para o

    comportamento de seus membros, mas para a prpria forma como suas identidades

    so construdas. Esta, contudo, uma questo diversa.

    A teorizao constitutiva vai de encontro s premissas causais supracitadas,

    de modo a desenvolver um modelo de investigao cientfica no qual referncias a

    variveis dependentes e independentes tpicas de teorias causais simplesmenteno fazem sentido (WENDT: 1999, 85).

    24Novamente, procura-se uma alternativa ao enclausuramento epistemolgico que marcou o terceirodebate, tanto de positivistas quanto de ps-positivistas: I am arguing for a question-driven approachto social inquiry, in an attempt to transform the epistemological polemics of the Third Debate intomore benign methodological differences [...] This Third Debate will not be much of a debate if its

    protagonists are not speaking to each other. (WENDT: 1999, 78 e 90).25 A outra abordagem, por sua vez, indagaria como possvel a transformao de identidades einteresses dos atores, tratando agente e estrutura sob uma tica de mtua constituio. O tema serabordado no subitem 1.4.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    39

    Fenmenos naturais e sociais esto sujeitos constituio tanto pela sua

    estrutura interna quanto pela sua estrutura externa. A estrutura interna no representa

    a causa das propriedades associadas a um fenmeno, mas apenas responde,

    parcialmente26, pela formao de suas propriedades, principalmente no caso dos tipos

    sociais: [...] doctors are constituted (in part) by the self-understanding that define

    the social kind known as doctor; states are constituted (in part) by organizational

    structures that give them a territorial monopoly on organized violence. (WENDT:

    1999, 83).

    Wendt, todavia, demonstra maior interesse no papel exercido por estruturas

    externas e discursivas na configurao dos tipos sociais, seja quando apenas

    designam seu significado[...] treaty violations are constituted by a discourse thatdefines promisses, war by a discourse that legitimates state violence, terrorism by

    a discourse that delegitimates non-state violence. (WENDT: 1999, 84) , seja

    quando estabelecem uma relao de necessidade conceitual com outros tipos sociais

    [...] masters are constituted by their relationship to slaves, professors by students,

    patrons by clients. (WENDT: 1999, 84). Mais uma vez, no se trata de afirmar que

    tais fenmenos sociais so causados por discursos, e sim de estabelecer que aquilo

    que esses tipos so e representam depende, conceitual ou logicamente, da estruturaexterna em questo.

    Diferenciadas causalidade e constituio, faltaria ainda um empecilho

    indicado pelo o autor, qual seja, o tratamento dado tanto por positivistas como por

    ps-positivistas ao tipo de relaes e efeitos decorrentes dessas categorias em termos

    de umjogo soma-zero(WENDT: 1999, 85).

    Wendt, busca superar o obstculo a partir de trs proposies: (i) anlisesconstitutivas so feitas por positivistas, ainda que de forma tcita ou secundria; (ii)

    estruturas sociais e ideias so capazes de gerar efeitos de ordem causal; (iii) teorias

    constitutivas precisam ser avaliadas em funo de evidncias empricas, tanto quanto

    teorias causais: All scientific theories must meet the minimum criterion of being in

    26Caso contrrio, incorrer-se-ia em reducionismo, que, se nas cincias naturais tem sua crtica comoexceo, nas cincias sociais a tem como regra.

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    40

    principle falsifiable on the basis of publicly available evidence. (WENDT: 1999, 85

    e 89)27.

    A partir deste arcabouo, Wendt retoma a temtica do debate entre

    materialistas e idealistas, porm com formulao outra. Conforme destacado,

    neoliberais e neorrealistas concordam que boa parte dos eventos na poltica

    internacional podem ser explicados em termos de poder, interesse nacional e

    instituies. O desacordo existente diz respeito ao peso relativo desses fatores. Mais

    ainda, [...] power, interests and even institutions are treated as idea-free baselines

    against which the role of ideas is judged. (WENDT: 1999, 93). Dito de outro modo,

    haveria na sntese neo-neo no somente uma convergncia para a explicao causal,

    mas tambm para a nfase da preponderncia de fatores materiais em suas teorias28.

    Quando conferido algum espao s ideias, como no caso dos neoliberais,

    estas no raro assumem a forma de varivel interveniente capaz de afetar apenas de

    forma secundria, ou mesmo residualisto , no espao eventualmente deixado aps

    os efeitos decorrentes do poder, interesse e instituies , o comportamento dos

    atores.

    Wendt contrape a esse aporte sua proposta construtivista, centrada emaveriguar a extenso na qual ideias constituem causas consideradas puramente

    materiais por neoliberais e neorrealistas:

    The constitutive debate between materialists and idealists is not about the relativecontribution of ideas versus power and interest to social life. The debate is about the relativecontribution of brute material forces to power and interest explanations. Materialists cannotclaimpower and interest as their variables; it all depends on how the latter are constituted. [grifos nossos] (WENDT: 1999, 94).

    Como se pode perceber, a principal consequncia de semelhante abordagemconsiste em rejeitar a dicotomia ideiasversus poder e interesse. Ideias constituem

    tanto o significado do poder quanto o contedo de interessese a sua distribuio no

    27Wendt no ignora, com a presente assero, as diferenas entre padres para julgamento de umateoria, conforme o campo de conhecimento e conforme seu carter constitutivo ou causal: Causaltheories in chemistry have to meet different standards than those in geology, and in geology differentthan sociology. Similarly, constitutive theories must be evaluated in different terms than causal ones.(WENDT: 1999, 89).28Com a seguinte ressalva: Neoliberals nevertheless have demonstrated amply the proposition thatideas and institutions are at least relatively autonomous determinants of international life, which posesan important challenge to vulgar materialisms. (WENDT: 1999, 93).

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    41

    sistema representa um dos fatores mais importantes da poltica internacional

    (WENDT: 1999, 96).

    Ao mesmo tempo, Wendt se afasta de verses construtivistas que conferem

    um pleno poder s ideias (ideas all the way down). Com base no realismo cientfico

    adotado, defende ele a existncia de um materialismo residual, decorrente de foras

    materiais brutas [...] things which exist and have certain causal powers

    independent of ideas, like human nature, the physical environment, and, perhaps,

    technological artifacts. (WENDT: 1999, 94)e, portanto, indeclinveis.

    Para o autor, o construtivismo no deveria desprezar a importncia da

    natureza. Ocorre que, muito embora ideias no expliquem tudo per se, as foras

    materiais apenas produzem efeitos na poltica internacional por meio da interao

    com as mesmas: [...] The distribution of power may always affect states

    calculations, but how it does so depends on the intersubjective understandings and

    expectations, on the distribution of knowledge. (WENDT: 1992a, 397). De forma

    mais simples, poder e interesse, longe de representarem foras materiais brutas,

    sempre iro pressupor ideias.

    Com base nisso, Wendt formula uma espcie de regra de ouro que bemsintetiza o papel que as ideias possuem, a seu ver, no sistema internacional:

    [...] when confronted by ostensibly material explanations, always inquire the discursiveconditions which make them work. When Neorealists offers multipolarity as an explanationfor war, inquire into the discursive conditions that constitute the poles as enemies rather thanfriends. When Liberals offer economic interdependence as an explanation for peace, inquireinto the discursive conditions that constitute states with identities that care about free tradeand economic growth. [grifos nossos] (WENDT: 1999, 135).

    1.4. A relao agente-estrutura

    Tendo estipulado o teor idealista de seu pensamento, Wendt se volta para a

    dimenso estruturalista da ontologia da vida social por ele proposta. Agora, o estudo

    recai sobre o eixo individualismo/holismo. A seu ver, individualistas e holistas

    compartilham a noo de que existe uma forma de interdependncia entre agentes e

    estruturas. O desacordo reside, todavia, no que se refere ao nvel de

    interdependncia: para o individualismo, possvel reduzir uma estrutura a

  • 5/24/2018 A Guinada Qu ntica No Pensamento de Alexander Wendt e Suas Iimplica es Para a Te...

    http:///reader/full/a-guinada-quantica-no-pensamento-de-alexander-wendt-e-suas-

    42

    propriedades e interaes de seus agentes; para o holismo, estruturas possuem

    determinadas propriedades emergentes e, portanto, irredutveis (WENDT: 1999,

    143).

    Wendt pretende oferecer uma posio intermediria em relao ao debate,

    muito embora reconhecendo a existncia de efeitos estruturais irredutveis aos

    agentes. Com isso, fecharia o autor a explicao de seu construtivismo social,

    calcado na nfase conferida estrutura e s ideias.

    A primeira pergunta que se coloca : o que se