a história de coari através da literatura de cordel

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS CURSO DE LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS SIMEÃO DANIEL DE ALMEIDA ALVES Coari 2014

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A história de coari através da literatura de cordel - de chagas simeão

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Page 1: A história de coari através da literatura de cordel

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

CURSO DE LETRAS

HABILITAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA

A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL,

DE CHAGAS SIMEÃO

DANIEL DE ALMEIDA ALVES

Coari

2014

Page 2: A história de coari através da literatura de cordel

A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL,

DE CHAGAS SIMEÃO

Artigo apresentado à disciplina Prática de

Ensino de Língua e Literatura Portuguesa:

estágio supervisionado III do Curso de

Letras da Universidade do Estado do

Amazonas pelo acadêmico Daniel de

Almeida Alves como requisito parcial

para a obtenção do título de graduado em

Letras-Habilitação em Língua e Literatura

Portuguesa, sob a orientação da professora

Núbia Litaiff Moriz Schwamborn.

Coari

2014

Page 3: A história de coari através da literatura de cordel

BANCA AVALIADORA

---------------------------------------------------------------------

Núbia Litaiff Moriz Schwamborn

Professora Orientadora

--------------------------------------------------------------------

Monica Dias de Araújo

Professora Avaliadora

-------------------------------------------------------------------

Atacildo Ferreira Fontes

Professor Avaliador

Page 4: A história de coari através da literatura de cordel

A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS

SIMEÃO

Daniel de Almeida Alves1

Núbia Litaiff Moriz Schwamborn2

RESUMO

A presente pesquisa objetivou identificar e exemplificar, sobretudo, fatos históricos do

Município de Coari explicitados pela Literatura de cordel, com acontecimentos narrados

por Francisco Chagas Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza

de detalhes da História coariense, Assim, o trabalho objetivou estabelecer um diálogo

entre a Literatura de cordel e os fatos históricos, políticos e socioculturais ilustrados

através dos cordéis A tragédia do Botafogo (sem indicação de data), Recordando os

esquecidos coarienses (1992), Os prefeitos de Coari (2002), As promessas de enrolar

besta (2009) entre outros, de autoria de Chagas Simeão. Considerando que a História de

um povo precisa ser registrada e que a cultura insere as tradições populares,

manifestações religiosas, costumes de um povo, logo, as lendas, trovas populares e a

Literatura de cordel, também são formas de expressão da realidade. Assim, os cordéis

geram inúmeras possibilidades de expressão do mundo e através dos elementos lúdicos,

da verossimilhança e da linguagem plurissignificativa, tornam-se um meio eficaz do

qual se vale o homem para obter conhecimento acerca da realidade. No transcorrer do

trabalho efetuou-se a leitura e análise das obras do cordelista Chagas Simeão e recorreu-

se ainda a Linhares, Marcuschi e Pontes para fundamentação geral do tema.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura de cordel – Chagas Simeão – fatos históricos.

1Graduando do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – NESCOA/UEA. 2 Professora orientadora, Mestra do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – UEA

Page 5: A história de coari através da literatura de cordel

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A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS

SIMEÃO

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta dados históricos do município de Coari explicitados pela

Literatura de cordel, com acontecimentos narrados por Francisco Chagas Simeão da Silva que

expõe, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da cultura coariense.

São objetivos deste trabalho, apresentar dados biográficos do cordelista coariense,

Francisco Chagas Simeão da Silva, identificar fragmentos ilustrativos acerca da História de

Coari, presentes na produção literária do autor referendado, sobretudo nas obras Recordando

os esquecidos coarienses, A tragédia do Botafogo, Os prefeitos de Coari, e As promessas de

enrolar besta; além de analisar a estrutura da métrica utilizada pelo poeta e possibilitar que o

gênero Literatura de cordel seja conhecido pelo meio acadêmico e por toda população

coariense, como um importante meio de formação e informação.

O artigo está organizada em três tópicos. O tópico 1 refere-se à apresentação dos

dados biográficos do poeta estudado. No tópico 2, optou-se por abordar os fatos da História

de Coari presentes na Literatura de cordel, de Chagas Simeão. O último tópico consiste em

uma análise sobre a temática e estrutura métrica utilizadas pelo cordelista coariense em sua

bibliografia.

A metodologia utilizada privilegiou a pesquisa bibliográfica, enriquecida com uma

entrevista feita com Chagas Simeão para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor,

uma vez que os livretos analisados não trazem informações biográficas acerca do poeta

coariense de cordel. Para a fundamentação teórica sobre o tema, recorreu-se ainda a Linhares

(2009), Marcuschi (2003) e Pontes (2013).

Page 6: A história de coari através da literatura de cordel

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1. CONHECENDO O CORDELISTA COARIENSE, FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO

DA SILVA.

Francisco Chagas Simeão da Silva nasceu em 04 de julho de 1948, no município de

Tefé. Aos 12 anos mudou-se para a cidade de Coari, onde reside atualmente. Filho do Sr.

Clodomiro Simeão da Silva e da Sra. Valdizia Rodrigues da Silva, ambos agricultores. É

casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tem dois filhos, Heloneida Richer

Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva.

Chagas, como é chamado, faz parte de uma terceira geração de descendentes

nordestinos, o mesmo só estudou até a sétima série do Ensino Fundamental, porque ainda

jovem teve que abdicar de seus estudos para trabalhar. Mas, como sempre gostou de ler,

costumava importar livros e revistas para vender à população, no box em que trabalhava,

localizado no Mercado Municipal Clemente Vieira.

Foi no Mercado Municipal Clemente Vieira, que entre uma leitura e outra, Chagas

Simeão teve contato com a primeira obra de Literatura de cordel intitulada A luta do Zé do

Caixão com o Diabo, de Manoel D’Almeida Filho. Nasceu aí a sua paixão pelo cordel.

A aventura de Francisco Chagas Simeão da Silva, no mundo da Literatura de cordel

começou no início da década de 90, com a obra intitulada A tragédia do Botafogo. A referida

obra foi financiada pelo próprio cordelista, através do bazar que leva o seu próprio nome, o

Bazar do Chagas, localizado na Travessa Mota, nº 115, Centro do município de Coari. Em A

tragédia do Botafogo, impresso em Manaus pela Gráfica e Editora Líder Ltda, Francisco

Chagas Simeão da Silva, narra o naufrágio do barco Dominik, na localidade denominada

Botafogo, próximo à cidade de Codajás, também localizada no estado do Amazonas.

Na época, o acontecimento gerou muita tristeza e comoção tanto nos familiares das

vítimas quanto nas populações dos municípios vizinhos como podem ser observadas nos

fragmentos transcritos a seguir, de A tragédia do Botafogo.

Este motor meu amigo

O seu nome ninguém esquece

Dominik era o seu nome

Muita gente ali fez prece

Mas neste grande rio

Se naufragou, desaparece

Certo é que foi para o fundo

Em um lugar de horror

Uns chamam de Botafogo

Outros de ponta do pavor

Foi um naufrágio horrível

Que causou tristeza e dor.

(SILVA, s/d, p. 2 - 3).

Page 7: A história de coari através da literatura de cordel

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Após a publicação inicial de A tragédia do Botafogo, o poeta não parou mais de

escrever, atingindo a marca atual de onze publicações e de vários inéditos.

2. FATOS DA HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL

DE FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO DA SILVA

O cordel é uma espécie de poesia popular que é produzido e divulgado em folhetins

ilustrados com gravuras (xilogravuras). A Literatura de cordel constitui uma poesia de

tradição oral, mas com influência notável na escrita. Embora o verbete "cordel", registrado no

Dicionário Português Caldas Aulete, apareceu apenas em 1881 com o sentido de publicação

de baixo valor, a Literatura de cordel, segundo o pesquisador americano, Mark J. Curran

(2011), professor da Universidade do Estado do Arizona e autor da obra RETRATO DO

BRASIL EM CORDEL, a chamada Literatura de cordel, que inclui os “folhetos” cumpriram

“o papel de jornal e novela do povo sertanejo e exerceram a função de, ao mesmo tempo,

informar e entreter”.

A Literatura de cordel é concebida como sendo uma manifestação artístico-cultural da

cultura popular que registra a História e a trajetória de um povo, assim como, caracteriza-se

por uma ação poética que dá vida à sociedade. De acordo com Cascudo (2001), a chamada

literatura popular “(...) tipicamente impressa, não exclui a passagem à oralidade. É veiculada

por meio de folhetos que abordam os mais variados assuntos”.

Na opinião de Linhares (2009), a literatura de cordel, representa um expressivo meio

de comunicação neste século XXI. A autora enfatiza que a Literatura de cordel, enquanto

expressão cultural:

permanece adaptada, reinventada, no desempenho de suas funções sociais. Informar,

formar, divertir, socializar ou poetizar, conforme os diferentes temas que retrata e o

enfoque abordado. Da oralidade, lá em suas origens remotas, à era tecnológica, hoje,

é real a transformação e adaptação, compatível à própria evolução da humanidade

(LINHARES, 2009).

E pelo fato de cultivar características próprias, a Literatura de cordel é concebida

como um gênero textual da literatura, firmando-se como uma das mais variadas manifestações

da linguagem popular.

Para Marcuschi (2003), os gêneros textuais “são fenômenos históricos, fortemente

ligados à vida cultural e social”, constituem, deste modo, entidades sócio discursivas e formas

de ação em qualquer situação comunicativa.

As características da Literatura de cordel despertam no leitor a prática da leitura

prazerosa por serem pequenos textos, com linguagem cotidiana, clara e rimada em tom

Page 8: A história de coari através da literatura de cordel

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humorístico. São textos cadenciados, com uso de rimas que prezam pela função poética,

podendo ser falado, declamado ou cantado com o acompanhamento de instrumentos musicais,

expondo com isso, o valor da mediação com o diferente, com a oralidade, à memorização, e a

abordagem é geralmente de assuntos relacionados à realidade dos espectadores.

Quanto à temática, de acordo com Ariano Suassuna apud GASPAR (2003): “a

literatura popular em versos do Nordeste brasileiro pode ser classificada nos seguintes ciclos:

o heroico, o maravilhoso, o religioso ou moral, o satírico e o histórico”.

Partindo das considerações de Ariano Suassuna, este artigo aborda, sobretudo, o

aspecto histórico e satírico da obra literária do cordelista Francisco Chagas Simeão da Silva,

apresentando, por meio do gênero cordelista, fragmentos significativos da História de Coari.

Dessa forma, pretende-se contribuir para que seja posto em prática o que preconiza os

Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (2000) quando garantem que: “partilhar o

conhecimento socialmente instituído, aquilo que foi herdado do passado, é apenas o começo

do reconhecimento da parte que cabe a cada um no processo histórico, o dado”, nos quais as

linguagens, em todas suas vertentes, alcançam seus fins de características formativas,

informativas e educativas.

Ainda, segundo o que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais, o exame do

caráter histórico e contextual de determinada manifestação da linguagem, pode:

permitir o entendimento das razões do uso, da valoração, da representatividade, dos

interesses sociais colocados em jogo, das escolhas de atribuição de sentidos, ou seja,

a consciência do poder constitutivo da linguagem (BRASIL/PCN, 2000).

No início, sabe-se que o cordel focava a divulgação de histórias clássicas, narrativas

de épocas passadas que a tradição popular cultivou e transmitiu. Conforme Pontes (2013)

“essas narrativas enquadram-se na categoria de romance de cavalaria, amor, guerras, viagem

ou conquistas marítimas”. Posteriormente, surge nessa narrativa poética-literária a descrição

de fatos sociais contemporâneos, e acontecimentos políticos e históricos que chamavam a

atenção da população. Particularidade que o poeta Francisco Chagas Simeão da Silva cultiva

desde o início de sua produção literária.

Em A tragédia do Botafogo (sem registro de data), primeira obra do escritor coariense,

além de narrar os detalhes do trágico naufrágio do barco Dominik, na localidade Botafogo,

próximo à cidade de Codajás, onde dezenas de coarienses e tefeenses perderam à vida,

explicitada na 27ª estrofe: “Foi como ali aconteceu / Se acabaram mães, filhos e pais / Certas

pessoas amigas / Que os nomes não lembro mais / Foi uma grande tragédia / Que ainda não

houve igual” (SILVA, s/d, p. 7), através do encaixe As belezas de Coari, a Rainha do Solimões, o

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autor também apresenta alguns aspectos das belezas da cidade de Coari, presentes em suas

ruas, praças e demais espaços públicos.

O que temos na cidade

Não posso guardar segredo

Depois que termina o morro

Chega na Gonçalves Lêdo

Com dica que estou dando

Já pode andar sem medo

Você seguindo tranquilo

Vai logo em frente encontrar

Uma praça muito bonita

Que vale a pena parar

E ficar observando

Que vale a pena trabalhar

(...)

Mesmo dia 2 de agosto

Eu vi uma amplidão

Procurei ver o que era

É a praça São Sebastião

Que fica em frente uma quadra

Onde acumula a multidão

(SILVA, s/d, p. 18 - 20).

No mesmo encaixe, o autor, registra o crescimento da cidade através do surgimento de

novos bairros, e os primeiros meios de comunicação de massa que se instalaram em Coari.

A cidade está crescendo

A cada dia sem parar

Surgiu o bairro Santa Efigênia

Com crianças pra estudar

Foi ali construído um grupo

Pra poder melhorar

(...)

Nos servindo de instrumento

Para as necessidades daqui

Temos uma rádio funcionando

A RÁDIO RURAL DE COARI

Com diversas programações

Mostrando a beleza em si

(...)

O progresso aqui é bonito

Garanto que não se acaba

Temos a TV Amazonas

E também a AJURICABA

Para mostrarem ao povo

Tudo que se necessitava

(SILVA, s/d, p. 24 - 27).

Nos livros Recordando os esquecidos coarienses (1992) e A praça que tem de tudo

(1992), Chagas Simeão descreve personalidades políticas e pessoas do povo que, de alguma

forma, conseguiram notoriedade em Coari. Em Recordando os esquecidos coarienses, o poeta

desafia o leitor a ver se ainda lembra das personalidades que fizeram sucesso na cidade, como

o prefeito de Coari, Alexandre Montoril: “Você talvez não conheceu / ou seu nome nunca

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ouviu / foi um grande prefeito / que nesta cidade surgiu / seu nome era conhecido / por

CORONEL MONTORIL” (SILVA, 1992, p. 3); Chico Enfermeiro, um dos primeiros

profissionais dessa área a trabalhar na cidade: “Assim passou o tempo / o Coronel foi primeiro

/ mas para recordação / ficou o seu companheiro / chamado CHICO ENFERMEIRO”

(SILVA, 1992, p. 4); e outras personagens, que por algum feito, profissão, ou mesmo por

causa de seus pseudônimos engraçados, foram recordados na obra.

Mas a vida é mesmo assim

Cheia deste bafafá

Creia que eu ia esquecendo

Desta beleza buscar

Será que já se esqueceu

Da nossa amiga BIÁ

Eu ainda não esqueci

Gostava do jeito dela

Mas agora lembrei outro

Que parecia com ela

Só o nome era diferente

Pois chamavam ZÉ REMELA

(...)

Se formos mexer com todos

Estes versos não resumo

Não estou podendo esquecer

Do meu amigo TIRA RUMO

Que carrega o seu carro

Tirando sempre no prumo

(SILVA, 1992, p. 11 - 12).

A praça que tem de tudo conserva as mesmas características de Recordando os

esquecidos coarienses, pois satiriza os codinomes e os traços dos motoqueiros coarienses,

uma classe que, hoje, é formada por cerca de três mil profissionais, e que tiram dessa

profissão o sustento para suas famílias: “Vou começar a mexer / pra ver dar o sururu / porque

tocando pra frente / a gente conhece o angu / vou apresentar pra vocês / o famoso Cara de

pacu” (SILVA, 1992, p. 3), mas ao mesmo tempo em que o poeta se diverte com os nomes

engraçados dos mototaxistas, também faz uma crítica social em relação a “fama” desses

profissionais serem mulherengos, mencionando, inclusive, que há em Coari, um número de

filhos oriundos de relacionamentos extraconjugais: “Esta praça está sortida / com tudo que

você quer / Tem peixe, ave e caça / da espécie que quiser / Não vá dar é muita corda / pois são

sagazes por mulher” (SILVA, 1992, p. 3).

Ainda acerca dessa crítica, o autor descreve nos cordéis.

FULENGA nome famoso

Tem gata por todo lado

O povo anda espalhando

A fama do desgraçado

Tem pra mais de trinta filhos

Por esse mundo espalhado

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FULENGA vou quietar

Se não a conversa estira

Pode cuidar dos meninos

Que isto não é mentira

Enquanto eu vou mexer

Com a vida do MAMBIRA

(SILVA, 1992, p. 12).

Além de narrar momentos históricos, políticos e fatos do cotidiano do município de

Coari, observa-se que uma das características marcantes de Chagas Simeão, em toda sua

biografia literária é a forma como desenvolve as narrativas, sempre satirizando e/ou

moralizando, mas sem nunca perder a comicidade. Às vezes, o poeta se utiliza de acróstico,

usa o próprio nome para finalizar os cordéis.

Comecei a contar ao povo

Histórias da nossa praça

A esperança é ver todos

Gritando e fazendo graça

A felicidade é bonita

Surgindo de qualquer raça

(SILVA, 1992, p. 21)

Na obra Os prefeitos de Coari (2002) é feito um apanhado geral sobre a história e o

legado dos prefeitos que administraram o município desde a época em que não havia nem

eleição para a escolha dos gestores municipais, ou seja, nesse cordel há descrições dos

mandatos dos superintendentes, dos majores e dos alcaides escolhidos pelo voto popular.

Inclusive, há em muitas estrofes particularidades da História de Coari, que certamente a

“história oficial” não registrou, pelo menos não se tem informação. Nesse cordel, encontra-se

a descrição de qual prefeito que trabalhou ou que deixou de trabalhar durante sua gestão, no

qual o autor fez questão de advertir que dependendo do feito de cada mandatário seria

enaltecido ou depreciado: “Depois eu não quero choro / Dizendo que eu não avisei / Se você

foi bom prefeito / Ao povo todo direi / Mas se você não prestou / Seus defeitos mostrarei”

(SILVA, 2002, p. 01).

Nesse contexto histórico, o poeta conta que os prefeitos coarienses que mais se

destacaram foram: Alexandre Montoril, Clemente Vieira Soares e Enedino Monteiro da Silva.

De acordo com uma relação existente na Câmara Municipal de Coari a qual lista os

nomes dos prefeitos que administraram o município e os respectivos períodos que cada um

passou à frente da prefeitura municipal, sem dar outros detalhes. Alexandre Montoril exerceu

o cargo de prefeito de Coari por três mandatos, de 1932 a 1936, de 1937 a 1939 e de 1960 a

1963. Ele é apresentado, por Chagas, como “(...) um grande prefeito, que esta cidade já viu”,

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constituindo-se nessa conjuntura, o prefeito que iniciou o processo de urbanização da sede do

município de Coari, que acabara de ser elevada à categoria de cidade.

Um homem trabalhador

Cheio de disposição

As sete horas já estava

Com um guarda-chuva na mão

Verificando as obras

Que estavam em construção

Fez uma ponte de madeira

Desta ainda me lembro

Começava na Getúlio Vargas

Até a rua 02 de dezembro

Nesta feira do produtor

Era um igarapé tremendo

Em frente a Getúlio Vargas

Feito com maior capricho

Uma ponte de madeira

A qual chamavam de trapiche

Para embelezar a cidade

E não deixar acumular lixo

(SILVA, 2002, p. 04).

Clemente Vieira Soares, foi prefeito de Coari por dois mandatos, de 1964-1968 e de

1977 e 1982, ele, o autor o apresenta como o prefeito das grandes obras, “um prefeito que

deixou, o nome na cidade inteira”, mas que não teve o reconhecimento da população, pois

mesmo disputando outros pleitos, não ganhou mais nem para vereador.

Por onde você passar

Encontrará na sua frente

Uma obra bem trabalhada

Feita pelo prefeito Clemente

Vou mostrar algumas delas

Que ainda alegram a gente

Vou começar pelo porto

E subir pelo mercado

Pela rua Independência

Esta foi toda aterrada

Tinha o Pavilhão Santana

Pelo comércio foi tomada

(...)

Hoje cinquenta por cento

Do que temos n cidade

Foi feito pelo Clemente

Que trabalhava de verdade

Fazendo coisas bonitas

Para embelezar a cidade

(SILVA, 2002, p. 07-14).

“Foi candidato 7 vezes / Na oitava ele ganhou / Eu não sei porque razão / tanto tempo

demorou / Mais estamos satisfeitos / Com o papel que praticou” (SILVA, 2002, p. 13), é deste

modo que o poeta coariense, Chagas Simeão, refere-se a Enedino Monteiro da Silva, em seu

Page 13: A história de coari através da literatura de cordel

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cordel. Enedino Monteiro governou a cidade de Coari de 1973 a 1976, e ainda que não tenha

feito grandes realizações em sua administração o autor lhe faz grandes elogios.

O nosso amigo Enedino

Este quase não fez nada

Porque passou o seu mandato

Pagando conta atrasada

Deixada pelo tal Mussa

Que não prestava pra nada

(...)

Foi o único prefeito

Que por essa cidade passa

Que quando o outro entrou

Achou dinheiro em caixa

Trabalhou pouco na cidade

Mas deixou limpo na praça

(SILVA, 2002, p. 12).

Ainda com relação à história dos prefeitos, o poeta popular coariense menciona os

que, na sua opinião, foram os piores administradores de Coari. Nessa relação estão Mussa

Abrahim Neto, Evandro Aquino de Oliveira e Jamil Morais. Mussa foi prefeito de Coari no

período de 1969 a 1972, após o primeiro mandato de Clemente Vieira. Nas palavra do autor,

“com Mussa, foram quatro anos de desgraça que Coari enfrentou”.

Mussa chegou com pinta

De quem bota pra quebrar

É verdade ele entrou

Só vendo pra acreditar

Começou rasgando tudo

Lá na Chagas Aguiar

Só fez essa arrumação

Para enganar a moçada

Daquela data em diante

Só foi fazendo cagada

Deixou a cidade toda

Por todo canto endividada

(SILVA, 2002, p. 11).

Evandro Aquino administrou o município de Coari, de 1989 a 1992. Na época um

jovem intelectual que se tornou a esperança dos coarienses, pois ele havia feito parte da

primeira administração do prefeito Roberval Rodrigues da Silva (1983-1988), da qual ele era

vice, num mandato que foi marcado pela valorização da zona rural, construindo escolas e

levando educação para aproximadamente setenta por cento das comunidades. Mesmo com

alguns outros feitos, a dupla chegou ao final do governo com a popularidade baixa, causada

principalmente pela nomeação de parentes de Roberval para assumir o primeiro escalão da

gestão municipal. Mesmo assim, Evandro Aquino se candidatou e saiu vitorioso. Contudo, na

opinião de Chagas foi uma decepção.

Page 14: A história de coari através da literatura de cordel

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Começou até bonito

A muita gente empregando

Uma boa administração

Todo povo admirando

Quando dava o fim do mês

Os empregados ia pagando

(...)

Foi se perdendo aos poucos

Mexendo o que não era seu

Começou comprando terreno

Todo o povo percebeu

Uns já querendo saber

Como foi que enriqueceu

(...)

Até hoje ainda sente

Os efeitos disso aí

Nunca mais o quiseram

Para prefeito de Coari

Eu acredito que tão cedo

O povo não lhe quer aqui

(SILVA, 2002, p. 20-21).

Em Os prefeitos de Coari, Jamil Morais, figura-se também como um dos prefeitos

digno de ser satirizado. Ele era vice de Odair Carlos Geraldo, e administrou o município de

Coari por pouco mais de um ano.

Com a morte do Odair

O seu vice apareceu

Meus amigos esse aí

Só fez coisa que fedeu

Foi um dos piores prefeitos

Que em Coari apareceu

(...)

O sujeito era terrível

Gostava de fazer besteira

Vocês estão bem lembrados

Daquela ponte do Pêra!

Foi por onde começou

Fazendo a bagaceira

Botou o Cristo na praça

Com o braço aberto indicando

Onde mostrava para o povo

O buraco que ia ficando

Hoje quando você olha

Disto aí vai se lembrando

(SILVA, 2002, p. 25-26).

A história da política coariense, reserva dois fatos que são decorrentes da sempre

ferrenha e brutal disputa política que se arraigou em Coari desde sua origem, levando dois

prefeitos a serem assassinados, Herbert Lessa de Azevedo (1927) e Odair Carlos Geraldo

(1995), assim descritos pelo cordel, do autor coariense.

Vou continuar mexendo

E descobrindo os segredos

Agora veio a minha mente

O prefeito Herbert de Azevedo

Page 15: A história de coari através da literatura de cordel

14

Este pelo que me contaram

Foi desta terra mais cedo

Deste não posso dizer nada

Pois poucas coisas restaram

Com pouco espaço de tempo

Com um tiro lhe mataram

Não deixou nem lembrança

Para os que nele votaram

(SILVA, 2002, p. 03-04).

De acordo com a Coleção Amazoniana, de 1930, apud GÓES (2014), em transcrição

de A “Vanguarda”, do Rio de Janeiro, de 17 de agosto de 1927, “o prefeito Herbert de

Azevedo foi assassinado aos 25 anos de idade com um tiro no abdômen, no dia 23 de junho

de 1927, dentro do prédio da Prefeitura Municipal, onde também funcionavam a Delegacia e a

Promotoria”. O local fora invadido por vinte homens armados com rifles, vindos de canoa da

comunidade Apaurá, localizada às margens do rio Solimões, entre as cidades amazonenses de

Coari e Tefé.

Herbert de Azevedo era filho do jornalista e escritor Raul de Azevedo, deputado

amazonense e administrador dos Correios do Amazonas e Acre. Nasceu em Manaus, era

solteiro, formado bacharel em Direito e funcionário postal dos Correios.

Com relação ao também trágico homicídio do 14º prefeito de Coari – o 7º eleito pelo

voto popular – o médico paulista Odair Carlos Geraldo, foi morto com um tiro no peito, no

dia 14 de agosto 1995, em um tiroteio entre os seus seguranças e o então presidente da

Câmara de Coari a época, Arnaldo Almeida Mitouso, condenado por unanimidade, em 22 de

novembro de 2011, pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, como o autor do tiro que matou

Odair. Esse acontecimento, assim foi registrado no cordel de Chagas Simeão.

Odair Carlos Geraldo

Também foi nosso prefeito

Mas o destino não deixou

Chegar ao fim do seu pleito

Com um ano e seis meses

Morreu com uma bala no peito

Nos deixou muitas saudades

Pois era um homem excedente

Um que não tinha hora

Para atender qualquer gente

Morreu por viver cercado

De muitos incompetentes

(SILVA, 2002, p. 23-24).

Ademais, os livros Comendo o povo na conversa (2008), As promessas de enrolar

besta (2009) e Coari agora é enxergado (2010) são o retrato do contexto histórico, político e

social dos últimos treze anos do município de Coari. Nesse período o município passou a

Page 16: A história de coari através da literatura de cordel

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experimentar um novo momento em seu desenvolvimento com a exploração de petróleo e gás

natural, extraídos da Província Petrolífera de Urucu. Contudo, as cifras milionárias que a

Petrobras já pagou, em royalties ao município, pela exploração do “Ouro Negro” em seu solo,

pouco colaborou para que a população alcançasse uma qualidade de vida significativa, pelo

contrário, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2012) em

duas décadas o número de habitantes de Coari dobrou, passando de 38 mil em 1991 pra 77

mil em 2012. Ainda de acordo com o IBG o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

registrado em Coari é de 0,586 o que é considerado baixo pelo Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD). Entre os municípios do Amazonas, Coari ocupa a 21ª

posição na questão do IDH. O que não é exagero afirmar que Coari se tornou um município

rico, de um povo pobre. “É triste mais é verdade / Tudo o que acontece aqui / As frutas vem

de fora / Nada mais produz aqui / Porque não tem incentivo / Dos governantes de Coari”

(SILVA, 2008, p. 25).

Por conseguinte, todos os fatos políticos que marcaram as últimas décadas da História

de Coari estão relatados na produção literária do poeta coariense, Francisco Chagas Simeão

da Silva, nas escolhas, nas decisões, nas promessas políticas e nos escândalos de corrupção e

pedofilia envolvendo, principalmente, o atual grupo político que administra o município

amazonense com a maior renda per capita do estado, pela terceira vez. Assim se expressa

Chagas Simeão: “meu povo já estou cheio / De ver tanta enganação / Por isso leia este livro /

Prestando muita atenção / As coisas que são feitas / Para enganar o cidadão” (SILVA, 2008,

p. 01). E continua sua crítica satírica com os versos a seguir.

É tanta promessa feita

Que o povo até esqueceu

Mas vou lembrar a Orla

Que aqui não apareceu

A famosa ponte do Pêra

Esta desapareceu

(SILVA, 2008, p. 26).

Na cidade não tem um campo

Porque ele mandou acabar

Transformando em cemitério

Pra os defuntos enterrar

Dizendo vou fazer outro

Antes do mandato findar

(SILVA, 2009. p. 08).

É um homem sem moral

Metido na vaidade

Dizia eu só quero menina

De 15 anos de idade

Se tiver mais do que isso

Está fora de validade

(SILVA, 2009. p. 21).

Page 17: A história de coari através da literatura de cordel

16

Dia 20 de maio de 2008

Não devemos esquecer

Que a Polícia Federal

Fez muito negro tremer

Levaram só um bocado

Botam outros pra correr

Assim ainda pegaram

7 malas de dinheiro

Pra você ver como aqui

O roubo é verdadeiro

É por isso que em Coari

Há um sumiço de dinheiro

(SILVA, 2008, p. 28).

3. ANÁLISE SOBRE A TEMÁTICA E ESTRUTURA MÉTRICA UTILIZADAS PELO

CORDELISTA COARIENSE EM SUA BIBLIOGRAFIA

A Literatura de cordel por constituir uma manifestação popular no Brasil, originária do

Nordeste, tem como precursor Leandro Gomes de Barros, paraibano nascido em 1865. A

partir da atuação de Leandro Gomes de Barros (1865- 1918), surgiram outros poetas-editores

que escreviam e imprimiam seus próprios “folhetos”, como eram denominados os poemas

pelos portugueses.

A principal característica da Literatura de cordel no nosso país está relacionada à

riqueza de temáticas: a imensa diversidade dos temas abordados nas estrofes cordelistas.

Francisco Chagas Simeão da Silva também conserva em sua bibliografia essa característica.

Seus cordéis apresentam uma diversidade de temas: fatos históricos como o naufrágio do

barco Dominik, fatos cotidianos como a descrição de pessoas e seus nomes engraçados em A

Praça que tem de tudo e em Recordando os Esquecidos Coarienses, ambos de 1992. Os fatos

políticos, que inclusive estão sendo denunciados pela imprensa regional e nacional estão

claramente retratados em Coari agora é enxergado (2010): “Antes tivesse perdido / A

segunda eleição / tinha saído daqui limpo / E com dinheiro na mão / Não saía como pedófilo /

Nem também como ladrão” (SILVA, 2010, p. 28).

É importante enfatizar que o próprio cordelista tinha consciência do que escrevia.

Preocupado em mostrar a verdade e, assim “abrir os olhos do povo” escreveu em As

promessas de enrolar besta (2009) para o leitor: “talvez não fosse este livro / que você estava

esperando / leia com bem atenção/ e sempre observando / Você vai ver que é verdade / Tudo

o que estou falando” (SILVA, p. 31). E o autor continua tentando chamar a atenção do leitor

para a enganação: “eu não vou fazer livro / que não possua valor/ Quero chamar atenção / Do

meu querido leitor / Pra me ajudar a divulgar / a podridão que passou” (p. 31).

Page 18: A história de coari através da literatura de cordel

17

Ainda quanto à temática, o cordel literário do morador coariense, Chagas Simeão, tem

uma relação muito semelhante à obra de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”. São

bastante conhecidos os poemas de caráter crítico do autor barroco que, na época do Brasil

colonial, satirizava o clero, os políticos, comerciantes, colonizadores e até mesmo o povo.

Para isso, usava um vocabulário bem “baixo” em suas poesias.

Assim, através das mesmas, podia-se conhecer melhor a sociedade do Brasil colonial,

conforme exemplificam os fragmentos do poema intitulado “Epílogos” (Juízo anatômico dos

achaques que padecia o corpo da república). No texto barroco, o escritor faz uma análise,

válida para os dias atuais, dos problemas do país, cuja capital era então a Bahia. Sua crítica

volta-se para a situação econômica, a corrupção das autoridades, a farsa dos políticos e o

mercantilismo a que a justiça se submete.

EPÍLOGOS

(Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república)

Que falta nesta cidade?...................................Verdade

Que mais por sua desonra ..............................Honra

Falta mais que se lhe ponha ...........................Vergonha.

O demo a viver se exponha,

por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?.............................. Negócio

Quem causa tal perdição? ................................ Ambição

E o maior desta loucura?.................................. Usura.

Notável desaventura

de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

(...)

O açúcar já se acabou?..................................... Baixou

E o dinheiro se extinguiu?................................. Subiu

Logo já convalesceu? .......................................... Morreu.

À Bahia aconteceu

o que a um doente acontece,

cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?........................................ Não pode

Pois não tem todo o poder?.............................. Não quer

É que o governo a convence? ........................... Não vence.

Quem haverá que tal pense,

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera, e pobre

Não pode, não quer, não vence.

(Gregório de Matos)

Page 19: A história de coari através da literatura de cordel

18

Na mesma linha temática de Gregório de Matos, o cordelista Chagas Simeão critica

satirizando, de forma bastante cômica, episódios da vida popular, cotidiana e política.

A semelhança temática do cordel de Chagas Simeão com as poesias satíricas do poeta

baiano se evidenciam em As promessas de enrolar besta. Na obra, constata-se que o autor faz

duras críticas aos governantes coarienses e recrimina as pessoas que não sabem votar.

O povo desta cidade

Parece não ter cachola

Vão rodando na conversa

Como se rola uma bola

Você prestou atenção

No rabo do ônibus a Orla?

É uma coisa incrível

Que deixa a gente “nervoso”

Em ver nas traseiras dos ônibus

O Centro de Convivência do Idoso

É mais uma falcatrua

Deste bicho mentiroso.

(SILVA, 2009, p. 03).

E o autor, na obra, continua com suas denúncias e críticas, através de suas sextilhas.

A Orla que tanto falaram

Só era fazendo chantagem

Pois é tipo de gente

Que quer virar visagem

E deixar sua propaganda

Ao menos para sacanagem.

A estrada foi duplicada

Até hoje pra nada presta

Veja esta do Itapéua

Que é só buraco que resta,

Porque o dinheiro aqui

Se acabava em festa...

(SILVA, 2009, p. 09-10).

Mas aqui, este povo

Gosta de ser enganado,

Chegou fazendo promessa,

Logo confiam no safado

Depois estão arrependidos

Se maldizendo para todo lado.

(...)

Vai entrando e se acabando

E o povo rodando na peia

O asfalto que jogam na rua

Pode ver que é só areia

E a cidade de Coari

Cada vez fica mais feia...

(SILVA, 2009, p. 11-13).

Na mesma linha satírica, as sextilhas transcritas do cordel As promessas de enrolar

besta (2009) fazem referência à omissão e participação das autoridades no desmando político

coariense.

Page 20: A história de coari através da literatura de cordel

19

E quanto mais aparece roubo

O sujeito é mais elogiado

Pois no meio da sem-vergonhice

Tem Promotor, Juiz e Advogado

E mais os Governadores

Pra ficar tudo abafado.

Ainda passa a mão por cima

Elogiando o ladrão

Dizendo eu não pensei

Que tivesse aqui um irmão

Vou mandar mais dinheiro

Pra nós fazermos a divisão.

(SILVA, 2009, p. 15).

Porém, o cordelista do município de Coari, não escreveu apenas poemas de caráter

satírico, o poeta Chagas Simeão também faz relatos saudosistas, num vocabulário bem

popular, de personalidades políticas e de acontecimentos do cotidiano coariense em

Recordando os esquecidos coarienses (1992).

Você talvez não conheceu

Ou seu nome nunca ouviu

Foi um grande prefeito

Que nesta cidade surgiu

Seu nome era conhecido

Por CORONEL MONTORIL

(SILVA, 1992, p. 4).

E louvando o trabalho dos antigos prefeitos Montoril e Clemente Vieira, as sextilhas

transcritas de Os prefeitos de Coari (2002) continuam com os relatos saudosistas.

Do Coronel Montoril

Ainda trago na mente

Uma frase muito linda

Que dizia num repente

Que o homem preguiçoso

Não serve para semente

Trabalhou muitos anos

Não deixou rastro de besteira

Para continuar o progresso

Entrou o Clemente Vieira

Um prefeito que deixou

O nome na cidade inteira

(SILVA, 2002, p. 07).

Com referência à estrutura formal, todos os cordéis são escritos através de estrofes

regulares, utilizando-se de sextilhas. O primeiro cordel, A tragédia do botafogo, possui cento

e oito estrofes, o segundo cordel, intitulado Recordando os esquecidos coarienses é

constituído de quarenta e nove estrofes. O livro A praça que tem de tudo possui setenta e três

agrupamentos de versos. O livro Os prefeitos de Coari é organizado com cento e trinta e uma

estrofes. O quinto cordel, que tem como título Comendo o povo na conversa é o que tem o

Page 21: A história de coari através da literatura de cordel

20

maior agrupamento de estrofes, composto cento e cinquenta. As promessas de enrolar besta é

o segundo maior folheto, com cento e trinta e quatro estofes e o livro Coari agora é

enxergado é formado por setenta e sete estrofes.

Predominantemente, nos versos escritos, o autor utiliza versos que constituem a

medida velha, versos curtos, de cinco sílabas, a redondilha maior e versos de oito sílabas, mas

não há rigidez, quanto à quantidade de sílabas poéticas. Em Coari agora é enxergado (2010),

impresso no próprio município, há uso dos versos de sete sílabas e versos de oito sílabas

(medida velha), mas há versos também construídos com outras medidas.

A / qui/ se / faz / a / qui/ se / pa / ga = oito sílabas poéticas

É / um / di / ta /do /po /pu / lar /= oito sílabas poéticas

Tem /gen / te / pa / gan / do/ ca / ro = sete sílabas poéticas

O / que / fez / a / qui/ sem / pen/ sar/ = oito sílabas poéticas

Ven/ do o/ sol / nas /cer/qua /dra / do = sete sílabas poéticas

Que / ren /do a / té/ se en/ for / car/ = sete sílabas poéticas.

A preferência métrica do autor evidencia-se, inclusive, no encaixe intitulado: AS

BELEZAS DE COARI – A RAINHA DO SOLIMÕES. Nesse cordel, o que se tem

conhecimento até agora, é que o mesmo constitui o primeiro registro de exaltação à cidade de

Coari, através do gênero Literatura de Cordel.

Quem vem a esta cidade

Volta sempre com frequência

Por ver as maravilhas

Da Avenida Independência

Coari, uma cidade bonita

Que encanta com a presença

(...)

Você seguindo tranquilo

Vai logo em frente encontrar

Uma praça muito bonita

Que vale a pena parar

E ficar observando

Que é bonito trabalhar...

(SILVA, s/d, p. 17 - 18).

Quanto ao esquema de rimas, o autor rima sempre os versos pares, geralmente o

segundo rima com o quarto e com o sexto verso. Partindo desses pressupostos, conclui-se que,

a Literatura de Cordel, produzida pelo morador coariense Francisco Chagas Simeão da Silva,

apresenta uma linguagem cadenciada, simples, de fácil entendimento.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi bibliográfica de análise qualitativa, caracterizando-se como um estudo

de caso. Primeiramente foi feito o levantamento da literatura de Chagas Simeão. Após a

leitura sistemática e análise, privilegiou-se como temática a descrição dos fatos históricos e

Page 22: A história de coari através da literatura de cordel

21

políticos do município de Coari, relatados nos cordéis do autor em estudo. Também foi feito o

levantamento bibliográfico para teorização do tema selecionado.

Como instrumento, utilizou-se também de uma entrevista feita com Chagas Simeão,

para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor, uma vez que os livretos analisados

não trazem informações biográficas acerca do poeta coariense de cordel.

Page 23: A história de coari através da literatura de cordel

22

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a Literatura de cordel, produzida pelo morador coariense Francisco

Chagas Simeão da Silva, desempenha um singular e relevante registro de aspectos históricos e

políticos do município de Coari.

Ao cumprir todos os objetivos propostos neste trabalho, percebeu-se que os cordéis do

poeta são, de fato, uma fonte de informação histórica real que de uma maneira ou outra tem

incansavelmente contribuído para ajudar no processo de educação e politização da população

coariense, ou seja, formar cidadãos críticos e conscientes dos seus deveres e direitos políticos,

por motivar o cidadão/eleitor a fazer melhores escolhas na hora de eleger o seu representante.

Com este artigo, observou-se a nítida habilidade do poeta em transformar a notícia em

história, e, que seus cordéis têm proporcionado à sociedade coariense uma alternativa

diferenciada e legítima de fazer com que esta fique “por dentro” dos fatos do cotidiano.

Entretanto, embora este trabalho tenha sido muito importante para conhecer a História

de Coari, ficam as seguintes recomendações: que os leitores, sobretudo os discentes, tenham a

curiosidade de pesquisar, entender e escrever sobre a História de Coari retratada através dos

cordéis de Chagas Simeão.

Recomenda-se também que as instituições de ensino, responsáveis por formar e

informar, procurem a possibilidade de encontrar saídas para o desenvolvimento da pessoa

humana, através dos mais diversos gêneros da linguagem, entre eles o cordel; que o cordelista

coariense possa ter apoio de instituições para suas futuras publicações e, dessa forma produzir

obras focando também o público escolar/universitário e que a população de Coari possa

valorizar a Literatura de cordel do autor em estudo, pois a História de um povo precisa ser

registrada, visto que “um povo sem memória é um povo sem cultura”. E se cultura insere as

tradições populares, as manifestações religiosas, os costumes de um povo, as lendas, as trovas

populares, insere também a Literatura de cordel, com fatos narrados por Francisco Chagas

Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da

cultura coariense.

Page 24: A história de coari através da literatura de cordel

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://dilsoncatarino.blogspot.com.br/2012/10/poemas-de-gregorio-de-matos-guerra-

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Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em 02 de

junho de 2013.

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Como morreu o Prefeito de Coari. Disponível em:

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IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2012. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Coari>. Acesso em 16 de maio de 2014.

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Manaus/AM, 1992.

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_______________ Os Prefeitos de Coari. Multigraf. Manaus/AM, 2002.

_______________ Comendo o povo na conversa. Gráfica MA. Coari/AM, 2008.

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SILVA, Francisco Chagas Simeão da. As promessas de enrolar besta. Gráfica MA.

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VIANA, Arievaldo. Acorda cordel na sala de aula. O Mossoroense, Mossoró, RN,

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Acesso em: 18 de outubro de 2013.

Page 26: A história de coari através da literatura de cordel

ANEXOS / APÊNDICES

Entrevista:

Francisco Chagas Simeão da Silva – O Poeta Coariense de Literatura de Cordel

Coari-AM, em 20 de novembro de 2013

Por: Daniel de Almeida Alves Acadêmico do Curso de Licenciatura em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/NESCOA

Francisco Chagas Simeão da Silva, nos recebeu para esta entrevista em seu

bazar, localizado na Travessa Mota, centro de Coari (AM). Aos 65 anos, sempre bem

humorado, o poeta cordelista não hesitou em responder uma só pergunta que lhe foi

dirigida. Ele tem 14 escritos de cordel, entre obras publicadas e inéditas. É comerciante

dedicado, e também um apaixonado por leitura. Quando não tem clientes para atender

está sempre lendo jornais e/ou revistas, ou então rabiscando seus cordéis atrás de sua

escrivaninha.

Daniel Almeida – Fale um pouco de você: sua idade, sua profissão,

formação, cidade onde nasceu, se é casado ou solteiro etc.

Chagas Simeão – Eu tenho 65 anos, nasci no dia 04 de julho de 1948, na zona

rural de Tefé. Quando eu tinha 02 anos, o meu pai saiu para pescar, sofreu um ataque de

epilepsia e morreu afogado. Uns anos depois a minha mãe se juntou com um “cara”, só

que ele bebia, e numa de suas bebedeiras o “sujeito” chegou em casa querendo bater na

minha mãe, foi então que eu peguei uma enxada e botei para cacetar o “bicho” (risos).

Foi! Só não aconteceu uma tragédia porque ele se defendeu e correu (risos)!

Depois desse caso, eu já tinha 12 anos, a minha mãe me mandou aqui para

Coari, para morar com o meu tio, Alfredo. Então, desde menino eu tive que aprender a

me virar. Estudava em um horário e trabalhava em outro, até que chegou um momento

que, por uma questão de sobrevivência, e também por me aparecer a mesma doença

neurológica (epilepsia) que levou o pai à morte, não deu mais para estudar, e aí eu parei

na 7ª série. Desde então, eu trabalho com comércio, antes lá no mercado, e agora aqui

nesse “bazarzinho” (risos). Essa é a minha profissão!

Ah, eu sou casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tenho 2

filhos, Heloneida Richer Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva.

Page 27: A história de coari através da literatura de cordel

Daniel Almeida – Como surgiu o seu interesse pela literatura de cordel?

Chagas Simeão – O meu envolvimento com o cordel aconteceu de uma certa

forma até engraçada, porque como eu disse, eu trabalhava em um dos “box” do

Mercado Municipal Clemente Vieira, onde eu comercializava diversos tipos de livros,

que eu mandava pedir de São Paulo (SP), isso em meados da década de 80, no meio

desses livros eu encontrei a obra A luta do Zé do Caixão com o Diabo, de Manoel

D’Almeida Filho. Foi lendo as histórias de Manoel D´Almeida Filho, em diversos

outros cordéis, que eu vi, que eu também poderia ser um escritor de literatura de cordel.

Isso ficou na minha cabeça por vários anos.

A inspiração para escrever o meu primeiro cordel só veio com o naufrágio do

barco Dominik, lá perto de Codajás, uma tragédia que eu nunca tinha ouvido falar na

minha vida. Assim, nasceu A tragédia do Botafogo na qual eu narro como tudo

aconteceu e ainda alerto o povo para ter cuidado ao viajar por esses rios.

Daniel Almeida – Quantos cordéis você já compôs e onde os divulga?

Chagas Simeão – Já escrevi 14 livros, 11 já foram publicados: A tragédia do

Botafogo, Recordando os esquecidos coarienses, A Praça que tem de tudo, As proezas

de um preguiçoso, Os prefeitos de Coari, As quadro drogas que matam sem compaixão,

A crueldade dos homens, As promessas de enrolar besta, Comendo o povo na conversa,

Coari agora é enxergado, Lembrança da vovó Suzana, e por falta de patrocínio, 3 estão

por serem publicados. E eu só vendo aqui mesmo, quem faz a divulgação é o povo.

Daniel Almeida – Qual a temática principal de seus cordéis? Eles se

diferenciam dos cordéis tradicionais?

Chagas Simeão – A temática mais presente nos meus cordéis é a política,

porque eu acredito que as decisões da política é que decidem os rumos da sociedade.

Mas eu também gosto de escrever sobre as história do dia a dia do povo, porque o

cordel é poesia popular, não da elite. É poesia do povo, feita em folhetos baratos,

humildes. Essa poesia o povo transmite de geração para geração porque nela está a sua

identidade cultural. O que diferencia o meu cordel do tradicional é que o tradicional

valoriza mais as histórias dos bois brabos que ninguém pegava, dos cangaceiros. O meu

não, o meu valoriza as histórias do povo.

Page 28: A história de coari através da literatura de cordel

Daniel Almeida – Os cordéis têm uma função didática, entre outras. Como

tem sido a reação do público com a temática de seu cordel?

Chagas Simeão – O povo tem sido muito receptivo com o meu trabalho. Tem

muitos pais que não sabem nem ler, mas que compram os meus cordéis para ouvir os

filhos lerem e se divertirem com o jeito que eu descrevo as histórias, e depois eles saem

contando por aí (risos).

Daniel Almeida – Você já sofreu algum tipo de retaliação por causa do

cordel?

Chagas Simeão – Não, porque por mais que eu faça um cordel que satiriza sem

dor nem piedade as besteiras que esses políticos fazem, eu só falo a verdade, nada mais

que isso.

Daniel Almeida – De que forma os cordéis colaboram em prol da cidadania

coariense?

Chagas Simeão – Minha missão é através do cordel registrar os acontecimentos que

giram em torno da política para ir alertando o povo a fazer escolhas inteligentes na hora

de votar.

Daniel Almeida – Chagas, se você pudesse deixar uma mensagem para os

jovens, o que você diria?

Chagas Simeão:

Jovens de todo o Brasil

É hora de despertar

Procurando as coisas boas

Que vocês possam aproveitar

O estudo é uma delas

Pode você acreditar

Estude com dedicação

Não deixe o tempo passar

Aproveite enquanto é jovem

Porque a velhice vai chegar

Leia com bem atenção

Pra aprender e pra ensinar

Page 29: A história de coari através da literatura de cordel

Um jovem bem preparado

Tem a vitória pela frente

Vive uma vida feliz

Bem alegre e contente

Desvie-se do mal

Pra ser uma boa gente