a historia de minas como historia do brasil
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A Historia de Minas Como Historia Do BrasilTRANSCRIPT
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Bruno Franco Medeiros Valdei Lopes de Arajo
Dossi 23
Diferentemente do paradigma universalista, ento hegemnico na historio -grafia brasileira, a criao do Arquivo Pblico Mineiro veio consagrar ummodelo de tipo corogrfico como pr-requisito para a construo de umahistria geral do Brasil.
Revista do Arquivo Pblico MineiroRevista do Arquivo Pblico Mineiro
A histria de Minas como histria do Brasil
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especiais em um quadro mais amplo; por isso, era
quase sempre entendida como tarefa para o trabalho
em equipe. Assim fora concebido o projeto de uma
Histria Universal da Amrica Portuguesa, formulado
pela Academia Braslica dos Renascidos. Uma das pri-
meiras iniciativas desse projeto historiogrfico foi repen-
sar a regionalidade do territrio americano, propondo
novas formas de conceber sua diviso e, por conse-
qncia, as tarefas historiogrficas a serem distribu-
das.5
Histria geral e histrias naturais
Entre a segunda metade do sculo XVIII e as primeiras
dcadas do sculo XIX a histria geral foi incorporada,
em grande medida, s chamadas histrias naturais.
Sem romper com a concepo de mosaico, as histrias
naturais imprimiram um outro padro de racionalidade,
dirigido por um projeto sistemtico de conhecimento da
paisagem natural. No projeto dos Acadmicos
Renascidos, a Amrica portuguesa inseria-se no grande
livro da histria atravs de um modelo providencialista
e homogneo de Ocidente. Na nova historiografia natu-
ral o territrio americano era assimilado aos padres de
racionalidade sistmica recm-descobertos e que deve-
riam organizar o territrio de uma paisagem mundial
hierarquicamente organizada.
No interior das histrias naturais, as corografias tinham
uma insero ambgua. Por um lado, eram fundamen-
tais, na medida em que apresentavam a realidade
local; por outro, sua nfase nas particularidades tendia
a chocar-se com o projeto centralizado e sistmico. Os
corgrafos, transformados em naturalistas, tinham difi-
culdades em reduzir seu prprio programa de uma his-
tria local s demandas por descries taxonmicas.
Esse longo processo de tenso e aprendizado pode ser
identificado na correspondncia entre os naturalistas
locais e seus mestres na Europa.6 Sob o ponto de
vista de um Estado metropolitano em processo de reor-
ganizao de seus padres de dominao, a histria
natural apresentava maiores vantagens.
A centralidade assumida pela histria natural s seria
transformada com a emergncia do programa das hist-
rias nacionais modernas. Sabemos que no Brasil esse
programa se constituiu ao longo do segundo quartel do
sculo XIX, tendo como seu espao privilegiado, mas
no nico, o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
(IHGB), fundado em 1838. Homens como Janurio da
Cunha Barbosa, Raimundo Jos da Cunha Matos e
Jos Feliciano Fernandes Pinheiro participaram ativa-
mente das lutas pela Independncia brasileira e manti-
veram uma preocupao constante em produzir uma
histria do Brasil a partir do evento fundador da nova
nacionalidade. Pontos fundamentais desse programa j
haviam sido elaborados por pensadores como Hiplito
Jos da Costa, Luiz Gonalves dos Santos, Jos da
Silva Lisboa, Jos Bonifcio, entre outros, que desde
1808 procuraram entender a transplantao da Corte
para o Rio de Janeiro como a acelerao de um lento
processo histrico de emancipao da Amrica portu-
guesa.
O programa de uma histria nacional em recorte
moderno exigia outras solues polticas, formais e te-
ricas. Esse novo tipo de historiografia precisava reunir e
coordenar um forte modelo explicativo geral, um apara-
to crtico/documental e um novo tipo de decoro na sua
relao com o Estado. Na verso produzida pelo
Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, acabou por
prevalecer um modelo que priorizava a histria geral
em detrimento das histrias particulares. A nova com-
preenso da histria colonial enquanto um processo
contnuo e totalizante anulava ou tornava indesejvel a
relativa autonomia que as histrias particulares goza-
vam at ento.
Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 25
Na segunda metade do sculo XVIII, o que
chamamos hoje de histria regional se enquadraria no
conceito amplo de histrias particulares. Essas histrias
eram particulares em oposio a um outro conceito
complementar, o de histria geral. Uma histria particu-
lar poderia ser definida por sua temtica especfica,
como a histria militar, literria e eclesistica, ou por
seu recorte espacial circunscrito.
A essa compreenso da escrita da histria correspondia
um conjunto de formas literrias prprias, muitas delas
especialmente talhadas para oferecer um tratamento
temtico, mais do que cronolgico, ao material recolhi-
do. Para as histrias particulares de recorte espacial, a
corografia foi certamente a forma mais cultivada.
Histrias locais e particulares
O formato corogrfico bastante antigo, alguns autores
o identificam em textos de escritores gregos e
romanos.1 Sua prtica esteve associada historiografia
antiquria e erudita, que ao longo dos tempos moder-
nos especializou-se na chamada histria local, por opo-
sio grande tradio da histria poltica clssica. A
historiografia produzida pelos antigos era caracterizada
pelo intenso uso de documentao, assumindo geral-
mente formas no narrativas para a exposio do mate-
rial. No mundo portugus, a corografia esteve estreita-
mente associada atividade militar e administrativa,
sendo utilizada para o reconhecimento dos novos terri-
trios e populaes. Essa ligao entre corografia, ativi-
dade militar e administrao um dos traos de per-
manncia da tradio corogrfica portuguesa.
No sculo XVII, na parte introdutria de sua Geographia
Generalis, publicada em 1650 em Amsterd,
Bernardo Varenius repetia uma longa tradio ao
dividir a geografia em dois grandes campos:
Geografia Geral ou Universal aquela que con-
sidera a Terra em conjunto e explicita suas pro-
priedades sem levar em conta as particularida-
des de cada regio. Chama-se Especial ou
Particular aquela que estuda a constituio de
cada uma das regies, e
que se subdivide em: corografia e topografia.
A corografia mostra a descrio de alguma
regio que tenha uma extenso maior e a topo-
grafia descreve com detalhe um lugar
ou uma pequena extenso da Terra.2
Essa mesma definio pode ser encontrada no
verbete corografia do Vocabulrio Portuguez e Latino,
publicado por Rafael Bluteau na primeira metade do
sculo XVIII, permanecendo sem grandes modificaes
ao longo do sculo XIX. Essa estabilidade da definio
do lxico escondia profundas transformaes no gnero,
que precisou se adaptar aos diferentes paradigmas de
conhecimento.
No Brasil, a forma corogrfica ofereceu a possibilidade
de enfrentar a disperso real e simblica do territrio.
Na impossibilidade de totalizar a experincia da
Amrica portuguesa em torno de imagens gerais efeti-
vas, utilizava-se de um formato literrio onde a frag-
mentao e a inconclusividade eram regras.
A corografia associou-se ao memorialismo para a pro-
duo de conhecimento orientado pela metfora do
mosaico.3 Assim como a experincia do passado se
apresentava como a de um conjunto variado de hist-
rias, tambm o espao poderia ser descrito a partir de
certas unidades autnomas, sem que as diversas lacu-
nas no conhecimento oferecessem um obstculo
intransponvel para o relato. O gnero adaptou-se muito
facilmente concepo de territrio aberto.4
Nesse conhecimento produzido a partir da metfora do
mosaico, os diversos relatos, escritos por diferentes
autores, poderiam ser totalizados em um momento
futuro. A histria geral, algumas vezes chamada univer-
sal, era vista apenas como a correlao dessas histrias
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi24 |
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A hegemonia da histria geral
Nos primeiros anos do IHGB, a prioridade da histria
geral no era aceita de modo consensual pelos scios.
Cunha Matos e Fernandes Pinheiro, ambos autores de
importantes histrias particulares7, no mostravam dis-
posio de abandonar os rumos de seus projetos
de pesquisa para entrar em uma nova e incerta emprei-
tada. Cunha Matos enftico ao negar a possibilidade
de uma histria geral nas circunstncias do conheci-
mento disponvel: [...] continuarei a sustentar que por
ora no convm, nem possvel escrever de um s jato
a histria geral do Imprio
do Brasil.8
Para Janurio da Cunha Barboza, o passo decisivo
para a produo da histria geral, ainda como obra
coletiva, seria a definio das pocas histricas brasilei-
ras. O tempo tornava-se a dimenso fundamental nesse
projeto historiogrfico. J nas concepes de Cunha
Matos e Fernandes Pinheiro, o espao era ainda a
dimenso a ser percorrida e esgotada. Aplicando o
modelo que Jack P. Greene formulou para entender a
criao de identidades corporativas coloniais em pos-
sesses do Imprio Britnico, poderamos dizer que
Cunha Matos e Fernandes Pinheiro oscilavam entre a
fase um
a da descrio dos espaos fsicos e a fase dois, o
relato dos melhoramentos da ocupao do territrio.
A proposta de Cunha Barboza levava a narrativa
para sua terceira fase, mais preocupada em
demonstrar a identidade prpria adquirida ao
longo do processo histrico.9
No interior do Imprio portugus, a convivncia de cr-
culos concntricos de formas identitrias regionais no
parecia ser capaz de produzir grandes rearranjos polti-
cos. No segundo quartel do sculo XIX, o
Estado nacional em constituio, em especial durante
a experincia regencial, comeou a perceber o
potencial poltico dessas identidades locais e regionais.
J em 1827, em discurso na Cmara dos Deputados,
o ainda liberal Bernardo Pereira de Vasconcelos poderia
ensaiar uma recepo positiva da Inconfidncia
Mineira, que poucos anos depois seria desprezada
pela historiografia oficial:
fama que os mineiros j pelo ano de 1790
conceberam o majestoso projeto de sacudir o
jugo europeu: os homens mais gentis nas letras
e nas armas eram apontados como os autores
desta gloriosa empresa que no chegou a reali-
zar-se. [...] Um destes vares ilustres perdeu a
vida no patbulo; outro, que eu chamarei o
Cato das Minas, o sbio e intrpido Cludio
Manuel da Costa, foi assassinado na masmorra
pelo visconde.10
Enquanto Cunha Barboza previa um debate mais subs-
tantivo em torno da definio das pocas histricas, em
Cunha Matos o problema das divises gerais foi rapida-
mente dado como resolvido para, em seguida, afirmar-
se a necessidade de primeiro indagar
a histria particular das provncias, de modo que [...]
com bons materiais escrev[ssemos] a histria geral
do Imprio brasileiro.11
A discusso das pocas deslocada rapidamente de
uma preocupao com a periodizao da histria geral
para a tarefa de se estabelecer uma cronologia exausti-
va e crtica do Imprio do Brasil. Na diferena entre os
dois caminhos, confrontavam-se uma compreenso
moderna de poca enquanto perodo histrico com
identidade e definio intrnsecas e uma compreen-
so tradicional, ligada cronologia, que entendia as
pocas como simples marcos temporais. Por isso, no
se deve estranhar que a maior parte da contribuio
histrica de Cunha Matos esteja disposta na forma de
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Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 29Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi28 |
tbuas cronolgicas e corografias.
O mtodo que propunha como alternativa ao da
histria geral previa a construo e o aperfeioamento
da cronologia e estabelecimento crtico das fontes.
Era uma variao do tipo antiqurio, que, nas palavras
de Momigliano, um homem que se interessa mais
pelos fatos histricos do que pela histria.12
Temos ento dois modelos historiogrficos: o primeiro
mais preocupado em estabelecer o sentido geral do
desenvolvimento histrico do Brasil, o segundo
voltado para o trabalho virtualmente infinito de estabe-
lecimento factual:
Como ser possvel escrever uma histria filosfica
do povo do Brasil antes de levar ao cadinho da
censura mais severa o imenso fardel de escritos
inexatos, insulsos, indigestos, absurdos e fabulo-
sos anteriores ao ano de 1822.13
desnecessrio dizer que o cnone da histria nacional
brasileira segue o modelo proposto por Janurio da
Cunha Barboza, e encontra na Histria Geral do Brasil
de Varnhagen sua maior realizao. A histria geral foi
capaz de produzir um equilbrio entre as demandas eru-
ditas de crtica e acmulo documental,14 a forma narra-
tiva e a exibio de uma interpretao geral da forma-
o histrica da nacionalidade que preservava e proje-
tava o Estado Imperial centralizado como grande perso-
nagem do relato.15
Cincia e regio
Todos os historiadores que sucederam ao autor de
Histria Geral do Brasil viveram sombra do livro que
se tornou a referncia fundamental na historiografia
brasileira oitocentista e que sobejou o sculo XIX.
Polemizando com Capistrano de Abreu, Slvio Romero
especulou sobre a possibilidade do aparecimento de
uma histria do Brasil que superasse a de Varnhagen
em fins do sculo XIX. Em nota a um trecho de sua
Histria da Literatura Brasileira, diz o seguinte:
Ns mesmos, durante mais de trinta anos, nos
deixamos iludir, e chegamos a esperar, com
ansiedade, a Histria do Brasil prometida por
Capistrano. Sabamos que ele grande conhece-
dor dos nossos fatos histricos e por isso, para
o estimular, lhe fizemos rasgados elogios na
memria que inserimos no Livro do Centenrio
do Descobrimento do Brasil.16
Porm, sabemos que Capistrano de Abreu nunca che-
gou a concluir uma histria do Brasil. Escreveu basica-
mente monografias dedicadas a assuntos particulares,
como, por exemplo, os escritos que versam sobre o
povoamento dos sertes. Em
polmica com Capistrano, Slvio Romero o caracterizou
como um historiador microlgico e de mincias, ao
mesmo tempo, escreveu que Joo Francisco Lisboa,
autor de Apontamentos para a Histria do Maranho,
foi melhor historiador do que Varnhagen, alm de con-
ferir elogios exaustivos s Memrias do Distrito
Diamantino, obra do mineiro Joaquim Felcio dos
Santos. Caracterstica singular a essas duas obras o
fato de dedicarem sua narrativa ao estudo particular
das provncias, o que indicia um desejo, por parte de
Romero, pela regionalizao monogrfica do conheci-
mento histrico do pas.17
O que parece nascer dessa polmica que envolvia no
s Romero e Capistrano, mas todos aqueles que num
momento decisivo de transformao no regime poltico
do pas dedicavam seus estudos histria nacional, a
especializao do objeto de estudo, principalmente no
recorte espacial, algo semelhante ao que acontecia com
o nascimento das cincias sociais no fim do sculo XIX.
A partir da dcada de 1870 as idias evolucionistas e
cientificistas comeam a aportar no Brasil, chocando-se
com a sensibilidade romntica que permeava os estu-
dos literrios e histricos.
Junto com a Repblica vinha tambm a necessidade
de reorganizao da histria nacional e de sua relao
com os Estados federados. A querela entre histrias
gerais e histrias particulares alcanou um novo pata-
mar. Os estudos monogrficos regionais e temticos
estavam potencialmente mais adaptados ao novo
padro de cientificidade que emergia, bem como
com as novas demandas polticas.
No devemos pensar que a hegemonia do modelo da
histria geral no sculo XIX significou o abandono das
histrias particulares. Por vrios motivos elas continua-
ram a ser produzidas. Em primeiro lugar, sua nfase no
acmulo dos vestgios antigos, dos monumentos e efe-
mrides parecia responder a uma vontade de passado
que o modelo da grande histria poltica era incapaz de
satisfazer plenamente.18 Associado ao desejo de recu-
perar ou tocar o passado, essa historiografia local/erudi-
ta era necessria no enfrentamento dos perodos de
grande acelerao do tempo histrico, nos momentos
de transio em que os contemporneos se percebiam
como perdendo contato com a tradio.
Em segundo lugar, essa tradio historiogrfica transfor-
mou-se em uma forma de resistncia ao modelo polti-
co hegemnico representado na histria geral.
Especialmente em Minas, a leitura liberal da formao
do Estado como elemento aniquilador das autonomias
locais alimentou uma tradio historiogrfica subterr-
nea, na qual foi produzida uma leitura alternativa do
processo de Independncia que valorizou as diversas
iniciativas do perodo colonial. Mesmo que o depois
conservador Vasconcelos no estivesse mais disposto a
recuperar as revoltas coloniais como parte da histria
da Independncia, outros autores no deixariam de
faz-lo.19
As corografias, memrias, efemrides, cronologias e
anais tornaram-se gneros menores ou auxiliares quan-
do vistos da perspectiva da grande tradio nacional,
mas foram tambm lugares de resistncia.
A criao do Arquivo Pblico Mineiro (APM) deve ser
vista no interior desse novo momento qualitativo na
relao entre esses dois grandes veios historiogrficos.
A Repblica e um novo padro de cientificidade leva-
riam a uma revalorizao dos gneros utilizados
na redao das histrias locais.
Uma nova histria
O advento da Repblica sinalizou a preocupao com
um novo regime de historicidade para Minas Gerais.
A crise do Imprio tornou mais perceptiva a acelerao
do tempo histrico, produzindo uma sensao de atraso
e letargia que o novo tempo republicano procuraria
exorcizar. Fazia-se necessria a reorganizao histrica
das antigas provncias agora Estados da Federao
que, a partir desse momento, concorriam com seus ele-
mentos histricos singulares na disputa por posies
no cenrio poltico nacional.
A criao do APM, pela Lei n. 126, de 11 de julho
de 1895, procedente de um projeto apresentado
Cmara dos Deputados pelo Dr. Levindo Ferreira
Lopes, repercute o novo contexto poltico e historiogrfi-
co. A direo do Arquivo nos primeiros
anos foi delegada a Jos Pedro Xavier da Veiga, figura
marcante na instituio mesmo depois de sua morte,
em 8 de agosto de 1900. Polgrafo como muitos de
sua gerao, Xavier da Veiga dedicou-se ao jornalismo,
poesia e histria, contribuindo para a redefinio do
significado do histrico de Minas Gerais tanto com seus
trabalhos no APM quanto pela confeco monumental
das Efemrides Mineiras.
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Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 31Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi30 |
Analisando a atuao de Xavier da Veiga, pretendemos
mostrar as novas expectativas em torno da histria de
Minas Gerais nos primeiros anos da Repblica. Vale
lembrar que Slvio Romero, ao destacar os historiadores
que compunham a cena brasileira em sua Histria da
Literatura Brasileira, listou o nome de Xavier da Veiga
entre os historiadores renomados. Dentro da cronologia
temtica de Romero acerca de nossa historiografia,
Xavier da Veiga citado na Fase das monografias eru-
ditas.20
Como vem sendo discutido at aqui, durante o Imprio,
a escrita das histrias no-nacionais estavam sujeitas
ao crivo hierarquizante da histria geral. Xavier da
Veiga percebia essa hierarquizao como reflexo de um
arranjo poltico altamente centralizador:
Vigente o Imprio, os Estados no poderiam pro-
gredir, ainda que bem o quisessem; porque no
tinham autonomia, sendo sempre os presidentes
da provncia filhos de outras, s vezes longn-
quas. Era um meio de que se valia o poder cen-
tral para ter tudo fechado nas mos.21
Com o advento da Repblica, as condies estruturais
para a escrita da histria de Minas alteravam-se profun-
damente: Estabelecido com a Repblica o regime fede-
rativo, isto , descentralizada a vida nacional e desper-
tos os Estados da velha apatia letrgica, j comeam
eles a prover sobre a necessidade, essencial prpria
autonomia, de organizarem sria e sistematicamente os
seus Arquivos.22
O fundador do APM constantemente reclamava que,
ao tempo do Imprio, todos os documentos mineiros
estavam jogados a esmo em arquivos locais, amalga-
mados num verdadeiro labirinto sem fio condutor.
Xavier da Veiga traava a metanarrativa dessa nova his-
tria regional, uma vez que estabelecia a mtua depen-
dncia entre o crescimento dos Estados no regime fede-
rativo e as condies para a escrita de suas histrias. O
conhecimento do passado aceleraria o processo histri-
co, que, por sua vez, criaria as condies de possibilida-
de para a escrita da histria local.23
Como percebemos, o APM proporcionou ao projeto
poltico de reconstituio histrica de Minas Gerais um
local de produo de conhecimento a respeito desse
passado, bem como um lugar simblico que resguarda-
va uma unidade territorial ainda carente de delimita-
es precisas. A preocupao de Xavier da Veiga com a
histria do Estado anterior a sua nomeao para o
cargo de diretor do Arquivo. Quando tomou conheci-
mento do incndio que ameaou a Torre do Tombo,
escreveu:
[...] referindo-se [Tefilo Braga] a um incndio
que ameaou recentemente destruir a Torre do
Tombo, conta-nos a apreenso esmagadora que
por alguns minutos dominou-o, persuadido,
como estava, que extinto esse riqussimo e
incomparvel Arquivo, Portugal perdia os docu-
mentos de sua autonomia moral, e ficava redu-
zido a um simples territrio que mais facilmente
se tornaria um anexo de Espanha.24
Papel do APM
Colocando em jogo a autonomia moral e territorial de
Minas, Xavier da Veiga apelava para a constituio do
APM como forma de prevenir tamanha tragdia.
Durante 18 anos, apreensivo com a notcia de Tefilo
Braga, Xavier da Veiga prosseguiu seu trabalho em
busca dos documentos que poderiam orientar a forma-
o histrica autnoma de Minas Gerais. Ao final desse
perodo vinham a lume os projetos do Arquivo e das
Efemrides. A organizao do trabalho historiogrfico
de crtica e estabelecimento documental no formato
cronolgico evidenciava a ligao
Pgina de rosto das Ephemerides Mineiras, 1664-1897. Colligidas, coordenadas e redigidas por Jos
Pedro Xavier da Veiga. Ouro Preto: Imprensa Oficial doEstado de Minas Gerais, 1897. Biblioteca do APM - OB 006.
Rodolpho Jacob, primeiro secretrio-arquivista do Arquivo Pblico Mineiro. Aparece no centro da
foto, apoiado num guarda-chuva, com seus irmos Joo Jlio, Francisco, Emlio e Benjamin (sentado).
Fotografia de Simeo Mauro, Ouro Preto, circa 1896.Coleo Lus Augusto de Lima, Nova Lima, MG.
Pgina de rosto do livro Minas Gerais no XX sculo - volu-me 1: sumrio geogrfico; indstria agrcola e pastoril;
Minas e industria mineral; indstrias diversas; forahidrulica, Comrcio, vias de comunicao, de Rodolpho
Jacob. Rio de Janeiro: Gomes Irmos & C., 1911.
ltimo retrato do Comendador Jos Pedro Xavier da Veiga (Campanha, 1846 -
Ouro Preto, 1900) publicado na Revista do ArquivoPblico Mineiro, ano XIX, Belo Horizonte,1921.
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Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 33Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi32 |
desse empreendimento com a tradio da histria
local e erudita.
Apesar de reconhecer que reunir documentos sobre a
histria de Minas j duas vezes secular seria uma
tarefa rdua e no muito facilitada, Xavier da Veiga
enfrentava o desafio com uma compreenso fechada e
objetificante da tarefa. Aquilo que realizasse poderia,
sem dificuldade, ser continuado por outras geraes.
Entender Minas Gerais como um grande labirinto docu-
mental significava pressupor uma unidade histrica
preexistente, apenas aguardando quem, com o mtodo
e a disposio suficiente, revelasse todos os seus corre-
dores e limites.25
Thomas Richards, em seu livro The Imperial Archive,
analisa fenmeno similar ao estudar o controle e a sen-
sao de controle que instituies como o British
Museum, a Real Geographical Society e o India
Survey produziam sobre as possesses territoriais brit-
nicas no final do sculo XIX. Essas instituies lana-
vam mo da metfora do arquivo como chave para o
tipo de produo de conhecimento que se exigia para o
controle do Imprio.26 Era muito mais fcil unificar um
arquivo feito de papis do que um imprio feito de ter-
ritrio.27 Fenmeno semelhante parece ter orientado a
constituio do APM. Tendo em vista a impossibilidade
real imediata de unificao do Estado de Minas a partir
do seu territrio proteiforme, o Arquivo cumpria o papel
de unificao a partir de documentos e textos que
pudessem conferir uma imagem ao novo sujeito histri-
co Minas Gerais
que surgia com a Repblica.
A grande vantagem do arquivo enquanto metfora cen-
tral dessa episteme sua capacidade em lidar
com grandes vazios e reunir uma massa imensa de
informao que, em suas partes isoladas, no possuem
significado geral, mas que reunidas no Arquivo produ-
zem a imagem e a sensao de unidade. Carlo
Ginzburg situa no fim do sculo XIX o aparecimento de
um modelo epistemolgico nas cincias humanas
baseado no detalhe, no particular como forma de arti-
culao de um conhecimento maior sobre o objeto ana-
lisado, que, ao final da juno das particularidades,
demonstraria uma imagem total do objeto
fragmentado.28
O Arquivo seria a representao ideal de uma unidade
territorial e histrica, as Efemrides Mineiras, o fio con-
dutor que deveria guiar o viajante pelo territrio simb-
lico das Minas Gerais. As Efemrides procuravam esta-
belecer o incio e o fim, o mythos, para a escrita de
uma histria regional. Atravs da nfase na vasta docu-
mentao coletada, surgia um dos pilares que naquele
momento permitiria escrever a histria de Minas.
Frizando a importncia dos documentos para a escrita
da histria, Xavier da Veiga dizia o seguinte:
Sem eles obscurecida ou deturpada a verdade
dos fatos feio dos interesses e das paixes,
eliminadas as fontes de que emanam para a
Histria a prpria origem e a austeridade fecun-
da de seus conceitos no raro carecia o inves-
tigador sincero ser iluminado, o que s alcan-
am gnios privilegiados, dessa intuio quase
proftica do passado, intuio s vezes mais
dificultosa que a do futuro, na frase profunda
do ilustre Alexandre Herculano.29
Identificando nos documentos a fora mxima da possi-
bilidade de escrita de uma histria autnoma de Minas
Gerais, Xavier da Veiga cuidava para que, por meio da
manuteno de um Arquivo e da redao de uma obra
como as Efemrides, se pudesse iniciar o projeto de
constituio de uma histria de Minas Gerais enquanto
um sujeito histrico e no mais como uma parte
constitutiva e sempre ligada ao plano de uma histria
geral do Brasil.
consenso entre os analistas da Histria Geral do Brasil
de Varnhagen que um dos mritos principais do historia-
dor foi a constatao da impossibilidade de escrita da his-
tria do Brasil sem documentos. O Herdoto brasileiro
buscava documentos em colees particulares, arquivos,
bibliotecas. Trabalho de um erudito, a Histria Geral foi
escrita com base em documentos originais. Xavier da
Veiga j considerava os documentos indispen sveis na
constituio da histria de Minas Gerais. Essa preocupa-
o demonstra uma afinidade do historigrafo mineiro
com a chamada Escola Metdica francesa, encabeada
por Langlois e Seignobos. Este ltimo fora citado por
Xavier da Veiga no prefcio das Efemrides. Os expoentes
da escola francesa afirmavam enfaticamente:
A histria se faz com documentos. Documentos
so os traos que deixaram os pensamentos
e os atos dos homens do passado. Entre os pen-
samentos e os atos dos homens, poucos
h que deixam traos visveis e estes,
quando se produzem, raramente perduram:
basta um acidente para os apagar. Porque
nada supre os documentos: onde no h docu-
mentos no h histria.30
A mesma sensao da fragilidade do vnculo entre pas-
sado e presente o documento perpassa as observa-
es de Tefilo Braga, a crise sofrida por
Xavier da Veiga e as prescries metodolgicas dos
autores franceses.
O APM surge no momento em que o romantismo
enquanto movimento geral das idias reflua, mas as
inmeras citaes dos autores portugueses contempor-
neos demonstra que a relao com o passado devia
muito ainda concepo orgnica do romantismo, alia-
da agora a uma obsesso
progressiva, alimentada por um positivismo difuso,
pelo fato histrico enquanto dado, partcula mnima
de informao que algum dia poderia ser reunida
em uma imagem total da realidade.
A sensao de que a gerao de 1870 vivia de acelera-
o do tempo histrico, motivadora da escrita de mui-
tas memrias e recordaes de sabor etnogrfico, ali-
mentava tambm no projeto do APM uma relao de
resgate no trato com o passado. O passado se fazia
urgente, bem como sua lembrana:
[...] a ingratido cedo tornou a muitos esqueci-
dos; injustia ainda maior, explicvel alis pela
ignorncia dos que a praticam, faz de inmeros
outros desconhecidos; [...] o autor deste livro
[Efemrides], escrito com a verdade e o cora-
o, penetra [...] respeitoso no cemitrio do
nosso passado mineiro.31
Preocupado com o esquecimento de homens e fatos que
fazem parte do passado mineiro, o historigrafo resiste
ao projeto de mudana da capital. A cidade de Ouro
Preto representaria as melhores tradies da histria de
Minas, deix-la para trs significava tambm abandonar
o passado num af obsessivo pelo progresso. Em artigo
escrito para A Ordem (peridico editado por Xavier da
Veiga) em 30 de abril de 1891, podemos notar o senti-
mento evocado com relao mudana da capital:
No comentarei semelhante indiferena ou tci-
to contentamento ante a perspectiva de uma
runa colossal, pelos avultadssimos valores de
sbito destrudos e pelas preciosas tradies
relativamente aniquiladas, tradies venerveis,
sempre respeitadas no Imprio e que, na
Repblica, de culto ainda mais fervoroso so
dignas. Parece que na lamentvel aberrao, at
a pgina gloriosa da Inconfidncia ficou apaga-
da e com ela a lembrana imorredoura dos pri-
meiros mrtires da liberdade nacional.32
Para quem pensava que a atitude do povo mineiro
durante a colonizao fora uma Inconfidncia perma-
nente, protestante e conspiradora, que teve em 1789 o
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Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 35Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi34 |
seu lampejo pico de sua mais alta indignao,33 tro-
car o passado pelas ordens estticas do dia era um
desafio e um risco para a escrita de uma histria de
Minas Gerais enquanto sujeito autnomo. A sensao
de que o passado estava sendo deixado para trs torna-
va urgente o projeto de resgatar o verdadeiro sentido
da nacionalidade, sentido este que somente a histria
dos mineiros poderia apontar.
Longe de ser um republicano radical, Xavier da Veiga
herdara do Imprio a concepo da civilizao enquan-
to continuidade histrica.34 A Repblica no poderia
ser vista apenas como uma revoluo ditada pela
ordem do dia, deveria ser compreendida como evoluo
natural da prpria histria do Brasil. Outros de sua
gerao empreenderiam tarefa semelhante. Ao explicar
os objetivos que levaram seu pai, Francisco de P. F. de
Rezende, a escrever sobre a histria do Brasil aps a
Repblica, Cssio Barbosa de Rezende dizia: [...] esti-
mular os sentimentos cvicos dos brasileiros, mostran-
do-lhes o que j havia de grande e herico na sua his-
tria, e, ao mesmo tempo, concitando-os a que se
mantivessem sempre unidos para que, sob o novo regi-
me, pudesse o Brasil realizar os seus gloriosos desti-
nos.35
A corografia na nova histria
O projeto da corografia mineira ganha flego com a
criao da Revista do Arquivo Pblico Mineiro (RAPM)
em 1896. A revista tinha algumas sees permanentes
sobre biografias, letras e artes, publicao de documen-
tos inditos e vulgarizados, corografias, dentre outras.
Ao criticar a transferncia da capital do Estado, Xavier
da Veiga esboou algumas opinies que poderiam
esclarecer o projeto de constituio de uma corografia
mineira: Uma vasta e rica capital, ventosa permanente
sobre o corpo j quase exangue do povo mineiro, isto ,
a pletora no crebro e a paralisia nos membros quan-
do o princpio federativo pressupe a vivificao do
elemento local, nica base possvel da autonomia
popular e do progresso do Estado.36
O princpio federativo pressupunha a vivificao do ele-
mento local, nada mais natural, portanto, do que dele-
gar uma seo da Revista descrio de lugares do
Estado. Em 1891, Xavier da Veiga enviara um questio-
nrio, a ser respondido, para os distritos de paz de
Minas Gerais. Esse questionrio continha perguntas
relacionadas aos aspectos fsico, climtico, histrico,
social, enfim, procurava descrever o municpio com as
caractersticas que lhe eram peculiares.
Entre caminhos e fronteiras teve incio em Minas Gerais
o que podemos entender como uma tentativa de consti-
tuio identitria promovida atravs do levantamento
de materiais coletados das descries dos municpios
do interior do Estado. Mapeando o local ou seja, o
municpio , esse processo originava redes imaginrias
(e no somente imaginrias) que acabavam identifican-
do a prpria configurao cartogrfica do regional
Minas Gerais em vista de uma formao histrico-
geogrfica maior o Brasil.
Na narrativa corogrfica da RAPM percebemos que o
ornamento e a ressonncia esttica compem os recur-
sos narrativos, enquanto na historiografia
oficial no se permitia esse tipo de desenvolvimento.
A descrio afetiva do territrio fazia confluir na corogra-
fia mineira aspectos vetados pelo decoro da grande tradi-
o historiogrfica nacional: o derramamento da subjeti-
vidade em descries de paisagens ou na dramatizao
de personagens e eventos histricos.
No s a funo esttica regulava esse tipo de escrita
corogrfica, tambm uma funo cientfica que insistia
em medir e classificar racionalmente a natureza obser-
vada. Porm, percebemos que essa racionalizao da
natureza local no esgotava a narrativa corogrfica,
sendo preciso recorrer a efeitos estticos para comple-
tar as lacunas da descrio do quadro observado.
O desejo de mapear o lugar com classificaes, demar-
cao de pontos de fundao, colorao na descrio
da paisagem so marcas fortemente impressas nos
relatos de lugares. Por meio de descrio abundante,
procurava-se produzir no leitor um efeito de real, ao
invs da simples seriao daquilo que era apreendido
pelas lentes do corgrafo. Como nos mostrou Roland
Barthes, caracterstica marcante de nossa civilizao
ter esse gosto pelo real, pelo prestgio do que acon-
teceu, atestado por diversos gneros literrios.37 O
corgrafo deveria ter olhos de agrimensor para medir a
terra, olhos de etnlogo para tentar desvendar o estra-
nho e fixar culturas aliengenas no mundo dos bran-
cos. Atravs da enargeia, ou vivacidade, produzia-se a
autpsia, ou seja, a viso direta pela ao de estilo.38
A acumulao exaustiva de documentos, na esperana
de que algum dia pudesse ser escrita a histria geral
de Minas, marcou os primeiros anos do APM. Porm,
Xavier da Veiga j tinha lanado as bases para a escrita
da histria atravs das Efemrides, constituda basica-
mente sobre uma cronologia. J a corografia parece ter
nutrido a sua configurao nas fontes dos relatos de
viajantes-naturalistas que estiveram no
Brasil durante o sculo XIX, e o tipo de historiografia
influenciada pelos relatos de viajantes acabou desem-
bocando no novo estilo adotado em muitas de suas
Antiga sede do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. Rio de Janeiro, dcada de 1930. Fotografia reproduzida da revista Illustrao Brasileira, n. 50, ano XVII, junho 1939.
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Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi36 |
Horizonte, v. 22, n. 36, p. 314-328, jul./dez. 2006.
19. Cf. ARAJO, Valdei Lopes de. O tribuno do povo e a esttua do Heri:breve estudo sobre as tradies polticas atuantes na Corte no SegundoReinado. Dia-Logos, Rio de Janeiro, ano II, n. 2, p. 133-157, 1998.
20. ROMERO. Quadro sinttico da evoluo dos gneros na literaturabrasileira, p. 1550.
21. VEIGA, Jos Pedro Xavier da; apud GAMA, Jos Joaquim do Carmo.Comendador Jos Pedro Xavier da Veiga. Revista do Arquivo PblicoMineiro, Belo Horizonte, Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais,ano XVI, v. I, p. 61, 1911.
22. VEIGA, Jos Pedro Xavier da. Palavras Preliminares. Revista doArquivo Pblico Mineiro, Ouro Preto, Imprensa Oficial do Estado deMinas Gerais, ano I, fascculo I, p. II, 1896.
23. Para esta definio de metanarrativa, ver POCOCK. Barbarism andReligion II, p. 290.
24. VEIGA. Palavras Preliminares. Revista do Arquivo Pblico Mineiro,p. I, grifo nosso.
25. Ibidem, p. V.
26. RICHARDS, Thomas. The Imperial Archive. Knowledge and the fan-tasy of Empire. New York: Verso, 1993. p. 1-2.
27. Ibidem, p. 4.
28. Cf. GINZBURG, Carlo. Sinais: razes de um paradigma indicirio. In:______. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e histria. So Paulo:Companhia das Letras, 1989. p. 143-179.
29. VEIGA. Palavras Preliminares. Revista do Arquivo Pblico Mineiro...,p. III. Sobre essa intuio proftica, cf. GINZBURG, Carlo. Sinais: razesde um paradigma indicirio, p. 169, na passagem seguinte: ThomasHuxley, em um ciclo de conferncias proferidas para a difuso das des-cobertas de Darwin, definiu como mtodo de Zadig o procedimento quereunia a histria, a arqueologia, a geologia, a astronomia fsica e apaleontologia: isto , a capacidade de fazer profecias retrospectivas.
30. LANGLOIS, Ch.-V; SEIGNOBOS, Charles. Introduo aos estudoshistricos. So Paulo: Renascena, 1944. p. 15.
31. VEIGA, Jos Pedro Xavier da. Prefcio. In: ______. EfemridesMineiras: 1664-1897. Introduo de Edilane Maria de AlmeidaCarneiro, Marta Elosa Melgao Neves; pesquisa histrica BrunoFagundes; leitura paleogrfica e atualizao ortogrfica Cludia AlvesMelo. Belo Horizonte: Centro de Estudos histricos e Culturais/FundaoJoo Pinheiro, 1998. p. 50. Grifos do autor.
32. GAMA, Jos Joaquim do Carmo. Comendador Jos Pedro Xavier daVeiga. Revista do Arquivo Pblico Mineiro..., p. 61.
33. VEIGA. Palavras Preliminares. Revista do Arquivo Pblico Mineiro...,p. IV.34. AZEVEDO, Andr Nunes de. A reforma Pereira Passos: uma tentati-va de integrao urbana. Revista Rio de Janeiro, UERJ, v. 1, n. 1, p. 35-63, 2004.
35. REZENDE, Cssio Barbosa de. Prefcio. In: REZENDE, Francisco dePaula Ferreira de. O Brasil e o acaso, ou um bosquejo da nossa histria.Quase todo extrado da Histria Geral do Brasil, de Varnhagen. 2. ed.Rio de Janeiro: Editora A Noite, [s.d.]. p. 7.
36. Pronunciado em A Ordem em 30 de abril de 1891. Citado emGAMA, Jos Joaquim do Carmo. Comendador Jos Pedro Xavier daVeiga. Revista do Arquivo Pblico Mineiro..., p. 64.
37. Cf. BARTHES, Roland. O efeito do real. In: ______. O rumor da ln-gua. Traduo de Mrio Laranjeira. So Paulo: Martins Fontes, 2004. p.184.
38. Cf. GINZBURG, Carlo. Ekphrasis e citao. In: ______. A micro-his-tria e outros ensaios. Traduo de Antnio Narino. Lisboa: DIFEL; Riode Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
39. Sobre isso ver SSSEKIND, Flora. O Brasil no longe daqui. O nar-rador, a viagem. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Bruno Franco Medeiros e Valdei Lopes de Arajo | A histria de Minas como histria do Brasil | 37
descries corogrficas.39
Continuidades e rupturas
Em resumo, podemos perceber que o projeto historio-
grfico movimentado pelo APM em
seus primeiros anos enfrentava vigorosamente a
herana cultural do Imprio. Entre continuidades
e rupturas, Xavier da Veiga soube perceber as oportuni-
dades do momento, abrindo espao para o desenvolvi-
mento de um desejo pelo passado local
que havia sido sufocado pela grande historiografia pol-
tica, sem, contudo, se esquecer das funes de funda-
mentao da nacionalidade que esse passado deveria
simultaneamente assumir.
Certamente que no chegou a ser produzida uma outra
histria geral que rivalizasse com aquela deixada pelo
IHGB e por Varnhagen, mas foi redimensionada a rela-
o parte e todo no interior desse grande quadro.
O Brasil s poderia assumir seu destino histrico se
Minas Gerais o revelasse atravs da reviso de sua his-
tria local. Esse reordenamento das partes na histria
geral provocou tambm a revitalizao de gneros con-
siderados menores, como a corografia e as efemrides,
talhadas de longa data para satisfazer o desejo de tocar
o passado que a experincia histrica do final do sculo
colocava novamente na ordem do dia. E para onde,
seno ao Arquivo, devemos ir se quisermos tocar o pas-
sado?
Notas |
1. Cf. MOMIGLIANO, Arnaldo. O surgimento da pesquisa antiquria. In____. Razes clssicas da historiografia moderna. So Paulo: Edusc,2004. p. 85-117.
2. VARENIO [1650]. Geografia General (en la que se explican laspropriedades generales de la Tierra). Edicion y estudio preliminar deHoracio Capel. Traduo de Mrcia Siqueira de Carvalho. Ediciones de laUniversidad de Barcelona, 1980. Grifo nosso. Fonte: http://www.geoci-ties.com/pensamentobr/varenius.html
3. Cf. JANCS, Istvn; PIMENTA, Joo Paulo G. Peas de um mosaico(ou apontamentos para o estudo da emergncia da identidade nacionalbrasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta. Aexperincia brasileira (1500-2000). Formao: histrias. So Paulo:Editora SENAC, 2000. p. 127-176.
4. Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dosinteresses na construo da unidade poltica. In: JANCS, Istvn (Org.).Independncia: histria e historiografia. So Paulo: Hucitec, 2005. p. 271-300.
5. Cf. KANTOR, Iris. Esquecidos e Renascidos: historiografia acadmicaluso-brasileira (1724-1759). So Paulo: Hucitec, 2004. p. 156-165.
6. Diversos exemplos dessas relaes tensas em torno da homo -geneizao que o esforo classificatrio impe podem ser encontrados nacoletnea organizada por Oswaldo Munteal Filho e Mariana Ferreira deMelo, Minas Gerais e a histria natural das colnias: poltica colonial ecultura cientfica no sculo XVIII, Belo Horizonte, Fundao JooPinheiro/Fapemig/Governo do Estado de Minas Gerais, 2005.
7. MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia histrica da provnciade Minas Gerais, 1837; e PINHEIRO, Jos Feliciano Fernandes. Anaisda Capitania de So Pedro, 1819, depois chamada, em nova edio de1839, Anais da Provncia de So Pedro.
8. MATTOS, Raymundo Jos da Cunha. Dissertao acerca do sistemade escrever a histria antiga e moderna do Imprio do Brasil. Revista doIHGB, tomo XXVI, 1863, p. 122. O texto foi provavelmente escrito entre1838 e 1839.
9. Cf. GREENE, Jack P. Reformulando a identidade inglesa na Amricabritnica colonial: adaptao cultural e experincia provincial naconstruo de identidades corporativas. Almanack Braziliense, n. 4, p. 12-13, nov. 2006.
10. Anais da Cmara, 1827, tomo II, p. 86, apud SOUZA, OctavioTarqunio de. Histria dos fundadores do Imprio do Brasil. Rio deJaneiro: Jos Olympio, 1960. v. 5, p. 107.
11. MATTOS. Dissertao acerca do sistema..., p. 122.
12. MOMIGLIANO. O surgimento da pesquisa antiquria, p. 85.
13. MATTOS. Dissertao acerca do sistema..., p. 123, grifo nosso.
14. Um sintoma das diferenas introduzidas na concepo da Histriageral como histria nacional pode ser materialmente percebida na drs-tica reduo do volume de informao descritiva entre o trabalho deSouthey e a obra maior de Varnhagen.
15. Cf. MOMIGLIANO, Arnaldo. Contributo all Storia Classici e delMondo ntico. Rome: Edizione di Storia e Letteratura, 1955, apudPOCOCK, John G. A. Barbarism and Religion II: narratives of civil govern-ment. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p. 14-15.16. ROMERO, Slvio. Quadro sinttico da evoluo dos gneros na lite-ratura brasileira. In: ______. Histria da literatura brasileira. 7. ed. Riode Janeiro: Jos Olympio; Braslia: INL, 1980. v. 5, p. 1812.
17. Ibidem, p. 1586.
18. Cf. ARAJO, Valdei Lopes de. Para alm da autoconscincia moder-na: a historiografia de Hans-Ulrich Gumbrecht. Varia Histria, Belo
Bruno Franco Medeiros graduando em histria pelaUniversidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e foi bolsistaIC do projeto Histria, Memria, Regio e Identidade noArquivo Pblico Mineiro: 1896-1913, financiado pelaFapemig, 2005-2006.
Valdei Lopes de Arajo professor de Teoria da Histria na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Co-organizouo livro Nenhum Brasil existe: pequena enciclopdia, edefendeu em 2003, na PUC-Rio, a tese intitulada Aexperi ncia do tempo. Modernidade e historicizao no Imprio do Brasil (1813-1845). Coordenou o projetoHistria, Memria, Regio e Identidade no Arquivo PblicoMineiro: 1896-1913, financiado pela Fapemig, 2005-2006.