a história dos personagens de marcas e produtos e sua presença
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Comunicação Científica – CC
A história dos personagens de marcas e produtose sua presença no cotidiano brasileiro
GOMES, Luiz Claudio GonçalvesMestrado – Universidade Federal Fluminense
Núcleo de Pesquisa em Artes, Design e Comunicação – CEFET Campos – RJ
TELES, Ludmila RosaDesign Gráfico – Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos
Núcleo de Pesquisa em Artes, Design e Comunicação – CEFET Campos – RJ
O início
O desenvolvimento tecnológico permitiu a impressão de texto juntamente com imagem
e com isso ampliou o potencial para que as imagens tivessem distribuição e grande
difusão junto ao público estadunidense, através de jornais, cartazes e propagandas em
geral.
Na virada do século XIX para o século XX, os anúncios litográficos eram
freqüentemente trabalhados combinando-se letras, vinhetas e ilustrações. Isso propiciou
o casamento entre marcas e figuras humanas.
Nesse período, entre as propagandas de alimentos, era possível encontrar desenhos de
simpáticos personagens registrados e as mascotes de marca criadas por agências de
propaganda incentivavam consumidores que já se identificavam com os produtos
consumidos. Alguns deles eram pura fantasia, invenções dos ilustradores das agências
de propaganda; outros eram pinturas de pessoas específicas ou gente comum cujas
imagens foram feitas sem autorização e que jamais foi remunerada por isso (Heller,
1999).
O personagem de marca mais antigo e mundialmente conhecido é o Senhor Quaker. Ele
foi concebido em 1877 e registrado como marca de fábrica tal qual “a figura de um
homem vestido de quacre” (Sacharow apud Randazzo, 1996, p. 209).
O rosto daquele senhor – personagem mítico baseado no arquétipo do grande pai – é um
ícone internacionalmente reconhecível que atua no nível do produto para transmitir a
essência e a qualidade típica dos bons velhos tempos, que é o principal atributo da
marca (Randazzo, 1966).
Figura 1. O personagem da Quaker e a mascote da Michelin.
Personagem com “vida própria”
O personagem evoluiu à medida em que ganhou autonomia e “movimento”, sendo
assim considerado uma “mascote”. Essa idéia deve-se em grande parte às marcas onde
os símbolos eram representados por personagens, humanos ou não, como no caso da
Michelin, que criou o personagem Bibendum através da sobreposição de pneumáticos e
se “moveu” através da mídia impressa. A antiga empatia do público com esses
personagens é logo assimilada e dela se tira partido para fins mercadológicos. Porém, a
se considerar os vários momentos, estágios e transformações em que passaram os meios
de comunicação, torna-se mesmo difícil estabelecer com precisão o “nascimento” da
mascote. Mas sem dúvida aquele personagem poderia ser considerado o marco inicial
na história viva da “trademark mascot”.
O personagem foi imaginado em 1893 quando um dos irmãos Michelin olhou para uma
pilha de pneumáticos e teve uma “visão”: uma composição daqueles objetos em forma
humana. Foi concretizado e, cinco anos mais tarde, batizado de Bibendum, na primeira
corrida internacional de carros, entre Paris e Amsterdã. Sua primeira aparição foi em um
pôster de divulgação feito pelo artista O’Galop (Bolin, 2001).
Bibendum é um homem com “pneusinhos”, mas através dos anos emagreceu várias
vezes para refletir a idéia de moderno, saudável e elegante (Heckman, 1999). O culto ao
corpo também alcançou a mascote da indústria automobilística e a um dos símbolos
mais populares de todo o mundo. Inicialmente, Bibendum era composto por muitos
pneus. Aos poucos foi se transformando, principalmente a partir dos anos 20. O número
de pneus foi diminuindo à medida que estes ficavam mais largos com o passar dos anos.
O uso de personagens para promover mensagens para o público sobre saúde e segurança
é uma história antiga e de sucesso, como observou Sorfleet (1995). Em 1900 os irmãos
André e Edouard Michelin publicaram o primeiro guia da indústria, com o objetivo de
prestar informações sobre postos, oficinas, restaurantes e estradas. A mascote aparece
no ano seguinte na contracapa do guia.
No Brasil, bem como nos demais paises, os anúncios impressos eram, em sua grande
maioria, ilustrados com desenho de toda sorte: realistas, hiper-realistas e caricatos.
Havia sempre uma imagem que completava a mensagem escrita que, como inspiração
nas charges, quadrinhos e cinema, divertia o olhar do público. A primeira metade do
século passado estava sob forte influência da eletricidade, mecânica e da velocidade. O
Futurismo influenciou bastante aquela geração do período entre guerras, como os robôs
da Detefon e tantos outros personagens imaginários que buscavam refletir a idéia de
modernidade daquele período.
Figura 2. Os robôs da Detefon, em 1948.
Em nosso país, mascotes de grande popularidade foram veiculados ao longo de quatro
décadas pela televisão. Entre eles, a Gotinha que prenunciava “o seu” Repórter Esso. Os
garotinhos com gorro dos cobertores Parahyba embalavam o sono das crianças nos anos
60. O Bond Boca, da Cepacol, era uma cacofonia que chamava a atenção para a higiene
oral, queixo proeminente, beijador e galanteador, como o famoso agente secreto do
cinema. Seu jeito irresistível desfilou na telinha nas décadas de 80 e 90. Nesse mesmo
período, a gulosa menina Nhac da Claybon andou devorando pães com sua enorme boca
e continua fazendo parte do grafismo de sua embalagem. O homenzinho azul ficou
ruborizado anunciando os Cotonetes. Outro bom exemplo, criado em 1971 e que ainda
hoje se apresenta em anúncios, é o “frango veloz” da Sadia, batizado de Lequetreque
nos anos 80. Uma caricata ave com capacete que surgiu enaltecendo sua principal
característica que era a facilidade/velocidade para prepará-lo. Hoje, o frango já não tem
a mesma cara de quando apareceu pela primeira vez. Mais recentemente, o rechonchudo
aviãozinho, batizado de Variguinho, participou de filmes com paisagens diferentes,
representando cada capital brasileira. Variguinho foi criado por Luiz Brinquet, que
também idealizou Bond Boca, a menina Nhac e a gang da Bardhal. São vários os
exemplos que poderiam ser dados, mas pela limitação de espaço, injustamente, não
podem aqui ser citados.
Figura 3. Cobertores Parahyba, em 1962.
O tema é de importância tão significativa que eventos mundialmente difundidos, como
Olimpíadas e Copa do Mundo, há mais de três décadas não abrem mão do uso de uma
mascote diferente a cada edição.
Nos anos 50 começou a exploração das embalagens e a criação de mascotes nunca mais
parou. Atualmente, e devido aos fortes investimentos que implica a sua criação, estão
em diferentes suportes, dando origem aos mais diversos materiais de merchandising,
transformando-se numa fonte de receitas. Imagens fiéis das suas marcas, não há regras
definidas para a criação de uma mascote. Apenas importa que a associação, entre o
personagem – seja imaginário, humano ou animal – e a marca ou produto, seja imediata.
Dos vários personagens de marca que se conhece muitos são o próprio retrato dos
benefícios e atributos do produto que representam, além de proporcionar benefícios
psicológicos e emocionais. São verdadeiros ícones publicitários que se tornaram
identificados e relacionados de tal maneira com a marca que acabaram representando a
natureza e a essência da marca na memória do consumidor (Randazzo, 1996).
No Brasil, a televisão – inaugurada em setembro 1950 – adotou a mascote como
elemento gráfico de grande impacto caracterizado na pele de um indiozinho, na extinta
TV Tupi. O personagem, que tinha uma antena substituindo as penas do cocar, foi
idealizado por Mário Fanucchi. O indiozinho, que inaugurou a era da televisão no país,
apresentava desenhos animados, filmes e anunciava o fim das transmissões dando “boa
noite” aos telespectadores.
Figura 4. Indiozinho da TV Tupi.
No início da televisão brasileira um personagem, com a cabeça em forma de gota, fez
um enorme sucesso, principalmente entre o público infantil. Era o gotinha da Esso, que
ganhou a companhia de uma charmosa gotinha. As gotinhas se transformaram em peças
promocionais e mania entre colecionadores. Mais tarde o casal ganhou herdeiros e
ajudou a empresa a conquistar a liderança do mercado nacional.
Figura 5. As crianças adoravam colecionar as “gotinhas”.
Porém, uma mudança estava para ocorrer. Com o propósito de renovação na imagem da
empresa, a Esso passou a usar a imagem de um super tigre, ainda em 1959, e em 1964
na forma de desenho animado. Com o slogan “Ponha um tigre no seu carro” a empresa
marcou época na história da publicidade mundial e brasileira. A forte imagem do tigre
lembra vitalidade e a plasticidade atribuída àquele novo garoto propaganda, refletindo
na imagem da empresa a garra e a potência (Doederlein e Máximo, 2005).
A grande dor de cabeça da Esso foi que a Kellogg já havia lançado Tony, seu tigre, na
década anterior. Essa convivência entre os dois tigres foi pacífica por mais de três
décadas, até o momento em que a empresa dos Sucrilhos sentiu-se lesada quando a
companhia de combustíveis passou a usar o felino para a venda de alimentos em suas
lojas de conveniência. A Kellogg reclama o uso exclusivo do personagem e acusa a
Esso de violar os direitos autorais sobre o tigre Tony, que atua exatamente no segmento
alimentício (Gomes, 2005).
Figura 6. Kellogg X Exxon.
O sucesso do rechonchudo aviãozinho, batizado de Variguinho, veiculado há poucos
anos, só pode ser comparado a outro personagem da Varig criado em 1959 pelo catalão
Francesc Petit. Veiculado em forma de desenho animado nos anos 60, o tucano fez
história na propaganda brasileira. Ele tinha chapéu, óculos escuros e carregava uma vara
de pescar para apresentar um Brasil pitoresco. O tucano da Varig é o único personagem
das Américas – com exceção dos EUA – a figurar no livro What a character! (Dotz e
Morton, 1996). Além de seus trajes de turista o famoso personagem simbolizava as
belezas naturais de um país tropical, ao mesmo tempo em que criava uma analogia com
o prazer de voar e seu enorme bico representava a aerodinâmica dos aviões daquela
empresa.
Naqueles anos em que a televisão já tomava conta de muitos lares brasileiros, o jingle
das Casas da Banha hipnotizava a todos com a coreografia dos porquinhos dançando o
cha-cha-cha.
Os garotos propaganda
Um dos garotos propaganda de maior destaque no Brasil é o Baixinho da Kaiser, que
está ligado diretamente à marca e aparece até hoje nas pesquisas de recall, embora não
seja mais utilizado há anos. O improvisado ator conseguiu a façanha de permanecer 16
anos no ar como o personagem de boné que anunciava a cerveja.
Existem personagens que são criados com exclusividade para atuarem junto a uma
marca, sem, contudo, dela fazer parte. É o caso da cena do pirata com papagaio que há
décadas se repete em cada garrafa do ron Montilla.
Mas poucos personagens na propaganda mundial foram mais perenes que o Garoto
Bombril. Personagem criado em 1978 por Olivetto e Petit, o garoto tinha como missão
anunciar novos produtos da Bombril, associando-os à esponja de aço, o carro-chefe da
empresa. Aquilo que seria, a princípio, uma série de apenas sete filmes, tornou-se a
propaganda mais longeva da história da publicidade mundial, figurando no Guiness
Book (Alzer e Claudino, 2005).
Personagens como Tarzan e tantos outros, originariamente gráficos, são também
representados por atores, tornando-se, de certo modo, “humanos ficcionais”. Existe o
mundialmente conhecido Ronald McDonald, personagem baseado no arquétipo do
palhaço que diverte os clientes, mas que no Brasil não é tão popular quanto nos Estados
Unidos. Figura emblemática de uma era marcada pela busca da diversão a qualquer
custo, Ronald surge na década em que a sociedade americana já podia ser definida como
uma “sociedade do entretenimento, do lazer, do espetáculo” (Fontenelle, 2002, p. 229).
Porém, o homem de Malboro é o exemplo mais reconhecido de toda a história da
publicidade. O personagem, baseado no arquétipo do guerreiro/herói, tornou-se um
clássico da iconografia publicitária.
Figura 7. A moça, agora, mais elegante.
Os personagens da emulsão Scott, leite Moça, aveia Quaker e Coppertone, já
desempenham o papel de garotos propaganda há muitas décadas. Hoje, grande parte dos
personagens que aparecem são produtos da indústria cultural que são “contratados” para
exercer função temporária e semelhante. Esse movimento ganhou força nos anos 90
com o uso de cartoons em grande escala. Montrucchio (2000) recorda que esse foi um
processo rápido e eficaz no mundo do design de marcas, que se adaptou à nova
tendência formulando regras simples e precisas, que serviram cada vez mais para
fomentar o uso de personagens do cinema, da TV e das histórias em quadrinhos em
produtos voltados para o público interessado em se divertir com essa cultura.
Um fato inusitado aconteceu no início dos anos 90. Inicialmente criado como
personagem de história em quadrinhos, Senninha foi para as bancas, mas sobreviveu
apenas a alguns números. Anos mais tarde, com a morte do famoso piloto de fórmula
um, o personagem foi “ressuscitado” e ocupa hoje o posto de mascote do Instituto
Ayrton Senna. O personagem foi doado pelo seu criador Rogério Martins e atualmente
rende grande ajuda financeira aos projetos do Instituto.
Personagens não humanos.
Usar um personagem de desenho animado como um tema visual constante tem muitas
vantagens. Tais personagens atraem um público de várias faixas etárias, podem sofrer
mudanças e viver incrivelmente por muitos anos. Podem mover-se facilmente através de
vários tipos de mídia, sendo usado como ilustração individual ou atuando em uma
história em quadrinhos, desenhos animados ou eletronicamente. Essas criaturas podem
atuar, pensar, falar e possuir personalidade própria. Elas têm sido utilizadas em
propaganda para promover uma grande variedade de coisas.
Entre nós brasileiros, um bom exemplo de sucesso veio dos quadrinhos. É o caso do
Jotalhão. Esse elefantinho verde, criado por Maurício de Sousa, há anos tem sua
imagem associada à do “extrato elefante” de tomate Cica, passando a ganhar o status de
mascote. Jotalhão “atuou” em vários anúncios de TV, juntamente com outros
companheiros da turma.
Como qualquer outro profissional que trabalha com comunicação o designer/ilustrador
deve estar atento para que o seu trabalho – nesse caso, a criação de personagem – venha
surtir o efeito desejado e nunca o contrário. O personagem é usado como representante
dos valores daquilo que representa. A história contada deverá ser sempre a mesma
“amplificada pela dimensão sobre-humana do personagem”. Quando a opção por um
personagem não é bem feita o herói transmitirá uma mensagem que irá à direção oposta
daquela pretendida. No final, aquilo que seria uma aliança transforma-se num duelo no
qual a marca sempre perde (Montrucchio, 2000). A exemplo disto, muito se especulou a
respeito dos resultados da campanha lançada em favor da higiene individual e coletiva
através dos desenhos animados de Sugismundo, criado por Ruy Perotti. Há quem diga
que, simpatizados com Sugismundo, muitas crianças se recusaram terminantemente que
suas mães os banhassem, no início dos anos 70.
Reflexões finais
A população nas sociedades cresceu e está mais consciente das questões sobre classe,
raça e gênero. Garantir o bom desenvolvimento de um personagem com apelo junto à
população requer ao criador ser cauteloso, não estereotipar, ofender ou excluir grupos
de pessoas.
O artifício centenário do uso de personagens imaginários para divulgar marcas, produtos
e serviços vem ganhando força no país a cada ano. Isso tem sido notório nos últimos
anos e fica ainda mais claro em época de copa do mundo. Proibidos nas propagandas de
cerveja, agora é a vez das instituições financeiras, tidas como “sérias”, aderirem ao
movimento.
Não faz muito tempo, o veterano publicitário catalão escreveu: “Poucas pessoas
acreditam no valor de um personagem. Isso acontece por pura prepotência de alguns
grandes executivos que interpretam o papel de sujeito sério, que fala uma linguagem
difícil e que acha que numa empresa não cabe um bichinho ou um personagem que
simbolize a corporação que ele, engravatado, de terno cinza e imagem austera,
representa” (Petit, 2003, p. 157).
Sinais sintomáticos dos tempos. A veiculação de personagem como o Monstro da
Anuidade da Caixa, ou outros desenhos, como os do Unibanco, o teddy bear Gino da
Fiat, e tantos outros, mostram que nestes três últimos anos, após a publicação do livro
de Petit (op. cit.), muita coisa mudou.
Referências
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Janeiro: Ediouro, 2005.
BOLIN, Rowena. Marketing in masquerade. Business First. July 13, 2001.
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Méier. Jornal Laboratório das Faculdades Integradas Hélio Alonso, novembro, ano 1, nº
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DOTZ, Warren e MORTON, Jim. What a character! 20th century American
advertising icons. San Francisco: Chronicle Books, 1996.
FONTENELLE, Isleide Arruda. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura
descartável. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
GOMES, Luiz Claudio Gonçalves. A utilização de personagens e mascotes nas
embalagens e sua representação simbólica no ponto-de-venda. In: Anais do Intercom
2005. XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro, UERJ,
2005.
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PETIT, Francesc. Marca. São Paulo: Futura, 2003.
RANDAZZO, Sal. A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o
poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco,
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SORFLEET, Andy. Why a mascot? The message is the medium. Silly Boy Design.
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