a ilha de santo antão mitos e crenças populares
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7/22/2019 A Ilha de Santo Anto Mitos e Crenas Populares
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AUTORA
RUTH IVONE PIRES MONTEIRO DA GRAA
A ILHA DE SANTO ANTOMITOS E CRENAS POPULARES
TRABALHO CIENTIFICO APRESENTADO NO ISE PARA OBTENO DOGRAU DE LICENCIADO EM HISTRIA, SOB ORIENTAO DO
DR. JOS MARIA SEMEDO
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TRABALHO CIENTIFICO ELABORADO POR RUTH IVONE PIRESMONTEIRO DA GRAA, APROVADO PELOS MEMBROS DE JRI EHOMOLOGADO PELO CONSELHO CIENTIFICO, COMO REQUISITO OBTENO DO GRAU DE LICENCIADO EM HISTRIA
O JRI:
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Praia, _____ de ____________________ de 2005
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Agradecimentos
Agradeo a todos que, de uma forma ou de outra, contriburam para a feituradeste trabalho.
Um apreo especial vai para o meu orientador Dr. Jos Maria Semedo.Ao departamento de Histria e Filosofia.Aos professores do Instituto Superior de Educao, os meus agradecimentos pela
capacidade demonstrada ao longo destes cinco anos.
A todos, muito obrigado.
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Dedicatria
Ao meu marido Jos Graa e a minha filha Ruzeth Ivany pelos sacrifcios feitos e pacinciademonstrada para me facilitar a realizao deste trabalho
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NDICE
Introduo............6
Captulo I1- Enquadramento Histrico Geogrfico da ilha de Santo Anto...9
1.1- Situao Geogrfica..9
1.2- Descoberta...10
1.3- Povoamento.....10
1.4- Evoluo da Sociedade....12
Capitulo II
2- Mitos e Lendas da Memria Social Santantonense ..15
2.1- Aspectos Gerais e Conceitos ...15
2.2- Anlise das Mensagens dos Mitos e das Lendas .19
Capitulo III
3- Manifestaes de Crenas e Supersties em Santo Anto ..22
3.1- Feiticeira/Bruxa .......26
3.2- Encantadas ...30
3.3- Espritos ...32
3.4- Mosong 36
Capitulo IV
4- Supersties relacionadas com Momentos Importantes na vida e Certos Eventos
Culturais da Ilha. ..39
4.1-Nascimento ..39
4.2- Baptismo ..........42
4.3- Casamento .......43
4.4- Morte ...49
4.5- Festas de Romaria 51
Concluso ......61
Bibliografia 63
Anexos
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INTRODUO
O presente trabalho, anuncia a etapa culminante dos estudos acadmicos
efectuados ao longo de cinco anos no Instituto Superior de Educao, visando a
obteno do grau de Licenciado em Ensino de Histria e enquadra-se na rea de Cultura
Caboverdeana, tendo como temaA Ilha de Santo AntoMitos e Crenas Populares.
Ainda tem por finalidade proporcionar a todos os leitores algumas informaes que seconsideram importantes mesmo sendo escassas e que ao mesmo tempo so marcas que
tiveram grande impacto na nossa sociedade e que ainda hoje representam muito no
esprito dos cabo-verdianos e em especial na sociedade Santantonense.
Com efeito, falar de Mitos e de Crenas tocar num dos pontos importantes da
cultura cabo-verdiana, pois, onde quer que o cabo-verdiano esteja, ele convive com
esses factos. Eles esto presentes em quase todas as actividades quotidianas sejam de
uma forma directa ou indirecta. Muitas vezes o indivduo respeita algumas regras
impostas pela sociedade mas dificilmente questiona as suas origens, principalmente
quando se trata de uma ilha como a de Santo Anto, riqussima em manifestaes
culturais. Estas manifestaes constituem-se fenmenos humanos que vo passando de
gerao em gerao acabando por fazer parte do nosso imaginrio.
De acordo com Joo Lopes Filho, in Cabo Verde, Subsdios para um
levantamento cultural, tradio um marco temporal na Histria de um povo, tanto
que deve ser encarada como uma narrativa cultural na esperana de que venha a
existir uma compreenso global da sociedade e das aquisies folclricas. Ainda Lopes
Filho afirma que embora a tradio seja colectiva cada pessoa tem os seus valores
prprios pelo papel que representam ou significam na comunidade, devido a aspectos
muito caractersticos de cada actividade humana1.
A sua intensidade enquanto estado de esprito manifesta-se de modo diferente e
existe uma relao directa entre o espao, o modo como se encontra organizada, a
produo e a fora com que esses fenmenos se manifestam.
1LOPES FILHO, Joo, - Subsdios para um Levantamento Cultural, Lisboa, Pltano, Editora, p,19
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Segundo Tefilo Braga, a alma e o sentimento que as supersties apresentam
correspondem a um estado rudimentar da inteligncia do homem: o terror do
desconhecido.2
Este facto exemplificado pela forma como alguns santantonenses manifestam a
sua crena em foras sobrenaturais, assim, desse terror que surge a ideia da existncia
de bruxas, feiticeiras, almas penadas, katxorronas, kenilinhas, esconjuros, oraes, entre
outros, para se defender dos malefcios que possam surgir.
No constitui de forma alguma nossa inteno esgotar esse assunto dado a sua
complexidade, mas julgamos gratificante escrever algo que diz respeito ao
conhecimento de alguns aspectos culturais do lugar que nos viu nascer, pelo que
pretendemos dar o nosso contributo para a cultura da nossa ilha.
Ao elegermos um estudo cultural da ilha de Santo Anto estamos cientes de que,
pela complexidade e abrangncia que encerra, no ser possvel abordar exaustivamente
todos os assuntos que o tema sugere, mas sim, encontrar respostas convincentes a
algumas questes que nos so suscitadas para a materializao deste estudo.
De acordo com os dados obtidos na pesquisa, o aspecto supersticioso muito
evidente em quase toda a ilha, isso porque as crenas aparecem como uma das
manifestaes mais fecundas e revelam de forma expressiva o substrato cultural
santantonense. Muitas delas tm a sua origem em supersties oriundas tanto de uma
cultura europeia como tambm de influncias africanas.
Ser que podemos dizer que o santantonense supersticioso?
At que ponto podemos afirmar que o santantonense supersticioso?
So estas as questes que nos propomos responder ao longo deste trabalho.
Como procedimentos metodolgicos, elegemos as pesquisas de campo, a consulta
bibliogrfica e inquritos.
As pesquisas de campo serviram de base para a elaborao deste trabalho.Entrevistamos vinte santantonenses de diferentes estratos sociais. No entanto, outras
fontes secundrias foram igualmente consultadas como pesquisas documentais em
Internet, Bblia Sagrada, artigos publicados e algumas obras sobre o objecto do nosso
estudo.
Depois do tratamento dos dados, das informaes e de uma anlise,
seleccionamos e materializamos a nossa pesquisa no presente trabalho que se encontra
2BRAGA, Tefilo, O PovoPortugus nos seus Costumes Crenas e Tradies, Lisboa, 1995, vol II, p,19
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estruturado em quatro captulos para alm de uma introduo, de uma concluso, da
bibliografia e dos anexos.
No primeiro captulo Enquadramento Histrico-geogrfico da ilha de Santo
Anto fizemos referncia a situao geogrfica, a descoberta, ao povoamento e a
evoluo da sociedade santantonense.
No segundo capitulo Mitos e Lendas da memria social santantonense
abordamos alguns aspectos gerais e conceitos e fizemos uma anlise das mensagens dos
Mitos e das Lendas.
No terceiro capitulo Manifestaes de crenas e Supersties em Santo Anto
seleccionamos alguns pontos como: Feiticeira/Bruxa, Encantadas, Espritos e
Mosongaria.
No quarto e ltimo captulo abordamos supersties relacionadas commomentos
importantes e certos eventos culturais da ilha que marca(ra)m a personalidade
de salientar que ao longo da pesquisa o plano de trabalho sofreu algumas
alteraes, tendo em considerao aspectos que julgamos relevantes e que deveriam ser
apresentados.
Deparamos com algumas dificuldades ao efectuar este trabalho, como o declnio
da tradio oral provocado pelo desaparecimento fsico de algumas figuras do povo que
pudessem nos facultar informaes necessrias para sua materializao assim como
pouco acesso a certas bibliografias
Esperamos que este trabalho venha contribuir para compreender em parte a
problemtica das crenas e supersties na ilha de Santo Anto, para divulgar e
preservar a sua cultura, como tambm para enriquecer a cultura cabo-verdiana.
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CAPITULO I
1. Enquadramento Histrico-Geogrfico da Ilha de Santo Anto
1.1.SITUAO GEOGRFICA
Santo Anto a ilha mais setentrional do arquiplago de Cabo Verde. Dista do
meridiano de Greenwich 25130 dolado leste, 2522 do Oeste e do equador 16 30
sul e 17 12 30 Norte.
a segunda maior ilha do arquiplago, e possui uma superfcie de 779km2.
Possui um sistema orogrfico muito denso, estruturado morfologicamente a partir de
uma grande dorsal que percorre a ilha de Este a Oeste, com altitudes que ultrapassam os1500 metros, em vrios pontos. Encontramos a maior quota no topo de Coroa com 1979
metros.
Desta Cordilheira central partem, maioritariamente em sentido Norte-Sul, as
grandes ribeiras que vo at costa. Estas ribeiras de impressionantes barrancos e de
bordos verticais, so o resultado das escavaes por uma intensa eroso hdrica ao longo
das eras geolgicas. Os elementos orogrficos constituem o registo mais singular da
paisagem da ilha, pela adaptao que deste acidentado territrio permitiu ao homem aprtica da actividade agrcola e o assentamento de povoaes, em que aproximadamente
60% da rea cultivvel obra dos santantonenses, constituindo terraos, com paredes de
pedras nas encostas inclinadas.
A costa abrupta, predominando os montes ngremes. As praias so
praticamente inexistentes, localizando-se no desembocadouro das principais ribeiras.
Com efeito, a natureza do relevo, ao impor limites s extenses de terra arvel,
desenhou uma orla martima difcil para a actividade piscatria em determinadas zonas
e pocas do ano.
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1.2. DESCOBERTA
No h unanimidade entre os historiadores acerca da data concreta da descoberta
da ilha de Santo Anto.
Segundo Lopes de Lima, nenhum cronista indica concretamente a data da
descoberta de Santo Anto, mas no podia elle deixar de ser simultneo com a das
mui vizinhas de S. Nicolau, Sta Luzia e S. Vicente3
De facto, estas ilhas esto muito prximas do quadrante Nordeste que as tornamvisveis uma das outras navegao costeira, presumindo-se que tenha sido descoberta
na mesma altura em que as outras o foram, embora se admita que est envolto em certa
obscuridade4.
Orlando Ribeiro cita-nos dois diplomas que se refere descoberta das ilhas de
Santiago, Fogo, Maio Boavista e Sal e a Carta rgia de 19 de Setembro de 1462, que
acrescenta as ilhas da Brava, S. Nicolau, S. Vicente, Santa Luzia e Santo Anto j
descobertas.
Assim sendo, podemos admitir a data de 1462 como sendo a da descoberta de
Santo Anto, e inferindo da tradio oral, podemos afirmar que a ilha foi encontrada no
dia 17 de Janeiro de 1462, pois era habito atribuir ao lugar descoberto o nome do Santo
do Calendrio religioso.
1.3 POVOAMENTO
A ilha de Santo Anto permaneceu por muito tempo desabitada. Quase um
sculo aps a sua descoberta mais concretamente em 1548 deu-se incio o seu
povoamento.
3
LIMA, LopesEnsaios sobre Estatstica das Possesses Portuguesas na frica Ocidental e Oriental,Lisboa, Imprensa Nacional 1844, p.724RIBEIRO, OrlandoPrimrdios da Ocupao das ilhas de Cabo Verde, 1955, p.5
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Entre 1506 e 1508, o cronista e impressor Valentim Fernandes definia a ilha do
seguinte modo: Santo Anto alta e fragosa, despovoada, com muitas cabras, muitas
guas boas e grandes arvoredos e dragoeiros5.
Conclui, portanto, o referido cronista que durante os cerca de noventa anos que
mediaram entre o seu achamento e o povoamento, apenas rebanhos de cabras,
descendentes das que seriam deixadas, como era habito, pelos primeiros navegadores
que ali aportaram, percorriam livremente a ilha, multiplicando-se rapidamente,
exercendo uma presso cada vez maior sobre a cobertura vegetal.
Ainda nas primeiras dcadas de 1600, segundo o Padre Antnio Brsio, a ilha
era ainda despovoada e nela no havia mais do que gado 6
Por conseguinte, atendendo data da descoberta da ilha que foi em 1462, e que
na primeira dcada de 1600 encontrava-se despovoada, leva-nos a concluir que o seu
povoamento s se iniciava aps quase um sculo e meio do achamento.
Devido a criao de gado eram mandados escravos para a ilha, nos finais do
sculo XVI. A carta de doao de 17 de Outubro de 1593, concedida por D. Filipe a D.
Francisco de Mascarenhas elucidativa: que tome posse do gado e escravos e de todos
os mveis existentes na ilha, pertencentes a Beatriz de Tvora mulher de Gonalo de
Sousa, a qual ficaro somente as terras que o seu marido e seus sucessores tinham e
compraram nas ilhas7
Segundo Agostinho Rocha, a ilha foi primeiramente povoada por algarvios
e africanos vindos de Santiago, a que se juntaram ilhus, madeirenses e aorianos,
(mas isso d-se no sculo XIX), espanhis judeus, norte-americanos, italianos e
outros)8. No h indicao da fonte utilizada por este autor e por conseguinte, achamos
pouco conveniente tomar essas informaes como seguras.
De facto, a ilha de Santo Anto foi povoada muito tempo depois da sua
descoberta, e podemos afirmar que o povoamento no foi feito somente por escravos daGuin, mas tambm com um nmero reduzido de brancos que foram enviados de incio
e que permitiram uma grande miscigenao.
Em 1759, vimos que a ilha foi revertida coroa e segundo Lopes Lima, toda
povoada descravos que os seus donatrios alli tinham introduzido de Guin, e com os
5DINIZ, A Castanheira e MATOS, G. CardosoCarta de Zonagem agroecolgica e da Vegetao deCabo Verde, Ilha de Santo Anto, Lisboa, 1999.6BRSIO, Pe. Antnio,Monumenta Missionaria de Cabo Verde vol. IV, p. 1627
BARCELOS, Cristiano Jos de Senna, subsdios para a Historia de Cabo Verde e Guin, Partes I e II, 1899, p. 1748Rocha, AgostinhoSubsdios para a Historia de Santo Anto , 14621985, P8
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quais a tinham unicamente colonizado, sem admitirem casaes europeus9. No entanto,
parece haver contradio nessa afirmao de Lopes de Lima quando afirma que a ilha
tinha sido povoado apenas por escravos da Guin, pois que na mesma obra escreve:
todavia desde aos finais do sculo passado (sc. XVIII) comearam a acudir famlias
europeias, que ali se fixaram convidados pela excellncia dos ares e fertilidades da
terra10
Naturalmente que a agricultura era a principal actividade da ilha, era
desenvolvida directamente pela fazenda real. Refira-se a explorao do sangue-de-
drago, o fabrico do sal, tecelagem e fabrico de sabo. Estas actividades exigiam uma
abundante mo-de-obra, e esta no faltava j que a coroa dispunha em Santo Anto, na
primeira metade do sculo XVIII, mais de meio milhar de escravos, distribudos por
todas as ruas da Ribeira Grande. A estes poderiam somar-se os moradores do Paul e
Janela, em nmero que em rigor, desconhecemos.
A populao da ilha havia crescido, e a de todo o arquiplago era estimada nos
comeos de 1731, em 29.831 habitantes, dos quais 59% residem em Santiago. A ilha de
Santo Anto tinha, ento, 4.302 pessoas o que representava 14% da populao do
arquiplago e, a sua segunda ilha mais populosa()11.
A populao repartia-se por dois grupos: os forros e os mestios com valores
quase idnticos (maior numero), os brancos em nmero reduzido e os escravos eram
cerca de 15% da populao da ilha.
1.4. EVOLUO DA SOCIEDADE
Santo Anto a segunda maior ilha de Cabo Verde em superfcie. Possui suas
caractersticas prprias, mas no podemos deslig-la de todo o contexto do arquiplago.
Esta ilha, como as restantes conheceu na sua histria flutuaes demogrficas
intimamente relacionadas com factores de ordem ambiental.
As secas, sobretudo quando so prolongadas, provocam fomes e mortes
populao. A resistncia a tais flagelos e a luta que se tornaria notvel pela forma como
9
LIMA, Lopes1844, p.7310Id, Ibd, p. 7411MATOS, Artur Teodor deJornadas Histricas, Santo Anto (1724-1732)
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a populao da ilha se revela em associar a sobrevivncia com a preservao dos
recursos hdricos, de combate a eroso e a desertificao abrindo estradas em condies
difceis sem as quais a subsistncia, praticamente no seria possvel.
Quadro n1 Evoluo da Populao 19402000
Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Habitantes 35.977 28.378 33.953 44.632 43.321 43.845 47 124
Fonte: Recenseamento Geral da Populao (RGPH) 1990
Da anlise do quadro, verificamos que a evoluo demogrfica da ilha
caracterizada por um crescimento inicial muito rpido e por uma relativa estagnao a
partir dos anos 40. Nesta dcada h um decrscimo da populao, chegando mesmo a
perder 21% da sua gente, devido a fome, originada pela seca que assolava a ilha e todo
o arquiplago de Cabo Verde. A partir de 1950, volta a crescer, embora com um ritmo
inferior mdia nacional at 1970. Entre 1970 e 1980, verifica-se uma nova diminuio
da populao, situao inversa quela que se registava no pais, que embora o
crescimento tivesse diminudo o seu ritmo, a populao continuava a aumentar em
consequncia da diminuio da mortalidade, assim como a elevada taxa de natalidade.
Entre 1980 e 1990, verifica-se um novo crescimento de 1,2%. Por esta altura a
taxa de crescimento anual media de Santo Anto era de 0,12%. De 1990 a 2000 houve
um aumento considervel da populao.
A densidade populacional media da ilha de 52 habitantes por km2, mas a
distribuio territorial bastante dispersa. A maior parte da populao est concentrada
no Norte da ilha (cerca de 66%), nos concelhos, da Ribeira Grande com mais de 125
habitantes/km2 e do Pal com mais de 147 habitantes/km2, onde existem, maiores
potncias agrcolas, clima mais favorvel e maior quantidade de gua.
O Concelho da Ribeira Grande, no obstante ser o mais populoso da ilha, temexperimentado um decrscimo populacional, que vem acentuando ano aps ano,
passando de 51,8% para 51,0%, entre 1970 e 1980; de 47,5% para 45,75% entre 1980 e
1990 e finalmente para 45,7% no ano 2000.
O Concelho do Pal tem conhecido uma estagnao demogrfica, cerca de 8.000
habitantes desde 1970, representando 17,7%, no ano 2000 tinha uma populao de 8325
habitantes, mantendo a mesma percentagem em relao ao total da ilha.
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O concelho do Porto Novo tem registado um crescimento positivo, movido em
parte pelo aumento da populao da vila que nos ltimos 10 anos cresceu a um ritmo de
3,8%. No cmputo geral representava 36,6% do total dos residentes no ano 2000.
A populao de Santo Anto essencialmente rural, aproximando-se dos 80%.
Verifica-se que nos concelhos do Pal e da Ribeira Grande, a taxa de
urbanizao menor do que no concelho do Porto Novo, em virtude de se tratar de
concelhos agrcolas, onde as condies para a fixao humana so menos favorveis. A
alta taxa de urbanizao do Porto Novo explica-se pelo elevado xodo rural, provocado
pelas secas que tm assolado os outros concelhos da ilha.
Quadro n Evoluo e distribuio da populao por concelhos Santo Anto, 1960-200
Concelhos 1960 % 1970 % 1980 % 1990 % 2000 %
R Grande 17.246 50,8 23.197 51,8 22.102 51,0 20.851 47,5 21.560 45,7
Pal 6.024 17,7 8.026 17,9 7.983 18,4 8.121 18,5 8.325 17,7
P. Novo 10.683 31,5 13.593 30,3 13.236 30,6 14.875 33,9 17.239 36,6
Total 33.953 - 44.816 - 43.312 - 43.785 - 47.124
Fonte: CensosINE
Verifica-se que a nvel interno, o movimento populacional traduz-se no xodo
rural, com maior incidncia no eixo em direco do Porto Novo, isto visvel atravs do
crescimento que esta vila vem apresentando, em detrimento do interior do concelho.
Devido as secas constantes e poucas alternativas econmicas, as pessoas
deslocam-se para o centro dos concelhos e da para outras ilhas, sobretudo a ilha de So
Vicente e recentemente tm-se verificado algum movimento para a ilha do Sal, que tem
oferecido nos ltimos anos empregos na rea da construo civil.
Quanto a emigrao para o exterior do pas tem-se verificado algum movimento
principalmente para os pases da Europa (Holanda, Frana, Luxemburgo, Itlia, etc.).
No entanto, a emigrao vem diminuindo significativamente porque os pases ocidentais
vm fechando as suas fronteiras aos emigrantes.
Estima-se a emigrao em cerca de 1% da populao, ou seja, cerca 400 pessoas
por ano emigram a procura de melhores condies de vida.
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CAPTULO II
2. MITOS E LENDAS DA MEMRIA SOCIAL SANTANTONENSE
2.1. ASPECTOS GERAIS E CONCEITOS
Antes de comear o desenvolvimento do tema, vamos expor os conceitos que
pensamos serem mais importantes no estudo e compreenso da problemtica.
Mito expresso simblica de situaes profundamente humanas de
sentimentos e pressentimentos indefinidos, vises fantsticas, desejos e terrores, e de
explicaes elementares do universo e da vida, sem a mediao rigorosamente
consciente da filosofia, da cincia ou da teologia. Variadssimo contedo dos mitos que
existem em todas as sociedades e em todas as idades brotando dos acontecimentos
ligados com a divindade, os fenmenos da natureza, as foras ocultas, o inconsciente, a
imaginao, a emoo etc.12.
Lenda narrativa de acontecimentos fantsticos, tradio popular, conto,
histria fabulosa, mentira, invencionice13.
Lendaepisdio herico ou sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-
humano, transmitido e conservado na tradio oral popular, localizvel no espao e no
tempo. De origem letrada, a lenda, possui caractersticas de fixao geogrfica e
pequena deformao. Liga-se a um local, como processo etiolgico de informao, ou a
vida de um heri, sendo parte ou no todo biogrfico ou temtico. Conserva as quatro
caractersticas do conto popular: Antiguidade, persistncia, anonimato e oralidade. Os
processos de transmisso, circulao, convergncia so os mesmos que presidem a
dinmica da literatura oral () Muito confundido com o mito, dele se distancia pela
funo e confronto. O mito pode ser um sistema de lendas, gravitando ao redor de um
12
Grande dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial verbo, Lisboa/So Paulo) p. 850.13Grande Dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial, Lisboa/So Paulo).
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tema central, com rea geogrfica mais ampla e sem exigncia de fixao no tempo e
no espao. A lenda da me-dgua, a lenda de Santo Antnio evidencia no seu prprio
enunciado, as diferenciaes do mito de Perseu, do mito de velcino de ouro14.
Crenaacto ou efeito de crer, f religiosa, convico, confiana, crendice15.
Superstiosentimento religioso baseado no temor ou na ignorncia, e que
leva ao receio de coisas fantsticas, ao cumprimento de supostos deveres e a confiana
em coisas vs ou ineficazes, pressgio infundado, crendice, preconceito, excessiva
credulidade, fanatismo16.
Resultam essencialmente do vestgio de cultos desaparecidos ou da deturpao
ou acomodao psicolgico de elementos religiosos contemporneos, condicionados
mentalidade popular. So milhes de gestos, reservas e actos instintivos, subordinados
mecnica do hbito como gestos reflexos. As supersties participam da prpria
essncia intelectual humana e no h momento na histria do mundo sem sua inevitvel
presena. A elevao dos padres de vida, o domnio da mquina, a cidade industrial ou
tumultuosa em sua grandeza assombrosa, so outros tantos viveiros de supersties,
velhas, renovadas e readaptadas s necessidades modernas e tcnicas. Todas as
profisses tm o seu corpus supersticioso, e aqueles que confessam sua independncia
absoluta da superstio porque no chegaram no instante da confidncia reveladora
() A superstio sempre de carcter defensivo, respeitada para evitar mal maior ou
distanciar sua efectivao. Os sinais exteriores so os amuletos que, incontveis,
transformaram-se em adornos e jias e vivem na elegncia universal dos nossos dias.
Essa legtima defesa estende-se s zonas mais ntimas do raciocnio humano e age
independentemente de sua aco e rumo17.
Ritoacto com significao social celebrativa (cerimnia) realizado no domnio
do sagrado. mgico quando pretende manipular seres sobrenaturais, religioso se
visa comunicar com esses seres. H rito de unio com o sagrado (atravs do toque, osculo, a uno, a imposio de mos, a dana a unio amorosa e o banquete sagrado.
14 Dicionrio do folclore Brasileiro Edio melhoramentos em convnio com o instituto Nacional dolivro, de Lus da Cmara Cascudo, pgs. 434, 435.
15Grande Dicionrio Enciclopdico volume II, p. 731.
16Grande Dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial, Lisboa/So Paulo p. 549
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Dicionrio do folclore Brasileiro Edio melhoramentos em convnio com o instituto Nacional dolivro, de Lus da Cmara Cascudo, p. 723
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Os mitos constituem narraes cujas personagens so seres sobrenaturais, nas
quais o elemento humano totalmente excludo com vista ao enaltecimento de um feito
supostamente histrico, levado a cabo por um deus ou um semi-deus (um heri) em
defesa de determinados ideais. Os mitos so, por conseguinte, uma imaginao da
mente humana, algo que no se realiza na histria, ou seja, tem lugar fora do domnio da
factual.
As lendas embora sejam tambm narrativas imaginadas j possuem alguma
correspondncia com a vivncia dos homens, uma vez que j apresentam personagens
humanas ou que tem uma relao directa com estas.
Ao fim ao cabo, os mitos e as lendas tm uma funo comum e pontos de
confluncia como por exemplo: o reforo a tradio.
Segundo Joo Lopes Filho, in Cabo Verde, subsdios para um levantamento
cultural, Os mitos e as lendas so () indispensveis a todas as culturas. Enquanto
afirmaes de realidades primrias, que ainda vivem na experincia quotidiana e
enquanto justificativas pelo precedente, proporcionam um padro retrospectivo de
valores morais, de ordem sociolgica e das crenas mgico-religiosas18
A mitologia, ou seja, o estudo dos mitos, mostra-nos que estes so to velhos
como a humanidade. Os homens primitivos na impossibilidade de explicar
racionalmente o funcionamento da natureza e a forma como manifesta os seus
fenmenos conceberam explicaes, segundo as quais os deuses (seres sobrenaturais)
que so responsveis pelas manifestaes naturais.
Pelo que nos dado entender sobre a humanidade, no h povo sem mitos e
lendas, assim como no h povo sem cultura, como tambm no h povo sem alma.
Cabo Verde e a ilha de Santo Anto no fogem a regra. claro que os seus mitos se
manifestam de uma forma particular e muito prprias consoante as suas inquietaes.
assim que, com as adversidades climticas do pas suscitam no cabo-verdiano umaforma particular de procurar e encontrar respostas para que ele mais deseja. Uma delas,
saber se chove ou no num determinado ano. Para tal, acredita de que Deus se
conunica atravs da natureza, o campons da ilha de Santo Anto, em particular, d
largas sua imaginao na procura de resposta sobre a possibilidade ou no de um ano
sem castigo divino, e por conseguinte, de uma boa ou m colheita.
18LOPES FILHO, JooCabo Verde, Subsdios para um Levantamento Cultural, Pltano, Editora,Lisboa, 1981.
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Assim, ele recorre a um nmero incalculvel de mitos e lendas como sendo
sinais que, na melhor dos casos, servem de incentivo sua persistncia que tanto o
caracteriza, mas ao mesmo tempo reflecte a sua profunda crena no criador que no
anda de costas voltadas para sua criatura.
A crena em determinada coisa, muitas vezes est ligada a lei religiosa. E por
no o saber explicar, so considerados mistrios ligados ao sobrenatural e neste caso
fontes inesgotveis de mitos e supersties.
Com o surgimento da religio, determinadas crenas ficaram no mesmo plano
que a f, da que o homem comea a acreditar em determinados princpios.
Deste modo, as crenas que circulam entre a nossa gente, so recebidas tanto dos
europeus como dos africanos.
Assim, segundo Lopes Filho, expresses como gongon, bejon, kenilinha
entre outras foram designaes impostas pelos colonos, que emitiam vozes e criavam
figuras medonhas para afugentarem os escravos fujes que iam furtar nas suas
propriedades. Os relevos montanhosos e os profundos vales sombrios como os da ilha
de Santo Anto facilitavam grandemente os colonos nessa tarefa. Uma vez que sentiam
prejudicados com os assaltos dos escravos, emitiam vozes estranhas, preparavam
cenrios para os afugentar.
E como durante muitos anos, o povo das ilhas viveu num constante isolamento,
fazendo com que a populao fechasse sobre si.
Sendo geralmente representaes deturpadas de fenmenos que ultrapassavam o
conhecimento dos que neles acreditam, naturalmente condicionaram fortemente a
vivncia das pessoas tanto do ponto de vista pessoal como social limitando a capacidade
de raciocnio lgico e de desenvolvimento cultural.
Assim, a tendncia era seguir as tradies devido a vivncia de centenas de anos
sob o domnio colonial, que no criou condies para que o desenvolvimento cientficoenraizasse nas nossas ilhas. Por isso, muitos dos mitos e das lendas, chegaram at ns,
pela via da tradio oral, devido a sua fora reguladora e normativa como so por
exemplo os tabus.
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2.2. ANLISE DAS MENSAGENS DOS MITOS E DAS
LENDAS
Os mitos e as lendas so carregados de funes sociolgicas indicando aoindivduo ou a um determinado grupo social a via que deve seguir, evitando assim
dissabores durante o seu percurso. Tm por conseguinte, um carcter normativo, e por
isso, de regulao social.
Os mitos e as lendas como formas de supersties so narrativas que trazem em
si certa moral, visando condicionar o comportamento das pessoas. Ao fim ao cabo, no
so mais do que regras atravs das quais os indivduos devem orientar os seus
comportamentos e a sua prpria vida, da serem vistas ainda como instrumentos deregulao e coeso social, por pretenderem impor um padro comum de convivncia
social. Isso visto nos tabus, nos medos, nos provrbios, etc.
Podemos dar como exemplo o tabu do aborto, muito alimentado pela religio
catlica, pois o aborto encarado como um atentado a vida humana, algo sagrado por
ser uma criao de Deus. Abortar significa pois, um acto de profanao, portanto, um
pecado severamente punido por Deus.
Essa crena, como se pode ver, cria nas pessoas o sentimento de respeito e temorem relao as leis de Deus, levando-as a comportar-se numa determinada direco.
Com efeito, fcil crer que os tabus esto ligados as supersties coercivas.
No dizer de Joo Lopes Filho, Tabu designa-se normalmente, uma pessoa,
objecto ou acto cujo afastamento exigido por ter carcter sagrado () inspira
respeito temeroso, pois a sua violao pode suscitar castigos de origem sobrenatural,
possveis de abaterem-se tanto sobre o profanador como sobre o grupo a que
pertence19
Ainda podemos fazer referncia aos medos que segundo Joo Lopes Filho,
foram invenes do tempo da escravatura com o objectivo de se ter um instrumento para
dificultar a fuga dos escravos e proteger as propriedades de eventuais intrusos.
Tambm o recurso aos medos era um meio de educao. A criana era ameaada
a obedecer atravs da inveno de seres fantsticos, histrias de fadas, lobisomens,
gongon etc.
19LOPES FILHO, ob,cit p. 112
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Nos provrbios, adquirimos a sabedoria popular, que encerram toda a
experincia da colectividade. Os provrbios alm de entreterem as pessoas
intelectualmente, so educativos por exprimirem valores e normas tericos do povo. So
tambm reflexos da sabedoria popular e expresso da ideologia do grupo social
dominante na prtica do quotidiano duma comunidade como o caso dos grupos de
ancios.
Essas crenas foram passando de gerao em gerao atravs da tradio oral
acabando por ganhar formas diferentes fazendo parte do imaginrio do povo das ilhas.
Por conseguinte, as lendas e os mitos procuram impor a vivncia social
determinadas normas e regras de comportamento criando assim uma verdadeira ordem
sociolgica.
Os mitos esto muito relacionados com as crenas e por sua vez tem origem, ou
pelo menos tm muita ligao com a religio. E exercem uma funo sociolgica como
havia dito anteriormente, seja para glorificar um determinado grupo social, exprimir
direitos e por vezes estatutos contrapostos e rivais.
So contados para justificar, reforar ou codificar as prticas e as crenas da
organizao social totalmente revestidos pelos ritos. A repartio dos ritos produz o
enraizamento dos mitos de tal forma que parecem ter uma funo tanto natural como o
instinto. Mesmo exprimindo contradies e incoerncias vrias so toleradas pela
sociedade que os adopta.
Segundo Levi-Strauss, o mito e o rito complementam-se em domnios de
natureza igualmente complementares: o valor significante do ritual parece instalado
nos instrumentos e nos gestos20. So criaes culturais e tm o seu modo prprio de
coerncias e podem prestar-se a aspectos ldicos, estticos ou ilusionistas. Esto
quase sempre ligadas as circunstncias que comandam a sua produo: estao ou fases
da vida de um individuo, circunstanciais, naturais, ou sociais ou ainda acidentes da vidaindividual.
A crena numa entidade sobrenatural (ser ou fora) produziu sempre no homem,
atitudes afectivas ou emocionais face aos mesmos e procuram obter atravs dos ritos o
favor dos Deuses e afastar o mal.
20BERNARDI, Bernardo.Introduo aos Estudos Etno-Antropolgicos, Lisboa. Edies 70. 1988.
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Segundo Malinowski, determinado rito s poder ser compreendido se
pusermos em evidencia a forma pela qual ele se liga ao econmico ou ao poltico,
definindo a sua funo a diferentes nveis, explicando a sua razo de ser21.
Quer dizer que os mitos e as lendas tm uma funo utilitarista precisa e esto
inseridos num sistema social. Contudo, bom dizer que esta viso tem sido alvo de
criticas devido ao pouco espao que deixa para o desenvolvimento cultural.
Em cabo Verde concretamente, h uma mistura entre o sagrado e o profano
originando um sincretismo cultural por causa dos vrios elementos em presena. O
sagrado elaborado pela prpria sociedade, enquanto que o profano constitudo por
cada um de ns, atravs dos dados dos nossos sentidos e da nossa prpria experincia.
Os mitos, conservam uma actualidade viva, embora tenha originado dos povos
antigos, considerados selvagens por conseguinte, so aceites e conservados por
tolerncia, respeito e confirmam a f. Repetindo-os, so regenerados, restaurados e
actualizados atravs dos ritos. Por vezes, os eminentes seres que as pessoas evocam,
aparecem em carne e osso.
Mas, actualmente, muitas das crenas deixaram de existir, ou vm perdendo
credibilidade, a medida que os anos passam, sob efeito da escolarizao, cristianizao,
da globalizao que vem transformando o mundo numa grande aldeia cada vez mais
exposta.
Mas, isto no quer dizer que Cabo Verde e em particular Santo Anto esteja com
menos crenas. Umas podem-se estar perdendo terreno mas outras estejam nascendo e
revigorando porque o homem no consegue viver sem as crenas; isto , ao rejeitar
umas, cria outras de acordo com o contedo das mesmas e dos reflexos na vida.
21MALINOWSKI, Bronislaw. Uma Teoria Cientifica da Cultura, Lisboa. Edies 70. 1997.
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CAPTULO III
3 - MANIFESTAES DE CRENAS E SUPERSTIES EM SANTO ANTO
De todos os fenmenos sociais que formam o objecto da etnologia, a superstio
o mais difcil de coordenar sistematicamente uma vez que uma rea muito
abrangente, onde esto envolvidas formas de viver e de estar de todas as camadas
sociais.
No dizer de Tefilo Braga As supersties so sempre o vestgio da runa de
uma religio quer na sua hierologia, a crueldade nos espritos malvolos, quer na sua
parte litrgica, os ritos propiciatrios das cerimnias angurais22
Muitos santantonenses semelhana de algumas pessoas das outras ilhas de
Cabo verde acreditam em factos que podem dar sorte ou azar, fazer bem ou mal,
propiciar vantagens ou polarizar malficos. Neste sentido, acreditam tambm que h
formas de anular a fora positiva ou negativa de qualquer elemento, da recorrerem a
amuletos (que pode ser uma pequena bolsa de fragmentos de oraes, versculos da
Bblia Sagrada), a esconjuros, a oraes e a certas cerimonias para se defender dos
possveis malficos que possam surgir (azar, mal feitio, mau olhado oiada).
Segundo Tefilo Braga A forma e o sentimento que as supersties apresentam
correspondem a um estado rudimentar da inteligncia do homem: o terror do
desconhecido23.
Esse facto exemplificado pela forma como alguns santantonenses manifestam
a sua crena em foras sobrenaturais, e por isso que surge a ideia da existncia de
feitiaria, espritos maus, bejon kenilinha entre outros.
22BRAGA, Tefilo, O Povo Portugus nos seus Costumes, Crenas e Tradies, Lisboa, Publicaes D.Quixote Vol. II p. 18
23BRAGA, Tefilo, ob. Cit. Vol. II p.19
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Da mesma forma, vigora a crena de que a alma do outro mundo regressa ao
mundo dos vivos. Algumas pessoas acreditam que quando algum morre sem pedir ou
receber perdo dos seus pecados regressa ao mundo dos vivos com o objectivo de o
fazer. Por isso, acreditam que as almas entram nas pessoas, outras acham que a alma de
um defunto pode regressar ao mundo dos vivos para pedir e receber perdo, mas sem
entrar no corpo das pessoas. Essas crenas tambm so conhecidas nas tradies
portuguesas.
De acordo com Tefilo Braga As almas dos mortos tambm costumam meter-
se nos corpos dos vivos, a que vulgarmente se chama ter esprito, que corresponde aos
fenmenos patolgicos do histerismo e da epilepsia; quando fala uma alma, em algum,
para pedir o cumprimento de alguma promessa, e cr-se que ela abandona o corpo na
forma de uma pomba24.
A vida em todas as suas manifestaes e relaes est cercada de crenas agoiros
que passaremos a citar:
- Para muitos camponeses da ilha de Santo Anto, a viscosidade de algumasrvores ou plantas num determinado perodo do ano constitui sinal seguro de
boas guas. Caso contrrio, est-se perante um mau ano agrcola;
- A exuberncia do florir dos sisais (carrapato) num determinado ano sersinal de boa colheita de feijo;
- O piar incessante da passarinha de pena azul durante a poca das guas sero preludio de uma boa chuvada. Salienta-se que esta passarinha para
muitos a ave mensageira de Deus e portanto sagrada, e, como tal, nunca deve
ser maltratada e muito menos morta;
- Quando a lua se apresenta coroada de vermelho durante o perodo das guasser uma tempestade eminente, ou pelo menos muita chuva dentro de pouco
tempo;- Quando uma pessoa passar debaixo duma rvore bom dizer nome de Deus;- Apontar as estrelas faz nascer verrugas;- Quando h trovoadas um sinal que Deus manda para atormentar os
homens que cometem pecados e maldades na terra;
- Esconjurar ou benzer quando o vento faz redemoinho a nossa frente;- Esconjurar quando um pssaro passar sobre ns;
24Idem, Ibidem vol.I p. 177
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- noite, a partir das dezoito horas, no se deve passar junto de um chiqueirode porcos, porque pode ser atacado pelos Diabos;
- No voltar a cara para trs quando andamos noite;- Quando algum est de regresso casa depois da meia-noite dever entrar de
costas para dentro;
- No dar de emprstimo, sal ou petrleo a noite;- No se deve apanhar o lixo quando se varre a noite;- No comer a altas horas da noite porque ser pegado pelo pesadelo;- Sonhar com carne de porco significa morte. Se se sonhar que est a com-la,
a morte ser de um membro da famlia;
- Sonhar com ovo confuso;- Sonhar com sangue sinal de desgosto;- Sonhar que algum morreu, significa que essa pessoa ter ainda muitos anos
de vida;
- No contar sonhos em jejum porque atrai o mal;- A mulher menstruada no deve regar ou tocar nas plantas porque podem
secar;
- A mulher que acaba de ser me no deve lavar a cabea durante 30 dias; eladeve ficar sem tomar banho 40 dias, caso o beb for menina, 41 dias, se for
menino, ela deve evitar sair a noite, visto que o orvalho nocturno pode
provocar a demncia;
- A mulher grvida no pode comer malagueta porque a criana nascer ababar; ela no pode presenciar rituais da morte para no provocar a morte da
criana; no pode observar muito numa pessoa deficiente para que o beb
no nasa com algum defeito;
- Um homem cujo primeiro filho for menina ser muito sortudo;- Mancha branca nas unhas sinal de que a pessoa ter muita sorte;- Comicho na palma da mo direita dinheiro que ir receber;- Quando uma pessoa roubada ou insultada nas pocas festivas do Natal e da
Pscoa vai a caixinha das almas nas igrejas depositar algumas moedas
pedindo a Deus ou aos santos a devoluo da coisa roubada ou a descoberta
do ladro ou ainda a vingana do insulto, assim passados alguns dias o
pedido ser concretizado;
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- Passar o dinheiro entre as pernas quando desconfiamos de algum com quemnegociamos;
- No colocar crianas a frente do espelho sem serem baptizadas;- O primeiro cabelo que se corta a uma criana no deve deitar-se fora, porque
as bruxas podem causa-la algum mal se encontrar o cabelo;
- No deixar crianas sozinhas em casa sem um resguardo;- No chorar demais os bebs que morrem, evitando que virgem Maria os
abandonem;
- No contar estrias de dia porque os olhos podem pelar;- Treze pessoas no podem sentar-se a mesma mesa;- No deixar gato preto passar entre as pernas;- Ver uma coruja durante o dia d azar;- Deixar uma trepadeira subir nas paredes da casa protege contra o mal;- Passar debaixo de uma escada d azar;- mau agoiro abrir um guarda-chuva dentro da casa;- Colocar um chapu sobre a cama d azar;- O badalar de sinos espanta os demnios;- Deixar sapatos virados de sola para cima d azar;- Lanar sal d azar, a menos que se jogue um pouco sobre os ombros
esquerdo;
- Quebrar um espelho d sete anos de azar;- Deixar uma vassoura encostada na cama permite que os espritos maus na
vassoura lancem um feitio na cama;
- Se duas aves brigarem por cima de uma localidade, significa que dentro embreve algum h de morrer;
- H quem pense que no pode gabar o que quer que seja, sob pena deprovocar a runa dessa mesma coisa;
- H quem acredite que no pode encontrar-se com um indivduo demanhzinha, quando este for a primeira pessoa a ser encontrada depois de ter
sado rua porque d azar;
- H quem acredite que o vermelho simboliza o mal, o branco simboliza a paze a pureza, o preto simboliza o luto e a tristeza, o verde a esperana, e o azul
a juventude.
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Ainda para alm dessas crenas, existem outras a que chamamos de medo e que
passaremos a enumerar alguns deles para de seguida descrevendo cada um:
- Feiticeira/Bruxa (Fetesera, Bruxa)- Encantadas- Espritos- Mosong
3.1 - FEITICEIRA/BRUXA
A feiticeira uma crena que, no passado, teve grande impacto na sociedade
santantonense. Esse facto evidenciado nos rituais de guarda cabea, e pela forma
como as pessoas preservam os seus filhos quando surge algum apelidado de feiticeiro.
Para aqueles que acreditam, feiticeiro trata-se de uma pessoa dotada de poderes
sobrenaturais ou que aprendem esta arte atravs dos livros (ex: So Cipriano) ou mesmo
com outras pessoas com experincia neste assunto.
Existe dois tipos de feiticeiros: o que possui poderes para efectuar artes mgicas
(curandeiros), fazendo o bem as pessoas; e o que possui poderes apenas para efeitos
malficos por praticarem a magia negra-feitio (bruxas).
O primeiro tem a habilidade de anular o mal, favorecendo ou prejudicando
algum. Esta prtica poder impedir que um crime seja punido pela justia, para que
uma pessoa mal amada seja amada, para que determinadas pessoas se fiquem bem
sucedidas ou se desorientem na vida, para que se consigam determinados poderes:
podem tambm cortar o mal que os outros feiticeiros fazem. Por exemplo, curam os
maus-olhados, quebrantes.
Lem a sorte das pessoas, utilizando cartas ou uma pedra especial que emite aluz reflectida pelo sol em direco ao paciente para ler a sua sorte, identificando ou
irradiando o mal.
Depois do curandeiro descobrir o mal a pessoa, ele receita-o com remdios
confeccionados por ele mesmo a base de ervas. Dessas ervas, algumas so aplicadas
atravs de chs, xaropes com vinho branco ou aguardente, enxofre, fezes de co ou gato,
etc. Recomendam ainda banhos e defumadores de ervas. Podem dar tambm uma
orao apropriada para lerem ou dizerem em casa.
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Esses curandeiros efectuam todo esse trabalho sem receber nada ou somente uma
quantia irrisria.
Passo a citar nome de alguns curandeiros que fizeram fama em Cabo Verde
particularmente em Santo Anto e So Nicolau:
- Jukin Eskinha (Santo Anto)- Felicine (Santo Anto)- Miguel Benedito (Santo Anto)- Totone Menga Menga (So Nicolau)No que diz respeito aos feiticeiros de efeitos malficos bruxos, tambm
reconhecidos por feiticeiros da magia negra ou kanjiristas, so filhos de pais feiticeiros.
Nascem por uma espcie de hereditariedade, portanto, sem vontade prpria. Mesmo
assim, a pessoa que considerada feiticeira, vive quase que marginalizada pela
sociedade. Tm habilidades para transformar-se em animais ou coisas com o objectivo
de espantar pessoas, sobretudo de noite, causar o mal a outrem atravs de vrios
mecanismos levando por vezes a morte ou a perda de sentido. Tm a habilidade de
comer uma criana ou uma pessoa qualquer e descobrir inimigos em dias apropriados.
As pessoas que recorrem a esses feiticeiros para saber se algum tem inveja delas ou
causa-las mal, tentem apropriar de uma fotografia, uma pea de vesturio ou um objecto
j usado entregando ao feiticeiro. A este vai trabalhar com objectos da vtima at
conseguir os objectivos que a destruio e a morte. Neste tipo de trabalho, os
feiticeiros exploram muito os seus clientes, recebendo grandes quantias.
Normalmente este tipo de feiticeiro tambm chamado de bruxos. E o nome
generaliza-se mais para o feminino feiticeiras ou bruxas. Bruxasou feiticeiras so
tambm pessoas com poderes sobrenaturais como referimos anteriormente.
Enquanto que os demais seres medonhos que os santantonenses acreditam
apareciam em noites de lua cheia, contemplando o belo luar, as bruxas preferiam asnoites escuras das teras e sextas-feiras, onde os seus olhos brilhavam como lanternas
na escurido aterrorizante.
Contam alguns dos inquiridos que as bruxas antes de sarem das suas casas,
cheiravam um liquido para ajud-las a voar. Ao sarem da casa, o corpo ficava deitado
na cama e o esprito sai transformando assim num animal qualquer escolha da bruxa,
lanando luzes de vrias cores visveis a qualquer distncia. E ao regressar a casa se no
encontrasse o corpo conforme o deixou, o esprito no conseguia entrar no corpo.
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Tentando voltar ao normal dizia o seguinte: konforme M tx korp, esim min N otxel
e a voz ia enfraquecendo at que a bruxa acabe por morrer.
Uma senhora, na Ribeira da Torre Santo Anto, contou-nos que uma bruxa,
saiu nas suas diabruras e o seu marido deu conta que a mulher no estava deitada na
cama, j desconfiados das suas artes, apanhou uma capa, uma espcie de pele que a
bruxa retirava do seu corpo quando saa a noite e colocou malagueta e sal. Quando a
bruxa voltou foi meter aquela capa no seu corpo, ficou a gritar desesperada e depois
morreu.
Geralmente, as bruxas casam-se com um homem normal ou tambm um
bruxo casa-se com uma mulher normal. Ensinam-lhes os poderes do bruxedo ao seu
cnjuge e este recusa a aprender, mas ter um grande sofrimento at alcanar a morte.
As filhas das bruxas nascem logo com alguns poderes, um pouco fraco e por isso so
denominadas de falhadas.
Mas os filhos no nascem com a arte de bruxaria, se quiserem podem vir a
aprender.
As bruxas deitam oiadas (mau olhado) ou quebrantes s pessoas,
principalmente as crianas. Se uma pessoa estiver com uma criana prximo de uma
bruxa e fazer algum elogio como: bonita, ou gordinha, a me tem de dizer
imediatamente a bruxa: louvar a Deus, para evitar que ela deita uma oiada a
criana.
H casos em que a bruxa consegue deitar oiadas as crianas e as mes
conseguem saber logo que era obra das bruxas porque a criana transpira muito, sente
febre, diarreia e outros sintomas estranhos. Para curar a criana o responsvel dela
dirige-se aflita a casa da suposta bruxa. E a bruxa usando os seus dotes curava a criana.
As bruxas podem ser amarradas quando vo a alguma casa e pedem gua, o
dono da casa ou outra pessoa coloca a caneca ou o copo emborcado; quando se voltapara baixo uma vassoura no lugar onde estiver uma bruxa ou ainda se virar de pernas
para o ar o banco em que a bruxa se sentou.
Em Chuva Braba, Man Quim em analepse: Ele era ainda menino de dez anos.
Uma manh brincava no terreiro da casa () quando apareceu uma mulherzinha
magra e lambuda, com um dente muito grande saindo da boca, o nariz arrebitado
mostrando dois buracos fundos, a gritar com uma voz fanhosa que meteu medo a todos:
eh, mocinho! eh mocinho! Estou a morrer de sede. D-me uma caneca dgua,mocinho da minhalma. () Ela bebeu todo o litro dgua sem tomar flego, devolveu
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a caneca ao menino e caminhou. Man Quim correu para dentro e foi colocar a caneca
como a encontrara, de boca para baixo, sobre a tampa do pote. () olhou e viu a velha
entrando de novo para o terreiro e espiando para um lado e para o outro, com que
procura de qualquer objecto perdido. () A velha passeou para c e para l, foi at a
cancela, olhou para o caminho e disse: Deus, deixa-me ir embora. O sol j estava a
pino quando chegou a meJoja:
- Eh Joana Tuda, oc quer alguma coisa? perguntou a meJoja. Estou, aqui dias-
-h quero agora ir para Ribeira da Cruz que j est tarde. Ento oc v ()
Continuou por algum tempo naquela dana. Quando no pode mais, aproximou-se de
Mane-Quim () e disse em segredo: mocinho! De esmola, mocinho da minhalma.
Olha, vai virar a caneca de boca pra riba pra eu poder ir25.
Mas quem amarra uma bruxa, tem de saber desmarr-la outra vez senoat
poder morrer.
Em Chiquinho, de Baltazar Lopes, Toi Mulato conta a respeito de Totone
Menga-Menga.
- () Totone disse:
- Por favor voc espia se aquela galinha tem ovo A mulher foi espiar e
Totone depressa voltou para dentro e num dizendo-fazendo virou de pernas para o ar o
banco, em que a bruxa tinha sentada. Quando Totone voltou para o quintal disse-lhe:
vamos para dentro Ela bem queria ir, mas no conseguia passar a soleira da porta
porque, j se v, tinha sido amarrada. () Ela danou, cantou, fez o diabo a quatro.
Depois virou burro, mula, porco, cabra. Por fim, Totone condodo rezou umas oraes
e desamarrou-a. Ela virou figura de gente. Totone disse-lhe:
- Para voc nunca mais se meter na minha vida26
Segundo os entrevistados para afastar as bruxas fazem-se, figa canhota (faz-se
entrando o polegar entre o indicador e o dedo maior da mo esquerda) esconjurando daseguinte forma:
Figa kanhota,
Bordolega mar de Espanha,
B rodi l pe mar vermei,
Mim b nde pod ke mi,
Nem hoje, nem mnh,
25LOPES, Manuel, Chuva Braba, Lisboa, Ed. 70, p. 7626LOPES, BaltazarChiquinho, ed. frica 1984, pgs. 74,75
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Nem nunca
H mais formas de afastar as bruxas, que explicaremos no captulo que se segue.
3.2. ENCANTADAS
So assim chamadas as lindas moas de cabelos muito lisos e compridos, com
uma parte superior do seu corpo de forma humana e a inferior em forma de peixe.
Aparecem com frequncia no mar ou nas Ribeiras, conforme o imaginrio dos que
vivem prximo desses stios.
Costumam aparecer de madrugada ou nas horas mnguas ( o espao de tempo
entre s 12h s 14h), vestidas de branco ou nuas mas ningum consegue aproximar-se
delas, pois logo que um vulto humano surgisse l em cima, nos rochedos, metiam-se
debaixo da gua e iam parar a outro mundo.
Mas, houve quem fosse muito ousado, pescando uma dessas moas. Segundo um senhor
entrevistado na zona do Cocul, at a Maria Branca, uma beleza de mulher que mora ao
lado da raa das encantadas. branca, tem cabelos muito lisos e compridos chegando-
lhe s costas.
de comparar estas encantadas outras histrias contadas em alguns pases.
Fala-se de sereias, como a Iemanj, dona Janana, princesa de Aioc ou ainda dona
Maria no Mar Morto de Jorge Amado, na zona centro-sul de Angola a eplua, ser
aqutico, misto de animal e ser humano, costuma oferecer rica fortuna, em troca de um
objecto do seu uso pessoal deixado em fuga quem a surpreender durante o banho no rio.
Muitos destes dados, aparecem tambm reflectidos nos romances cabo-
verdianos.
Na obra Chiquinho de Baltazar Lopes, pag.291 Nh Joo conta-nos o que tinha
acontecido com ele, certo dia, quando ainda era marinheiro:
Naquela noite eu estava de leme, Chiquinho, fazia um luar to claro que
parecia que a lua estava dando uma serenata a nossa senhora. De repente, ouvi uma
cantiga.
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Era Sirena. A moa do mar tinha meio corpo acima da gua27. Sirena, seria,
moa-do-mar, poderamos tambm dizer moa-de-gua, a nossa encantada, no
sentido de quem provoca encantamento ou causa maravilha pela beleza que possui.
Ainda em Chiquinho encontramos um trecho um pouco discordante quanto conotao
do nome encantado. Conta-nos mame velha:
- No tempo do Dr. Jlio apareceram pacteados na terra. Eram encantados que
tinham pacto com aquele homem. Em noites de luar desembarcavam na Prainha de
galeras que ningum podia ver, vindos de ilhas que ficam muito longe, no meio do mar.
Passavam pela vila em cavalgadas ruidosas, com grande cantarola, mas nenhum filho-
de-parida tinha nimo de abrir a porta para espiar. Subiam a ladeira de cachao e
dirigiam-se Sentina.
Referia o povo que chegavam rocha e diziam:
- Ssamo, abre-te!
Abria-se a rocha e l dentro era uma boniteza de endoidecer, um grande palcio,
armado de ricas moblias. Mesas coberturas de toalhas mais finas. Comidas da melhor
qualidade. ()28
Segundo contam, em Santo Anto, h tambm uma denominao de Menino
encantado. Menino esse que nasce envolvido numa tiagem. Logo aps o seu
nascimento a me ou a parteira tem de retir-lo da tiagem, rodando-o trs vezes e de
seguida lhe dado uma chvena de ch. Caso no cumprissem o ritual no stimo dia do
seu nascimento, ele dever ser baptizado. Caso contrario ele poder desaparecer de casa
sem deixar rastos.
No momento da fuga, se a me presenciasse, ela no impediria a criana nem a
assustaria. Limitava a ficar quieta e no pronunciar a cena a ningum.
Caso a me entrasse em pnico gritando ou pedindo ajuda, o beb cairia no cho
espantado e logo ficava maluco, jteou esperposente.Se a me deixasse a criana fugir sem pronunciar nada, o filho voltaria sempre para
amamentar, caso a me estivesse sozinha em casa. Se a me estiver acompanhada, no
seria possvel ver a chegada do filho, mas sim, s sentiria o seu peito a ser sugado e ela
guardava segredo, porque se dizer algo ao filho nunca mais viria ao seu encontro.
Ainda contam que, se uma mulher com um filho encantado no o espantasse no
momento da fuga, aps 7 anos da sua nascena regressaria e viveria uma vida normal.
27LOPES, BaltazarOb. Cit. P. 29128LOPES, Baltazarob. cit. p. 38
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32
3.3. ESPRITOS
Espritoalma, fantasma, visagem, assombrao. Esprito encostado: alma de
um morto que se alia com a alma dum vivo, encostando-se, para desempenhar, junto a
esta, poderio ordinariamente malfico. O esprito encostado constitui assunto
interessante na esfera do baixo espiritismo e se relaciona com a psiquiatria e a
neurologia()29
Segundo o imaginrio do povo, o esprito poder manifestar-se ou no aps a
morte do corpo. E caso tenha alguma coisa a dizer, servir-se- do corpo de um vivente
para se expressar. Diz-se ainda que os espritos aparecem a certos indivduos fracos e
crentes. No aparecem aos incrdulos porque deles nada aproveitam, pelo contrrio,
recebem pragas. Quer isso dizer que a pessoa perseguida pelos espritos boa. Deve
tambm orar por aquele ou aqueles que a perseguem pois, digna de ser ouvida pelo
senhor criador do universo.
Na obra Chuva Braba de Manuel Lopes, deparamos com a viva Joja em
monologo com o seu morto: Oc v Jaime? Destino deles andar. Vo um a um.
Agora Quim.
Cada qual no seu lado e na sua hora. Qualquer dia Jack. Fico s com oc
depois. Fico mais perto dos meus mortos que dos meus vivos 30
Neste caso percebemos que numa situao de desespero a viva desabafa com a alma do
defunto.
Para a nossa gente bastante ligada ao fenmeno de espiritualismo ou o chamado
desdobramento, dizem que por vezes os espritos dos vivos saem e deambulam por
ocasio da morte.
Em Chiquinho, de Baltazar Lopes, encontramos as personagens movimentando-
se e opinando sobre esprito retornado do lugar a ele destinado:
29
Dicionrio do Folclore Brasileiro de Lus da Cmara Cascudo, quarta edio, Revista e aumentada, p.31230LOPES, Manuel, ob cit. pgs. 31-32
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Nh ChicAna garantiu. Tinha visto a alma. Era uma figura alta, embrulhada
num grande lenol branco. Na cabea traziam um grande chapu de obas largas que no
deixava ver bem a cara. S se enxergava a ponta do nariz, meio comida, e os dentes
descascados num sorriso de meter medo. Foi de uma vez que tendo de vir do Juncalinho
para Morro Braz, Nh ChicAna se enganou com o pr do sol. L para aqueles desertos,
sol no mar, noite na terra, a escurido apanhou-o pelo caminho. Quando passou ao p da
casa assombrada ouviu gemidos que partiam a alma da gente. De dentro das paredes
saiu a figura do capito Zeferino. Vinha muito curvado, como se arrastasse um grande
peso. Nh ChicAna ficou cr, sem poder dar um passo. A alma passou mesmo junto
dele. Quando deu acordo de si, Nh ChicAna desabalou na carreira como cavalo de
olho furado31
Em Santo Anto, os que crem em esprito, denominam-nos de almas penadas
katxorronas, pesadelo, minguarda, etc.
As almas penadasso almas de pessoas que no tiveram boa conduta na vida
terrena. Que foram obrigadas a abortar e a praticar outros crimes. Aparecem
frequentemente de dia, sob a forma de vento, arrastando tudo o que se encontrava no
cho formando redemoinho poeirento e muito violento. Quem presenciasse a ventania
fazia logo o sinal da cruz, esconjurando:
- Bordolega, mar de Espanha, b l p espose superior.
Quando aparecem a noite, sob a forma de um fantasma, pedindo ajuda
humana. H outras almas que no adaptam o sistema de aparecer em forma de fantasma
mas, que se revelam nas casas dos seus parentes fazendo barulho de noite, arrastando
cadeiras, mesas, atirando pedras, etc.
Katxorronas
Ao contrrio das almas penadas, as katxorronas so as almas das mulheres quena vida fizeram aborto por livre e espontnea vontade. As suas almas aparecem sob a
forma de seres humanos, tristes constantemente com lgrimas nos olhos, vestidas de
noiva a beira das estradas ou nos quintais.
As vezes as katchorronas aparecem sob a forma de uma cadela a partir da meia-
noite.
31LOPES, Baltazar, ob. cit, pgs 84-85.
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Voltaram terra a fim de pagar penitncia por causa dos filhos abortados, por
isso, vm criar os filhos at atingirem os dezoitos anos, percorrendo todos os passos de
uma me real. Procuram as casas onde possam encontrar gua, tina, surradera para
lavarem as roupas do filho.
As pessoas, ao perceberem que so as katxorronas que esto preambulando
devem fazer de conta que no esto sentindo nada e no se devem aproximar-se delas
porque podero anular as suas penitncias e recomear todo o trabalho.
Quando aparecem sob a forma de uma cadela a partir da meia-noite devem trat-
las como se fossem da vizinhana, chamando-lhes um nome e a acompanhavam a
pessoa at a porta da sua casa. Quando chegar, a pessoa entra de costas para dentro,
caso contrario, a cadela comea a crescer tornando-se enorme e poder matar a pessoa.
Kenilinha
Associada s almas, aparece uma outra figuraa Kenilinha de forma de gente,
muito alta e com uma nica perna. Ela anda sempre na linha recta a partir da meia-noite.
Como no consegue fazer curvas, a pessoa que deparar com ela dever andar em zigue-
zague. Isso porque a Kenilinha segue todos os passos das pessoas que andam nessas
horas da noite. Se a Kenilinha fizer uma curva, ela cai e a perna parte, a pessoa
perseguida procura encontrar uma casa mais prxima para abrigar enquanto que a
kenilinha tenta recuperar a sua perna. Caso a Kenilinha alcanar a pessoa, ela abafada
e quando assim acontece, fica maluca.
Pesadelo
Segundo opinio das pessoas antigas, pesadelo so espritos de pessoas que
morrem antes de serem baptizadas. Logo no princpio do mundo foram pedir
autorizao a Deus para que fiquem matando as pessoas durante o sono, mas Deus noaceitou a proposta, ento furou-lhes as mos para que as pessoas pudessem respirar
quando fossem sufocados pelo pesadelo evitando-os da morte.
Durante o sono as pessoas ficam agitadas, e com a sensao de estarem
acompanhadas da figura de uma pessoa aterrorizante. Essa figura o pesadelo que pega
as pessoas a dormir no conseguindo mexer-se, falar, gritar e nem fazer nada. Por isso,
sentem um peso sufocante mais precisamente na garganta, acompanhado de sonhos
ruins.
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Quando conseguirem livrar-se desta sensao, assim as pessoas acordam muito
assustadas atrapalhadas e com muito medo.
Para evitar o pesadelo as pessoas colocam debaixo do travesseiro os seguintes
objectos e alimentos:
- Tesouras abertas em forma de cruz;- Pedao de ao;- Bolacha;- Po.Alm destes, as pessoas evitam deitar-se muito cedo e logo aps as refeies e
tambm costumam fazer rezas antes de irem para cama para afugent-lo:
pesdel de mon frd,
kond b kizer bem p min,
primer b t b kont,
Sm onda de mar e sm gron dereia,
ne funde dmar vermei
Quer isso dizer, que at quando contar as cem ondas do mar e os cem gros de
areia j ter amanhecido e as pessoas acordadas
Minguarda
assim chamada o espao de tempo que vai das 12 s 14 horas. Hora ruim que
ningum pode fazer certos trabalhos como dar de comer aos animais, deitar lixo etc.
Segundo Lopes Filho, esta inveno vem desde os primrdios da colonizao das ilhas
em que os donatrios traziam os escravos para lhes ajudar nos trabalhos da lavoura.
Esses escravos trabalhavam arduamente e com um pequeno intervalo entre as 12
s 14 horas, para descanso. Durante esse intervalo, apareciam os escravos fujes queiam disfaradamente furtar as propriedades e por vezes fazendo distrbios e assaltos a
quem encontrassem. Entretanto, aqueles escravos que repousavam, ao verem os fujes
nas propriedades entravam em pnico, pensando ser seres misteriosos, almas do outro
mundo que poderiam atac-los e at mat-los.
At mesmo os senhores, colocavam espantalhos nas propriedades como forma
de meter medo aos escravos que l iam furtar.
Deste modo, cremos ser a forma encontrada para neste perodo acimamencionado, retirar as pessoas debaixo das rvores, para no fazerem barulho quando
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estivessem a descansar o almoo e por isso nessa hora costume as pessoas
permanecerem dentro de casa.
3.4. MOSONGA maonaria talvez um dos maiores alvos da curiosidade de vrias pessoas
h tempos. Sendo uma sociedade fechada, ela se auto define como segmento
filantrpico, filosfico, educativo progressista. O interesse pelo qual est oculto tem
atrado muito a ela.
Esta seduo no se limita apenas a homens no evanglicos, mas infelizmente
algo que est alastrando a anos em alguns segmentos da igreja. Tamanha a
inocncia de alguns lderes, que muitos no somente fecham os olhos para a coisa,
como tambm participam como bons maons.
Pouco se sabe a respeito da origem e fundadores da maonaria. Porem, o que
no falta so contos de fadas acerca desse assunto. So personagens da antiguidade
que so destacados como verdadeiros heris neste meio.
Tubalcaim citado como o primeiro maon. Descendente de Caim, filho deLamec com Seba, este homem que dito pai dos que trabalham com cobre e ferro, viu
em seu pai o exemplo de um homem homicida e polgamo (Gn.4:22-24).
A lista segue figura com Ninrade, grande caador diante do senhor, esta figura
considerada fundador da Babilnia e arquitecto da Torre de Babel (Gn.10:8,9, 11:1 -
9). Isso com certeza aproxima-se os ideais da torre de Babel a Maonaria.
Entretanto, o mais reverenciado de todos os patriarcas Hiram Abif. Conta a
Maonaria que durante a construo do templo, Salomo contava com a ajuda do reide tiro Hiram, e contratou o filho de uma viva chamado Hiram.
Diga-se de passagem que este aparece nos relatos bblicos apenas como
bronzeonista, mas aos olhos da Maonaria, visto como o arquitecto. acrescentado a
historia o relato de sua morte. Hiram tido como mestre (3 grau maon), e seus trs
ajudantes como companheiros (2 grau), os quais o assassinaram em busca do segredo
da palavra. Os dois reis so informados da morte, e que o corpo fora enterrado. Aps
uma conturbada estria de ressurreio, entende-se que os segredos do mestre soguardados at ao seu descobrimento na Idade Media.
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Os Maons (pedreiro em francs) so quase que um sindicato em seus
primrdios. Chamada Maonaria Operativa nesta poca desenvolveu-se com o passar
dos sculos, no se restringindo mais apenas a artesos, mas tornando-se abertos a
outros grupos da sociedade.Nasce assim a Maonaria especulativa.
Ao passar de operativa para especulativa, a Maonaria no mais se restringiu a
artesos, mas dispe a estar aberta a outros membros (clrigos, polticos, cientistas,
etc.). Todos estes tiveram papel importante na formao de doutrinas, rituais e graus
de progresso. O que mais isenta o facto de que muito do que h na Maonaria foi
herdado do paganismo antigo e religies ocultistas medievais.
Logo a Maonaria moderna fruto dessas infuses ocultistas. No anulando
tambm os aspectos prprios de sindicatos que ressaltam atravs de smbolos fustes
morais (agora revestidos de aspectos espirituais). (htt://www.cacp.org.br/
maonaria.htm).
De acordo com Mrio Matos, na sua obra contos e fadas, pelo menos em Santo
Anto, S. Vicente, So Nicolau, Santiago e Fogo, havia associaes consideradas
secretas e que funcionavam activamente.
Segundo as pessoas mais velhas, os maons cabo-verdianos, vestem de branco
da cabea aos ps, durante a noite entre s 23 e 3 horas da madrugada, principalmente
nas noites de lua cheia. Aproveitam as noites de teras e sextas-feiras, para subirem nos
seus cavalos ou em carros de muito esplendor arrastando correntes de ferro pelas suas
ribeiras das suas localidades de residncia produzindo um grande barulho metendo
medo as pessoas. Assim sendo, a partir das 22 horas ningum atrevia em sair a rua.
Nos dias em que os maons estivessem a desfilar levavam a frente os chamados
varredores. Estes eram considerados menos perigosos que os maons e ao
aproximarem duma criatura na rua falavam com ela, perguntando se os tinha
reconhecido e logo de seguida mandavam-na esconder do lado oposto ao vento para queno fosse apanhada pelos que estivessem a trs sob pena de serem apanhados e por
vezes mortos.
Os mosong ao aproximarem-se de algum, dizem:
J cheirou-me sangue real.
Como os varredores eram bons, tentavam persuadi-los e desviando-os a sua
ateno e assim a pessoa ficava salva passando de fininho.
Mas, se por algum azar, a pessoa que fosse apanhada por um mosong erachicoteada e depois abandonada em lugares isolados e sem gente.
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Era costume, entre os mosong escreverem cartas, aproveitando determinadas
pessoas de quem no simpatizam, como portadoras para que depois sofressem revezes e
alteraes psquicas, que podiam lev-las ao desespero e por conseguinte a morte. Essa
carta era uma espcie de contrato entre os maons. Nesse contrato comprometia-se a
entregar uma cabea por ano e por isso, essas cartas serviam para entregar essa
cabea, neste caso o portador, no conseguindo a cabea do portador odiado, enviavam
um familiar e no conseguindo este, seria a sua prpria cabea entregue.
Assim, as pessoas, amedrontadas no saam a noite no horrio referido
anteriormente sob pena de serem atacadas, os mosong aproveitavam a ocasio de
contrabandearem o seu aguardente que na poca era proibida o seu comrcio.
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CAPTULO IV
4 - SUPERSTIES RELACIONADAS COM MOMENTOS IMPORTANTES
DA VIDA E CERTOS EVENTOS CULTURAIS DA ILHA
Os momentos importantes da vida do indivduo so geralmente marcados por
rituais religiosos. assim que o Nascimento, o Baptismo, o Casamento e a Morte so
acontecimentos a volta dos quais podemos reparar elementos de ndole supersticioso
que passamos a falar.
4.1NASCIMENTONascimento, um acto que marca o incio da vida de um indivduo.
Na sexta noite, aps o nascimento duma criana habito os familiares e
amigos reunirem-se em casa dos pais do recm-nascido a fim de comemorar o seu
nascimento, mas com a maior preocupao de proteg-lo das bruxas (guarda-cabea).
A cerimnia de guarda-cabea, surgiu desde os primrdios do povoamento da
ilha de Santo Anto, na sequncia da morte de um elevado nmero de crianas na
primeira semana depois do seu nascimento. Tudo isso, levou a criar na mente das
pessoas a crena de que havia algo de misterioso relacionado com essas mortes.
Mas na realidade, a morte das crianas era devido sobretudo ao ttano
provocado, por vezes, pelo p de terra que as parteiras utilizavam na cura do umbigo
dos bebs.
Mas as pessoas no conseguiam explicar essa hiptese e atribuam a
responsabilidade dessas mortes s bruxas.
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Segundo Joo Lopes Filho, a cerimnia de guarda-cabea marca o fim do
isolamento da me (fase de cuidados e apreenses) da criana e com os parentes,
vizinhos, bem como o regresso da me s actividades e a sua reintegrao no grupo
social mais vasto32.
Assim sendo, comum nesta noite lavarem o beb e vestirem-no uma saia de
baixo de cor preta j usada pela me e depois deitam-no na cama. Colocam debaixo do
travesseiro uma tesoura que foi utilizada no corte do cordo umbilical sob forma de
uma cruz, do mesmo modo colocavam um tero e a vo lta colocam ramos de mote de
ch como alecrim e arruda.
Esta actividade supersticiosa cremos ser de origem Portuguesa, tendo em conta o
que diz Tefilo Braga o cheiro de alecrim () em ramos tem poder contra os
feitios33.
Tambm para reforar a proteco do recm-nascido, defumam a casa com gros
de caf e ervas aromticos como alecrim, alfazema, arruda e losna.
Esta prtica supersticiosa, pensamos ser tambm de origem europeia e remonta o
sc. XVI. Segundo Tefilo Braga a cada passo se depara com esta persistncia
tenacssima dos costumes; ainda hoje o povo de Lisboa defuma as casas com alfazema,
como na primeira metade do sc. XVI notava Antnio Prestes, com eficaz contra os
espritos:
Vs defumais
Esta casa com alfazema.
(Autos, p. 398).
As plantas aromticas, como arruda, o mentrasto, o orgevo (verbena) e outras
muitas so os especficos peculiares na medicina mgica popular, em que o histerismo eo estado febril so ar-mau ou bruxedo34.
Para impedir que a bruxa ultrapassa o limiar da casa, costume pr sal, enxofre
e semente de mostarda, cuja mistura se faz uma cruz no batente da porta enquanto se vai
pronunciando o nome da bruxa. Tudo isso para afastar a fetesera de rob ezed,
32LOPOES FILHO, JooRetalhos do Quotidiano, Editorial caminhos, Lisboa, 1995, p. 35.
33BRAGA, Tefilo, ob cit , p. 57.34BRAGA, Tefilo, ob.cit. p.59
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principalmente fetesera de rebera de janela, ke te km na got, te km na katxor
como canta Cesria vora, a Diva dos ps descalos.
Ainda, nesta noite cantada uma msica pela me:
kem kr kria se mnime gordin
del robe de legartija, del gril, del kevonhote
detel ne paia de kana, kobril ke
pega-saia mod bruxa n bekmel
kem tem se oi tx daga
b kel l pa mar vermei.
Antes da meia-noite, ningum na cerimnia pode dormir, porque a ateno de
todos necessria para evitar a entrada da bruxa.
Para alm das prticas supersticiosas: a volta da guarda-cabea, h outras
tambm dignas de destaque:
- A primeira gua com que se lava um recm-nascido de sexo feminino lanada dentro de casa porque a fortuna da mulher est dentro de casa, se for
de sexo masculino a gua ser lanada fora da casa uma vez que o homem
ter de buscar a vida fora de casa;
- Deve-se guardar muito bem o umbigo do recm-nascido porque se foragarrado pelos ratos, quando ele cresce ficar ladro;
- mau agoiro colocar um recm-nascido a frente de um espelho porquediabo poder carreg-lo;
- O beb fica manso se dado para beber a gua de que foi lavado.
Em Santo Anto, para precaverem os recm-nascidos das oiadas das bruxas,costumam as mes dependurar-lhes, ao pescoo ou esconder-lhe na regio abdominal,
um esguarde, uma espcie de par-raios neutralizador das nefastas aces da oiada.
Alm dos esguardespara afugentar as bruxas, os filhos de Santo Anto utilizam outros
tipos de esconjuros:
a)
Figa konhota, bordolega, merda de goteTemporal de senhor Son Jon
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Se b fetecera, bn de keme-m
Se b bruxa, bo n de bruxe-m.
b)
Leva o que trouxeste
Deus me benza com a sua Santssima Cruz
Tu s o ferro, eu sou o ao
Tu s o Demnio, eu sou o embarao
Em nome do pai, do filho e do Esprito Santo.
4.2. BAPTISMOO Baptismo como sendo o primeiro sacramento das leis da Igreja, transforma
uma criatura num cristo, surgiu no contexto social como uma das manifestaes
religiosas.
um sacramento de grande importncia no seio da populao catlica, assim
preocupao da famlia baptizar a criana principalmente quando adoce.
Segundo Joo Lopes Filho as funes catlico-tradicionais do baptismo
incluem curas de doenas fsicas nos primeiros meses de vida, alm de livrar o pago
de cair no limbo, lugar indefinido, semi-escuro, privado da viso de Deus para sempre.
Criana que morre sem ser baptizada pag, a sua alma fica sem descanso e vai para
o limbo, mas se baptizada um anjinho e vai para o cu35.
Por este motivo, os pais (casados na igreja) baptizam os seus filhos, alguns dias
ou meses aps o seu nascimento. Os pais que vivem em regime de unio de facto ou
casados apenas no civil, baptizam o filho depois de terem frequentado a catequese que
comea a partir dos seis anos, pois, segundo a lei da Igreja Catlica, os pais que vivem
nessa situao no esto em condies de ajudar os filhos a viver o baptismo.
Mas, no caso de doena grave numa criana na situao atrs mencionada ela
ser baptizada imediatamente. E se o padre estiver ausente da ilha ou da localidade ser
baptizada por qualquer pessoa que baptizada, de preferncia crente da Igreja catlica.
35LOPES FILHO, Joo, ob. cit. p. 35
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Esta prtica no chamada de baptismo mas sim denominada de fazer cristo), que
feita do seguinte modo: derramam-se gua sobre a cabea da criana invocando o nome
da mesma acrescentando: eu te baptizo, em nome do Pai, do Filho e do Esprito
Santo. Caso a criana no morra o acto ser concludo, pelo sacerdote no futuro.
Mas para realizar o acto do Baptismo necessrio testemunhas que so os
padrinhos. Os padrinhos so escolhidos pelos pais da criana levando em considerao
as leis da igreja: ser catlico praticante, ser crismado, ter idade igual ou superior aos
dezoitos anos, responsvel e capaz de assumir o papel dos pais na ausncia.
Se as pessoas escolhidas possurem esses requisitos a igreja orienta em curso de
preparao para o Baptismo atravs duma pessoa entendida na matria a fim de
manterem uma relao slida com o afilhado.
Terminando o curso, marcado a data do baptismo e comea-se a preparar a
festa.
No acto do Baptismo, se a criana no chorar porque no chegar aos dez anos
de idade. muito bom levar a criana que vai baptizar vestida de anjo porque livra-as
de perigos e d-lhes felicidade.
Segundo a igreja catlica para ser cristo e obter a salvao necessrio o
Baptismo.
4.3. CASAMENTOO casamento um acto de grande importncia na cultura do santantonense, no
s por ser um sacramento da santa Igreja mas tambm por trazer em si manifestaes e
rituais que marcam profundamente a vida de cada indivduo.
No casamento tradicional, j em decadncia, apesar das transformaes
sistemticas nas sociedades, ainda se cultiva alguns aspectos tradicionais e
supersticiosos.
O processo do casamento inicia-se com a aceitao do namoro. Quando os pais
se encarregarem de escolher o namorado ou a namorada, aos seus filhos, os primeiros
contactos eram oferecer flores de alecrim, cravo ou grama, para demonstrar o amor que
sentiam.
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Quando a menina ia lavar na ribeira, de vspera mandava uma folha de ervilha
ao namorado, se ia passar todo o dia, e, se ia demorar s meio-dia, chegava as mos do
rapaz apenas meia flor. Da mesma forma, quando o namorado chegava do campo ou de
outro paragem, mandava a moa uma flor losna que significava que teve um dia
amargo e que estava cansado.
Havia tambm formas de terminar o namoro simbolizado por uma triste flor de
tribinha36.
A conquista e a fase do namoro decorriam nos lugares mais afastados da casa: na
ribeira como havamos mencionado ou lugares prximos das encostas e era s do
conhecimento dos dois jovens e, por vezes, dos amigos ntimos.
Depois do namoro estar firme entre os dois, a rapariga entregava um sinal ao
rapaz que podia ser uma pedrinha, uma ataca de cabelo ou outro objecto pessoal,
mediante este sinal o rapaz podia fazer o pedido de casamento ao pai da moa que
consistia em entregar uma folha de papel selado. Quem entregava o pedido era pessoa
de muita confiana do rapaz, normalmente o pai, o padrinho, um amigo ntimo ou
tambm, por uma pessoa que tinha um certo prestgio social.
Os dias da semana mais adequados para fazer o pedido de casamento so Sbado
ou Domingo.
No oitavo dia, aps a entrega da carta, o pai da noiva, enviava uma carta ao
rapaz caso no houvesse nenhum desacordo, aceitava-o como futuro genro. O rapaz
chamado para a casa da moa a fim de acertar a data do casamento e para os arranjos
que comeavam a ser comemorados com um bom grogue.
Aproximando-se o dia do casamento, fazia-se o baile de lenha de boda em que
os convidados iam procurar lenha para a festa e no regresso eram recebidos pelas
roncadeirase tocadores.
Os noivos no se podiam avistar pelo menos trs dias antes do casamento,porque, conforme a tradio, isso traria algum azar para os mesmos.
Colocam uma bandeira nas casas dos noivos e convidados o que simboliza
solidariedade e alegria. Por conseguinte uma das tradies que ainda hoje
preservada. Os convidados e vizinhos chegam a casa dos noivos, com balaios de comida
que so recebidos com o pt sade em que um grupo de senhoras entoa canes
sentimentais como:
36flor de planta vulgar e amarga
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Nh Miguel Pelnr b pe Merca
o l l, l l
pel b beska kama de Merca
o l l, l l
pel bem kas ma menininha nova
o l l, l l
kel mnina branka de kebel kuskuz
o l l, l l
kond pens k kama de Merca
o l l, l l
era ormoson de p de pulgeira
o l l, l l
o o roncadra ronk bexim
o l l, l l
tu d pe konta de Sra. Noiva
o l l, l l
kel reinha ne s polose
o l l, l l
Senhor rei mende-m ben ei noce parta
o l l, l l
ke Ntem fome ne nh berriga
o l l, l l
i N ten sede ne nh garganta
o l l, l lvida e sade pe Senhora noiva
o l l, l l
kel rainha ne s polce
o l l, l l
oje min mnha b
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Nesses dias que antecedem o casamento, os noivos vestem-se de branco e a
noiva a partir dai, passava a usar um rosrio branco ao pescoo, e uma fita branca nos
cabelos. Deixava de sair a noite para que no fosse apanhada por um gongon.
O casamento era marcado para os meses de Abril, Maio e Junho para que os
noivos pudessem ir trabalhar nas guas, e porque as pessoas idosas acreditam que o
ms de Agosto traria desgosto e os outros meses subsequentes eram desaconselhveis,
devido a escassez dos mantimentos armazenados.
Na vspera do casamento em que os preparativos eram redobrados para que a
comida e a bebida fossem suficientes e as pessoas fossem bem recebidas, os cuidados
tambm com a noiva eram redobrados, para evitar a sua aproximao do noivo uma vez
que podia trazer azar e tambm conservar a noiva pura.
Nesse dia, a noiva veste-se de verde, como smbolo que representa a esperana
de alcanar o sacramento de matrimnio e permanece no quarto para pensar na sua vida,
nas suas responsabilidades futuras.
Ao longo da noite chegara a madrinha de casamento com as suas companhas.
Ao aproximar-se da casa da noiva mandava atirar um foguete que era respondido
imediatamente, e logo saa um grupo de roncadeiras e tocadores para receb-la. A
partir dai, a madrinha tomaria conta da noiva at a consumao do casamento.
Ao chegar a madrugada do dia do casamento, a madrinha comea a preparar a
noiva para a cerimnia, comeando com o banho da purificao. Depois do banho
penteava e vestia a noiva de branco como sinal de pureza, combinado com um vu
branco, que cobria-lhe totalmente a face e finalmente colocava-a numa cadeira no meio
da sala devidamente ornamentada com lenis ou colchas onde a noiva permanecia at
o momento da partida para a igreja. O noivo tambm em sua casa o seu padrinho seguia
o mesmo ritual.
Chegando a hora da partida, vinham as roncadeirascom o pt sade a noivachorava como nunca tinha feito, pois, se no chorasse ali, no precisaria nem faz-lo no
dia da morte do marido.
O noivo chegava em casa da noiva, para tom-la, evitando ficar num plano
superior a casa, o que segundo a crena popular, poderia provocar infelicidade. E os
padrinhos de baptismo da noiva vinham abeno-los. Mas se um dos dois fosse vivos
ou os dois, chamavam uma pessoa ou duas de sua confiana e reconhecida por sua
conduta para abenoar os noivos antes da partida.
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7/22/2019 A Ilha de Santo Anto Mitos e Crenas Populares
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