a imagem das mulheres operÁrias na obra “os corumbas” de amando fontes
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FACULDADE SÃO LUÍS DE FRANÇA Aracaju-SE, Brasil, 24 e 25 de novembro de 2012
A IMAGEM DAS MULHERES OPERÁRIAS NA OBRA “OS
CORUMBAS”, DE AMANDO FONTES.
Wagner Emmanoel Menezes SANTOS (UFS)1
RESUMO: O livro “Os Corumbas” (1933), do literário sergipano Amando Fontes, conta a
história de uma família interiorana de Sergipe que vem tentar a vida em Aracaju, pois
esperava melhorar de vida através do trabalho nas pulsantes fábricas. Diante disso, esse artigo
pretende compreender como as mulheres operárias dessa família são retratadas na obra.
Percebe-se uma imagem negativa das operárias: muitas eram seduzidas pelos homens, mas
acabavam abandonadas e a sociedade enxergava isso como algo indecente. Tanto que, na obra
de Amando Fontes, algumas viraram prostitutas e foram morar na famosa Rua do Siriri.
PALAVRAS-CHAVES: História e Literatura, Mulheres Operárias, Fábricas.
INTRODUÇÃO
O artigo pretende entender como o livro “Os Corumbas”, de Amando Fontes,
aborda a situação feminina em Aracaju, no início do século XX, em meio a uma região onde
as fábricas estão se desenvolvendo cada vez mais e que necessitam de mão de obra. Então,
esse trabalho é uma contribuição aos estudos sobre as mulheres aracajuanas, e que,
antigamente, eram tão negligenciadas tanto na historiografia brasileira, quanto na sergipana.
A atuação feminina na sociedade, e, consequentemente, o seu estudo, é importante porque
revela uma mulher ativa, inserida e participante nas fábricas e, muitas vezes, era o maior
corpo de funcionários.
As mulheres, que aqui serão estudadas, correspondem ao livro “Os Corumbas”,
publicado em 1933. Escrito por Amando Fontes, o livro ganha destaque em âmbito nacional e
é bem recebido pela crítica especializada. Apesar de ter nascido na cidade de Santos (São
Paulo), em 15 de maio de 1899, Amando Fontes é considerado um “produto” local, isto é, ele
pertence ao rol dos literários sergipanos2. Segundo Jackson da Silva Lima (1971), para
1 Mestrando em História (UFS). Especialização em andamento em Ensino de História: Novas Abordagens
(FSLF). Graduado em História (UFS). Atualmente pesquisa sobre o cotidiano operário em Sergipe, na década de
1950. Membro do grupo de Pesquisa Cultura, Memória e Política Contemporânea (UFS/UFRB). Email:
[email protected] 2 Amando Fontes é filho do farmacêutico Turíbio da Silveira Fontes e Rosa do Nascimento Fontes. Aos cinco
meses de idade, ele fica órfão de pai e a família resolveu deixar Santos para viver em Sergipe. A partir daí os
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alguém ser considerado um escritor sergipano, “é necessário algo além do fator nascimento,
que é de somenos importância e não passa de um simples acidente biológico geograficamente
situado” (p. 34). Sendo assim, um autor não precisa necessariamente ter nascimento em
Sergipe, pois o local de nascimento pouco importa; o espaço não deve preponderar na
classificação de um autor. Logo, Amando Fontes, apesar de ter nascido em Santos, é
considerado um autor sergipano. Por que? “Para que a obra de um escritor seja incorporada ao
nosso patrimônio literário, é preciso, antes de tudo, a integração desse escritor à nossa
realidade histórico-cultural” (LIMA, 1971, p. 34). Em outras palavras: o autor deve viver a
cultura local, deve está imerso e conhecer as produções artísticas, e também produzir algo que
venha contribuir com a produção intelectual da região.
Amando Fontes, então, possui as características acima abordadas. Ele escreve dois
livros: “Os Corumbas”, em 1933, e “Rua do Siriri”, publicado em 1937. Ambos são
complementares e retratam o cotidiano da sociedade aracajuana, que é marcado por exclusão
dos grupos mais pobres e que sofrem com os dilemas da vida. No primeiro livro, e que aqui
será abordado, retrata a história de uma família, que dá nome ao romance, interiorana de
Sergipe e que resolve morar em Aracaju para tentar a vida nas grandes fábricas. Esperam
melhorar de vida e tentar amenizar a miséria. A família é liderada por Sá Josefa que é casada
com Geraldo Corumba. A mulher se torna dona de casa e fica preocupada em cuidar dos
filhos, principalmente das meninas que poderiam ter uma “vida errada” quando seduzidas
pelos homens; enquanto Geraldo era vigia noturno da fábrica Sergipana. Os filhos do casal,
por infortúnio da vida, também vão trabalhar nas fábricas, com o propósito de aumentar o
rendimento mensal. No segundo livro de Amando Fontes, “Rua do Siriri”, temos as histórias
das prostitutas que foram morar, por imposição do governo e da polícia, na região
denominada de Siriri, um lugar marcado por gente pobre e que conviviam com os problemas
avós paternos começaram a cuidar da criança, que passou a morar na Fazenda Aguiar e em Aracaju. Nesta
cidade, cursou as primeiras letras na escola particular de dona Zizi Cabral. Depois, aos dez anos de idade, é
admitido na escola mais importante do estado, o Ateneu Sergipense. Aos quinze anos, Amando Fontes começou
a trabalhar como revisor do jornal Diário da Manhã, em Aracaju. Mais tarde, ele viaja pelo país. Em 1919,
seguiu para o Rio de Janeiro, onde se matriculou na Escola Nacional de Medicina. Foi ai que frequentou a roda
literária, que, inclusive, Jackson de Figueiredo participava. Por motivo de doença, Amando Fontes abandonou o
curso, e retornou para Sergipe. Mas, após da Revolução de 1930, ele volta-se novamente para o Rio de Janeiro,
onde se dedicou à advocacia, e retomou a escrita sobre “Os Corumbas” – livro que foi publicado em 1933, e que
foi bem recebido pela crítica. Em 1937, escreveu “Rua do Siriri” que foi publicado em fins desse mesmo ano.
Amando Fontes morreu em 01 de dezembro de 1967. Deixou um romance quase pronto, cujo nome era “O
deputado Santos Lima”, que iria retratar os últimos anos da República Velha. Texto adaptado de FONTES,
Amando. Dados biobibliográficos do autor. In: Os Corumbas. 25ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003, p. 05-
08.
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venéreos. Esse era um lugar frequentado por homens que iam se divertir com as mulheres,
onde o sexo e a bebida aconteciam demasiadamente.
Os dois livros são complementares porque são produções que visam criticar a
sociedade excludente aracajuana. O autor trabalha não com pessoas pertencentes às elites,
mas sim com os grupos populares. Os operários e as prostitutas ganham destaque e começam
a fazer parte de produções literárias. Esses grupos marginalizados são percebidos e
compreendidos por intelectuais sergipanos, que acreditam na importância deles para a
construção da cultura local.
Amando Fontes está imerso em um momento de grande transformação da
literatura, onde houve uma quebra do formalismo para algo mais dinâmico do texto. Tanto
que, ao ler, “Os Corumbas” percebe-se o uso de uma linguagem mais popular e que não segue
tanto o padrão de um estilo de escrita mais formal. Nos anos 1930, a literatura voltou-se para
as questões sociais, abordando temas que propiciassem questionamentos sobre as condições
de vida dos próprios brasileiros. Nisso, o Romance Industrial vai fazer presença marcante e
irá tratar das condições oriundas do progresso, da industrialização. Maria Ivonete Santos Silva
(1991) que “sobre esta realidade, o Romance Industrial vai tratar mais detalhadamente,
explorando a contraditória visão de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, remetendo a
discussão para questão do Ser na sociedade” (p. 26). A literatura estava a serviço do Ser, ou
seja, do indivíduo e os seus sentimentos, dilemas. Poderíamos dizer que a literatura seria
então um mero reflexo das questões sociais.
Ora, se a literatura vai “beber” da vida, da realidade social, logo os romances
buscam algo mais verossímil. A ficção, entendida como criação de um enredo e os
personagens, vai tentar buscar um caráter mais real, que se aproxima mais com a sociedade
em si. Amando Fontes conseguiu fazer isso muito bem, tanto que nos seus livros faz “uma
espécie de síntese daquilo que, na época, era a prática dos intelectuais, ou seja, dar ao texto
literário, ficcional, um caráter histórico. Ele reuniu os ingredientes ficção + ensaio histórico
na fórmula do Romance Industrial. E o resultado foi político.” (SILVA, 1991, p. 28. Grifo
presente no original). Devido ao caráter do ensaio histórico, a obra “Os Corumbas” foi
escolhida como fonte para se entender o dia a dia das mulheres operárias em Aracaju. O livro,
apesar de ser literatura, logo entendida como ficção, possui aspectos históricos que
representam a sociedade fabril do início do século XX. Amando Fontes é um produto do seu
tempo e ele o retratou em suas obras.
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A literatura é importante para o historiador porque ela representa o “espírito” do
seu autor. Todo romance, ou mesmo poesia, é fruto de um tempo, que é o momento social do
escritor. A literatura se comporta como qualquer documento, na medida em que tenta
responder as indagações do historiador. Essas indagações revelam coisas que, em outra fonte,
talvez fosse muito difícil de conseguir. As sensibilidades, os dilemas, medos e angústias, a
alimentação, o vestuário, os hábitos, em geral, o cotidiano de uma sociedade aparece com
mais concretude na literatura.
A historiadora Sandra Jatahy Pesavento (2005) é enfática em afirmar que “a
literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo pelo qual as
pessoas pensavam o mundo, a si próprios, quais os valores que guiavam seus passos, quais os
preconceitos, medos e sonhos. Ela dá a ver sensibilidades, perfis, valores” (p. 82).
Ao historiador conta é perceber não apenas o tempo da narrativa (o tempo em que
os personagens estão no romance), mas também o momento em que a obra foi produzida. Por
exemplo: um romance que se ambienta no futuro terá aspectos que condiz com a sociedade
atual do escritor ou mesmo aquilo que ele espera que, no futuro, o seu mundo se torne.
Independentemente do tempo da narrativa, o escritor fará questão de colocar as suas
concepções, sua cosmovisão, da sociedade no qual está inserido. Amando Fontes se espelhou
ao seu redor, que mostra a exclusão dos grupos populares por uma sociedade capitalista, e o
transportou para as suas obras literárias. Ele fez uma espécie de estetização do real, isto é,
transformou valores de sua época em literatura.
Enfim, por isso, é que Amando Fontes torna-se relevante para adentramos nas
fábricas sergipanas. Poderia ter sido utilizado aqui outros documentos, mas optou-se pela
literatura em prosa porque ela incita aspectos que mostram uma visão negativa da relação
entre mulheres e fábricas. O título do artigo sugere isso: quer-se buscar como Amando Fontes
representou as mulheres operárias na sua obra. Qual foi a imagem que ele, possivelmente,
projetou para o leitor? Tanto a literatura, quanto a história, fabrica, decerto manipula, e
projeta sentido para o leitor. Este último não é passivo e se “envolve” com o livro; faz
questionamentos, interpreta de um jeito que, inclusive, difere do que o autor tinha imaginado.
Sendo assim, Amando Fontes apresenta uma determinada imagem, visão, em sua obra e que
tenta passar ao seu leitor. Nota-se que a visão passada pelo romance é uma crítica à sociedade
fabril e masculinizada, onde as mulheres são “sufocadas”. Além disso, elas aparecem como
frágeis e repletas de ilusões, e que, ao final, sucumbem aos encantos dos homens. Enfim, as
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mulheres são postas em uma imagem negativa, pois isso é um argumento para se explicar o
contexto da época em que o escritor sergipano estava inserido. Ele trabalha com mulheres
sofredoras, das classes populares, que tentavam reproduzir o ideal burguês de ser: como,
primeiramente, se casar, e depois ser uma boa dona de casa. Só que, as mulheres operárias
não se conjugavam nesse ideal; aliás, elas parecem que estavam bem longe disso: as filhas de
Geraldo e de Sá Josefa ou morrem, ou tornam-se amante de um homem casado que lhe dá
casa e comida, ou, o mais triste, serão prostitutas e vão morar no Siriri.
A realidade das operárias não era tão boa assim. Elas tinham que produzir
bastante e sofria também com os assédios dos homens, “colegas” de profissão. Para entender
isso, iremos agora “mergulhar” na obra “Os Corumbas” de Amando Fontes. Privilegiaremos
aqui, dentro de vários aspectos, as operárias. E, mesmo assim, não esgotaremos, para um
artigo, o entendimento da vida das mulheres do início do século XX.
Fábricas, sociedade masculinizada e mulheres.
A mulher tinha um destino traçado por uma sociedade em que havia o predomínio
masculino. Ela tinha que se tornar uma dona de casa e, além de cuidar dos seus filhos,
também tinha responsabilidades com o seu marido, que, esse sim, deveria ir trabalhar e trazer
algum dinheiro para o sustento mensal da família. O homem tinha a função de ganhar um
digno salário, enquanto que a mulher seria a administradora desse dinheiro; ela seria uma
responsável em manter o lar em perfeita ordem e cuidar para que nada faltasse. Então, a casa
era uma espécie de trabalho não-assalariado da mulher. Esse modelo ideal era proposto, e em
algumas vezes imposto, por uma sociedade burguesa que se dizia a representante dos bons
costumes e que buscava um equilíbrio na sociedade. Margareth Rago (1985) coloca que:
A promoção de um novo modelo de feminilidade, a esposa-dona-de-casa-mãe-de-
família, e uma preocupação especial com a infância, percebida como riqueza em
potencial da nação, constituíram as peças mestras deste jogo de agenciamento das
relações intra-familiares. À mulher cabia, agora, atentar para os mínimos detalhes da
vida cotidiana de cada um dos membros da família, vigiar seus horários, estar a par
de todos os pequenos fatos do dia-a-dia, prevenir a emergência de qualquer sinal da
doença ou do desvio. (RAGO, 1985, p. 62).
Entretanto, esse modelo vai sofrer ruptura porque uma economia começa a
despontar e muda a sociedade em alguns aspectos: as fábricas dão um novo ritmo para o
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mundo, que agora se torna mais rápido – pois é preciso produzir muita coisa em pouco tempo
-, e também precisa de muita mão de obra. As mulheres, principalmente dos grupos mais
populares, vão fazer parte do mundo das fábricas. A historiadora francesa Michelle Perrot
(2012) afirma que “foi a industrialização que colocou a questão do trabalho das mulheres” (p.
119). Nota-se que as mulheres pobres serão mais afetadas pela industrialização, pois o salário
do seu esposo é irrisório e faz com que a família viva em estado, muitas vezes, de miséria;
logo a mulher tem que também trabalhar, mas sem deixar as tarefas do lar, e participar da
produção nas fábricas. A burguesa, como tem um marido que a sustenta, ainda continua no lar
e cuidando dos seus filhos.
Em Sergipe, as fábricas eram uma grande oportunidade de trabalho para as
mulheres. Tanto que muitas delas serão parte do corpo de funcionários e, logo, superam os
homens quantitativamente. Frederico Lisboa Romão (2000) aponta que “o maior percentual
de trabalhadores das fábricas têxteis foi sempre de mulheres e crianças, isso se inicia no
século passado [século XIX]” (p. 97). A mão de obra feminina era pouco valorizada e, com
isso, as operárias recebiam um salário inferior ao dos homens. Os donos de fábricas notava
isso como uma oportunidade de poder contar com o maior número de funcionários e assim
aumentar a produção, e pagando baixos salários. Sendo assim, o seu lucro, ao final da
produção, seria enorme.
A fábrica era percebida como o último lugar que a mulher deveria trabalhar; só se
fosse um caso de extrema urgência. Essa concepção vai ser retratada na obra “Os Corumbas”,
de Amando Fontes. Geraldo trabalhava na fábrica, mas a sua mulher Sá Josefa era dona de
casa. Ela é descrita sendo “alta e magra. O rosto, com alguns sulcos profundos, era de uma
palidez embaçada. Costumava dizer que tinha ficado assim depois das febres” (FONTES,
2003, p. 34). Sá Josefa era dona de casa e estava sempre atenta nos cuidados da casa e dos
seus filhos, para que não fizessem coisas que pudessem provocar olhares tortos dos vizinhos.
O sudoeste soprou mais forte, açoitando a chuva por entre as frestas do telhado.
Então, a mulher abriu os olhos, distendeu os braços e as pernas, e murmurou, num
bocejo:
- Santo Deus! Ainda chove! Como não devem estar essas ruas?…
Permaneceu ainda uns momentos estirada sobre a enxerga. De repente, lembrando-
se das mil ocupações que a esperavam, levantou-se às carreiras, falando consigo
mesma:
- Virgem Maria! É de hoje que o relógio deu quatro horas!… Deixe-me fazer o café,
para acordar o pessoal.
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Apanhou do chão a caixa de fósforos e acendeu o pavio de algodão do alcoviteiro.
Uma luz mortiça espalhou-se pelo quarto, mobiliado apenas pela cama de pinho sem
verniz, uma cadeira de peroba mal lavrada, e, a um canto, o baú de folha-de-
flandres, pintado de verde, com florzinhas amarelas (FONTES, 2003, p. 34).
Sá Josefa é retratada como uma boa dona de casa e que se preocupa em manter o
lar em perfeita sintonia. Ela é descrita como tendo “mil ocupações” para fazer, e nisso, não
pode ficar muito tempo dormindo ou mesmo parada. O lar é entendido como um lugar de
trabalho que não gera salário. É um local que, decerto, “aprisiona” as mulheres e faz com que
não tenham outras ocupações: como um emprego nas fábricas, tempo de conversar com as
vizinhas ou mesmo de lazer, pois o lar “aprisiona” a mulher com tarefas que parecem não
cessar. Se caso ocorrer um rendimento mensal insuficiente, a mulher poderia ir trabalhar nas
fábricas; mas que, desde logo, ela não poderia largar as tarefas domésticas. Michelle Perrot
(2012) afirma que “o caráter doméstico marca todo o trabalho feminino: a mulher é sempre
uma dona de casa” (p. 114-115). Mesmo sendo operárias, as mulheres deveriam ter que tomar
conta da casa e limpá-la constantemente. Ao homem não cabe esse tipo de tarefa, mas sim se
preocupar em trazer o dinheiro. Sá Josefa reproduzia muito isso: ela ficava em casa, enquanto
que o seu marido Geraldo era vigia noturno da fábrica Sergipana.
Sá Josefa e Geraldo tinham um menino, chamado de Pedro, que tendia mais para
as ideias revoltosas e criticava o sistema fabril, e mais quatro meninas, que eram Albertina,
Rosenda, Bela e Caçulinha. Todas serão marcadas por infortúnios da sociedade. Comecemos
primeiro pela rápida história de Bela. Ela era descrita como “a penúltima das irmãs,
palidazinha e raquítica, sempre atacada de doenças” (FONTES, 2003, p. 39). A menina é
frágil e passa o tempo inteiro deitada na cama. Sua saúde vai piorando cada vez mais:
Vida que não se modificava era a de Bela. Uma semana melhor; outra pior. Quando
não assaltava o reumatismo, uma gripe insidiosa perseguia-a
- Essa menina, assim, não vai longe, não – dizia às vezes a velha para o marido –
Estou vendo a hora de tirar ela da escola. O que é que ela pode aprender, faltando
tanto assim com a doençada? Só faz gastar sapato e um vestidinho mais de jeito…
(FONTES, 2003, p. 86).
Bela representa a extremidade de uma mulher, pois ela sempre aparece doente e,
por isso, é muito frágil. Não é uma força produtiva, mas, ao contrário, gera muitas despesas
para a família. Os gastos com os remédios são altos para uma família que nem sequer tem
uma digna casa. Sá Josefa não acredita muito que Bela melhorasse de vida. Já Geraldo sofria
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calado e tinha pouca atitude. A sua esposa era o pilar: ela também sofria, é óbvio, mas, como
sabia da triste realidade social, tentava manter-se forte para enfrentar os problemas. Os papéis
aqui são invertidos: Sá Josefa adquire uma compleição mais dura, mais forte, e é pouco
sentimental, pois está mais preocupada em enfrentar as dificuldades e fazer com que a vida de
suas filhas não se torne fofoca na vizinhança; enquanto que Geraldo é mais calado, aquele
quem cede mais.
A morte de bela causou pouca emoção, pois já era algo esperado:
Num domingo, afinal, enquanto os outros jantavam, ela expirou. Não deu um
gemido, não teve um arquejo mais forte. E parecia dormir um sono calmo, a
expressão doce, os olhos e os lábios entreabertos.
Assomando à porta do quarto, Sá Josefa espantou-se de vê-la tão quieta. Correu até
junto dela. Apalpou-a. Estava fria. Então, a velha chamou pelo marido:
- Geraldo, vem cá. Depressa! Vem ver uma coisa…
E, quando ele se aproximou:
- Espie. Parece que morreu…
Houve lágrimas. Mas foi uma dor tranquila, sem lamentações nem desesperos.
Sentiam, mesmo, uma espécie de alívio. Não tanto por causa deles. Mais pela que se
fora, pois descansara, afinal. (FONTES, 2003, p. 149).
Outra personagem, que também tem um destino triste, é Rosenda. Ela era
preguiçosa e pessimista. Reclamava da sua situação precária de vida e entrava constantemente
em conflito com a sua família devido a isso. Ela começa a namorar Inácio dos Santos, um
“mulato disfarçado, de compleição hercúlea, altura média. Tinha os cabelos duros e crescidos,
cuidadosamente repartidos bem no meio da cabeça. Olhos baços raiados de sangue na
esclerótica; nariz grosso” (FONTES, 2003, p. 65). Essas características físicas serviam para
acentuar que a sociedade era dominada pelos homens, que aparecem descritos mais
ilusoriamente. Termos são usados para dá um aspecto de força: “cabelos duros”, “nariz
grosso”, “olhos raiados de sangue” e, finalmente, talvez o mais utópico, “compleição
hercúlea”. Só que havia a maior característica de todas: o poder da conversa. O homem
consegue manobrar a mulher, lhe promete coisas que nunca vai cumprir, ou seja, consegue
enganá-la facilmente. O capitão Inácio dos Santos vai ser transferido para Simão Dias e
Rosenda, mesmo brigando com a família, vai junto. Mas o futuro se revela algo dramático.
Ela vai ser abandonada pelo seu “grande amor”, pois ele tinha ido para Itabaiana ou para São
Paulo. Como precisava de dinheiro, Rosenda vai morar com algumas mulheres e logo começa
a se prostituir. A frase de Geraldo, quando a sua esposa lhe conta tudo, é bastante dura: “- De
mão em mão, como uma coisa aí à-toa… Pobre de minha filha!” (FONTES, 2003, p. 118).
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Não restava mais nada a fazer. Uma mulher abandonada não era vista com bons olhos na
sociedade. O amor, aqui, foi tratado como algo que gera a desgraça, mas não do homem, que
é considerado mais racional e calculista, mas sim da mulher, sentimental e sonhadora.
Os homens tinham um poder de ludibriar o sexo feminino. Além do exemplo de
Rosenda, veja-se outro mais enfático: o de Albertina. Essa última vivia mais alegre e afirmava
que não se apaixonaria. Conversando com a sua amiga Do Carmo e caminhando pela rua, e
percebendo os olhares dos homens para o seu corpo que estava todo molhado da chuva,
Albertina falava:
- Eu sou uma caricatura de bom gênio; mas com uma coisa dessas eu estouro. Vocês
já repararam? Eu só perco a paciência mode enxerimento de homem. Parece até uma
praga! No serviço são empregados, contramestres, tudo, de olho duro em cima da
gente; na rua, é essa desgraça todo dia!… Esses pinimas! Só olham pr’uma mulher
com mau sentido! Não sei, mas parece que nunca hei de me ajeitar com uns trastes
desses…
Do Carmo advertiu-a:
- Não conte tanta valentia! Um ainda há de lhe botar o barbicacho e você larga logo
essa soberba…
- Eu?! – exclamou Albertina, espalmando a mão esquerda sobre o peito.
E, já risonha:
- Pois tome nota que eu digo: Prefiro morrer no “barricão”, a deixar um bicho desses
venha a tomar conta de mim… (FONTES, 2003, p. 112-113).
Albertina é enfática na sua concepção sobre os homens. Ela já tinha sofrido
assédio na fábrica que trabalhava e, por isso, tinha formado uma concepção negativa dos
homens. Ela era operária para contribuir com o rendimento de sua família, na medida em que
era jovem e produzia várias coisas, conseguindo ganhar mais dinheiro. O seu foco era o
trabalho e não dava a mínima para os encantos dos seus pretendentes. Até que, um dia,
Albertina conhece - como disse Do Carmo -, um rapaz que “lhe botou barbicacho” e fez com
que “largasse a soberba”. Quem foi capaz de fazer isso? Foi o médico Silva Fontoura que “era
magro e alto, quase loiro, olhos azuis. Tinha o nariz pequeno e curvo; a testa ampla e luzidia.
Os malares, salientes, punham-lhe duas covas muito fundas nas bochechas. E tinha o costume
de passar a língua a cada instante sobre os lábios” (FONTES, 2003, p. 121). Além das
características físicas, tem-se, de forma curiosa, a descrição dos hábitos do médico:
O consultório do dr. Silva Fontoura ficava no bairro Industrial, nos fundos da
Farmácia Popular.
Ao largar o serviço, de tardinha, Albertina convidou Do Carmo para ir com ela até
lá. Mas a outra ponderou, num grande espanto:
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- O quê! Você tem coragem de ir falar com o Papa-Moça? Não faça isso, minha
nega. Ele é o Cão…
Albertina não tomou a sério esse conselho. E em meio a uma cascateante
gargalhada, respondeu:
- Seja tola, mulher!… Você fala como se eu inda fosse uma meninazinha de colo…
Comigo, a coisa é diferente. Se vier pra cima de mim, eu também aplico o jogo em
cima dele: um bocado de corda no começo, e, depois porta na cara…
Do Carmo riu também, acrescentando:
- Não se fie tanto assim em sua força. Dizem que o homem é danado! Sabe de reza
forte pra fazer moça cair…
Albertina persignou-se, num gesto fingido de pavor:
- Tesconjuro, Cão! Passe por longe. (FONTES, 2003, p. 121).
O homem adquire aqui outras denominações: “o papa-moça”, “Cão”, “danado”
que faz reza forte para fazer uma moça cair aos seus pés. A mulher deveria ter cuidado com os
homens, pois ele a levava para um caminho indecente. Grosso modo, poderia dizer que o mal
de uma mulher era ficar encantada ou acreditar nas falsas promessas de um rapaz. Albertina,
de início, tentou se esquivar, mas logo cedeu aos encantos do “papa-moça”. Brilhante é a
narração quando, em outro momento, Albertina vê que “era o dr. Silva Fontoura, escanchado
no seu cavalo branco e luzidio” (FONTES, 2003, p. 134). Depois da visualização do “príncipe
encantado”, a moça não resiste mais. Ela fica apaixonada e sua família percebe, pois ela muda
o seu humor. Depois de algum tempo, o casal faz sexo. Constrangida, porque o sexo deveria
ser consumado após o casamento e a mulher não deveria sentir prazer – porque, o prazer era
aliado às prostitutas -, Albertina foge com o médico. Mas logo é abandonada e vira prostituta
na Rua do Siriri que era o local (que existiu de verdade!) de meretrício.
Para finalizar os dilemas das filhas de Sá Josefa e de Geraldo, temos que analisar
agora Caçulinha. Ela era a intelectual da casa e estudava para se tornar uma professora, e
logo, ter um bom salário. A família aplicava todas as economias para que Caçulinha estudasse
e assim prosperasse:
Sentada no batente da porta do quintal, Caçulinha estudava, muito atenta, a sua
lição. Lia em voz alta, convencida de que assim decoraria mais depressa. Era uma
garota de onze anos, olhos claros, cabelos castanho-loiros, branca e rosada. Tudo
isso, e mais o acetinado de sua pele, as suas mãos finas e belas, davam-lhe certo ar
de superioridade e destaque no meio pobre em que vivia. Constituía o enlevo e a
alegria dos dois velhos. Era, mesmo, a máxima esperança deles. Porque, aquela, não
levaria a dura vida das irmãs. Arrostando sacrifícios e impossíveis, haveriam de
fazê-la normalista e professora, para ter quem lhes fosse um amparo no extremo da
velhice (FONTES, 2003, p. 46).
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A menina se destacava no meio pobre porque tinha duas principais características
que se complementavam: primeiramente, ela era dedicava aos estudos e sabia ler e fazer
cálculos, fato que a destacava onde morava; segundo, por ficar em casa estudando o dia
inteiro, Caçulinha não trabalhava nas pesadas máquinas das têxteis, como faziam as suas
irmãs, porque as suas mãos eram finas e belas, ou seja, o seu corpo não sofria com a exaustiva
jornada de uma fábrica. Ela representava o ideal de menina “pura”, intelectual, e por isso que
é descrita como sendo “a alegria dos dois velhos”.
Entretanto, com o agudo problema financeiro da família, Caçulinha terá que
trabalhar nas fábricas. É aí o início das transformações da menina: ela deixa de ser ingênua,
“pura”, “frágil”, e se torna mais forte, rígida. Enfim, deixa de ser uma menina para se tornar
uma mulher.
Os que viam Caçulinha passar para o serviço, no seu vestido simples, mas jeitoso,
quedavam, cheios de pasmo. Porque, despido o uniforme de aluna, que a tomava
menina, de repente surgira uma mulher forte e bela.
Fizera quinze anos inda há pouco. Mas a sua estatura ultrapassava já o porte médio.
Tinha pernas longas e cheias. Ancas fortes. Colo alto, sem a saliência de um osso. A
boca regular. Dentes alvos e certos. Olhos grandes e claros. Cabelos castanho-
louros. A testa talvez um pouco larga.
Ela seguia sempre o seu caminho isolada de grupos, muito séria, a vista baixa. […]
(FONTES, 2003, p. 137).
Perceba a transformação de Caçulinha. Quando era estudante e intelectual, ela era
descrita com sinais físicos leves, como “olhos claros, cabelos castanho-loiros, branca e
ROSADA, suas mãos FINAS e BELAS”; contudo, quando vai para as fábricas, ela se torna
mais sedutoras, e aparece como uma “mulher forte e bela”. O autor utiliza termos para
destacar a nova fase de Caçulinha: “a estatura ultrapassava já o porte MÉDIO”, “tinha pernas
LONGAS e CHEIAS”, “ancas FORTES”, “colo ALTO”, “olhos GRANDES e claros”, “testa
talvez um pouco LARGA”. Essa descrição forte de Caçulinha estava repleta de significados,
pois agora era uma moça que trabalhava no escritório central da Sergipana, e se igualava as
demais operárias. Tanto que o seu ar de superioridade tinha dado lugar para uma mulher com
“a vista baixa”. Grosso modo, ela não era mais reconhecida pela sociedade e o sistema
começava a explorá-la. Amando Fontes mostra, ao retratar a mudança de Caçulinha, que a
fábrica é algo negativo, “grosso”, forte, e que é capaz de explorar e acabar com os sonhos das
pessoas. O infortúnio de um indivíduo é trabalhar nas fábricas.
Mais madura e despertando o interesse dos homens, a filha mais nova de Sá
Josefa e de Geraldo vai logo arranjar um pretendente: o sargento Zeca, “um jovem militar,
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moreno, forte e insinuante […]” (FONTES, 2003, 155). Quando eles começam a namorar,
tudo ocorre perfeitamente. Zeca e Caçulinha namoram na porta da casa dela. A sociedade não
fica abismada, pois acredita que são apenas abraços e poucos beijos – uma preparação para o
casamento. Só que, assim como as suas outras irmãs, os problemas de Caçulinha começam a
aparecer depois que ela tem relações sexuais com o seu namorado.
[…] Ficaram em casa da bordadeira apenas uns minutos e logo regressaram, para
alcançar a volta do veículo. Como, porém, este tardasse, foram andando lentamente,
a conversar, até a Rua da Estância. Aí, sargento Zeca parou e disse para a noiva:
- E que tal, Caçulinha, se você fosse até lá em casa? É aqui, pertinho. Tinha vontade
que você visse a louça que eu comprei…
- Eu também tinha, Zeca. Mas já é tarde…
- Que tarde! É só um instante… A gente entra e sai logo. Ela ponderou, ainda
hesitante.
- Sei… Era bom… Tem gente lá?
- Tem, sim. A cozinheira só saí depois da janta. A propósito: ela reclama todo o dia,
porque ainda não lhe conhece. Agora, vai chegar a ocasião… Vamos, não é?
- Vamos… Mas olhe: Eu não posso demorar. Apenas uns cinco a dez minutos. Já está
ficando tarde…
E quando, à noitinha, volveram à mesma esquina, para aguardar de novo o bonde,
Caçulinha chorava sem parar, o rosto escondido no seu pequeno lenço de algodão
(FONTES, 2003, p. 200-201).
Os namorados tinham feito sexo. Essa situação vai gerar consequências sérias
para a vida de Caçulinha. Formada por uma sociedade que percebia a virgindade como algo
puro, quiçá santo, a menina chorava muito e tinha medo de que os seus pais descobrissem que
ela não era mais virgem. Enquanto Caçulinha fica preocupada, o seu namorado acha a coisa
mais normal: os homens frequentavam o cabaré, e perdiam a sua virgindade através das
prostitutas que seriam responsáveis por iniciar os meninos na vida sexual; então, a virgindade
masculina não servia como um questionamento da sociedade, pois não tinha um representante
para se seguir, como, a eterna virgem Maria, no caso das mulheres. O papel das meninas era
esperar o seu “príncipe encantado”, estudar - para algumas privilegiadas-, namorar, se casar, e
por último, se tornar dona de casa e cuidar dos filhos e do marido. Isso seria a vida de
Caçulinha, que, inclusive, era o desejo de seus pais. Mas vai ocorrer uma quebra: o momento
em que ela pula as etapas, isto é, quando faz sexo antes do casamento. A sociedade, se caso
soubesse, a julgaria e a acusaria: tanto que, a menina será expulsa da fábrica onde trabalha. E
é por isso que ela tem tanto medo e quer logo se casar. Então, começa a pressionar Zeca pra
preparar o casamento. Só que ele vai desistir: os seus amigos diziam que não seria bom ele se
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casar com uma mulher deflorada, e também havia a família de Zeca que não queria o
casamento porque Caçulinha era pobre. O noivado chega ao fim.
Sá Josefa, sabendo de tudo, vai até a delegacia e denuncia Zeca que é preso, mas
como vinha de uma família rica, logo é solto. Na delegacia, um chefe político do interior,
Gustavo de Oliveira, se apaixona por Caçulinha. Tempos mais tarde, ele começa a frequentar
a casa dela e lhe faz uma proposta: oferece-lhe casa, roupa, comida, enfim, daria luxo para a
menina. Como não era mais virgem e, possivelmente, não se casaria nunca mais, Caçulinha
resolve aceitar o convite e se torna amante de Gustavo de Oliveira. Fisicamente, ele é descrito
de maneira pouco aprazível: “era um homem gordo e calvo, mais alto do que baixo, rosto
vermelho e luzidio, aparentando bem quarenta anos” (FONTES, 2003, p. 219);
financeiramente, as suas características melhoram: “chefe político de incontestável prestígio
num município do sertão, andava sempre ligado a todos os governos, disputando vantagens e
favores […] possuía palacetes na capital e no sertão, cavalos finos, automóveis” (FONTES,
2003, p. 219). Caçulinha não tinha encontrado o seu “príncipe encantado”, mas ganhou uma
vida boa, pois tinha casa e também uma empregada chamada de Maria. Em uma sociedade
fabril, poucas eram as pessoas que conseguiam ter luxo. A grande maioria tinha que trabalhar
nas fábricas e se sujeitar aos inúmeros problemas. A filha mais nova de Sá Josefa e de
Geraldo teve, digamos no sentido material, sorte. Ela não mais trabalharia nas fábricas e
poderia ficar em casa.
Caçulinha tinha se tornado amante de Gustavo de Oliveira, pois ele era um
homem casado. Mas, como a menina não era mais “pura”, teve que deixar o orgulho de lado
para que desfrutasse de uma vida boa. Os vizinhos iriam achar isso algo indecente,
pecaminoso. Entretanto, que outra forma Caçulinha teria luxo? Eis o destino talvez trágico da
menina. Ela, enfim, resolve morar e se tornar amante de Gustavo de Oliveira.
As mulheres da família Corumbas sofreram com os infortúnios da sociedade fabril
aracajuana. Foram exploradas e não conseguiram realizar os seus sonhos. Com isso, percebe-
se que a fábrica, antes vista como algo bom e que lembra o progresso, de fato esconde alguns
problemas que afetam, principalmente, os mais pobres. Sá Josefa e Geraldo resolvem voltar
para o interior, pois na capital só tinham tido dificuldades: “Era noite fechada. Todas as luzes
estavam acesas. Na estação, um apito estridente deu a ordem de partida. A locomotiva
resfolegou, silvou forte, e o trem começou a deslocar-se, em marcha lenta” (FONTES, 2003,
p. 238). Os dois deixaram Aracaju para trás, bem como as suas filhas que tinham se perdido.
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As fábricas ainda continuaram por muito tempo. Outras mulheres foram tentar a
vida como operárias, e, talvez, também foram subjugadas pelo sistema. Porque, a fábrica não
era um lugar para a mulher trabalhar, pois havia o ideal de uma sociedade burguesa que queria
impor suas crenças e condutas para todas as pessoas.
A imagem que o romance “Os Corumbas” tenta mostrar é a de que a sociedade
fabril, aliada ao ideal de progresso e de modernidade, também tem problemas e que as
mulheres são julgadas e muitas vezes punidas. Logo, Amando Fontes, ao voltar-se para os
grupos populares, percebe que o mundo fabril traz problemas para a grande massa da
população, que são os que mais sofrem e que são subjugados.
Conclusão
O objetivo do artigo foi analisar como as mulheres operárias são retratadas no
romance “Os Corumbas”, de Amando Fontes. Percebe-se que a fábrica não é o local adequado
para que as mulheres trabalhem, pois podiam sofrer assédio sexual e moral dos homens. Além
disso, elas eram vistas como frágeis e que tinham que manter a sua virgindade. O casamento
era a finalidade de muitas mulheres. Tinham que encontrar um homem que a levasse até o
altar e lhe desse uma boa vida. Entretanto, os homens aparecem mais como galanteadores que
gostam de iludir as meninas. Eles são os responsáveis pelos problemas delas. Prometem
coisas, que, muitas vezes, não cumprem.
A conclusão que chegamos é a de que as mulheres, retratada por Amando Fontes,
sofreram por se iludirem e cederem aos encantos masculinos. Elas tinham que reproduzir um
ideal de uma mulher semelhante a virgem Maria. Mas que - como não conseguiram ser assim
-, elas foram condenadas. Enfim, a mulher, dentro de uma sociedade que tinha como
economia a produção têxtil, era percebida através de olhares negativos. Fábrica e problemas
femininos não estão dissociados.
Referências Básicas
FONTES, Amando. Os Corumbas. 25ºed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
FONTES, Amando. Rua do Siriry. Rio de Janeiro: José Olympio Editora. 1937.
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SILVA LIMA, Jackson Da. História da Literatura Sergipana. V. 01. Aracaju: Livraria
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PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. 2ed. São Paulo: Contexto, 2012.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica,
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RAGO, Luzia Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-
1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos Brasileiros, v.90), 1985.
ROMÃO, Frederico Lisboa. Na trama da história: O movimento operário de Sergipe – 1871
a 1935. Aracaju: Gráfica J. Andrade Ldta. 2000.
SILVA, Maria Ivonete Santos. Romance Industrial: aspectos históricos e sociológicos da
obra de Amando Fontes. Brasília: Fundação Universidade de Brasília. Aracaju: governo do
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