a imaginação na psicologia de william james

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Instituto de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia Estudos Avançados em Processos Cognitivos II Professora: Virgínia Kastrup Alunos: Flávio Vieira Curvello e Rômulo Ballestê Data: 29/04/13 A Imaginação na Psicologia de William James O presente trabalho tem por interesse compreender o conceito de imaginação empregado por William James no Capítulo XVIII de seus Principles of Psychology, propondo-se resumir a argumentação do pensador nesta passagem específica da obra e tecer algumas poucas observações críticas acerca dela. A estrutura da exposição de James é basicamente a seguinte: (1) ele nos oferece inicialmente uma definição de imaginação, a qual insere claramente esta possibilidade de experiência em um paradigma representacional e empirista; (2) realiza uma avaliação de nossas idéias gerais e da vaguidade que acompanha o seu surgimento à nossa experiência; (3) examina as conseqüências teóricas da pesquisa científica de caráter comparativo e descritivo para as discussões acerca da imaginação, afirmando a distância do fenômeno imaginário concreto em relação à hipótese de uma faculdade universal; e (4) realiza o exame do substrato neuronal para a imaginação.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Cincias Humanas

Instituto de Psicologia

Programa de Ps-Graduao em Psicologia

Estudos Avanados em Processos Cognitivos II

Professora: Virgnia KastrupAlunos:Flvio Vieira Curvello e Rmulo BallestData:

29/04/13

A Imaginao na Psicologia de William JamesO presente trabalho tem por interesse compreender o conceito de imaginao empregado por William James no Captulo XVIII de seus Principles of Psychology, propondo-se resumir a argumentao do pensador nesta passagem especfica da obra e tecer algumas poucas observaes crticas acerca dela. A estrutura da exposio de James basicamente a seguinte: (1) ele nos oferece inicialmente uma definio de imaginao, a qual insere claramente esta possibilidade de experincia em um paradigma representacional e empirista; (2) realiza uma avaliao de nossas idias gerais e da vaguidade que acompanha o seu surgimento nossa experincia; (3) examina as conseqncias tericas da pesquisa cientfica de carter comparativo e descritivo para as discusses acerca da imaginao, afirmando a distncia do fenmeno imaginrio concreto em relao hiptese de uma faculdade universal; e (4) realiza o exame do substrato neuronal para a imaginao.

1. A definio de imaginao:A primeira afirmao feita por James quando ele intenta oferecer uma definio da imaginao a de que as sensaes, uma vez experimentadas, so capazes de produzir uma espcie de modificao na parte nervosa do organismo que possibilita o ressurgimento de cpias daquelas sensaes mente (mind) aps o estmulo original ter desvanecido. Estas cpias mentais no teriam condies de aparecer nossa experincia se no tivessem origem na excitao de nosso organismo por um estmulo daquela natureza i.e., um estmulo exterior, adventcio , no sendo nunca um contedo espontaneamente produzido pelo organismo ou por qualquer outra instncia interior. A imagem deixada por uma sensao deve ser sempre algo que nos sobrevm, portanto, e nunca algo que encontra em ns o seu principio explicativo mais original.

Buscando ilustrar isto por meio de exemplos patolgicos, James afirma que um homem que tenha sido privado em vida de um de seus sentidos pode sonhar, aps ter adquirido a deficincia, com os contedos prprios ao sentido de que fora privado, ao passo que um homem que tenha tal incapacidade como algo congnito, no o pode de forma alguma. A mente, em um caso, teria retido em si as marcas de uma possibilidade de experincia que, no importa h quanto tempo no possa mais ocorrer, perfaz ainda a condio suficiente para a formao de imagens. Em outro caso, ela simplesmente no pode formar estas imagens por no ter tido o tipo especfico de acesso ao mundo exterior que produz, para ela, as sensaes especficas que devem estar na base das imagens a serem formadas. Podemos ainda dizer: no primeiro caso, estaria perdida a possibilidade de se gerar novos dados perceptuais daquela natureza, mas os antigos ainda assegurariam a possibilidade de imaginar; no segundo, a impossibilidade categrica de gerar mesmo as mais simples sensaes impediria qualquer experincia diretamente dependente de sensao no que est irremediavelmente perdida a imaginao. Estas constataes corroborariam, segundo James, o conhecido postulado de Locke, segundo o qual a mente no podem estabelecer para si nenhuma nova idia, sendo apenas um receptculo de contedos de origem adversa.

Aps a breve definio e a sua ilustrao, o ltimo passo do pensador consiste em afirmar que, no interior da imaginao, podemos encontrar basicamente dois tipos de atividade distintos: (1) uma atividade reprodutiva, que nos oferece cpias literais das sensaes antes dadas, recriando na experincia um mesmo conjunto de contedos que nos fora perceptivamente dado em um primeiro momento; e (2) uma atividade produtiva, que estrutura novas totalidades a partir de elementos sensoriais originariamente pertencentes a totalidades diferentes. Trata-se, neste segundo momento, de um poder mais ativo e arbitrariamente orientado da imaginao, o qual nos permite conceber alteraes qualitativas em objetos que realmente so de uma dada maneira ou mesmo produzir objetos completamente fantasiosos e impossveis nossa percepo.

Sendo basicamente estas as afirmaes iniciais do autor, parece-nos possvel dizer que as suas teses centrais se resumem a: (1) tomar a imaginao por uma atividade basicamente representativa, na medida em que consiste na re-apresentao, sob a marca da inatualidade, de um estmulo que fora, a seu tempo, atual; (2) priorizar a origem exterior do estmulo que se encontra na origem da sensao, negligenciando inicialmente os estmulos endgenos i.e., estmulos que se devem exclusivamente ao prprio funcionamento do organismo, no consistindo em caractersticas de sua relao com o mundo, mas sim consigo mesmo; (3) entender a formao de imagens como estritamente dependente de afeces sensveis simples, no podendo informar mente nada, em termos de contedo, que no tenha sido explicitamente presente nestas mesmas afeces; e, por fim, (4) considerar que o princpio pelo qual a prpria imaginao possvel consiste no fato das sensaes deixarem uma espcie de rastro em nosso organismo, alterando-o e permitindo-o guardar qualidades sensveis para seu posterior retorno conscincia. James nos parece, assim, defensor de um representacionismo calado no meio como fonte nica para os contedos mentais e no organismo como agente nico de reteno destes contedos. No nos pareceria inadequado, portanto, entender que a sua concepo de imaginao, alm de representacionista, profundamente empirista e fisicalista.

2. As relaes entre idias abstratas e imagens vagas:

A caracterizao inicial da imaginao por James seguida pelo breve comentrio de um fenmeno especfico que deve ser distinguido do fenmeno imaginrio propriamente dito, a saber, aquele da apreenso de imagens consecutivas, as quais seriam mais adequadamente compreendidas atravs da sensao. Este fenmeno ilustrado por meio de uma longa passagem de Huxley, na qual descrita a experincia de um observador perante o qual as fotos dos rostos de seis irms so apresentadas em rpida sucesso, de modo que a impresso do observador uma espcie composio de sensaes que retm os pontos em que as seis irms so similares e negligencia os pontos em que diferem, produzindo o retrato genrico das seis em oposio ao especfico de uma (p. 678). No entendimento de Huxley, h uma clara incompletude nas idias assim geradas, uma vez que se originam pela seleo de certos contedos e pela concomitante rejeio de outros dados em nossas impresses. As idias resultantes, portanto, no so cpias efetivas das sries de impresses. Desta maneira, quando uma idia complexa ocorre a partir de um conjunto de experincias prvias realmente extenso, de modo que possamos entender a idia complexa como uma idia geral ou abstrata, induzida a partir das experincias prvias, o que ocorre, no entendimento de Huxley, que no temos tanto um conceito ou uma compreenso pura, realmente representativa das notas caractersticas comuns a todas as experincia pontuais anteriores, mas sim (...) uma idia particular anexa a certo termo que lhe d uma significao extensiva, fazendo-a recair, ocasionalmente, sobre objetos similares a ela. (p. 678). justamente aps o recurso obra deste psiclogo que James assume um outro interlocutor a saber, Taine e introduz as suas prprias concepes acerca das relaes entre idias abstratas e imagens vagas, a qual tem incio j em seu recuo crtico perante a identificao de Huxley entre imagens abstratas e idias abstratas ou gerais no sentido de concepes universais (p. 679). De acordo com James, uma imagem indistinta um fato mental to simples quanto uma imagem clara e a adoo de uma ou outra para representar uma classe ou grupo de idias possveis algo que exige da conscincia uma outra atividade inteiramente diferente daquela pela qual reconhece ser uma idia clara ou no. Isto quer dizer: uma coisa avaliar a clareza caracterstica do aparecimento de um determinado contedo conscincia; outra ser capaz de eleger este contedo como o representante de n outros contedos. Para cada uma destas possibilidades, assegura James, h uma atividade consciente distinta, e o que caracteriza efetivamente a relao de representao de um conjunto de contedos por um s contedo basicamente o sentido afirmado na vinculao entre estas duas instncias: A significao uma funo da parte mais transitiva da conscincia, a franja de relaes que sentimos rodeando a imagem, seja esta clara ou confusa. (p. 679; grifo nosso). O que James faz, deste modo, destrinchar em duas atividades essencialmente disjuntas o que antes era entendido como uma s atividade; reconhecer as funes bsicas prprias a cada uma daquelas atividades; e afirmar que as relaes que vinculam a idia que acompanha um conjunto de idias ao prprio conjunto de idias so, em verdade, relaes de sentido. Como considera que esta argumentao foi devidamente exposta em outra passagem de seus Principles, o autor nos deixa sem uma noo mais sistemtica de como compreende cada etapa deste procedimento.

3. Psicologia comparativa da imaginao e crtica idia de faculdade:Um outro ponto relevante da exposio geral de James a sua afirmao de que certos avanos da pesquisa cientfica teriam permitido desbancar a perspectiva filosfica clssica de que as nossas mentes possuiriam algo de universal, cuja descrio nos permitiria estabelecer proposies vlidas acerca da estrutura e das condies de operao de todas as mentes em particular algo como uma mente humana tpica, a partir da qual poderamos, e.g., falar na imaginao em sua mxima generalidade, cujos critrios definiriam tanto o meu horizonte de experincias imaginrias quanto o de quaisquer outros indivduos. Tais pesquisas mostrariam com clareza, diz-nos o autor, que no h nada como uma imaginao universal a imaginao , mas sim imaginaes, no plural. No se trata apenas de entender que o processo psquico marcado por idiossincrasias em seu aspecto mais concreto, mas sim que os prprios desdobramentos do processo, o curso fundamental de suas operaes, o quanto ele se apia em outras modalidades de experincia e em quais modalidades ele o faz enfim, uma ampla gama de caractersticas que definem precisamente o que o processo enquanto processo, varia bastante de acordo com o caso considerado, de modo a afastar a idia de que todo evento imaginativo poderia ser reduzido a um conjunto de caracteres essenciais, incondicionalmente vlidos e atuantes. Os pesquisadores cujas contribuies para este desmonte recebem maior ateno de James so: Gustav Fechner, com os estudos comparativos oferecidos no captulo XLIV de sua Pyschophysik (1860); Francis Galton, com seus Inquiries into Human Faculty (1880); Charcot, com seus estudos sobre a afasia; Stricker, com seus experimentos sobre motilidade; e Meyer, com seu exame do tato. Consideraremos as contribuies de cada um destes autores nos sub-itens a seguir.

3.1. Gustav Fechner:

No que se refere a Fechner, os seus estudos, centrados basicamente na viso e realizados por meio da introspeco do psiclogo acerca de suas prprias experincias, procuraram comparar as imagens consecutivas pticas com as imagens de memria pticas. Fechner encontrou, dentre outros, os seguintes contrastes possveis: enquanto imagens consecutivas surgem com um contorno claro, as oriundas da memria o fazem por contornos mais confusos; enquanto aquelas apresentam durao contnua, estas surgem como imagens que invariavelmente desaparecem e devem ser reafirmadas por meio da vontade; enquanto aquelas so cpias exatas de algo mais original, estas surgem como necessariamente presas ao contexto em que primeiro se apresentaram, sendo a imaginao habilitada a manipular a imagem apenas a partir deste contexto; enquanto aquelas parecem dirigir a ateno para mais adiante do rgo sensorial, estas parecem arrast-la para (...) mais atrs do crebro (p. 681); etc. Ainda que o relato introspectivo do prprio Fechner pudesse asseverar estas caractersticas, o exame da experincia de outros indivduos, considerados pelo psiclogo em estudos posteriores, indicara resultados bastante dspares, que o persuadiram da importncia de se realizar estudos de mesmo carter, mas com um tratamento estatstico rigoroso, para que as diferenas individuais fossem adequadamente estabelecidas e compreendidas. O prprio Fechner, no entanto, no os realizou.3.2. Francis Galton:

No que se refere s contribuies de Galton, James busca deter-se um pouco mais. O esforo deste pesquisador parece mais digno de nota por ter recebido justamente este tratamento estatstico inexistente nos estudos de Fechner e por ter buscado apoiar-se especificamente no contraste das experincias individuais. Ele consistia no pedido de que seus colaboradores se imaginassem sua mesa de caf da manh, como provavelmente haviam estado na manh mesma em que eram instados a responder, e descrevessem o que lhes surgia ao esprito basicamente a partir de trs aspectos principais da imagem: (1) a iluminao, i.e., o quo clara ou escura a imagem, bem como as relaes que a sua claridade prpria estabelece com o meio em que se encontra; (2) a definio, i.e., se os objetos presentes na cena so to bem definidos quanto eram na experincia perceptiva; e (3) sua colorao, i.e., se as propriedades cromticas dos objetos so como as suas propriedades naturais ou no. Perante isto, Galton diz ter recebido uma grande quantidade de respostas imprevistas, podendo constatar, e.g., que homens de maior cultura, malgrado a crena generalizada de que poderiam oferecer descries mais cuidadas e ricas de sua experincia, so, com freqncia, fontes bastante limitadas para tal fim, ao passo que pessoas de menos instruo oferecem visualizaes mais oportunas para pesquisa. Do mesmo modo, Galton afirma que o sexo feminino parece ter maior poder imaginativo do que o masculino, bem como pessoas mais jovens do que as mais velhas. Ainda algumas diferenas culturais so sugeridas, como no caso dos franceses, que teriam um poder mais acentuado de visualizao que outras culturas, o que poderia transparecer no apenas em seu senso esttico, mas tambm em expresses como figurez vous, que significaria o imperativo imagine, valendo-se, no entanto, de um termo explicitamente vinculado ao sentido da viso para comunic-lo. Um dos pontos de destaque da posio de Galton, mais do que estabelecer as variaes educacionais, sexuais, etrias e culturais mais freqentes na ocorrncia do fenmeno imaginativo, consiste em afirmar que a capacidade de imaginar visualmente (...) pode ser substituda (...) por outros modos de concepo (pp. 683 e 684). O seu exemplo inicial vinculado s sensaes de motilidade, mas, como veremos em breve, estas no so os nicos substitutos possveis para os dados visuais na experincia imaginativa. Galton afirma, neste seu primeiro exemplo, que aqueles modos de concepo estariam a tal ponto

(...) conectados com a sensibilidade motora incipiente, no apenas dos olhos, mas dos msculos em geral, que o homem que se declara inteiramente deficiente no poder de ver pinturas mentais pode, no obstante, oferecer descries anlogas ao que ns vemos e podem se expressar de outras maneiras, como se estivessem dotados de uma imaginao visual. (pp. 683 e 684)Tais possibilidades do processo imaginativo se apoiar em outros dados que no os visuais, habitualmente tomados como os seus dados timos, ser explorada mais adiante por James, sendo apenas sinalizada entre os tantos critrios indicados por Galton para concebermos as modulaes concretas da idia geral de imaginao. Antes de passar a isto, James busca comentar o fato de ter replicado o estudo de Galton acerca da imaginao de uma mesa de caf da manh entre alguns de seus alunos de psicologia, tendo encontrado resultados similares. Ele escolhe dois exemplos para nos oferecer uma ilustrao do quo dspares podem ser estas capacidades de formar e manipular voluntariamente imagens mentais um de um aluno que possua grandes capacidades de imaginao, o outro de um aluno claramente destitudo destas capacidades. O primeiro aluno era capaz de notar a influncia de uma outra experincia atual, como a percepo efetiva de um dado objeto que se encontrasse perante ele, na qualidade da imagem mental, afirmando que esta aparecia de maneira menos distinta se ele se permitisse distrair com aquela outra forma de contemplao, bem como mais distinta se ele a evitasse e buscasse imaginar a olhos fechados. Ele era capaz de notar que o grau de clareza de cada objeto pertencente mesa poderia ser modulado de acordo com a ateno que lhe era aplicada, todos aparecendo inicialmente de maneira homognea, mas podendo sofrer considerveis incrementos de qualidade se a mente simplesmente fosse ao seu encontro e no ao de outro objeto. Ele conseguia estabelecer melhor as cores presentes nos objetos, ainda que no to bem os demais detalhes visuais que eles pudessem assumir. Conseguia, ainda, ter pleno domnio de todas as perspectivas possveis pelas quais os objetos poderiam ser descritos, fazendo-o frontal, anterior, lateral, diagonalmente ou de qualquer forma que lhe fosse sugerida. Esta capacidade ainda poderia se estender a ponto de incluir maior ou menor quantidade de detalhes do prprio ambiente em que a mesa de caf normalmente se encontra. O segundo aluno j iniciara seu relato afirmando que a sua capacidade imaginativa era deficiente e algo peculiar se comparada ao que a literatura psicolgica acerca do tema costuma afirmar. Ele se dizia incapaz de reter de maneira clara as qualidades sensveis que antes se encontravam disponveis a ele e de reorganiz-las mentalmente. Em vez disto, um fluxo de informaes pouco contnuas e nebulosas, bastante panormica e desprovida de detalhes e estabilidade, ser-lhe-ia disponvel. Deste modo, em relao mesa de caf, ele poderia oferecer descries imprecisas e bastante gerais, como a estimativa do nmero de cadeiras ou a cor predominante da toalha que cobre a mesa, mas nunca um relato detalhado e que suponha pleno domnio ideal sobre o contedo que lhe psiquicamente disponvel. As diferenas entre o que os dois processos imaginativos propriamente so bastante evidente.3.3. Charcot:

Os estudos sobre a afasia realizados por Charcot so ainda uma referncia oportuna para o estudo das diferenas individuais da imaginao, pois estabelece que em uns pacientes a imaginao ocorre de maneira predominantemente visual, ao passo que em outros, de maneira auditiva, motora ou, ainda, mista. O que ilustra bem tais possibilidades um caso clnico do psiquiatra em que um indivduo de grandes capacidades imaginativas visuais, bem como mnemnicas, viu-se privado destas aps adquirir um quadro afsico. Se antes era capaz de decorar textos extensos com brevidade apenas pela reteno mental das imagens de suas pginas, bem como descrever minuciosamente os lugares que visitava em suas viagens, as pessoas com as quais conversava, suas fisionomias etc., no momento posterior, encontrou-se sem estes recursos, tendo esquecido da imagem de sua mulher e filhos, bem como da prpria, e podendo mesmo voltar a lugares j conhecidos e surpreender-se ainda com o que via, como se o fizesse pela primeira vez. Exames oftalmolgicos mostravam que o paciente no perdera propriamente as suas capacidades perceptivas, seno pelo desenvolvimento de uma miopia intensa e por uma perda ligeira da sensibilidade s cores. Muitas das atuais incapacidades de sua imaginao visual, no entanto, passam a ser compensadas pelo sentido auditivo: o reconhecimento de um assunto que fora tratado com ele, e.g., possvel por meio da retomada das frases ouvidas, e no do que estivera visualmente disponvel; a memorizao de versos dependente de sua leitura repetidas vezes em voz alta. Por ocasio de sua afeco cerebral, o processo concreto da imaginao do paciente mudara, passando do predomnio dos dados visuais quele dos dados auditivos. a partir disto que Charcot descreve o que chama de tipo auditivo:O tipo auditivo nos parece ser mais raro que os tipos anteriores: reconhecido pelos mesmos caracteres distintivos; as pessoas deste tipo representam a si mesmas todas as suas lembranas na linguagem do som; para recordar uma lio, gravam em seu esprito, no o aspecto visual da pgina, mas o som de suas palavras. Neles, o raciocnio auditivo, como a memria; por exemplo, quando fazem uma soma mental, repetem verbalmente os nomes das cifras e somam os sons, de certo modo, sem ter uma representao do signo grfico. A imaginao toma tambm a forma auditiva. (p. 691)Este tipo, evidentemente, possvel aos processos mentais saudveis, a descrio patolgica acima servindo apenas para que a troca de tipos seja ilustrada. Alguns exemplos interessantes do tipo auditivo so oferecidos por James, como o curioso talento de um dramaturgo que criava as cenas de suas obras basicamente a partir dos sons ambientes e das conversas que elas poderiam ter. Em seu Psychology, a briefer course (1913), no entanto, encontramos dois outros exemplos particularmente elucidativos, a saber, os assombrosos feitos de msicos como Mozart, que teria sido capaz de memorizar toda uma pea musical executada na Capela Sistina em apenas duas audies, e Beethoven, que, malgrado a surdez tardia, teria ainda sido capaz de compor e executar mentalmente a ntegra de suas longas sinfonias.

3.4. Stricker:

As sensaes auditivas no seriam as nicas capazes de definir um tipo imaginativo prprio. Da mesma forma, sensaes oriundas do movimento e do tato poderiam faz-lo, configurando os outros tipos propostos por James. As percepes humanas, de acordo com o psiclogo, conteriam como elementos integrais os elementos de movimento. Poderamos encontrar facilmente a manifestao desses movimentos no caso especfico dos olhos e dos lbios. James afirmar que as operaes intelectuais de imagens derivadas do movimento constituem o tipo motor (motile). Desta maneira, na experincia ordinria de segurar uma bola nas mos, a complexa impresso da bola ser resultado das impresses pticas de toque, de ajuste muscular dos olhos, dos movimentos dos nossos dedos e das sensaes musculares envolvidas no ato mesmo de segurar uma bola. Portanto, deve-se incluir as sensaes retinais e epidrmicas para a produo da imagem da bola. Dito de outra maneira, as sensaes retinais, musculares e epidrmicas formam imagens motoras.

Esta ideia de James est em consonncia com a afirmao do professor Stricker, segundo a qual o pensamento verbal normalmente e universalmente uma representao motora. Em muitos homens, a imaginao articulatria verbal desempenha um papel predominante em detrimento da imaginao auditiva. Assim, quando se trata de um caso de uma pessoa cega, surda e muda, como o caso de Laura Bridgman, a imaginao est conferida inteiramente ao material ttil e ao material motor. Para isto, pode-se encontrar um exemplo no tratamento cirrgico para catarata: quando a pelcula que recobria o cristalino de um paciente foi retirada e foram apresentadas a ele diferentes formas geomtricas, ele no era capaz de intuir as formas geomtricas mais simples e regulares, como um quadrado ou mesmo um crculo, sem o auxlio das sensaes nas pontas de seus dedos ao tocar realmente os objetos.

William James afirma, a partir das idias de Stricker, que seria menos frutfero produzir um trabalho estatstico de ampla escala para abarcar as variaes das imaginaes acsticas, tteis e motoras.

3.5. Meyer:

As imagens tteis ou de toque seriam muito fortes em algumas pessoas, permitindo a definio do ltimo dos tipos que James visa expor. O trabalho de Meyer demonstra isto claramente quando, atravs de um esforo mental, ele capaz de despertar sensaes nas suas naturezas prolongadas e ter tais sensaes de forma vvida no prprio corpo mesmo quando foi em um outro corpo que a sensao incidiu fsica e diretamente. Como no exemplo em que um pai capaz de sentir a dor, no prprio corpo, quando o filho quebra o dedo na porta. A existncia de um vnculo intenso entre um aspecto especfico da sensibilidade e a capacidade de se produzir imagens estaria na base desta experincia, permitindo que a simples concepo do que se passa com o outro se manifesta no quadro atual da prpria conscincia. 4. O processo neural que subjaz imaginao:Aps buscar mostrar, por meio de todas as contribuies destes pesquisadores, como a imaginao pode se dar, a nvel concreto, de maneiras extremamente afastadas do que afirmavam seus modelos descritivos tradicionais, James busca fechar a sua considerao do tema por meio do exame do processo neural que acompanha a experincia imaginria. De acordo com o autor, a sensao se dissipa por correntes atravs do interior do crebro para os rgos de expresso e movimento. Se por um lado, h a persistncia e a identidade da estimulao, por outro, James se coloca uma questo acerca do caminho da corrente nervosa: qual seria o sentido da conduo da estimulao? Ou ainda: os rgos sensoriais perifricos poderiam ser excitados a partir de cima (no sentido up down) ou estariam reservados a excitaes advindas somente do exterior (no sentido down up, j amplamente admitido)? Segundo Bain, outro interlocutor que surge nesta passagem, os casos em que os rgos sensoriais perifricos so diretamente excitados em conseqncia da imaginao so muito raros e quando isto acontece o centro disparador do processo deve ser puramente cerebral. Um segundo aspecto apontado por Bain seria a diferena consciente qualitativa quase absoluta entre objetos imaginados e objetos sentidos.

Ao serem comparadas uma sensao presente e uma sensao passada, freqentemente julgamos a sensao imaginria como tendo sido mais forte. Mas isto inexplicvel, afirma James, se a imaginao simplesmente o efeito mais fraco de um processo de excitao sensorial. Segundo James, so duas as objees possveis a isto: (1) a corrente seguiria o sentido que parte do nervo ptico, como para Meyer e Fer; e (2) a dificuldade em discriminar a sensao da imaginao, por exemplo: ao escutarmos uma melodia que termina em pianissimo, isto , reduzindo a intensidade da estimulao do som at o seu desaparecimento, no temos a clareza de quando, de fato, terminou a sensao sonora, pois continua a imaginao daquele som.

Dessa maneira, James admite que a diferena entre objetos imaginados e objetos sentidos menos absoluta do que tem sido dito, e que os processos corticais que subjazem a sensao e a imaginao no so totalmente discretos. Os processos sensoriais perifricos esto ordinariamente envolvidos na imaginao. O surgimento desses processos sensoriais deve de alguma forma caminhar do crtex para a periferia (no sentido up down) e no pode ser negado dogmaticamente.

Sensaes genunas podem ser centralmente originadas, isto , podem ser produzidas pelo crtex. At o momento, o processo de imaginao no passa para o processo de sensao, o que se deve basicamente a duas razes: (1) a diferente localizao de cada processo; e (2) a diferena de intensidade em circunstncias nas quais ocupam o mesmo lugar.

Mecanicamente, a descontinuidade entre a espcie ideacional e a espcie sensorial do processo deve significar que, quando uma grande intensidade ideacional tem sido encontrada, uma ordem de resistncia se apresenta e somente uma nova ordem de fora, que a prpria corrente que vem da periferia, pode quebrar a resistncia. O efeito to violento que pode ter como resultado a desintegrao do material nervoso.

Bibliografia:

James, W. (1913) Psychology. New York: Henry Holt and Company.

James, W. (ano) Principles of Psychology. Afirmamos que esta negligncia inicial porque ela colocada de maneira bastante clara nos primeiros momentos do texto, ainda que ao final, na discusso do substrato neural prprio imaginao, James parea abrir a possibilidade de uma estimulao endgena.

Encontra-se aqui, colocada de forma ainda hipottica, a idia que poderia atenuar a posio inicial de James, segundo a qual os estmulos que se encontrariam na base do processo imaginativo deveriam ser necessariamente de origem exterior. Pela possibilidade de uma excitao cortical, que passasse dos centros nervosos periferia e atuasse diretamente na constituio dos contedos dados na experincia, temos o que parece ser uma pequena fissura na posio sumamente lockeana defendida por James no incio do texto. Isto no afirmado com contundncia, no entanto: A verdade parece ser que os casos em que os sentidos perifricos so excitados diretamente como conseqncia da imaginao so excepcionalmente raros, se que, em realidade, existem. (pp. 698 e 699). Consideramos que uma discusso sistemtica desta contrariedade escapa aos propsitos do presente trabalho, cabendo-nos apenas indic-la e salientar que o texto no parece estabelecer resposta alguma a ela.