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A IMPORTÂNCIA DA EXTENSÃO RURAL EM PEQUENAS PROPRIEDADES
E PARA FAMÍLIAS QUE DEPENDEM DA ATIVIDADE LEITEIRA
Gianlucca Rizzi1, Ezequiel Davi dos Santos2, Leonardo Dametto & João Ignácio do
Canto3
1. Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]
2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]
2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]
3. Professor do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]
RESUMO
O projeto de extensão “Agroleite: melhoria na qualidade de vida” em execução no
município de Passo Fundo, localizado no Norte do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tem
como objetivo fomentar a cadeia produtiva leiteira através de ações executadas por alunos
voluntários do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. O plano de
ação tem a orientação de um dos professores do Curso, é composto por medidas de
intervenção direta nos gargalos produtivos, difundindo conhecimento e tecnologia. As
medidas adotadas em propriedades rurais são precedidas de uma análise da realidade
socioeconômica dos assistidos, para que estas possam sejam eficazes e cumpram o papel
transformador dentro da cadeia produtiva. As práticas extensionistas têm o viés de habilitar
os alunos para atuar em situações que exigem o respaldo de um Médico Veterinário. Dentre
as ações executadas pelo projeto estão o diagnóstico e controle de zoonoses, ou seja,
doenças transmissíveis entre humanos e animais, visando assim melhorar a sanidade dos
rebanhos e garantir a saúde dos produtores rurais. Neste relato é descrito como foi
procedido o diagnóstico e controle de um foco de tuberculose bovina, abordando a situação
sanitária dos rebanhos de pequenos produtores e o contexto socioeconômico envolvido.
ABSTRACT
The project "Agroleite: improving quality of life" in the city of Passo Fundo, located in
the north of the State of Rio Grande do Sul, Brazil, aims to support the local dairy production
chain through actions carried out by volunteer Veterinary Medicine students of the University
of Passo Fundo. The action plan, guided by one of the course's teachers, is composed of
measures of direct intervention in productive means, spreading knowledge and technology.
The measures adopted in rural properties are preceded by an analysis of the socioeconomic
reality of the assisted, so these are generated or transformed within the productive chain. As
practical extensionists have the bias of enabling students to act in situations that require the
support of a veterinarian. Among the actions carried out by the project are the diagnosis and
control of zoonosis, that is, diseases transmitted between animals and humans, in order to
improve the health of herds and ensure the health of rural producers. This report describes
how the diagnosis and control of a bovine tuberculosis outbreak was performed, addressing
the health situation of small herds of farmers and the socioeconomic context involved.
INTRODUÇÃO
O projeto de extensão “Agroleite: melhoria na qualidade de vida” em execução no
município de Passo Fundo, localizado no norte do Rio Grande do Sul, Brasil, surgiu com o
intuito de trazer melhorias para os produtores de leite do município, visando aumentar a
renda das atividades desenvolvidas. Para que isto se tornasse realidade foi idealizado um
modelo de operacionalização baseado na perspectiva progressista de educação (WAGNER,
2001). Apesar de buscar instituir “melhorias”, deve-se refletir perante este termo, levando
em conta quais impactos serão causados mediantes a tentativa de introduzir novos hábitos
em uma realidade estabelecida. Assim, para que o projeto tivesse êxito foi necessário
estabelecer objetivos de acordo com as expectativas dos produtores atendidos e em um
segundo momento da comunidade.
Historicamente o significado de extensão rural gerou diversas ambiguações, o termo
surgiu em um momento histórico em que eram feitos esforços para “modernizar” a produção,
através de técnicas difusionistas e um modelo vertical de operacionalização, este modelo
chamado de extensão rural não levava em consideração muitos fatores chaves necessários
para que resultados fossem alcançados sem efeitos colaterais, estes efeitos colaterais são
percebidos em um segundo momento quando se transformam em problemas sociais de
difícil resolução (WAGNER, 2001).
Atualmente o papel da extensão rural foi reinventado, agora é tratado como um
processo educativo, não se trata mais de um “depósito” de conhecimento em indivíduos não
familiarizados com os termos em uso. Dentro do papel de atuação da extensão rural busca-
se levar em consideração todo o contexto socioeconômico dos assistidos, somente através
do entendimento da dialógica pedagógica é possível se estabelecerem vínculos de
confiança para que os objetivos sejam atingidos, trata-se de um modelo horizontal
(WAGNER, 2001).
A caracterização da extensão como um processo educativo configura um caráter
mais humanista a atividade, levando em consideração os reflexos das intervenções
(FREIRE, 1983). Somente através de uma prática solidária é possível alterar uma realidade
de forma sólida, reconstruindo elos enfraquecidos, atendendo demandas de populações
desassistidas e em situações de risco. A extensão deve servir como ferramenta de
libertação para minorias rurais que comumente não exercem influência nas decisões
públicas, para evitar que estas minorias que vivem no meio rural sejam excluídas e
marginalizadas pela sociedade, tendo seus direitos negados e sua existência estigmatizada.
A realização do projeto de extensão rural deve ser interpretada como uma forma de
levar melhorias ao campo, porém este processo não é tão simples como o descrito. As
críticas podem se figurar na intenção da substituição de uma cultura existente por uma série
de práticas que irão alterar não somente a esfera produtiva, mas também o modo de viver
dos assistidos. Todo esse processo de transformação cultural pode gerar conflitos entre
interesses e ideais dos executores para com os assistidos, estes conflitos podem acarretar
com o fim de um projeto inicialmente bem intencionado.
A fim de não haver desentendimentos e perda de significado de um projeto algumas
medidas devem ser tomadas e constantemente revistas para que não entrem em
obsolência. A formulação do projeto deve passar pelo olhar dos assistidos, os mesmos
devem ter a noção de que o resultado é fruto da participação dos produtores, somente
assim será construída uma relação verdadeira de confiança, esta relação irá facilitar toda e
qualquer intervenção a ser realizada.
DESENVOLVIMENTO
Passo Fundo possui 182.826 habitantes sendo que apenas 4.706 (2,5%) residem na
zona rural do município (IBGE, 2010), havendo uma forte tendência a diminuição desta
população. Devido a conjunturas atuais de mercado, a atividade leiteira tem se tornado cada
vez mais inviável economicamente para pequenos produtores, fato demonstrado pelos
dados da Emater (2017), os quais demonstram que uma quantia significativa de produtores
de leite abandonou a atividade no período estudado. Além da crise econômica se constata
que há um envelhecimento da população rural e nem sempre há a sucessão familiar e
continuação das atividades agropecuárias desenvolvidas. Diante deste cenário o projeto
Agroleite tem buscado viabilizar meios de garantir que a população rural permaneça
exercendo as atividades desenvolvidas, principalmente através da implantação de
tecnologias viáveis em pequenas propriedades. Entretanto, a implantação não se trata de
um processo de imposição, mas sim de uma série de esforços de entidades parceiras que
visam atender os anseios da população, reforçando a independência dos produtores e
comunidades rurais no processo de transformação do cenário rural.
A produção de leite no município de Passo Fundo é de aproximadamente 94 mil
litros/dia. Esta produção provém principalmente de rebanhos de até 20 bovinos, oriundos de
pequenas propriedades que dispõem de mão de obra familiar (BACALTCHUK; MELO;
JACOBSEN, 2015). A média de animais por produtor encontrada em Passo Fundo é
semelhante a de 16,4 vacas por propriedade rural que vende a produção para indústrias,
cooperativas e queijarias, se mostrando significantemente maior que a média estadual de
7,5 vacas leiteiras por propriedade, relativa a todos destinos da produção de leite (EMATER,
2017). Os produtores de leite se tornaram participantes do Projeto Agroleite através de
convite realizado aos mesmos. O convite foi realizado em reuniões e encontros promovidos
para divulgação de resultados do trabalho “Diagnóstico instrumental para o direcionamento
do espaço rural de Passo Fundo: 2012-2014” nas localidades estudadas.
Após a adesão de novas propriedades os produtores eram convocados para uma
primeira reunião na qual se discutiu os objetivos do projeto, o plano de ação e a estratégia
de desenvolvimento. Durante a reunião foi promovido o diálogo entre os produtores e
agentes de extensão da Universidade de Passo Fundo, visando aliar interesses e iniciar um
trabalho objetivando cumprir as demandas relatadas pelos produtores rurais. Após tratada a
operacionalização do projeto foram definidas datas para novas reuniões e visitas técnicas na
comunidade de atuação do projeto.
O objetivo inicial do projeto foi trabalhar com saúde reprodutiva de bovinos leiteiros,
realizando diagnósticos de gestação e levando recomendações técnicas em relação à saúde
dos bovinos para os produtores. Durante as visitas nas propriedades foram realizados
exames ginecológicos dos animais e diagnósticos de gestação por palpação transretal e por
ultrassonografia, em três propriedades foram examinadas um total de 30 fêmeas bovinas,
onde 12 (35,5%) foram consideradas gestantes (ECKERDT et al., 2017). A partir dos dados
obtidos nesse estudo e levando em consideração que as propriedades dos produtores não
tinham um controle sanitário eficiente, os organizadores do projeto propuseram para que
fosse realizado o diagnóstico de zoonoses nos rebanhos de todos os produtores envolvidos
no projeto.
As zoonoses podem ser transmitidas através de contato direto ou indireto, por
vetores em populações de risco e pelo consumo de produtos de origem animal
contaminados pela população em geral, causando inúmeros prejuízos econômicos, devido a
perdas produtivas e descarte de animais, sociais e principalmente, na saúde pública
(JOAQUIM et al., 2016). Visto que o diagnóstico de doenças gera um custo significativo às
propriedades, buscou-se o contato com instituições de pesquisa para que o diagnóstico
pudesse ser realizado com o menor custo aos produtores, estabelecendo-se uma parceria
com Programa de Pós-Graduação em Bioexperimentação da Universidade de Passo Fundo.
Através dessa parceria se realizou o diagnóstico de brucelose e tuberculose de acordo com
o Plano Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), onde
os testes foram realizados por um Médico Veterinário habilitado pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os testes foram realizados de forma gratuita
e acompanhados por alunos participantes do projeto.
A tuberculose bovina é uma zoonose causada pela bactéria Mycobacterium bovis,
ecaracteriza-se pelo seu curso crônico, efeito debilitante e por não demonstrar sinais
clínicos aparentes nos animais infectados, podendo causar perdas produtivas
correspondentes a um quarto da produção leiteira (RIET-CORREA, 2005). A excreção da
bactéria ocorre por meio de aerossóis contendo a bactéria, estas partículas são oriundas de
secreções como expectoração e corrimento nasal, ainda em menor frequência ocorre a
transmissão por secreções como leite, fezes, urina, secreções vaginais e uterinas e, pelo
sêmen. Ocorre mais frequentemente em rebanhos leiteiros devido às aglomerações de
animais durante o dia no período da ordenha e durante a alimentação das vacas, sendo
estes dois momentos cruciais para a transmissão da doença, tanto para humanos quanto
para bovinos. Uma das principais formas de transmissão da doença é através da compra de
animais doentes não testados, ocorrendo a transmissão no momento que estes entrarem
em contato com um rebanho sadio (ABRAHÃO, 1999).
Em um estudo realizado por Poletto (2004), foram testados 2.119 bovinos de 156
propriedades localizadas no município de Passo Fundo, onde 32 bovinos (1,51%)
pertencentes a seis propriedades distintas (3,84%) apresentaram diagnóstico positivo para a
tuberculose. Na pesquisa realizada por Queiroz (2016), foram testadas 9.895 fêmeas
bovinas com mais de 24 meses, em 1.067 propriedades rurais do Estado do Rio Grande do
Sul. Nesse estudo, foram diagnosticados 74 (0,7%) animais positivos em 31 (2,8%)
propriedades distintas. O mesmo estudo segmentou o Estado em diferentes regiões, foram
testados 1.211 animais em 155 propriedades localizadas no norte do Rio Grande do Sul,
onde 10 (0,9%) animais em seis (3,9%) propriedades foram considerados positivos. Das
seis propriedades com vacas positivas, cinco tinham dedicação exclusiva à produção de
leite e uma era de dedicação mista (leite e corte), assim a pesquisa concluiu que a
prevalência de tuberculose é maior em propriedades de rebanhos leiteiros.
A tuberculose em humanos é considerada uma doença de caráter ocupacional,
atinge principalmente ordenhadores, tratadores de animais e médicos veterinários, porém
dificilmente se desenvolve em pessoas sem comprometimentos imunológicos. No Brasil
estima-se que ocorrem 80.000 casos novos de tuberculose em humanos, dos quais
aproximadamente 4.000 são causados por M. bovis (RIET-CORREA, 2005). A transmissão
ocorre pela eliminação do Mycobacterium bovis através de secreções de animais ou
humanos infectados, onde os que entrarem em contato com a bactéria estarão susceptíveis
desenvolver a doença, quando submetidos a situações de baixa imunidade. Uma das
formas em que a doença ocorre é a forma pulmonar. A forma pulmonar da tuberculose
zoonótica ocorre após a inalação de secreção contaminada por M. bovis, porém ainda não
existem dados precisos diferenciando a tuberculose zoonótica da tuberculose causada por
outros agentes etiológicos como o Mycobacterium tuberculosis, isso se deve principalmente
ao diagnóstico precário da doença, constituindo um grave problema a saúde pública
(COSIVI, 1998).
Para a população em geral a infecção pode ocorrer devido ao consumo de produtos
lácteos oriundos de leite não pasteurizado, como o caso dos queijos. O consumo de
produtos não inspecionados ainda é relativamente comum devido a cultura de que estes
produtos teriam qualidade superior aos produtos industrializados (ABRAHÃO, 2005). No Rio
Grande do Sul a informalidade é considerada minoritária em termos de produção (7,7%)
segundo dados da EMATER (2017). O mesmo estudo indica que dos 173.706 produtores de
leite em atuação no Estado, 7.831 (4,5%) comercializam derivados lácteos de produção
caseira e 3.508 (2%) comercializam leite cru direto a consumidores, constituindo grande
risco a saúde pública devido a falta de inspeção dos produtos. Existe sempre a possibilidade
dos derivados lácteos estarem contaminados ou sofrerem adulterações e fraudes, o mesmo
risco ocorre para o leite produzido por 96.467 (55,5%) produtores destinado ao consumo
familiar, mas com menos perigo a saúde pública.
O Plano Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT)
foi criado com a intenção de controlar e erradicar essas duas doenças dos rebanhos
brasileiros, garantindo um produto final de qualidade sanitária aos consumidores. O
diagnóstico da tuberculose é realizado de forma voluntária pelos proprietários de animais,
mas as medidas de controle são compulsórias após a adesão ao programa. Este programa
inclui a regulamentação para que uma propriedade seja considerada livre de tuberculose e
brucelose, para isso deve-se adotar uma série de três testes consecutivos onde todos os
animais testados devem ser diagnosticados como negativos, essa certificação é válida por
um ano e pode ser renovada (BRASIL, 2006). O diagnóstico da tuberculose bovina é
realizado pelo Teste Cervical Comparativo (TCC) utilizando as tuberculinas PPD (Purified
Protein Derivative - Derivado Protéico Purificado) bovina e aviária, o teste é realizado pela
mensuração da espessura de uma dobra pele com o cutímetro e inoculação intradérmica de
0,1 mL de cada uma das proteínas em locais específicos. Após 72 horas após da inoculação
a espessura do mesmo local é mensurado novamente, o que irá indicar se o animal é
positivo ou negativo ao teste, ou ainda inconclusivo, estes últimos devem ser retestados
após o período mínimo de 60 dias (BRASIL, 2006).
RESULTADOS
Foram testados para tuberculose 55 bovinos em uma propriedade no município de
Passo Fundo, destes 30 (54,4%) animais foram diagnosticados como positivos, 17 (31,5%)
inconclusivos e 8 (14,5%) negativos. Os animais positivos foram marcados com ferro
candente na face direita após o diagnóstico positivo. Após o diagnóstico dos animais a
situação da propriedade foi definida como um foco de contaminação de tuberculose, e a
situação foi informada a Inspetoria Veterinária Estadual, a qual determinou o abate sanitário
de todo o rebanho sob inspeção do Serviço Oficial. O leite ordenhado após os diagnóstico
foi descartado e as vacas foram secas, pois por determinação oficial não é permitida a
utilização e venda de leite provindo de animais tuberculosos. Em casos de alta positividade
aos diagnósticos, recomenda-se que após a remoção dos animais seja realizado a limpeza
e desinfecção das instalações e do solo onde os animais tinham acesso. Além disso, o local
deve ser interditado, impedindo que animais sejam inseridos na propriedade até a resolução
do foco (PNCEBT, 2006).
Após o rebanho ser diagnosticado como foco de tuberculose, coube ao Médico
Veterinário e aos integrantes do projeto propor uma solução ao proprietário e família. Para
tanto, foi levado em consideração a saúde e o bem-estar social da família e da comunidade,
e assim, uma série de ações foram tomadas visando conduzir a situação de maneira que os
prejuízos fossem diminuídos. Num primeiro momento o resultado do diagnóstico
permaneceu como informação confidencial entre órgãos oficiais, organizadores do projeto e
a família do proprietário, pois assim evitou-se que a situação fosse alarmada e qualquer tipo
de informação fosse mal retratada. Além disso, a legislação prevê a realização de teste
confirmatório para os animais positivos no teste da tuberculina, os quais são demorados.
Depois de relatado ao órgão oficial se iniciou o processo de requisição indenizatória
pelos animais e pela produção de leite. Foram requeridas duas indenizações, uma relativa
ao abate de todo o rebanho e pela produção de leite, as quais estão sob responsabilidade
do Governo Estadual e do MAPA, respectivamente. Diante de tal noticia impactante foi
convocada uma reunião com os produtores participantes do projeto. A reunião contou com a
presença do proprietário dos animais diagnosticados como tuberculosos. Na reunião o tema
foi tratado com clareza e o produtor teve a oportunidade de relatar a experiência vivida até o
momento, bem como discutir como a situação estava sendo conduzida, evitando uma
possível ansiedade gerada por notícias de caráter sensível. Como resultado da reunião
muitos produtores demonstraram interesse em cooperar no âmbito do projeto. Cientes dos
riscos a saúde humana e prejuízos econômicos demonstraram interesse em participar da
erradicação e controle da doença em espectro local. A metodologia de abordagem primou
por trazer a informação de forma integral e transparente, assim foi possível estabelecer uma
corrente participativa de integrantes de uma comunidade com um objetivo comum (ELHAJJI;
LOPES, 2007).
Na mídia local a notícia foi retratada em uma rádio, através de uma entrevista ao vivo
como professor coordenador do projeto e posteriormente foi publicado o relato do produtor
na rede social da rádio. A informação foi tratada com seriedade, buscando informar o
público geral sobre a situação, evitando alarmismos desnecessários e possíveis reflexos
como o boicote aos produtos lácteos. Nesse sentido, buscou-se utilizar a mídia a favor da
situação, com uma cobertura rápida do caso, evitando assim especulações e que
inconsistências fossem vinculadas ao caso (ELHAJJI; LOPES, 2007).
Em ambiente acadêmico o caso foi abordado em um painel dos projetos de extensão
da Universidade de Passo Fundo, na oportunidade o proprietário dos animais expôs sua
experiência com o projeto Agroleite durante o período crítico do diagnóstico positivo. O tema
foi utilizado em diversas discussões acadêmicas durante aulas do curso de Medicina
Veterinária, oportunizando o aprendizado através da utilização do exemplo do caso de forma
pedagógica.
No abate dos animais foram contabilizadas lesões granulomatosas e/ou calcificadas
em 30 (54,5%) animais, estas localizadas em sítios linfáticos (linfonodos pré-escapular,
retrofaríngeo, retromamário, hepático, mesentérico, pulmonar apical e pulmonar
mediastínico). Dos animais positivos 18 (60%) tinham lesões, nos inconclusivos 10 (58,8%)
continham lesões e dos diagnosticados negativos, em dois (25%) foram encontradas lesões
(FIGUEROA et al., 2017).
DISCUSSÃO
As zoonoses são problemas intrínsecos a cadeia produtiva, se não forem controladas
eficientemente tendem a espalhar-se e atingir grupos de risco e a população em geral, para
que o controle seja eficiente deve haver um aparato legal que permita que os procedimentos
sejam executados com garantia de legalidade. Um grande avanço no quesito legal em
relação ao controle da tuberculose e brucelose foi a elaboração do Plano Nacional de
Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), estabelecendo delegações
aos profissionais envolvidos e padronizando procedimentos. O programa oferece ainda a
possibilidade de tornar uma propriedade livre de brucelose e tuberculose por meio de um
documento emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), esta
possibilidade significa um imenso ganho para o produtor e também para o país, pois quanto
maior o número de propriedades certificadas como livre maior é a garantia de que os
trabalhos para erradicar tais doenças estão sendo tomados. A certificação se mostra como
um diferencial de mercado para as propriedades e deve ser estimulada como procedimento
para todos os bovinocultores, apesar do custo dos diagnósticos deve-se interpreta-los como
investimento para a propriedade.
A tuberculose é uma doença que se desenvolve nas propriedades por causas de
difícil diagnóstico, uma das principais suspeitas em relação ao caso estudado foi a compra
de animais não previamente testados, ainda pode-se se associar a alta lotação das
instalações e o constante contato entre animais e uso comum de cochos de alimentação. A
legislação do PNCEBT prevê que todos os animais transportados cuja finalidade não é o
abate devem ser testados para tuberculose e brucelose, informação que deve constar na
Guia de Transito Animal (GTA) (BRASIL, 2006). O descumprimento dessa lei traz grandes
riscos a propriedades, porém, muitas transações de animais ocorrem sem levar em
consideração a legislação vigente, desta forma na falta de uma fiscalização eficiente esse
tipo de situação pode-se tornar rotineira, sendo uma das rotas epidemiológicas para a
transmissão de zoonoses (JOAQUIM et al., 2016).
A saúde pública é um dos temas de maior relevância e de maior interesse da
população em geral, fazendo parte deste tema maior esta a saúde animal e as possíveis
consequências que a precariedade desta pode levar a saúde humana, assim se faz de
extrema importância discutir assuntos relacionados a estes temas. As zoonoses muitas
vezes passam despercebidas pela sociedade, somente chamando atenção em casos de
epidemias generalizadas, este é um erro comum que leva a população a crer que os riscos
são inexistentes ou reduzidos, desta forma a exposição ao risco aumenta e ocorre a
aceitação por produtos de qualidade inferior e sem condições de consumo pela população
desinformada (ABRAHÃO, 2005). Associado a exposição ao risco está a dificuldade da
obtenção do diagnóstico preciso de zoonoses em geral, ocorrendo que os profissionais da
saúde não estejam preparados para realizar o diagnóstico em populações de risco (COSIVI,
1998), logo aqueles acometidos por zoonoses estarão sob maior risco de receberem um
tratamento não adequado, resultando na persistência da doença e agravamento do quadro.
A produção de derivados lácteos com leite cru de forma ilegal é um dos grandes
fatores de riscos para a população em geral, estes indivíduos geralmente não estão cientes
dos riscos envolvidos no consumo de produtos que não passam por nenhuma fiscalização,
além de hábitos de higiene escusos podem ocorrer fraudes durante o processamento destes
produtos, lesando os direitos do consumidor. Sabe-se que muitas agroindústrias emergem
da ilegalidade para adentrarem no mercado formal, porém o número daqueles que
permanecem na ilegalidade é desconhecido e influenciado por diversos fatores relacionados
as questões mercadológicas dos produtos.
Um dos fatores pela subnotificação de zoonoses é a indenização recebida em casos
de focos como o descrito neste relato, a desconfiança dos produtores perante o recebimento
de verbas abaixo dos valores de dos animais e o consequente prejuízo econômico acaba
por amedrontar alguns produtores, assim muitos focos permanecem abaixo do radar, ainda
que ocorram mortes esporádicas de animais, estas dificilmente são relacionadas a presença
de zoonoses em propriedades, justamente pela falta de diagnóstico. A falta de profundas
investigações epidemiológicas pelas autoridades responsáveis também permite que
ocorram casos esporádicos e surtos regionais relacionados a fatores de disseminação das
doenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que a deficiência e falta de pontualidade de informações é uma das
grandes causas do descaso em relação a situação epidemiológica das zoonoses, apesar de
existir um aparato legal capaz de controlar a situação, traça-se um paralelo de uma situação
em que muitas vezes a lei não é cumprida por falta de contato com a realidade produtiva,
para que ambas as partes não entrem em contraposição é necessário que exista uma
conexão entre tais distintas realidades, esta conexão trata-se da extensão rural em seu
papel dialógico e acrítico. Através da extensão rural é possível levar o conhecimento gerado
em universidades até a vivência prática do campo, este conhecimento passará por uma
metamorfose até sua aplicação no campo de atuação, porém não irá perder o sentido, mas
sim exercer sua função real nos meios produtivos, salvaguardando a saúde humana e
animal.
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