a. k. coomaraswamy e irmã niveditaak - mitos hindús e budistas

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  • 7/31/2019 A. K. Coomaraswamy e Irm Niveditaak - Mitos Hinds e Budistas

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    MITOS HINDUS E BUDISTAS

    ANANDA K. COOMARASWAMY IRM NIVEDITA

    Traduo

    MARA CRISTINA GUIMARES CUPERTINO

    Ttulo originalMYTHS OF THE HINDUS AND BUDDHISTS

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    SUMRIO

    PREFCIO

    I - MITOLOGIA DOS POVOS HINDU-ARIANOS II - O RAMAIANA III - O MAHBHRATA NARRADO EM QUINZE EPISDIOS IV - KRISHNA V - BUDDHA VI - SHIVA VII - OUTRAS HISTRIAS DOS PURNAS, DAS EPOPIAS E DOS

    VEDAS

    VIII- CONCLUSO

    PREFCIO

    A irm Nivedita, a quem este trabalho foi inicialmente confiado, no necessita

    apresentao para o mundo ocidental e nem para os leitores indianos. Autntica

    discpula de Swami Vivekananda, que por sua vez foi discpulo do grande Ramakrishna,

    ela trouxe para o estudo da vida e da literatura indianas um slido conhecimento da

    cincia educacional e social ocidental e uma insupervel dedicao s pessoas e aos

    ideais do seu pas de adoo. Seus maiores trabalhos so The Web of lndian life,

    literalmente a nica descrio real da sociedade indiana escrita em ingls, e Kali, themother, no qual, tambm pela primeira vez, a profunda ternura e o terror do culto da

    deusa-me indiana so apresentados aos leitores ocidentais de uma forma que revela a

    real significao social e religiosa desse culto. Com seus livros, Nivedita tornou-se no

    s uma intrprete da ndia para a Europa como tambm a inspirao para um novo tipo

    de estudiosos hindus, que j no querem se anglicizar, e esto convencidos de que todo

    progresso real, diferentemente das simples controvrsias polticas, deve se basear em

    ideais nacionais, em intenes que j esto claramente expressas na religio e na arte.

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    A morte prematura da irm Nivedita fez com que o presente trabalho precisasse

    ser completado por outra pessoa. As seguintes partes so de autoria da irm Nivedita:

    Mitologia das raas hindu-arianas (p. 11-15); Apresentao do Ramaiana (p. 25-32); o

    Mahabharata completo (p. 119-206, exceto p. 179-183); um trecho da parte sobre Shiva

    (p. 276-279); o comentrio sobre Kacha e Devayani (p. 320-322) e A Histria de

    Dhruva, Shani, Imagens de Estrelas etc. (p. 353-362). Todo o restante de minha

    responsabilidade.

    As ilustraes so reprodues de aquarelas executadas especialmente para este

    livro por artistas hindus sob a superviso de Abanindo Nath Tagore, vice-diretor da

    Escola de Arte de Calcut, que tambm contribuiu com algumas das imagens. * Assim,

    as histrias tm a vantagem, nica nessa srie hindu, de ser ilustradas por artistas que as

    conheceram desde a infncia e que por isso so bastante capazes de sugerir seu

    ambiente espiritual e material adequado.

    Faz-se necessria uma breve explicao do princpio que orientou a seleo e a

    organizao desses mitos e lendas. Minha inteno foi relatar tais mitos de uma forma

    to prxima quanto possvel do original, mas de modo geral bastante condensada, mais

    ou menos como eles so conhecidos por todo hindu bem-educado, entre os quais incluo

    os camponeses incultos mas audaciosos e as mulheres que adquiriram seu conhecimento

    dos Puranas ouvindo recitaes ou lendo-os, visitando os templos (onde as histrias so

    ilustradas por esculturas), ouvindo canes regionais ou assistindo a representaes de

    mistrios. As histrias relatadas aqui, alm disso, incluem grande parte do

    conhecimento absolutamente essencial para todo estrangeiro que se prope de algum

    modo a cooperar com o povo hindu para a realizao dos fins a que este aspira

    formulados do modo mais claro na mitologia e na arte. Entre esses estrangeiros espero

    que se incluam no apenas os apaixonados pelos ideais hindus, como era a prpria

    Nivedita, mas tambm funcionrios pblicos e missionrios. Os mitos hindus aquinarrados incluem quase todos aqueles habitualmente ilustrados na escultura e na pintura

    indianas. Por fim, eles incluem grande parte daquilo que muito em breve dever ser

    reconhecido como pertencente no apenas ndia, mas a todo o mundo; sinto que isso

    verdadeiro, sobretudo no Ramaiana, seguramente a melhor histria de magnanimidade,

    verdade e amor ao prximo jamais escrita.

    ANANDA K. COOMARASWAMY

    OBSERVAO: As ilustraes, por motivos tcnicos do original, no fazemparte desta edio.

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    Captulo I

    MITOLOGIA DOS POVOS HINDU-ARIANOS

    O estudo da mitologia

    Na histria antiga do homem a sia formou um vasto terreno de civilizao do

    qual pases como o Egito, a Arbia, a Grcia, a ndia e a China constituam as

    extremidades. O Egito e a Arbia foram destinados, por sua posio geogrfica, a ser

    posteriormente invadidos e ter sua cultura destruda. A Grcia e sobretudo a ndia

    formavam o que se pode chamar culs-de-sac. Como se avanando pelas longas praias de

    alguma enseada oculta, a onda gigantesca de pocas consecutivas tomaria de assalto

    esses pases, cada uma delas deixando na costa uma linha de mar que talvez nenhuma

    de suas sucessoras seria capaz de encobrir inteiramente. Por isso podemos esperar

    descobrir na ndia, como em nenhum outro lugar no mundo, meios de estudar a

    sucesso das pocas na cultura.

    A civilizao se desenvolve por novas unies de tribos e povos, cada um com a

    sua perspectiva, resultante do conjunto caracterstico de costumes impostos a ele pelas

    condies geogrficas da regio que constitui a sua terra natal e escola. A sia

    Ocidental uma das reas de confluncia do mundo. Ali, pelas prprias necessidades da

    configurao, cruzavam-se as grandes estradas do norte para o sul e do leste para o

    oeste, e cidades mercantis pontos de troca de mercadorias surgiram nos

    entroncamentos. Igualmente bvio o fato de que a ndia e as partes remotas do vale do

    Nilo constituram locais de trabalho e de produo. Ali se estabeleceram e se associaramdiversos povos. Ali naes agrcolas se desenvolveram. Ali se acumulou a civilizao. E

    ali podemos observar a gradual elaborao de esquemas de pensamento que no s

    exibem, gravada em si, a sua prpria histria como tambm se tornam por sua vez

    causas e fontes de influncia dinmica sobre o mundo exterior.

    No impossvel recuperar a histria das idias que o mundo herdou do povo

    que vivia s margens do Nilo. Mas aquele povo, como sabemos, negligenciou de modo

    imperdovel a ligao com o seu prprio passado. Entre povo e passado h apenas umacontinuidade fragmentada, um lapso de tempo que no representa um processo de causa

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    e efeito, e sim, mais precisamente, uma perptua interrupo dessa srie; pois, na

    histria, uma nica gerao que se encante com peculiaridades aliengenas quase

    suficiente para comprometer toda a continuidade da civilizao e da cultura. A mo do

    passado, desejoso de legar seus tesouros para o uso do futuro, confia sculos de

    acumulao frgil barca de cada poca que transcorre. preciso que haja certa

    obstinao, uma lealdade obstinada e at mesmo um tantinho de conservantismo, talvez,

    para que nada se perca na longa marcha do tempo. E quando confrontados com grandes

    imprios, com uma inesperada extenso da idia de cultura ou com a suprema tentao

    de uma nova religio, segurar bem o que temos, acrescentando apenas tanto quanto

    possamos carregar de modo saudvel e determinado.

    O carter da ndia

    Essa atitude o que caracteriza um carter nacional forte, e na ndia, desde o

    comeo da histria do pas, ela tem sido firmemente mantida. Nunca adversa a uma

    nova idia, seja qual for a sua origem, a ndia jamais deixou de pr todas elas prova.

    Sequiosa de novas idias, mas ciosamente relutante em aceitar novos costumes ou

    experimentar uma expresso nova, ela tem sido lentamente criadora e decididamente

    sinttica desde os tempos mais remotos at o presente.

    Na verdade o defeito do conservantismo hindu tem sido a tendncia desse povo

    de perpetuar diferenas sem assimilao. Sempre houve espao para povos mais fortes,

    com sua prpria bagagem de costumes e ideais, estabelecerem-se nos interstcios da

    civilizao bramanista sem ser influenciados e sem influenciar. At hoje Calcut e

    Bombaim tm bairros habitados por outros povos o bairro chins, o birmans etc.

    sem que nenhum desses povos contribua ou receba alguma contribuio da vida civil

    em meio qual se situa. At hoje os baniya, hindus pertencentes a uma casta de

    mercadores, so sobrevivncias de um mundo antigo. Mas essa no-miscigenao no

    foi uniforme. A personalidade de Buddha constituiu a fonte de um impulso religioso

    para a China e meia dzia de pases menores. O imprio gupta representa uma poca na

    qual hspedes estrangeiros e culturas estrangeiras eram to bem recebidos e apreciados

    na ndia quanto atualmente so na Europa e na Amrica. E, por fim, s o surgimento do

    islamismo conseguiu encerrar esses longos perodos de comunicao que deixaram seus

    traos na f e no pensamento do povo hindu.

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    Os temas da religio

    O hindusmo , na verdade, uma imensa sntese, que colheu seus elementos deuma centena de direes diferentes e incorporou todos os temas de religio concebveis.

    Os temas de religio so mltiplos. Adorao da terra, adorao do sol, adorao da

    natureza, adorao do cu, homenagem prestada a heris e ancestrais, adorao da me,

    adorao do pai, preces pelos mortos, associao mstica de certas plantas e animais:

    todos esses temas e ainda outros esto includos no hindusmo. E cada um deles assinala

    algum perodo especfico do passado, com sua combinao caracterstica ou invaso de

    povos outrora desconhecidos uns dos outros. Agora eles esto bem unificados,

    formando um grande todo. Mesmo assim, por visitas a santurios distantes, pelo estudo

    da literatura de certos perodos definidos e pela cuidadosa observao de seu

    encadeamento, ainda possvel localizar algumas das influncias que entraram na sua

    composio.

    Ao longo da histria, de tempos em tempos um grande impulso sistematizador se

    empenha em moldar num todo orgnico uma crena aceita ou parte dela. Tais tentativas

    tm sido feitas com maior ou menor sucesso na compilao de livros como os Puranas,

    o poema pico chamado Ramaiana e o mais perfeito de todos, o Mahabharata. Cada um

    deles toma alguma norma antiga que foi transmitida oralmente talvez durante sculos e

    a registra por escrito, modificando-a e ampliando-a de forma a atualiz-la conforme a

    viso do autor.

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    O Mahabharata

    O Mahabharata o resultado do maior esforo j feito com a inteno de

    conservar, numa forma compilada, todas as antigas crenas e tradies de um povo. Oprprio nome, Mahabharata, mostra que o movimento que culminou na compilao

    dessa grande obra teve atrs de si uma conscincia viva da unidade do povo bharata ou

    hindu. Por essa razo percebe-se nesse trabalho um grande esforo para apresentar uma

    incorporao completa dos ideais encontrados no organismo social, na religio, na

    histria antiga, na mitologia e na tica do povo indiano.

    Assim, se quisermos seguir a mitologia hindu, desde os primrdios indistintos

    at a perfeita maturidade, atravs de todas as suas fases intermedirias multiformes, no

    poderemos ter melhor meio do que o Mahabharata. Pois na ndia a mitologia no um

    mero tema de pesquisa e estudo de coisas antigas; ela ainda permeia inteiramente a vida

    de seu povo, como uma influncia controladora. E a mitologia viva que, passando por

    estgios de representao de sucessivos processos csmicos e da em diante assumindo

    forma definitiva, tornou-se um fator influente na vida cotidiana do povo essa

    mitologia viva que se apresenta no Mahabharata.

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    preciso deixar claro que a mitologia que marcou com mais vigor a forma

    plenamente desenvolvida do Mahabharata aquela que exerceu uma influncia

    poderosa na sociedade indiana. Outros mitos se manifestaram por algum tempo, de

    modo vago e nebuloso, e se desvaneceram como fumaa, deixando atrs de si poucos

    vestgios e no chegando a assumir nenhuma forma concreta na memria do povo.

    Assim, encontramos um dito popular comum em Bengala segundo o qual "qualquer

    coisa que no seja encontrada no Mahabharata no ser encontrada nas terras de Bharata

    (ndia)", No Mahabharata deparamos, por um lado, com as formas primitivas da

    mitologia, e por outro, com suas formas inteiramente desenvolvidas. Encontramos nessa

    criao da mente indiana uma revelao cabal dessa mesma mente.

    Na infncia da mente humana os homens costumavam confundir suas prprias

    fantasias e sentimentos com o comportamento de pssaros e feras, com os vrios

    fenmenos da terra e da gua e com os movimentos do sol e da lua, das estrelas e dos

    planetas, e viam todo o universo nessa forma humanizada. Em tempos mais recentes,

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    quando o homem j havia atingido uma importncia maior aos seus prprios olhos, a

    glria de mundos estelares se empalideceu diante da sua grandeza.

    Neste livro tratamos desses dois estgios da mitologia. Por um lado, oferecemos

    alguns relances das formas primitivas que a mitologia assumiu depois de passar pela

    nebulosa indefinio das pocas primitivas. Por outro lado, fizemos um relato mais

    completo das histrias da poca em que a mitologia atingiu sua maturidade.

    Captulo II O RAMAIANA

    Fontes

    Valmiki um nome quase to nebuloso quanto Homero. No h dvida de que

    ele pertencia casta brmane e era intimamente ligado aos reis de Ayodhya. Colecionou

    canes e lendas de Rama (que tempos depois vieram a se chamar Rama-Chandra, em

    homenagem a Parashu-Rama); e muito provvel que mais tarde se tenham feito alguns

    acrscimos ao seu trabalho, sobretudo no Uttara Kanda. Dizem que ele inventou a

    mtrica shloka; a linguagem e o estilo da poesia pica indiana devem a ele sua forma

    precisa. De acordo com o Ramaiana, ele foi contemporneo de Rama, abrigou Sita nos

    seus dias de exlio solitrio e ensinou o Ramaiana aos filhos dela, Kusa e Lava.

    O tema do Ramaiana, que em sua forma mais simples a histria da reconquista

    de uma esposa raptada, no diferente de outra grande epopia, a Ilada, de Homero.

    No entanto, improvvel embora se tenha sugerido essa possibilidade que a

    Ilada derive do Ramaiana: mais provvel que ambos os poemas tenham se originado

    de fontes lendrias comuns, datadas de mais de mil anos antes de Cristo.

    A histria de Rama narrada num dos Jatakas. Mas havia naqueles temposmuitas outras verses em circulao, e essa pode ser considerada uma verso resumida.

    Num dos ltimos sculos antes de Cristo, provavelmente, as verses correntes da saga

    de Rama foram recolhidas pelo poeta brmane e transformadas numa histria com

    enredo claro e coerente; mas a forma completa, que acrescida do Uttara Kanda, pode

    ser mais recente, do ano 400 d. C. Como um todo, em sua ltima redao o poema

    parece pertencer essencialmente fase anterior do renascimento hindu e reflete uma

    cultura muito semelhante que representada nos afrescos de Ajanta (sculos I a VII d.C); mas evidentemente a trama do poema muito mais antiga. A verso oferecida neste

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    volume contm cerca de um vigsimo do Ramaiana completo. uma verso

    condensada, na qual est includo todo o material mais importante; mas no se

    acrescentou nenhum episdio ou figura de linguagem a que o original no conferisse

    autoridade.

    A tica do Ramaiana

    Uma das caractersticas mais importantes da epopia de Valmiki reside em sua

    notvel apresentao de duas sociedades ideais: uma idealmente boa e uma idealmente

    m. Ele extrai da vida humana, por assim dizer, uma moralidade quase pura e uma

    imoralidade quase pura, temperadas com a apresentao da virtude oposta em

    quantidade apenas suficiente para as necessidades da trama. Assim, ele d o maior

    relevo ao contraste entre o bem e o mal conforme o modo como esses valores se

    apresentavam para os formadores da sociedade hindu. Pois preciso saber que os

    legisladores, como Manu, e tambm os poetas da ndia antiga, concebiam sua prpria

    arte literria no como um fim em si mesma, mas inteiramente como um meio para um

    determinado fim e esse fim era a realizao de uma sociedade que se aproximasse ao

    mximo da sociedade ideal. Os poetas eram socilogos prticos, que usavam

    deliberadamente o grande poder de sua arte para moldar o desenvolvimento das

    instituies humanas e estabelecer ideais para todas as categorias de homens. O poeta ,

    de fato, um filsofo, no sentido nietzscheano do indivduo que fica na retaguarda

    dirigindo a evoluo de um tipo desejado. Os resultados tm demonstrado a sabedoria

    dos meios escolhidos, pois se a sociedade hindu sempre, no seu todo, se aproximou do

    ideal ou dos ideais que tm sido a fora diretriz de seu desenvolvimento, isso ocorreu

    por meio do culto dos heris. Os Vedas pertenciam essencialmente aos doutos,

    verdade; mas os poemas picos foram traduzidos para todos os vernculos por poetas

    como Tulsi Das e Kamban, to vigorosos quanto o prprio Valmiki. Alm disso, omaterial das epopias, como tambm muito dos Puranas, tem sido divulgado no apenas

    para os alfabetizados como tambm para os analfabetos, incluindo as mulheres, por

    constante recitao e tambm no teatro, na msica folclrica e na pintura. At tempos

    relativamente recentes nenhum menino ou menina hindu crescia sem conhecer a histria

    do Ramaiana, e sua maior aspirao era ser igual a Rama ou Sita.

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    A origem mtica da casta

    no Ramaiana e nas leis de Manu (em torno de 500 a.C.) que encontramos a

    principal descrio do sistema ideal hindu de Cor (casta). A origem mtica da Cor, de

    acordo com Manu, a seguinte: todas elas so provenientes do Brahma, sendo que os

    brmanes brotam da boca; os chtrias, do brao; os vaixis, da coxa; os sudras, do p.

    Esse mito verdadeiro num sentido alegrico; usado mais literalmente para dar

    sano divina a todo o sistema. Mas no se deve supor que Manu ou Valmiki descrevam

    uma sociedade que realmente tenha existido em alguma poca em toda a ndia. Antes, a

    histria da sociedade hindu poderia ser escrita sob o aspecto do grau de aproximao ou

    de divergncia em relao aos sistemas dos utopistas Valmiki e Manu. O poder de

    influncia desses sistemas at nossos dias, equiparvel fora dos hbitos, pode ser

    constatado pelo fato de que hoje o objetivo de muitos reformadores no absolutamente

    abolir o sistema de castas, mas pouco a pouco unir as subcastas at que as nicas

    divises sociais efetivas sejam as quatro Cores principais.

    essa evoluo, aliada a algumas medidas para a transferncia de uma casta a

    outra daqueles que so capazes e desejam adotar as tradies e aceitar a disciplina de

    uma Cor mais alta, que tambm eu gostaria de ver ocorrer. A transferncia de casta ou

    aquisio de Cor est continuamente se realizando, mesmo na atualidade, pela absoro

    de tribos aborgenes dentro do sistema hindu; mas histrias como a de Vishvamitra

    ilustram a imensa dificuldade terica de tais ascenses. Muitos protestos tm surgido na

    ndia contra essa exclusividade extrema, sendo o mais notvel o de Buddha, que, longe

    de aceitar o poder divino de um brmane por nascimento, ensinou que no pelo

    nascimento que algum se torna brmane: S por suas aes algum se torna brmane.

    A fora do princpio da hereditariedade sempre prevaleceu contra tais reaes, e

    o mximo que os reformadores efetivamente conseguiram foi criar novos grupos decastas.

    A sociedade ideal de Valmiki

    Vamos examinar muito brevemente a natureza da sociedade ideal de Valmiki.

    Logo de incio nos impressiona a sua complexidade e o alto grau de diferenciao das

    partes interdependentes que a constituem. Ela se baseia na concepo da gradao declassificao, porm essa classificao depende no da riqueza e sim apenas das

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    qualidades mentais. Aceita-se sem questionamento a doutrina da reencarnao; e sendo

    a concepo de karma (segundo a qual o resultado de nossas aes inevitavelmente

    frutifica numa outra vida) associada a ela, resulta logicamente dessa teoria que a posio

    social deve ser determinada apenas pela hereditariedade. Aquele que mereceu ser

    brmane nasceu brmane e aquele que mereceu nascer sudra nasceu sudra.

    Essa a teoria que encontra expresso prtica no sistema de castas, conhecido

    pelos hindus como sistema de "Cor" (varna), em linguagem moderna "nascimento"

    (jati). Fundamentalmente, h quatro cores: os brmanes, que so os sacerdotes e

    filsofos; os chatrias, a camada dirigente; os vaixis, comerciantes e agricultores, e os

    sudras, Serviais das outras trs castas, que so as nicas a "nascer duas vezes", quer

    dizer, a receber iniciao religiosa na adolescncia. H tambm um grande nmero de

    subdivises dessas quatro castas principais; essas subcastas surgem teoricamente de

    casamentos entre pessoas de castas diferentes e se distinguem na prtica como castas de

    ocupao.

    Todas as teorias hindus da Cor reconhecem um respeito e uma moral (dharma)

    adequados: seguir qualquer outro que no seja "o dharma prprio" da casta de um

    homem constitua um pecado sumamente desastroso, que merecia um castigo condigno.

    Nessa concepo do "dharma prprio" surge imediatamente a profunda distino da

    moral hindu com relao a todas as morais absolutistas, como a mosaica ou a budista.

    Como um exemplo concreto, o Declogo Mosaico estabelece o mandamento "No

    matars", e esse mandamento probe do mesmo modo ao filsofo, ao soldado e ao

    mercador uma situao de certa forma ilgica. Mas o hindusmo, permeado como

    pela doutrina do akimsa (inofensivo), no se dispe a imp-lo aos chtrias ou aos

    sudras: aqueles que no devem matar ou ferir qualquer ser vivo so o eremita e o

    filsofo acima de tudo, ao passo que o cavaleiro que se recusou, em tempo de

    emergncia, a matar, no seria louvado como humanitrio, mas antes seria digno decensura como algum que negligenciou seguir sua moral prpria. Essa questo

    suscitada no Ramaiana quando Sita sugere a Rama que, vivendo agora na floresta, o

    refgio dos eremitas, eles deviam adotar a moral iogue e evitar matar no s os animais

    selvagens como tambm os rakshasas; 1.

    Mas Rama replica que est obrigado pelos deveres dos cavaleiros e tambm por

    promessa a proteger os ermites, e que deve obedincia ordem dos nobres.

    Na sua forma extrema, essa doutrina da moral prpria representada comoplenamente vivenciada apenas na idade de ouro, quando ningum alm dos brmanes

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    erros se desenvolve toda a tragdia da vida de Rama e cumprem-se os objetivos dos

    poderosos deuses.

    Em contraste com esse mundo humano da idade de prata se esboa o mundo

    pecador e desumano dos rakshasas, onde cobia, luxria, violncia e desdm tomam o

    lugar da generosidade, da brandura e da verdade. Mas essas paixes ms so dirigidas

    contra os homens, os deuses e todos aqueles que para os rakshasas so forasteiros, pois

    entre eles prprios h afeio filial e uma dedicao insupervel das esposas; h

    coragem indmita e a mais pura lealdade. A cidade dos rakshasas muitssimo

    agradvel, construda por Vishvakarman. Os rakshasas praticam todas as artes, louvam

    os deuses e merecem destes, pelo ascetismo e pela penitncia, grandes ddivas.

    Resumindo, esses rakshasas no so, absolutamente, desumanos, mas sua condio

    uma imagem do aspecto "a-dhrmico", inquo, da sociedade humana uma alegoria

    que todos compreenderamos, se nos fosse apresentada hoje pela primeira vez, como os

    pingins de Anatole France.

    A histria

    O cerco de Lanka extensamente narrado no original e com um humor grotesco.

    Mas sua violncia redimida por muitos incidentes de ternura cavalheiresca e lealdade.

    Depois de morta, Ravana passa a ser considerada por Rama como amiga: Mandodari

    sofre por ele do mesmo modo como Sita sofre por Rama. A histria cheia de

    maravilhas, mas o elemento mgico tem muitas vezes um significado profundo e no

    meramente um ornamento fantstico. Todos os grandes poderes dos protagonistas, de

    um lado e de outro, so apresentados como obtidos graas ao autocontrole e

    concentrao mental, e no como fruto de qualquer talism fortuitamente adquirido.

    Dessa forma, em ltima instncia o conflito torna-se essencialmente um conflito de

    carter contra carter. Tomemos outra vez o caso das armas mgicas, dotadas do poder

    de bruxarias irresistveis. Hanuman atingido e paralisado por uma dessas armas, mas

    se liberta assim que suas foras fsicas se juntam s mentais. Aqui, seguramente, h uma

    clara evidncia da percepo do princpio de que reforar com a violncia o poder da

    sabedoria inevitavelmente uma poltica malsucedida.

    Assim, a importncia do Ramaiana de Valmiki transparece para aqueles que o

    lem e relem com ateno, e pode-se facilmente compreender sua influncia duradoura

    na vida e nos ideais de carter hindus. No possvel encerrarmos as consideraes

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    sobre esse aspecto do mito de Rama e Sita sem expressarmos um profundo pesar pela

    eliminao desse meio de educao nos sistemas educacionais modernos da ndia, em

    nome da neutralidade religiosa. Pois no estaramos exagerando se dissssemos que

    algum que no conhea bem a histria de Rama e Sita jamais poder ser, num sentido

    verdadeiro, um cidado indiano, nem estar familiarizado com a moral como a

    concebeu o maior dos mestres da ndia. Talvez se pudesse ir mais longe e dizer que

    algum que no esteja familiarizado com a histria de Rama e Sita jamais poder ser um

    verdadeiro cidado do mundo.

    O Ramaiana como epopia animal

    Aqui e ali, por todo o mundo, ouvimos falar da grande epopia animal do

    homem primitivo. Completa, ela no existe mais, e no mais recupervel. Pode apenas

    ser imaginada e inferida por uma pista aqui, um fragmento ali. Mas em parte alguma, no

    mundo moderno, o material para a sua restaurao to abundante quanto na ndia. At

    hoje h na imaginao indiana uma rara comunho com a expresso animal. Homem ou

    menino, qualquer que seja a sua posio na sociedade, ao contar alguma histria de rato

    ou esquilo trar a narrativa para um clmax com os prprios gritos que j observou nesse

    animal. Supe-se instintivamente que pelo menos os sentidos fundamentais, se no os

    pensamentos, dos outros animais so os mesmos que os nossos. E nisso, seguramente,

    nessa interpretao imediata, nessa profunda intuio de afinidade, encontramos os

    verdadeiros traos do temperamento que contribuiu para a formao do budismo e do

    jainismo, as fs benvolas.

    O povo hindu humano e entre ele raramente se observa crueldade. Isso se

    comprova pelo modo como todos os pssaros e animais domsticos se aproximam dos

    seres humanos, sem manifestar nenhum temor em relao a eles. Mas nessa atitudeinconsciente da imaginao indiana, nesse arremedo e rpida percepo do carter meio

    divertido e meio pattico da criao que no fala, temos uma herana real da infncia do

    mundo, daqueles primitivos tempos de folga do homem, nos quais os animais de quatro

    ps eram seus irmos e companheiros.

    Esse esprito fantasioso, esse alegre senso de parentesco, nos fala atravs das

    histrias dos nascimentos de Buda (Jatakas) do mesmo modo como um sentimento

    similar o faz nas Fbulas de Esopo ou nos contos do tio Remus. Os Jatakas, na verdade,tratam da vida animal como veculo de uma filosofia elevada e de um nobre romance,

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    em vez de apenas faz-la exemplificar provrbios sagazes ou comunicar o simples bom

    senso. O amor de Buddha e Yashodara constituiu a lenda potica de sua era, e no havia

    nada de incoerente com o esprito da poca em fazer de pssaros e animais atores

    freqentes no seu drama. Os cisnes eram os pregadores dos evangelhos na corte de reis.

    Manadas de veados, do mesmo modo como os homens, tm em seus meio chefes e

    aristocratas que daro a vida por aqueles que os seguem. Mas mesmo aqui j vemos em

    atuao a clara mente ariana, devolvendo ordem e preciso aos fios emaranhados de um

    corpo de pensamento muito mais antigo. Dessa substncia mais antiga nascem as

    tendncias que recorrentemente viro tona no grande sistema teolgico de pocas

    posteriores. Dela se formam os heris, tais como Hanuman e Garuda, que descem

    arena mais recente a cada nova formulao da idia hindu, como figuras j familiares,

    para participar de sua ao.

    O que perdemos atravs de toda a potica dessa arianizao gradual o elemento

    de admirao reverente - pois esta, embora presente, est se reduzindo cada vez mais. A

    mente ariana , sobretudo, uma mente organizadora, sempre vendo as coisas de um

    modo crescentemente cientfico, crescentemente racional.. A cor e a fantasia que tornam

    as mitologias antigas to ricas em estmulo para a imaginao quase sempre so uma

    contribuio de povos anteriores e mais pueris. Para a humanidade, na aurora de sua

    existncia, parecia haver no animal alguma coisa divina. A ausncia da fala quelas

    alturas algo de que a linguagem humana no ficava to distante constitua um

    orculo. Seus modos de vida secretos e a maneira como de repente eles surgiam no

    caminho eram sobrenaturais. A plida inteligncia espreita em seus olhos parecia uma

    grande benevolncia que no seria abrangida ou penetrada pelo pensamento humano. E

    quem poderia dizer qual era a reserva de sabedoria acumulada atrs da carinha velha do

    macaco cinzento na floresta, ou escondida pela cobra enrolada dentro de sua cova ao

    lado da rvore?

    A atrao do animal

    Com toda a capacidade de fantasia prpria das crianas, o pensamento do

    homem brincava com o elefante e a guia, o macaco e o leo. Muitas tribos e povos

    tinham seu animal mtico, adorado como um deus e que ao mesmo tempo era um

    suposto ancestral. Com o surgimento dos grandes sistemas teolgicos, tudo isso ser

    organizado. As mticas criaturas semi-humanas descero; deixaro de ser deuses e setornaro veculos e companheiros dos deuses. Um deles estar montado num pavo,

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    outro, num cisne. Um ser levado por um touro, outro por uma cabra. Mas exatamente

    nesse fato estar implcita uma declarao das associaes divinas do subordinado. O

    emblema assim constitudo assinalar um compromisso, uma sntese de dois sistemas,

    duas idias: uma relativamente nova e uma incomparavelmente mais antiga e mais

    primitiva. Pois o mesmo processo que torna o dcimo livro do Rig-Veda to diferente

    dos que o antecedem, visto que nele a conscincia religiosa do povo que falava snscrito

    comeou a atentar para as concepes genunas das pessoas daquela terra,

    caracterstico do aumento da conscincia do hindusmo durante todo o perodo

    histrico. A mente ariana, com sua profuso de grandes deuses da natureza deuses do

    cu, do sol e do fogo, do vento, das guas e da tempestade, deuses que tinham muito em

    comum uns com os outros, em toda a mitologia ariana, do Helesponto ao Ganges ,

    precisava gradualmente reconhecer e incluir as divindades mais antigas, mais vagas,

    mais indistintamente csmicas, das vrias populaes asiticas. Esse processo bastante

    claro e historicamente identificvel. Apenas os elementos rivais precisam ser admitidos

    e enumerados. Do desenvolvimento da mitologia de Indra e Agni, de Vayu e Varuna,

    muito pouco se pode dizer. bastante provvel que ela tenha nascido fora da ndia e

    quando foi levada para l, assim como para a Grcia, j estivesse plenamente madura.

    Da mesma forma, no podemos seguir os passos pelos quais a imaginao indiana veio

    a conceber o universo, ou o deus do universo, como um ser com cabea de elefante.

    Obviamente a idia nasceu na prpria ndia, onde os elefantes vagueiam pelas florestas

    e enfrentam os rios. O aparecimento do mesmo culto em pases como a China e o Japo

    claramente a sobrevivncia de alguma influncia religiosa muito antiga, vinda do sul

    longnquo.

    O ser com cabea de elefante

    O que, exatamente, quer dizer esse Ganesha ou Ganapati Senhor das

    Multides, ou seria originalmente Senhor do Territrio? O que significa essa cabea de

    elefante branca num corpo vermelho? Vasto e csmico ele certamente . Seria ele na

    verdade a nuvem branca que cintila no entardecer contra o sol rubro? De qualquer

    maneira, Ganesha perdura at hoje como o deus do sucesso e da sabedoria terrena. Seu

    atributo divino simplesmente realizar todos os desejos. Deve-se ador-lo no comeo

    de todos os cultos, para que estes tenham um bom resultado prova segura de umaduradoura prioridade. No Japo afirma-se que ele conhecido como deus das cidades e

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    que a precede, tambm no Ramaiana, embora grande parte dele profetize

    acontecimentos futuros, nos encontramos transportados para dentro do mundo infantil

    de uma poca anterior. Como todos os mundos desse tipo, no mundo do Ramaiana os

    pssaros e os animais domsticos conversavam e se comportavam como homens. Para a

    gente daquele tempo, evidentemente, a floresta era um reino de mistrio. Habitada por

    sbios e eremitas, ela era repleta de belas flores e doces fragrncias, abrigava pssaros

    de canto suave, era fresca e verde, e sob sua influncia suave podia-se obter toda a

    santidade. A austeridade podia ser praticada em sua solido elevada. Mas a floresta era

    tambm o hbitat de feras mortais. E muitas estavam cercadas de um terror

    sobrenatural; pois no se sabia que o demnio Maricha tinha o poder de mudar

    vontade a sua forma? Assim, quem poderia dizer se um tigre ou um urso era mesmo o

    que parecia ser ou se no se tratava de um ser mais astuto e temvel? Entre as sombras

    da noite caminhavam formas estranhas e presenas malficas. Monstros disformes e

    demnios poderosos, que deviam obedincia a um terrvel parente de dez cabeas na

    distante Lanka, vagueavam sob sua proteo. Quantas vezes o caador surpreendido

    pelo cair da noite no ouviu aterrorizado o som sussurrante vindo das sombras das

    rvores e do matagal, com a impresso de estar ouvindo s escondidas os inimigos da

    alma!

    Mas os deuses eram sempre maiores que os poderes do mal. Afinal, era a

    penumbra da divindade que caa, muito densa, por todo o refgio sagrado da floresta.

    No estavam ali os gandharvas e siddhas, ministrantes musicais do ar superior? No

    estavam ali as apsaras, as ninfas celestiais, que nos impediam de aproximar muito do

    limite dos lagos da floresta na hora do crepsculo para que no as surpreendssemos em

    seu banho, incorrendo por isso em alguma condenao? No estavam ali os kinnaras,

    pssaros humanos que carregavam sob as asas instrumentos musicais? No se sabia que

    dentro de seu silncio dormia Jatayu, rei, durante sessenta mil anos, de todas as tribosde guias, e que entre essas tribos vivia em alguma parte Sampati, seu irmo mais

    velho, incapaz de voar por ter tido as asas queimadas no esforo de proteg-lo do sol? E

    por toda a parte da floresta iam e vinham bandos de macacos. Estes eram dotados de

    uma sabedoria mais que humana, capazes de, a uma ordem, fazer surgir lindas flores em

    galhos que at ento s tinham folhas, e, entretanto, eram infelizes por estarem em

    permanente luta contra sua natureza agitada de macaco, que sempre fazia cair sobre si,

    como uma maldio, um estranho destino execrvel de diabrura e futilidade.

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    uma sociedade organizada, essa que a imaginao indiana atribui s espcies

    de animais. Estas tm suas famlias e genealogias, seus soberanos e alianas polticas e

    seu quinho pessoal de tragdia ou comdia. Ao longo de todas as fases dramticas do

    Ramaiana a contra-intriga fornecida por cinco grandes macacos que Sita v abaixo de

    si, sentados no topo de uma colina, quando est sendo carregada no cu noturno por

    Ravana. O principal deles Sugriva, o macaco com pescoo de monstro que teve esposa

    e reinado arrrebatados por seu irmo mais velho, Bali, e espera se vingar. Assim,

    Sugriva um rei no exlio, cercado por seus conselheiros e capites, como um prncipe

    encantado de um conto de fadas. Alguns estudiosos encontram nesse quadro dos cinco

    macacos principais no topo da colina o fragmento de alguma antiga cosmogonia que

    provavelmente j teria alguns milnios de idade.

    Hanuman

    Mas move-se por todo o Ramaiana um ser que, embora tambm macaco, de

    espcie diferente. Naquelas partes da ndia como o Himalaia ou o interior do estado de

    Maharashtra, onde os smbolos do hindusmo primitivo ainda existem em profuso,

    pequenas capelas de Hanuman so to comuns quanto as de Ganesha, e o macaco, como

    o elefante, adquiriu um singular convencionalismo de forma com certeza antiqussimo.

    Ele sempre visto de perfil, vigorosamente retratado em baixo-relevo numa laje. A

    imagem transmite mais a impresso de um emblema complexo do que de realismo

    plstico. Mas no h dvida quanto energia e beleza das qualidades que ele

    representa. Pode-se perguntar se h em toda a literatura outra apoteose da lealdade ou da

    entrega de si mesmo como a de Hanuman. Ele o ideal hindu do servidor perfeito, o

    servidor que encontra a plena realizao da humanidade, da fidelidade e da obedincia;

    o subordinado cuja glria est em sua prpria inferioridade.Hanuman j devia ser velho quando o Ramaiana foi concebido. Tentar saber

    agora o que teria sido o primeiro impulso que o criou seria algo intil. Mas Hanuman

    est ligado a uma ordem maior que a de Sugriva e Bali, os prncipes a quem ele serve,

    visto que, como Jatayu, ele tido como filho de Vayu, conhecido nos Vedas como o rei

    dos ventos. De qualquer maneira, a profundidade e a seriedade da parte do grande

    poema atribuda a ele lhe asseguram uma imortalidade indelvel. Qualquer que tenha

    sido sua poca ou origem, Hanuman apreendido e colocado pelo Ramaiana entre asconcepes religiosas da mais alta significao. Quando ele se inclina para tocar os ps

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    se espalhar pelo mundo, entre os homens, enquanto durarem as montanhas e os mares".

    Assim dizendo, Brahma desapareceu.

    Ento Valmiki, que residia no eremitrio entre seus discpulos, ps-se a compor

    o grande Ramaiana, que confere retido e riqueza a todos os que o ouvem, assim como a

    realizao de desejos e o rompimento de vnculos. Ele pesquisou mais profundamente a

    histria que havia ouvido de Narada e a partir de ento se sentou de acordo com o ritual

    da ioga e ps-se a meditar sobre aquele assunto e mais nenhum outro. Depois, pelos

    poderes que lhe conferia a ioga, ele contemplou Rama e Sita, Lakshman e Dasharatha,

    cada um com sua esposa e seu reino, rindo e conversando, tolerando e condescendendo,

    fazendo e desfazendo, como na vida real, e os viu com a mesma clareza com que se v

    uma fruta sustentada na palma da mo. Percebeu no s o que tinha existido quanto o

    que viria a existir. S ento, depois de concentrada meditao, quando toda a histria

    imprimiu-se em sua mente tal como um quadro, ele comeou a comp-la em shlokas,

    das quais, quando concluiu seu trabalho, havia no menos de vinte e quatro mil. Ento

    ele refletiu sobre como aquilo poderia ser publicado fora do pas. Para isso escolheu

    Kusi e Lava, os perfeitos filhos de Rama e Sita, que viviam na eremitrio da floresta,

    versados nos Vedas, na msica e em todo tipo de arte, agradveis em tudo de se ver.

    Valmiki ensinou-lhes o Ramaiana at que eles pudessem recit-lo com perfeio, de

    forma que aqueles que os ouvissem tivessem a impresso de ver diante dos olhos tudo o

    que a histria narrasse. Depois os irmos foram para Ayodhya, a cidade de Rama, onde

    Rama encontrou os ermites e os acolheu; e ali, diante de toda a corte, o Ramaiana foi

    recitado em pblico pela primeira vez.

    Dasharatha e o sacrifcio do cavalo

    Era uma vez uma cidade grande e bonita, chamada Ayodhya que significa"Inconquistvel" , no pas de Koshala. Ali todos os homens eram honrados e felizes,

    instrudos e contentes, verdadeiros e bem providos de bens, comedidos, caridosos,

    cheios de f. Seu rei era Dasharatha, um verdadeiro Manu entre os homens, uma lua

    entre as estrelas. Ele tinha muitos conselheiros sbios, entre os quais Kashyapa e

    Markandeya, e tinha tambm santos sacerdotes ligados sua famlia, sendo um deles

    Vashishtha e o outro Vamadeva. A um outro grande sbio, Rishyasringa, ele deu sua

    filha Santa. Seus ministros eram homens capazes de perfeio ao aconselhar e julgar;eram muito versados nas artes da poltica e sempre bem-falantes. Um nico desejo de

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    Dasharatha no fora satisfeito. Ele no tinha um filho, que perpetuaria sua linhagem.

    Por isso, depois de praticar em vo muito ascetismo, ele determinou por fim a maior de

    todas as oferendas: o sacrifcio de um cavalo. Chamando os sacerdotes da famlia e

    outros brmanes, deu todas as ordens necessrias para essa tarefa. Depois, voltando para

    os aposentos internos do palcio, contou s suas trs esposas o que havia sido decidido,

    e com isso o rosto delas brilhou de alegria como flores de ltus no princpio da

    primavera.

    Passado um ano, o cavalo que tinha sido solto voltou e Rishyasringa e

    Vashishtha realizaram a cerimnia, com grandes festividades e alegria. Ento,

    Rishiasringa disse ao rei que nasceriam quatro filhos dele, perpetuando a sua raa. E

    com essas doces palavras o rei se rejubilou.

    Vishnu nasce como Rama e seus irmos

    Ora, nessa ocasio todas as divindades estavam reunidas para receber a sua parte

    das oferendas e reunidas elas se aproximaram de Brahma com uma splica. "Um certo

    rakshasa mau que se chama Ravana nos oprime muito", disseram elas, "o que sofremos

    pacientemente porque lhe prometestes uma ddiva - no ser morto por gandharvas,

    yakshas, rakshasas ou deuses. Mas agora sua tirania se torna intolervel e, Senhor,

    deveis imaginar algum meio de elimin-lo". Brahma respondeu-lhes: "Esse rakshasa

    mau no se dignou pedir-me imunidade ao ataque dos homens; pelo homem, apenas, ele

    ser morto". Isso fez rejubilarem as divindades. Naquele momento chegou ali o grande

    deus hindu, Vishnu, vestindo roupas amarelas, portando clava, disco e bzio e

    cavalgando Garuda. As divindades o reverenciaram e pediram-lhe que as fizesse nascer

    como os quatro filhos de Dasharatha, para a destruio do astuto e irreprimvel Ravana.

    Ento aquele com os olhos de ltus, fazendo de si mesmo quatro seres, escolheuDasharatha para seu pai e desapareceu. Numa forma estranha, como um tigre

    flamejante, ele reapareceu no fogo sacrificai de Dasharatha e, cumprimentando-o,

    apresentou-se como mensageiro de Deus. "Tu, tigre entre os homens", disse ele,

    "aceita este arroz e este leite divinos e compartilha-os com tuas esposas". Ento,

    Dasharatha, exultante, tomou o alimento divino e deu uma poro dele a Kaushalya,

    outra poro a Sumitra, ainda outra a Kaikeyi e, por fim, a ltima poro novamente a

    Sumitra. No devido tempo, nasceram delas quatro filhos, que partilhavam a natureza de

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    Vishnu - de Kaushalya, Rama; de Kaikeyi, Bharata; e de Sumitra, Lakshmana e

    Satrughna; e esses nomes lhes foram dados por Vashishtha.

    Enquanto isso os deuses criaram poderosas hostes de macacos corajosos,

    inteligentes e espertos, que mudavam de forma, difceis de ser mortos. Esses macacos

    seriam os auxiliares do herico Vishnu em sua batalha contra os rakshasas.

    Os quatro filhos de Dasharatha atingiram a adolescncia, e eram mais

    destemidos e mais virtuosos que todos os demais. Rama, especialmente, tornou-se o

    dolo do povo e o favorito de seu pai. Dominando os Vedas, conhecendo com igual

    profundidade a cincia dos elefantes e dos cavalos e sabendo dirigir carros, ele era

    tambm o prprio espelho da cortesia. Lakshmana dedicava-se ao servio de Rama, de

    forma que os dois estavam sempre juntos. Lakshmana seguia Rama como uma sombra

    fiel, partilhando com ele de tudo o que era seu e protegendo-o sempre que ele saa para

    exerccios ou para caar. Da mesma forma Satrughna se ligou a Bharata. Foi assim at

    que Rama tivesse a idade de dezesseis anos.

    Ora, havia um grande rishi chamado Vishvamitra, que originalmente era chtria,

    mas, por haver adotado prticas ascticas jamais vistas, tinha obtido dos deuses a

    posio de rishi brmane. Ele vivia no eremitrio de Shiva, chamado Siddhashrama, e

    saiu de l para pedir uma ddiva de Dasharatha. Dois rakshasas, Maricha e Suvahu,

    auxiliados pelo malvado Ravana, continuamente perturbavam seus sacrifcios e poluam

    seu fogo sagrado; ningum, alm de Rama, podia vencer esses demnios. Dasharatha

    saudou alegremente Vishvamitra e prometeu-lhe satisfazer qualquer pedido dele, mas

    quando soube que seu caro filho Rama fora requisitado para um servio to terrvel e

    perigoso ficou perturbado, e a luz de sua vida parecia ter se apagado. Entretanto, ele no

    pde quebrar a palavra dada, e Rama e Lakshman foram embora com Vishvamitra para

    os dez dias de ritos sacrificais. Mas, mesmo tendo sido um tempo to diminuto, foi

    nesse perodo que teve incio sua humanidade, seu amor e seu empenho tenaz.Vashishtha animava o corao de Dasharatha, assegurando-lhe que a vitria de

    Rama era certa. Assim, com a bno de seu pai, Rama partiu com Vishvamitra e seu

    irmo Lakshman. Uma brisa fresca, deliciada ao ver Rama, bafejava suas faces, e do cu

    choviam flores sobre eles. Vishvamitra mostrava o caminho. Os dois irmos,

    carregando os arcos e as espadas, usando jias esplndidas e luvas de couro de lagarto,

    seguiam Vishvamitra como gloriosas chamas, tornando-o brilhante pelo reflexo de sua

    prpria irradiao.

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    Chegados ao eremitrio, Vishvamitra e os outros sacerdotes comearam o

    sacrifcio. E quando os rakshasas, como nuvens de chuva escurecendo o cu,

    irromperam adiante em formas horrveis, Rama golpeou e ps em fuga Maricha e

    Suvahu e feriu os outros demnios vigias noturnos. Terminados os dias de sacrifcios e

    ritual em Siddhashrama, Rama perguntou a Vishvamitra que outros trabalhos ele ainda

    devia fazer.

    Rama se casa com a filha de Janaka

    Vishvamitra respondeu que Janaka, raj de Mithila, estava prestes a celebrar um

    grande sacrifcio. "De l", disse ele, "ns nos retiraremos. E tu, tigre entre os homens,

    irs conosco e l contemplars um arco magnfico e maravilhoso. Esse grande arco os

    deuses deram, h muito tempo, para o raj Devarata; nem os deuses nem gandharvas,

    asuras ou rakshasas nem os homens tm fora para retesar-lhe a corda, embora muitos

    reis e prncipes tenham tentado fazer isso. Aquele arco adorado como uma divindade:

    o arco e o grande sacrifcio de Janaka tu contemplars".

    Assim, todos os brmanes daquele eremitrio, com Vishvamitra frente e

    acompanhados por Rama e Lakshman, partiram para Mithila; e os pssaros e animais

    selvagens que viviam em Siddhashrama acompanharam Vishvamitra, que tinha no

    ascetismo a sua riqueza. Enquanto iam pelos caminhos da floresta, Vishvamitra contou

    histrias antigas aos dois irmos e especialmente a histria do nascimento do Ganga, o

    grande rio Ganges.

    Janaka recebeu os ascetas com muitas honras e, indicando-lhes lugares de

    acordo com a posio de cada um, perguntou-lhes quem eram aqueles irmos que

    caminhavam entre os homens parecendo lees ou elefantes, parecendo deuses, e que

    eram to agradveis de se ver. Vishvamitra contou ao rei Janaka toda a histria dosfilhos de Dasharatha, sua viagem a Siddhashrama e a luta com os rakshasas, e que Rama

    tinha ido a Mithila para ver o famoso arco.

    No dia seguinte, Janaka convidou os irmos para ver o arco. Primeiramente

    contou-lhes como aquele arco tinha sido dado por Shiva aos deuses e pelos deuses ao

    seu prprio ancestral, Devarata. E completou: "Tenho uma filha, Sita, no nascida de

    homens, mas brotada num sulco, quando eu arava o campo e o cavava. Aquele que

    curvar o arco eu entregarei minha filha. Muitos reis e prncipes tm tentado, sem

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    sucesso, curv-lo. Agora eu vos mostrarei o arco e se Rama conseguir dobr-lo, eu lhe

    darei minha filha Sita".

    Ento o grande arco foi trazido numa carroa de oito rodas, puxada por cinco mil

    homens altos. Rama retirou o arco da caixa e esforou-se por curv-lo; o arco cedeu

    facilmente e ele o retesou at que, por fim, partiu-o em dois, e o som que se ouviu foi de

    um terremoto ou de um trovo. Os milhares de espectadores estavam admirados e

    aterrorizados. E todos, exceto Vishvamitra, Janaka, Rama e Lakshman, se prostraram no

    cho. Ento Janaka exaltou Rama, deu ordens para que se preparasse o casamento e

    enviou mensageiros para Ayodhya, encarregados de convidar para o casamento de seu

    filho o raj Dasharatha, que devia abeno-los.

    Depois os dois reis se encontraram e Janaka entregou Sita a Rama, e sua segunda

    filha, Urmila, a Lakshman. A Bharata e Satrughna, Janaka deu Mandavya e Srutakirti,

    filhas de Kushadhwaja. Ento aqueles quatro prncipes, cada um segurando a mo de

    sua noiva, andaram trs vezes em volta do fogo sacrifical, do dossel do casamento, do

    rei e de todos os ermites, enquanto do alto choviam flores e soava a msica celestial.

    Ento, Dasharatha, seus filhos e as quatro noivas voltaram para casa levando consigo

    muitos presentes e foram recebidos por Kaushalya, Sumitra e Kaikeyi, a de cintura fina.

    Sendo agora honrados e ricos, aqueles quatro excelentes cavalheiros ficaram morando

    em Ayodhya servindo a seu pai.

    Ora, daqueles quatro filhos, Rama era o mais querido de seu pai e dos homens de

    Ayodhya, de modo geral. Em todas as virtudes ele se sobressaa; porque era de

    temperamento sereno; em todas as circunstncias, de ventura ou de desventura, nunca se

    encolerizava sem razo; lembrava-se at mesmo de uma simples gentileza, mas esquecia

    uma centena de injrias; conhecia bem os Vedas e todas as artes e cincias da paz e da

    guerra, assim como a hospitalidade, a poltica, a lgica, a poesia, o treinamento de

    cavalos e de elefantes e a arte de manobrar o arco e a flecha; honrava as pessoas deidade avanada. No menosprezava ningum, mas solicitamente buscava o bem-estar

    das pessoas; servia ao pai e s mes e era dedicado aos irmos, especialmente a

    Lakshman. Bharata e Satrughna permaneciam com seu tio Ashwapati, que morava em

    uma outra cidade.

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    Rama feito herdeiro legtimo

    Mas Dasharata refletiu que havia reinado por muitos, muitos anos e estava

    cansado, ento pensou que no poderia ter maior alegria do que ver Rama instalado no

    trono. Reuniu um. conselho de seus vassalos, conselheiros, reis e prncipes vizinhos,

    que residiam em Ayodhya, e em palavras solenes, com rufar de tambores, dirigiu-se

    quela assemblia de homens:

    Sabeis bem que por muitos anos tenho governado este imprio, sendo um pai

    para aqueles que nele vivem. Sem pensar em minha prpria felicidade, tenho passado

    meus dias governando de acordo com o dharma. 3

    Agora desejo descansar e quero investir meu filho mais velho, Rama, como

    herdeiro legtimo e confiar-lhe o governo. Mas para isso, meus senhores, preciso de

    vossa aprovao; pois a opinio do desapaixonado diferente da do exaltado, e a

    verdade surge do conflito das vrias opinies. Os prncipes rejubilaram-se com as

    palavras do rei, como paves que danam ao ver nuvens pesadas de chuva. Surgiu o

    sussurro de muitas vozes enquanto, a um tempo, os brmanes, os comandantes do

    exrcito, os cidados e os camponeses ponderavam. Juntos, eles ento responderam: "O

    velho rei! Ns vos asseguramos que desejamos ver o prncipe Rama investido no ttulo

    de herdeiro, montando o elefante do reino, sentado sob o guarda-sol do domnio".

    O rei inquiriu ainda uma vez, para maior certeza: "Por que quereis Rama para

    vosso governante?.

    E eles responderam: "Em razo de suas muitas virtudes, pois ele se sobressai

    entre os homens, como Sakra entre os deuses. Em clemncia ele como a Terra, em

    debate, como Brihaspati. Ele fala a verdade e um vigoroso arqueiro. Est sempre

    ocupado com o bem-estar do povo e no dado a depreciar quando encontra um defeito

    entre muitas virtudes. perito em msica e seus olhos vem com justia. Nem seuprazer e nem sua clera so em vo; ele facilmente abordvel, tem autocontrole e

    quando parte para a guerra ou para a proteo de uma cidade ou provncia volta sempre

    vitorioso. Ele amado por todos. De fato, a Terra o quer para seu Senhor".

    Ento o rei convocou Vashishtha, Vamadeva e outros brmanes e lhes ordenou

    que apressassem os preparativos para a investidura de Rama. Ordenou-se que se

    providenciasse o aprovisionamento de ouro, prata e pedras preciosas, vasos para rituais,

    gros, mel e manteiga purificada, tecidos at ento desconhecidos, armas, carros,elefantes, um touro com chifres dourados, uma pele de tigre, o cetro e o guarda-sol,

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    alm de uma grande quantidade de arroz, coalhada e leite para a alimentao de

    centenas ou milhares de pessoas. Iaram-se bandeiras, as estradas foram molhadas,

    dependuraram-se guirlandas nas portas; os fidalgos foram notificados para se

    apresentarem de armadura e os danarinos e cantores para se manterem de prontido.

    Ento Dasharatha mandou buscar Rama, aquele heri de braos longos, belo como a lua

    e que alegrava os olhos de todos os homens. Rama passou atravs do povo como uma

    lua num cu estrelado de outono e, inclinando-se profundamente, beijou os ps do pai.

    Dasharatha levantou-o e sentou-o numa cadeira preparada para ele, dourada e coberta de

    pedras preciosas, onde ele parecia uma imagem ou reflexo de seu pai no trono. Ento o

    velho rei comunicou a Rama o que se havia decidido e anunciou que ele seria

    proclamado herdeiro. E acrescentou um sbio conselho nestas palavras: "Embora sejas

    virtuoso por natureza, eu te aconselharia por amor e pelo teu bem: Procura ser o mais

    benevolente e o mais contido em tua sensualidade; evita toda concupiscncia e clera;

    mantm teu depsito de armas e munies e teu tesouro; pessoalmente, e por meio de

    outros, procura estar bem informado com relao aos negcios de Estado; governa com

    justia, para que o povo possa rejubilar-se. Prepara-te para a ao, meu filho, e

    empreende tua tarefa".

    Ento os amigos de Kaushalya, me de Rama contaram-lhe tudo o que tinha sido

    feito e receberam ouro, gado e pedras preciosas em recompensa pela boa notcia, e todos

    os homens, com grande contentamento, foram para casa e agradeceram aos deuses.

    Depois o rei tornou a chamar Rama e teve com ele uma conversa. "Meu filho",

    disse ele, "amanh sers investido como herdeiro legtimo, pois estou velho e tenho tido

    sonhos maus, e os astrlogos me informaram que minha estrela da vida est ameaada

    pelos planetas Sol, Marte e Rahu. Portanto tu, com Sita, deveras fazer uma refeio,

    bem guardado por teus amigos. Bem depressa eu te investirei, pois o corao, mesmo

    dos virtuosos, muda pela influncia de conjunes naturais e ningum sabe o que podevir a acontecer". Depois Rama deixou seu pai, e procurou a me nos aposentos ntimos.

    Encontrou-a no templo, vestida de seda, adorando os deuses e pedindo pela sade dele.

    L estavam tambm Lakshman e Sita. Rama reverenciou-a e lhe pediu que preparasse

    tudo o que ele e Sita iriam precisar em sua noite de abstinncia. Voltando-se depois para

    Lakshman, ele disse: "Reinars na terra comigo, pois essa a tua boa fortuna, no

    menos que a minha. Minha vida e meu reino eu desejo apenas por tua causa". Em

    seguida ele foi com Sita para seus alojamentos e tambm Vashishtha foi at l, paraabenoar a abstinncia.

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    Durante toda aquela noite as ruas e estradas de Ayodhya estavam cheias de

    homens apressados; o tumulto e o sussurro de vozes soavam como o rugido do oceano

    quando lua cheia. As ruas estavam limpas e lavadas, e com guirlandas, fios de

    bandeirolas e estandartes; lmpadas acesas foram colocadas em tocheiras de metal

    rendilhado. O nome de Rama estava nos lbios de cada homem, e todos aguardavam o

    dia seguinte, enquanto Rama, dentro de casa, fazia abstinncia.

    A conspirao de Kaikeyi

    Durante todo esse tempo a me de Bharata, Kaikeyi, no tinha ouvido uma nica

    palavra sobre a inteno do raj Dasharatha. Kaikeyi era jovem e apaixonada, e muito

    bonita; era generosa por natureza, mas no to bondosa ou sbia que no fosse

    suscetvel de ser influenciada por desonestas incitaes de seus prprios desejos ou pela

    instigao de outras pessoas. Sua fiel criada era velha e corcunda, uma mulher de muito

    mau gnio chamada Manthara. Ora, Manthara, vendo a alegria reinante e sabendo que

    Rama seria investido como herdeiro do trono, foi correndo informar a ama sobre esse

    infortnio para Bharata pois era assim que, em sua mente estreita, ela via a honra de

    Rama.

    " criatura insensvel", disse ela, "por que estais despreocupada e contente

    quando vos acontece uma tal desgraa?" Kaikeyi perguntou-lhe que desgraa tinha

    acontecido e ento Manthara respondeu com palavras enraivecidas: "Ah, minha

    senhora, uma terrvel destruio se seguir vossa felicidade; por essa razo estou

    mergulhada num medo incomensurvel e sofrendo com a opresso e a mgoa.

    Queimando como um fogo, corri, aflita, vossa procura. Sois verdadeiramente uma

    Rainha da Terra. Mas, embora vosso Senhor fale suavemente, ele astucioso e de mau

    corao, e deseja prejudicar-vos. E o bem-estar de Kaushalya que ele procura, no ovosso, quaisquer que sejam as doces palavras que possa ter para vs. Bharata foi

    mandado para longe e Rama tomar assento no trono! Na verdade, minha menina,

    cuidando de vosso marido, estveis nutrindo uma serpente venenosa! Agora deveis agir

    com urgncia e encontrar um caminho para salvar-vos e a Bharata e a mim". Mas as

    palavras de Manthara alegraram Kaikeyi; ela se rejubilou com a notcia de que Rama

    seria o herdeiro, e dando uma jia criada corcunda disse-lhe: "Que recompensa eu

    posso dar-te por esta notcia? Estou, na verdade, contente por ouvir essa histria. Rama

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    e Bharata me so muito caros, e eu no encontro diferena entre eles. bom que Rama

    sente-se no trono. Obrigada por tua boa notcia".

    Ento a criada corcunda ficou mais encolerizada e atirou fora a jia. "No

    possvel!", disse ela, "sois louca em vos regozijardes com tamanha calamidade! Que

    mulher de bom senso ficaria contente com notcias nefastas e com a escolha do filho de

    outra esposa? Vs sereis, por assim dizer, escrava de Kaushalya, e Bharata, apenas um

    criado de Rama".

    Mas Kaikeyi, ainda assim, no tinha sido levada inveja. "Por que lamentar-me

    ante a fortuna de Rama?", perguntou ela. "Ele muito digno de ser rei; e se o reino for

    seu, ser tambm de Bharata, pois Rama sempre v seus irmos como a si prprio".

    Ento Manthara, suspirando muito asperamente, respondeu a Kaikeyi: "Compreendeis

    pouco, pensando ser bom o que vossa m sorte. Quereis dar-me um presente por

    causa da promoo de outra esposa! Eu sei seguramente que, uma vez bem estabelecido,

    Rama banir Bharata para uma terra distante ou para o outro mundo. Bharata seu

    inimigo natural, pois que outro rival ele tem, uma vez que Lakshman deseja apenas seu

    bem-estar e Satrughna ligado a Bharata? Tendes o dever de salvar Bharata de Rama,

    que o vencer, como a um leo ou a um elefante: vossa co-esposa, a me de Rama,

    tambm procurar vingar-se daquele pouco caso que fizestes dela certa vez. Vossa sorte

    ser triste quando Rama governar a terra. Devieis, enquanto h tempo, planejar colocar

    vosso filho no trono e banir Rama".

    Isso despertou o orgulho e o cime de Kaikeyi. Ela ficou rubra de clera e,

    respirando profunda e fortemente, respondeu a Manthara:

    "Hoje mesmo Rama dever ser banido e Bharata, investido como herdeiro. Tens

    algum plano para realizar essa minha vontade?"

    Ento Manthara a fez lembrar uma antiga promessa: como, muito tempo atrs,

    numa grande batalha com os rakshasas, Dasharata tinha sido ferido e quase morrera;como Kaikeyi o havia encontrado inconsciente no campo de batalha, o tinha carregado

    para um lugar seguro e o curara; como Dasharatha lhe prometera dois favores e ela os

    tinha reservado para exigi-los quando e como quisesse.

    "Agora", disse Manthara, "pedi a vosso marido estes favores: fazer de Bharata o

    herdeiro do trono e banir Rama para a floresta por quatorze anos. Durante esses anos,

    Bharata estar to bem estabelecido e ter-se- feito to querido do povo que no

    necessitar recear Rama. Assim, deveis entrar no quarto da raiva, 4 deixar cair vossasjias e, vestindo uma roupa suja, no conceder nem uma nica palavra ou olhar para

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    como herdeiro legtimo. Tu, agora, provas tua palavra real, de acordo com tua raa,

    carter e nascimento. A verdade, assim dizem os eremitas, ser de suprema vantagem

    para os homens quando eles atingirem o mundo que vir em seguida."

    O dilema de Dasharatha

    Ento Dasharatha foi tomado pelo desespero e desfaleceu. Quando voltou a si,

    implorou a Kaikeyi que abrisse mo de seu direito. Por muito tempo ele implorou,

    chorando lgrimas amargas e achando que tudo no passava de um sonho mau; mas

    Kaiekyi respondia apenas com exortaes para que ele cumprisse a palavra dada,

    fazendo-o se lembrar de muitos exemplos antigos de verdade: falou-lhe de Saivya, que

    deu sua prpria carne para um falco ao v-lo perseguindo a pomba que ele havia

    protegido, e de Alarka, que doou seus olhos para um brmane. "Se no cumprires o que

    foi prometido estars desgraado para sempre, e aqui e agora eu me matarei", disse ela.

    Ento Dasharatha, movido por Kaikeyi como um cavalo aguilhoado, gritou: "Estou

    fortemente preso pelo lao da verdade: essa a razo de toda a minha aparente loucura.

    Meu nico desejo ver Rama".

    Quando o dia estava nascendo, Vashishtha ordenou ao cocheiro de Rama que

    informasse o rei de que tudo estava pronto para a cerimnia. Quase incapaz de dizer

    qualquer coisa, tamanho o seu desespero, o rei mandou o cocheiro levar Rama at onde

    ele estava. Assim, deixando Sita com alegres palavras, Rama dirigiu a carruagem pelas

    ruas festivas rumo ao palcio do pai; aqueles que no tinham a felicidade de ver Rama

    ou de por ele ser vistos desprezavam a si mesmos e eram desprezados por todos.

    Respeitosamente, Rama cumprimentou o rei e Kaikeyi, mas Dasharatha,

    arrasado, apenas pde dizer num murmrio dbil: "Rama, Rama". Profundamente aflito,

    Rama se perguntava se tinha feito alguma coisa errada ou se havia acontecido algumadesdita ao pai. "Ah, me!", disse ele para Kaiekyi, "que desgraa abateu tanto meu pai?"

    Ento ela respondeu insensivelmente: "Rama, nada est afligindo teu pai; mas ele tem

    de dizer-te alguma coisa e, sendo tu o seu filho predileto, ele no consegue articular a

    fala que ir te prejudicar. Entretanto, deves cumprir o que ele me prometeu. H muito

    tempo o Senhor da Terra prometeu-me dois favores; agora ele em vo quer construir um

    dique, depois que toda a gua j passou pois tu sabes que a verdade a raiz de toda

    religio. Se fizeres tudo o que ele ordena, seja bom ou mau, eu te contarei tudo". Ramarespondeu: "Cara senhora, no me digais tais palavras; pois se ele ordenar, sou capaz de

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    me atirar ao fogo ou de beber um forte veneno. Sabei que eu realizarei os seus desejos;

    promessa de Rama nunca falha". Ento Kaikeyi contou-lhe a histria dos favores e

    disse: "Esses so os favores que ele me prometeu: que tu viverias como um ermito na

    floresta de Dandaka durante quatorze anos, com roupas de pele e cabelos emaranhados,

    e que Bharata seria proclamado, hoje, herdeiro. Teu pai est demasiado abalado e no

    pode sequer olhar-te, mas salvars a honra dele cumprindo aquelas importantes

    promessas que ele me fez".

    Rama no ficou desgostoso ou enraivecido com aquelas palavras cruis, mas

    respondeu tranqilamente: "Seja como dissestes. Sinto apenas pelo estado de meu pai.

    Que envieis, imediatamente, mensageiros para Baratha, enquanto eu, sem questionar o

    desejo de meu pai, vou para a floresta. Mesmo que ele, em pessoa, no me tenha dado a

    ordem, vosso comando suficiente. Permiti-me, agora, ver minha me e confortar Sita,

    e vs, ajudai e atendei a ambos, a Bharata e a nosso pai, pois isso deve ser feito". Ento

    Rama, impassvel, seguido por Lakshman, este vermelho de raiva, procurou sua me e

    encontrou-a fazendo oferendas a Vishnu e outras divindades. Ela o cumprimentou

    alegremente. Depois de responder com reverncia, ele lhe disse tudo o que havia

    acontecido: Bharata seria indicado como herdeiro e ele iria viver catorze anos em exlio

    na floresta. Como uma grande rvore sl

    abatida pelo machado do lenhador, ela se atirou ao cho e chorou

    inconsolavelmente. "Ah, meu filho", disse ela, "se no tivesses nascido, eu teria

    lamentado apenas no ter tido filho, mas agora minha desdita muito maior. Sou a mais

    velha das rainhas e tenho sempre suportado muita coisa das esposas mais jovens. Agora

    serei como uma das criadas de Kaikeyi, ou at mesmo menos. Ela sempre ranzinza

    comigo. Como posso eu agora, negligenciada por meu marido, olh-la nos olhos? Por

    vinte e sete anos de tua vida esperei pelo final da tristeza, mas agora no sei por que a

    morte tarda em levar-me daqui. Toda a doao de esmolas e o ascetismo que pratiqueiforam em vo. Contudo, ah, meu querido! Eu te seguirei at mesmo na floresta, como

    uma vaca segue seu bezerro; porque no posso suportar o tempo at tua volta ou viver

    entre as outras esposas. Por caridade, leva-me contigo, como uma cerva da floresta".

    Mas Lakshman exortava o irmo a resistir, com palavras duras e impacientes, jurando

    lutar por Rama e censurando asperamente Dasharata. Ento Kaushalya juntou sua

    splica de Lakshman e disse que se mataria caso Rama a deixasse. Mas Rama,

    intocado pelo desejo de domnio, respondeu a Lakshman que Kaikeyi tinha sido apenasum instrumento nas mos do destino; que outros de sua linhagem haviam cumprido

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    tarefas difceis ordenadas prelo pai. Que ele seguiria o mesmo caminho, pois ningum

    sofre degradao quando obedece ao pai. "O dedicado irmo, estou determinado a

    obedecer s ordens de meu pai". Para Kaushalya, ele respondeu: "O rei foi apanhado por

    Kaikeyi numa armadilha, mas se o deixardes quando eu tiver ido embora, ele

    certamente morrer. Portanto, ficars e o servirs, de acordo com o teu dever. E pssaras

    teu tempo honrando os deuses e os brmanes". Ento, Kaushalya acalmou-se e

    abenoou o filho, pedindo aos deuses e rishis, altares de pedra e rvores, montanhas e

    veados da floresta e a todas as criaturas do cu que o guardassem. Depois, com fogo

    sagrado e ritual brmane, abenoou sua partida e caminhou trs vezes em torno de

    Rama no sentido do movimento solar, e ele foi encontrar Sita.

    Sita, que nada sabia do que havia acontecido, levantou-se e cumprimentou-o

    com as pernas trmulas, pois j no podia esconder sua aflio. Ento Rama contou-lhe

    tudo o que havia sido feito e disse: "Agora Bharata rei; tu no deveras louvar-me,

    mesmo entre teus amigos; ento, que vivas em paz, como algum simptico a eles; que

    te levantes cedo, adores os deuses, reverencies os ps de meu pai, Dasharatha, e honres

    minha me, Kaushalya, e depois dela, minhas outras mes, com igual amor e afeio.

    Cuida de Bharata e de Satrughna como se eles fossem teus filhos ou irmos, pois eu os

    quero mais que minha prpria vida. Assim vive tu aqui enquanto eu viver na floresta".

    Sita segue com Rama para o exlio

    Ento Sita respondeu: "Posso apenas zombar de palavras to inadequadas,

    imprprias de ser ouvidas, muito menos de ser faladas por um grande prncipe como tu.

    Pois, senhor, um pai, me, filho, irmo ou cunhada age de acordo com o resultado de

    suas prprias aes. Mas uma esposa, melhor dos homens, partilha a sorte de seu

    marido. Portanto, foi-me ordenado, no menos que a ti, o exlio na floresta. Se vais para

    l, eu irei antes de ti, andando sobre abrolhos e capim espinhoso. Serei to feliz ali

    como em casa de meu pai, pensando apenas em servir-te. No te causarei incmodos,mas viverei de razes e frutos. Eu te precederei na caminhada e comerei depois de ti. E

    haver esplndidas lagoas com gansos selvagens e outras aves e com flores de ltus

    bem abertas, onde poderemos nos banhar. Serei feliz contigo, mesmo por cem ou mil

    anos!"

    Rama lutou para dissuadi-la, falando das dificuldades e perigos suportados pelos

    habitantes da floresta: ferozes animais selvagens, serpentes venenosas, cama feita de

    folhas, alimento escasso, ritual rduo, fome, sede e medo. Mas Sita, com lgrimas nosolhos, respondeu pacientemente: "Esses males me parecem bnos, se tu estiveres

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    cesto". Ento Kaikeyi trouxe roupas de ermites, uma para Rama, outra para Lakshman

    e outra para Sita. Mas esta, vestida com roupa de seda, tremeu como uma corsa ante

    uma armadilha e chorou ao ver as roupas de ermit. Eles tentaram persuadir Rama a

    deixar Sita ficar em casa esperando sua volta. E Vashishtha repreendeu Kaikeyi: "No

    estava no compromisso que Sita iria para a floresta", disse ele. "Seria melhor se ela

    ficasse no trono de Rama, pois para todos que se casam a esposa um segundo eu. Que

    Sita governe a terra no lugar de Rama, sendo o prprio Rama, pois estejas certa de que

    Bharata se recusar a tomar acento no trono que seria de Rama. Olha, Kaikeyi, no h

    uma pessoa neste mundo que no seja amiga de Rama; hoje mesmo podes ver os

    animais selvagens, os pssaros e serpentes seguirem-no e as rvores se inclinando na

    sua direo. Portanto, deixa Sita estar bem ornamentada e ter consigo carros, bens e

    Serviais, quando seguir Rama".

    Ento Dasharatha deu-lhe suas roupas e jias e, deixando de lado o vestido de

    ermit, Sita brilhou, resplandecente, enquanto o povo murmurava contra Kaikeyi e

    Sumantra jungia os cavalos ao carro de Rama. A me de Rama disse adeus a Sita,

    aconselhando-a, de acordo com os deveres das mulheres, a considerar seu senhor um

    Deus, embora ele estivesse exilado e tivesse sido despojado de fortuna, ao que Sita

    respondeu: " mais fcil a lua perder o brilho do que eu me afastar dessa conduta. O

    alade sem cordas silencioso, o carro sem rodas imvel; dessa forma, uma mulher

    separada de seu senhor no pode conhecer felicidade. Como poderia eu negligenciar

    meu prprio marido, que foi instrudo sobre os deveres maiores e os menores por

    aqueles que esto acima de mim?"

    Ento Rama se despediu de Dasharatha e de suas mes. Disse-lhes com as mos

    postas, num gesto de prece: "Se alguma vez, irrefletidamente, lhes falei com descortesia

    ou sem querer as ofendi, perdoai-me. Eu vos sado, a todos, meu pai e mes, e parto".

    Ento, Sita, Rama e Lakshman caminharam trs vezes em volta do rei, na direo dosponteiros do relgio, e se foram.

    Rama, Lakshman e Sita, em terceiro lugar, entraram no flamejante carro

    dourado, levando suas armas e cotas de malha, o machado, o cesto e os presentes de

    Dasharatha para Sita; e Sumantra instigou os excelentes cavalos, to rpidos quanto o

    prprio vento. Na cidade, homens e animais estavam emudecidos pela dor e, fora de si,

    corriam desabaladamente atrs de Rama, como viajantes sedentos que haviam avistado

    gua. At mesmo a me de Rama correu atrs do carro. Ento Rama disse ao cocheiro:"V depressa!", pois, como um elefante aguilhoado, ele no suportaria olhar para trs.

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    Logo Rama j estava muito longe, e as pessoas, que agora j no podiam mais v-lo,

    olhavam fixamente o rastro do carro. Ento Dasharata voltou-se para Kaikeyi e

    amaldioou-a com a separao de cama e de lar, e disse, vendo a cidade com as ruas

    vazias e os quiosques fechados: "Leva-me depressa at o aposento de Kaushalya, a me

    de Rama; apenas ali posso encontrar um pouco de repouso".

    Rama, Sita e Lakshman vo para o exlio

    Avanando depressa durante dois dias, Rama atingiu a fronteira de Koshala e,

    virando-se para trs na direo de Ayodhya, despediu-se da terra e do povo. "Ah, a

    melhor das cidades", ele disse. "Digo isso a ti e s divindades que te guardam e em ti

    residem: quando voltar de minha floresta natal, depois de ter pago o meu dbito, verei a

    ti, a meu pai e a minha me novamente". Ento eles deixaram Koshala abundante de

    riqueza e gado e de nobres brmanes. Passaram por terras risonhas at atingirem o

    abenoado Ganga, claro como cristal, freqentado por todas as criaturas, por deuses e

    anjos, sem pecado e destruidor de pecados. Ali, Guha, rei de Nishadha, cumprimentou-

    os, alimentou os cavalos e guardou-os durante toda a noite. De madrugada, quando se

    fizeram ouvir a voz triste do cuco e o grito do pavo, ele mandou buscar uma esplndida

    balsa. Ento Rama pediu uma pasta de goma e ele e Lakshman fizeram de seus cabelos

    uma guedelha, maneira dos eremitas que moram na floresta. Rama disse adeus a

    Guha; a Sumantra, o cocheiro, ordenou que retornasse a Ayodhya, embora ele pedisse

    permisso para prosseguir at mais adiante. Ento, enquanto faziam a travessia, Sita

    pediu a Ganga por um retorno seguro, catorze anos mais tarde, prometendo adorar

    aquela rainha do rio e fazer-lhe muitas oferendas.

    Naquela noite eles ficaram debaixo de uma grande rvore, na margem oposta, e

    comeram carne de javali, caado por Rama e Lakshman; e os dois irmos juraramproteger-se mutuamente e o mesmo fazer por Sita, solitrios ou entre outros homens.

    Lakshman caminharia na frente, depois, Sita e Rama. Eles conversaram tambm sobre

    Ayodhya, e Rama, temendo o corao ruim de Kaikeyi, queria que Lakshman voltasse

    para cuidar de Kaushalya. Ele se ps a censurar Kaikeyi e, de certa maneira, seu pai,

    dominado pela vontade de uma mulher. Mas Lakshman confortou o irmo, para que ele

    no mais chorasse. "No deves te afligir", disse ele, "pois assim afliges a Sita e a mim,

    Rama! No posso viver sem ti mais que um peixe fora d'gua; sem ti, no quero ver

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    meu pai nem Satrughna ou Sumitra, nem o prprio Cu". Isso confortou Rama, que

    dormiu com Sita sob uma figueira-brava enquanto Lakshman vigiava.

    No dia seguinte eles chegaram ao lugar sagrado onde o Ganga se une com o

    Jamna, em Prayag. Ali eles se encaminharam para o eremitrio de Bharadwaja, guiados

    pelas espirais de fumaa do fogo sacrificai. Chegando l, tiveram uma acolhida

    calorosa. Bharadwaja aconselhou-os a procurar a montanha de Chitrakuta, a dez lguas

    de Prayag. "H uma moradia apropriada para vs", disse ele, "adornada com muitas

    rvores, ressonante com gritos de paves e visitada por grandes elefantes. H manadas

    de elefantes e de cervos. Errars pelos bosques com Sita e te deliciars com os rios,

    regatos, cavernas e fontes. E com os pios dos cucos, os berros dos cervos, com as frutas

    e razes gostosas". Ele ensinou-lhes o caminho para a montanha, atravessando o Jamna e

    passando pela grande figueira-brava Shyama, pelo Dusky e da, por uma bonita estrada

    arenosa, pelas florestas do Jamna afora.

    Ento, Rama, Sita e Lakshman despediram-se de Bharadwaja, atravessaram o

    Jamna numa balsa e foram para Shyama. Imediatamente aps a chegada ali, Sita pediu a

    Jamna, apresentando muitas oferendas de vacas e vinho, que Rama voltasse inclume.

    Sita orou tambm para Shyama, saudando-a de mos postas: "O grande rvore, eu me

    inclino diante de ti! Que a vontade de meu senhor seja cumprida e que possamos outra

    vez contemplar Kaushalya e Sumitra". Enquanto eles seguiam floresta adentro, Sita,

    vendo rvores e flores desconhecidas, fazia muitas perguntas a Rama quanto ao nome e

    s virtudes de cada uma delas; e Lakshman, para agrad-la, levava-lhe flores e frutos.

    Sita se alegrava com os riachos ondulantes, os gritos de garas e paves, a vista de

    elefantes e macacos.

    No segundo dia eles atingiram a montanha Chitrakuta, onde ficava o eremitrio

    de Valmiki. Cumprimentado por aquele rishi, Rama contou-lhe o que acontecera.Depois Lakshman trouxe diversos tipos de madeira e os irmos construram uma bonita

    casa com portas e coberta de folhas. Ento Lakshman matou um cervo e o cozinhou.

    Rama fez oferendas rituais s divindades daquele lugar e, depois da comunho com as

    divindades, entrou com Sita e Lakshman na casa perfeitamente colmada. De corao

    feliz, eles se rejubilaram e deixaram de afligir-se por Ayodhya.

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    Sofrimento e morte de Dasharatha

    Entrementes, Ayodhya era um lugar de sofrimento e lamentaes, sem consolo

    para o rei e para o povo. No quinto dia do exlio de Rama, justamente quando por um

    momento Kaushalya cedera dor e censurava seu senhor, veio mente de Dasharatha a

    lembrana de um pecado cometido no passado, por meio de uma flecha que encontrou

    seu alvo pelo som. Pecado que agora havia gerado o fruto do exlio e da morte.

    Lembrando esse pecado, ele contou a Kaushalya, naquela mesma noite, como o havia

    cometido:

    "Eu era um arqueiro to exmio que havia adquirido a fama de poder atingir o

    alvo orientando-me apenas pelo som. Tu, senhora, no eras casada e eu era um jovem

    prncipe. Foi quando, depois de dias de calor escaldante, choveu pela primeira vez; rs e

    paves se rejubilavam, as rvores eram sacudidas pelo vento e pela chuva e as

    montanhas estavam escondidas pelos pesados aguaceiros. Num dia to agradvel, sa

    para caar perto do rio Sarayu e l ouvi um som, como se estivessem enchendo uma

    jarra ou como o rugido de um elefante. Ento atirei uma flecha na direo do som, pois

    estava escuro e no se podia ver nada. Ento ouvi gemidos e gritos e encontrei um

    eremita perto da margem ferido pela flecha; ele me falou onde era a sua casa, pediu-me

    que procurasse seus velhos pais no eremitrio prximo dali e morreu logo em seguida, o

    que eu lamentei. Ento procurei o pai e a me dele, que estavam ansiosos, dada a sua

    demora, e confessei-lhes minha ao; e o rishi, cujas imprecaes poderiam ter me

    queimado at me reduzir a cinzas, poupou-me a vida porque eu lhe havia dito,

    espontaneamente, tudo o que acontecera. Mas quando a pira funeral estava pronta e

    aqueles velhos, chamados por uma viso de seu filho, queimaram seus corpos sobre a

    pira juntamente com o dele, o casal me amaldioou com uma sentena: no final eu

    encontraria minha morte chorando por um filho. Sabes, bondosa senhora, que o frutodas ms ou das boas aes colhido por aquele que as pratica. O indivduo que pratica

    uma ao sem considerar as conseqncias infantil. Aquele que derruba uma

    plantao de mangas e irriga outras rvores pode esperar por frutos quando contempla a

    flor, mas quando vem a estao das frutas ele lamentar. Isso acontece comigo agora:

    estou morrendo de pesar pelo exlio de Rama. Mal te enxergo e sinto minha mente

    embotada; estou como uma lmpada fumegante com a chama baixa, quando resta

    apenas um pouco de leo. Ah, Rama! Ah, Kaushalya, ah, infeliz Sumitra, ah, cruelKaikeyi". Assim lamentando, o raj Dasharatha morreu.

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    Quando a notcia se espalhou, no dia seguinte, Ayodhya ficou mergulhada na

    mais profunda dor, pois num reino sem rei tudo vai mal; a chuva no cai, no h jbilo

    nem prosperidade, nem segurana; um reino sem um rei um rio sem gua, um bosque

    sem grama, um rebanho sem guardador; um rei pai e me, e empreende o bem-estar de

    todos os homens e seus animais. Isso considerado, os oficiais do palcio e os sacerdotes

    da famlia, presididos por Vashishtha, decidiram enviar mensageiros em busca de

    Bharata a fim de cham-lo com urgncia para um assunto que no podia ser adiado; mas

    os mensageiros nada poderiam dizer-lhe sobre o exlio de Rama ou a morte do rei.

    Viajando a toda pressa em carros puxados por bons cavalos, eles atingiram certa noite a

    rica cidade de Girivraja, em Kekaya, onde vivia Bharata com seu tio materno.

    Naquela mesma noite Bharata tinha sonhado muitos sonhos maus e no pudera

    ser confortado. "Eu, Rama, Lakshman ou o rei estamos para morrer", disse ele. Ento os

    mensageiros chegaram e foram bem recebidos. Bharata perguntou se tudo estava bem

    com seu pai, as mes e os irmos, e asseguraram-lhe que tudo estava tranqilo. Ento os

    embaixadores entregaram sua mensagem e Bharata transmitiu-a ao tio e ao av e em

    seguida se despediu, pois iria imediatamente para Ayodhya. Os embaixadores lhe

    haviam levado muitos presentes, como tecidos de l e peles de cervo, elefantes, ces e

    cavalos velozes, mas Bharata, cheio de ansiedade por causa dos sonhos e da pressa com

    que sua viagem fora feita, teve pouco prazer com os presentes e, levando consigo

    Satrughna, partiu logo para Ayodhya.

    No alvorecer do stimo dia o filho de Kaikeyi contemplou a magnfica cidade.

    Vendo que tudo estava escuro e silencioso naquele lugar de tristeza e observando muitas

    cenas infaustas que pressagiavam desdita, Bharata entrou no palcio real com o corao

    pesado. No vendo o pai em seus aposentos, procurou pela me, Kaikeyi, e tocou-lhe os

    ps. Encantada, ela se levantou de sua cadeira dourada e perguntou-lhe como fora a

    viagem e como ele estava. Depois de responder s suas perguntas ele quis saber notciasdo pai. "Onde est aquele senhor dos homens, pois anseio por tocar-lhe os ps. Durante

    a maior parte do tempo ele fica aqui convosco, mas vosso quarto e vosso leito esto

    vazios. Ele estar com Kaushalya? Ento Kaikeyi, cega pelo brilho da glria e julgando

    desejvel para Bharata aquilo que na verdade ele considerava um mal, respondeu-lhe:

    "Teu pai se foi pelo caminho de tudo o que vive". Ele ento lamentou longa e

    tristemente, e por fim disse: "Felicidade para Rama e para aqueles que estavam

    presentes quando meu senhor ainda vivia e puderam realizar os ritos fnebres. Mas ondeest Rama, que meu pai, irmo e amigo? Eu sou seu servo e me abrigo aos seus ps.

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    Por favor, informai-o de que estou aqui. E dizei-me como meu pai morreu e quais foram

    suas ltimas palavras". Ento Kaikeyi contou-lhe como o pai havia morrido. "E estas

    foram suas ltimas palavras", disse ela: 'Abenoados sejam aqueles que vero Rama e o

    fortemente armado Lakshman voltando para c, junto com Sita'." Ento Bharata

    suspeitou da ocorrncia recente de uma desgraa e perguntou me para onde Rama,

    Lakshman e Sita tinham ido. "Rama foi com Sita e Lakshman, usando roupas de

    eremitas, para a floresta de Dandaka", respondeu ela, e lhe contou toda a histria dos

    favores, imaginando alegr-lo. Mas ele ficou muitssimo zangado e acusou Kaikeyi de

    assassinar Dasharatha. "Como um carvo em brasa, nascida para a destruio de nosso

    povo, sois vs, a quem meu pai inadvertidamente abraava. Quo pouco sabeis a

    respeito do meu amor por Rama! Apenas em considerao a ele, que vos chama de me,

    no vos repudio. Este reino uma carga muito pesada para mim e que mesmo se assim

    no fosse eu no o receberia. Agora trarei Rama de volta da floresta e o servirei. Mas

    vs sofrereis misria neste mundo e no prximo; o que vos convm morrer queimada

    ou com uma corda no pescoo, ou no exlio". Ento chegaram Kaushalya e Vashishtha e

    saudaram Bharata; e, orientado por aquele sbio habilidoso, Bharata cumpriu todos os

    ritos fnebres do pai e com suas mes caminhou no sentido do sol em volta da pira

    funerria em chamas, e depois de dez dias de luto recolheram-se as cinzas. Ento, como

    ele ainda lamentasse desmesuradamente, Vashishtha aconselhou-o, dissertando sobre a

    vida e a morte dos seres e sobre os pares6 que pertencem a cada criatura. Assim

    confortados, aqueles chefes ergueram a cabea novamente, como a bandeira brilhante

    de Indra manchada pelo sol e pela chuva.

    O reinado de Bharata

    No dcimo quarto d