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A Lenda de Scarborough Franciele Macedo 1 A Lenda de Scarborough Autora: Franciele Macedo Prólogo Lenda ou história real não se sabe. A verdade é que durante a Idade Média, quando poderosos senhores feudais enriqueciam à custa de pobres servos e camponeses que lavravam suas terras, um grupo servil resolveu se rebelar e buscar outros horizontes. Sua resistência ganhou força quando, um jovem náufrago, sem identidade e ignorando completamente seu passado, se juntou a eles ajudando-os a vencerem barreiras na luta contra o Xerife e o senhor feudal. Com a coragem de guerreiros e a honra de heróis foram dispostos a arriscar suas próprias vidas pelo que acreditavam. Em meio a essas lutas, surgiu uma paixão entre Lhya e Bryan, tão forte como a tempestade que o trouxe. Antes que Bryan e Lhya sejam esquecidos e a história não passe de uma lenda, eis exposta ante seus olhos a emocionante aventura desses heróis.

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A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo

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A Lenda de Scarborough

Autora: Franciele Macedo

Prólogo

Lenda ou história real não se sabe. A verdade é que durante a Idade

Média, quando poderosos senhores feudais enriqueciam à custa de pobres

servos e camponeses que lavravam suas terras, um grupo servil resolveu se

rebelar e buscar outros horizontes.

Sua resistência ganhou força quando, um jovem náufrago, sem

identidade e ignorando completamente seu passado, se juntou a eles

ajudando-os a vencerem barreiras na luta contra o Xerife e o senhor feudal.

Com a coragem de guerreiros e a honra de heróis foram dispostos a arriscar

suas próprias vidas pelo que acreditavam.

Em meio a essas lutas, surgiu uma paixão entre Lhya e Bryan, tão forte

como a tempestade que o trouxe.

Antes que Bryan e Lhya sejam esquecidos e a história não passe de

uma lenda, eis exposta ante seus olhos a emocionante aventura desses heróis.

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A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo

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Capítulo I –A Inglaterra Medieval

O período da história mais cheio de mitos e lendas, sem dúvida, é a

Idade média. Talvez os castelos sombrios e as batalhas que frequentemente

aconteciam estimulassem a imaginação popular. A verdade é que suas crenças

iam desde dragões que soltavam chamas pela boca até bruxas com magias

terríveis.

Não quero desacreditá-los aqui. Quem sou eu para julgar suas crenças?

Provavelmente se eu vivesse naquela época também teria visto dragões

voando no céu.

A história que eu vou contar se passa na Inglaterra do século XII, num

momento em que o país vivia profundas transformações. Povos saxões e

Normandos dividiam o mesmo território e a atmosfera era carregada de tensão.

Embora os saxões não tivessem sido escravizados, era difícil saber que outro

povo governava o território que eles haviam conquistado primeiro.

No governo de Henrique II, o reino pareceu alcançar um patamar mais

seguro. O Rei governava o país com pulsos firmes. Contudo as diferenças

sociais que em todas as épocas existiram, não se fizeram exceção. A nobreza

formada pelos cavaleiros que serviam ao rei era a classe privilegiada. O Clero

também tinha uma posição bastante vantajosa, uma vez que a palavra da

Igreja era lei na era medieval. E claro, havia a classe menos favorecida, que

trabalhava nas propriedades dos nobres.

Na região de Yorkshire, sob os domínios de um poderoso senhor feudal,

um jovem casal encontrou abrigo e uma oportunidade de ganhar o pão de cada

dia. Em 1172 nasceu sua primeira filha - Lhya.

Cercada pelos muros dos castelos a criança cresceu, envolta pelas

histórias dos trovadores, pelo choro dos miseráveis, mas também pelo amor de

seus pais. A família teve ainda mais três filhos: Ruan, John e Sarah.

A semelhança do povo europeu, Lhya tinha a pele alva, rosto formoso

iluminado por belos olhos azuis, tão doces e profundos como o mar. Seus

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cabelos longos e lisos desciam até a cintura, extremamente pretos como o

manto da noite. Não havia em toda cidade uma criatura mais bela e meiga que

a filha daquele humilde camponês.

Lhya morava numa pequena choupana coberta por palhas, semelhante

às dos outros camponeses que ali viviam. Tinha duas amigas inseparáveis

Anna e Raquel. O tempo que tinha disponível ajudava a mãe nos afazeres

domésticos, aprendia a fiar tecidos ou fazer broches, mas o que mais apreciava

era cuidar do pequeno rebanho.

Ela já tinha então dezesseis anos. O filho mais velho do senhor feudal e

herdeiro do feudo, Willian, gostava de cavalgar pela propriedade. Certa tarde,

quando ela trazia as ovelhas para casa, ele a avistou, e por muito tempo a

observou. Tornou-se um hábito, todas as tardes ele cavalgava para observar a

moça, mesmo que distante, até que um dia resolveu falar com seu pai – o

poderoso senhor feudal Richard -para pedi - lá em casamento.

A princípio, seu pai foi totalmente contra, alegando que ela era uma simples

aldeã e que não queria nem pensar em ver ele ao menos conversando com

ela. De gênio ruim e insolente tanto quanto o pai, Willian passou sobre as

ordens paternas e decidiu falar com a garota. Sua paixão falava mais alto que

seu orgulho.

Em sua pobre choupana Lhya desconhecia esses sentimentos. Vários eram

os pretendentes, mas ela parecia não querer nada com eles. Tinha a certeza

em seu coração, que um dia encontraria alguém que mesmo sem conhecer já

amava e que mesmo sem ver já sabia que o coração lhe pertencia. Afinal, era

uma jovem sonhadora como tantas outras.

Numa tarde, em que Lhya voltava com seu rebanho, Willian interceptou-

lhe o caminho:

-Quer que a ajude a guardar o rebanho?

-Obrigada Senhor, -disse timidamente – mas todos os dias, eu o guardo

sozinha.

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-Uma jovem tão bela não deveria trabalhar assim. Deveria viver num

belo castelo, cercada de senhoras para a servirem.

-Com todo respeito Senhor, não me imagino servida por outras

pessoas. Acho importante que as pessoas vivam com o trabalho das próprias

mãos, sem explorarem os outros.

Willian não era muito inteligente, mas era impossível não perceber o

significado oculto que aquelas palavras tinham. Ele ficou indignado.

- Por acaso você acha que meu pai é um explorador? Creio que vocês

lhe devem muito por tudo que ele fez. Aliás, você pode ser bonita, mas tem

uma inteligência bem limitada. Bem se vê! Pobre como é, pensa como os

pobres... Sabe, devia ter escutado meu pai. Não sei onde estava com a cabeça

quando pensei em pedi - lá em casamento! Passar bem senhorita e cuide bem

do rebanho.

Sem dizer mais nada Willian chicoteou seu cavado e saiu a galope. Lhya

tratou de chegar em casa e guardar o rebanho o quanto antes, mas prometeu

a si mesma que não diria nada a família. Seu pai já tinha muitas

preocupações.

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Capítulo 2 –A revolta dos steve

Milhares de estrelas reluziam no céu naquela noite de verão. Após o

longo dia de trabalho a família de Lhya sempre se reunia em torno de uma

fogueira para conversar.

Quando os irmãos mais novos, John e Sarah foram deitar, os pais de

Lhya, chamaram Ruan e ela para perto, a fim de conversarem sem serem

ouvidos, por quem quer que fosse que pudesse estar espionando-os.

As coisas não estavam fáceis. Cada vez mais os trabalhos na

propriedade estavam forçados. Eles viviam quase que em escravidão. Aquela

situação não era justa. O que recebiam mal dava para comer, sem falar que o

senhor feudal cada vez enriquecia mais. À medida que o tempo passava o

senhor Richard estava se tornando mais e mais avarento. A estupidez e a

maldade cresciam em seu coração.

-Meus filhos, - começou Henry com uma voz firme – a vida que vivemos

não tem sido a que sonhei para nossa família. Somos pobres, mas temos

direito a uma vida digna. Temos direito de sonharmos e mudarmos nossa

situação. Durante muito tempo trabalhei para dar o melhor que pude a vocês.

No entanto, cada dia que passa, sinto que estou velho e condenando vocês. O

futuro de vocês será semelhante ao meu e isso não é justo.

Ruan quis falar, mas Henry fez sinal com as mãos que ia continuar.

-Estive conversando com os nossos vizinhos. Nós estamos pensando

em fugir daqui. Qualquer lugar é melhor do que este. A dívida com o senhor

feudal aumenta a cada ano. Quando Willian herdar o feudo não vai ser

diferente... Talvez seja até pior.

Lhya quebrou o silêncio que se seguiu.

-Mas para onde iremos meu pai?

-Estamos pensando em seguir para o litoral. Arthur já morou em

Scarborough e garante que conseguiremos sobreviver ali. A região

montanhosa vai favorecer nosso esconderijo. Ele mesmo vai nos guiar, pois

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conhece bem o caminho. Já falamos com alguns camponeses e juntos

decidimos partir. Só faltava combinar com nossas famílias.

- Pai! Essa ideia é a melhor coisa que já ouvi em toda minha vida – disse

sorrindo o doce e aventureiro Ruan -Quando partimos?

-Será amanhã à noite, quando todos estiverem dormindo. Mas por favor,

mantenham segredo. Não podemos ser descobertos.

Os últimos acontecimentos eram demais para alguém ter um sono

tranquilo naquela noite. No dia seguinte, discretamente, os preparativos foram

sendo feitos. Olhos brilhantes e cheios de esperança traduziam o desejo

daqueles que queriam ser livres. Trabalhar no feudo havia sido bom, mas isso

foi há muito tempo, agora os pobres camponeses não passavam de degraus

para os senhores chegarem ao topo de suas riquezas, aumentando as

desigualdades entre pobres e ricos espantosamente.

Lhya deu um jeito de ficar escondida nas pastagens e não trouxe as

ovelhas para o curral. Graças ao porteiro a ponte levadiça do castelo ficou

abaixada. Foi incrível ver cerca de cinqüenta pessoas abandonarem o castelo

no meio da noite, em busca da realização de seus sonhos. Quando o dia

amanheceu, eles já haviam percorrido metade do caminho, por estradas

estreitas em meio às florestas.

Enquanto isso em seu castelo, o senhor feudal descobria que seus

melhores camponeses haviam fugido do castelo sem acertarem suas dívidas.

Levando animais e coisas que segundo ele lhe pertencia. Organizou

imediatamente sua guarda e foi procurar o xerife para fazer rondas nas

redondezas e descobrir onde estavam os fugitivos. Eles não deveriam estar

longe.

Mas, a verdade é que ninguém sabia do paradeiro dos camponeses.

-Revirem tudo – disse Richard – e quando encontrá-los, traga-os aqui.

Terei uma boa punição para servir de exemplo a todo servo que se atrever a

ser rebelde.

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Willian, que estava ao seu lado, recordou que não tinha visto Lhya voltar

com o rebanho na tarde anterior. Onde será que estaria ela?

O dia já estava no fim quando os ex-servos alcançaram o litoral. Não se

aproximaram de Scarborough para não chamar a atenção. Havia um trecho de

floresta, bem próximo ao mar, no qual poderiam viver sem serem incomodados.

Não ia ser fácil. De lavradores passariam a exercer uma nova profissão. Só

poderiam sobreviver da caça ou da pesca.

Mas não tinha problema. Eles já haviam chegado até ali. Dificilmente o

senhor feudal conseguiria encontrá-los. Era melhor deixar as preocupações de

lado e se concentrarem em construir seu novo lar.

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Capítulo 3 – Resgate na Tempestade

Enquanto os ex-patrões só respiravam maldades, os camponeses

respiravam liberdade. Juntos eles construíram a aldeia que seria seu novo lar.

Seis choupanas de palha para habitação e alguns cercados para guardar os

animais durante a noite.

Os homens acordavam bem cedo para conseguir bons peixes e depois

vendê-los em Scarborough. As mulheres cuidavam do preparo da alimentação

e da fiação das vestes, pois o outono já se fazia presente. Precisavam estar

preparados para enfrentar as baixas temperaturas. Quanto aos mais jovens

ficaram responsáveis por cuidar dos animais e levá-los para as pastagens. Nos

momentos vagos eles praticavam um hobby que poderia salvar suas vidas, em

caso de perigo – arco e flecha.

Ao invés dos vestidos longos, Lhya adotou um visual mais despojado.

Encurtou um pouco mais seus vestidos, usava botas e cabelos livremente

soltos. Parecia então mais bonita do que antes. Fazia braceletes e adornos

com materiais naturais que estavam em toda parte dos bosques e da beira

mar.

Ela estava feliz, pois amava a natureza: o verde dos bosques, o canto dos

pássaros, as flores e os animais que pastoreava. Num fim de tarde, não tinha

nada mais agradável do que ficar no alto da colina, avistando o sol se pôr,

enquanto ouvia o barulho das ondas que vinham de encontro ao rochedo.

Um mês se passou. Os guardas do xerife não haviam desistido das

buscas, mas não tinham a mínima ideia de onde poderiam encontrar os

fugitivos.

A tarde já findava. O céu nublado e o mar agitado revelavam que uma

tempestade estava próxima. Lhya pegou seu pequeno rebanho e o levou para

casa. No entanto, quando já fechava a pequena porteira notou que uma de

suas ovelhas não estava ali. Talvez estivesse perdida na colina e se descesse

para o lado do mar poderia se machucar nas pedras. Com arco e flechas na

mão partiu em busca da pequena ovelha.

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A tempestade estava cada vez mais próxima. O vento, trovões e

relâmpagos estavam mais fortes e o céu escurecia rapidamente. Já estava

desistindo de procurar quando viu na beira mar, as ondas atirarem pedaços de

madeira e destroços de algo. Pelo que viu imaginou que fosse um navio.

Cautelosamente se aproximou um pouco mais. Foi quando uma onda forte

atirou quase que aos seus pés um jovem totalmente desacordado. Verificando

melhor percebeu que ainda estava vivo. Mas a tempestade já estava

começando. Não dava tempo de levá-lo para a aldeia.

Lhya arrastou o desconhecido para uma das grutas esculpidas nas rochas,

que os amigos e ela haviam descoberto. Eles deixaram algumas provisões de

lenha e alimentos e ela não teria problemas em passar a noite ali, caso

necessário.

Cuidou do desconhecido que passou a noite com em delírios devido a

febre que o acometera.

A chuva não deu trégua. E era inútil sair com aquele tempo de seu

abrigo. Os pais de Lhya deviam estar preocupados, mas não tinha como avisá-

los. Já era madrugada quando conseguiu adormecer. O jovem agora dormia

mais tranquilo.

Quando amanheceu a chuva já tinha passado. Lhya observou o

desconhecido em seu sono. O semblante dele agora estava mais sereno. Sua

pele era alva como as areias da beira mar e os seus cabelos loiros eram

levemente encaracolados. Inesperadamente aqueles olhos azuis, da cor do céu

se abriram e a fitaram com surpresa. Ele disse algo, mas ela não

compreendeu.

_ Você está em Scarborough, Yorkshire, sul da Inglaterra. – disse ela.

_ Inglaterra?! -disse ele agora em Inglês -Eu não consigo me lembrar de

nada. Como vim parar aqui?

-Ontem ao anoitecer, teve uma forte tempestade. Por um acaso, eu estava

na beira da praia. Creio que você estava em um navio que naufragou. As

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ondas te jogaram aqui. Como a chuva estava forte, não pude levá-lo para

minha aldeia. Mas quem é você?

_ Isso eu também não me lembro.

_Não se preocupe. Vou levá-lo para a casa de meus pais. Chamo-me Lhya.

Será que você aguenta andar?

_ Sim, já estou melhor. - disse ele tentando se sentar - Creio que lhe devo á

vida. Muito obrigado Lhya, por tudo que fez por mim. – Agradeceu com um belo

sorriso.

Lhya precisou apoiar o jovem para que ele conseguisse ficar em pé.

Ele ainda estava muito fraco para andar e a febre parecia estar voltando.

-Desculpe-me perguntar – disse ele, enquanto saiam do abrigo – você é

uma guerreira, para estar com este arco nas costas?

- Oh, Não! - disse ela sorrindo - É uma longa história. Faz pouco tempo

que estamos morando nessa região. Depois eu lhe conto. Acho que sua

cabeça ainda está doendo, para ouvir isso.

Eles estavam entrando na trilha do bosque, quando viram cavalos, vindo

a todo galope. Eram os homens da aldeia que vinham à procura de Lhya.

-Não se preocupe- disse Lhya para o rapaz, quando este pareceu se

assustar. – São amigos.

-Onde você esteve? – perguntou Henry olhando para o desconhecido e

em seguida Lhya. Sua mão já segurando na espada que sempre trazia na

cintura, enquanto os outros formavam um círculo em torno de ambos.

-Eu estou bem. –respondeu Lhya - A tempestade não permitiu que eu

fosse embora para aldeia. Ontem, enquanto eu procurava uma ovelha que se

perdeu do rebanho, encontrei esse moço desacordado na praia. Parece que

ele é o único sobrevivente de um naufrágio. Eu o levei para o abrigo nas

rochas, já que com a chuva não conseguiria chegar até em casa.

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Os homens ouviram atentos a sua explicação, mas continuavam encarando

o desconhecido com desconfiança.

-É verdade... - disse o rapaz, com a voz ainda fraca - Ela salvou a minha

vida.

-E quem é você? – quis saber Henry.

-Me desculpe – respondeu o desconhecido - mas perdi a memória e não

me lembro de nada.

- Está bem. Graças a Deus vocês estão bem. Sou Henry pai de Lhya. Seja

bem vindo à nossa simples aldeia. -falou o pai de Lhya, com a voz um pouco

mais calorosa -Parece que você está precisando de cuidados. Vamos!

- Obrigado!-Agradeceu o jovem gentilmente.

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Capítulo 4 – O naúfrago

O dia estava belo, céu azul, mas muito frio também. Henry acolheu o rapaz

com o máximo de hospitalidade que a sua choupana podia oferecer. Sua

esposa preparou um alimento e após fazer um chá com algumas ervas

recomendou repouso ao jovem. Este não recusou. Sua cabeça ainda doía e

ele mal conseguia ficar em pé sozinho. Parecia que o mundo girava. Além

disso, havia aquela sensação de vazio, por mais que forçasse suas

lembranças, não havia nada.

A única coisa que conseguia acalmar um pouco seu espírito era a bela

jovem que velava ao lado de sua cabeceira, colocando compressas em sua

cabeça a fim de que a febre o deixasse. E foi olhando para aquele rosto que o

moço adormeceu.

Lhya deixou que ele descansasse e foi para fora, onde toda a aldeia

estava reunida. A presença do desconhecido havia causado grande tumulto.

Todos queriam levantar hipóteses sobre quem ele era.

-Eu aposto que ele é um escravo – dizia Arthur – Aquelas roupas são

estranhas. Nenhum nobre usaria aquilo.

- Nós demos uma volta na praia –contou Ruan - e não encontramos mais

ninguém. Vimos alguns destroços do navio, mas nada que pudesse nos

informar de onde ele veio.

-O jeito dele falar é diferente – afirmou Henry

-Agora me lembro – disse Lhya, entrando na conversa – As primeiras

palavras dele eu não entendi, como se fossem de outra língua.

-É, isto é um mistério, espero que ele se recorde quem é. E a ovelhinha

você a encontrou, Lhya? – quis saber Athur.

-É verdade com essa história até me esqueci dela. Mas não a encontrei,

deve ter caído em algum lugar.

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-Não, Não! –interveio Raquel, que chegava naquele momento - Nós a

encontramos antes da tempestade. Ela estava junto com o rebanho do Frank.

E estava mancado, venha ver. Mas nós já cuidamos dela.

Agradecendo silenciosamente por sair daquela roda de discussões, Lhya

acompanhou a amiga até o cercado onde a ovelhinha se encontrava. Raquel a

conhecia muito bem para saber quando ela queria ficar em silêncio, então não

fez perguntas.

Lhya examinou a ovelha em silêncio e tomou-a no colo, enquanto passava

remédio em suas feridas. Com certeza ela logo ficaria boa. Mas e quanto ao

desconhecido que estava entregue aos devaneios dos sonhos... O que seria da

vida dele?

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Capítulo 5 – o navio Estrangeiro

Muito a contragosto Lhya reuniu o rebanho e levou-o até as pastagens. Seu

desejo era continuar ao lado do desconhecido velando por seu sono.

Ela ficou horas sentada junto a colina, tocando sua flauta, enquanto

observava as ovelhas.

-Você toca muito Bem! –exclamou uma voz a sobressaltando.

-O que faz aqui? ¬ perguntou ela ao ver o jovem sobrevivente se

aproximando.

-Seu pai não colocou nenhuma restrição quanto a caminhar pela aldeia.

-Não é isso. - disse ela com um sorriso – Quero dizer, você não deveria

estar repousando?

-Eu já estou melhor. Se continuasse deitado mais um pouco, teria

enlouquecido de tanto sonhar. –disse ele enquanto se sentava na relva ao lado

de Lhya.

-E você conseguiu lembrar-se de alguma coisa?

-Infelizmente não. As imagens são muito confusas. Eu não lembro nem do

meu nome. –disse ele com uma voz triste.

-Por isso não. Nós encontraremos um nome para você!- falou Lhya tentando

descontrair a situação.

- Eu já pensei em alguns –disse ele recuperando o senso de humor -Garoto

perdido, Aparecido, náufrago... Qual você escolhe?

-Desculpe-me, mas nenhum combina com você. Eu tenho uma opção. Eu

já ouvi uma história sobre um moço que sobreviveu a um naufrágio...

-E eu aposto que ele também perdeu a memória. – interrompeu o jovem.

-Ei, isso está virando obsessão!

-Ah, Lhya! Você não sabe o que é se esquecer de tudo!

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-Tudo bem. Você acertou. Ele também perdeu a memória.

-Então antes que você se esqueça, como era o nome do tal moço?

- Ele se chamava Bryan! Posso te chamar de Bryan?

-Só se ele recobrou a memória no final da história.

-Isso eu não me lembro!

-Está bem. Estou vendo que você também já está com a memória fraca.

Pode me chamar de Bryan. Pelo menos agora eu tenho um nome. Prazer em

conhecê-la senhorita Lhya, sou Bryan! –disse ele fazendo uma reverência.

Lhya riu de seu gesto, mas de repente ficou paralisada.

-Por favor, se esconda. Rápido! –disse enquanto tomava as mãos de

Bryan e rolava para trás de uma pedra que os protegeria.

-Do que estamos fugindo? –perguntou ele assustado, olhando para todos

os lados e não vendo nenhum perigo iminente.

-No mar. – disse Lhya apontando o minúsculo objeto que ia aumentando

de tamanho à medida que se aproximava da praia.

-Estamos em uma região à beira mar. –Falou Bryan – Não é comum

navios passarem por aqui?

-Eles atracam diretamente em Scarborough. Desde que estamos aqui,

nunca vimos um barco atracar nessa margem. Mas esse está vindo

diretamente para cá.

Eles observaram o navio que se aproximava da região onde alguns

homens da aldeia lavavam as redes de pesca.

Havia uma bandeira bem visível na embarcação. Ela tinha dois pássaros

desenhados no centro. As asas da ave se abriam amplas, sendo formadas por

minúsculos brasões. E sobre os pássaros havia um crucifixo.

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Com uma pequena bandeira branca, os navegantes atracaram em terra

firme. Depois se aproximaram dos pescadores e após alguns minutos de

conversa, eles se despediram, tão rápido quanto haviam chegado.

Os pescadores recolheram seus pertences e também se afastaram.

-Precisamos saber o que aconteceu – disse Lhya, já ficando em pé.

Bryan e Lhya chegaram à aldeia ao mesmo tempo que os pescadores.

Esses olharam para Bryan com desconfiança e mantiveram as expressões

lívidas, enquanto Henry se aproximava para saber o que tinha ocorrido.

-O que aconteceu?

-Uma embarcação estrangeira atracou aqui. Não sabemos de onde eram,

mas estavam à procura de sobreviventes de um naufrágio. -Disse um dos

pescadores, cujo nome era Frank.

Lhya olhou para Bryan alarmada. Seu pai fez a pergunta que ela não

conseguiu fazer.

-E o que vocês disseram?

-Que não tínhamos visto nada. –respondeu olhando para Bryan – Espero

que não se zangue conosco. Mas como você perdeu a memória, não podíamos

entregá-lo a eles. Podiam ser seus amigos, mas também podiam ser seus

inimigos.

-Entendo perfeitamente. –respondeu Bryan – E agradeço por isso. Vocês

agiram corretamente.

-Só tem um problema. – disse Ruan, que também estava com os

pescadores. – Alguns guardas do xerife estavam com a tripulação. Se eles nos

reconheceram, estamos em grave perigo.

Henry deu suspiro profundo. Quanto a isso não havia nada que pudessem

fazer. Apenas rezar muito, para que não fossem descobertos.

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A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo

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Capítulo 6 –Mais rebeldes

Henry escolheu alguns jovens para ficarem de vigia nos pontos mais elevados

e avisá-lo urgentemente, caso alguém se aproximasse. Também preparou

esconderijos onde poderiam se esconder, caso fosse necessário.

Dois dias depois, quando a tarde já caía, um dos jovens avistou um

grupo que se aproximava da aldeia, por dentro da floresta. Ele assoviou como

combinara com Henry, que não tardou a chegar ao local.

-Veja! –disse o rapaz – Há um grupo de pessoas se aproximando, mas não

parecem soldados. Pelo contrário, estão desarmados, como se fossem apenas

camponeses.

-Parecem mulheres e crianças –disse Ruan, que seguira o pai. - E aquele

homem, que vem à frente, não me é estranho.

-Pode ser uma armadilha. – disse Henry. – Aguarde aqui, enquanto vou

falar com eles.

Para surpresa de todos, os recém-chegados eram um grupo de

camponeses fugitivos do castelo do senhor feudal. Vinham quase morrendo de

frio. Henry os acolheu na aldeia.

Após se agasalharem e se aquecerem um pouco, eles começaram a

relatar o que havia acontecido.

- Diga-nos - disse Henry apreensivo, como todos ao redor – Como vocês

nos descobriram aqui?

-Assim que vocês fugiram a guarda do xerife e os soldados de York os

procuraram em todos os lugares, mas não conseguiram localizá-los. Foi então

que uma embarcação do Sacro Império Romano Germânico naufragou próxima

daqui – disse um dos camponeses, cujo nome era Robert. – Alguns guardas do

xerife, juntamente com nova tripulação do Sacro Império, refizeram o percurso,

costeando a Inglaterra, à procura de sobreviventes ou destroços do navio. Eles

afirmaram ter visto um bando estranho de pescadores. A guarda do xerife

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A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo

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deduziu que poderiam ser vocês, pelas descrições. Felizmente, o rei Henrique

II precisou de soldados para conter alguns inimigos que querem derrubá-lo do

trono. E com a guarda reduzida, Richard e o xerife não puderam procurá-los.

-Mas assim que eles voltarem, com certeza irão atacar. – acrescentou

outro camponês – Não se fala em outra coisa no castelo.

-Se vocês sabem que vamos ser atacados, por que vieram se juntar a

nós?– quis saber Arthur.

-Porque sabemos, que depois de tudo o que fizeram, vocês irão resistir e

lutar pela liberdade que conquistaram. Pois, se forem presos só restará a forca

ou a escravidão. Não temos medo de lutar, preferíamos qualquer coisa a

continuar naquele lugar.

-Não somos um exército para enfrentar os soldados do xerife... Seremos

massacrados-disse Frank.

-E nossos filhos pequenos?... E nossas mulheres?-perguntaram outros

homens da aldeia, que ficaram assustados com as informações.

_ Quando saímos da aldeia sabíamos que corríamos esse risco. Vamos

pensar juntos, pode ter uma saída. –disse Henry

-Creio que temos uma saída – disse Bryan – O culpado por vocês terem

sido descobertos fui eu. Mas podemos combatê-los.

-E qual é sua ideia? Quer que enfrentemos soldados fortemente armados?!

–perguntou Arthur.

-Acho que ele pensa que é Robin Hood. –disse Frank.

-Calma! –falou Bryan com a voz firme- Vocês não percebem que temos

grandes vantagens. De um lado estamos circundados pelo mar e por

montanhas que favorecerão nossos esconderijos, e do outro há a floresta onde

poderemos montar armadilhas.

-Mas não somos soldados... – retorquiu um homem do grupo.

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-Embora não lembro meu passado, sei que luto muito bem. Se vocês

permitirem, poderemos treinar e nos preparar para enfrentar os inimigos.

Resistir podia significar morrer. Não lutar seria retornar a escravidão ou a

morte. No fundo, eles sabiam que não tinham outra opção. Todos decidiram

lutar.

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Capítulo 7 -Refém

Bryan era um excelente lutador, além de ter perfeita pontaria com arco e

flecha. Apesar de a pequena aldeia ter sido descoberta por sua causa,

ninguém ficou com raiva dele. Conquistou a amizade de todos. A determinação

e otimismo que ele demonstrava, dava esperança a eles, que se sentiam

gratos por ter surgido alguém, como que enviado do céu, para liderá-los e

ajudá-los a conquistar sua liberdade.

Bryan conheceu melhor a história daquele povo tão acolhedor e ao longo

do tempo foi lhes ensinando tudo que sabia. Parecia até que já era um deles.

Nem se lembravam que o seu passado era um mistério.

_Creio que você era um nobre - disse Henry certa noite, em que eles se

aqueciam ao redor da fogueira.

_ Quem sabe? Talvez eu fosse um cavaleiro, como também poderia ser

um pobre servo do navio - disse Bryan sorrindo em tom de brincadeira.

-Não! –tornou Henry, sério - um servo não saberia lutar como você luta!

À medida que treinavam, o medo ia desaparecendo. Os homens já

estavam mais confiantes de que poderiam vencer o tirano senhor feudal e o

xerife. Só uma pessoa não parecia muito feliz com a ideia. – Lhya.

Ela temia pela vida das pessoas que amava. E se alguém se ferisse? Ou

pior, se alguém morresse?

Embora Bryan lhe pedisse para confiar nele, que não precisava temer, ela

sabia que não havia como ele garantir que tudo acabaria bem. Eles poderiam

dar o seu melhor, mas isso podia não ser o suficiente.

E havia sua relação com Bryan, que não era fácil de ser explicada. Ela

sabia que estava perdidamente apaixonada por ele. E uma parte dela se

alegrava, pois sabia que era um amor correspondido. Tudo o que ele podia

fazer para vê-la feliz, ele fazia. Mas uma voz no inconsciente de Lhya lhe

alertava. “Ele não sabe nada do próprio passado. E se tiver uma outra pessoa?

E se ele se recordar e quiser voltar para o lugar de onde veio?”

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Enquanto Lhya permanecia em sua indecisão, o tempo continuava a

passar. As folhas douradas caíram e o frio impiedoso do inverno visitou a

região. Os pescadores ouviram rumores em Scarborough de que o rei Henrique

II tinha saído vitorioso no combate. Restava aos aldeões, se prepararem.

A aldeia servia apenas de armadilha. Todos estavam abrigados em

saliências escondidas nas montanhas.

Foi numa manhã cheia de sol, que um dos espiões avistou numerosa

guarda.

-Não tenham medo - disse Bryan – Façamos como combinamos e

venceremos.

Cada um assumiu seu posto e realmente só as armadilhas derrubou

inúmeros soldados. E os arqueiros fizeram com que o restante fugisse

desistindo de um combate corpo a corpo.

Do lugar onde estava Bryan viu um dos soldados capturarem Ruan. Mais

do que depressa, partiu em seu encalço.

Assim que os perderam de vista, os aldeões foram correndo ao encontro

de suas famílias. Alguns estavam feridos, mas vivos (o que era importante), e

por isso se abraçaram felizes: pelo menos por um pouco de tempo a aldeia

estava salva. Apenas a voz entrecortada de angústia de Lhya foi capaz de

arrancá-los de seu êxtase de vitória:

-Onde está o Bryan?

Neste instante Ruan chegou correndo.

-Enquanto ele me salvava, ele foi capturado.

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Capítulo 8 – O Passado de Bryan

Inesperadamente como chegara a aldeia, Bryan foi levado. Ficou

aprisionado no castelo do xerife, enquanto esperava para pessoalmente falar

com ele, aguardando sua condenação. Antes de ser enforcado, com certeza

seria interrogado a respeito da aldeia e da melhor forma de atacá-la. Mas,

mesmo que ele fosse torturado não diria nada.

Passos rápidos aproximaram-se da fria cela. Mas para sua surpresa e

surpresa geral de todos os soldados, o xerife se jogou de joelhos:

-Perdão Senhor! Mil vezes perdão! Meus guardas cometeram um grave

erro, mas peço-lhe, não tire minha vida. Misericórdia! – dizia o xerife quase aos

prantos. -Já vou providenciar que o soltem alteza e informar a sua família que

está vivo. Providenciarei também que se vista adequadamente.

E voltando se para os soldados:

-Vamos seus imbecis! Soltem-no e tratem de serví-lo. Como não viram

que era o Príncipe Jhonathan, o filho do Imperador do Sacro Império?! Por

sorte seus pais estão na Inglaterra, alteza. Com certeza logo estarão aqui.

Toda esta cena, Bryan assistiu apreensivo, quase que sem entender. Seu

mundo girava. Ele ...um príncipe?

Como se o nome Jhonathan fosse a chave do seu passado, ele começou a

lembrar-se de tudo o que acontecera em sua vida antes do naufrágio.

"Ele era filho do Imperador Frederico Barba Ruiva e da Imperatriz Beatriz

-os governantes do Sacro Império Romano Germânico. Crescera no palácio

cercado pelo amor de seus pais e irmãos. Ali teve os melhores estudos e

treinamentos para se tornar um imperador. Tinha partido para a Inglaterra para

resolver algumas questões do reino e tragicamente o navio que viajava

naufragou."

Os guardas do xerife o conduziram para aposentos ricamente ornados.

Perdido em seus pensamentos, Bryan, agora Jhonathan não percebeu a

chegada de seus pais.

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-Filho você está bem? Graças a Deus, você está vivo! Já havíamos

perdido as esperanças. –disse sua mãe entre lágrimas, enquanto o abraçava.

-Meu Filho, meu herdeiro! –exclamou o pai também emocionado.

-Pai, o que vocês estão fazendo na Inglaterra? -perguntou Bryan

lembrando-se que o pai nunca deixava o reino, a não ser por questões de

batalha.

-Eu precisava ver com meus próprios olhos se os ingleses não o haviam

aprisionado. Estava pronto para mandar a velha Bretanha pelos ares. Mas,

como o príncipe Ricardo assegurou que ninguém sabia de seu paradeiro, tive

que aceitar os fatos. Mas graças a Deus eu te encontrei meu filho. Vamos dar

uma grande festa para celebrar seu retorno. O navio já está a sua espera.

Ainda hoje voltaremos para a Itália.

-Voltar para a Itália...? –questionou o jovem ainda muito confuso.

-Sim, meu filho. Não se lembra que tens um reino e que futuramente irás

governar? E uma noiva com a qual irás casar?

O mundo de Bryan girou mais uma vez.

-Sim. Tudo isso me lembro meu pai. Mas há uma coisa que ainda tenho

que resolver. Gostaria de falar em particular com o xerife.

-Como desejar filho.

Nesse momento entrou o príncipe Ricardo, que era amigo pessoal de

Bryan, ou Jhonathan.

-É bom vê-lo com vida, amigo! –disse enquanto o cumprimentava. -Minhas

sinceras desculpas, pelo que os soldados do xerife fizeram com você. E se

tiver algo ao meu alcance, é só pedir que eu farei.

Nesse momento chegou o xerife, se atrapalhando até para andar.

Bryan se dirigiu a Ricardo:

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-De nenhuma forma você me insultou. Ao contrário, fui muito bem acolhido,

por pessoas que salvaram a minha vida. Gostaria que essas mesmas pessoas

tivessem direito a paz que procuram.

-Pode dar suas ordens ao xerife -disse Ricardo. -Seu pedido é justo.

-Xerife, agora a pouco você me pediu desculpas por haver insultado

alguém de sangue real. -falou Bryan -Creio que há um modo fácil de perdoá-lo.

Se o senhor deixar em paz aquela aldeia, estará perdoado.

-Sim, alteza! Vou fazer isso imediatamente.

E assim naquela mesma tarde, Bryan embarcava com destino a sua

pátria. Com o coração em pedaços, deixava alguém no alto das montanhas a

suspirar por ele. Só que uma parte de seu coração também ficava na

Inglaterra.

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Capítulo 9 – Retorno ao Lar

Por vários dias, o pequeno navio cortou os mares. Foi numa manhã fria, que

ele atracou em terras italianas. O povo em festa aguardava a chegada da

família real. A felicidade era imensa por verem o príncipe vivo.

Apenas uma parte de Bryan estava feliz por recobrar a memória e estar

novamente em casa. As sombrias paredes do castelo pareciam sufocá-lo.

Tinha saudades da aldeia, da brisa das montanhas, de pastorear as ovelhas.

Aquela vida simples fora maravilhosa, mas havia mais, muita saudade de Lhya.

As lembranças da jovem pastora e guerreira o perseguiam constantemente.

Uma vez que ele retornou a Itália, seu casamento com Constança de

Altavila, (filha do rei da Sicília) foi marcado novamente.

Bryan só a tinha visto uma única vez. Seu casamento estava baseado em

questões políticas. Não havia amor. Porém ele devia pensar no bem do reino.

Mas, como casar com uma mulher, se o seu coração e os seus pensamentos

só estavam com outra?

Enquanto Bryan retornava a Itália, o xerife cumpriu sua promessa e

procurou a aldeia. Revelou a verdadeira identidade do príncipe e concedeu-

lhes o perdão e o direito de habitarem ali em paz.

Os aldeões quase não acreditavam no que ouviam. Estavam livres

graças àquele misterioso homem que quase morrera naufragado e que agora

revelava ser um grande príncipe.

-Mas diga-me, ele voltou para a Itália? - quis saber Henry, ainda

cismado, achando que o inimigo queria lhe pregar uma peça.

-Sim, ele teve que retornar rapidamente, pois sua família estava com

pressa. Lá ele deverá se casar com a filha de um rei de um reino vizinho de

quem já estava noivo antes de embarcar para cá. Porém antes de partir ele

pediu-me para agradecer por tudo que vocês fizeram e deixá-los em paz. Disse

também que jamais irá esquecê-los.

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E sem mais palavras, o xerife partiu.

É difícil explicar a força de Lhya para não chorar na frente de todos, mas

quando ficou sozinha nas montanha, lágrimas salgadas como o mar e

profundamente doloridas verteram do mais profundo do seu coração. Chorou,

chorou que acabou dormindo. É inútil dizer que nos dias que se seguiram suas

lágrimas tornaram-se mais constantes. Sua tristeza tornou-se mais profunda e

sua alegria desapareceu. Passava horas a olhar para o mar na esperança que

num navio naufragado trouxesse seu príncipe encantado de volta. Jhonathan, o

príncipe iria se casar... mas, será que Bryan, o naúfrago a esquecerá?

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Capítulo 10 – Casamento real

Enquanto suspiros profundos vertiam da alma da pobre Lhya, Constança - a

princesa prometida de Jhonathan - era só alegria.

Todos no reino estavam felizes aguardando o dia tão esperado do casamento.

Tudo estava sendo preparado com o máximo de cuidado para a cerimônia. O

palácio reluzia em beleza. Contudo o príncipe Jhonathan se entregava à

caminhadas solitárias.

Havia nas proximidades do castelo um eremita com quem ele gostava

de conversar e se aconselhar e que durante a infância fora seu mestre. Já era

véspera de seu casamento quando resolveu procurá-lo para contar-lhe as

inquietudes de seu coração, ao que o eremita respondeu:

-Você e somente você poderá decidir seu caminho. Ouça a voz de seu

coração. Se será mais feliz com Constança como rei ou com Lhya como um

simples pastor.

_ Eu não consigo imaginar minha vida sem Lhya. Durante o tempo que

estive lá, aprendi que apesar de aqueles aldeões viverem com simplicidade,

eles são muito felizes. Não buscam riquezas apenas o necessário para o dia -

a - dia. Mas, por outro lado serei injusto com a Constança se a abandonar.

Com toda sabedoria de que era capaz o ancião o aproximou de um belo

canteiro de flores e disse-lhe:

-Nossa vida é como as flores. Somente são belas quando bem cuidadas.

Flores feias são resultado de descaso.

-Ah, mestre! Todos os dias o meu coração me diz a decisão que devo

tomar. Mas o que ele me pede para fazer, o meu povo consideraria uma

loucura. A Constança mal a vi. Eu não a conheço. Como poderei estar ao lado

dela com o pensamento voltado para aquela que salvou minha vida e no

momento mais difícil esteve ao meu lado?

-Não será apenas gratidão o que você sente por ela?

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-Não, Não Mestre! É um sentimento mais nobre e profundo. É acordar a

cada manhã e ver que falta um pedaço de mim. É sentir o coração ardendo em

dor e não sei mais o que de tão inexplicável e sobrenatural... Mas se eu seguir

meu coração, estarei dando as costas para o meu povo. E isso eu não quero.

Foi para liderá-los que eu fui treinado.

-Não, Jhonathan! Você foi treinado para discernir o que é melhor para seu

povo, para ser um grande guerreiro. E só poderá ser um bom líder, se

conseguir resolver seus próprios conflitos.

-Meu pai reconhece que Lhya salvou minha vida, mas disse que se me

casar com uma aldeã, eu jamais serei seu herdeiro.

-Onde está o guerreiro forte que treinei? Onde está tua coragem

Jhonathan? Não direi o que deve fazer, apenas repito, siga o seu coração.

A tarde já caia. O sol se punha majestoso atrás das montanhas. Jhonathan

se despediu do ancião e agradeceu seu conselho.

Quando chegou ao palácio, já estava escuro. Ficou observando as estrelas

pontilhadas no céu. Sentia o coração angustiado. Aquela noite teria que se

decidir, não tinha mais tempo. Quando o sol despontasse pela manhã seu

destino tinha que estar traçado.

O dia amanheceu lindo. Céu muito azul completado por um sol

radiante. Os passarinhos cantavam no alto das árvores. Tudo despertava na

mais completa felicidade. A Itália se recobria das cores mais belas para

comemorar o casamento do filho do Imperador. Os criados a muito tempo já

estavam em pé arrumando os últimos detalhes para a festa. A noiva Constança

já estava enfeitada com as mais belas joias e com o vestido mais lindo que

uma princesa pode sonhar em possuir.

Na Catedral de Ravena, convidados elegantes começaram a chegar. Pouco

a pouco aquele lugar sagrado ficou repleto. Apenas quem ainda não fora visto,

fora o noivo. Os minutos foram passando e ninguém sabia do paradeiro do

jovem. Todos já começavam a ficar inquietos.

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O mestre, com que o príncipe conversara na tarde anterior, entrou pelos

fundos da Catedral, sem fazer alarde. Caminhou diretamente até o aposento

onde a Princesa Constança estava e pediu que chamassem o imperador.

Desdobrou então um pequeno bilhete e começou a lê-lo:

"Princesa Constança,

Sei que hoje é um dia muito especial para você e não tenho o direito de

fazer isso. Perdoe-me se estou indo embora e deixando-a no altar, mas não

seria sincero com você e muito menos comigo. Estaria ao seu lado, mas meus

pensamentos estariam com outra pessoa. Jamais poderia fazê-la feliz e muito

menos sê-lo ao seu lado. Há muito tempo compreendi que as riquezas e os

palácios nada importam.

Meu pai, eu abro mão de todas as minhas riquezas, peço – lhe somente que

cuide de Constança. Poderá desposá-la com um de meus irmãos. Deixo minha

herança e tudo o que possuo a eles, assim como meu direito de sucessor seu

como Imperador. Desejo de coração, que sejam felizes como eu serei feliz.

Adeus.

Jhonathan”

Um grito de dor rompeu de Constança enquanto seu corpo caía por

terra. Não que ela amasse loucamente a Jhonathan, mas sonhara em ser feliz

ao lado dele. Aquela ferida levaria algum tempo para cicatrizar.

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Epílogo

Quando soube que seu filho abdicara do trono, Frederico ficou totalmente

fora de si. O mestre de Bryan, com toda sua sabedoria, conseguiu acalmar a

família e fazer com que Constança se casasse com um dos outros filhos. Mas a

dor de ver seu filho se tornar um simples pastor foi um golpe profundo para o

coração do Imperador. Para ele, Jhonathan havia morrido. Sua memória seria

apagada da história real.

****************

Bryan não conseguiu dormir na véspera de seu casamento... Ainda era

de madrugada, quando ele se levantou sorrateiramente, pegou algumas coisas

e saiu do palácio. Selou seu cavalo e foi até a cabana do eremita, para o qual

contou sua decisão. Pediu apenas para que ele entregasse o bilhete ao seu pai

e a princesa Constança.

Faltava pouco para o dia amanhecer quando Bryan chegou ao cais.

Disfarçado como um homem qualquer ele tomou uma embarcação que estava

de partida para a Inglaterra. Naquele cais ficava seu passado, pois sua vida

não seria vida longe de Lhya. Ele tinha decidido: “Não sou Jhonathan, sou

Bryan”!

Por vários dias a pequena embarcação cruzou os mares até que num

entardecer ela ancorou em terras inglesas. Com seu cavalo que trouxera da

Itália, Bryan chegou rapidamente a Scarborough. Mais do que depressa

galopou em direção à pequena aldeia onde com certeza encontraria Lhya.

Lá estavam as montanhas verdejantes... Podia ver até as pequenas

ovelhas pastando ao longe. Aquilo tudo lhe pareceu tão familiar, mais do que o

seu regresso para a Itália, após o naufrágio.

Sua presença logo foi notada pelos garotos que brincavam:

-Um cavaleiro! Um cavaleiro! –disse um deles.

-Éo Bryan! –gritaram os outros garotos, como se estivesse chegando um

herói.

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Os aldeões ao ouvirem tamanho alarido se aproximaram para ver o que

estava acontecendo. Ficaram surpresos com o retorno de Bryan, ou melhor,

príncipe do Sacro Império a quem eles deviam à liberdade. Apenas Lhya não

estava ali.

-Onde está a Lhya?- perguntou Bryan assim que tinha cumprimentado

todos.

-Está nas montanhas pastoreando as ovelhas. – Respondeu Henry.

No alto da colina, recostada a uma árvore ele viu Lhya, com olhos

perdidos no horizonte, olhando o mar, cercada pelo pequeno rebanho. Tão

linda, tão encantadora...

Silenciosamente ele se aproximou dela.

-Me disseram que cuida de feridos. Não estou passando bem. Será que

você poderia me ajudar?

Ela se virou surpresa. E custou a acreditar que Bryan estivesse

realmente ali.

-Só ajudo náufragos... – disse ela com lágrimas nos olhos.

-Então com certeza poderá me ajudar –falou Bryan se aproximando um

pouco mais -Creio que o meu coração naufragou aqui por perto e sem ele não

consigo viver.

Ela se atirou em seus braços enquanto lágrimas ardentes rolavam por

sua face. Palavras não eram necessárias. Seus lábios se encontraram num

beijo apaixonado, sem a sombra de um passado misterioso a separá-los.

E numa bela tarde, à beira mar, tendo ao fundo o mais belo pôr do sol,

Bryan e Lhya se casaram.

O reinado dele se concretizaria naquelas terras, Lhya seria sua rainha...

ainda que de um modo diferente do proposto pelos seus pais...O reino deles

seria o reino do amor, marcado pela paz em seus lares e na convivência

pacífica da pequena comunidade, que encontrará sua liberdade graças à sua

ajuda. Aquele, de agora em diante, seria seu povo.