a máscara invicta

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AMáscárá Invictá “O que impulsiona um homem e ao mesmo tempo o paralisa?” Uma aventura incrível. Fantástica, poética, e envolvente. Uma das melhores sagas já contadas em Eralfa agora em um único volume.

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Um conto medieval no mundo épico de Eralfa. eralfa.blogspot.com.br

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Page 1: A máscara invicta

AMá scárá Invictá “O que impulsiona um homem e ao mesmo tempo o paralisa?”

Uma aventura incrível. Fantástica, poética, e envolvente. Uma das melhores

sagas já contadas em Eralfa agora em um único volume.

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Por Eduardo Motta.

Um lampejo corta o céu. Era dia, mas se fazia visível ao olhar. Do sul, aonde outrora vieram

miríades de longos anos de guerra, ouvia se um grande ruído. Não de homens, mas de uma

tempestade que se avizinhava das redondezas.

Ao longe, o velho dragão olhava feroz. Seus pétreos olhos pareciam vigiar toda a paisagem,

porem, é certo, nada viam. As sólidas asas como que tentando ganhar o céu, nada poderia fazer. Não

se ergueriam um momento sequer apenas. Reza a lenda que numa época muito distante, vivia um

dragão sobre as montanhas de Delráhvia. Só que um dia. Um poderoso bruxo o havia confinado na

rocha e ali permaneceria por toda eternidade a velar sobre a paisagem. Mas os anos se passam e os

velhos morrem e as crianças abandonam seus sonhos na medida em que crescem e não há mais

quem conte as estórias e nenhum ouvido para ouvi-las então e as lendas vão ficando cada vez mais

distantes dos homens.

“Tudo nunca passou de um sonho!”. Disse uma voz de si para si mesmo. E acima, uma

bandeira pendia dum azul desbotado pelo tempo. Outrora, símbolo de dignidade e poder, hoje

arrancavam risos dissimulados e nada mais. O dragão dourado ao centro já não impunha respeito

nem nas criancinhas de pouca idade.

_Jovem mestre. Chamou uma voz perto a grande escadaria, único meio de si chegar à torre de

vigia. _Teu pai, o duque, o aguarda.

O jovem não volveu o olhar em direção àquela voz. Porem foi audível o seu longo suspiro.

_Diga a ele que já vou. Disse mantendo o olhar fixo no velho pendão agitado pelo vento.

_Não quero ser inconveniente... _Tornou a voz._... Mas ele pede que me acompanhe

imediatamente.

_Que seja! Exclamou displicentemente enquanto lançava um olhar frio para o velho homem

junto à escada.

O jovem seguiu em silencio escada abaixo acompanhado pelo homem mais velho. Era uma

enorme espiral. Parecida com uma enorme serpente enroscada pelas laterais da torre. Depois de

terminada a monótona descida, os dois entraram num enorme pátio e em seguida em uma porta a

esquerda saindo num, salão mediano aonde um grupo se reunia cheio de excitação nas vozes.

“_ Sei que parecem estórias de camponês senhor...” _ Disse um homem ao fundo da sala

enquanto Dárien e o velho Makro entravam. “_... mas dois pastores e alguns animais já

desapareceram. Achamos também sangue próximo ao velho poço.”

“_Uma fera senhor! Uma terrível fera bradou uma mulher”. “_Já ouvimos falar dela. Dizem

que dizimou todo um povoado e agora está aqui entre nós.”

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Havia muita tensão no ar. Várias pessoas falavam ao mesmo tempo enquanto o duque de cima

do trono olhava desolado aquele burburinho a sua frente.

_ Senhor meu pai, disse Dárien, mandaste chamar-me? Algo em que possa servi-lo?

A despeito de toda a formalidade, o duque notara certo descontentamento na voz de Darién,

mas também mantendo o tom formal: _Sim, meu filho. Estes homens trazem notícias de que uma

fera estaria atacando nossa boa gente. Como hábil caçador que és, gostaria de ouvir sua opinião sobre

o caso.

_ O que os soldados dizem meu pai?

_ Lobos meu senhor! Disse um homem usando com uma cota de malha que trazia uma longa

espada à cintura. _ Nada mais que lobos. E ademais, os dois pastores não passavam de bêbados, e

isto não é segredo a ninguém.

Se por um lado as pessoas simples viam no caso o ataque de uma terrível besta, que contavam

boatos sobre vilas destruídas e coisas parecidas, o duque via apenas estórias de gente ignorante que

tende a exagerar tudo e se deixam levar facilmente pelo maravilhoso.

_E então Dárien, o que me diz?

_ Bem meu pai, lobos ou algum outro animal é certo que não se sabe. Mas seria prudente

investigar. Se o senhor me concedesse a honra...

O duque não tencionou mandar ninguém para averiguar o caso. Principalmente seu filho, mas

se negasse o pedido, ainda mais na frente daqueles que ali estavam, poderia ter menos apoio quando

fosse preciso e assim aquiesceu.

Foi acordado que Darién levaria três homens consigo e partiriam pela manhã a fim de averiguar

os fatos. E assim, na quarta hora do período de Fabus, aos primeiros raios de Álax, partiram pela

velha estrada, rumo ao sul. Ao longe o antigo dragão se fazia ver magnífico enquanto a velha bandeira

azul era agitada por um impetuoso vento norte.

Dárien lembraria muitas vezes daquela cena, mormente nos tempos em que a escuridão tivesse

apoderado de seu ser e tudo o que houvesse vivido fosse como um sonho desvanecendo dentro da

realidade, porém os presságios são apenas para o futuro e o futuro ainda estava longe, ao menos

daquele dia.

Page 4: A máscara invicta

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Por Eduardo Motta.

O vento norte soprava suavemente. Em algumas épocas ele era um vento frio e veemente, mas,

hoje não. Ele era calmo e reconfortante. Para alguém após uma longa caminhada ele seria neste

momento como um eflúvio bem fazejo. Uma trégua ao calor que grossa em outras terras. Mas não.

Não era paz que ele trazia. Havia um cheiro metálico e uma tristeza no ar. Era uma lufada lenta e

pesada que oprimisse toda a paisagem. Sobre o solo, corpos espalhados de homens, mulheres e

crianças. Todos mortos.

_Chegamos tarde. Falou uma voz feminina.

_Ao que parece, sim. Concluiu uma segunda enquanto cobria com um manto o corpo de um

jovem que jazia no chão.

_ A cada tempo ele se torna mais violento. Disse a primeira enquanto cobria a seu turno, o

corpo mutilado de uma mulher. _A visão já não é tão boa quanto antes. Continuou ela.

_Não devia se cansar tanto assim, minha irmã. Disse a outra enquanto verificava a respiração

de um soldado, puxando-o para o seu colo. _Ele ainda vive! Exclamou ao mesmo tempo em que lhe

dava algo para beber.

Ária se aproximou. Já não tinha os cabelos dourados como a irmã ajoelhada à frente. A pele

havia perdido o rosado da juventude. Da antiga semelhança entre as duas nada restava.

Lorena levantou o olhar com a aproximação da irmã. Era triste vê-la andar com dificuldade.

Havia envelhecido muito. Isso era o que mais doía nela. Mas, assim tinha de ser o preço da magia, o

risco já havia sido calculado e cada uma aceitara sua parte. O que restava era seu forte, mesmo

quando a força se escondia bem no fundo do coração da mulher, tão fundo que parecia não vir à

tona nessa vida nunca mais.

Ária sabia que aquele homem ali não sobreviveria a menos que fosse ajudado. Porem, como

poderia? Se o curasse, talvez não pudesse dar um passo apenas e já se atrasaram por demais devido

ao estado em que se encontrava. A cada dia perdido mais pessoas morreriam sem ter a mínima

chance. Ela afastou se até sair do campo de visão da irmã e ali caiu num choro silencioso, porem

doído. Já tinha passado por cinco vilarejos e em todos apenas a morte restava e sabia que muito em

breve ela também faria parte da legião dos mortos.

E foi com tristeza que o resto daquele dia e o seguinte passaram. E as duas irmãs seguiram

rumo ao norte. E com elas ia o pequeno Ban, que havia se escondido no dia anterior. Ária sabia o

que os esperava mais guardou em seu coração. Sabia que o sofrimento era inevitável, mas ninguém

precisava sofrer antes do tempo.

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Por Eduardo Motta.

E o homem abaixou se para beber água no pequeno regato que corria por entre as rochas. Os

raios de sol sobre as águas criavam um lindo cenário. Toda a natureza parecia estar em festa. Uma

festa a qual não o convidaram. Estava nu e coberto de sujeira. Seu reflexo na água era horrível. Não

sabia onde estava, mas, pressentiu que andara muito pela noite. Havia lembranças de gritos em sua

mente. Tochas, sim. Lembrava-se delas. Havia também sangue, porem não se machucara. Pelo

menos a “Cria de Bël” havia ficado longe. Onde ele estaria? Talvez preparasse mais alguma ignomia,

não se importava ao menos não estava ali.

O homem lavou-se no regato e seguiu em meio às árvores. Não tinha o que vestir mais ali

ninguém o veria. “_Logo a noite cairá.” Pensou. Não tinha medo da noite, mas sabia que era quando

a cria de Bël vinha.

Ele vagou sem rumo por várias horas até que seus pés atritaram sobre algo.

_Por favor, não! Ele exclamou. Abaixo de seus pés, lá estava à criatura, seu rosto projetando para fora

do solo.

_Não! Gritou outra vez, mas agora se ouvia aquela voz:

_Mate-os. Todos. Dizia.

Era horrível. Não era humano.

_Não! Gritou mais uma vez

“_Ele está lá! A criatura está lá”. Ouvia as vozes. “_Matem-no”.

_Não! Por favor, me deixem. Não sou Cria de Bël, não estão vendo?

Mas eles não viam. Tacavam pedras, tochas,... Isso machucava e a criatura ao seu lado ria dele.

Ele caía sobre o chão, ninguém o ajudava. Uma lança perfurou lhe as costas.

_Nãããão! Gritava mas ninguém se importava. Então aquele olhar encontrava o seu olhar.

“_Mate a todos!” Dizia a criatura e ele já não estava ali. Gritos preencheram a noite. As lanças se

partiram. As pedras já não havia quem as lançassem. O chão cobriu-se de sangue e as tochas se

apagaram...

_Oh Iévine, nãããããooo! O homem gritava e se debatia. A criatura erguia seus troféus, membros

humanos. Ele não queria ver...

Sobre o solo o homem se debatia parecendo lutar contra algo que só ele via. Ainda não havia

chegado à noite, contudo, logo a criatura estaria ali.

Page 6: A máscara invicta

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Por Eduardo Motta.

Um tenso nevoeiro cobrira tudo. Era impossível enxergar a poucos metros à frente. No

entanto, o homem não se incomodava com nada daquilo. Tudo estava na mais completa paz. A voz

da criatura na sua cabeça havia desaparecido. A única coisa que restara era a dor, mas não ali.

O homem sabia que em algum lugar seu corpo era consumido por uma dor lacerante, mas não

ali entre as brumas. Ali ele apenas caminhava, ou voava. Não sabia ao certo. Contudo, algo

acontecera. As imagens eram vivas em sua mente. Em algum lugar uma batalha aconteceu, podia se

ainda sentir o cheiro de sangue. Os gritos ainda reverberavam em sua cabeça, embora muito

distantes. Sim. Com o auxílio da memória era possível ver os olhos da criatura a espreitar um grupo

de caçadores que adentraram a floresta. “_O que procuravam ali?” Pensava. A muito já não havia o

que caçar. Todos os animais se foram. Um completo silêncio que apenas a respiração do incauto

grupo se insistia em se fazer ouvida.

Não havia caça alguma isso era certo. Então qual o motivo daquilo? “Não se vagam

impunimente por aquelas florestas”, já deviam saber. O símbolo dourado do dragão se agitava a mais

leve lufada de vento, como um sinal funesto.

E lá estavam todos eles. Uns dez ao todo. Não eram estranhos ao homem, mormente o mais

jovem, que fora em outros tempos, seu amigo. Mas foi há tanto tempo, em uma época que não havia

tanto sangue, tanta dor. Era um tempo feliz.

“_Morte a todos!” Bradou a criatura.

“_Não.” Implorava o homem, mas sabia a inutilidade daquela súplica.

“_Matarei todos os seus antigos amigos e por último, o jovem duque. O que me diz?”

“_Não!!!” Gritava o homem proferindo várias implicações, tudo vão.

Um horrível grito percorreu a mata. A fera se atirou sobre um dos atentos caçadores. Debalde

tentaram socorrê-lo, mas só ficou uma grande mancha escarlate no solo e uma massa ensanguentada

que outrora fora um homem.

A criatura era muito rápida. Era quase impossível acompanha-lo com o olhar, sobretudo por

homens dominados pelo terror.

Um a um foram tombando os homens. Cada qual compondo uma parte daquele terrível

repasto. Propositalmente, o jovem duque era deixado para o final. Isso tornava o homem cada vez

mais angustiado. Nada podia fazer.

Então, quando tudo parecia sem solução, um agradável cheiro se fez sentir, algo que lembrava

casa, amor e sonhos. O coração do homem se entristeceu grandemente. Agora ele estava acuado em

algum canto, semelhante a uma criança indefesa. A criatura pressentiu o perigo. De alguma parte,

Page 7: A máscara invicta

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uma figura envolta em um manto esverdeado sangue. A cabeça oculta e, no entanto um raríssimo

perfume lhe indicava sua identidade.

“_Ária”. Uma voz falou, já sem forças, o que chamou instintivamente a atenção do monstro. A

criatura abandonou o jovem duque e foi de encontro da mulher que se apresentara. A fera urrou

insanamente perturbando até o homem de maneira estranha e logo em seguida, precipitou-se sobre

Ária.

Ela, porém manteve-se firme.

Apenas deu uns passos para trás e proferiu

algumas palavras incompreensíveis e

imediatamente uma fagulha brilhou entre

seus dedos e tudo foi engolido por uma

grande explosão. Havia chamas em toda

parte enquanto o a criatura era

arremessada ao longe e o homem caía

junto ao solo com todo o seu corpo

malferido pelas chamas. Um fogo

impetuoso que penetrou até seus ossos.

Toda a sensibilidade de seu corpo

desapareceu enquanto o mundo ao redor

se quedava numa imagem difusa. Tudo

sumiu por um espaço de tempo.

Contudo, como já era costume, a

dor, os gritos e tudo aquilo que aflige o

coração, sempre retornam. Num breve

momento ele viu o jovem duque tombado

ao solo com uma enorme ferida no peito

sendo amparado por uma mulher. Ária,

não a de tempos atrás, e sim uma já a muito castigada pelos anos. Alguém cujo impetuoso beijo da

morte já lhe roubara o aspecto da vida.

O homem não teve tempo para refletir muito sobre o fato, pois uma lâmina impiedosa

penetrou-lhe nas costas, causando uma dor pungente. Um brilho funesto apareceu diante de seus

olhos. Como um raio aquela arma cruel se projetava contra sua cabeça. Contudo, alguma coisa

aconteceu. Disso o homem não guardava memoria, mas, de qualquer forma ele vagava em meio às

brumas ou talvez voasse. Não sabia ao certo. A criatura havia desaparecido, mas podia sentir que em

algum lugar junto ao solo, seu corpo sofria o castigo de uma dor cruel. Mas já não se importava com

nada disso, uma vez que, entre as brumas nada fazia diferença mesmo.

Page 8: A máscara invicta

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Por Eduardo Motta.

“_Trimi”. Ecoava uma voz por entre as velhas ruínas, junto às antigas colunas deixadas pelos

primeiros homens que habitavam a região da velha torre, símbolo de poder e glória encimada pela

pedra do Dragão. _Trimi, onde está você? Insistia a mesma voz aflita, cheia de cuidados. Uma voz de

mãe.

Lá embaixo, junto ao velho regato estava uma criança; lutava contra soldados de pedra que ela

mesma criara. Um pequeno porrete, sua espada. Contudo, a voz insistia muito aflita. O menino

absorto em sua fantasia não ouvia nada. Então, tudo se esvaiu como num sonho. Aqueles dias foram

ficando cada vez mais distantes.

“_Onde está Trimi?” Perguntou uma voz áspera há muito temperada nas agruras da vida. Uma

voz de quem aos poucos foi perdendo o afeto, os sonhos. Uma voz ao qual o dever é seu único

regente. O mais impiedoso dos monarcas.

O jovem está distante. Lá embaixo ouvem-se os cavalos, o barulho da multidão. Vê-se o garbo

dos cavaleiros. O duque está lá. Não veio só. Sua mais nova esposa veio também. Nada como o

tempo para aplacar velhos amores.

“_TRIMI.” Chama a voz. Uma voz que espalha a desgraça. Que fala aos ouvidos dos

degredados, dos desesperados, de quem sofre grande vexação. E o homem, após caminhar toda a

noite, em meio à colina, solitário sob a luz dos astros, encontra uma velha máscara, sua única

companheira naquele isolamento. O homem em seu infortúnio zomba de si mesmo, pois sabe que,

seus desejos já não conta. Não tem direito algum. Deve se calar indefinidamente. Por toda uma vida

talvez. Agora ele é apenas um cão. Errante pela noite. Seus trôpegos pés o levam até o velho regato.

Ele mira-se nas águas, e sem saber por qual nefando designo, o homem coloca a velha máscara.

“_Trimi, Trimi...!” Chama a voz, doce e alegre. Uma voz que afaga e aconchega. _Trimi, onde

você está? Mas o menino brinca entre as ruinas. Sua luta encarniçada contra um pétreo exército está

apenas começando. _ “Trimi...!” Continua a voz. Mas o menino não responde.

É noite. Os astros noturnos já se mostram no firmamento. Radiantes. O homem vem

vindo pelo caminho. Sobre o dorso, a caça. Uma espada curta pende em sua cintura. Ele está

cansado, porem, feliz. A felicidade do dever cumprido. Ele sabe que em casa o esperam. Ter

um lar onde se possa abrigar do frio. Perto da aldeia ele para. Lembra-se de um sonho. Um

sonho que evocava outra vida, mas ele balança a cabeça e toma a direção de sua casa. Então ele

tem uma casa... Mas como? Quando? Não se sabe ao certo. Um dia ele acordou. Vagara

demasiado tempo num pesadelo. Isso sim sabia. Seu corpo ardia, mas as feridas se foram assim

como qualquer outra lembrança de uma vida anterior.

Dizem os aldeões que num dia, quando os homens atrás de alimentos vasculharam bem mais

ao norte a floresta, depararam com vestígios de alguma batalha acontecida. E um pouco mais afastado

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da cena, estava um homem malferido. Achavam que morreria logo, mas assim não foi e os homens

decidiram trazê-lo para a aldeia embora não nutrisse a esperança de poder salvá-lo tamanha era à

gravidade de seus ferimentos.

Os dias transcorreram. O homem não morrera. Apegara-se a vida, a despeito de suas muitas

chagas. A febre veio e se foi. Também as convulsões e os delírios. E todos os males de um corpo

extenuado. Só que como por milagre todos partiram, carregando consigo até o último vestígio da

memoria. O homem se recuperou, mas parte da sua memoria estava perdida, talvez para sempre.

“_Qual é o seu nome?” Indagavam. Ele não o sabia. Por mãos que tentasse, era inútil. Tinha isto ao

certo. Afinal não há coisa que caminhe, voe, nade, rasteje e tantas outras coisas que se possa numerar

que não possua um. Por fim, deu lhe um nome cujo significado era “viajante”, pois era essa sua

condição temporal e atemporal.

Como não tivesse onde se alojar fora acolhido por um casal de idosos da aldeia onde era

tratado como um filho pelo gentil casal. Filho este que morrera de febre anos atrás. Em retribuição,

ele fazia todas as tarefas que se exigia grande esforço. Além da caça, na qual se destacava

grandemente. E assim, os dias foram se passando. E pela primeira vez em muito tempo o homem se

sentia parte de algo Contudo, uma sombra ainda comprimia seu coração. Em algum lugar algo o

espreitava. Não sabia onde, mas o sentia. Percorria a mata a noite na certeza de encontrar, porem,

não havia nada. Somente o silencio atroz. Esse sim estava presente.

Por Eduardo Motta.

Um dia, um grupo singular chegou à pequena aldeia. Uma velha e outra jovem em trajes que se

diria, pronta para a batalha. Seguidas por um jovem que ostentava os símbolos da nobreza em seus

trajes, acompanhado por dois guerreiros, homens forjados no calor da batalha. _O que estariam

fazendo ali? Ninguém o sabia. Uma coisa era certo, algo estava por acontecer.

Os viajantes pareciam cansados. Se os olhassem de perto, ver-se-iam as marcas que em outros

tempos foram feridas.

_Tudo poderia ter acabado ali. Dizia Lorena para si mesma enquanto procurava com o olhar

por Ária que estava a alguns passos atrás.

“_Não. Não conseguiria.” Ária mentalmente refletia. Parecia vagar num plano além. Seu

coração parecia não lhe dar sossego. Era como se a mente de todos estivesse conectada em um

mesmo ponto. Então o jovem filho do duque falou:

_Era nosso dever ter feito com que isso parasse. Havia muita amargura em sua voz. Isso fez

com que as palavras soassem como uma grave acusação. _Falhamos miseravelmente! Continuou,

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contudo, ao encontrar o olhar de Ária sua voz embargou. Todos sabiam seu dever, ou pelo menos o

desfecho da deliberação que tomaram. Haveria sofrimento. Isto era mais que certo.

Aquele dia correu lento, mas quando veio à noite, um vento impiedoso desceu e fustigou os

campos com seu frio hálito. Os astros noturnos Erius e Fabus projetaram uma luz espectral

envolvendo toda paisagem enquanto o silencio engolia tudo.

Todavia, naquela noite um velho incauto, pega um caminho diferente indo para a floresta ao

invés de ir pra casa. Estava bêbado. Balbuciava, e hora caia para em seguida reerguer-se

sofregamente. Por fim recostou-se a uma pedra e ali ficou a profanar o silencio noturno que, naquela

noite poderia se dizer, tinha algo quase sagrado. O tempo correu lentamente enquanto o ébrio

homem cantava sua canção. Uma canção que evocava lembranças de amores fatídicos, corações

lacerados e guerras acontecidas há tanto tempo que não se podia precisar ao certo. Contudo, o que o

incauto homem não sabia era que a noite não era sua única plateia. Havia algo mais. Uma sombra

deslizava entre a noite. Quase tão silenciosa quanto o próprio silencio. E muito mais terrível.

Uma gargalhada percorreu a noite. Era terrivelmente familiar. O homem despertou de seu

sono. Sonhara com a floresta aquela noite, e também com um velho bêbado. O mesmo velho que ao

entardecer seguira em direção à mata com uma garrafa de hidro mel markdeno a despeito das

advertências dos aldeões. O homem estava em seu leito coberto de suor. “Aquilo não poderia ser

apenas um sonho”, pensava. A imagem era nítida por demais. Sem refletir, levantou-se e foi na

direção que seu sonho indicava.

Noutra parte não muito retirada da aldeia, Ária estava aflita. Sabia que o momento havia

chegado, mas Lorena e Dárien tinham ido até o outro lado da floresta e demoravam muito a chegar.

Um terror crescia na noite e ela bem o sabia. Já o sentira há dias. Mas hoje era diferente. Estava ali e

já cansada da longa espera, decidiu ir encontrar aquela terrível sombra. Envolveu se em seu manto,

pegou seu cajado e começou a subir a colina acima da maneira que seu maltratado corpo permitia.

Tamanha foi a sua surpresa ao vislumbrar, mesmo através da noite, um corpo, ou o que

sobrara dele, um pouco a frente e junto a ele, aquele que um dia fora seu amante. “_Tenho de ser

rápida.” Falava para si mesma. Se falhasse, poderia ser o vim. Pensava Ária.

O homem não a percebera. Isso era uma grande vantagem. Ária concentrou-se em um ponto

qualquer em algum lugar na noite. Em algo que só ela via enquanto invocava o “poder”. As palavras

eram difíceis, mas já estava acostumada a pronunciá-las. Quando criança sua mãe a ensinara e ela não

se confundiria agora. As palavras saíram num ritmo hipnótico e logo uma centelha brilhou em frente

à Ária. Num breve instante um clarão se fez visível na paisagem e foi tudo que o homem pode ver

antes de ser engolido pelas chamas terríveis.

Ária olhou em volta, as chamas provocaram uma grande destruição lançando em meio às

pedras o corpo do homem que ela amara em toda sua vida. O fogo o maltratara nitidamente. Já não

poderia viver. Uma dor aguda se apoderou da mulher embora soubesse que era o certo a fazer.

Tentou recompor-se, mas suas pernas não a obedeciam. Conjurara muito poder e pagava o preço

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por tal ato. Ela queria correr e abraçar ao menos uma vez aquele corpo e implorar lhe perdão por

tudo, mas como? Era forçoso mesmo manter-se de pé.

As chamas produziram um forte clarão no céu e isto chamou a atenção de Lorena e Dárien

que ao perceberem tomaram aquela direção. Infelizmente eles não foram os únicos a notarem o

acontecido, pois em algum lugar uma sombra foi atraída para aquele ponto e colocou-se a caminho,

terrível.

As forças de Ária começavam a voltar enquanto num vislumbre ela pode perceber algo que

surgia da escuridão em meio aos arbustos. A criatura se fez visível. Ária ficou aflita. Não era possível

conjurar o poder. Tentaria retardar a criatura, esperando que alguém mais houvesse visto o brilho da

explosão.

Por Eduardo Motta.

As brumas cobriam tudo. O homem caminhava, ou talvez voasse. Não sabia ao certo. Em

algum lugar seu corpo sofria. Mas não ali. Tudo a sua volta transparecia paz solenemente duradoura.

Contudo, a paisagem foi se dissipando ante seus olhos e logo já não havia paz. Estava deitado sobre o

solo. Percebia agora as feridas. Porém toda a sensação de dor se fora. As chamas penetraram muito

fundo em sua carne. Fundo demais para que pudesse sentir algo. Seu braço direito já não o obedecia.

Com muito custo, pois se de pé a tempo de perceber uma desesperada Ária que tentava se proteger

dentro de um circulo de chamas que detinha a fera por um tempo. Tomado de uma força sobre

humana ele começou a dirigir se para a fera. A princípio lentamente, mas, aos poucos ganhando

velocidade e num instante tudo havia desaparecido.

Quando pode voltar a si, a primeira coisa que percebeu foram os olhos de Ária e logo em

seguida um brilho funesto que envolvia tudo. O homem fechou os olhos e esperou o golpe, mas as

chamas não o feriram novamente. Tudo o que sentiu foi um forte impacto às suas costas que o

lançou ao solo novamente. Ao se levantar, Ária estava a sua frente novamente. Não a velha Ária, mas

uma de outros tempos. Bela e radiante a sorrir-lhe. Tudo durou apenas alguns segundos, pois a

imagem foi se tornando pálida e por fim dissolveu-se ao vento. Ele tentou agarrá-la, mantê-la de

alguma forma. Era inútil. Nada restava.

E a voz chamou-o mais uma vez. A voz que a desgraça espalha. Ao virar-se percebeu aquele

olhar hostil que o espreitava. O mesmo que por muito tempo fora seu único companheiro. A criatura

estava morta pelo poder que Ária invocara, mas não aquele rosto que zombava de sua dor, aquela

máscara.

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Fraco pelo pesar, o homem foi aos poucos se entregando aquele mesmo desígnio que fora

dantes sua queda. Mais uma vez tinha a velha máscara em suas mãos e ao coloca-la tudo sumiu numa

terrível escuridão. Já não restava pensamento algum até que uma dor pungente o trouxe de volta.

Uma grande espada perfurara suas costas e agora se projetava de seu peito. Tentou tatear o lugar e

então percebeu que aquela mão não era a sua, mas sim a mão da fera. Tentou gritar, mas o som que

saiu foi um urro assustador e pela primeira vez compreendeu que ele próprio era a fera. A criatura.

Pela primeira vez compreendeu que ele mesmo era a fera. Quando levantou o olhar lá estava Lorena

Tão idêntica a Ária. Dos olhos da moça corriam lagrimas e uma palavra se formou nos lábios dela,

mas logo foi engolida pelo silencio.

“_ Trimi.” Chamou a voz. O menino brincava em meio à ruinas deixadas pelos primeiros

habitantes daquela região.

“_Trimi, Trimi”... insistia. E o garoto jaz em seu mundo não ouvia nada.

_Trimi, aí esta você. Uma mão tocou-lhe no ombro e quando se virou viu sua mãe. Não estava

sozinha. O duque estava com ela. O mesmo que outrora o havia chamado de filho.

Epílogo...

Noutro lugar...

_Quem é? Perguntou uma voz áspera junto à

porta.

_Flecha-Rubra, respondeu o homem revelando

o rosto ocultado pelo manto. Era de cor morena, com

longos cabelos negros e trazia um arco nas costas.

_Aproxime-se Flecha-Rubra. Falou alguém tão

logo adentrara a um grande salão. _Cumpriste o que

lhe foi ordenado? Perguntou.

Flecha-Rubra ouviu a voz. Era estranha. Não viu

o rosto de seu entrevistador, pois todos que estavam

presentes usavam uma mascara assim como trajavam

longos mantos que cobriam todos seus corpos. Havia

ao todo quatorze pessoas no grande salão. _Sim.

Respondeu por fim. _A fera está morta como me fora

ordenado, senhor.

Page 13: A máscara invicta

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_Alguma testemunha?

_Não. Respondeu Flecha-Rubra. A mulher guerreira e Dárien estão mortos. Enquanto falava pode

ver mentalmente a imagem.

_Melhor assim! Exclamou alguém no outro canto do salão. _Pode se retirar-se.

_Sim senhor!

Flecha-Rubra deixou o recinto e tomou um caminho diferente do qual havia chegado. Um

pouco distante enfiou a mão em seu manto e puxou a velha máscara. Não conseguira destruí-la, mas

a guardaria longe o suficiente para que ninguém mais a pudesse usar...

Eduardo Motta