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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO APARECIDO AIRES A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS CUIABÁ 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

APARECIDO AIRES

A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS

CUIABÁ

2012

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APARECIDO AIRES

A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação do Instituto de

Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO,

Linha de Pesquisa Educação em Ciências e

Matemática, sob orientação do Professor Dr.

MICHAEL FRIEDRICH OTTE.

CUIABÁ

2012

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Ficha catalográfica elaborada por Simone Pereira Rocha CRB1 – 1906

Aires, Aparecido

A298m A matemática e a história dos números decimais / Aparecido

Aires. – Cuiabá : [s.n.], 2012.

152. f. Il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato

Grosso, Programa de Pós-Graduação em Educação do instituto de

Educação, 2012.

Orientação: Prof. Dr. Michael Friedrich Otte.

1. Simon Stevin. 2. Números decimais. 3. Algoritmo. 4. Episte-

mologia. I. Título.

CDU 51

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3

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABÁ/MT

Tel : 3615-8431/3615-8429 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: "A matemática e a história dos números decimais"

AUTOR: Mestrando Aparecido Aires

Dissertação defendida e aprovada em 10/04/2012.

Composição da Banca Examinadora:

_____________________________________________________________________________

____________

Presidente Banca / Orientador Doutor Michael Friedrich Otte

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Interno Doutor Sergio Antônio Wielewski

Instituição :

Examinador Externo Doutor Marcos Francisco Borges

Instituição : UNEMAT

CUIABÁ, 10/04/2012.

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4

Ao meu filho Kauã Santana Aires, pelos vários

momentos de alegria, sendo fonte de

inspiração.

À minha esposa Rose, que sempre incentivou,

não me deixando abalar com os obstáculos.

Aos meus pais, responsáveis pela minha

educação, pois, sem eles não seria possível.

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5

AGRADECIMENTO

A Deus, por iluminar meus passos nesta

caminhada.

Ao Professor Doutor Michael Friedrich Otte,

pelos momentos de orientação.

À Professora Doutora Gladys Denise

Wielewski, por estar sempre à disposição nos

momentos que precisei.

Ao Professor Doutor Sérgio Antônio

Wielewski, por suas contribuições para este

trabalho.

Ao Professor Doutor Marcos Francisco

Borges, pelas suas contribuições que foram

essenciais para conclusão deste trabalho.

À Professora Doutora Tereza Pazos, pela

leitura e as devidas correções.

À Secretaria de Educação de Mato Grosso –

SEDUC, pela licença para estudo concedida.

A todos que de forma direta ou indireta

contribuíram para realização deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem como foco de estudo a representação das frações decimais

apresentada por Simon Stevin, em seu trabalho De Thiende, em 1585. Esta nova

representação das frações decimais deu origem aos números decimais que conhecemos na

atualidade, ou seja, números no qual usamos a vírgula para separar a parte inteira da parte

decimal. Simon Stevin descreveu (em De Thiende) a maneira de resolver qualquer cálculo

aritmético, com o uso dos números decimais. Estudamos sobre a resolução das operações

fundamentais de aritmética (adição, subtração, multiplicação e divisão) e no cálculo de raízes

(quadrada, cúbica e outras) por meio de algoritmos, para mostrar tanto a eficiência quanto a

ineficiência da utilização do algoritmo no que se refere à aprendizagem da matemática.

Abordamos também dois tipos de pensamento, o pensamento instrumental e o teórico,

destacando as diferenças e a complementaridade entre eles mostrando a sua necessidade para

o desenvolvimento da aprendizagem matemática. A ligação de dois períodos diferentes, que

são o século XVI e o século XX, no que tange à computação, uma vez que Simon Stevin

trouxe uma representação, ou seja, os números decimais no intuito de facilitar os cálculos no

século XVI, e no século XX, a criação do computador fez com que estes cálculos ficassem

ainda mais simples. Porém esta criação só foi possível a partir do momento que houve uma

organização dos números em dígitos, feita por Simon Stevin no final do século XVI. A

estruturação dos conjuntos numéricos com a criação de novos números a fim de suprir as

necessidades do homem na medida em que vai evoluindo, mostrando deste modo que a

representação de Simon Stevin acompanhava essa evolução. A epistemologia e a história dos

números decimais permitiram com que o conhecimento sobre este assunto fosse melhor

compreendido no âmbito da educação matemática.

Palavras-chave: Simon Stevin. Números Decimais. Algoritmo. Epistemologia.

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ABSTRACT

This work has as its object of study of the representation decimal fractions developed by

Simon Stevin, in his work De Thiende in 1585. This new representation of decimal fractions

lead to the decimal numbers that we know on present days, in other words, numbers that we

use comma to separate the integer part of the decimal part. Simon Stevin described (in De

Thiende) the way to solve any arithmetic with the use of decimal numbers. We studied about

the resolution of the fundamental operations of arithmetic (addition, subtraction,

multiplication and division) and the calculation of roots (square, cubic, and others) by means

of algorithms to illustrate the efficiency and inefficiency in the use of the algorithm that refers

to the mathematics learning. We discuss also two types of thought, the instrumental thought

and theoretical thought, exemplifying the differences and complementarity between them

showing the importance for the development of mathematical learning. The binding of two

different periods, that are the XVI century and the XX century, with respect to computing,

when Simon Stevin brought a representation, in other words, the decimal numbers aiming to

facilitate the calculations in the XVI century, and century XX, the creation of the computer

enabled these calculations become even simpler. But this creation was only possible from the

time that there was an organization of numbers in digit, made by Simon Stevin in the late XVI

century. The organization of numerical sets by creating new ones in order to supply the needs

of humans and their evolutions, thereby showing that the representation of Simon Stevin

followed this evolution. Epistemology and history of decinals numbers allowed that

knowledge about this would be better understood in the context of mathematics education.

Keywords: Simon Stevin. Decimal Numbers. Algorithm. Epistemology.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS.............................................................................................................10

LISTA DE TABELAS............................................................................................................11

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

1. SIMON STEVIN E O TRABALHO DE THIENDE: NOVA REPRESENTAÇÃO DAS

FRAÇÕES DECIMAIS

1.1 O que estava acontecendo antes de Simon Stevin..........................................................16

1.2 Nascimento de Simon Stevin............................................................................................20

1.3 Religião de Simon Stevin..................................................................................................22

1.4 A retomada catolicista de Bruges....................................................................................24

1.5 Em contato com trabalhos de grandes homens da Antiguidade...................................26

1.6 Os trabalhos.......................................................................................................................28

1.7 O trabalho De Thiende......................................................................................................31

1.7.1 Panorama Histórico.......................................................................................................31

1.7.2 A representação dos números decimais de De Thiende..............................................36

2. O QUE É UM ALGORITMO?

2.1 Introdução..........................................................................................................................51

2.2 A origem da palavra algoritmo........................................................................................52

2.3 Algoritmos e computadores..............................................................................................53

2.4 O algoritmo de Euclides...................................................................................................59

2.4.1 O lado e a diagonal do quadrado: um problema para o algoritmo de

Euclides....................................................................................................................................64

2.5 Século XVII: o lampejar de uma nova era.....................................................................66

2.6 Máquina de Turing...........................................................................................................68

2.7 O Labirinto........................................................................................................................71

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3. TIPOS DE PENSAMENTO: PENSAMENTO INSTRUMENTAL E PENSAMENTO

TEÓRICO

3.1 Introdução..........................................................................................................................73

3.2 Uma definição de conceito................................................................................................74

3.3 Pensamento algorítmico...................................................................................................76

3.4 Teste de Turing.................................................................................................................78

3.5 Teorema de Pitágoras.......................................................................................................79

3.6 A duplicação do cubo.......................................................................................................82

3.7 A busca de solução para uma equação do quinto grau.................................................87

4. A MATEMÁTICA DOS NÚMEROS

4.1. Introdução........................................................................................................................91

4.2 Álgebra e aritmética: a importância do simbolismo......................................................91

4.3 Breve sinopse sobre números..........................................................................................94

4.3.1 Números naturais..........................................................................................................96

4.3.2 Números inteiros............................................................................................................99

4.3.3 Números racionais........................................................................................................102

4.3.4 Números reais..............................................................................................................105

CONSIDERAÇÕES.............................................................................................................110

REFERÊNCIAS...................................................................................................................113

ANEXO..................................................................................................................................117

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Foto de Simon Stevin............................................................................................20

Figura 02 – Capa do livro Wisconstige Gedachtenissen..........................................................21

Figura 03 – Capa do livro De Thiende......................................................................................35

Figura 04 – Foto de um modelo de máquina de Turing............................................................68

Figura 05 – Esquema de uma máquina de Turing....................................................................69

Figura 06 – Exemplo de uma máquina de Turing funcionando...............................................70

Figura 07 – Construção dos quadrados considerando os lados de um triângulo retângulo......80

Figura 08 – Duplicação de um cubo considerando o dobro de aresta......................................83

Figura 09 – Uma nova construção do altar...............................................................................83

Figura 10 – Duplicação do quadrado.......................................................................................84

Figura 11 – Representação dos números inteiros....................................................................101

Figura 12 – Quadrado.............................................................................................................106

Figura 13 – Triângulo retângulo.............................................................................................106

Figura 14 – Representação de duas retas originárias de um ponto da reta.............................108

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Mostrando as duas partes de De Thiende.............................................................38

Tabela 02 – Valores das variáveis x, y e r................................................................................62

Tabela 03 – Valores das variáveis x, y e r................................................................................63

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INTRODUÇÃO

O interesse em saber mais sobre números decimais surgiu em 2005, na elaboração da

monografia de conclusão do curso de licenciatura plena em matemática, na qual, abordo como

tema os números decimais e as operações aritméticas. Neste trabalho de conclusão observo

que alunos do ensino médio não tinham ideia do porquê dos números decimais, o objetivo

desses alunos era somente resolver as operações que apareciam com esses números decimais.

Diante disso, reflito sobre números decimais, a partir de meu entendimento para instigar os

alunos a questionarem acerca dos números decimais tais como: Quem os inventou? Por que os

inventou? Em que momento os inventou? É fundamental para a aprendizagem dos números

decimais. São perguntas como essas que farão os alunos entender mais sobre os números

decimais.

A história dos números decimais e o interesse de aperfeiçoamento na área de educação

me instigaram a ingressar no curso de mestrado, podendo assim aprender mais sobre os

números decimais e também aperfeiçoar minha prática como docente através de

aperfeiçoamento. Pois, entendo que através de leituras e dedicação podemos chegar ao

entendimento de algo, neste caso, dos números decimais, que são objeto de nossa pesquisa.

No mundo contemporâneo, escrever um número decimal é tão simples, que nem

paramos para questionar se foi preciso inventar tal notação como, por exemplo, escrever o

número decimal vinte e quatro inteiros e sete centésimos, da seguinte forma: 24,07, com a

vírgula separando a parte inteira da parte não inteira. Foi essa facilidade de reconhecer um

número decimal, que me levou a questionar sobre os números decimais e sua aplicação. A

ideia de praticidade parece nos levar a um processo mecânico, mas, será que esse processo

mecânico não surgiu a partir de um processo teórico. Os motivos para tal invenção foi

somente para facilitar os cálculos. E, então, como pode uma notação ser tão importante no

mundo contemporâneo. Indagações como essas me levaram a desenvolver esta pesquisa.

Porém, para que esta notação viesse a ser apresentada desta forma foi necessário que

alguém a mostrasse, não da forma como se encontra hoje, pois, como sabemos uma ideia por

mais que seja espetacular, necessita de ajustes, porém, não podemos nos divergir sobre o autor

da ideia.

Deste modo, historiadores da matemática não divergem no nome, quando o assunto é a

sistematização das frações decimais.

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O primeiro a demonstrar através de um tratado especial que entendeu o significado

da fração decimal foi Stevin, que publicou um trabalho sobre o assunto em

flamengo, seguido no mesmo ano (1585) de uma tradução francesa. Este trabalho,

intitulado em francês La Disme, estabeleceu o método pelo qual todos os cálculos de

negócios envolvendo frações podem ser feitos tão facilmente como se envolvesse

apenas inteiros.[...]. Ele foi o primeiro a estabelecer regras definitivas para as

operações com frações decimais, [...]1 (SMITH, 1958, p.240-242, tradução nossa).

Simon Stevin (1548-1620) foi o primeiro a entender as frações decimais, escrevendo

um livreto em 1585 com o título de La Disme2.

No seu La Disme (1585) descreve em termos expressivos as vantagens, não só das

frações decimais, mas também da divisão decimal dos sistemas de pesos e medidas.

Stevin aplicou as novas frações a ‘todas operações da aritmética ordinária’

(CAJORI, 2007a, p. 213-214).

Deste modo, o uso desta notação não foi tão simples, mas, sim um processo de

transformação no qual vários estudiosos contribuíram para a sua estruturação.

Outro fator importante para a aceitação desta representação foram os números indo-

arábicos, pois, foi a partir destes símbolos, que os cálculos tornaram-se menos complicados,

ao contrário dos cálculos utilizados pelos romanos, ao efetuarem a soma de dois números,

como mostrado a seguir:

CXX

XXXVIII

CLVIII

Ou um cálculo de soma envolvendo “números quebrados”,

X,XV

II,LI_ __

XII,LXVI

Esta era a notação adotada pelos romanos na Idade Média, ou seja, letras

representando números e “a base numérica usada pelo povo romano era decimal”

(CONTADOR, 2006, p. 158). Os cálculos complicados com algarismos romanos eram

inviáveis, se não impossíveis e não se pode deixar de observar que “a mistura e a confusão de

1 The first to show by a special treatise that he understood the significance of the decimal fraction was Stevin,

who published a work upon the subject in Flemish, followed in the same year (1585) by a French translation.

This work, entitled in French La Disme, set forth the method by which all business calculations involving

fractions can be performed as readily as if they involved only integers […]. He was the first to lay down definite

rules for operating with decimal fractions, […] 2 Título da versão em francês de De Thiende.

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números e letras eram difíceis de evitar por que, naturalmente, os algarismos romanos eram

letras romanas” (CROSBY, 1999, p. 113). Esse sistema foi superado, por mais que se possa

afirmar “que durante vários séculos houve intensa competição entre abacista e os algoristas e

somente por volta do século XVI os numerais indo-arábicos se fixaram na sociedade

(CONTADOR, 2006, p. 170). Os exemplos colocados acima podem ser escritos da seguinte

maneira, o primeiro exemplo, que é a soma de 120 e 38:

120

38 +

158

No segundo exemplo, quando aceito os números decimais e que não se tem até o

momento uma notação padrão definida, como se pode ver, “o resultado da fração

é escrito

aqui no Brasil, na Alemanha e na França como 1,25, já os ingleses escreveriam 1 25 e os

americanos 1.25” (CONTADOR, 2006, p.189).

10,15

2,51+

12,66

A vírgula decimal ou ponto decimal e os dez símbolos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0)

utilizados no sistema indo-arábico de base 10, foram essenciais para a notação que se tem

hoje, porém, para a realização deste feito foi necessário entender e principalmente disseminar

esta ideia. Simon Stevin foi a pessoa que entendeu e disseminou o novo modelo ao

conhecimento do mundo.

O trabalho em questão trata da sistematização que Simon Stevin aplicou às frações

decimais, pois sua nova maneira de escrevê-las facilitou os cálculos aritméticos. Seu

entusiasmo foi tão grande pela divisão decimal, que ele chegou a sugerir esta divisão para o

sistema de pesos e medidas aos governantes da época.

A elaboração deste trabalho foi dividida em quatro capítulos:

O primeiro capítulo, com o título Simon Stevin e o Trabalho De Thiende: Nova

Representação das Frações Decimais, versará sobre os momentos antes de Simon Stevin; seu

nascimento; religião e o trabalho The Thiende. Transcorremos todos os detalhes a fim de

entender e destacar a importância da notação utilizada por Simon Stevin. Neste capítulo

utilizaremos os autores Devreese; Berghe, historiadores que escreveram sobre Simon Stevin e

Struik, foi da obra deste que retiramos o anexo deste trabalho, esses autores são os

norteadores deste capítulo.

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O segundo capítulo com o título O que é um algoritmo? mostraremos as definições da

palavra Algoritmo e a complexidade de um algoritmo, por mais que se possa dizer que, um

algoritmo não passa de um método sistematizado de se chegar a uma resposta. Há de se

perceber que a notação de Simon Stevin possibilitou a inserção de novos algoritmos, uma vez

que números decimais trouxeram uma nova dinâmica aos cálculos com “números quebrados”.

Para nortear este capítulo foram utilizados os textos dos autores Otte e Berlinski, sendo,

respectivamente o texto Labirinto retirado do livro O Formal, o Social e o Subjetivo: uma

introdução à Filosofia e à didática da Matemática e o livro O advento do algoritmo: a ideia

que governa o mundo.

O terceiro capítulo com o título Tipos de Pensamento: Pensamento Instrumental e

Pensamento Teórico, mostraremos a diferença entre esses tipos de pensamento e a sua

complementaridade, pois, ao mesmo tempo em que são diferentes eles se complementam.

Neste capítulo, a tese de doutorado de Sérgio Antonio Wielewski, Doutor em Educação

Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), denominada O

Pensamento instrumental e o Pensamento Relacional na Educação Matemática é tomada

como norteadora das discussões entre o pensamento instrumental e o pensamento teórico.

No quarto capítulo que tem como título A Matemática dos Números, dissertaremos

sobre o surgimento dos corpos numéricos. Entretanto, não se quer aqui dissertar sobre a

história dos números, mas, sobre o seu desenvolvimento, o que levou à criação de um novo

corpo numérico. Mostraremos quais foram as dificuldades, pois, como se sabe para que haja

uma transformação ou criação de um novo corpo numérico é necessário encontrar obstáculos

naquilo que já está proposto. E foi assim que aconteceu no decorrer dos tempos. A criação de

um novo corpo numérico ocorre quando surge um problema que o corpo numérico que está

sendo utilizado não é mais capaz de responder às questões apresentadas. Também, é

necessário frisar que os conjuntos numéricos citados neste capítulo estão diretamente ligados

com as operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão), que são os

corpos numéricos (Naturais, Inteiros, Racionais e Reais). Haja vista a existência de outros

corpos numéricos, por exemplo, corpos dos números transcendentais, dos números algébricos

etc., utilizamos como norteador deste capítulo o livro de Caraça Conceitos Fundamentais da

Matemática.

Deste modo este trabalho possui três aspectos: o que é um algoritmo; qual a diferença

entre algoritmo e teoria; como o problema de algoritmo está relacionado com o modo de

representar os números. Nesta linha o livreto De Thiende foi o norteador deste trabalho.

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SIMON STEVIN E O TRABALHO DE THIENDE: NOVA REPRESENTAÇÃO DAS

FRAÇÕES DECIMAIS

1.1 O que estava acontecendo antes de Simon Stevin

O Renascimento foi o ponto alto na história das artes visuais, arquitetura e literatura.

As ciências passavam por um processo de transição. O Renascimento questionavam os

valores consolidados na Idade Média, confrontando importantes conceitos elaborados pelo

pensamento medieval. No campo da astronomia discutia-se o centro do universo, até então

como sendo a Terra (modelo geocêntrico), defendida pela Igreja com o apoio de Aristóteles

(384-322 a.C.). Mas os estudos dos astrônomos renascentistas e cientistas renascentistas

afirmavam ser o Sol como centro do universo (modelo heliocêntrico) defendido por Nicolau

Copérnico (1473-1543). Confrontos como esses levaram cientistas como Giordano Bruno

(1548-1600) à morte.

O homem renascentista redescobria as obras da Antiguidade fazendo estudos mais

aprofundados, atentando-se para a ciência, buscando-se a perfeição e o entendimento dos

fenômenos, deixando de aceitar as verdades defendidas por autoridades estabelecidas, como

Aristóteles, passando a buscar o rigor e a clareza das demonstrações como formas de

estabelecer a verdade, assim confrontando religião e ciência:

A tensão entre um enfoque religioso sobre a vida, propagada pela Igreja na Idade

Média, e um foco secular sobre o presente e um interesse no mundo natural é uma

característica do Renascimento. Este último ponto de vista era inerente ao

humanismo, um dos fatores essenciais da Reforma. As duas visões de mundo

contrastante colidiram3 (DEVREESE & BERGHE, 2008, p.5, tradução nossa).

Escalas de expansão e visões de mundo diferente, a globalização entre o fim do século

XV e início do século XVI, foram essenciais para a mudança.

O crescimento das cidades, o surgimento de centros regionais, elementos para

ascensão das monarquias novas e o desenvolvimento das universidades também foram

importantes nessa época.

3 The tension between a religious focus on the life come, propagated by the Church in the Middle Ages, and a

secular focus on the present and an interest in the natural world was a characteristic of the Renaissance. This

latter viewpoint was inherent to humanism, one of the essential factors of the Reformation. The two contrasting

worldviews collided.

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É necessário enfatizar a importância da impressa nesse período. A impressão a bloco

já existia na China desde 770, também foi na China que houve a invenção do papel. Mas a

impressão com tipos móveis surgiu em meados do século XV, trazendo grandes benefícios.

“Após a invenção da imprensa, em 1434, tornara-se possível reproduzir mais facilmente a

documentação científica, assegurando, desse modo, um acesso mais amplo ao saber”

(MOURÃO, 2003, p.101).

Segundo Boyer (2003, p.184) “dessas, poucas eram obras matemáticas, mas essas

poucas, junto com os manuscritos existentes, forneceram uma base para a expansão” da

matemática.

A princípio, a recuperação do clássico da geometria grega impresso em latim, era

menos significativa, do que as traduções latinas de tratados árabes de aritmética e álgebra. De

acordo com Boyer (2003), essa preferência se deu pelo não domínio da leitura grega pelos

homens do final do século XV e por não conhecerem suficientemente a Matemática para

aproveitar o conhecimento dos geômetras gregos. Mas na medida em que os humanistas4 do

século XV e XVI foram tomando conhecimento dos clássicos gregos redescobertos nas

ciências e nas artes, a apreciação pelas realizações latinas e árabes inevitavelmente tornou-se

menor. O conhecimento que os humanistas buscavam nos textos gregos era mais voltado para

a valorização do homem, deixando o interesse pela Matemática quase estática, com isso a

Matemática clássica se mostrava inalterada desde o período medieval.

Mas, o trabalho de pensadores contemporâneos cultivava uma forte inclinação pela

ciência, fizeram com que a Matemática saísse desse período estático. Regiomontanus (1436-

1476) foi um dos grandes responsáveis pela disseminação da Matemática pela Europa, mesmo

morrendo prematuramente aos quarenta anos, depois de chegar a Roma a convite do papa

Sixto IV para reformular o calendário (dizem alguns que envenenado por inimigos)5. Ainda

segundo Boyer:

Regiomontanus conhecia bem o grego, mas não partilhava da apoteose do helenismo

dos humanistas, e estava pronto a reconhecer a importância da álgebra medieval

árabe e latina. Ele evidentemente conhecia as obras de al-Khowarizmi e Fibonacci e

tinha projetado imprimir o De numeris datis de Jordanus Nemorarius ( 2003, p.190).

Regiomontanus pretendia publicar traduções de obras a fim de promover a ciência. Na

lista encontrava obras de cientistas como Arquimedes, Apolônio, Heron, Ptolomeu. Mas sua

4 Humanista: Homens típicos da época do renascimento, que se opunha ao ideal de homem medieval.

5 BOYER, (2003, p. 187.)

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morte prematura cessou seus planos. Mesmo depois de sua morte, “a lista dos livros que ele

projetava imprimir se preservou e indica que certamente o desenvolvimento da matemática se

teria acelerado se ele tivesse sobrevivido” (BOYER, 2003, p.187). Regiomontanus sabia da

importância da proliferação dessas obras para a ciência.

Nicolau Copérnico (1473-1543), também viveu nesse período, nascido três anos antes

da morte de Regiomontanus. Sua contribuição para a ciência de modo geral foi essencial.

Copérnico foi o divisor de águas. Seu tratamento matemático em relação ao sistema universal

foi de suma importância para que se pudesse deflagrar a revolução astronômica.

[...] Copérnico, ao perceber, pioneiramente, que o movimento da Terra podia ser a

solução para o problema astronômico dos movimentos irregulares dos planetas,

aplicou a Matemática na busca da prova, também pela primeira vez. É isso que

diferencia Copérnico de seus predecessores, pois nenhum deles usou o cálculo para

matar a charada (MOURÃO, 2003, p.196).

Desta forma, o modelo que afirmava a Terra como centro do universo (geocentrismo)

tinha suas bases enfim estremecidas, pois, de acordo com Mourão (2003, p.18) “Na época, já

se sabia a incapacidade do sistema de Ptolomeu de prever com exatidão os movimentos

celestes”.

Copérnico, assim como Aristarco de Samos (320-250 a.C.), observou que o Sol era o

centro do universo (heliocentrismo) e não a Terra. Mas diferente do heliocentrismo de

Aristarco que acabou caindo no esquecimento. Copérnico por meio da sua obra De

revolutionibus. revolucionou de vez o modelo vigente de que a Terra estava no centro do

universo,

O marco inicial das grandes alterações no pensamento astronômico e cosmológico

do século XVI – a chamada Revolução Copernicana – foi a publicação, em 1543, do

De revolutionibus. Essa obra é um texto complexo e, com exceção do primeiro livro,

introdutório, é demasiadamente matemático para ser compreendido por quem não

tenha um bom conhecimento astronômico. [...]. Esses raciocínios cósmicos

permitiram que seus seguidores – Kepler, Galileu e Newton, principalmente o

primeiro – concluíssem a revolução que sua obra inaugurou. [...]. Foi Copérnico, por

exemplo, que chegou à primeira resposta precisa sobre o movimento retrógrado dos

planetas, que seria aperfeiçoado por Kepler (Ibid, p.194).

Os ideais renascentistas e modelos educacionais espalhados pelo norte para além dos

Alpes na segunda metade do século XV, fez com que cidades como Paris (França), Antuérpia

(Bélgica), Augsburg (Alemanha) e Londres (Inglaterra) crescessem. Outro ponto que chamou

a atenção na transição da Idade Média para a Renascença foi a falta de tolerância dos homens

que defendiam o poder religioso, marcada por guerras e inquisições.

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19

A tolerância não foi uma característica marcante da reação as Reformas. Emanando

principalmente da Espanha guerras religiosas e inquisições foram lançadas sobre a

Europa e os focos de caça às bruxas e a tortura faria a Flandres de Pieter Bruegel em

uma espécie de Vietnan da Europa6 (DEVREESE; BERGHE, 2008, p.6, tradução

nossa).

Mesmo com a imposição do Papado em reconhecer a ciência aristotélica como “dona

da verdade”, as anomalias e as contradições tomavam conta do pensamento renascentista

fazendo com que essas verdades não pudessem ser mais aceitas e a partir de então passando a

serem questionadas.

Em meados do século XV o Papado ainda tenta impor a ciência aristotélica. Em

1452 Nicolau V torna o pensamento aristotélico a doutrina oficial da Universidade

de Paris. Pouco depois, em 1473, face à força do nominalismo dentro do próprio

pensamento teológico, o rei Luiz XI decreta que as idéias de Aristóteles e Tomás de

Aquino devem ser ensinadas e dogmatizadas como mais adequadas que aquelas de

Occam, Marsile, Alberto de saxis e outros. Não se tratava apenas, é preciso ressaltar,

de disputas relativas a ciência em sua relação com a fé, mas também de um

confronto de ideologias em que o nominalismo, constitutivo histórico do

individualismo, se contrapunha a uma percepção hierárquica e “holista” do mundo

social. As novas tendências eram, contudo, mais fortes que a resistência tradicional e

em 1481 foi novamente autorizada a leitura dos textos nominalistas.[...]. Na

passagem do século XV para o XVI, porém, já se colocava a contradição entre uma

ciência subordinada, ou englobada num discurso teológico, e a necessidade da

crítica como condição do avanço do conhecimento (WOORTMANN, 1996, p. 6).

Mesmo com as intervenções por parte das autoridades, o movimento tomava força não

podendo ser mais contido e, a partir de então que se abre o leque a fim de movimentar todos

os ramos do conhecimento com o vento da prosperidade. Estavam abertas as portas para os

homens de grande poder de raciocínio, podendo assim instigar e levantar hipótese com intuito

de se chegar a “verdades”.

Números na Idade Média e no Renascimento eram vistos como entidades que

possuíam significados. Pensavam nos números como qualitativos e quantitativos, por

exemplo, um número além de ser usado para representar quantidade de objetos qualquer,

também era utilizado como qualidade, ou seja, referia se aos números como um ente cheio de

significado. O 3 era 1 mais 1 mais 1, ou a raiz quadrada de 9, e assim por diante, mas também

significava a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).

Os símbolos indo-arábico eram tomados de empréstimos das terras islâmicas e por

mais que houvesse resistência por parte dos europeus em aceitá-los eles revolucionaram a

6 Tolerance was not a hallmark of the reaction to the Reformations. Emanating chiefly from Spain religious wars

and inquisitions were let loose upon Europe and outbreaks of witch-hunting and torture would make the Flanders

of Pieter Bruegel into a kind of Vietnam of Europe.

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escrita numérica, que até então era escrito com símbolos romanos. Essa conquista de forma

gradativa foi primeiro aceito pelos comerciantes, contadores.

Para escrever um número grande os romanos muitas vezes escreviam utilizando os

algarismos indo-arábico. “Num calendário de 1430, o fabricante do calendário definiu o ano

como sendo composto de ccc e sessenta e 5 dias e seis horas aproximadas. Duas gerações

depois, outro autor expressou o ano então em curso como sendo MCCCC94” (CROSBY,

1999, p.116).

Além dos números serem carregados de conceitos, só eram considerado números 2, 3,

4, 6, 7, 8, 9, 10,..., que hoje são chamados de números naturais, o 0 e o 1 não eram

considerados números, por mais que o zero já fosse usado pelos astrônomos a fim de facilitar

seus cálculos, passaram-se séculos antes que os europeus reconhecessem que o zero era um

número real. Neste período já se tinha conhecimento, dos negativos, dos irracionais, dos

complexos, porém, esses ainda não tinham “status” de número.

As frações eram vistas como relações de dois números inteiros, seu reconhecimento

como número foi gradativo, começando no século XVI até o século XVIII.

Segundo Souza (2008, p.158) “como se vê, o uso das frações vem da remota

Antiguidade. Sua teoria, porém, é muito mais recente, e só nos tempos modernos foram elas

por verdadeiros números.”

1.2 Nascimento de Simon Stevin (1548-1620)

Figura 01 – Foto de Simon Stevin

Fonte: Disponível em: http://-history.mcs.st-and.ac.uk/history/PictDisplay/Stevin.html

Acesso em: 17 de fevereiro de 2012.

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Não se tem ao certo o ano de nascimento de Stevin, estima-se que tenha sido em

dezembro de 1548. Segundo Devreese; Berghe (2008, p.32, tradução nossa) “Podemos

deduzir que Stevin deve ter nascido em 1548 ou início de 1549. Uma pintura na biblioteca da

Universidade de Leiden mostra 1548 como o ano de seu nascimento7”, ainda de acordo com

os autores os pais de Simon Stevin são Anthonis Stevin e Cathelyne Van der Poort.

Sabe-se pouco dos primeiros anos da vida de Simon Stevin, os biógrafos dizem que

ele nasceu em Bruges (Bélgica), o que está relatado em quase todas as suas obras. Outra

comprovação de sua estada em Bruges são os documentos encontrados nos arquivos dessa

cidade por Albert Schouteet (1937) datados no período de 1551 a 1597, relatando a vida de

“Simon Stevin” e família em Bruges. De acordo com Eduard Dijksterhuis (1955), dois fatos

levam a acreditar que Simon Stevin é o nosso famoso cientista. Primeiro no anúncio de seu

casamento em Hague em 1616, no qual Simon Stevin é chamado de Simon Anthonis Stevin,

sendo Anthonis nome do pai de Stevin. O segundo fato aparece no Wisconstige

Gedachtenissen (Parte v, Van de Ghemengde Stoffen (Miscellaneous Subjects), v, 2: Van de

Vorstelicke Bouckhouding (On Princely Bookkeeping), no qual Stevin menciona que em seus

primeiros anos trabalhou na administração financeira do “Brugse Vrije” ou liberdade de

Bruges.

Figura 02 – Capa do livro Wisconstige Gedachtenissen (1608)

Fonte: ‘Magic is no magic’ the wonderful word of Simon Stevin. 2008, p.18

7 We can deduce from this that Stevin must have been born in late 1548 or early 1549. A painting in Leiden

University Library gives 1548 as the year of his birth.

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Simon Stevin refere-se à sua cidade natal nas páginas do titulo de quase todos os seus

livros, assim como mostra a figura 2 do livro Wisconstige Gedachtenissen.

1.3 Religião de Simon Stevin

De acordo com Devreese; Berghe (2008), em comparação com outras cidades nos

Países Baixos, Bruges foi à cidade que mais demorou em ter seguidores dos ensinamentos de

João Calvino (1509-1564). Para Maia (2007, p.199) o calvinismo:

consiste numa busca constante de fidelidade a Deus; transformação cultural é apenas

um resultado dos que tem os olhos firmados na palavra, um coração prazerosamente

submisso a Deus e um comprometimento existencial no mundo, no qual vive e atua

para a glória de Deus. Com estes princípios o calvinismo influenciou as artes, a

política, a ciência, a economia, a literatura e outros diversos setores da cultura.

Um dos apóstolos dos ensinamentos calvinistas em Bruges foi Johan Gailliaert

(editor-comerciante), que em 1554, produziu as primeiras traduções em holandês das obras de

Calvino. Porém o avanço para o calvinismo em Bruges ocorreu somente em 1566. Devreese;

Berghe (2008, p. 25, tradução nossa) escrevem que:

Em 3 de Março deste mesmo ano, certo irmão Cornelis identificou elementos da

Magistratura da cidade, especialmente os seus peritos jurídicos (advogados e

funcionários judiciais), como os defensores da nova doutrina - "principalmente

aqueles que estudaram na França [em Orleans] e não amamentou o licor venenoso

contra João Calvino”8.

O bispo e o conselho municipal não reagiram até 15 de maio de 1572, quando um

sistema completo de repressão, com oito inquisidores, foi posto em funcionamento. O colégio

jesuíta assumiu as funções das outras escolas de latim. Depois da saída de Alva dos Países

Baixos, em Novembro de 1573, a perseguição aos calvinistas foi relaxada. Entre 20 e 26 de

março de 1578, François de la Kethulle (Ryhove) de Gand, assumiu o controle de Bruges e

estabeleceu regra calvinista. Isto levou ao banimento de 77 notáveis Católicos e suas famílias,

bem como a saída de 54 membros do organismo espanhol “Natie”. Remi Drieux, o bispo de

Bruges, já tinha sido preso por Ryhove durante o golpe de Gand, de 28 de outubro de 1577,

juntamente com outros prisioneiros de alto perfil, incluindo o bispo de Ypres e o príncipe de

Chimay, governador da Flanders. Drieux permaneceu em cativeiro até agosto de 1581.

8 On 3 March a certain Brother Cornelis identified elements of the city’s magistracy, especially its legal experts

(the lawyers and clerks), as proponents of the new doctrine – ‘principally those who have studied in France [at

Orleans] and there suckled the venomous liquor from the breast of John Calvin’.

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Em 6 de agosto de 1578 o colégio jesuíta foi fechado e, em 28 de Agosto, a igreja

paroquial de Santa Ana foi colocada à disposição da congregação reformada. Em 25 de

Setembro, uma tempestade de iconoclastia varreu Bruges. Serviços católicos foram suspensos

em toda a cidade. Em 31 de Outubro, a magistratura tentou acalmar os conflitos. Os católicos

foram autorizados à adoração nas igrejas paroquiais, enquanto os reformados foram

distribuídos nas igrejas Conventual dos Carmelitas e os Agostinianos, e a capela de S. João.

Em 8 de Novembro, Bruges se tornou a primeira cidade na Flanders, a aceitar a "não religiosa

Paz" garantindo interferência em ambos os grupos religiosos.

Uma figura notável em Bruges, nesse momento foi Vincent Sayon. Ele é importante

para a nossa visão de Stevin. Para Devreese; Berghe (2008, p. 26, tradução nossa) “é provável

que ele fosse irmão do Joost Sayon, que se casou com a mãe de Stevin e atuou como tutor de

Simon, em 1577, e proprietário da casa chamada The Shield Golden9”. Devemos ser

cautelosos na reconstrução de laços familiares, pois, poucos documentos que dão à

confirmação definitiva das relações, foram preservados.

Ainda segundo Devreese; Berghe (2008, p. 26, tradução nossa) o historiador:

“Vandamme menciona Vincent Sayon como membro de uma delegação calvinista

que foi admitido na Câmara Municipal em 3 de novembro de 1566 a petição da

magistratura após um distúrbio em que alguns inovadores religiosos haviam chegado

às vias de fato com a milícia cívica”10

.

Não pode haver dúvidas quanto à convicção calvinista de Vicente no ano 1578-1584.

Em 1580, Vincent se tornou um membro do comitê de quatro homens acusados de

regulamentar a venda dos bens eclesiásticos. Ele foi uma dos maiores compradores de bens da

Igreja. Farnese observou em suas cartas de Philip II que, apesar de tudo, ainda havia muitos

calvinistas no banco de novo. Não obstante, Vincent desempenhou um papel ativo na

delegação cívica que negociou os termos para a restauração de Bruges, a obediência real.

Segundo Vandamme apud Devreese; Berghe, (2008, p.26) “é difícil definir a vida

profissional de Vincent, devido à grande variedade de suas atividades como comerciante.

Alguns se referem a ele como um coopman van tapytserie - um negociante de tapeçaria11

”.

9 [...] because it is very likely that he was the brother of Joost Sayon, Who married Stevin’s mother acted as

Simon’s legal guardian in 1577 and owned the house called The Golden Shield.

10 [...] Vandamme mentions Vincent Sayon as a member of a Calvinist delegation that was admitted to the town

hall on 3 November 1566 to petition the magistracy after a disturbance in which some religious innovators had

come to blows with the civic militia. 11 [...] it is difficult to define Vincent’s professional life because of the wide range of his activities as a merchant.

Some refer to him as a coopman van tapytserie – a tapestry dealer.

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Ele pode ter assumido esse negócio de seu pai, Antoon Sayon, e um nome para si mesmo

como um tecelão e vendedor de tapetes.

Podemos notar que a família de Simon Stevin teve grande inclinação para o

calvinismo, Vicente Sayon como se pôde ver foi uma figura importantíssima nessa época e

provavelmente um calvinista fervoroso que defendia os ideais da religião calvinista.

1.4 A retomada catolicista de Bruges

Quando Alexander Farnese chegou a Bruges, a república calvinista chegou ao fim em

25 de maio de 1584. A vida católica em Bruges foi restaurada rapidamente. Dez dias antes da

entrada triunfal de Farnese, os altares já tinham sido reconsagrados nas igrejas de São

Donatian, St James e St Walburga. As igrejas de St Gillis e Nossa Senhora seguido em 15 de

julho. Em maio de 1585, foi acordado que uma procissão de aniversário seria realizada no

domingo mais próximo a 20 de maio para comemorar a libertação da cidade de hereges e

rebeldes.

No decurso de 1586 e 1587, os protestantes foram eleitos ou forçados ao exílio. Cento

e dez famílias calvinistas deixaram Bruges. Após esse período uma série de estudiosos

apareceram em universidades da Holanda do Norte, como Simon Stevin, Franciscus Gomarus

(1563-1641) teólogo reformado, em 1587 foi ministro em Frankfurt – Alemanha, e em 1594

tornou-se professor em Leiden – Holanda. Em 1604 Gomarus iniciou uma controvérsia

teológica sobre predestinação. Em 1609, ele renunciou à sua cadeira em Leiden e tornou-se

um pregador e conferencista em Middelburg – Holanda. Em 1615, foi nomeado professor em

Saumur – França Bonaventura Vulcanius (1537-1614), que antes de tornar professor de

idioma grego em Leiden, tinha sido secretário de Marnix van St Aldegonde (1538-1598).

Vulcanius deixou alguns escritos contendo comentários contra a Igreja Católica e, Nicolaus

Mulerius (1564 – 1630) calvinista na Universidade de Groningen – Holanda. Morreu na

Holanda em 1630 aos 66 anos. Em 1617, editou a terceira edição do “De revolutionibus

orbium caelestium” de Copérnico.

Outros filhos ilustres e importantes de Bruges são encontrados na Holanda como pode

ser observado por Devreese; Berghe, (2008 p.28, tradução nossa) “Havia outros de Bruges a

serviço dos estados gerais da Holanda no século XVII12

”.

12

There were others from Bruges in the service of the States General in Holland in the early seventeenth century

[…]

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25

De acordo com documentos da cidade de Bruges, a partir do ano de 1577 não há

nenhum documento relatando que Stevin ainda se encontrava em Bruges. O que leva

biógrafos a deduzir que Stevin saiu antes da expulsão das famílias calvinistas de Bruges.

Talvez por querer adquirir mais conhecimentos ou por ficar descontente com as lutas travadas

entre católicos e calvinistas. De acordo com documentos houve um período entre 1577 e 1581

que não se tem conhecimento dos lugares que Simon Stevin passou, há rumores de que ele

tenha passado por universidades da Europa a fim de adquirir conhecimento científico.

Não há nenhum documento oficial de Bruges sobre Simon Stevin datado depois de

1577. Ele deve realmente ter deixado a cidade. Talvez suas razões para sair fossem

religiosas, mas também pode ser que ele simplesmente ficou cansado da atmosfera

em Bruges. A discórdia entre católicos e calvinistas, entre os quais sua família mais

próxima teve envolvida, tornou impossível para ele se dedicar ao seu trabalho

científico. Mesmo assim, pelo tempo que ele chegou a Leiden em 1581 ele deve ter

tido uma boa educação científica. Talvez estudasse em uma das universidades

protestantes na França, Alemanha ou Suíça, ou em uma universidade italiana, onde

ele pode ter tido contato com os matemáticos italianos e algebristas de seu dia13

(DEVREESE; BERGHE, 2008, p.34, tradução nossa).

Talvez não possamos afirmar com veracidade, mas documentos indicam que Simon

Stevin morou em lugares que estavam em consonância com o espírito calvinista.

O comportamento do cidadão, no respeito das leis de Deus e da religião é um

aspecto particularmente importante em Het Burgherlick Leven. Stevin dá como certo

que todos os pais gostariam de ver seus filhos crescerem na virtude e na justiça. Para

efeito, a religião é necessária. [...] Em conclusão, ele afirma que o melhor é

encontrar um lugar para morar no qual se pode confortavelmente em conformidade

com os costumes que prevalecem. Se aplicarmos este fim de Stevin a emigração

para o norte, podemos concluir que ele escolheu para si uma morada onde ele

poderia estar em conformidade com o calvinismo, que era a religião oficial da

Holanda e Zelândia14

(Ibid, p.44, tradução nossa).

Então, só a partir de 1581 torna-se mais fácil descrever a trajetória de Simon Stevin.

Nesse ano, o nome do estudioso de Bruges foi inscrito no cadastro municipal da cidade de

13

No official documents dating from after 1577 connected with Simon Stevin are to be found in Bruges. He

must indeed have left the town. Perhaps his reasons for leaving were religious, but it could also be that he had

simply had enough of the atmosphere in Bruges. The dissension between Catholics and Calvinists, among whom

his closest family could be counted, made it impossible for him to devote himself to his scientific work. Even so,

by the time he arrived in Leiden in 1581 he must have had a sound scientific education. Perhaps he studied at

one of the Protestant universities in France, Germany or Switzerland, or at an Italian university, where he may

have had contact with the Italian mathematicians and algebraists of his day. 14

The citizen’s behavior in respect of the laws of God and religion is a particularly important aspect of Het

Burgherlick Leven. Stevin takes it for granted that all parents like to see their children grow up ‘in virtue and

righteousness’. To this end a religion necessary. […] In conclusion, he states that it is best to find a place to live

in which one can comfortably conform to the customs that prevail. If we apply this view to Stevin’s emigration

to the north, we can conclude that he chose for himself a dwelling place where he could conform to Calvinism,

which was the official religion of Holland and Zeeland.

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Leiden como Symon Stephani van Brueg. Em 16 de fevereiro de 1583, matriculou-se na

recém-fundada Universidade de Leiden, inaugurada em 8 de fevereiro de 1575. Seu nome

aparece nos registros da universidade até 1590 como Simon Stevinius brugensis, studuit artes

apud Stochium. O mais provável é que ele seguiu cursos ministrados por Rudolph Snel

(conhecido como Snellius), que ensinou matemática, astronomia e hebraico na universidade

desde 1581. “A decisão de estudar ou completar os seus estudos em Leiden, provavelmente

foi motivada por considerações religiosas. Naquela época Leiden foi a única universidade de

pleno direito calvinistas nos Países Baixos15

” (DEVREESE; BERGHE, 2008, p. 34, tradução

nossa).

Simon Stevin parece ter gostado do ambiente dos países baixos, principalmente o

clima da “Holanda, onde ele morou por pelo menos quatro anos, sendo a maioria ou todos na

cidade de Leiden16

” (STRUIK, 1958a, p. 373, tradução nossa).

O período entre 1582 e 1586, é revelado como sendo o mais importante para Simon

Stevin na Matemática. É esse período que o consagra como homem importante para a

Matemática e, assim, ficando ao lado de grandes nomes de cientistas eternizados por suas

contribuições, como por exemplo, Galileu Galilei (1564 – 1642).

1.5 Em contato com trabalhos de grandes homens da antiguidade

O período renascentista trouxe grandes contribuições para a ciência. Estudiosos da

Renascença estudaram e cultivaram as brilhantes obras realizadas na matemática, na estática,

na hidrostática, feitas por grandes matemáticos gregos – Thales de Mileto (por volta de 624 –

547 a.C.), Euclides (por volta de 330 – 260 a.C.), Papus de Alexandria (284 – 305), Apolônio

de Perga (por volta de 262 – 190 a.C.), Menelau de Alexandria (por volta do ano 100 d.C.) e

em especial as obras de Arquimedes (por volta de 287 – 212 a.C.). Essas obras forneceram a

base para os avanços feitos por Niccolo Tartáglia (cerca de 1500 – 1557), Gerônimo Cardano

(1501-1576) e Simon Stevin (1548-1620). “Em 1544 estudiosos renascentistas traduziram e

publicaram trabalhos de Arquimedes até então desconhecidos e este feito teve um impacto

significativo na disseminação do conhecimento17

” (Ibid, 2008, p.06, tradução nossa).

15 The decision to study or complete his studies in Leiden was the only fully fledged Calvinist university in the

Low Countries. 16 [...] when he had lived for at least four years in Holland, probably most of the time, if not all, at Leiden. 17

That in 1544 Renaissance scholars translated and published a number of hitherto unknown works by

Archimedes has had a significant impact on the dissemination of knowledge.

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Simon Stevin foi um dos poucos renascentistas a estudar as obras de Arquimedes. Sua

leitura era difícil de ser compreendida por contemporâneos de Simon Stevin, fazendo de

Arquimedes um homem difícil de ser “entendido”.

As teorias de Arquimedes, o matemático mais avançado da Antiguidade, não eram

de fácil compreensão, trabalhos criativos e com base neles era ainda mais difícil de

compreender. Stevin foi um dos primeiros homens do Renascimento que leu as

obras de Arquimedes com certa dose de independência18

(STRUIK, 1958a, p.7,

tradução nossa).

Poderíamos atribuir esta dificuldade também aos que copiaram essas obras, uma vez,

que tais obras não eram originais.

A Matemática clássica grega se desenvolveu por volta de 600 a.C. Thales de Mileto

foi um dos primeiros praticantes. Por conseguinte, poderia ser de esperar que os

textos originais grego fossem encontrados também. Infelizmente, este não era o

caso. As obras de Thales de Mileto (por volta de 624 – 547 a.C.), Pitágoras (c. 540

a.C), Euclides (por volta de 330 – 260 a.C.), Apolônio de Perga (c. 262-190 a.C),

Arquimedes (287-212 a.C) e outros não chegaram até nós diretamente. Isso ocorre

porque a partir de 450 a.C, os gregos escreveram em papiros. Papiros, já em uso

desde 3000 a.C, foram muito vulneráveis e facilmente apodreceram. O Rolo só

poderia sobreviver em um ambiente muito seco.

Felizmente, as obras de eruditos gregos, que eram consideradas importantes foram

copiadas muitas e muitas vezes. No processo de cópia, modificações, no entanto,

foram feitas no texto original. Por exemplo, um copista, sem conhecimento técnico

do material a ser copiado facilmente comete erros. Se por outro lado, ele está muito

familiarizado com o tema, ele pode estar inclinado a adicionar elementos baseado no

conhecimento posterior que o escritor do texto original não possuía. Em ambos os

casos, o texto original não é passado para nós19

(DEVREESE; BERGHE, 2008, p. 9,

tradução nossa).

Esses homens contribuíram com a humanidade, mostrando que são importantes, não

deixando que as obras de homens considerados grandes pensadores se perdessem com o

tempo. Portanto, por mais que houve influência na transcrição dessas obras, seja influência

18 The theories of Archimedes, the most advanced mathematician of Antiquity, were not easily understood, and

creative work based on them was even more difficult. Stevin was among the first Renaissance men to study

Archimedes with a certain amount of independence. 19

Classical Greek mathematics developed as early as circa 600 BCE. Thales de Miletus was one of its earliest

practitioners. It might therefore be expected that original Greek texts would be found as well. Unfortunately, this

was not the case. The works of Thales of Miletus (c. 600 BCE), Pythagoras (c. 540 BCE), Euclid (c. 300 BCE),

Apollonius of Perga (c.262-190 BCE), Archimedes (287-212 BCE) and others have not come down to us

directly. This is because from 450 BCE onwards, the Greeks wrote on papyrus. Papyrus, already in use since

3000 BCE, was very vulnerable and rotted easily. Scrolls could survive only in a very dry environment.

Fortunately, those works of Greek scholars that were thought important were copied over again. In the process of

copying, however, the original text may have undergone changes. For instance, a copyist with no technical

knowledge of the material being copied can easily make mistakes. If, on the other hand, he is very familiar with

the topic he might be inclined to add elements based on later knowledge that the writer of the original text did

not possess. In either case, the parent text is not passed on to us.

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por não entender do assunto ou por ter conhecimento aprofundado sobre o assunto, trocando

algumas palavras ou fazendo interferências nas obras.

Pode-se observar que pensadores da Antiguidade influenciaram Simon Stevin em

vários campos da ciência, na matemática, na física, na engenharia. Em matemática podemos

ressaltar a obra Problemata. “Influência de Euclides no Problemata é particularmente

evidente nas seções que tratam da divisão proporcional de valores com órgãos regulares20

(STRUIK, 1958a, p.6, tradução nossa). Também é visível a influência de Arquimedes nas

obras referente à mecânica de Simon Stevin, em Weeghconst (VI) e Weeghdaet (Via), que se

referem à estática.

1.6 Os trabalhos

Simon Stevin é considerado um grande engenheiro e matemático que contribuiu em

várias áreas da ciência, as contribuições de Stevin abrangem uma ampla gama de disciplinas:

matemática e física, engenharia e tecnologia, a navegação, a teoria financeira, fortificações e

planejamento da cidade, lingüística, teoria da música etc. Ele foi um dos primeiros

'copernicanos', enquanto, ao mesmo tempo tomou parte nas discussões éticas de seu tempo,

defendendo a tolerância e o espírito cívico, ele também criou uma Escola de Engenharia.

Destacaremos alguns dos trabalhos de Simon Stevin, uma lista completa deles pode ser

encontrada em E. Dijksterhuis (1943) ou E. Dijkterhuis (1955).

O trabalho datado de 1581 – Nieuwe Inventie van Rekeninghe van Compaignie (Nova

invenção das contas das empresas) apresenta regras corretas e simples de serem aplicadas para

resolver os cálculos de empresas, com isso facilitando os trabalhos de contabilidade. Segundo

Devreese; Berghe (2008) este trabalho foi descoberto na Biblioteca Nacional da Holanda, em

Haia, e pode ser um dos primeiros trabalhos publicados por Stevin.

No trabalho sob o título Tafelen van Interest, (Tabela de Interesse) publicado em 1582,

Simon Stevin constrói uma tabela de juros a fim de facilitar os trabalhos financeiros. De

acordo com Devreese; Berghe (2008) tanto o trabalho Nieuwe Inventie van Rekeninghe van

Compaignie, quanto o trabalho Tafelen van Interest de Stevin, são considerados trabalhos

curtos, cuja, intenção era facilitar o andamento do comércio da época.

20

Euclid’s influence in the Problemata is particularly evident in the sections dealing with proportional division

of figures and with regular bodies,[…]

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29

No ano seguinte (1583) Simon Stevin publicou Problematum Geometricorum trabalho

sobre geometria, impresso por Joannes Bellerus na Antuérpia, Holanda. Em Problematum

Geometricorum Simon Stevin mostra ser um estudioso de Arquimedes.

No ano de 1585, Simon Stevin mostra-se bastante produtivo, lançando três trabalhos

que vão ser muito importantes para o desenvolvimento da matemática. Claro que não estamos

desmerecendo os trabalhos anteriores, mas, é nesse ano que Simon Stevin publica Dialectike

ofte Bewysconst, “o mais antigo tratado sobre lógica publicado na Holanda21

” (DEVREESE;

BERGHE, 2008, p. 40, tradução nossa). O trabalho De Thiende, um argumento para a

introdução das frações decimais, ensinando como executar todos os cálculos utilizando as

regras de números inteiros sem frações; L’Arithmetique, um resumo da álgebra de grande

valor educativo.

Outros trabalhos foram publicados depois de 1585, como pode ser encontrado em

Dijksterhuis (1955, p. 27) o trabalho intitulado De Beghinselen der Weeghconst, um tratato

original de macânica, em particular sobre estática e De Beghinselen des Waterwichts, um

tratado original sobre hidrostática, foram publicados em 1586; Vita Politica, Het Burgherlick

Leven, escrito por Simon Stevin em (1590) e publicado em Leiden por Frans van Ravelingen.

Um trabalho voltado para a política; Appendice Algebraique, que contém uma regra geral para

todas as equações, escrito por Simon Stevin em 1594, publicado em Leiden por Frans van

Ravelingen.

Simon Stevin não ficou somente no campo teórico. Também buscou aplicar suas

invenções.

Stevin certamente não se limita às considerações teóricas nestes anos, ele também

aplicou seus conhecimentos. Em 1584, através de seu amigo Johan Cornetas de

Groot, iniciou negociações com o Conselho da cidade de Delft, pedindo permissão

para testar uma de suas invenções a ver com a drenagem. Além disso, e em consulta

com o mesmo amigo, ele melhorou o funcionamento das usinas utilizadas para

bombear a água de terrenos pantanosos22

(DEVREESE; BERGHE, 2008, p.40).

Suas contribuições para questões hidráulicas foram importantes para o avanço da

mecânica, e aplicação desses conhecimentos concederam a Simon Stevin uma série de

patentes. “Em 1588 Stevin chegou a um acordo com o Jurista Hugo Grotiuns, para colocar

21

[…] the oldest treatise on logic in the Netherlands, […] 22

Stevin certainly did not confine himself to theoretical considerations in these years; he also applied his

knowledge. In 1584, via his friend Johan Cornets de Groot, he began negotiations with Delft’s town council for

permission to test one of his inventions to do with drainage. In addition, and usually in consultation with the

same friend, he improved the working of the mills used for pumping water from marshlands.

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30

suas invenções hidráulicas em prática, com isso em mente, ele adquiriu um número de

patentes” (DEVREESE; BERGHE, 2008, p.41, tradução nossa).

Observando os trabalhos de Simon Stevin podemos ver a importância das aplicações

destes, em questões voltadas para o aperfeiçoamento e criações tanto na infra-estrutura, como

em questões pedagógicas.

[...] Stevin publicou dois livros que eram de uso prático para a defesa do país e para

o desenvolvimento da sua frota em crescimento. De Sterctenbouwing (a arte das

fortificações) foi impresso por Frans van Ravelingen em 1594; como o título sugere,

trata-se da teoria da fortificação de construção. Pode ser que ele foi concebido como

material pedagógico para a escola de engenharia que Stevin tinha ajudado a criar,

em Leiden.

Desde o início do século XVI, a construção da fortificação tinha vindo a evoluir

constantemente. O desenvolvimento da artilharia pesada deixa à necessidade de

novos sistemas defensivo imperativo23

(Ibid, p.44, tradução nossa).

Simon Stevin também se preocupou com as questões voltadas para a navegação,

dando importantes contribuições.

Em 1599, um segundo livro se mostrando bastante útil, foi publicado mais uma vez

por Frans van Ravelingen. De Havenvinding (The Haven-Finding Art) descreve um

método pelo qual um navio pode determinar a sua orientação no mar. É de se esperar

que o sempre inventivo Stevin, que agora era habitante de uma potência marítima

florescente, iria colocar sua mente para os problemas de navegação24

(Ibid, p.45,

tradução nossa).

Essa mente brilhante do século XVI contribuiu e muito para várias áreas do

conhecimento, mas a maior de todas as obras foi o trabalho De Thiende. É nesse trabalho que

Simon Stevin demonstra como resolver todos os cálculos de números “quebrados”, utilizando

os métodos já conhecidos com números inteiros.

23

[...] Stevin published two books that were of practical use for the defence of the country and the development

of its nascen fleet. De Sterctenbouwing (The Art of Fortification) was printed by Frans van Ravelingen in 1594;

as the title suggests, it deals with the theory of fortification-building. It could be that it was intended as course

material for the engineering school that Stevin had helped to set up in Leiden.

Since the start of the sixteenth century, fortification construction had been constantly evolving. The development

of heavy artillery made the need for new defensive systems imperative. 24

In 1599, the second of these useful books was published, again by Frans van Revelingen. De Havenvinding

(The Haven-Finding Art) describes a method by which a ship can determine its bearings at sea. It is only to be

expected that the ever-inventive Stevin, who was now an inhabitant of a burgeoning sea power, would put his

mind to the problems of navigation.

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31

1.7 O trabalho De Thiende

1.7.1 Panorama histórico

Os chineses e os árabes já tinham contato com fração decimal25

no seu dia a dia. “Na

China a adesão à idéia decimal em pesos e medidas teve como resultado um hábito decimal

no tratamento de frações que, ao que se diz, pode ser encontrado já no século quatorze a.C.”

(BOYER, 2003, p.137). O mesmo não pode ser dito em relação aos povos do ocidente.

Embora durante o período do eurocentrismo os escritores não dessem importância a citação

das fontes consultadas na elaboração de seus trabalhos, não podemos deixar de referenciar a

influência do matemático islâmico al-K a sh i (c.1430) em relação às frações decimais e ao seu

entendimento sobre tal representação.

Além do eurocentrismo óbvio de tal julgamento, e da crescente evidência que o

trabalho de al-K a sh i influenciou a Europa Ocidental através de Constantinopla e

Veneza, este ilustra todo o problema de como se atribui prioridade. O principal

interesse em um livro de matemática (medieval ou moderno), é explicar como você

usa uma técnica, e não onde o autor obteve, e isto parece verdadeiro, mesmo de

escritores islâmicos, que trabalharam em uma cultura onde as citações das fontes

poderiam ser bastante cuidadosas. Assim, mesmo onde o trabalho é original esta

originalidade não pode ser solicitado, e isso deixa o campo aberto para os

historiadores (que pode importar mais do que o necessário) para discutir sobre

quem está copiando quem, e se um escritor realmente entende o método que ele está

explicando26

(HODGKIN, 2005, p.120, tradução nossa).

De acordo com Hodgkin (2005, p.120-121, tradução nossa) “al-K a sh i (d. 1429)

certamente sabia o que eram frações decimais, ele tem um termo técnico e o usa de forma

simples e com facilidade.27

” Em certo sentido, a introdução desses termos parece ser uma

reivindicação da invenção das frações decimais.

Dividimos a unidade em dez partes, nós, então, dividimos cada décimo em dez

partes, e depois cada um deles em mais dez partes, e em seguida, cada um deles em

mais dez partes e assim por diante, sendo a primeira divisão em décimos, e da

25

Fração Decimal é toda fração em que o denominador é uma potência de 10 com expoente natural. 26 Besides the obvious Eurocentrism of such a judgement, and the increasing evidence that al-kashi’s work did

influence western Europe via Constantinople and Venice, this illustrates the whole problem of how one ascribes

priority. The main interest in a mathematics textbook (medieval or modern), is to explain how you use a

technique, not where the author obtained it; and this seems true even of Islamic writers who worked in a culture

where citation of sources could be quite careful. Hence even where work is original, such originality may not be

claimed, and this leaves the field wide open for historians (who may care more than is necessary ) to argue about

who is copying whom, and whether a writer really understands the method he is explaining. 27

Al-K sh certainly did know what decimal fractions were; he has a technical term for them, and uses them

simply and with facility.

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32

mesma forma o segundo em segundo decimal e o terceiro em terço decimal e assim

por diante, de modo que as ordens de frações decimais estejam na mesma relação

dos números astronômicos. [i.e. sexagesimais]. Chamamos isso de ‘frações

decimais28

(Al-K a sh i 1967 livro 3, capitulo 6 apud HODGKIN, 2005, P.121,

tradução nossa ).

Desta forma a fração decimal já era conhecida pelos matemáticos islâmicos e com

certeza al-K a sh i conhecia muito bem esta representação decimal. “Na mera escrita da fração

decimal, pelo menos, esses esforços tinham sido antecipados por al-K a sh i (c.1430), cujo

simbolismo fora tão bom quanto o de qualquer escritor europeu para o próximo século e

meio29

” (SMITH, 1958, p. 247, tradução nossa).

Segundo Smith (1959) havia vários estudiosos que tiveram alguma intuição da

necessidade de um dispositivo tal como a fração decimal muito antes do que foi finalmente

trazida à luz, ainda de acordo com este autor Joannes de Muris, ou Jean de Meurs, escreveu

no início do século XIV que:

O mais interessante das primeiras influências que tendem a invenção, foi a regra

para a extração de n a expressa em símbolos modernos por

k

n kna

10

10.. Em

particular, 3 =100

30000, ou

1000

3000000, o processo real de extrair a raiz

sendo bastante igual ao nosso com decimais. Ele era conhecido pelos hindus, arabes

e Johannes Hispalensis (c. 1140), e é encontrado nas obras de Johann von Gmunden

(c. 1430), Peurbach (c. 1460), e seus sucessores até o fim do século 1630

(SMITH,

1958, p. 236, tradução nossa).

28

We divided the unit into ten parts, we then divided each tenth into ten parts, and then each of them into a

further ten parts, and then each of them into a further ten parts and so on, the first division being into tenths, and

in the same way the second into decimal seconds and the third into decimal thirds and so on, so that the orders of

decimal fractions an wholes are in the same relation as in the principle in astronomical numbering [i.e.

sexagesimals]. We call this ‘decimal fractions’. 29

In the mere writing of the decimal fraction , at least, all these efforts had been anticipated by al-K sh (c.

1430), whose symbolism was quite as good as that of any European writer for the next century and a half. 30

The most interesting of the early influences tending to the invention, however, was a certain rule for the

extraction of

, expressed in modern symbols by

. In particular, =

, or

, the actual

process of extracting the root being quite like our present one with decimals. It was known to the Hindus, to the

Arabs, and to Johannes Hispalensis (c.1140), and is found in the works of Johann von Gmünden (c.1430),

Peurbach (c.1460), and their successors until the close of the 16th

century.

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33

Outra influência que conduziu a invenção da fração decimal foi a regra de divisão por

número da forma n

a

10 que é atribuida a Cardano (1539) para Regiomontanus. Essa notação

aparece em diversos escritos do século XV, como no caso 470 : 10 = 47 e 503 : 10 = 5010

3.

Mas, sua representação para alguns valores deixavam a desejar, chegando ao ponto de

embaraçar. “No século XV, era frequente eles usarem frações como 197/280 e, às vezes,

descobriam-se afundado nas areias movediças de frações como 3345312/4320864”

(CROSBY, 1999, p.118). Durante o século XVI a preocupação com as técnicas de

computação fizeram com que matemáticos profissionais e amadores se mantessem motivados

em buscar métodos menos complicados para resolução de cálculos. De acordo com Boyer

(2003, p.217) “Vietè, o maior matemático da França então, em 1579 tinha recomendado

insistentemente o uso de frações decimais em vez de sexagesimais”, a fim de facilitar as

calculações.

Como se observa nos estudos dos historiadores sobre essa época, trabalhar com o

sistema de frações sexagesimais ficava inviável quando se envolvia números grandes ou

números muito pequenos. E desta forma, a fração decimal iria tomando espaço como afirma

Crosby (1999, p. 118) “os europeus foram salvos pelo sistema decimal, que talvez já existisse

em forma embrionária desde o início do século XIII, mas que passou mais trezentos anos sem

dispor de um sistema de notação útil.”

De fato, houve motivos para o surgimento da fração decimal em detrimento da fração

sexagesimal, e por mais que se observe na história da matemática que vários historiadores

reivindicavam a invenção a um determinado matemático, os historiadores da matemática são

unânimes em dizer que Simon Stevin (1548-1620), não só compreendeu a fração decimal,

como também deu-lhe um sentido, mostrando assim sua importância para os cálculos de

números “quebrados.”

A recomendação das frações decimais feita por Simon Stevin, fez com que os livros

didáticos de matemática a considerarem Simon Stevin como o inventor da fração decimal.

“Os livros didáticos da década de 1950 ou antes, alegaram que a invenção das frações

decimais fossem de Simon Stevin31

” (HODGKIN, 2005, p.120, tradução nossa).

31

In textbooks from the 1950s or before, it was claimed that the invention was due to Simon Stevin […]

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34

Struik (1958, p.373, tradução nossa) afirma que “De Thiende [...], é a mais conhecida

das publicações de Stevin, que lhe rendeu o título de inventor das frações decimais32

”. Ainda,

este autor defende que “o título, se tomado com um grão de sal, é merecido”. Porém, estudos

da história da matemática mostram que Simon Stevin não inventou as frações decimais

(Árabes e Chineses já usavam frações decimais), mas ele introduziu seu uso na Matemática da

Europa, mostrando o quão era fácil desenvolver cálculos aritméticos utilizando frações

decimais, tanto quanto, eram utilizados números inteiros, tornando-se um forte defensor da

escala decimal. Não se pode negligenciar que as frações decimais apareceram bem antes de

Simon Stevin, como afirma Boyer (2003, p.217) “é claro que Stevin não foi em nenhum

sentido o inventor das frações decimais, nem o primeiro a usá-las sistematicamente”, porém, a

popularidade de seu livreto foi tão grande que o seu lugar no desenvolvimento das frações

decimais muitas vezes é mal compreendido, elegendo-o indevidamente como inventor das

frações decimais.

De acordo com Smith (1959, p. 20, tradução nossa) “Pellos (1492) usou um ponto para

separar um, dois ou três lugares no dividendo quando o divisor era um múltiplo de 10, 100 ou

100033

”. Ainda segundo este autor, os matemáticos Adam Riese (1429-1559) e Rudolf

(1500?-1545), respectivamente publicaram trabalhos utilizando as frações decimais. Adam

Riese (1522) publicou uma tabela de raízes quadradas em que os valores até três casas foram

computadas para os irracionais. Rudolf em1530 utilizou o símbolo como um ponto decimal

em uma tabela de juros compostos.

Historiadores da matemática não estão de acordo sobre quem foi o primeiro a

introduzir o uso da vírgula ou ponto decimal. Entre os candidatos para esta honra

estão Pellos (1492), Bürgi (1592), Pitisco (1608, 1612), Kepler (1616), Napier

(1616, 1617) (CAJORI, 2007, p.214).

O historiador A. De Morgan apud Cajori (2007, p.215), diz que:

Até o final do primeiro quarto do século XVIII devemos nos referir não só a

completa e final vitória do ponto (ou vírgula) decimal, mas, também, ao agora

universal método de efetuar operações de divisão e extração de raiz quadrada’,

Temos tratado longamente do progresso da notação decimal, porque ‘a história da

linguagem... é do mais alto interesse, bem como de sua utilidade: suas sugestões

constituem a melhor lição para o futuro que uma mente reflexiva possa ter.

32

De Thiende […], is by far the best know of Stevin’s publications; it earned him the little of inventor of the

decimal fractions. 33

Pellos (1492) used a decimal point to set off one, two, or three places in the dividend when the divisor was a

multiple of 10, 100, or 1000.

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35

Simon Stevin sabia em que terreno estava pisando, pois, sua técnica de resolução de

problemas utilizando as propriedades até então aplicadas somente a números inteiros iria

facilitar os cálculos com números quebrados, uma vez, que a manipulação de números tão

grandes e muito pequenos trazia transtornos para os cientistas. Stevin era um entusiasta da

decimalização e esperava substituir as duas representações vigentes com quais os astrônomos

trabalhavam – as sexagesimais e os confusos sistemas de medição com o qual os “medidores

de terra” se confrontavam.

E o inspetor ou medidores de terra [...] não são ignorantes (especialmente cuja

atividade e emprego é grande) da problemática multiplicação de varas, pés, e muitas

vezes de polegadas, um pelo outro, que não só molesta, mas também muitas vezes

(apesar de ele ser muito experiente) leva a erros, tendendo para o dano de ambas as

partes [...]34

(STRUIK, 1958, p.395, tradução nossa).

O trabalho De Thiende,, de Simon Stevin voltado para a aritmética, apresenta a nova

maneira de representar frações decimais, que revolucionou os cálculos, facilitando as notações

de números não inteiros.

Figura 03 – Capa do livro De Thiende (1585)

Fonte: Disponível em: http://www.digitallibrary.nl. Acesso em: 16 de Dezembro de 2010.

34

And the surveyor or land-meter […], he is not ignorant (especially whose business and employment is great)

of the troublesome multiplications of rods, feet, and oftentimes of inches, the one by the other, which not only

molests, but also often (though he be very well experienced) causes error, tending to the damage of both

parties,[…].

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36

A versão original desse trabalho contém 36 páginas, escrito em flamengo sob o título

“De Thiende”, no ano de 1585. Neste mesmo ano foi publicada uma versão em francês pelo

próprio autor Simon Stevin. Esta tradução foi adicionada à coleção de ensaios publicados sob

o título “La Pratique d’Arithmétique”. Havia outras maneiras de os matemáticos terem acesso

a ideia de Simon Stevin. “Duas versões em inglês apareceram, uma sendo literal feita por

Robert Norton, publicada em 1608 e outra mais livre publicada por Henry Lyte em 161935

(STRUIK, 1958, p. 378, tradução nossa).

De Thiende foi reimpresso em 1626, após a morte de Simon Stevin, dessa vez como

apêndice de um livro escrito por De Decker, publicado novamente em 1630. Quando Girard

em 1634 publicou Oeuvres de Stevin, ele incluiu a versão francesa do panfleto.

No século XX duas reedições do panfleto de Simon Stevin foram publicadas. “A

edição original em holandês de 1585 foi reproduzida em 1924 por H. Bosmans e a versão

francesa do mesmo ano em 1935 por G. Sarton36

” (Ibid, p. 385, tradução nossa).

1.7.2 A representação dos números decimais no De Thiende

De acordo com Crosby (1999, p. 119), no De thiende, “Stevin indicou o lugar de

determinado algarismo à esquerda e à direita do ponto decimal (como diríamos nós),

escrevendo em pequenos círculos acima dos algarismos um 0 para indicar o inteiro e 1, 2, 3, 4

etc., para indicar as frações.”

Vejamos como escrever a fração decimal

utilizando essa nova notação de Simon

Stevin.

⓪①②③④

3 1 4 1 6

Simon Stevin apresenta uma nova maneira de escrever os números não inteiros ou as

frações decimais e sua preocupação é mostrar novas representações de números e desta forma

amenizar as dificuldades de realizar cálculos.

O astrônomo sabe que pelo cálculo, usando tabelas de declinações o piloto pode

descrever a latitude e longitude de um lugar e que por tais meios cada ponto sobre a

35

Two English versions appeared, a literal one by Robert Norton, published in 1608, and a freer one by Henry

Lyte, published in 1619. 36

The original Dutch edition of 1585 was reproduced in 1924 by H. Bosmans, the French version of the same

year in 1935 by G. Sarton.

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37

superfície da Terra pode ser localizado. Mas, como o doce nunca é sem o amargo, o

trabalho desses cálculos não pode ser disfarçado, pois envolvem multiplicações e

divisões tediosas, graus, minutos, segundos, etc. O agrimensor sabe o grande

beneficio que o mundo recebe a partir de sua ciência pela qual ele evita muitas

disputas sobre as áreas desconhecidas da Terra. E aquele que lida com assuntos de

grande porte, não pode ser ignorante das multiplicações cansativo de varas, pés e

polegadas a um pelo outro, que muitas vezes dão origem a erros que tendem a lesão

de uma das partes, e para ruína da reputação do agrimensor. Assim também, como

os mestres da casa da moeda, comerciantes, etc. Por mais importante que seja esses

cálculos, sua execução são muito trabalhosa. [...], La Disme ensina como todos os

cálculos do tipo das quatro operações da aritmética – adição, subtração,

multiplicação e divisão – podem ser realizados por números inteiros com tanta

facilidade como no ajuste de cálculos37

(SMITH, 1959, p. 21-23, tradução nossa).

Para colocar um círculo acima do algarismo a fim de ordená-los de modo que se

diferenciasse a parte inteira da parte não inteira, “Stevin foi influenciado em sua notação por

Bombelli” (CAJORI, 2007, p.154), Bombelli (1526-1572) contemporâneo de Stevin na sua

notação para álgebra utilizava desse círculo com um número inscrito para classificar o grau da

equação em quadrado, cubo, etc., Stevin trouxe essa notação para representar os números

decimais. Sua notação não conseguiu se dissipar entre os matemáticos da época, porém, sua

ideia posteriormente foi adotada por matemáticos que trataram de melhorar tal notação.

Grandes mudanças são muitas vezes demoradas de se aceitar, desta forma a introdução

das frações decimais não foi diferente.

Sua contribuição não residiu nessa notação especifica em si, mas em fornecer uma

explicação criteriosa e, pelo menos, um tipo de notação clara para o sistema das

frações decimais. Nossa maneira de expressar frações decimais só apareceu no

século seguinte, e até hoje não existe um sistema universal. Algumas sociedades

usam o ponto e outras usam a vírgula entre os números inteiros e suas frações

decimais. Mas tivemos o beneficio inestimável de um ou outro tipo de sistema

funcional de frações decimais, desde os dias de glória de Simon Stevin (CROSBY,

1999, p.119).

Simon Stevin, matemático e engenheiro, não só compreendeu as frações decimais,

como também escreveu o livro De Thiende sobre elas. Em seu argumento, Stevin escreve que

37

The astrologer knows that, by computation, using tables of declinations, the pilot may describe the true

latitude and longitude of a place and that by such means every point upon the earth’s surface may be located. But

as the sweet is never without the bitter, the labor of such computations cannot be disguised, for they involve

tedious multiplications and divisions of sexagesimal fractions, degrees, minutes, seconds, thirds, etc. The

surveyor knows the great benefit which the world receives from his science by which it avoids many disputes

concerning the unknown areas of land. And he who deals in large matters, cannot be ignorant of the tiresome

multiplications of rods, feet, and inches the one by the other, which often give rise to error tending to the injury

of one of the parties, and to the ruin of the reputation of the surveyor. So too, with mint-masters, merchants, etc.,

each in his own business. The more important these calculations are, and the more laborious their execution,

[…], La Disme teaches how all computations of the type of the four principles of arithmetic – addition,

subtraction, multiplication and division – may be performed by whole numbers with as much ease as in counter-

reckoning.

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38

o De Thiende consiste em duas partes: Definição e Operações, conforme apresentamos

abaixo:

Definição

Décimo;

Início;

Primeiro, segundo, etc.;

Número decimal.

Operação

Adição;

Subtração;

Multiplicação;

Divisão.

Tabela 01 – Mostrando as duas partes de De Thiende.

Stevin mostra interesse em disseminar essa nova representação, deixando claro que

“no final deste trabalho, será adicionado um apêndice estabelecendo o uso de números

decimais em problemas reais38

” (SMITH, 1959, p. 23, tradução nossa).

Em seu livreto, Stevin se preocupa com o uso da palavra Dime39

, dando uma definição

para esta palavra.

Dime é uma espécie de aritmética, inventada pela progressão de décimos, que

consiste em caracteres de cifras, segundo o qual um determinado número é descrito

e pelo qual também todas as contas que acontecem nos assuntos humanos são

realizadas por números inteiros, sem frações ou números quebrados40

(NORTON,

1608 apud STRUIK, 1958a, p. 403, tradução nossa).

No entanto, o trabalho de Stevin e especialmente sua notação, resultou em um modelo

de cálculo utilizando frações decimais, não com denominadores, mas com “números de ponto

decimal” tornando tão simples trabalhar com as frações decimais, quanto trabalhar como

números inteiros. Stevin explica este modo de pensar da seguinte maneira.

Se certo número, um mil cento e onze, escrito com algarismo hindu-arábico é

exatamente 1111, portanto, em que parece que cada 1 é a décima parte de seu

precedente 1, da mesma forma em 2378 de cada unidade de 8 é a décima parte de

cada unidade de 7, e assim por diante. Mas é conveniente que as coisas de que

falaríamos têm nomes, e esta forma de cálculo é encontrada pela consideração do

décimo ou progressão da moeda, e consiste inteiramente nele, como deve seguir

38

[...] the end of this discussion, there will be added an appendix setting forth the use of decimal numbers in real

problems. 39

Dime ou Disme em frânces é traduzido em português pela palavra Décimo. 40

Dime is a kind of arithmetic, invented by the tenth progression, consisting in characters of ciphers, whereby a

certain number is described and by which also all account which happen in human affairs are dispatched by

whole numbers, without fractions or broken numbers.

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39

aparecem. Nós chamamos este tratado apropriadamente pelo nome de Dime, em que

todas as contas que surgem através das relações de negócios, medidas etc. entre os

homens podem ser forjadas e feitas sem frações ou números quebrados, como a

seguir será exibida41

(Ibid, p. 403-405, tradução nossa).

Além desta primeira definição, seguida de explanação, Stevin introduz uma série de

definições, demonstrando a sua completa compreensão da estrutura de um sistema decimal.42

Segunda definição.

Todos os números inteiros apresentados são chamados de unidades e serão indicados

pelo sinal ⓪.

Explanação:

O número trezentos e sessenta e quatro, por exemplo, pode ser escrito como sendo

trezentos e sessenta e quatro unidades e escreve se da seguinte forma 364⓪.

Similarmente poderá ser escritos para outros casos.

Terceira definição.

A décima parte de uma unidade é chamado de primeiro e é indicada pelo sinal ① e

o décimo de um primeiro é chamado de segundo, e é indicado pelo sinal②, e assim

por diante para cada uma décima parte da unidade do valor imediatamente superior.

A explicação desta definição se dá do seguinte modo, temos, 3①7②5③9④, que

significa 3 primeiro, 7 segundo, 5 terceiro, 9 quarto e isso pode ser continuado

indefinidamente. Ele pode ser visto a partir da definição de que os números são

,

,

,

, e que esse número é

. Da mesma forma 8⓪9①3②7③tem o

valor de 8,

,

,

, e que esse número é

, e assim por diante para outros

números. Além disso, você deve perceber que neste números que usamos sem

frações, e que o números em cada sinal, exceto ⓪, nunca pode ser superior a 9. Por

exemplo, não pode se escrever 7①12②, mas sim 8①2②, pois tem o mesmo valor,

que é

,

ou

,

.

Quarta definição

Os números da segunda e terceira definição a partir de agora serão chamados de

números decimais. (Ibid, p. 405-407, tradução nossa).

As definições apresentadas por Simon Stevin mostram que ele possui conhecimento

sobre o que está sendo posto, uma vez, que a segunda e terceira definição são seguidas de

exemplos e a quarta definição expõe como essa nova representação das frações decimais será

chamada.

41

Let the certain number be one thousand one hundred an eleven, described by the characters of ciphers thus

1111, in which it appears that each 1 is the 10th

parts of his precedent character 1; likewise in 2378 each unity of

8 is the tenth of each unity of 7, and so of all the others. But because it is convenient that the things whereof we

would speak have names, and that this manner of computation is found by the consideration of such tenth or

dime progression, that is that it consist therein entirely, as shall hereafter appear, we call this treatise fitly by the

name of Dime, whereby all accounts happening in the affairs of man may be wrought and effected without

fractions or broken numbers, as hereafter appears. 42

Os textos em inglês referente às citações de Norton, 1608, apud Struik, 1958, desta seção 1.7.2 se encontra em

anexo.

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40

Logo em seguida Stevin se concentra nas operações e estabelece a base para os

cálculos elementares com números decimais. As operações em questão são as quatro

operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) e mais a extração de

todos os tipos de raízes. Sua explicação é dividida em quatro proposições, a adição é a

primeira proposição, subtração a segunda proposição, multiplicação a terceira proposição e

divisão a quarta proposição, sendo que a explicação da extração de raízes se encontra na

quarta proposição tomada como nota.

Primeira proposição da adição.

Dados: três números decimais 27⓪8①4②7③, 37⓪6①7②5③ e

875⓪7①8②2③.

Objetivo: encontrar a soma dos três números decimais.

Construção: organizar os números e adicioná-los como se faria normalmente ao

adicionar números inteiros.

⓪① ②③

2 7 8 4 7

3 7 6 7 5

8 7 5 7 8 2

9 4 1 3 0 4

A soma é 941⓪3①0②4③. Para provar este resultado toma-se a terceira definição

no qual o número 27⓪8①4②7③ é dado como 27,

,

,

ou

. Da

mesma forma, 37⓪6①7②5③ é dado como 37,

,

,

ou

e

875⓪7①8②2③ também é dado como 875,

,

,

ou

. Adicionando

estes três números tem se como resultado

. De fato o resultado

941⓪3①0②4③ tem esse mesmo valor e, portanto a soma mostrada é verdadeira.

(Ibid, p. 409-411, tradução nossa).

A conclusão de Stevin é a de que ao somar três números decimais da mesma forma

que efetuamos a operação da adição com números naturais, encontramos o resultado que

buscamos, isto é, o que foi proposto, foi atingido, pois o objetivo era encontrar a soma, por

meio da nova representação. Seu exemplo é convincente, uma vez, que os números

apresentados para serem somados, são representados na forma de fração, cujo denominador é

uma potência de base 10.

Mas, e quando um número decimal não preencher todas as colunas, isto é um número

decimal da forma 5,07 (representação de um número decimal, nos dias atuais). Esta situação é

esclarecida por meio de uma nota na primeira proposição de La Disme.

Note que, se os números dados existem alguns sinais sem a sua ordem natural, o

lugar defeituoso será preenchido. Como, por exemplo, dado os números 8⓪5①6②

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41

e 5⓪7②, em que este último esta sem o sinal ①, no seu lugar será colocado 0①,

levando este último número a 5⓪0①7②, adicionando do seguinte modo

⓪① ②

8 5 6

5 0 7

1 3 6 3

(Ibid, p. 411, tradução nossa).

Observa se, que Stevin, está atento a situações como estas, tanto é que remetem esta

situação as demais proposições. “Este exemplo deve servir também para as três proposições

que se seguem, em que a ordem das figuras defeituosas deve ser fornecida, como foi feito no

exemplo anterior” (Ibid, p.411, tradução nossa), ou seja, no caso de lacunas preencha se com

zeros quantas vezes forem necessárias. E adicione, subtraia, multiplique ou divide

independente da operação que se faça.

A próxima proposição leva em consideração a subtração de números decimais.

Segunda proposição: da subtração de números decimais.

Dados o número 237⓪5①7②8③ a partir do qual o número 59⓪7①4②9③ deve

ser subtraído.

Construção: os números dados poderão ser colocados nesta ordem, subtraindo-se de

acordo com a maneira de subtração dos números inteiros, assim.

⓪①② ③

2 3 7 5 7 8

5 9 7 3 9

1 7 7 8 3 9

O resto é 177⓪8①3②9③, eu afirmo que é o que temos que encontrar.

Demonstração: o número decimal 237⓪5①7②8③ será demonstrado pela terceira

definição deste Disme,

ou

, e pela mesma razão,

59⓪7①3②9③ tem o valor

, que subtraído de

, tem como

resultado

, e também assim 177⓪8①3②9③, que é então o verdadeiro

resultado que deve ser manifestado (Ibid, p. 411-413, tradução nossa).

Logo, após a construção e a demonstração, Simon Stevin chega à conclusão que dado

um número decimal e um número similar que deve ser subtraído a partir deste número

decimal, chega a um resultado verdadeiro, uma vez, que sua demonstração é verdadeira.

Em seguida, a terceira proposição, que aborda a operação de multiplicação,

envolvendo números decimais.

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42

Terceira proposição: da multiplicação de números decimais.

Números dados: 32⓪5①7② e o multiplicador 89⓪4①6②.

Objetivo: encontrar o seu produto.

Construção: coloque os números em ordem e se multiplica de maneira comum,

como se multiplica os números inteiros.

⓪①②

3 2 5 7

8 9 4 6

1 9 5 4 2

1 3 0 2 8

2 9 3 1 3

2 6 0 5 6 -

2 9 1 3 7 1 2 2

Isso dá o produto 29137122. Para chegar ao resultado esperado, adicione os dois

últimos sinais dos números dados, que são ② e ②, temos ④. Dizemos então que o

sinal do último algarismo do produto será ④. Uma vez constituído esta soma, todos

os sinais são conhecidos devido à sua ordem contínua. Portanto,

2913⓪7①1②2③2④ é o produto.

Demonstração: como mostra na terceira definição de La Disme, o número dado

32⓪5①7② é

, ou

, e também o multiplicador 89⓪4①6② ou

. Multiplicando-se o

por este número dá o produto

. O

produto 2913⓪7①1②2③2④ é tomado como verdadeiro como foi demonstrado

(Ibid, p. 415-417, tradução nossa).

Simon Stevin explica que um número decimal de sinal ② multiplicado por um

número decimal de sinal ②, tem como produto um número decimal de sinal ④, o mesmo

acontece com um número decimal de sinal ④ multiplicado por um número decimal de sinal

⑤, tem como produto um número decimal de sinal ⑨, assim como um número de sinal ⓪

multiplicado por um número decimal de sinal ③ tem como produto um número decimal de

sinal ③ e assim por diante.

Um novo exemplo é dado, seja, os números,

e

, pela terceira definição de La

Disme são os valores 2① e 3②. Seu produto é

, que também, pela terceira definição de

La Disme é 6③. Assim, multiplicando o primeiro ① pelo segundo ② dá um produto de sinal

terceiro ③, ou seja, o sinal do produto é a soma dos sinais dos últimos algarismos dos

números envolvidos na multiplicação.

Diante das construções e demonstrações envolvendo números decimais chega-se à

conclusão de que dados os números decimais para serem multiplicados, se encontra o produto

como se pretende fazer, da mesma forma como se fossem utilizados números inteiros.

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43

No final da terceira proposição, Simon Stevin deixa uma nota.

Se o último sinal do multiplicando não é igual ao último sinal do multiplicador,

seguido de exemplo, 3④7⑤8⑥ e 5①4②, proceda como acima.

④⑤⑥

3 7 8

5 4 ②

1 5 1 2

1 8 9 0 -

2 0 4 1 2 ④⑤⑥ ⑦⑧

(Ibid, p. 417, tradução nossa).

Sendo assim a multiplicação de 3④7⑤8⑥ e 5①4② tem como produto um número

decimal de sinal ⑧, que é 2④0⑤4⑥1⑦2⑧.

Para finalizar a segunda parte de La Disme, Simon Stevin apresenta a quarta

proposição que é a operação de divisão utilizando números decimais.

Quarta proposição: da divisão de números decimais.

Números decimais dados: 3⓪4①4②3③5④2⑤ que será dividido por 9①6②.

Objetivo: determinar o quociente.

Construção: Dividir os números indicados (omitindo os sinais) de acordo com a

maneira comum de dividir com números inteiros, assim

344352 : 96 = 3587

Agora para se conhecer o resultado procurado, é só subtrair do sinal do último

algarismo do dividendo, o sinal do último algarismo do divisor, ou seja, do sinal ⑤

subtrair o sinal ②, tendo como resultado desta subtração o sinal ③. Este será o sinal

do último algarismo do quociente e, assim todo o resto se manifesta de forma

continuada. Chegando ao seguinte resultado 3⓪5①8②7③.

Demonstração: dado o dividendo 3⓪4①4②3③5④2⑤, pela terceira definição de

La Disme temos,

, ou

, e pela mesma razão o

divisor 9①6② tem como valor

,

, ou

. A divisão destes números tem como

resultado

, que pode ser escrito como 3⓪5①8②7③, portanto este é o

quociente a ser demonstrado (Ibid, p. 419-421, tradução nossa).

Nesta quarta proposição, Simon Stevin busca esclarecer as divisões na qual o

dividendo venha ter o último sinal menor que o último sinal do divisor. Na nota, esclarece,

que se os sinais do divisor forem maiores do que os sinais do dividendo, deve ser adicionado

ao valor do dividendo tantos zeros quanto forem necessários. Também nesta mesma nota há

um exemplo de número decimal no qual a parte decimal é composta de repetição de um

determinado algarismo.

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44

No primeiro exemplo da nota, ele demonstra a divisão de 7② por 4⑤, no qual explica

que para acontecer esta divisão é necessário preencher com zeros (0) após o 7 quantas vezes

for preciso, até que se possa efetuar a divisão, neste caso, tendo como quociente o valor

1750⓪.

7000 : 4 = 1750

No outro exemplo desta mesma nota Simon Stevin se preocupa com resultados que

não podem ser expressos com números inteiros, ou seja, resultados constituídos de parte

decimal infinita. Para esta situação, ele demonstra a seguinte situação, 4① dividido por 3②,

parece que o quociente será um número infinito de três. Neste caso, pode se abordar o mais

próximo ao quociente real como o problema requer e omitir o restante, ou seja, o quociente

desta divisão é 13⓪3①3② ou 13⓪3①3②3

③ é o resultado exato, mas neste trabalho

propomos a utilizar apenas números inteiros, além disso, percebe se que no mundo dos

negócios não se conta a milésima parte de um maille ou de um grão.

Omissões como essas são feitas pelos principais Geométricos e Aritméticos. Mesmo

nos cálculos de grande importância. “Ptolomeu e Jehan de Montroyal, por exemplo, não

fizeram uso de números mistos em suas tabelas, pois tendo em vista o objetivo destas tabelas

à aproximação é mais útil do que a perfeição” (Ibid, p. 423, tradução nossa).

Simon Stevin também explana sobre a extração de raízes de números decimais, dando

a seguinte nota: Números decimais podem ser usados na extração de raízes. Por exemplo, para

encontrar a raiz quadrada de 5②2③9④, o trabalho é de acordo com o método comum usado

para extrair raiz quadrada, sendo assim, a raiz quadrada do número dado é 2①3②. O último

sinal da raiz é sempre a metade do último sinal do número dado. Portanto, se o último sinal do

número for impar, se acrescenta um zero para que o sinal se torne par, e em seguida extrai se a

raiz. Da mesma forma na extração da raiz cúbica, o sinal da raiz cúbica de um número

decimal dado é a terceira parte do último sinal deste número decimal, e assim de todos os

outros tipos de raízes.

Logo, depois de apresentar as duas partes do trabalho La Disme, Stevin anexa um

apêndice, no qual ele começa com o seguinte prefácio.

Vendo que já descremos sobre os números decimais, vamos agora ao seu uso,

mostrando 6 artigos com todos os cálculos que podem acontecer no mundo dos

negócios de qualquer homem, podendo ser facilmente realizadas. Começo

mostrando como elas são colocadas em prática na mensuração de volume ou

quantidade de terra (Ibid, p. 419-421, tradução nossa).

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45

A sua preocupação em colocar esta nova notação em prática, levou a produzir estes

artigos a fim de provar a facilidade de se trabalhar com números decimais.

Para o primeiro artigo intitulado “Calculações na metragem de terra”, Simon Stevin

explanou sobre a metragem de terras, no qual utiliza-se de uma medida comum43

, ou seja,

conhecida por todos da área de medição de terra, no caso a unidade será “perch” ou “rod” (o

“perch” ou “rod” em inglês ou “roede” em holandês, são ambas medidas de área e de

comprimento), depois da escolha começa se a divisão decimal, o“perch” ou “rod” é chamado

de unidade 1⓪, que é dividida em dez partes iguais ou primeiros, e cada primeiro é dividido

em dez partes iguais ou segundos, e cada segundo é dividido em dez partes iguais ou terceiros

e assim por diante, quantas vezes for necessário. Simon Stevin explica que para efeito de

medidas de terras, as divisões em segundos② são suficientes, mas, em questões que exigem

maior precisão como na medição de espessura de chumbo, etc., neste caso pode se usar os

terceiros③.

Como um entusiasta dos números decimais, Simon Stevin sugere que as medições de

terra passassem a obedecer ao sistema decimal proposto.

Assim sendo feito, estes devem ser usados para medir, deixando de considerar os

pés e os polegares de acordo com o costume local, assim devem ser adicionado,

subtraído, multiplicado e dividido, de acordo com a doutrina dos exemplos

precedentes (Ibid, 429, tradução nossa).

E para reforçar, Stevin cita exemplos desta nova maneira de se fazer cálculos de

medição de terra.

Por exemplo, vamos adicionar quatro triângulo ou superfície de terra, sendo o

primeiro 345⓪7①2②, o segundo 872⓪5①3②, o terceiro 615⓪4①8② e o

quarto 956⓪8①6②.

⓪①②

3 4 5 7 2

8 7 2 5 3

6 1 5 4 8

9 5 6 8 6

2 7 9 0 5 9

(Ibid, p.429, tradução nossa).

Sendo estes adicionados de acordo com a primeira proposição de La Disme, chegando

a seguinte soma 2790⓪5①9②. Ele liga os termos utilizados para as atuais medidas lineares

43 Em todos os 6 artigos, Simon Stevin teve o cuidado de utilizar unidades já conhecidas pela população, deste

modo buscava mostrar os benefícios da sua nova notação e não da nomenclatura utilizada.

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46

ao conceito de números primeiros e segundos, associando números primeiros com os pés, e os

segundos com a unidade familiar de medição, o "polegar". A coisa mais importante no

argumento de Stevin é que ele propõe uma divisão baseada em décimos, embora esta prática

certamente não fosse comum nos seus dias.

Simon Stevin adiciona mais três exemplos, nos quais são consideradas a subtração,

multiplicação e divisão respectivamente, sempre enfatizando a mudança.

O segundo artigo que tem como título os cálculos das medidas de tapeçaria ou panos.

Stevin busca como unidade comum o “ell” que corresponde aproximadamente a 46 polegadas.

“O ell como unidade de medida de tapeçaria ou pano será 1⓪” (NORTON, 1608 apud

STRUIK, 1958, p.435, tradução nossa), e faça como foi feito anteriormente no primeiro

artigo pega-se esta unidade o ell e divide-se em dez partes iguais, perfazendo os primeiros, em

seguida divide-se o primeiro em dez partes iguais perfazendo os segundos e assim por diante.

Como explicado no primeiro artigo os segundos② são suficientes na medição de tecidos.

Neste segundo artigo, Simon Stevin não cita exemplo, visto que esses exemplos estão

totalmente de acordo com os exemplos do primeiro artigo.

O terceiro artigo cujo título é Dos cálculos que servem para aferição, e na medição de

todos os vasos de bebidas. Simon Stevin usa como medida o “ame” “um ‘ame’ (que faz 100

potes de Antuérpia) que passa ser 1⓪”(Ibid, p.435, tradução nossa), no qual ele explica que

“o mesmo deve ser dividido pelo comprimento e profundidade em 10 partes iguais (ou seja, é

igual em relação ao vinho, não ao ‘rod’, no qual as partes de profundidade devem ser

diferentes)” (Ibid, p.435, tradução nossa). Neste caso Simon Stevin comenta que a forma de

um barril ou de uma garrafa deve ser considerada. Na primeira divisão, a décima deve conter

10 potes de Antuérpia, ou seja, 1①. Novamente, se pega 1① e divide-se em 10 partes,

perfazendo os segundos, no qual, cada 1② vale 1 pote de Antuérpia, depois cada 1② é

dividido em 10 partes iguais, sendo cada parte desta divisão 1③.

Simon Stevin afirma que para determinar a quantidade em um tonel, basta proceder de

acordo com os exemplos do primeiro artigo. “Agora o rod sendo então dividido, para saber o

conteúdo do tonel, multiplicar e trabalhar como no artigo primeiro dos quais (sendo

suficientemente manifesto) não vamos falar daqui em adiante” (Ibid, p. 437, tradução nossa).

Mas em relação à divisão de profundidade, ele buscou dar uma breve explicação. Sua

demonstração é a seguinte.

Mas, vendo que a décima divisão da profundidade não é vulgarmente conhecida,

vamos explicar o mesmo. Deixe o “rod” ser um “ame” AB, que é 1 ⓪, dividido (de

acordo com o costume) em nove pontos de profundidade: CDEFGHIKA, fazendo

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47

cada parte 1①, que deve ter novamente cada parte dividido em dez, portanto. Que

cada um ① ser dividido em dois, assim: desenhar a linha BM com um ângulo

correto sobre AB e iguale a 1①, BC, em seguida (pela proposição 13 de Euclides

seu livro 6) Encontre a média proporcional entre BM e seu moiety, que é BN,

cortando BO iguale a BN. E se NS ser igual a BC, a operação é correta. Seguida,

anote o comprimento NC de B para A, como BP, sendo igual a NC, a operação é

correta, do mesmo modo o comprimento do BN de B para Q, e assim o resto.

Permanece ainda a dividir cada comprimento de BO e OC etc., em cinco partes,

consequentemente: Procure o meio proporcional entre BM e sua décima parte, que

deve ser BR, cortando BS igual à BR. Então o comprimento SR, notado de B para

A, enquanto BT é igualmente o comprimento TR de B até V, e assim por diante,

continuando à dividir BS e ST, etc, em ③, eu digo que BS, ST e TV etc., são os

desejados ②, que esta preste à ser demonstrado.

Para que BN seja a linha média proporcional (pela hipótese) entre BM e seu moiety,

o quadrado da BN (pela proposição 17 do sexto livro de Euclides) deve ser igual ao

retângulo de BM e seu moiety. Mas o mesmo retângulo é o moiety do quadrado de

BM. Mas BO é (por hipótese) igual a BN, e BC para BM; o quadrado, então, de BO

é igual ao moiety do quadrado de BC. E como é demonstrado que o quadrado de BS

é igual à décima parte do quadrado de BM (Ibid, p.439, tradução nossa).

No final desta demonstração, Stevin deixa claro que a explicação é para os mestres da

ciência e não para aprendizes: “Fizemos breves demonstrações, porque não escrevemos isto

para aprendizes, mas para mestres da ciência” (Ibid, p.437, tradução nossa).

No quarto artigo intitulado Cálculos de estereometria em geral, Stevin demonstra a

medição do volume, em termos decimais, usando o exemplo de uma coluna com um

comprimento, largura e altura.

No caso de termos uma coluna retangular quadrangular para ser medida,seu

comprimento é de 3①2②, a largura 2①4② e a altura 2⓪3①5②. A questão é

quanto a substância ou matéria daquela coluna é. Multiplique (de acordo com

doutrina da terceira proposição deste “La Disme”) o comprimento pela largura, e o

produto pela altura desta maneira.

①②

3 2

2 4

1 2 8_

6 4

7 6 8 ④

2 3 5 ②

3 8 4 0

2 3 0 4

1 5 3 6 -

1 8 0 4 8 0 ①②③④⑤⑥

E o produto encontrado é 1①8②4④8⑤0⑥ (Ibid, p.441, tradução nossa).

Ele nos lembra que os volumes de objetos tridimensionais devem ser calculados e que,

portanto, é necessário trabalhar com as medições em cúbicos.

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48

Nota, alguns desconhecedores, (não entendendo o que falamos aqui) dos princípios

da estereometria pode espantar se onde é dito que a grandeza da coluna acima

mencionada é apenas 1① etc.; vendo que ela contêm mais de 180 cubos, dos quais o

comprimento de cada lado é 1①, ele deve saber que a densidade de uma jarda não é

a mesma densidade de 10①, enquanto o comprimento de uma jarda, mas 1000①, à

respeito do 1① fazer 100 cubos, cada 1①, como é manifestado entre os metros de

terra na superfície; para quando eles dizem que 2 “rods”, 3 pés de terra, não é apenas

para dizer 2 “rods” quadrados e 3 pés quadrados, mas 2 “rods” (e contando apenas

12 pés de “rod”) 36 pés quadrados; portanto se a questão dita foi quantos cubos,

cada um sendo 1①, estava na grandeza da dita coluna, a solução deveria ser

encontrada de acordo, considerando que cada destes 1①, acaso façam 100①

daqueles; e cada 1② destes façam 10① daqueles etc., ou caso contrário, se a

décima parte da jarda for a melhor medida que a estereometria propõe, seja chamado

de 1⓪, como dito acima (Ibid, p.441, tradução nossa).

No quinto artigo, com o título Cálculos astronômico, Stevin começa destacando o

sistema utilizado pelos astrônomos da época.

Os antigos astrônomos tendo dividido o círculo em 360 graus, viram que as

computações astronômicas com suas partes era muito trabalhosa; por conseqüência

eles também dividiram cada grau em certas partes, e estas novamente em muitas

etc., no final desse modo o trabalho sempre chegava à números inteiros, escolhendo

a progressão 60 porque o 60 é um número mensurável por muitas medidas inteiras,

isto é 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20 e 30; mas se a experiência pode ser creditada

(nós dizemos com reverência aos respeitáveis tempos antigos e “movidos” com a

utilidade comum), a sexagésima progressão não era a mais conveniente (pelo

menos) entre aqueles que a natureza consiste potencialmente, mas o décimo que é

assim (Ibid, p.443-445, tradução nossa).

Stevin preservou a divisão do círculo em 360 partes, como feito nos artigos anteriores,

isto é, usa-se aqui uma nomenclatura já conhecida, para a qual chamou 360 de início, ou seja,

360⓪. “Chamamos os 360° graus também de começo, expressando-os então 360⓪, e cada

um grau em 1⓪ à ser dividido em 10 partes iguais, no qual, cada um deve fazer 1①, e

novamente cada 1① em 10②, e assim por diante, assim como já tem sido feito” (NORTON,

1608 apud STRUIK, 1958, tradução nossa). “Além disso, usaríamos esta divisão do grau em

todas as tabelas astronômicas e esperamos publicar um desses em nossa própria língua

flamenga, que é o mais rico, o mais ornamentado, e o mais perfeito de todos os idiomas44

(SMITH, 1959, p. 32, traduçao nossa).

Quando Stevin descreve a última área de aplicação, que é o sexto artigo que tem como

título Cálculos de banqueiros, comerciantes e todos os estados em geral, ele se mostra muito

bem consciente das diferentes moedas, utilizados no comércio internacional. Ele também

demonstra ter uma boa ideia do valor de troca dessas moedas, como aparece, no início do

artigo.

44

Moreover we would use this division of the degree in all astronomical tables and we hope to publish one such

in our own Flemish language which is the richest, the most ornate, and the most perfect of all languages.

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49

No final, falamos em geral e brevemente da soma e do conteúdo deste artigo, dever

ser sempre compreendido que todas as medidas (sejam elas de comprimento,

líquido, de dinheiro etc.) partem da décima progressão, e cada espécie notável delas

devem ser chamada de começo: Assim a marca é a unidade de peso de ouro e prata,

e a libra para outros pesos comuns. Livres de Gros em Flanders, libras esterlinas na

Inglaterra, ducat na Espanha etc. (Ibid, p. 447, tradução nossa).

A fim de esclarecer as mudanças, Simon Stevin demonstra as transformações por meio

de exemplos.

Mas no final damos um exemplo, suponha que uma marca de ouro valha 36 libras

5①3②, a questão que vale 8 marcas 3①5②4③: multiplique 3653 por 8354,

resultando no produto da terceira proposição (que é também a solução requerida)

305 libras 1①7②1③ enquanto 6④ e 2⑤, não serão considerados (Ibid, p. 449-

451, tradução nossa).

Ainda para reforçar a mudança outro exemplo é demonstrado:

Suponha novamente que 2 ells e 3① custam 3 libras 2①5②, a questão é o que

vão custar 7 ells 5①3②. Multiplique de acordo com o costume o último termo

dado pelo segundo, e divida o produto pelo primeiro, da seguinte maneira: 753 por

325 que resulta em 244725, que dividido por 23, dá a solução 10 libras 6①4②,

que é a solução (Ibid, p. 451, tradução nossa).

Neste artigo Stevin também observa que uma definição decimal das moedas deveria

ser introduzida de modo que possa ser usada em todas as regiões ou estados. Seria algo

necessário, diz:

Que a mesma progressão decimal deve ser legalmente ordenada pelos superiores,

para que todos usassem a mesma; também faria bem. Se os valores de dinheiro,

principalmente as novas moedas fossem avaliadas e contadas sobre certos

‘primeiros, segundos, terceiros etc. (Ibid, p. 449, tradução nossa).

Pode se perguntar se Simon Stevin realmente esperava que o sistema decimal fosse

aplicado em todas estas áreas. Ele nos dá uma resposta no último parágrafo do apêndice.

Mas se tudo isso não for colocado em prática tão breve quanto gostaríamos, ainda

vamos nos satisfazer, pois terá benefícios para nossos sucessores, se os homens do

futuro forem de tal natureza de que nossos antecessores, que nunca foram

negligentes em tão grande vantagem (Ibid, p. 455, tradução nossa).

O trabalho de Simon Stevin foi apreciado por várias pessoas (Matemáticos e não

matemáticos), ele não tinha a preocupação com a aceitação do seu trabalho. Segundo Crosby

(1999, p.118) De Thiende de Stevin's “foi o livro mais influente sobre o assunto”. Segundo

Devreese; Berghe (2008, p.73, tradução nossa) “Isso fica claro a partir das reações de Napier

e Briggs, que se referem ao trabalho e sua aplicação. E na literatura da época, nomeadamente

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nas peças de William Shakespeare, encontramos referências ao trabalho de Stevin45

”. Mas,

ainda de acordo com Devreese; Berghe:

O verdadeiro avanço do sistema decimal veio com a Revolução Francesa. No final

do século XVIII, que veio a ser implantado na França e em seguida em outros países

Europeus. Os Estados Unidos seguiram com a introdução do dólar como unidade

monetária. A introdução de um sistema decimal, juntamente com um método de

realização de cada cálculo importante na aritmética com números decimais, foi visto

por muitos como um passo importante no desenvolvimento de máquinas de calcular.

Assim, Stevin toma seu lugar entre os estudiosos e cientistas, cujo trabalho abriu

caminho para o desenvolvimento do computador moderno. Neste contexto, o seu

nome é incluído geralmente na companhia de Pascal, Babbage, Lady Lovelace,

Hollerith e Von Neumann46

(2008, p. 73, tradução nossa).

Desta forma pode se dizer que Simon Stevin com seu tratado sobre frações decimais,

foi importante para a melhoria no que se refere à notação de números quebrados e, assim

facilitando os grandes avanços relacionados com as calculações.

45

This is clear from the reactions of Napier and Briggs, who referred to the work and actually applied it. And in

the literature of the time, particularly the plays of William Shakespeare, we find references to Stevin’s work. 46

But the real breakthrough of the decimal system came with the French Revolution. At the end of the

eighteenth century, it came to be implemented in France and not long afterwards in other European countries as

well. The United States followed with the introduction of the dollar as a monetary unit. The introduction of a

decimal numerical system, together with a method of carrying out every important step in the development of

calculating machines. Thus, Stevin takes his place among the scholars and scientists whose work paved the way

for the development of the modern day computer. In this context his name is usually included in the company of

Pascal, Babbage, Lady Lovelace, Hollerith and Von Neumann.

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2. O QUE É UM ALGORITMO?

2.1 Introdução

A resposta a pergunta o que é um algoritmo, muitas vezes, nos remete a dicionários da

Filosofia.

Algoritmo (in. Algorism; fr. Algorithme; al. Algorithmus; it. Algoritmo). Qualquer

processo de cálculo. Esse termo, derivado do nome do autor árabe de um tratado que

introduziu a numeração decimal na Europa do séc. IX, designava a princípio os

processos de cálculo aritmético e depois foi generalizado para indicar todos os

processos de cálculo (ABBAGNANO, 2000, p.25).

Esta é a resposta à pergunta “o que é um algoritmo?” que pode ser encontrada no

dicionário de filosofia de Abbagnano (2000). Enfatiza-se que para explicar uma palavra às

vezes temos de usar outras palavras e, neste caso, o autor usou a palavra “calcular”.

Podemos fazer outras perguntas como “o que significa calcular?”, calcula-se apenas

com números? Calcular é uma atividade planejada e organizada, por exemplo, se alguém quer

explicar como chegar à pé da Rua Frei Caneca ao Shopping Higienópolis na cidade de São

Paulo a maneira mais fácil seria apresentar um mapa da cidade, marcando com lápis o

caminho certo. Seguir o mapa seria uma atividade planejada, mas certamente não seria um

cálculo. Mas se alguém em vez de usar um mapa, disser: Desce a Rua Frei Caneca até a Rua

Marques de Paranaguá depois vira à esquerda e segue em frente até o segundo semáforo etc,

etc. isto certamente seria uma calculação.

Alan Turing (1912-1954) foi o primeiro a analisar a atividade algorítmica neste

sentido, fornecendo a primeira ideia do termo algoritmo. Ele também enfatizou que qualquer

máquina deveria ser capaz de calcular neste sentido.

Abbagnano (2000) nos dá a informação que o nome algoritmo originou-se do árabe,

indicando que provavelmente foram eles os melhores calculadores, talvez porque tivessem um

sistema de representação mais efetivo de representação, o sistema de numeração decimal.

Utilizar processos para chegar a resultados já eram empregados há muito tempo, os

matemáticos mesopotâmios que foram muito hábeis em desenvolver processo algorítmico,

entre eles o de extrair a raiz quadrada, descreve (BOYER, 2003, p. 19):

Seja a raiz quadrada desejada e seja uma primeira aproximação dessa

raiz; seja uma segunda aproximação dada pela equação

. Se é pequeno

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demais, é grande demais e vice-versa. Logo a média aritmética

é uma nova aproximação plausível. Como é sempre grande demais, a

seguinte,

será pequena demais e toma-se a média aritmética

) para obter um resultado ainda melhor; o processo pode ser continuado

indefinidamente.[...]. No algoritmo babilônio para raiz quadrada acha-se um

processo iterativo que poderia ter levado os matemáticos do tempo a descobrir

processos infinitos, mas eles não levaram adiante a pesquisa das implicações de tais

problemas.

Algoritmos como escritos na frase anterior, são desenvolvidos por nós sempre, pode

ser que não nos atentamos para este “detalhe”, mas quem já não se pegou arrumando as cartas

de um baralho ou organizando um jogo de panelas, pois, executando essas tarefas, estará

executando um algoritmo.

Sua importância para o desenvolvimento tecnológico, segundo Berlinski (2002, p. 15)

“foi o algoritmo que tornou possível o mundo moderno”. E para a matemática, no momento

em que sua aplicabilidade se tornava ineficiente forçando as mentes a pensarem sobre o

porquê da sua ineficiência.

A origem da palavra algoritmo, mostrando como surgiu a etimologia. Mostraremos

exemplos de algoritmo, discutindo sua aplicabilidade e sua eficácia. Em seguida falaremos do

século XVII, no qual destaca se Leibniz (1646-1716), para depois falarmos do século XX no

qual ocorreu a revolução da palavra “algoritmo” em termos de significação e manipulação.

Algoritmo é usado com significado de processo finito de passos, no que se refere a um

problema de calculação, no qual se busca métodos de resolução (algorítmico), cujo processos

são aplicados até obter uma resposta para determinado problema. Mas, pode acontecer que a

aplicação desses passos não dê uma resposta, como, é o caso, por exemplo, do número =

3,14159265... , 3 = 1,732... . “Eles continuam indefinidamente e seus dígitos nunca

produzem um ciclo repetitivo e finito de números” (TEIXEIRA, 1998, p. 26). Assim, há casos

que não têm como aplicar o algoritmo, pois sua aplicação geraria procedimentos infinitos de

passos, por mais que se conheça os seus passos.

2.2 A origem da palavra algoritmo

No inicio do século VIII os árabes conquistaram o norte da Índia passando a ter um

contato estreito entre essas duas culturas. E assim os árabes tomaram conhecimento do

sistema de numeração decimal, conhecimento este passado por uma delegação de astrônomos

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e matemáticos hindus em visita à corte do califa al-Mansur. Esta delegação mostrou aos

eruditos árabes como funcionava esse sistema, que logo foi adotado.

Até por volta do século VI, a Arábia era habitada principalmente por tribos nômades

do deserto. Nessa época, poucas cidades funcionavam como centros de comércio.

No século VII, teve inicio a religião islâmica, fundada por Maomé, que conseguiu

unir as tribos do deserto. [...] No contato com os indianos, os árabes assimilaram o

sistema de numeração decimal posicional (IMENES, 1995, p. 12).

Segundo Imenes (1995, p. 12) “os árabes ao invadirem a Europa por volta do século

VIII, levaram consigo essa representação dos números”.

A palavra algoritmo vem do nome al-Khowarizmi, matemático persa, que escreveu um

importante manual de álgebra no século IX. Além de seu célebre livro sobre Álgebra, ele

escreveu outro sobre os numerais hindus – Kitab al Jami wa’l tafrik bi hisab al híndi (Livro

sobre o método hindu da adição e subtração) - e tornou-se seu maior popularizador no império

árabe. Foi um célebre matemático nascido na província persa de Khwarezm, oficialmente

chamada de Khiva e é parte do Uzbequistão. Al-Khowarizmi aprendeu com os indianos a

utilizar o sistema de numeração posicional de base dez e seus respectivos símbolos.

Para Garbi (2009, p. 111) “A obra de al-khwarizmi exerceu grande influência sobre os

matemáticos ocidentais até o início do Renascimento”. Seu papel importante é demonstrado

na adoção do sistema hindu. As palavras algarismo e algoritmo, derivam-se de seu nome.

A influência de al-Khowarizmi no crescimento da ciência em geral é bastante

reconhecida, sobretudo particularmente na Matemática, astronomia e geografia. Al-

khowarizmi colaborou com outros sábios na determinação do valor de um grau meridiano que

Almamon se propôs a medir, preparou outras tábuas astronômicas com resultados tirados de

Ptolomeu e de Brahmagupta e usou os valores de dos gregos e dos hindus, 7

22

7

13 ; 10 ;

3,1416. Segundo Boyer (2003), al-Khowarizmi mostrou a solução da equação 39102 xx ,

que indica o modo de resolução de uma equação da forma qpxx 2.

O nome algoritmo aplica-se hoje ao sistema de designações e convenções que permite

calcular segundo certas regras. Em especial, designa qualquer sistema de notação simbólica.

2.3 Algoritmos e computadores

De acordo com Berlinski (2002, p.15), “o algoritmo é a idéia que governa o mundo”.

Se o algoritmo não tivesse sido descoberto, a vida moderna seria muito diferente, já que o

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computador, a Internet, a realidade virtual e o correio eletrônico simplesmente não existiriam.

Para Berlinski (2002, p. 15) o cálculo é “a primeira grande idéia científica do Ocidente”, e o

algoritmo “a segunda grande idéia científica do Ocidente”, ele justifica sua opinião dizendo

que o cálculo resultou na Física Moderna, mas o algoritmo possibilitou o desenvolvimento do

computador, mas precisamente, do software.

Para Berlinski, (2002, p.16), “Um algoritmo é um procedimento eficaz, um modo de

fazer uma coisa em um número finito de passos discretos. A Matemática Clássica é em parte,

o estudo de determinados algoritmos.” Na ótica de Houaiss; Villar (2001, p.155) algoritmo é

definido como “seqüência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um

número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas”.

A execução de um algoritmo só não levará a um resultado de um problema

corretamente, caso não seja, adequado ao problema ou sua execução feita de forma errada, ou

seja, um algoritmo é uma maneira sistemática de resolver um problema.

O conceito de algoritmo não pode ser vinculado exclusivamente à computação, sua

abrangência vai além da computação, isto é, um algoritmo não precisa necessariamente

representar um programa de computador. Algoritmo é visto como passos a serem seguidos na

realização de uma tarefa, seja um problema de Matemática, ou de qualquer outra área –

informática, geografia – entre outras.

No entanto, a programação de computadores é um dos campos de aplicação dos

algoritmos, pelos quais efetua uma padronização do exercício de tarefas rotineiras, já que o

algoritmo define de forma detalhada, passo a passo, possibilitando a compreensão da

máquina, acerca das tarefas a serem realizadas, caracterizando assim o programa de

computador. Segundo Otte (1993, p. 287) “o computador faz uma representação de como é o

procedimento para o conhecimento, e esta, enfatiza sua organização funcional possível de

uma maneira efetiva”. Assim, temos que um programa nada mais é do que a materialização de

um algoritmo.

É preciso salientar ainda que diferentes algoritmos possam realizar a mesma tarefa

utilizando um conjunto diferenciado de instruções em mais ou menos tempo, espaço ou

esforço do que outros. Para ilustrar vejamos um exemplo, um algoritmo para se vestir pode

especificar que se calcem primeiro as meias e os sapatos antes de vestir a calça, enquanto

outro algoritmo especifica que se deve primeiro vestir a calça e depois as meias e os sapatos.

Pode-se observar que tanto o primeiro quanto o segundo algoritmo resolvem o

problema, mas sem dúvida que o segundo procedimento é mais simples, ou menos trabalhoso

que o primeiro. Enquanto o primeiro se mostra mais complicado de executar, o segundo se

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mostra mais eficiente, apesar de ambos levarem ao mesmo resultado. Neste caso, é necessário

buscar o mais rápido com desperdiço mínimo de trabalho e tempo, neste caso, um algoritmo

que seja o mais adequado possível a fim de resolver o problema.

Um algoritmo determinístico polinomial, sempre que testado sobre um mesmo

conjunto de entradas, deve produzir o mesmo conjunto de saídas. Teixeira (1998, p.29)

acrescenta que “um algoritmo roda em tempo polinomial se existem dois inteiros fixos, A e K

tais que para um problema de tamanho n a computação será concluída no máximo kAn

passos.” Uma característica importante de um algoritmo é que ele resolve uma classe de

problemas e não uma instância47

.

Por exemplo, um algoritmo de ordenação para n números inteiros, ordena qualquer

conjunto com até n inteiros, em qualquer configuração (isto é, qualquer permutação dentre as

n! possíveis). A aplicação do algoritmo sobre um particular conjunto de inteiros constitui a

resolução de uma instância do problema. “Para que o algoritmo possa ser útil, é necessário

que o número de passos seja não só finito, mas muito finito” (LUCCHESI, 1979, p.43).

O dicionário da língua portuguesa editado pelo Ministério da Educação define

Algoritmo - termo matemático - como um processo formal de cálculo. Diversos autores

denominam os problemas que não podem ser selecionados por processos formais de cálculo

como problemas não decidíveis. “Os algoritmos são estratégias para solução de problemas

decidíveis, ou seja, para problemas cuja solução admita um processo formal de ações”

(GOLDBARG; LUNA, 2006, p. 599-600).

Por mais que o conceito de algoritmo seja bem antigo, este é muitas vezes associado

ao conceito formalizado por Alan Turing em 1936. Na definição da máquina de Turing como

modelo abstrato de computador, baseando-se apenas os aspectos lógicos de seu

funcionamento, como memória, transições.

Ora, a grande dificuldade é que não havia, então, uma noção clara do que significava

“procedimento efetivo”. Após milhares de anos de história da Matemática, não se

sabia o que era um algoritmo e tampouco o que era uma computação. Para responder

a estas questões, Turing inventou uma máquina teórica que se tornou o conceito-

chave de toda ciência da computação (TEIXEIRA, 1998, p. 20).

Turing criou uma sequência de operações, bem definidas, que utilizava um conjunto

de valores de entrada e produzia um conjunto de valores de saída, originando assim, uma das

47

Iremos entender instância como os valores de entrada a serem processados, do problema a ele proposto, e vale

salientar que basta que uma instância falhe para o algoritmo ser classificado como ineficiente.

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definições de algoritmo: Algoritmo é uma sequência de operações que pode ser simulada por

uma máquina de Turing completa.

Segundo Jurkiewicz; Teixeira (2006, p.09) os problemas algorítmicos podem ser

divididos nas seguintes classes:

Problemas de Decisão:

Existe uma estrutura S que satisfaça às propriedades do problema P?

Objetivo: decidir pela resposta Sim ou Não, à questão acima;

Problema de Localização:

Encontrar uma estrutura S que satisfaça às propriedades de S.

Objetivo: localizar certa estrutura S que satisfaça a um conjunto de propriedades

dadas;

Problemas de Otimização:

Encontrar uma estrutura S que satisfaça a certo(s) critério(s) de otimização.

Objetivo: verificar se as propriedades a que S deve satisfazer envolvem critérios de

otimização.

Segundo Branquinho (2006, p. 26) a definição usada de forma moderna, não só leva

em questão os procedimentos, rotinas ou métodos bem definidos, para a resolução do

problema, mas também, a presença de cinco propriedades indispensáveis aos algoritmos

atualmente, são elas:

Um algoritmo define-se por um conjunto finito de instruções e não pelos poderes

causais do agente que segue as instruções;

Um agente de computação é capaz de seguir as instruções: não existem instruções

ambíguas, mas apenas ordens claras;

Para seguir as instruções de um algoritmo é necessário poder computar, armazenar e

ler informação;

Os algoritmos são discretos: as suas instruções têm de ser apresentadas passo a

passo;

A computação que resulta de um algoritmo pode ser levada a cabo de modo

determinista.

Atentando-se agora para o conceito de algoritmo, citaremos alguns autores e suas

conceitualizações da palavra algoritmo na literatura.

A palavra algoritmo é aplicada e empregada, segundo o dicionário Aurélio, na

matemática e na computação. Na matemática está associada a um processo de

cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes, em que se

estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do

resultado ou da solução do problema. Na ciência da computação (informática) está

associada a um conjunto de regras e operações bem definidas e ordenadas,

destinadas à solução de um problema, ou de uma classe de problemas, em um

número finito de passos (MANZANO, 2011, p.31).

Para complementar a afirmação acima pode-se citar Salvetti (1998, p.5).

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Um algoritmo, intuitivamente, é uma seqüência finita de instruções ou operações

básicas (operações definidas sem ambigüidade e executáveis em tempo finito

dispondo-se apenas de lápis e papel) cuja execução, em tempo finito, resolve um

problema computacional, qualquer que seja sua instância.

O exemplo citado por Bucknall em seu livro The Thome of Delphi Algorithms and

Data Structures, resume bem o conceito de algoritmo. Bucknall escreve:

Um algoritmo é uma receita passo-a-passo para a realização de algum cálculo ou

processo. [...] Volte para seu tempo de escola primária, quando você estava

aprendendo adição.

O professor escreve no quadro a seguinte soma:

17

45

e depois pedir-lhe para soma-las. Você tinha sido ensinado como fazer: iniciar com a

coluna das unidades e adicionar o 5 e o 7 perfazendo 12, coloque o 2 sob a coluna de

unidades e, em seguida transportar o 1 acima do 4.

17

541

2

Você adiciona o 1 transportado a 4 em seguida a 1 perfazendo 6 e, em seguida

escreve abaixo da coluna das dezenas. E você teria chegado a resposta: 62.

Observe que o que você tinha aprendido era um algoritmo para realizar esta e

qualquer adição similar. Não foi ensinado a você a adição de 45 e 17

especificamente, mas sim, a adição de dois números de um modo geral. De fato,

muito logo, você pode adicionar muitos números, com muitos dígitos, aplicando o

mesmo algoritmo48

(2001, p.1-2, tradução nossa).

A sequência de passos de um algoritmo depende do problema a ser aplicado, ao

analisá-lo escolhe-se o algoritmo a ser utilizado, seguindo ordenadamente os seus passos. O

48

An algorithm is a step-by-step recipe for performing some calculation or process. This is a pretty loose

definition, but once you understand that algorithms are nothing to be afraid of per se, you’ll recognize and use

them without further thought.

Go back to you elementary school days, when you were learning addition. The teacher would write on the board

a sum like this:

45

17+

And then ask you to add them up. You had been taught how to do this: start with the units column and add the 5

and the 7 to make 12, put the 2 under the units column, and then carry 1 above the 4.

1

45

17+

2

You’d then add the carried 1, the 4 and the other 1 to make 6, which you’d then write underneath the tens. And,

you’d have arrived at the concentrated answer:62.

Notice that what you had been taught was an algorithm to perform this and any similar addition. You were not

taught how to add 45 and 17 specifically but were instead taught a general way of adding two numbers. Indeed,

pretty soon, you could add many numbers, with lots of digits, by applying the same algorithm.

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desenvolvimento do algoritmo não se desconsidera os tipos de dados e a representação de um

problema.

Logo, um algoritmo é um conjunto finito de regras que fornece uma sequência de

operações para resolver um problema específico. E mais, um algoritmo é uma sequência finita

de instruções bem definidas e não ambíguas, no qual, pode ser executada mecanicamente num

período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finito.

Sawaya (1999, p.21) define algoritmo como:

Processo de cálculo ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes em que

se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do

resultado ou da solução do problema com um número finito de passos.

Dando continuidade na conceitualização de algoritmos, temos que é:

Qualquer processo formal de cálculo, isto é, qualquer sistema de convenções e

símbolos operatórios que permitam calcular, segundo regras especiais, formando

uma cadeia de operações em que cada uma depende do resultado da anterior (LEÃO

e MATTOS, 1972, p.99).

Ferreira (2004, p.27) define a palavra algoritmo da seguinte maneira:

[Do lat. med. algorismos algorithmos, ‘algarismo’, por infl. do gr. Arithmós,

‘número’.] MAT. Processo de cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas

semelhantes, em que se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais

para a obtenção do resultado, ou da solução do problema. [...]. Exemplos Algoritmo

da divisão Álg. Mod. O que se destina à divisão de dois polinômios. Algoritmo de

Briot-Ruffini. Álg. O que se utiliza para determinar o resto da divisão de um

polinômio por um binômio do primeiro grau, ou para determinar as raízes inteiras de

uma equação algébrica; dispositivo prático de Briot. Algoritmo de Euclides. Mat. O

que é aplicável à determinação do máximo divisor comum de dois inteiros.

Hoje quando se fala em algoritmo o que vem a mente é um conjunto de procedimento

efetivo que se tem para chegar à solução de um problema, no entanto, no início do século XX

não se tinha bem definido o que significava o termo algoritmo.

Pode-se afirmar que em meados do século XX quatro matemáticos se propuseram em

trazer à luz o entendimento sobre algoritmo, Kurt Gödel (1906 – 1978), Alonzo Church (1903

– 1995), Emil Post (1897 – 1954), Alan Mathison Turing (1912 – 1954).

Apenas no século XX é que o conceito de algoritmo foi levado totalmente à

consciência. A tarefa foi iniciada há mais de sessenta anos por um quarteto de

brilhantes lógicos matemáticos: o sutil e enigmático Kurt Gödel; Alonzo Church,

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sólido e imponente como uma catedral; Emil Post, sepultado, como Morris Raphael

Cohen, no City College de Nova York; e, é óbvio, o excêntrico e totalmente original

A. M. Turing, cujo olhar perdido parece vagar ansioso pela segunda metade do

século XX (BERLINSKI, 2002, p. 17-18).

Para Blackburn (1997, p. 09), um algoritmo oferece um processo de decisão, ou um

método computável para resolver um problema, mas, apesar de um algoritmo solucionar um

problema, pode não o fazer eficientemente. Este autor, ainda enfatiza que na teoria da

computação é possível avaliar a eficiência e o comportamento dos algoritmos em várias

circunstâncias, como, por exemplo, nos casos típicos e nos casos desfavoráveis.

Considerando todas as proposições até aqui mencionadas, dizer que todos os autores

convergem para uma mesma direção em afirmar que algoritmos são regras aplicadas a um

problema, não podendo pular nenhum passo, pois, para se chegar ao passo seguinte é

necessário que seja efetuado o passo anterior do algoritmo em questão, podendo assim chegar

a um resultado do problema.

Não se pode negar a grande importância dos algoritmos para a humanidade. Suas reais

contribuições sejam em qualquer área do conhecimento, pois, no momento em que o homem

percebeu que seus procedimentos finitos de passos poderiam trazer maiores beníficios, esses

passos empregados de forma mecânica facilitaram os cálculos.

O que não se pode deixar na penumbra é que um algoritmo é uma entidade alienígena

neste mundo, discreto, finito, seguindo os passos como lhe foi ordenado, sempre trazendo a

marca de seu criador humano.

2.4 O algoritmo de Euclides

Para melhor elucidar a ideia de algoritmo, tomaremos como exemplo os Algoritmos de

Euclides. Muitas propriedades dos números e dos objetos geométricos que conhecemos

atualmente vieram das indagações filosóficas dos gregos, que foram felizmente preservadas

ao longo do tempo. Uma dessas obras é a coleção Os Elementos que esta dividida em treze

livros ou capítulos, “dos quais os seis primeiros são sobre geometria plana elementar, os três

seguintes sobre teoria dos números, o livro X sobre incomensuráveis e os três últimos versam

principalmente sobre geometria no espaço” (BOYER, 2003, p.72). Segundo Garbi (2009) a

proposição 2 do livro VII é uma das mais famosas dos Elementos porque apresenta o método

para se encontrar o Máximo Divisor Comum entre dois números, por meio de uma sequência

de operações que, merecidamente, consagrou-se sob o nome de Algoritmo de Euclides.

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Primeiro, vamos elucidar o conceito de divisão inteira, que é ensinado na Matemática

Fundamental. Dados dois números inteiros a e b, implicando que b é diferente de zero (0). É

possível, sempre encontrar dois números q (quociente) e r (resto) de modo que satisfaz:

0 ≤ r < b, ou seja, r maior ou igual a zero e, também r menor que b. Deste modo, pode-

se dizer que a é igual a b multiplicado por q mais r, isto é, a = bq + r. Exemplo:

a = 36 e b = 14

Na divisão de a por b, o quociente ( q ) é 2 e resto ( r ) é 8. Logo, de acordo com a

relação, temos: 36 = 14.2 + 8. Assim o quociente e o resto são únicos, ou seja, cada par de

números possui seu quociente e seu resto, não podendo existir outro par de números com

quociente e resto igual. Se o resto da divisão de a por b for igual a zero, podemos dizer que a

divisão é exata. Neste caso, dizemos que a é divisível por b. Exemplo:

36 é divisível por 4, pois possui resto zero

121 é divisível por 11, pois possui resto zero.

Mas, e quando trabalhamos com um par de números que não são divisíveis. Neste

caso, a divisão desses dois números não resultará em resto igual a zero. Dados dois inteiros m

e n, existe um inteiro d com as seguintes propriedades:

d divide m e d divide n;

não existe inteiro maior do que d e que divide m e n.

Assim, pode-se dizer que d é o maior inteiro que divide tanto m quanto n, sendo,

d chamado de Máximo Divisor Comum49

(MDC). O Máximo Divisor Comum de 36 e 14 é 2

porque qualquer outro número inteiro maior que 2 não divide ao mesmo tempo 36 e 14, ou

seja, a decomposição em fatores primos dos números 36 e 14 são respectivamente e 2 .

7, neste caso, quando se tem um único fator que se repete, o Máximo Divisor Comum é o que

possui menor expoente. Caso não houvesse uma “regra” para determinar o Máximo Divisor

Comum, a coisa seria mais complicada, por exemplo, o número 4 é divisor de 36 (quociente

igual a 9 e resto igual a 0), mas não é divisor de 14 (quociente igual a 3 e resto igual a 2). Já o

número 7 é divisor de 14 (quociente igual 2 e resto igual a 0), mas não é divisor de 36

(quociente igual a 5 e resto igual a 1).

49

O Máximo Divisor Comum (MDC) de dois ou mais números naturais é o produto dos fatores primos comuns

tomados com o menor expoente com que aparecem nas fatorações.

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61

Euclides buscou um método para encontrar o Máximo Divisor Comum, denominado

“Algoritmo de Euclides”, passos que podem ser aplicados sucessivamente a fim de encontrar

o máximo divisor entre dois números inteiros.

Vamos descrever este algoritmo, de modo que seja entendido como passos a ser

seguidos.

1º Passo – Determine como valores de x e y os valores de m e n, respectivamente.

2º Passo – Determine como valor de r o resto da divisão do valor de x pelo valor de y.

3º Passo – Determine como valor de x o valor de y, e como valor de y o valor de r.

4º Passo – Se o valor de r é nulo, então o valor de x é o máximo divisor comum, e o calculo

termina, caso contrário volte para o segundo passo, até que encontre r igual à zero.

Esses passos mostram que não é necessário que sejam conhecidos de antemão os pares

de números (m,n), ou seja, deve se estar atento que o algoritmo lida com valores

desconhecidos. Deseja-se que este método seja capaz de encontrar uma resposta para qualquer

par de números inteiros. Segundo Teixeira (1998, p. 22) os passos do algoritmo de Euclides

são estabelecidos de antemão. Apenas uma operação é especificada para cada passo, não há

interpretação dos resultados intermediários e não é possível pular passos.

Verifica-se que o algoritmo usa no segundo passo a operação de divisão inteira sem

descrever como ela é executada. Embora a divisão inteira também seja um algoritmo, assume-

se um recurso não considerado, ou seja, o algoritmo conta com um procedimento externo,

outro algoritmo, a fim de executar a divisão.

Neste caso, os valores são fornecidos pelo usuário do algoritmo, ou seja, é a entrada do

algoritmo, ou ainda, uma instância do problema de encontrar o máximo divisor comum. No

caso, esses valores são representados pelas letras m e n. Teixeira (1998) afirma que “seguir

cegamente um conjunto de regras constitui a essência de um algoritmo”. Desta maneira é

necessária somente a entrada dos dados e em seguida executar os passos.

Vamos agora representar esse algoritmo de Euclides, utilizando símbolos. Assume-se

por definição que m é maior que n. Também vamos introduzir a notação “res{y

x}” para

representar o resto após a divisão de um número x por um número y. O algoritmo de Euclides

consiste em calcular o número de inteiros {r 1 , r 2 , r 3 , ...} por meio da regra.

1r = res{n

m}, 2r = res{

1r

n}, 3r = res{

2

1

r

r}, ... .

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62

onde o processo continua até que se obtenha resto zero. O último divisor no qual o processo

algoritmo tem como resto zero, ou seja, r é chamado de máximo divisor comum dos números

m e n. Exemplo:

Tem-se m = 184 e n = 150. Seguindo os passos do algoritmo de Euclides, temos.

1r = res{150

184}=34, 2r = res{

34

150}=14, 3r = res{

14

34}=6, 4r = res {

6

14}=2, 5r =

res{2

6}=0.

Logo, como se pode observar pelo processo algoritmo aplicado acima, o máximo

divisor comum de 184 e de 150 é 2. Assim, pode-se dizer que o algoritmo de Euclides é uma

“receita” que quando bem “preparada” chega-se ao resultado esperado.

Agora vamos simular, utilizando lápis e papel, assumiremos o papel do computador ou

qualquer máquina executora de algoritmos. Neste caso, acompanha-se a execução do

algoritmo de Euclides para um determinado par de números inteiros. Como já se conhece o

resultado para o máximo divisor comum dos números 36 e 14, faz-se isso anotando os valores

das variáveis em uma tabela: cada coluna corresponde a uma variável, e as linhas indicam os

valores assumidos sucessivamente por essas variáveis.

x y r

36 14 8

14 8 6

8 6 2

6 2 0

2 0

Tabela 02 – Valores das variáveis x, y e r.

Verifica-se que quando a variável r assume valor nulo – de acordo com o 4º passo do

algoritmo de Euclides – a variável x assume o valor 2 e, portanto, este é o máximo divisor

comum entre 36 e 14.

Para mostrar mais uma vez como funciona o algoritmo de Euclides, simularemos

novamente, mas agora com uma instância de problema mais complexa, com os números 2772

e 420.

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63

x y r

2772 420 252

420 252 168

252 168 84

168 84 0

84 0

Tabela 03 – Valores das variáveis x, y e r.

Observa-se que ao final da execução, a variável x vale 84, que é o máximo divisor

comum entre 2772 e 420.

Nestas condições uma pergunta que surge naturalmente é se um procedimento,

partindo de dados postos inicialmente, executa uma sequência finita de cálculos, produzindo

resultados finais, ou se então essa sequência de dados nunca termina. De acordo com

Lucchesi (1979, p. 08) “o algoritmo de Euclides pode mostrar que a seqüência de cálculos é

finita provando a seguinte proposição: se no 2º passo do procedimento os valores de x e y são

inteiros e positivos, então os passos 2, 3 e 4 serão executados apenas um número de vezes,

com os cálculos terminando no passo 4”.

Ainda, segundo Lucchesi (1979) a demonstração é feita por indução sobre o valor de

y. Se y = 1, então teremos, pela execução do 2º passo, r = 0. Consequentemente, os passos 2,

3 e 4 são executados uma única vez, desta forma os cálculos terminam no 4º passo. Suponha

se agora que a proposição é verdadeira para qualquer x > 0 e qualquer y, com 1 ≤ y < k, e

demonstra-se que ela é verdadeira para y = k. Por definição do resto da divisão de inteiros

positivos, tem-se após a execução do 2º passo, 0 ≤ r < k. Se r = 0, então a execução termina,

como anteriormente, numa única vez. Se r > 0, então, a execução dos passos 3 e 4, tem

como x = k > 0 e y = r com 0 < r < k, e a execução volta ao 2º passo. Por hipótese de

indução, os passos 2, 3 e 4 serão executados um número finito p de vezes, com os cálculos

terminando no 4º passo. Ao todo tem se, p +1 execuções para y = k. Nota-se que os valores

iniciais x = m e y = n resultantes da execução do 1º passo satisfaz as condições da proposição

acima. Podemos concluir, portanto, que a execução do Algoritmo de Euclides termina para

quaisquer inteiros positivos m e n.

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64

2.4.1 O lado e a diagonal do quadrado: um problema para o algoritmo de Euclides

Os pitagóricos tinham a ideia de que tudo podia ser representado por números, ou seja,

tudo é número. Esta concepção de que tudo é número leva a aceitação de que dois segmentos

colocados em comparação de medida possuírem, relativamente uma unidade de medida, uma

tradução de números inteiros. Ou seja, haverá sempre um segmento divisor comum (u) que

permita exprimir ambos os segmentos como quantidades inteiras (m e n) de u.

Mas, foi também na época dos pitagóricos que se teve o conhecimento dos números

incomensuráveis, ou seja, segmentos que postos em comparação não possuem um segmento

divisor comum. A história mostra que o problema dos incomensuráveis abalou a filosofia

pitagórica. Segundo Hodgkin (2005) vários autores relatam que para manter o segredo que

abalou a filosofia pitagórica de que tudo é número, os pitagóricos puniam severamente os seus

membros, caso deixasse “vazar” tal segredo, Hippassus de Metapontum membro pitagórico

foi lançado ao mar logo depois de deixar que um dos seus trabalhos mostrando essa

incomensurabilidade fosse revelado.

No que tange à teoria pitagórica de que tudo é número (inteiros) ou relação entre

números (razão), a demonstração atribuída a um discípulo de Pitágoras, estabelecendo a

impossibilidade de haver uma razão entre a diagonal e o lado do quadrado abalou o edifício

da Aritmética criando obstáculos ao desenvolvimento cientifico durante vários séculos.

Trata-se em afirmar que não existe uma razão entre a diagonal com o lado do

quadrado, isto é, não é possível “medir” a diagonal e o lado de um quadrado com uma

unidade de medida comum, neste caso, uma unidade que “caiba” um número exato de vezes

na diagonal e no lado. Em outras palavras, “descobriram que a diagonal de um quadrado

unitário é incomensurável com o lado (ou seja, lado

diag ≠ razão de dois inteiros).”

(BAUMGART, 1992, p.8).

Esse problema quando aplicado o algoritmo de Euclides desencadeia uma sequência

infinita de passos, no qual se repetirá infinitamente. Para mostrar esse problema, aplica-se à

ideia de frações contínuas desencadeadas a partir dos algoritmos de Euclides.

O algoritmo de Euclides para encontrar o máximo divisor comum de dois inteiros

leva imediatamente a um importante método para representar o quociente de inteiros

como uma fração composta. [...]. Uma expressão da forma:

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65

n

1

1

1

2

1

0

onde os são inteiros positivos, é denominada de fração contínua. O algoritmo de

Euclides nos fornece um método para expressar qualquer número racional nesta

forma (COURANT; ROBBINS, 2000, p. 58-59).

A aplicação deste método a 2 50 levará a uma “coisa” infinita, por mais que se possa

afirmar de que o algoritmo de Euclides é constituído de passos finitos, se observará que não é

assim que acontecerá com 2 , sua aplicação acarretará ao infinito.

Para números irracionais, contudo, o algoritmo não pára após um número

finito de etapas. Em vez disso, ele conduz a uma seqüência de frações de

comprimento crescente, cada uma representando um número racional (Ibid,

p. 365).

Vamos começar a aplicação do método. O primeiro termo 0 da fração contínua é 1, e

o primeiro passo no desenvolvimento consiste em escrever:

.1

121

Logo,

1212

11

A parte integrante de 1 é 2, assim o próximo passo é:

2

1

12

Logo,

.1212

1

2

1

1

2

50

2 é a diagonal de um quadrado cujo lado mede 1.

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66

Veja que 2 repetiu o mesmo resultado que 1 , sendo assim não há necessidade de

continuar o cálculo, para as etapas subseqüentes, uma vez, que o resultado será o mesmo.

Todos os termos da fração contínua será 2, temos:

2

12

12

12

112

Observa-se que a aplicação deste método levará a uma sequência infinita de frações,

ou seja, fração contínua infinita.

Essa demonstração mostra o problema para o algoritmo de Euclides, que por mais que

se tenha seus passos descritos a sua aplicabilidade em determinadas situações se mostra

infinita, e por mais que se tenta chegar ao fim, não se chegará.

2.5 Século XVII: o lampejar de uma nova era

Segundo Darling (2004, p. 10) “o termo algoritmo pode ter sido usado pela primeira

vez por Gottfried Leibniz (1646-1716) no final de 1600”.

Com sua inteligência imponente, o filósofo e matemático do século XVII Gottfried

Leibniz penetrou longe no futuro, e viu máquinas universais de calcular e estranhas

linguagens simbólicas escritas em uma notação universal; mas Leibniz era um

escravo do tempo assim como seu servo, incapaz de aguçar suas visões mais

profundas que, como cidades vistas em sonhos, se elevam, mantêm a forma por um

instante e depois desaparecem irrecuperavelmente (BERLINSKI, 2002, p. 17).

Leibniz viveu fora de sua época, debruçado em trabalhos voltados à evolução da

matemática, muitas vezes não sendo compreendido pelos seus contemporâneos colaborando

para uma nova linguagem matemática.

Era agora claro para Leibniz que, a fim de descobrir o alfabeto do pensamento

humano e perceber a característica universal, seria necessário analisar todos os

conceitos e reduzi-los a elementos simples por meio de definições, em seguida, para

representar os conceitos simples por símbolos apropriados e inventar símbolos para

suas combinações, e, finalmente. . . para demonstrar todas as verdades conhecidas,

reduzindo-os a princípios simples e evidente51

(AILTON, 1985, p. 78 apud

HODGKIN, 2005, p. 174, tradução nossa).

51 It was now clear to Leibniz that in order to discover the alphabet of human thought and realise the universal

characteristic, it would be necessary to analyse all concepts and reduce them to simple elements by means of

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O cálculo como nos conhecemos tem suas raízes no trabalho de Leibniz, que com o

intuito de resolver uma maior quantidade de problemas matemáticos desenvolveu o cálculo,

que tinha quase nenhum impacto na época, pois, era tão obscuro, que provavelmente só

Leibniz acreditava que tinha revelado uma revolucionária descoberta para o mundo.

De acordo com Hodgkin (2005, 174, tradução nossa) “a preocupação de resolver um

grande número de problemas matemáticos levou Leibniz a inventar uma máquina de

calcular”. Leibniz buscava o algoritmo para fazer as demonstrações de seus métodos

revolucionários, não se preocupando em justificar tais métodos.

Comparado com este programa ambicioso, que, naturalmente, nunca foi realizado, o

cálculo parece uma conquista secundária. Pode-se pensar que o seu cálculo funciona

em oposição ao objetivo racional da característica; seu status como ‘marcas no papel

que desempenham uma função' é bastante separado de seu significado duvidoso.

Ainda assim, de alguma forma para Leibniz, que era a sua beleza, a comunidade

científica pode aceitar que ele trabalhou, eles concordaram em um projecto comum

para o aperfeiçoamento da humanidade. Na verdade, o centro

do trabalho e este é talvez a resposta

à pergunta sobre seu objetivo encontra-se no uso da palavra "algoritmo". O leitor

está sendo mostrado como seguir um conjunto de regras mecânicas [...] o que

tornará possível resolver com facilidade um grande número de problemas não

resolvidos anteriormente. A justificativa do procedimento, que estava presente em

notas não publicadas de Leibniz de seu tempo10 anos antes em Paris, é secundária a

sua exposição como método52

(HODGKIN, 2005, p. 174, tradução nossa, grifo

nosso).

Leibniz com certeza buscou métodos a fim de elucidar problemas daquela época

(século XVII) e “sempre teve uma percepção aguda da importância de boas notações como

ajuda ao pensamento, e sua escolha no caso do cálculo foi particularmente feliz” (BOYER,

2003, p. 277). No fundo do seu pensamento sabia que o modo como criava seus métodos iria

revolucionar o mundo.

definitions, then to represent the simple concepts by appropriate symbols and invent symbols for their

combinations, and finally . . . to demonstrate all known truths by reducing them to simple, evident principles. 52

Compared with this ambitious programme, which of course was never undertaken, the calculus seems a minor

achievement. It might be thought that his calculus works in opposition to the rational aim of the characteristic; its

status as ‘marks on paper which perform a function’ is quite divorced from its doubtful meaning. Still, in some

way for Leibniz, that was its beauty. If the scientific community could accept that it worked, they would have

agreed on a common project for the betterment of mankind. In fact, the heart of the paper—and this is perhaps

the answer to the question about his aim—lies in his use of the word ‘algorithm’. The reader is being told how to

follow a set of mechanical rules (indeed, Leibniz had also invented a calculating machine) which will make it

possible to solve with ease a vast number of previously unsolved problems. The justification of the procedure,

which was present in Leibniz’s unpublished notes from his time 10 years before in Paris, is secondary to its

exposition as method.

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68

[...] Leibniz tinha uma capacidade incomum de perceber as sombras por trás da

substância de seus pensamentos; seus cadernos de notas revelam um homem que

lidava com problemas que mal conseguia descrever, com a atividade de uma

aguçada inteligência que adeja entre o século XVII e o futuro distante. Eles revelam

suas obsessões, os assuntos aos quais voltava repetidamente conforme sua mente se

expandia e se desenvolvia. A idéia de algoritmo toma forma naqueles cadernos,

espanando a poeira dos séculos quando pela primeira vez se move para o átrio da

consciência humana (BERLINSKI, 2002, p. 27).

Como visto o uso de algoritmo por Leibniz mostrava que o processo mecânico muitas

vezes chegava a uma resposta satisfatória, pois, estes de certa forma geravam procedimentos

finitos. Segundo Berlinski (2002, p. 32) “Leibniz é o único entre seus grandes

contemporâneos – ao menos em seus delineamentos – a estruturar um sistema no qual o

movimento mental na inferência poderia ser explicado e ratificado por um procedimento

simples e mecânico”.

2.6 Máquina de Turing

Figura 04 – Foto de um modelo de máquina de Turing

Fonte: Disponível em: http://www.microsiervos.com/archivo/hackers/una-maquina-de-turing.html.

Acesso em: 18 fev. de 2012.

Segundo Darling (2004, p. 334), “a máquina de Turing é um modelo abstrato de

execução do computador e armazenamento introduzido em 1936 por Alan Turing para

realizar definições matematicamente precisas de algoritmo”. Para Berlinski (2003, p. 310)

uma máquina de Turing é um dispositivo para manipulação de símbolos. Esta máquina pode

ser pensada como uma caixa que realiza um cálculo de algum tipo, no qual se dá um número

de entrada, este é processado, ou seja, calculado e se o cálculo chega a uma conclusão, então

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69

um número de saída é retornado. Caso contrário, a máquina teoricamente carregará para

sempre.

Uma máquina de Turing possui dois componentes:

a) Uma fita, infinitamente longa, dividida em pequenos quadrados, cada um deles

contém um conjunto finito de símbolos;

b) Um scanner que pode ler, escrever e apagar símbolos dos quadrados da fita.

O scanner é um dispositivo mecânico qualquer que permite ler, imprimir e apagar

símbolos que se encontram nos quadrados de uma fita.

Consideremos um alfabeto de símbolos para a máquina de Turing. Suponha-se que

esse alfabeto contenha apenas dois símbolos zero e um. O zero ou um, são tomados como

números naturais, apenas como numerais representando estes números. Assim sendo, poder-

se-ia ter escolhido outros símbolos X e Y ou até I e II. Para Teixeira, (1998, p. 23), a

representação habitual da máquina de Turing é:

Figura 05 – Esquema de uma máquina de Turing.

O comportamento da máquina de Turing é governado por um algoritmo, o qual se

manifesta no que chamamos de programa. “O programa é composto de um número finito de

instruções” (TEIXEIRA, 1998, p.23), cada uma delas selecionada do seguinte conjunto de

possibilidades:

1. IMPRIMA 0 NO QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER

2. IMPRIMA 1 NO QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER

3. VÁ UM QUADRADO PARA A ESQUERDA

4. VÁ UM QUADRADO PARA A DIREITA

5. VÁ PARA O PASSO i SE O QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER

CONTÉM 0

6.VÁ PARA O PASSO j SE O QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER

CONTÉM 1

7. PARE.

a 1 a 2 ... aj ... a n B B

Controle

Finito

(Scanner)

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70

A partir destas sete instruções podemos construir o que chamamos Programa de Post-

Turing, os quais informam à máquina o tipo de computação que ela deve efetuar.

Operar a máquina de Turing não é difícil. Primeiro coloca-se na fita os dados de

entrada zeros e uns (dados de input). A máquina dispõe o scanner em algum ponto da fita que

será o quadrado inicial. A partir deste quadrado todas as ações da máquina são governadas

pelo programa.

Vamos ver como funciona a máquina de Turing por meio de um exemplo:

Suponhamos que a configuração inicial da fita consiste de uma cadeia de uns e zeros em cada

uma das pontas.

Figura 06 – Exemplo de uma máquina de Turing funcionando.

Na fita acima, o número 1 sobre o qual a flecha incide indica o quadrado onde o

scanner está posicionado, mostrando a posição inicial. Suponha-se que iremos trocar os 0s

que estão nas marginais por 1s e, em seguida, a máquina de Turing pare, ou seja, esta é a

tarefa a ser cumprida pela máquina. Assim efetuará o seguinte programa:

1 – VÁ UM QUADRADO PARA A DIREITA

2 – VÁ PARA O PASSO 1 SE O QUADRADO NO SCANNER CONTÉM 1

3 – IMPRIMA 1 NO QUADRADO ONDE ESTÁ O SCANNER

4 – VÁ PARA A ESQUERDA UM QUADRADO

5 – VÁ PARA O PASSO 4 SE O QUADRADO NO SCANNER CONTÉM 1

6 – IMPRIMA 1 NO QUADRADO ONDE ESTÁ O SCANNER

7 – PARE.

Seguindo os passos deste programa, percebe se que o scanner se move para a direita

até encontrar o primeiro zero (0), que é então, substituído por 1, pelo comando “IMPRIMA

1”. O scanner em seguida começa a se mover para a esquerda, até parar, isto é, encontrar o

primeiro zero (0).

0

1

1

1

1

0

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Desta forma, de acordo com Darling (2004), há um número infinito de máquinas de

Turing, devido a um número infinito de cálculos que pode ser feito com uma lista finita de

regras.

Uma máquina de Turing que pode simular qualquer outra máquina de Turing é

chamada de máquina de Turing universal ou um computador universal. O conceito das

máquinas de Turing ainda é amplamente utilizado na ciência da computação teórica,

especialmente na teoria da complexidade e na teoria da computação.

2.7 O Labirinto

Otte (1993) usa a metáfora “labirinto” para mostrar a diferença entre um procedimento

instrumental, um procedimento mecânico ou um procedimento algorítmico e uma visão

teórica, enfatizando a necessidade de conhecimento teórico para conhecer um objeto.

Começando com a aplicação de um algoritmo num primeiro momento, fazendo

encontrar a saída, porém, em seguida, quando torna esse problema (que é encontrar a saída)

mais difícil se verifica que o algoritmo utilizado na resolução do primeiro problema

(encontrar a saída) se torna incapaz de resolver o segundo mostrando a ineficiência e a

necessidade de algo mais na resolução desse novo problema, no caso o “labirinto”.

Imagine estarmos no meio da floresta. Se quisermos sair dessa floresta, o método

mais simples é escolher uma direção e segui-la firmemente. Para evitar qualquer

dúvida, precisamos de uma bússola. Se nos defrontarmos com uma árvore,

viraremos à direita e circundaremos essa árvore, sempre nos mantendo à direita dela,

até que possamos retomar nossa direção anteriormente escolhida. Mas imaginemos

que, em lugar dessa floresta, estejamos num complicado labirinto. Neste caso, esse

simples algoritmo nem sempre funcionaria, e talvez acabássemos andando em

círculos. Para evitar isso além da bússola, necessitaremos agora de um segundo

instrumento com o qual possamos contar nossas voltas completas (OTTE, 1993,

285-286).

Para sair da floresta não é necessário muita “coisa” é seguir para o norte orientado por

uma bússola, que com certeza encontrará a saída, mesmo se ocupar boa parte da vida. É que

em se tratando de floresta chegará um momento da vida, que se deparará com a saída, sem

fazer esforço mental. Mas e o labirinto, a bússola e a orientação para caminhar para o norte

resolveriam o problema? O sujeito sairia do labirinto? Seria improvável que o sujeito pudesse

sair desse labirinto, somente com essas informações. O mais natural é o sujeito começar a

andar em círculo eternamente, pois, faltava-lhe algo mais para tirá-lo desta “confusão”, ou

seja, para ajudá-lo a solucionar o problema. Otte (1993, p. 286) afirma que “para evitar isso,

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além da bússola, necessitaremos agora de um segundo instrumento com o qual possamos

contar nossas voltas completas”. Esse segundo instrumento é Chamado de “algoritmo da

certeza”

Com o auxilio do “algoritmo da certeza”, pode-se sair do labirinto

independentemente de sua construção. [...]. O algoritmo resolve o problema, mas

não dá qualquer insight para a descrição desse labirinto (OTTE, 1993, p.286).

Sair do labirinto não nos fornece nenhum conhecimento sobre ele, por mais que se

repita tal experiência infinitas vezes. “Não se fica mais sábio com a experiência, nem se

reconheceria o lugar se a situação fosse repetida uma segunda vez” (OTTE, 1993, p.286). O

algoritmo não fornece nenhum conhecimento sobre o labirinto, é necessário mais que

algoritmo. Por isso, precisamos de teoria, por mais que a teoria possa não ser prática, mas a

teoria leva ao conhecimento do objeto. Transcender a prática faz-se necessário para encontrar

uma teoria que analise o problema.

Diante da possibilidade de não encontrar a saída do labirinto, começamos a perguntar:

O labirinto tem mesmo saída? Então começamos a pensar sobre essa possibilidade de o

labirinto ter ou não saída, começando a refletir: Será que trabalhei de acordo com o

algoritmo? Mas talvez nossa inteligência seja limitada e assim não somos aptos a conhecer a

saída do labirinto. Mas essas reflexões só aparecem diante das dificuldades de sair do

labirinto, pois, quando sairmos do labirinto, ou seja, resolvemos o problema não é necessário

nenhum tipo de reflexão, porque nesse momento o problema foi resolvido.

É a partir dessas perguntas que se começa a mudar o pensamento que até então era

algorítmico. Quando começamos a refletir sobre o que está posto à nossa frente, as ideias

começam a florescer, a intenção agora não é só resolver o problema, mas entendê-lo. Ver o

problema como um objeto do pensamento: “Para o método, o objeto aparece primeiramente

na forma de um problema ou de uma resistência. A aplicação do algoritmo efetiva a

transformação do problema em idéia” (OTTE, 1993, p. 288). Quando a aplicação do

algoritmo é um sucesso, não se vai conhecer o problema, tornando a transformação do

problema em ideia em vão.

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3. TIPOS DE PENSAMENTO: PENSAMENTO INSTRUMENTAL E PENSAMENTO

TEÓRICO

3.1 Introdução

Quando nos referimos à Matemática, logo nos vem à mente a ideia de números,

figuras, fórmulas e símbolos.

Muitas vezes ao perguntar, o que são números, a resposta mais elementar é, que os

números servem para calcularmos. Ou seja, não há a necessidade no dia a dia de uma pessoa

querer saber sobre o conceito de número. A ideia de número serve somente para calcular,

desta forma, pode-se dizer que o pensamento é somente instrumental, algorítmico.

Podemos dizer que a capacidade é somente instrumental, pois, na medida em que

buscamos meios de resolver o problema, nos valemos dos algoritmos como ferramentas,

como afirma Berlinski (2002, p.16) “Algoritmos são artefatos humanos. Pertencem ao mundo

da memória e do significado, desejo e propósito”.

No entanto, quando um algoritmo não satisfaz ao propósito que é resolver o problema,

esse algoritmo é dado como inválido, isto é, se torna ineficaz, não cumprindo com o seu papel

que é chegar à solução. E assim, tornando o problema um labirinto, do qual não se consegue

sair, porque, nesse caso tem somente o conhecimento instrumental.

O pensamento teórico leva às definições mais gerais, servem para compreender o

problema, assim, podendo de antemão dizer se esse problema tem ou não solução. Otte (1993,

p.287) diz que “compreender algo por meios conceituais e em termos teóricos não implica,

geralmente, que sejamos capazes de resolver, efetivamente, um problema relacionado a eles.”

A Teoria deve mostrar, explicar como resolver um problema e não somente resolver o

problema, neste caso, pensamento teórico se diferencia do pensamento instrumental. Mas não

se pode negligenciar que “a solução de problemas tem se dois aspectos, o estabelecimento de

teorias, por um lado, e resolução de problemas e tarefas, por outro, ambos possuem uma

relativamente existência independente em matemática” (OTTE, 2003, p.203). Enquanto o

pensamento teórico se preocupa em entender o problema o pensamento instrumental está

preocupado em executa-lo a fim de se chegar à resposta.

Para Otte (1993, p.287) “o pensamento teórico pressupõe uma variabilidade na

distância entre o nível de conhecimento e a realidade objetiva sobre a qual o conhecimento

fala”. Deixando clara a necessidade de se pensar teoricamente a fim de “mensurar” essa

distância entre o nível de conhecimento e a realidade objetiva.

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Mostrar a diferença entre pensamento instrumental – processo algorítmico – e

pensamento teórico – teoria – é importante, pois, busca mostrar que a aplicação de um

processo algorítmico não faz com que se reflita ou pense sobre o problema. Processo

algorítmico só resolve o problema, diferente da teoria, esta sim procura analisar o problema

em vez de somente resolvê-lo. “Na matemática, em particular, a distância entre uma

abordagem conceitual e uma abordagem construtiva tem aumentado durante o curso de sua

história” (OTTE, 1993, p.287).

Até o fim do século XVIII a Matemática consistia na resolução de problemas.

Somente a partir do século XIX que matemáticos como Augustin-Louis Cauchy (1789-1857)

e Bernhard Bolzano (1781-1848), começam a analisar a resolução de problemas e em qual

circunstância essas resoluções acontecem.

3.2 Uma definição de conceito

Somos levados a pensar e distinguir “coisas” de modo a fazer interpretações do

mundo. Quando se fala em distinção, conceito é a palavra mais adequada. Podemos começar

pelo conceito aristotélico que busca classificar os objetos. Esta idéia de conceito prevaleceu

até o século XVII.

É importante lembrar que, com essa lógica, conceitos servem somente para ajudar

classificar objetos, até então, levando em conta o fato de que Aristóteles tinha uma

afinidade maior com os assuntos relacionados com a medicina e a biologia de um

modo geral (WIELEWSKI, 2008, p.28).

A lógica aristotélica atribuía conceitos somente a objetos concretos e as experiências

empíricas. Números, antigamente foram nomes de grandezas. Entretanto durante o século

XVII, houve o fortalecimento da Matemática e da Física, proporcionado por pensadores como

Leibniz, Galileu e outros. Com esse fortalecimento da Matemática e da Física, uma nova

leitura do mundo era feita, mostrando que os conceitos aristotélicos não eram suficientes.

No entanto, sabe-se que alguns biólogos e naturalistas classificavam e ordenavam

plantas no século XVIII, utilizando-se dos conceitos aristotélicos.

Porém até o século XVIII, alguns biólogos e naturalistas como Lineé, Lamarck e

Buffon aperfeiçoaram as formas de classificação das plantas, usando basicamente

esse conceito de Aristóteles, adotando para isso a ordenação e reagrupamento de

algumas de suas características, como por exemplo, mamíferos, aves, etc

(WIELEWSKI, 2008, p.28).

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Mesmo com aceitação dos conceitos aristotélicos, se via a necessidade de um novo

conceito, não que o conceito aristotélico estivesse errado, mas ele se torna limitado, não

dando oportunidade para novos voos, “e ainda ficou claro que com esse estilo de pensamento

não seria possível desenvolver satisfatoriamente a Matemática” (WIELEWSKI, 2008, p.28).

Com isso, de acordo Wielewski.

As várias tentativas modernas de tentar reformar a lógica procuraram inverter a

ordem tradicional dos problemas, ou seja: “colocando a teoria do julgamento antes

da teoria do conceito” Cassirer (1953; p. 4), mas ainda que esse ponto de vista tenha

revelado ser vantajoso, porém, não se manteve puramente, retornando

sistematicamente a tender para o sistema antigo. [...] A prioridade do conceito, que

procuraram colocar de lado, era reconhecida mais implicitamente (Ibid, p.29).

Por mais que se sabe da necessidade de encontrar um novo modelo, sua representação

não é clara, se entrelaçando com a lógica conceitual de Aristóteles. Como podemos observar

“Deseja-se de fato um conceito científico e espera-se que ele substitua a indeterminação

originária e o caráter polivalente do conteúdo representativo por uma representação rigorosa e

inequívoca” (CASSIRER apud WIELEWSKI (2008, p.32). Porém o que acontece é o

contrário: as delimitações rigorosas parecem reduzir à medida que o processo lógico se

desenrola.

O que se pode observar é que por mais que se busque reformular a ideia de conceito,

desligar da lógica aristotélica não torna tão simples e “assim o mérito particular dessa

interpretação é que nunca destrói ou expõe a unidade da ordinária visão do mundo”

(WIELEWSKI, 2008, p. 30). Com isso Wielewski (2008) se fundamenta em Kant (1724-

1804) para encontrar uma saída para esta dificuldade de se encontrar um novo método de

conhecimento.

Em sua doutrina sobre o conhecimento, Kant (1953, p. B 74) se baseia na distinção

fundamental entre duas faculdades ou fontes do espírito, das quais a primeira

consiste em receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda

é a capacidade de conhecer um objeto mediante essas representações

(espontaneidade dos conceitos); Ele indica que pela primeira é nos dado um objeto;

pela segunda é pensado em relação com aquela apresentação. Intuição e conceito

constituem, pois os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que não é

possível conceito sem intuição que de qualquer modo lhes corresponda, nem uma

intuição sem conceito pode resultar em conhecimento (Ibid, p.35).

Deste modo, se é levado a dizer que não há pensamento sem objeto e que mesmo

sendo mental estará ligado a um conceito, ou seja, uma idéia de como é este objeto. No

entanto, “comenta Otte (1998), significa que um conceito teórico não pode apenas ser

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definido em termos de referência; nomeada pela extensão, isto é, contando todos os objetos

que lhe pertençam” (Ibid, p. 41). Para Otte (1998), conceito é mais que o contar “um conceito

não é só aquele a qual ele se refere. Mas o conceito exprime uma visão construtiva e ativa do

conhecimento e uma intencionalidade que exige que o conceito seja definido” (Ibid, p. 42).

Aumentando o vocabulário filosófico e científico, consequentemente aumenta-se a

visão de mundo. O conceito é uma idéia ou noção que formamos em nossa mente acerca de

qualquer coisa. Ele é formado pela reunião de características da própria coisa, seja um objeto

real ou abstrato.

3.3 Pensamento algorítmico

De acordo com Otte (1993, p.285) “diametralmente oposto ao pensamento conceitual

e a evidência intuitiva, veremos, está o pensamento algorítmico.” Para Otte (1993) os

algoritmos nada mais são que ferramentas utilizadas para resolver um determinado problema,

porém, de forma alguma podemos pressupor que sua aplicabilidade resolverá o problema:

O pensamento algorítmico não se objetiva na evidencia, mas no sucesso, e ele não

pode saber de antemão se será bem-sucedido ou falhará. Poder-se-ia argumentar que

o registro é possível somente a posteriori. Consequentemente, o pensamento

algorítmico é o conhecer sem a percepção (OTTE, 1993, p.285).

Um problema, onde, é necessário aplicar a operação de divisão para determinar o

quociente de 125 por 4, tem como solução um resultado definido, que é 31,25, porém, se o

objetivo fosse determinar o quociente de 127 por 3, neste caso, o quociente é 42,333..., então,

como podemos perceber a aplicação do algoritmo da divisão não é suficiente para resolver o

problema, por mais que se de continuidade na divisão, o resultado nunca será exato.

O que de fato se tem é que “um algoritmo resolve problemas, mas não descreve

realidade alguma” (Ibid, p.229), sendo assim, quando é proposto resolver um determinado

problema, por exemplo, a primeira reação é comparar esse problema com problemas já

conhecidos e que já tenham sido resolvidos anteriormente podendo assim verificar os métodos

de resolução, ou seja, classificam esse problema em “novo” ou “velho”. Para começar a

resolvê-lo e claro aplicar os métodos já utilizados nas resoluções anteriores, caso a

classificação do problema seja “velho”. Na possibilidade do problema ser classificado como

“novo”, fica-se incapacitado de resolvê-lo. “Os algoritmos são relacionados apenas

funcionalmente à realidade objetiva; eles não explicam nada” (Ibid, p. 285). O processo

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utilizado pelo algoritmo é totalmente mecanizado. Sua ação é totalmente dependente, no qual

o objetivo principal é resolver o problema proposto.

Em geral, quando consideramos a questão da substancia ou “assunto” do nosso

pensamento, somos confrontados com essa dualidade do objeto: ele é ao mesmo

tempo conteúdo do pensamento e realidade externa (OTTE, 1993, p.285).

“Parece problemático, então, perguntar: o que realmente aprendemos com a solução de

um problema?” (Ibid, p. 287). Então, resolver o problema não dá certeza alguma de dizer que

ele foi assimilado. Talvez houvesse somente a aplicação do algoritmo, que por sua vez, já

tinha sido aplicado inúmeras vezes em situações anteriores.

A Matemática caminha para o campo das idéias, transcendendo a prática, buscando a

abstração e a generalização.

Finalmente, a generalização matemática consiste na construção de uma

representação adequada, que tem a “capacidade de revelar a verdade inesperada” e,

portanto, contem elementos de observação ou percepção. Através do processo de

generalização uma idéia intuitiva e bastante vaga é transformada em um conceito

matemático adequado e, portanto, se torna um objeto da atividade matemática

(Idem, 2003, p.183).

Com isso, quando se está diante de um problema, buscamos a aplicação do algoritmo e

assim, obtemos êxito, mas não menos que êxito, pois, sua aplicação não trará nenhum

conhecimento complementar daquele que tinha antes de encontrar ou se deparar com o

problema.

Desta forma, podemos dizer que algoritmos são sistemas fechados de procedimentos

que levam à uma resposta e nessa perspectiva a aprendizagem com algoritmos se dá de forma

fechada. O pensamento tipo algorítmico não faz descrição dos objetos, não pergunta qual é o

sentido deste objeto. Um pensamento algorítmico não pensa no significado de um número, ele

pensa somente em calculações.

Procedimento algorítmico não faz mais que cálculos, no qual um passo é tomado,

mediante à concretização do passo anterior. Neste caso, a implicação do procedimento

algorítmico na aprendizagem matemática torna-se de certa maneira um caminhar em lugares

nunca conhecidos, por mais que o algoritmo seja repetido. Otte (1993, p. 293) comenta que

“cada nova aplicação do algoritmo é um salto no escuro”.

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3.4 Teste de Turing

De acordo com Teixeira (1998, p.25), o teste da máquina de Turing foi colocado pelo

seu inventor Alan Mathison Turing (1912-1954), e tem como objetivo provar a inteligência

superficial.

A demonstração de Turing – e o teorema que ele provou – foi de extrema

importância para aqueles pesquisadores interessados em maquinas computadoras.

[...]. De fato, em 1950 (pouco antes de sua morte prematura por suicídio, com pouco

mais de quarenta anos) sugeriu que se poderia programar uma máquina de forma tal

que seria impossível discriminar as suas respostas a um interlocutor daquelas criadas

por um ser humano vivo – uma noção imortalizada como o “teste de Turing”

(GARDNER, 2003, p.32).

A origem do teste é um jogo em que os participantes tentam adivinhar o sexo de uma

pessoa que está em outra sala (na verdade são três ambientes e em um dos ambientes se

encontra uma pessoa que tenta adivinhar os sexos dos supostos indivíduos que se encontram

nos outros dois ambientes), escrevendo uma série de questões relativas às notas e lendo as

respostas enviadas de volta. Na proposta original de Turing, os participantes tinham a

pretensão de ser o outro sexo. O teste foi limitado a uma conversa de cinco minutos.

Mas de acordo com Darling (2004, p. 334), tem-se argumentado que o teste de Turing

não pode servir como uma definição válida de inteligência artificial por pelo menos duas

razões: Primeiro, uma máquina para passar no teste de Turing deve ser capaz de simular o

comportamento de conversação humana, mas isso poderia ser muito mais fraco do que a

verdadeira inteligência. A máquina pode apenas seguir algumas regras habilmente planejadas.

Segundo, uma máquina poderia muito bem ser inteligente sem ser capaz de conversar como

um ser humano.

O que se pode dizer é que esta invenção mudou o comportamento dos seres humanos,

dando um salto incalculável na evolução humana em todos os sentidos. E o primeiro passo

para tal invenção, segundo Teixeira (1998), foi em 1935 quando Turing assistiu a uma série

de palestras proferidas pelo lógico matemático Max Newman que falava do problema de

Hilbert (ou Problema da Decisão) que buscava substituir a ideia intuitiva de procedimento

efetivo por uma ideia formal, matemática. O resultado foi a construção de uma ideia

matemática da noção de algoritmo, modelada a partir da maneira pela qual seres humanos

procedem quando efetuam uma computação.

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3.5 Teorema de Pitágoras

Vamos buscar um exemplo, que talvez seja bastante conhecido por grande parte das

pessoas que passaram pelos bancos da escola e que reflete o pensamento instrumental e

pensamento teórico. Muitos alunos já perguntaram: Professor, por que tenho que resolver essa

equação? O que é Teorema de Pitágoras? Outros falam: Não sei o porquê de encontrar, mas o

professor “mandou” encontrar o x. O mais grave é que essas pessoas podem levar tais dúvidas

para a vida toda, podendo mais à frente indagar por que era obrigado a fazer aquelas “contas”.

Durante um tempo se pode ficar resolvendo tais operações, mas chega um momento,

por mais que ele ocorra no inconsciente, que uma pergunta pode surgir. Por que o professor

ensina o Teorema de Pitágoras? Nunca entendi aquilo, mas sabia resolver algumas

“continhas”, só não conseguia resolver quando o professor mudava os sinais.

Pode-se então, chegar à conclusão de que o que era feito durante todo esse tempo nada

mais era do que a aplicação de processos. Por isso que muitas vezes não se consegue entender

o que está sendo feito. De fato, por mais que se possa dizer que um professor de matemática

não está interessado em explicar o que é um Teorema de Pitágoras, a preocupação muitas

vezes é em mostrar a sua aplicabilidade.

Fazendo assim, um processo mecânico da “coisa”. Se atentarmos em alguns livros

didáticos iremos nos deparar com explicações que mostram muito bem a aplicação de um

Teorema de Pitágoras, porém, algumas explicações ficam implícitas, pois, supõem que o

aluno já tenha conhecimento. Por exemplo, o Teorema de Pitágoras só pode ser aplicado em

um triângulo retângulo, mas então, será que todos têm conhecimento do que é um triângulo

retângulo. Outro fato não menos importante é o de não conseguir êxito na aplicação do

Teorema de Pitágoras, para encontrar a medida de um dos catetos, pois, nesse momento é

buscado um entendimento sobre mudança de lado na igualdade, isto é, o que se encontra

positivo de um lado passa negativo do outro lado da igualdade.

De acordo com Giovanni Junior (2009, p.247) “Em todo triângulo retângulo, o

quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos,”

que pode ser representado da seguinte forma:

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Figura 07 – Construção dos quadrados considerando os lados de um triângulo retângulo.

em que a é a medida da hipotenusa e b e c são as medidas dos catetos.

As características do triângulo retângulo como: hipotenusa, catetos e ângulo reto

(ângulo de 90°) tem que estar claro para o aluno, isto é, vão além de uma relação. Sua

aprendizagem depende de como absorveu essas características do triângulo retângulo e para

que isso tenha acontecido é necessário um pensamento teórico, no qual ele possa buscar por

meio desta teoria a aplicação do teorema de Pitágoras.

Afinal, quando é proposto determinar a medida da hipotenusa, ou seja, a letra a, o

aluno tem de saber o que é hipotenusa (lado de um triângulo retângulo, oposto ao ângulo

reto), pois é só substituir nas letras b e c, os valores dados e seguir os procedimentos

mecânicos. O mesmo é igual quando é proposto encontrar uma das medidas dos catetos, o

aluno tem de saber o que é cateto, no entanto, neste caso a “coisa” muda, pois é necessário

fazer a mudança de sinal. Neste caso pode-se dizer que o Teorema de Pitágoras pensado de

modo instrumental não traz insight algum. Para que haja um conhecimento particular do

Teorema de Pitágoras é necessário um pensar teórico.

A aprendizagem de algo “radicalmente novo” não pode partir somente com aquilo

que o estudante já sabe, mas não pode ignorar também aquele conhecimento e

experiência. Pensamento teórico não pode ser reduzido à experiência empírica

cotidiana, mas também não deve negligenciar esta experiência (OTTE, 2009, p.63).

De fato, resolver o problema exige uma complementaridade entre a prática e a teoria.

A manipulação dos termos do Teorema de Pitágoras exige que o pensamento perpasse a

prática chegando à teoria, é nesse momento de transição que se pode revelar o que fora

aprendido. Não podemos negligenciar a parte instrumental da aprendizagem do teorema de

Pitágoras. Mas imaginem que seja pedido para encontrar a medida da hipotenusa de um

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triângulo retângulo, no qual os catetos têm como medidas 2 unidades, tal problema pode ser

representado da seguinte forma:

222 cba

222 22 a

442 a

82 a

8a

Neste caso, houve a aplicação instrumental. Porém, o resultado como se pode dizer

“estranho”. Será que o indivíduo conseguiu assimilar o resultado? Será que consegue

“enxergar” que 8 é um número? “ 8 = 2,828..., que não é um número inteiro, ou mesmo

‘racional’ (uma fração q

p, onde p e q são números inteiros) você pode aproximá-la de tão

perto quanto gostaria por frações, mas o resultado nunca será exato53

” (HODGKIN, 2005,

p.35, tradução nossa). Tal aprofundamento na representação exige um pensamento teórico.

Claro que podemos perguntar: Não queremos somente encontrar uma das medidas do

triângulo retângulo utilizando a ferramenta denominada Teorema de Pitágoras? Sim, mas

como podemos observar a representação dessa medida exige um conhecimento mais amplo

sobre números. No exemplo dado acima o aluno é levado à ideia de número diferente da que

já tem em mente. Trazendo consigo algumas indagações, pois quando se fala em medida se

imagina algo representado por um segmento que pode ser medido levando em consideração a

correspondência entre os pontos de uma reta e a representação de símbolos numéricos.

Para uma pessoa ingênua, deve certamente parecer muito estranho e paradoxal que

um conjunto denso de pontos racionais não cubra toda a reta. Nada em nossa

“intuição” pode nos ajudar a “enxergar” os pontos irracionais como distintos dos

racionais (COURANT; ROBBINS, 2005, p.72).

Então, dizer que o aluno assimilou o resultado é considerar que ele tenha o mínimo de

conhecimento teórico, pois é necessário entender que tal resposta 8 não pode ser

representada por uma correspondência entre o símbolo 8 e um ponto na reta. Assimilar tal

53

= 2.828 . . ., which is not a whole number, or even a ‘rational’ number (a fraction

, where p, q are whole

numbers). You can approximate it as closely as you like by fractions, but the result will never be exact.

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representação numérica requer o uso do pensamento teórico e não só de pensamento

instrumental, pois, como se sabe 8 é um número irracional. “Não constitui surpresa o fato

de que a descoberta do incomensurável instigou os filósofos e matemáticos gregos, e que

tenha retido até hoje seu efeito provocativo nas mentes especulativas” (COURANT;

ROBBINS, 2005, p.72).

Em sendo assim, rompe-se a barreira do discreto, passando para o contínuo e, neste

momento, é necessário um pensar puramente abstrato, pois, dizer ao aluno que por mais que

ele busque nunca irá chegar a um resultado exato, exige deste aluno um pensamento teórico.

3.6 A duplicação do cubo

Outro exemplo que podemos utilizar é sobre a duplicação do cubo, que segundo Kahn

(2007, p.63) “foi um dos problemas mais famosos da matemática grega.” Para a solução deste

problema a pessoa poderia utilizar na sua construção somente a régua não graduada e o

compasso, ou seja, deveria seguir as regras das construções geométricas da Antiguidade, na

qual, todos os problemas deveriam ser resolvidos por meio desses dois instrumentos, sendo a

régua não graduada utilizada para desenhar retas que passam por dois pontos dados e o

compasso utilizado apenas para desenhar um círculo de centro dado e passando por um dado

ponto pré determinado.

O problema da duplicação do cubo muitas vezes é associado à epidemia que assolou

os atenienses. A primeira vez que se ouviu falar em duplicação do cubo foi por ocasião de

uma grande epidemia. A peste tinha se espalhado por Atenas. Nada podia detê-la. Diz a lenda

que a tarefa dada pelo oráculo aos atenienses a fim de cessar a peste foi a “de duplicar o altar

consagrado a Apolo na ilha de Delos” (GUEDJ, 1999, p.187). Nada parecia mais simples para

os atenienses que logo construíram o novo altar, considerando que para duplicar o altar era só

dobrar o tamanho da aresta do altar em questão.

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Figura 08 – Duplicação de um cubo considerando o dobro de aresta.

Mas, como se observa na figura acima a duplicação das arestas de um cubo dado leva

à construção de um cubo, cujo volume é oito vezes maior do que o anterior, desta forma a

tarefa dada aos atenienses não tinha sido cumprida.

Depois de verificar o erro um novo altar fora construído, como se pode observar na

figura seguinte.

Figura 09 – Uma nova construção do altar.

Segundo Guedj (1999, p.189) “os atenienses tinham o conhecimento da duplicação do

quadrado”.

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Figura 10 – Duplicação do quadrado

Neste caso, sabendo da possibilidade de duplicar54

o quadrado, os atenienses não

observaram nenhuma dificuldade em construir um cubo cujo volume era o dobro de um cubo

dado.

Muitos geômetras se debruçaram a fim de resolver o problema, e depois de muitos

esforços em resolver o problema que aparentemente era simples, não se obteve êxito, e assim,

a peste não cessava. Desta forma, depois de buscar todos os meios empíricos e irracionais

para resolver o problema e não conseguindo, os atenienses foram buscar a sabedoria do

filosofo Platão (429-348 a.C.).

A peste continuou! Então, os atenienses resolveram procurar a solução na filosofia:

foram visitar Platão na Academia. Ele lhe disse o seguinte: “Se pela boca do oráculo

Apolo exigiu essa construção, vocês podem imaginar que não foi porque ele

precisava de um altar duplo. Foi para repreender os gregos por desprezar a

matemática e censurar seu desdém pela geometria. Na ânsia que tinham de resolver

a qualquer preço esses problemas”, disse-lhes, “vocês não hesitaram em recorrer a

meios irracionais e em apelar para macetes empíricos. Agindo desse modo, será que

vocês não perdiam irremediavelmente o melhor da geometria?” (GUEDJ, 1999, p.

192).

De acordo com Cajori (2007, p.58) Platão é considerado a pessoa que encontrou a

solução da duplicação do cubo.

Consta que Platão resolveu o problema da duplicação do cubo. Mas a solução está

aberta às mesmas objeções que ele apresentou às soluções de Árquitas, Eudoxo e

Menaecmo. Chamou as soluções de mecânicas e não geométricas, pois elas pedem o

uso de outros instrumentos além da régua e do compasso.

54

O termo duplicar aqui utilizado é no sentido de área.

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Como se pode observar Platão encontra a solução da duplicação do cubo, não pelo uso

da lei, mas por questões filosóficas. “Bem, alguns matemáticos até que ofereceram soluções,

Hípias de Élis, Arquita de Tarento, aquele eu salvou Platão na Itália, Menaecmus, Eudoxo”

(GUEDJ, 1999, p. 189). O que diferencia Platão desses matemáticos, é o reconhecimento de

não se poder duplicar o cubo com o uso somente da régua não graduada e do compasso.

Os gregos estavam tão certos de suas construções utilizando somente régua não

graduada e compasso, que não pararam para observar sobre a impossibilidade de construir um

cubo que tivesse o dobro de volume de um cubo dado. Neste caso, podemos dizer que o

pensamento instrumental prevalecia, pois na certeza da construção não pararam para observar

que tal construção não era possível.

Mas devido a esse problema, a Matemática sofreu grandes mudanças, uma das mais

extraordinárias soluções55

deve se a Arquitas de Tarento (428-347 a.C.), sendo a mais

elaborada matematicamente e a mais antiga solução para a duplicação do cubo de acordo com

Kahn (2007, p.63). Menaecmus (viveu por volta de 360 a.C.), matemático do século IV a. C.

buscou solucionar o problema. “Menaecmus, enquanto tentava resolver o problema da

duplicação do cubo acabou descobrindo as cônicas (elipse, hipérbole e parábola)” (GARBI,

2009, p. 54). Segundo Garbi (idem, p.45) “por volta de 180 a.C., os geômetras Nicodemos e

Diócles, inventaram, respectivamente, duas curvas, a Concoide e a Cissoide, com as quais se

pode realizar, nesta ordem, a trissecção e a duplicação do cubo.” Entretanto, tais curvas não

são construtíveis com régua e compasso e não resolvem os problemas.”

Vamos descrever na linguagem da Matemática moderna o problema da duplicação do

cubo. Se o cubo dado tiver uma aresta de comprimento unitário, seu volume será a unidade

cúbica. O problema exige que se encontre a aresta x de um cubo com o dobro deste volume.

A aresta x exigida, portanto, satisfará a equação cúbica.

023 x

A prova de que este número x não pode ser construído somente com régua e

compasso é indireta. Suponha-se provisoriamente que uma construção seja possível. De

acordo com isto significa que x está contido em algum corpo kF obtido, a partir do corpo

55

Naturalmente, quando digitamos “soluções” consideramos soluções que não estão em conformidade com os

requisitos das construções utilizando régua não graduada e compasso.

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racional por extensões sucessivas por meio da adjunção de raízes quadradas. Conforme se

pode demonstrar, esta hipótese conduz a uma consequência absurda.

Já se sabe que x não pode estar incluído no corpo racional 0F , porque 3 2 é um

número irracional. 56

Portanto, x somente pode estar incluído em algum corpo extensão kF ,

onde k é um inteiro positivo. Podemos supor que k é o último inteiro positivo tal que x

esteja contido em algum kF . Segue-se que x pode ser escrito na forma.

onde p , q e w pertencem a algum 1kF , mas w não. Ora, mediante um simples, porém

importante tipo de raciocínio algébrico, vai demonstrar que se wqpx é uma solução da

equação da equação cúbica 023 x , então wqp é também uma solução. Uma vez que

x está no corpo kF , 3x e 23 x também estão em kF , e temos,

wbax 23

onde a e b estão em 1kF . Por meio de um cálculo pode se mostrar que 23 23 wpqpa ,

wqqpb 323 . Se fizermos

wqpy ,

então uma substituição de q por q nestas expressões para a e b mostra que

wbay 23 .

Ora, x deveria ser uma raiz de 023 x , portanto

0 wba

56

Courant e Robbins, (2000, p. 71).

wqpx

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Isto implica (e aqui está a chave do raciocínio) que a e b devem ambos ser nulos. Se b não

fosse zero, inferiríamos a partir de wba que b

aw . Mas assim w seria um número

do corpo 1kF no qual a e b estão incluídos, contrariando a nossa hipótese. Portanto, 0b ,

e segue-se imediatamente a partir de 0 wba que também 0a .

Agora que já demonstramos que 0 ba , inferimos imediatamente a partir de

wbay 23 que wqpy é também uma solução da equação cúbica 023 x ,

uma vez que 23 y é igual à zero. Além disso, xy , isto é, 0 yx ; pois wqyx 2

somente pode desaparecer se 0q , e se assim o fosse, então px estaria incluído em 1kF ,

contrariando a nossa hipótese.

Demonstramos, portanto que, se wqpx é uma raiz da equação cúbica

023 x , então wqpy é uma raiz diferente desta equação. Isto conduz

imediatamente a uma contradição, pois existe apenas um número real x que é uma raiz

cúbica de 2, as outras raízes cúbicas de 2 são imaginárias; 57

wqpy é obviamente real,

uma vez que p , q e w eram reais.

Dessa forma, nossa hipótese básica levou a um absurdo, e assim fica demonstrado que

ela está errada; uma solução de 023 x não pode estar contida em um corpo kF , de modo

que duplicar o cubo com régua e compasso é impossível.

Para que haja esta elucidação é necessário transcender o universo da prática, ou seja, é

necessário sair do pensamento instrumental e ir para o campo teórico, desta forma ampliando

o conhecimento. “Nesse momento, nosso método perpassa a teoria, mas uma teoria que, a

despeito disso, tem uma construção como base e não é baseada na observação ‘direta’ dos

fatos” (OTTE, 1993, p. 289).

Chegar à conclusão de que não poderia duplicar um cubo utilizando somente régua e

compasso, foi uma tarefa difícil para a comunidade matemática daquela época.

3.7 A busca de solução para uma equação do quinto grau

Sabe se que toda equação do segundo grau 02 cbxax pode ser resolvida dentro

dos radicais. A fórmula geral de resolução das equações de segundo grau pode ser dada da

57

Courant e Robbins, (2000, p. 116.)

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seguinte forma xa

acbb

2

42 . As equações do terceiro grau também possuem

solução. A fórmula de Cardano-Tartaglia que pode ser dada da seguinte forma:

3 23

2)

2()

3(

qqqx - 3 23

2)

2()

3(

qqq

solucionava uma equação cúbica, por mais que para a aplicação desta fórmula era necessário

transformar uma equação do tipo 023 dcxbxax em qpsx 3.

As equações de grau 4 também obtiveram a sua resolução nesse período, isto é, no

século XVI equações de grau 2, 3 e 4 tinham sido solucionadas. Com uma diferença,

enquanto a equação de segundo grau estava ligada com a prática, ou seja, sua solução poderia

ser útil na prática, as soluções das equações cúbicas e quárticas não tinham essa ligação

prática. “A resolução de equações cúbicas e quárticas não foi em nenhum sentido motivada

por considerações práticas, nem tinham valor para os engenheiros ou praticantes de

matemática” (BOYER, 2003, p.197).

Ainda de acordo com Boyer (2003, p.197) “Era natural que o estudo fosse gene-

ralizado de modo a incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que em particular se

procurasse resolver a quíntica”. Neste caso, os matemáticos buscando essa generalização,

enfrentaram um problema algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos

clássicos da Antiguidade. Um sonho natural, hoje claramente ultrapassado no plano científico,

o de que, para cada tipo de equação algébrica haverá uma fórmula para a sua resolução. Ou

seja, para a equação algébrica de grau n , n N :

0... 1

1

10

nn

nn axaxaxa

Onde ia R , ),...,0( ni , 00 a , haveria uma fórmula para resolução. Infelizmente – ou

não... – a verdade é que não é assim. Não é possível obter fórmulas de resoluções para

equações algébricas completas de grau superior a quatro. Os matemáticos Niels Henrik Abel

(1802-1829) e Évariste Galois (1812-1832) demonstraram esta proposição, simples,

verdadeira e dolorosa da impossibilidade de solução. 58

58

Carl Boyer, (2003, p.361 – 367).

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Mas então a resolução de uma equação do quinto grau é um tipo de labirinto sem

saída. O que se pode dizer é que não se pode chegar à uma solução prática, cabendo esta

resposta somente no campo das análises.

Problemas deste tipo sem solução originaram um dos mais notáveis e recentes

desenvolvimentos na Matemática; após séculos de buscas inúteis de uma solução,

cresceu a suspeita de que estes problemas poderiam ser definitivamente insolúveis.

Dessa forma, os matemáticos foram desafiados a investigar a seguinte questão:

Como é possível provar que certos problemas não podem ser resolvidos?

(COURANT; ROBBINS, 2000, p.142).

Problemas como esses descritos acima e mais a trissecção do ângulo, a quadratura do

circulo só foram elucidados no século XIX, com a análise da matemática. Mas, não se pode

negligenciar que esses problemas moveram matemáticos por vários séculos, trazendo assim

grandes contribuições para a matemática.

Para Otte (1993, p. 287) “a matemática teórica tenta relacionar-se às ‘coisas mesmas’,

pois uma idéia teórica pode servir na solução de muitos e diferentes tipos de problemas e, por

essa razão, estará ligada a muitos tipos diferentes de representações”.

Os parâmetros curriculares de matemática mostram essa preocupação em propiciar um

conhecimento matemático não só voltado para o campo mecânico, mas também que seja uma

maneira de desenvolver o seu conhecimento.

[...] a abordagem de conceitos, idéias e métodos sob a perspectiva de resolução de

problemas ainda são bastante desconhecida; outras vezes a resolução de problemas

tem sido incorporada como item isolado, desenvolvido paralelamente como

aplicação da aprendizagem, a partir de listagens de problemas cuja resolução

depende basicamente da escolha de técnicas ou formas de resolução conhecidas

pelos alunos. [...] e que devem ser selecionado levando em conta sua potencialidade,

quer para a instrumentação para a vida, quer para o desenvolvimento de formas de

pensar (BRASIL, 1997, p.22).

Compreender que a Matemática vai além da resolução de problemas e que a sua

aplicação ocorre não só no campo prático, mas também no campo das ideias, são

preocupações que moveram muitos matemáticos dos séculos XVII, XVIII e XIX. Em

destaque o século XIX, como afirma Bertrand Russell (1872-1970) filósofo e matemático “a

maior descoberta do século dezenove foi a natureza da matemática pura” (BOYER, 2003, p.

402).

No século XIX, a Matemática começa a trabalhar no campo das ideias, por mais que

não se tenha um incentivo, como se tem nas matemáticas aplicadas.

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Durante a primeira metade do século dezenove o centro da atividade matemática

tornou-se difuso. [...] A maior parte das nações sustentava atividades matemáticas

dirigidas à mensuração de terras, à navegação, ou outras áreas de aplicação. Apoio à

pesquisa em matemática pura – em tempo ou dinheiro – era exceção não regra

(BOYER, 2003, p.343).

Foi nesse século que começariam a analisar a possibilidade de resolver problemas e as

condições de uma resolução, saindo do processo mecânico que prevaleceu até o século XVIII

que consistia somente na resolução de problemas.

Matemáticos como Carl Friedrich Gauss (1777-1855), Augustin-Louis Cauchy (1789-

1857), Bernhard Bolzano (1781-1848), começaram a analisar os problemas em vez de

somente resolver.

Gauss possuía uma inteligência inquestionável, sua habilidade com os números era

impressionante. Trabalhou em vários campos científicos exercendo grande influência nas

áreas em que atuou. Em Matemática escreveu sobre teoria dos números, análise e geometria

diferencial. Em 1801 publica o livro Disquisitiones Aritmeticae, dividido em sete seções,

todas exceto a última seção, referia à teoria dos números59

. Cauchy foi considerado o

introdutor do rigor matemático e exímio pedagogo, pois, suas obras eram fáceis de entender.

Em três livros – Cours d’Analyse de l’École Polytechnique (1821), Résumé des leçons sur Le

calcul infinitesimal (1823) e Leçons sur le calcul différentiel (1829) – ele deu ao cálculo

elementar o caráter que tem hoje60

. Bolzano, um padre checoslovaco, cujas ideias teológicas

eram mal vistas pela Igreja e cuja obra matemática foi muito injustamente ignorada por seus

contemporâneos leigos e clericais. Publicou em 1817 o livro Rein Analytisches Beweis,

dedicado a uma prova puramente aritmética do teorema da locação em álgebra, e isso exigia

um tratamento não geométrico da continuidade de uma curva ou função. Em 1834 imaginou

uma função contínua num intervalo mas que, apesar da intuição física indicar o contrário, não

tinha derivada um ponto algum do intervalo61

.

As obras desses matemáticos caminharam para uma análise da Matemática podendo

generalizar, buscar fórmulas que pudessem resolver n problemas. Deixaram de pensar

instrumentalmente, passando a pensar teoricamente.

59

Carl Boyer, (2003, p.343-345). 60

Ibid,( p.354-355). 61

Ibid, (p. 356).

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4. A MATEMÁTICA DOS NÚMEROS

4.1. Introdução

A necessidade de contar, classificar, organizar e muitas outras atividades, muitas vezes

estão relacionadas com números, no sentido de dar uma melhor compreensão. Estamos

rodeados de números, desde a hora de levantar, quando se programa o despertador; programa

o tempo de fazer a higiene pessoal a fim de chegar no horário marcado para um compromisso

seja qual for a natureza (negócios, encontros, pessoal etc.), no transporte, no mercado, no

aeroporto, enfim podemos dizer que no mundo atual, os números nos fazem ser mais

bem organizados. Isso nos remete àquela famosa frase “tudo é numero” de Pitágoras

(570-500 a.C.).

A contagem utiliza símbolos que podemos chamar de números, ou seja, a contagem

como processo de quantificação necessita dos símbolos numéricos para organizar

quantidades. Contudo afirma Russel (1981, p. 21) “a contagem, embora familiar, é de fato

uma operação logicamente muito complexa, mais ainda só se dispõe dela, como meio para

descobrir quantos termos tem uma coleção, quando esta é finita”.

Como o título já diz “A matemática dos números” no qual a palavra Matemática

empregada neste título supõe ter sido criada por Pitágoras, que significa “o que é aprendido”

(BOYER, 2003, p.33), neste caso, o que é aprendido dos números. Nesta linha, iremos

perpassar os obstáculos que progressivamente apareceram aumentando a necessidade de

aprender ainda mais sobre os números, ou seja, a criação de novos números e nesse momento,

se vê que a preocupação de Russel com a contagem, uma vez que consequentemente com o

surgimento dos novos números, saímos do campo concreto passando ao campo abstrato.

Nosso momento de reflexão aqui empregado tem uma linha a ser seguida que

naturalmente irá passar pelos números naturais, números inteiros, números racionais e

números reais. Entendo que existem outros números, exemplo, os complexos, porém, neste

momento concentramos nossas atividades nesses campos que a nosso ver serviram de alicerce

para a criação de novos números.

4.2 Álgebra e aritmética: a importância do simbolismo

Quando escrevemos uma expressão algébrica, muitas vezes, não se questiona o

caminho percorrido para se chegar à forma atual. Por exemplo, quando se escreve em notação

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moderna a expressão algébrica 2452 xx , não se imagina que tal expressão era escrita na

forma 2451 NQ no século XVII. Segundo Cajori (2007b) Bachet e Fermat escrevem essa

expressão algébrica já com modificações da original escrita por Diophantus. Ainda de acordo

com este autor eles escreveram N ( primeira letra da palavra Numerus) para o s de

Diophantus, Q (Quadratus) para Y , C (Cubus) para YK .

Isso mostra o quanto se teve de caminhar para chegar às representações conhecidas

hoje que, de certa forma, organizam o nosso pensamento. E desta forma, podemos dizer que o

simbolismo ajudou no desenvolvimento da álgebra e da aritmética, uma vez que facilitava a

escrita e o entendimento sobre o que estava escrevendo. Haja vista que mudanças não se fez

da noite para o dia, houve o trabalho de muitos matemáticos de várias épocas.

Os algarismos indo-arábicos, hoje utilizados por todos que praticam cálculos

aritméticos, não foram aceitos de imediatos, por mais que se sabia das vantagens trazidas

pelos símbolos62

, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 no que se refere à representação de quantidades de

qualquer espécie sobrepondo os algarismos romanos que eram utilizados na Idade Média.

Além de um pendor para o genérico e o impressionista, os europeus ocidentais,

especialmente os que viveram no que chamamos Idade Média, sofriam de uma falta

de meios claros e simples de expressão matemática. Não dispunham de sinais de

soma, subtração ou divisão, nem dos sinais de igual ou raiz quadrada. Quando

precisavam da clareza das equações algébricas, produziam, tal como os antigos,

frases longas e embrulhadas, quase proustianas. Seu sistema de expressão numérica,

herdado do Império Romano, era suficiente para a feira semanal ou a coleta local de

impostos, mas não para coisas mais grandiosas. [...]. Mas os algarismos latinos eram

canhestros demais para expressar números grandes. Por exemplo, um número como

1.549 costumava ser grafado como Mcccccxxxxviiiij. (O j no final significava o fim

do número, para garantir que ninguém acrescentasse mais nada.) Felizmente, os

romanos e os europeus medievais, pouco afeitos à teoria, raramente tinham que usar

números grandes (CROSBY, 1999, p.49-50).

Como se observa os algarismos indo-arábicos não conquistaram os europeus de

imediato, “a vitória do sistema indo-arábico sobre o romano foi tão gradativa, que não se pode

citá-la como ocorrida numa década qualquer, ou mesmo na mais longa das vidas” (CROSBY,

1999, p.116). O que se pode dizer é que em 1500 ainda não havia ocorrido, embora houvesse

quem os utilizassem, os contadores bancários dos Médice utilizavam o novo sistema em

caráter exclusivo e até os analfabetos começavam a utilizar os novos algarismos. Em 1600 já

se tinha com mais frequência a utilização dos algarismos indo-arábicos, embora “os

algarismos romanos só desapareceram por completo dos livros do Tesouro britânico em

62

Esses símbolos como conhecemos atualmente, uma vez que no decorrer dos séculos suas formas sofreram

mudanças.

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meados do século XVII; e ainda os utilizamos para coisas pomposas, como escrever datas em

pedras fundamentais.” (CROSBY, 1999, p.117).

São exemplos como estes citados que mostram a importância do simbolismo na

álgebra e aritmética. “Através do simbolismo algébrico se fornece uma espécie de ‘padrão’ ou

‘máquina operatriz’ matemática, que dirige a mente para um objetivo de maneira tão veloz e

certeira quanto uma matriz guia uma ferramenta de corte numa máquina” (Ibid, p.120).

Até o século XVII a notação algébrica era uma mistura de palavras, abreviaturas delas

e números, até que os algebristas franceses, particularmente.

Viète introduziu uma convenção tão simples quanto fecunda. Usou uma vogal para

representar, em álgebra, uma quantidade suposta desconhecida, ou indeterminada, e

uma consoante para representar uma grandeza ou números supostos conhecidos ou

dados. Aqui encontramos, pela primeira vez na álgebra, uma distinção clara entre o

importante conceito de parâmetro e a idéia de uma quantidade desconhecida

(BOYER, 2003, p. 208).

No decorrer da história houve a necessidade de buscar meios para tornar a escrita

matemática mais simples, para qual foram utilizados símbolos para torná-la mais simples,

segundo Cajori (2007b) Leonardo Fibonnaci usava os novos algarismos com grande

desenvoltura no século XIII, mas tinha de expressar as relações e operações entre eles em

linguagem retórica, utilizando palavras. Como em muitas vezes as palavras são ambíguas,

gerava então dificuldades na sua compreensão. “O ‘e’, como em ‘2 e 2 são 4’, parece bastante

claro, mas podia às vezes ser usado simplesmente para indicar diversos, como em ‘2 e 2 e 2’,

sem nenhuma intenção de soma” (CROSBY, 1993, p.117). Na segunda metade do século XV,

os matemáticos usavam abreviaturas, para o mais e o menos: p para o mais e m para o

menos. “Estas abreviaturas eram encontradas entre os escritores italianos63

” (CAJORI, 2007b,

p. 101, tradução nossa). Mas, os conhecidos sinais de mais (+) e menos (-), surgiram sob

forma impressa na Alemanha, em 1489.

[...], antes da publicação da Summa de Pacioli, um professor alemão de Leipzig,

Johann Widman (nasceu aproximadamente em 1460) tinha publicado uma aritmética

comercial, Rechnung auff allen Kauffmanschafften, o mais antigo livro em que

nossos sinais + e – aparecem impressos. Usados inicialmente para indicar excesso e

deficiência em medidas, em armazéns, mais tarde tornaram-se símbolos para as

operações aritméticas familiares (Ibid, p.192).

Desta forma, mostra-se a riqueza dos símbolos matemáticos a ponto de afirmar que

essa simbolização trouxe grandes mudanças na Matemática, seja na álgebra quanto na 63

These abbreviations we shall encounter among Italian writers.

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aritmética, uma vez que de acordo com Crosby (1999, p. 119) “a álgebra é a generalização da

aritmética”. Ainda segundo Crosby:

Á medida que a álgebra tornou-se mais abstrata e mais generalizada, ela foi ficando

cada vez mais clara. Como o algebrista podia concentrar-se nos símbolos, e deixar

de lado momentaneamente o que eles representavam, ele era capaz de realizar

façanhas intelectuais sem precedentes (1999, p.120).

Nota se a importância do simbolismo na álgebra e na aritmética, que facilitou com a

sua utilização a realização das operações aritméticas.

4.3 Breve sinopse sobre números

Falar sobre números nos remete ao início de tudo. Os números são usados em diversas

atividades do homem, como a de contar e medir. No início era necessário somente símbolos

criados pelos membros de diversas civilizações. Entretanto, séculos se passaram e as

comunicações entre essas civilizações em diversas atividades se intensificaram. Entre essas

atividades destacamos o comércio, fazendo necessária a construção de um sistema de

numeração que possibilitasse melhor entendimento entre os povos. E também facilitando as

operações fundamentais.

Compor uma breve obra sobre cálculos por (regras de) complementação e redução,

restrigindo-a ao que é mais fácil e útil essa aritmética, tal como os homens

constantemente necessitam em casos de heranças, legados, partições, processo legais

e comércio, e em todas as sua transações uns com os outros, ou onde se trata de

medir terras, escavar canais, computação geométricas e de outras coisas vários tipos

e espécies (Karpinski, 1915, p.96 apud Boyer, 2003, p.156).

O sistema de numeração hindu-arábico utiliza-se de um conjunto de símbolos 0, 1, 2,

3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos quais podemos escrever qualquer numeral representando uma

quantidade. A utilização deste sistema é aceita devido à facilidade de manipulação dos

símbolos, tornando as operações menos complicadas64

. Tal sistema também chamado de

sistema de numeração decimal, ou seja, de base 10. Um grande passo foi dado e a civilização

em constante evolução agora tinha um sistema de numeração facilitador.

A partir deste momento limitaremos nossas linhas na transcrição dos conjuntos

numéricos, entendemos que no momento tal transcrição seja suficiente.

64

BOYER, (2003. p. 144 – 167).

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O conjunto dos números naturais surgiu da necessidade da contagem, que se realiza

por meio da operação fazer corresponder e este conjunto era suficiente. Passados os tempos o

conjunto dos números naturais tornou insuficiente sendo necessário à ampliação dos números

dando origem a um novo conjunto numérico denominado de inteiro.

Este conjunto solucionava o problema de operações de subtração do tipo a-b, sendo a

e b pertencendo aos naturais e a menor que b. Sabemos que tal operação não existe dentro do

conjunto dos naturais, uma vez, que não se tem números negativos, mas o conjunto dos

números inteiros trouxe a solução criando os números negativos. Então tudo prosseguia

normalmente até que outro problema surgiu, agora envolvendo a operação de divisão, seja, a :

b, sendo a e b pertencendo aos inteiros e a menor que b. Não existe solução dentro do

conjunto dos números inteiros, portanto, é necessário a ampliação dos números a fim de

satisfazer tal operação. Então surge o conjunto dos números racionais. Conjunto que

supostamente abarcava todas as operações por ser denso. Por considerar que entre dois

números racionais existem infinitos outros números racionais.

O significado puramente aritmético do sistema de todos os números racionais –

inteiros e frações, positivos e negativos – fica agora evidente. Com efeito, neste

domínio de número ampliado, não apenas as leis formais associativa, comutativa e

distributiva prevalecem, mas as equações a+x=b e ax=b agora têm soluções, x=b/a,

sem restrição, desde que no último caso a≠0. Em outras palavras, no domínio dos

números racionais as chamadas operações racionais – adição, subtração,

multiplicação e divisão – podem ser realizadas sem restrições e jamais se sairá deste

domínio (COURANT; ROBBINS, 2000, p.66).

E quando se pensava que tinha se chegado ao último dos conjuntos, eis que surge o

problema da incomensurabilidade65

.

O inesperado aparecimento dos irracionais causou forte impacto entre os pitagóricos

porque, até então, todas as provas dos teoremas envolvendo proporções e

semelhança haviam suposto que, dados dois segmentos, duas áreas ou dois volumes

quaisquer, sempre existia entre suas medidas uma relação exprimível por meio de

números inteiros. A descoberta de casos em que isso não era verdade, exigia que as

provas fossem refeitas mas ninguém sabia como fazê-lo. Varias lendas surgiram a

respeito desse episódio. Uma delas diz que os pitagóricos lançaram Hipasus ao mar,

afogando-o por haver revelado a estranhos aquele fato desconcertante (GARBI,

2009, p.36).

Dando origem aos números irracionais surge, assim o conjunto dos números reais, no

qual, ao se ter um número real corresponde a um ponto na reta, ou seja, comensurável, este

65

O problema da incomensurabilidade já vem de muito tempo, desde os pitagóricos já se tinha conhecimento

dos incomensuráveis.

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número real é racional e quando este número real não corresponde a um ponto na reta, ou seja,

incomensurável, este número é irracional.

Reconhecemos aqui uma sequência de problemas que desencadearam a criação de novos

campos numéricos e seguimos a seguinte ordem (campo dos naturais, campo dos inteiros, campo dos

racionais e campo dos reais).

4.3.1 Números naturais

A história do pastor, que para conferir suas ovelhas utilizava uma sacola de pedras já

foi muitas vezes contada pelos professores nas salas de aula para mostrar a necessidade de

contar que por sua vez gerou a necessidade de representar. Daí o surgimento dos números

naturais, isto é, se tem a impressão de que os números naturais foram criados para suprir a

necessidade de contar, impressão errada, na verdade a necessidade de contar é que gerou os

números naturais.

A idéia de número natural não é um produto puro do pensamento,

independentemente da experiência; os homens não adquiriram primeiro os números

naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se

formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem do homem,

criando duma maneira completa a idéia de número, para depois a aplicar à prática de

contagem, é cômoda mas falsa (CARAÇA, 1998, p.4).

Nos dias de hoje quando se fala em números naturais é normal começarmos pelo 0

(zero).

0, 1, 2, 3, 4, 5, 6,...

Dando a impressão de que este começo fora aceita de forma natural, mas não foi bem

assim que ocorreu com o 0 (zero). “A criação de um símbolo para representar o nada constitui

um dos actos mais audazes do pensamento, uma das maiores aventuras da razão” (CARAÇA,

1998, p.6).

A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais familiares,

podem ser levados a efeito de duas direções opostas. A mais comum é construtiva,

no sentido da complexidade gradativamente crescente: dos inteiros para as frações,

[...]. A outra direção, que é menos familiar, avança pela análise, para a abstração e a

simplicidade lógica sempre maiores (RUSSEL, 1981, p.09).

Uma forma de aprender sobre os números naturais é fazer corresponder cada símbolo

com um conjunto de objetos qualquer, desta forma, constrói uma sequência de números

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naturais. “Consiste em estabelecer uma correlação de um-para-um entre o conjunto de objetos

contados e os números naturais (excluindo 0) usados no processo” (RUSSEL, 1981, p.23).

Para tanto, os números naturais são suficientes, uma vez, que conjuntos de objetos

podem ser finitos, independentes se este conjunto se referia ao número de pessoas de uma

família, número de pessoas de um estado ou até dos habitantes da terra, sempre chegaríamos

ao último número natural. Mas, as coisas foram mudando, com isso surgiram indagações

como, haveria então o último número natural? Se haveria, qual seria este número?

Indagações como essas mobilizaram muitos matemáticos e só foram respondidas

recentemente.

A indução matemática66

mostra que os números naturais não têm fim, por mais que se

encontre o último número natural, sempre terá um maior. A indução matemática não pode ser

aplicada a todos os números, mas “definimos os números naturais como aqueles os quais a

prova por indução matemática pode ser aplicada, isto é, aqueles que possuem todas as

propriedades indutivas” (RUSSEL, 1981, p.33). Um exemplo define bem a aplicação da

indução matemática dos números naturais.

Quem alguma vez observou um trem de carga se por em movimento terá notado que

o impulso é comunicado com um solavanco da cada vagão ao vagão seguinte, até

que finalmente inclusive o ultimo vagão é posto em movimento. Quando a

composição é muito grande, leva muito tempo para que o ultimo vagão se mova. Se

o trem fosse infinitamente longo, haveria uma sucessão infinita de solavancos e

jamais chegaria o momento em que toda composição estaria em movimento

(RUSSEL, 1981, p.33).

Sabe-se que o próximo número natural pode ser definido por meio da soma por uma

unidade, isto é, dado um número natural qualquer pode se encontrar o seu sucessor somando

este número a uma unidade. Considerando o zero como primeiro termo da sequência

numérica, temos:

0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, ..., n, n+1.

Independente se “n” é muito grande, sempre teremos n+1. Exemplo, n = 40 000, logo,

40 000 + 1 = 40 001.

66

O uso da indução matemática nas demonstrações teve, no passado, algo de misterioso. Não parecia haver

dúvida razoável alguma quanto a que fosse um método válido de prova, mas ninguém sabia bem porque era

válido. Alguns acreditavam que fosse um caso de indução, no sentido em que essa palavra é usada em Lógica.

(RUSSEL, 1981, pp. 32-33).

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98

Definir os números naturais, como uma sucessão, levando em consideração o zero

como o primeiro termo, depois o um sendo o sucessor de zero, o dois o sucessor de um, o três

o sucessor de dois e assim por diante, mesmo sem uma explicação mais detalhada era

considerado como legítimo.

Somente no século XIX, com a aritmetização da matemática é que houve uma

explicação, ou seja, criou-se a teoria dos números. Segundo Russel (1981, p.12) “Uma vez

toda a matemática pura tradicional reduzida à teoria dos números naturais, o passo seguinte na

análise lógica foi reduzir essa própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não

definidos dos quais pudesse ser derivada”. O trabalho de Giuseppe Peano (1858-1932) buscou

reduzir ao máximo essas premissas.

O trabalho de analisar a Matemática é extraordinariamente facilitado por esse

trabalho de Peano. As três idéias primitivas da aritmética de Peano são: 0, número,

sucessor.

Por “sucessor” ele quer dizer o número seguinte na ordem natural [...]. Por

“número”, ele quer dizer, no caso, a classe dos números naturais. Ele não pressupõe

conheçamos todos os números dessa classe, mas apenas saibamos o que queremos

dizer quando dizemos que isto ou aquilo é um número, assim como sabemos o que

queremos dizer quando dizemos “Jones é um homem”, embora não conheçamos

todos os homens individualmente (RUSSEL, 1981, pp. 12-13).

Peano além de mostrar as três ideias primitivas, também mostrou cinco proposições

primitivas que apesar de sua simplicidade, fundamentam uma teoria satisfatória dos números

naturais porque podemos definir ou deduzir a partir deles todos os conceitos e demais

propriedades que conhecemos acerca desses números.

As cinco proposições primitivas admitidas por Peano são:

1) 0 é um número.

2) O sucessor de qualquer número é um número.

3) Não há dois números com um mesmo sucessor.

4) 0 não é o sucessor de número algum.

5) Qualquer propriedade que pertença a 0, e também ao sucessor de todo número

que tenha essa propriedade, pertence a todos os números (Ibid, p.13).

É importante frisar que nem sempre uma descoberta diz respeito a um novo objeto.

Pode ser uma nova maneira de olhar para algo já conhecido por todos, “o que eram patos

antes, agora são coelhos” (OTTE, 1993, p.294). Realmente, o mérito de Peano deve-se mais à

descoberta de que suas proposições são suficientes para caracterizar satisfatoriamente o

campo dos números naturais do que a própria formulação das proposições, as quais podem até

ser consideradas intuitivamente óbvias e conhecidas por todos aqueles que um dia aprenderam

a contar.

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99

Mesmo trabalhando no campo construtivo as coisas foram ficando complexas, pois o

tempo não é estático, a humanidade se desenvolve, ampliando seu campo de visão, buscando

interação entre as partes, vivendo em comunidade, e consequentemente fazendo trocas para

sobreviverem.

Ora fato essencial – o maior ou menor conhecimento dos números está ligado com

as condições da vida econômica desses povos; quanto mais intensa é a vida de

relação, quanto mais freqüentes e ativas são as trocas comerciais dentro ou fora da

tribo, maior é o conhecimento dos números (CARAÇA, 1998, p.4).

As dificuldades iriam aparecer, mas com certeza a atividade humana iria de certa

forma transpor essas dificuldades.

4.3.2 Números inteiros

No campo dos números naturais é possível que uma operação de subtração não tenha

resultado. Para que a operação de subtração seja possível, é necessário que o aditivo seja

maior ou igual ao subtrativo, ou seja, sendo a – b é necessário que a seja maior ou igual a b,

isto é a ≥ b caso contrário, não tem como resolver tal operação dentro do campo dos números

naturais.

Busca-se a redução dessas restrições nas operações com números, é necessária a

criação de um novo campo numérico, e esse desenvolvimento é chamado de princípio de

extensão. Segundo Caraça (1998), todo o trabalho intelectual do homem é, no fundo,

orientado por certas normas, certos princípios.

Para escolher novas definições de um modo conveniente, o princípio de extensão

procura adequar antigas ou precedentes, isto é, o novo campo numérico tem de atender às

propriedades já existentes, com o dispêndio da mínima quantidade de energia mental ou de

pensamento, abarcando assim o caminho mais rápido e curto.

Neste caso, o princípio de extensão, mostra que o homem tem tendência a generalizar

e “estender todas as aquisições do seu pensamento, seja qual for o caminho pelo qual essas

aquisições se obtêm, e a procurar o maior rendimento possível dessas generalizações pela

exploração metódica de todas as suas consequências” (Ibid, p.09).

Pelo campo da aritmetização, pode-se dizer que esta extensão ocorre pela necessidade

de resolução da operação de subtração, sem nenhuma restrição. Ou seja, dado a – b esse não

poderia necessariamente respeitar a restrição a ≥ b. Suponhamos que durante um período se

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faz necessário determinar a diferença entre temperaturas de duas cidades, levando sempre em

consideração a cidade A para a cidade B e hipoteticamente consideramos não haver

temperaturas negativas. No Primeiro dia, a cidade A teve como temperatura 35º e a cidade B

teve como temperatura 32º, então a diferença é de 3º, nesse primeiro dia. Agora vamos para o

segundo dia, a cidade A teve como temperatura 33º e a cidade B 30º, então e diferença é de

3º, nesse segundo dia. Se vamos levar em consideração que a cidade A sempre terá uma

temperatura maior ou igual à cidade B, nunca teremos problemas, mas se a cidade A em

algum dia obtiver uma temperatura menor que a cidade B, ou seja, suponhamos que em um

determinado dia a cidade A teve como temperatura 31º e a cidade B teve uma temperatura de

36º, diante dessa situação é impossível obter a diferença, uma vez, que 31 – 36 não tem

solução dentro do campo dos números naturais. “Se desejamos obter, sempre, resultados de

problemas como os postos acima, temos que nos libertar da impossibilidade da subtração”

(CARAÇA, 1998, p.91). A partir da criação de um novo campo numérico, esta operação se

faz sem restrições. Assim, pode-se aplicar o princípio de extensão para criar esse novo campo

numérico.

Aplicações sucessivas do princípio de extensão levarão a reduzir todas essas

impossibilidades; para isso é preciso criar novos campos numéricos: [...], pondo em

evidência as necessidades de ordem prática ou teórica que, de cada vez, obrigaram a

sua nova extensão (CARAÇA, 1998, p. 28).

Segundo Caraça (Ibid, p.91), o que leva a criação de um novo campo numérico é a

impossibilidade encontrada na resolução de problemas envolvendo o campo numérico atual, e

o que nos liberta dessa impossibilidade é a criação de um novo campo numérico.

Na busca de solucionar o problema com a operação de subtração é criado um novo

campo numérico.

Sejam a e b dois números reais quaisquer: à diferença a – b chamaremos número

relativo, que diremos positivo, nulo ou negativo, conforme for a > b, a = b, a < b.

Se for a > b o número relativo (positivo) coincidirá com o resultado que, nos

campos numéricos anteriores, aprendemos a determinar; se for a < b, o número

relativo (negativo) tomar-se-á como igual à diferença b – a, precedida do sinal –

(menos). Por exemplo, a diferença 8 – 5 é o número relativo positivo 3; a diferença 5

– 8 é o número relativo negativo -3. Como se vê, os elementos novos que aparecem

no campo relativo são os números negativos (Ibid, p.92).

Esse novo campo chamará campo dos números inteiros, que é constituindo pelos

números negativos, o zero e os números positivos, no qual os números positivos coincidem

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101

com o campo dos números naturais67

e os números negativos respeitam também a sequência

dos números naturais, porém usa um símbolo à frente de cada termo. Para melhor

visualização, iremos mostrar o campo dos números inteiros e sua correspondência ao conjunto

de pontos de uma reta numérica.

Figura 11 – Representação dos números inteiros.

O campo dos números inteiros é representado pelo símbolo68

e assim podem ser

colocados na seguinte ordem:

= {..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,...}

O campo dos números inteiros é classificado como infinito discreto (que pode ser

contado), por mais que não possa encontrar o último termo, pois posso contar inúmeros

termos, mas não viverei o suficiente para chegar ao fim dos números inteiros, seja partindo de

zero para a esquerda, ou seja, partindo de zero para a direita, e mesmo se viver, viverei

eternamente.

No decorrer da história houve dificuldade na aceitação dos números negativos.

Segundo Baumgart (1992) matemáticos ilustres como Viete tiveram dificuldade de aceitar

esses números, tendo assim deixado alguns trabalhos inacabados.

Quando François Viete fez suas primeiras descobertas experimentais referentes a

função simétricas, no século XVI , a própria noção de raiz de uma equação algébrica

estava incompleta, em grande parte devido a uma compreensão insuficiente dos

números negativos e imaginários (BAUMGART, 1992, p. 92).

De acordo ainda com este autor, somente com a representação geométrica dos

números negativos feita por René Descartes (1596-1650), é que os números negativos

tornaram-se mais aceitáveis.

Nos dias atuais os números negativos não causam tanta polêmica, talvez seja pelo

contato com o campo dos números inteiros, uma vez, que quando nos referimos aos números

67

Nesse caso estamos considerando que os números naturais começam com o um (1) haja visto que o zero (0) é

por definição considerado nulo. 68

O símbolo Z em blackboard bold ( ), que vem do alemão Zahlen, que significa números.

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102

negativos, vem à nossa mente o campo dos números inteiros, haja vista, que a partir da

dificuldade na operação da subtração houve a necessidade de estender este campo numérico.

4.3.3 Números racionais

Medir é um ato que praticamos no nosso dia-a-dia. Medimos a distância da nossa casa

à escola, medimos o tempo gasto numa determinada tarefa, medimos a quantidade de terra

retirada de um terreno. Medir envolve grandezas como comprimento, tempo, peso etc. Mas,

afinal o que é medir? Podemos dizer que medir é comparar duas grandezas de mesma espécie,

por exemplo, dois pesos, dois comprimentos.

Segundo Caraça (1998, p.30), “o ato de medir compreende três fases e três aspectos

distintos: a escolha da unidade, a comparação com a unidade, a expressão do resultado dessa

comparação por um número”.

Os matemáticos gregos tratavam a questão da medida usando o conceito de grandezas

comensuráveis. Segundo Caraça (1998) um dos mais destacados representantes da escola

Pitágorica, Filolao, afirma: “todas as coisas tem um número e nada se pode compreender sem

o número”.

Suponha-se querer medir o segmento AB tendo como unidade o segmento CD, da

figura a seguir:

A B

| | | | | |

C D

| |

O segmento AB, medido com a unidade CD = u, mede 5u. De outra maneira pode-se

dizer que AB = 5 CD

Agora vamos dividir o segmento CD em duas partes iguais, de modo a formar um

novo segmento CE, consequentemente uma nova unidade que chamaremos de u’, então CE =

u’.

Então tomaremos u’ para medir o segmento AB. O segmento AB medido com a

unidade u’, tem como medida 10u’.

Naturalmente pode se entender que independente da quantidade de vezes que

dividiremos o segmento CD, ou seja, criando uma nova unidade, não irá se encontrar

problemas em medir o segmento AB com essa nova unidade, resumindo:

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AB = CE

CE

2

10 =

'2

'10

u

u= 5

Consideremos um segmento AB medindo 4u, sendo que segmento CD = u. Agora

dividiremos CD em três partes iguais, temos uma nova unidade, CD = 3u’, logo o segmento

AB passa a medir 4. 3u’ = 12u’.

Em geral, se uma grandeza, medida com a unidade u, mede m, e subdividirmos u em

n partes iguais, a medida da mesma grandeza, com a mesma unidade u. exprime-se

pela razão dos dois números M e n, onde M = m . n é o número de vezes que a nova

unidade cabe na grandeza de medir. Aritmeticamente, este fato traduz pela igualdade

m = (m. n) : n ou m = n

nm. (CARAÇA, 1998, p.33).

Diante desse raciocínio, não teremos problema em encontrar um número inteiro que

satisfaça a razão, ou seja, os campos numéricos, até então conhecidos satisfazem.

Mas, imaginemos uma outra situação, nela queremos obter a medida do segmento AB,

tomando como unidade de medida o segmento FG

faremos HI igual a v, ou seja, HI = v, então:

FG = 3 HI = 3v e AB = 10 HI = 10v

Desse modo, temos:

AB = HI

HI

3

10 =

v

v

3

10 =

3

10

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104

Como podemos observar neste exemplo, deparamos com um problema, uma vez, que

não temos um número inteiro que satisfaça a razão 3

10. Logo, estamos diante de dois dilemas,

no qual temos de escolher o que fazer, de acordo com Caraça (1998), primeiro: renunciar a

exprimir numericamente a medição de AB tomando como unidade de medida FG, que seria

um incomodo, levantando a novas questões – se podemos exprimir a medida em relação à

nova unidade e não em relação à antiga, será porque aquela terá algum privilégio especial?

Qual? Por quê? Segundo: exprimir sempre a medida por um número, e então temos de

reconhecer que o instrumento numérico até então conhecido, é insuficiente, necessitando ser

complementado.

Neste caso, a opção a ser tomada foi de princípio de extensão, uma vez que deparado

com um problema no qual não se pode resolver utilizando os campos numéricos, é necessário

que se crie um novo campo numérico, de modo a respeitar o que fora construído, ou seja, o

novo campo numérico tem de satisfazer as propriedades dos atuais campos numéricos.

Ampliar o domínio com a introdução de novos símbolos, de tal forma que as leis

válidas para o domínio original prevaleçam no domínio maior, é um aspecto do

processo matemático característico da generalização. A generalização dos números

naturais aos racionais satisfaz tanto a necessidade teórica de afastar as restrições na

subtração e na divisão, quanto a necessidade prática de números para expressar os

resultados de medidas (COURANT; ROBBINS, 2000, p.67).

O novo conjunto numérico, o conjunto dos números racionais, ou campo racional,

compreende o conjunto dos números inteiros e mais o formado pelos números fracionários.

Como se observa o número fracionário é a nova parte que veio constituir o novo campo

numérico.

As vantagens obtidas por esse novo campo numérico são:

1) É possível exprimir a medida de um segmento tomando outra como unidade, por exemplo,

dividida a unidade em 7 partes iguais, cabem 3 dessas partes na grandeza a medir, diz-se que a

medida é o número 7

3.

2) A divisão de números inteiros m e n agora poderá ser escrita simbolicamente pelo número

racional n

m.

Simbolicamente podemos definir o campo dos números racional (Q)69

da seguinte forma:

69

Um Q em blackboard bold ( ), que significa quociente.

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105

=

*;/ ZbZab

a.

No entanto, uma questão fundamental ainda precisa ser respondida: será que esse

instrumento é realmente eficiente? Será que o campo racional é suficiente para realizarmos as

nossas medidas? A princípio acreditavam que sim.

Contudo “Pitágoras descobriu algo monstruoso na matemática, o incomensurável, ou

seja, existiam grandezas não comensuráveis. Em particular, a incomensurabilidade entre o

lado de um quadrado e sua diagonal” (RUSSEL, 1981, p. 12).

4.3.4 Números reais

Quando queremos contar um determinado conjunto de objetos, associamos todos os

objetos deste conjunto a símbolos (1, 2, 3, 4, 5, ... ) dando origem à operação “fazer

corresponder”. Desta forma, é possível determinar uma quantidade qualquer fazendo

corresponder cada símbolo a cada objeto do conjunto, e assim chegando ao último objeto

deste conjunto. Consequentemente chegaríamos a um símbolo que representasse a quantidade

de objeto deste conjunto. Mas as civilizações foram ficando cada vez mais complexas assim

como o pensamento humano.

Viu-se atrás como a operação da contagem, repetida por muitos milhares de anos,

acabou por levar à criação dos números naturais, e viu-se que a extensão do seu

conhecimento depende do grau de civilização e da intensidade da vida social do

homem. [...]. Para o homem civilizado de hoje o número natural é um ser puramente

aritmético, desligado das coisas reais e independente delas – é uma pura conquista

do seu pensamento (CARAÇA, 1998, p.9).

Foram essas conquistas e a elevação do conhecimento que levaram o ser humano a

expandir o conceito de número, fazendo com que este fosse ampliado com o surgimento de

novos números.

Os números reais surgiram a partir de um problema de medição. Tal surgimento se deu

por meio da discussão que começou com a incomensurabilidade entre o lado de um quadrado

e sua diagonal, há mais de vinte e cinco séculos com Pitágoras.

Dado um quadrado cujo lado tem como medida 1 u.m. de comprimento.

Z* é o conjunto dos números inteiros menos o zero (0).

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1

1

Figura 12 – Quadrado

Vamos determinar a medida de sua diagonal.

Primeiro dividimos esse quadrado em dois triângulos isósceles, e consideremos um

desses triângulos.

De posse deste triângulo isósceles retângulo, pode-se então mudar o comprimento da

hipotenusa, que consequentemente estamos chegando à medida da diagonal do quadrado.

OA = OB = 1u.m.

Figura 13 – Triângulo retângulo

Ou seja,

( i ) AB =n

m. OA

Aplicaremos neste triângulo retângulo o Teorema de Pitágoras70

, temos:

(ii) (AB)² = (OA)² + (OB)²

Como OB = OA, podemos escrever.

(AB)² = (OA)² + (OA)²

(AB)² = 2(OA)²

(iii) 2

2

OA

AB= 2

Agora vamos elevar ambos os membros da relação ( i ) ao quadrado:

(AB)² = (m/n)² . (OA)²

70

Em qualquer triângulo retângulo “a medida da hipotenusa ao quadrado é igual a soma das medidas dos catetos

ao quadrado”, essa relação chamada de Teorema de Pitágoras (a2

= b2

+ c2

).

O A

d

B

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107

(iv) 2

2

OA

AB= (m/n)²

fazendo (iii) = (iv), temos:

(v)

2

n

m= 2

Assim, a existência da medida de AB, tomando OA como unidade, e a aceitação do

teorema de Pitágoras conduzem à igualdade (v).

Considerando que a fração n

m é irredutível, pode-se a partir da relação ( v ), provar a

inexistência de n

m.

2

2

n

m = 2

( vi ) 2m = 2 2n

Para a fração n

m, possa ser irredutível é necessário que os seus termos sejam

primos entre si, isto é, quando m for par, obrigatoriamente n tem que ser ímpar.

Considerando que m é par, podemos substituir na relação (vi ) m por 2k, onde k é um

número inteiro.

(2k)² = 2n²

4k² = 2n²

Isolando n², temos:

n² = 2k²

Conclui se então que 2n é par, então n é par, pois o quadrado de um número é par,

somente se, esse número for par. Logo não temos uma fração irredutível, uma vez, que é

necessário os termos serem primos entre si e diante do nosso processo algébrico se constatou

que tanto m, quanto n são pares.

Neste caso, está-se diante de um problema. E agora, como resolver esse problema?

Será que se pode apontar o erro? Será no Teorema de Pitágoras? Ou será no instrumento de

medida criado? Geralmente se faz isso partindo de três premissas.

Primeira premissa

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Reconhecimento da existência de uma dificuldade;

Segunda premissa

Determinação do ponto nevrálgico onde essa dificuldade reside – uma negação;

Terceira premissa

Negação dessa negação.

“O problema assim levantado só foi resolvido em nossos próprios dias e só foi

completamente resolvido com a ajuda da redução da Aritmética à Lógica” (RUSSEL, 1981, p.

12).

Somente “em 1872, o matemático alemão Ricardo Dedekind (1831-1916) publicou

uma obra intitulada ‘Continuidade e números irracionais’, dedicada ao estudo deste problema

da medida” (CARAÇA, 1998, p.57). Ainda segundo Caraça (1998) a solução para o

problema consistiu na busca de um bom reagente que permitisse expandir o campo numérico

racional. Tal reagente nos revela o grande mestre é o conceito de continuidade.

[...] para nós, a imagem ideal da continuidade é a linha recta; contentemo-nos, para

perceber a continuidade, com o grau de clareza que tivermos da noção de linha recta;

procuremos antes um critério distintivo, tão simples quanto possível, que nos

permita, em face de um conjunto qualquer, verificar se ele tem ou não a mesma

estrutura da recta e, portanto, se se pode também atribuir-lhe ou não continuidade. O

que vamos procurar é uma espécie de reagente que nos mostre se, um dado

conjunto, existe ou não essa propriedade, assim como o químico determina se , num

dado soluto, existe ou não certo elemento. O reagente pode não dar uma explicação

do elemento procurado, mas nem por isso ele será menos útil ao químico no estudo

do soluto que tiver entre mãos (Ibid, p. 55-56).

É exatamente o que procuramos um bom reagente e não julgue que tal procura foi

fácil. Discute-se continuidade há mais de vinte e cinco séculos e o bom reagente só foi

encontrado na segunda metade do século XIX.

O conceito de corte na reta numérica divide a reta em duas partes constituídas de

infinitos números.

Figura 14 – Representação de duas retas originárias de um ponto da reta

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Um ponto ( P ) na reta divide a mesma em duas classes: a classe ( A ), dos pontos que

estão à esquerda de P, e a classe ( B ), dos pontos que estão à direita de P. Neste caso o

próprio ponto P, que produz a repartição, pode ser colocado indiferentemente na classe ( A )

ou na classe ( B ).

Esta afirmação tornou-se conhecida como “Postulado da Continuidade de Dedekind.”

Os números reais são obtidos, a partir deste postulado, por uma extensão dos racionais

para um domínio do contínuo.

Há cortes no conjunto

0que não têm um elemento de separação em

0? São

esses mesmos que nos vão criar os novos elementos de separação. Basta, para isso,

dar a seguinte definição: - chamo número real ao elemento de separação das duas

classes dum corte qualquer no conjunto dos números racionais; se existe um número

racional a separar as duas classes, o número real coincidirá com esse número

racional; se não existe tal número, o número real dir-se-á irracional (CARAÇA,

1998, p.60).

Com a nova definição dos números se constrói um novo campo numérico, chamado de

campo real ou conjunto dos números reais. E como já havia acontecido no campo racional, em

que as frações foram os novos elementos, no campo real são os números irracionais os novos

elementos. “Com esta definição estabelecemos uma perfeita correspondência entre pontos e

números. Isto não é nada mais que a formulação geral do que foi expresso pela definição

utilizando decimais infinitas” (COURANT; ROBBINS, 2000, p.82).

Uma das mais surpreendentes descobertas dos antigos matemáticos gregos (a escola

pitagórica) foi de que a situação não era de forma alguma assim tão simples.

Existem segmentos incomensuráveis ou – se supusermos que a cada segmento

corresponde um número que dá sua medida em termos da unidade – números

irracionais. Esta revelação foi um acontecimento cientifico da maior importância.

[...]. Isto certamente afetou de modo profundo a Matemática e a Filosofia da época

dos gregos até os dias atuais (Ibid, p.70-71).

De fato saímos de um problema de necessidade de contagem para chegar a lugares

nunca imaginados. É esta riqueza que nos move buscar entender todas essas passagens, seja

dos números naturais para os números inteiros; dos números inteiros para os números

racionais; dos números racionais para os números reais. E admirar homens como Dedekind e

Cantor (1845-1918), que com o desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos, conseguiu o que

parecia impossível, hierarquizar o infinito. Mostrou, entre outras coisas, que N, Z e Q têm a

mesma cardinalidade e que R tem cardinalidade “maior” que a de N. Informalmente isso

significa, por exemplo, que N, Z e Q têm “mesma quantidade” de elementos, mas que R tem

“mais” elementos do que esses conjuntos (IEZZE, 2004, p.27).

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110

Considerações

Neste trabalho a organização e apresentação dos números decimais, foram pontos

fundamentais. Mostramos que a facilidade de lidar com algoritmos depende da maneira de

como representar os números, por exemplo, a adição de frações decimais, foi facilitada, uma

vez, que podemos apresentar esses números sem o uso do denominador, ou seja, a

organização e apresentação podem ser feita pelos novos números decimais.

A notação apresentada por Simon Stevin, talvez não agradasse a todos, “inspirada na

de Bombelli, era mais apropriada para álgebra do que para a aritmética” (BOYER, 2003, p.

217). Tanto é que “em 1617 na Rhabdologia, em que descreveu a computação com o uso de

suas barras, Napier se referiu à aritmética decimal de Stevin e propôs o uso de um ponto ou de

uma vírgula como separatriz decimal” (Ibid, p. 218). Mas, o entendimento mostrado por

Simon Stevin em relação às frações decimais fez com que esse problema de notação fosse

apenas um detalhe.

A ideia que Simon Stevin trouxe de explicação, das definições e suas demonstrações

foram essenciais para desenvolvimento dos números, para ele um “pedaço de número”

também era número.

Ao considerar que um “pedaço de número” também fosse um número. Ele ultrapassou

a barreira do concreto, passando para o abstrato, por mais que na sua contemporaneidade as

“coisas” tinham de possuir uma relação com a realidade. E, por mais que este não fosse seu

objetivo naquele momento, Simon Stevin deixou o pensar instrumental, passando para o

pensar teórico e é nesse momento que sua preocupação em considerar um “pedaço de

número” como número é fundamental. Esta consideração facilitou o desenvolvimento da

ciência no que tange às informações escritas em escalas menores que 1 ou onde o grau de

precisão deve ser o mais exato possível.

De fato, o que Simon Stevin, buscou no seu livreto foi “ensinar a todos como efetuar,

com facilidade nunca vista, todas as computações necessárias entre os homens por meio de

inteiros sem frações” (Ibid, p. 217). No entanto, sua contribuição foi além das computações,

como se pode perceber seu entusiasmo pelo sistema decimal o levou a propor mudanças no

sistema de pesos, medidas e moedas. Em relação a pesos e medidas, o governo francês e os

cientistas no intuito de regulamentar essas grandezas, entraram em acordo para a criação de

uma unidade que seria aceita por todos.

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Para o desenvolvimento do cálculo aritmético, a nova organização apresentada por

Simon Stevin foi revolucionário, haja vista o avanço que se obteve sobre a aceitação dos

novos símbolos na representação dos números, o sistema indo-arábico. No entanto, a

organização dos “números quebrados” utilizando estes dígitos e também o sistema

posicional71

na utilização destes dígitos, proposto por Simon Stevin transformou as operações

aritméticas. Os algarismos indo-arábicos, ajudados até mesmo pelos sinais mais primitivos

das operações, equiparam os europeus para a manipulação eficiente dos números, abrindo as

portas para outros avanços.

O trabalho de Stevin De Thiende revolucionou a escrita de fração decimal, trouxe uma

nova forma de escrever, por exemplo,

da forma de fração, em notação decimal (moderna)

como 0,125.

Esta organização feita por Simon Stevin possibilitando a introdução de um sistema

decimal, juntamente com um método de realização de cada cálculo importante da aritmética.

Este feito foi visto por muitos como um passo importante no desenvolvimento das máquinas

de calcular, desta forma pode se observar uma diferença entre Stevin e Turing, enquanto o

primeiro trabalha, como todo mundo, com dez dígitos, Turing na invenção do computador

usou dois dígitos (0 e 1), ou seja, sistema decimal e sistema dual respectivamente, porém a

maneira de representar números em termos de dígitos, foi inaugurada por Stevin. Isso mostra

também que qualquer que seja o sistema (dual, decimal, duodecimal etc.) o importante é a

maneira de organizar a apresentação dos números e esta é a base de todo computador hoje,

nesse sentido podemos estabelecer uma ligação entre Stevin e Turing, ou seja, entre o que foi

produzido no século XVI com o desenvolvimento do computador. Escrever sobre algoritmos

esclarece esta ligação entre o século XVI e o século XX, mostrando que Simon Stevin não só

revolucionou os cálculos com “números quebrados”, como também abriu caminho para novas

tecnologias. Pois, como sabemos os números decimais estão presentes no computador.

Nosso trabalho era de mostrar a história dos números decimais, porém esse trabalho

foi além de saber sobre números decimais. Ao estudar os números decimais, e verificar que a

criação dos números decimais foi devido a um problema, o problema de calculações

envolvendo “números quebrados”. Verificamos que a criação desses números não gerou

concomitantemente na criação de um novo campo numérico, ou seja, existia um problema, no

entanto, esse problema não clamava pela criação de um novo campo numérico, haja vista, que

a necessidade girava em torno de uma nova notação. O capítulo sobre a Matemática dos

71

Sistema que utiliza os símbolos indo-arábico, esse sistema indica o valor que o símbolo terá no número, pois,

estes símbolos são multiplicados por potências de base 10. Logo o número 846 é 8 . + 4 . + 6 . .

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números mostra que a notação de Simon Stevin não originou na criação de um novo conjunto,

por mais que Simon Stevin conhecia e aceitava símbolos novos, por exemplo, os números

negativos, sua contribuição está na organização.

Estudar a história de um determinado assunto matemático, como a dos números

decimais, é importante para o desenvolvimento de um ensino de qualidade. Poder levar esta

história ao conhecimento dos nossos alunos é fundamental, uma vez, que se sabe que as coisas

não caíram do “céu”, mas sim, são frutos de discussões que consumiram várias gerações.

Desta forma ao chegar ao fim deste trabalho, a visão em relação aos números decimais será

além da simples vírgula que separa a parte inteira da parte decimal.

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ANEXO

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