a mente sem medo - jiddu krishnamurti

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Mente sem Medo

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  • QUE APRENDER

    (D

    Esta manh desejo comear por salientar a extraordinria importncia da liberdade. Em geral, no desejamos ser livres. Temos nossas famlias, nossas responsabilidades, nossos deveres e a nos estabilizamos. Vemo-nos inibidos por leis sociais, por determinado cdigo , de moralidade, alm de levarmos a carga de nossas' cotidianas tribulaes e problemas; e quando encontramos alguma espcie de consolo, algum meio de fuga a todo esse conflito e aflio, facilmente nos satisfazemos. Quase nenhum de ns deseja verdadeiramente ser livre, em qualquer sentido ou profundidade que seja; entretanto, parece-me que uma das coisas mais importantes da vida o descobrirmos, por ns mesmos, como poderemos ser total e completamente livres. Poder a mente humana, to fortemente condicionada, to estreitamente confinada em suas lides dirias, to cheia de temores e ansiedades, to incerta quanto ao futuro e to constante em sua exigncia de segurana poder ela suscitar em si prpria uma mudana radical, s realizvel em completa liberdade?

    Em verdade, este um problema que deveria interessar a cada um de ns, pelo menos durante as trs semanas de nossa estada aqui. No se trata de meu interesse verbal, seno de sermos capazes de atravs da anlise verbal, discursiva penetrar fundo em ns mesmos e descobrir se h alguma possibilidade de sermos livres. Sem liberdade, no se pode descobrir o que verdadeiro e o que falso; sem liberdade, a vida sem profundeza; sem liberdade, somos escravos de toda a sorte de influncias e de presses sociais, das inumerveis exigncias que estamos constantemente enfrentando.

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  • Assim sendo, como indivduos, podeis examinar-vos, penetrante e impiedosamente, para descobrirdes se alguma possibilidade lemos, cada um de ns, de ser livres?

    Por certo, s em liberdade pode haver mudana. E ns temos de mudar, mas no superficialmente, com pequenos aparos aqui e ali; temos de operar uma radical transformao da prpria estrutura de nossa mente. Por isso, sinto ser to importante falarmos de mudana, discutirmo-la, para ver at que ponto poderemos penetrar neste problema.

    Sabeis o que entendo por mudana? Mudar pensar de maneira totalmente diferente; fazer nascer um estado de esprito livre da ansiedade em qualquer momento, sem sentimento de conflito, sem luta para conseguir alguma coisa, para ser ou vir a ser algo. estar completamente isento de medo. Para se descobrir o que significa estar livre do medo, acho necessrio compreender a questo de instrutor e discpulo e, assim, compreender o que aprender. Aqui, no h instrutor nenhum, nem ningum que est sendo ensinado. Todos estamos aprendendo. Por conseguinte, tends de ficar completamente livres da idia de que algum vai dar-vos instruo ou prescrever-vos o que fazer; e isso significa uma relao inteiramente diferente entre vs e este orador. Ns estamos aprendendo e no sendo ensinados. Se, com efeito, compreenderdes que no estais aqui para serdes instrudo por algum, que no h instrutor nenhum para instruir-vos, nenhum salvador para vos salvar, nenhum guru para prescrever-vos o que fazer se compreenderdes realmente este fato, tereis ento de fazer tudo por vs mesmo; e isso requer extraordinria energia.

    A energia se dissipa e degrada, perde-se totalmente, quando se estabelece a relao de instrutor e discpulo; portanto, durante as presentes palestras, e nas discusses subseqentes, espero que no prevalea nenhuma idia de tal relao. Seria verdadeiramente maravilhoso se pudssemos elimin-la totalmente, deixando subsistir unicamente o movimento do aprender.

    Em geral, aprendemos pelo estudo, por meio dos livros, pela experincia, ou mediante instruo ministrada por outro. So essas as maneiras comuns de aprender. Aprendemos de memria o que devemos fazer e o que no devemos fazer, o que devemos pensar e o que no devemos pensar, como devemos sentir, como devemos reagir. Pela experincia, pelo estudo, pela anlise, pelo sondar, pelo exame introspectivo, armazenamos conhecimentos na forma de memria e, depois, a memria responde a ulteriores desafios e

  • exigncias, do que resultam conhecimentos e mais conhecimentos. Tal processo nos bastante familiar, pois nossa nica maneira de aprender. Se no sei pilotar um avio, aprendo a faz-lo. Recebo a necessria instruo, vou adquirindo experincia, que fica retida na memria, e, por fim, posso voar. esse o nico processo de aprender familiar maioria de ns. Aprendemos pelo estudo, pela experincia, pela instruo. O que se aprende confiado memria, na forma de conhecimento, e esse conhecimento funciona sempre que se apresenta um desafio ou todas as vezes que temos de fazer alguma coisa.

    Ora, eu penso que h uma maneira de aprender completamente diferente, e sobre este assunto vou dizer algumas palavras; mas, para poderdes compreender essa maneira e por ela aprender, deveis estar totalmente livres da autoridade, porque, do contrrio, estareis apenas sendo instrudos e ireis apenas repetir o que ouvistes dizer. Eis porque tanto importa compreender a natureza da autoridade. A autoridade um empecilho ao aprender ao aprender que no acumulao de conhecimentos na forma de memria. A memria reage sempre por padres; nenhuma liberdade existe. O homem que est carregado de conhecimentos, de instruo, que est curvado sob o peso das coisas que aprendeu, nunca livre. Poder ser um homem altamente erudito, mas sua acumulao de conhecimentos o impede de ser livre, e, por conseguinte, ele incapaz de aprender.

    Acumulamos vrias formas de conhecimentos cientficos, fisiolgicos, tcnicos, etc. e tais conhecimentos so necessrios ao bem-estar fsico do homem. Mas, tambm, acumulamos conhecimentos porque queremos estar em segurana, porque queremos atuar, sem perturbaes, porque queremos agir dentro dos limites de nossos conhecimentos, para nos sentirmos sempre em segurana. Nunca desejamos estar na incerteza temos horror incerteza e, por conseguinte, acumulamos conhecimentos. a essa acumulao psicolgica que quero referir-me, pois ela que nos veda completamente a liberdade.

    Deste modo, no momento em que se comea a inquirir o que liberdade, necessrio contestar no s a autoridade, mas tambm o conhecimento. Se estais meramente sendo instrudos, se estais meramente acumulando o que ouvis, o que ledes, o que experimentais, nunca sereis livres, porquanto estareis sempre funcionando dentro do padro do conhecido. isso, com efeito, o que em geral nos acontece. Sendo assim, que cumpre fazer?

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  • Sabe-se como a mente e o crebro funcionam. O crebro uma coisa de natureza animal, suscetvel de progredir e evolver, que vive e funciona entre as paredes de sua prpria experincia, seu conhecimento, suas esperanas e temores. Est perenemente ativo com o intuito de salvaguardar-se e proteger-se; e, at certo ponto, tem de proceder assim, pois, do contrrio, em breve seria destrudo. Necessita de certo grau de segurana, da prender-se ao hbito de acumular, para seu benefcio, toda sorte de conhecimentos, de obedecer a toda espcie de instruo, criando um padro ao qual adapta o seu viver, de maneira que nunca est livre. Quem quer que observe o seu prprio crebro, o total funcionamento de si prprio, estar bem cnscio desse modo de existncia padronizada, na qual nenhuma espontaneidade existe.

    Que , pois, aprender? Existe alguma maneira diferente de aprender, um aprender no cumulativo, que no se torne um mero fundo de memria ou de conhecimento, criador de padres e de obstculos liberdade? Existe alguma qualidade de aprender que no se torne uma carga, que no tolha a mente, mas, ao contrrio, lhe d liberdade? Se alguma vez vos fizestes esta pergunta, no superficialmente, porm profundamente, deveis saber que necessrio averiguar porque a mente se apega autoridade. Quer se trate da autoridade do instrutor, do salvador, do livro, quer da autoridade de nosso prprio saber e experincia, por que razo se apega a mente autoridade?.

    A autoridade assume formas variadas. H a autoridade dos livros, a autoridade da igreja, a autoridade do ideal, a autoridade de vossa prpria experincia, e a autoridade do saber que acumulastes. Estais apegados a essas autoridades? Tecnicamente, h necessidade de autoridades; isto simples e bvio. Mas, estamos falando sobre o estado psicolgico da pessoa; e, deixando de parte a autoridade tcnica, por que razo se apega ela autoridade, no sentido psicolgico?

    Apega-se autoridade, evidentemente, porque teme a incerteza, a insegurana; teme o desconhecido, o que poder acontecer amanh. E podemos ns viver sem autoridade de espcie alguma autoridade no sentido de dominao, arrogncia, dogmatismo, agressividade, desejo de sucesso e de fama, desejo de vir a ser algum? Podemos viver neste mundo, freqentando o escritrio e outros mais lugares, num estado de completa humildade? Isso muito difcil de verificar, no achais? Mas, penso que s nesse estado de humildade completa que o estado da mente que est

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  • sempre pronta a reconhecer que no sabe s nesse estado h possibilidade de aprender. De outro modo, estaremos sempre acumulando e, portanto, deixando de aprender.

    Pois bem; pode-se viver, dia por dia, nesse estado? Entendeis minha pergunta? Certo, a pessoa que est deveras aprendendo nenhuma autoridade reconhece, nenhuma autoridade busca. Achando-se num constante estado de aprender, no s das coisas exteriores, mas tambm das coisas interiores, no pertence a nenhum grupo, nenhuma sociedade, nenhuma raa ou cultura. Quando se est aprendendo constantemente de todas as coisas, sem nada acumular, como pode haver autoridade, instrutor? Como se pode seguir algum? E 'essa a nica maneira de viver aprendendo, no dos livros, mas de vossas prprias nsias, dos movimentos de vosso prprio pensamento, de vosso prprio ser. A mente est, ento, sempre fresca, olha todas as coisas de maneira nova, e no com os olhos cansados do saber e da experincia. Compreendendo-se isso, verdadeiramente, profundamente, cessa toda a autoridade. Ento, este que yos fala nenhuma importncia tem.

    O extraordinrio estado que a verdade revela a imensido da Realidade no vos pode ser dado por outrem. No h autoridade, no h guia. Tendes de descobri-lo por vs mesmos e dar, assim, algum sentido a esse caos que chamamos a vida.

    uma jornada que deveis fazer completamente s, sem companheiros, sem mulher, sem marido, sem livros. S podeis iniciar essa jornada depois de perceberdes claramente a verdade de que tendes de viajar completamente s e perceb-la estar s; no por azedume, pessimismo, desespero, mas por verdes o fato de que absolutamente necessrio caminhar sq. esse fato, e o percebi- mento dele, que nos pe livres para viajar ss. O livro, salvador, o instrutor vs mesmos sois todos eles. Deveis, pois, investigar- -vos, aprender a vosso respeito, o que no significa acumular conhecimentos sobre vs, para, com esses conhecimentos, observardes os movimentos de vosso prprio pensar. Estais compreendendo?

    Para esse aprendizado, para conhecer-vos, deveis observar-vos num estado de novo, de liberdade. Nada podeis aprender sobre vs pela mera aplicao de conhecimentos, isto , observando-vos com os conhecimentos adquiridos de algum instrutor, de algum livro, ou de vossa prpria experincia. O vs uma entidade extraordinria, uma coisa complexa, vital, intensamente viva, em constante mutao, a passar por experincias de todo gnero. um vrtice de descomunal energia, e ningum pode instruir-vos a

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  • respeito dele ningum! Esta a primeira coisa que se deve compreender. Uma vez compreendida, percebida a sua verdade, j estais liberto de pesado fardo: deixastes de contar com outros, para vos dizerem o que deveis fazer. J est ento em comeo a liberdade, com seu inefvel perfume!

    Assim, tenho de conhecer-me, pois, sem o conhecimento de mim mesmo, nunca ter fim o conflito, nunca ter fim o medo e o desespero, nunca haver a compreenso da morte. Quando me compreendo, compreendo todos os entes humanos, as relaes humanas em sua totalidade. Compreender a mim mesmo aprender a respeito do corpo fsico e das vrias reaes nervosas; estar consciente de cada movimento de pensamento; compreender a coisa denominada cime, brutalidade; descobrir o que afeio, amor. compreender, em seu todo, aquilo que constitui o eu, o vs:

    Aprender no estabelecer uma base de conhecimentos. O aprender ocorre a cada instante; um movimento no qual vos observais infinitamente, sem jamais condenar, sem nunca julgar, sem nunca avaliar, porm sempre e unicamente observando. Desde o momento que condenais, interpretais ou avaliais, tendes um padro de conhecimento, de experincia, e esse padro vos impede o aprender.

    Sem vos compreenderdes no possvel uma mudana na raiz mesma da mente; e essa mutao, essa mudana, necessria. No emprego a palavra mudana no sentido de se ser influenciado pela sociedade, pelo clima, pela experincia, ou por outra qualquer espcie de presso. As presses e influncias apenas podero impelir-vos numa certa direo. Refiro-me mudana que se opera sem esforo algum, em virtude de compreenderdes a vs mesmo. H, sem dvida, enorme diferena entre as duas coisas; entre a mudana operada mediante compulso, e a mudana que vem espontnea, natural, livremente.

    Pois bem; se estais seriamente interessados e parece-me que seria um tanto absurdo se tivsseis feito to longa viagem, para assistir a estas conferncias, com este calor e sujeitando-vos a tantos desconfortos, sem estardes seriamente interessados -* ento, estas trs semanas que aqui passareis vos oferecero uma excelente oportunidade de aprender, de empenhar-vos numa real observao, numa profunda investigao. Pois, senhores, estou bem cnscio de que vossa vida muito superficial. Sabemos e temos experimentado muitas coisas, somos capazes de falar com muita sutileza,

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  • mas, na realidade, nenhuma profundidade temos. Vivemos superfcie; e, vivendo superfcie, esforamo-nos por tornar muito srio esse viver superficial. Mas, eu me refiro a uma seriedade que se no restringe ao mero nvel superficial, uma seriedade que penetra as ltimas profundezas de nosso prprio ser. A maioria de ns no verdadeiramente livre; e, para mim, a menos que sejamos livres livres de nossas preocupaes, de nossos hbitos, de nossas deficincias psicossomticas, livres do medo nossa vida continua sendo terrivelmente superficial e vazia, e nessa condio vamos envelhecendo e morrendo.

    Assim, no decorrer destas trs semanas, tratemos de averiguar se poderemos quebrar as paredes desta existncia superficial que to zelosamente temos cultivado, para penetrarmos em algo muito mais profundo. E esse processo de penetrao no depende de nenhuma autoridade, no depende de sermos instrudos por outro sobre como faz-lo porque ningum vo-lo pode ensinar. O que aqui temos de fazer aprender juntos o que h de verdade em tudo o que vamos examinar e, uma vez tenhais realmente compreendido o verdadeiro, estar terminada toda dependncia da autoridade. No necessitareis, ento, de livro nenhum, no necessitareis de ir igreja ou ao templo; j no sereis um seguidor. H na liberdade grande beleza, grande profundeza, grande amor, que desconhecemos completamente porque ainda no somos livres. Assim, o que primeiramente nos deve interessar parece-me ser a investigao dessa liberdade, no s por meio da anlise verbal, discursiva, mas tambm independentemente da palavra.

    Est fazendo muito calor, mas devo dizer que todo o possvel se fez para tomar bem fresco o interior deste pavilho. No podemos realizar mais cedo as reunies, porque h muitos que vm de longe; assim sendo, teremos de sujeitar-nos ao calor como uma parte dos inevitveis desconfortos.

    Como sabeis, h necessidade de nos disciplinarmos no mediante rigoroso controle, porm, sim, pela integral compreenso da questo da disciplina, pelo aprender o que ela . Consideremos, por exemplo, esta coisa imediata; o calor. Podemos sentir o calor que est fazendo, sem nos deixarmos importunar por ele, visto ser o nosso interesse, a nossa investigao que constitui o prprio movimento do aprender muito mais importantes do que o calor e o desconforto do corpo. O aprender, pois, requer disciplina; e o prprio ato de aprender disciplina; por conseguinte, no h necessidade de impor-nos disciplina alguma, nenhum con

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  • trole artificial. Isto , eu quero escutar, no s o que se est dizendo, mas tambm todas as reaes que as palavras provocam em si mesmo. Quero conscientizar-me de cada pensamento, de cada gesto. Isso, em si, disciplina, e tal disciplina extremamente, flexvel.

    Assim, penso eu, a primeira coisa que vos cumpre descobrir se como ente humano que est vivendo em determinada cultura ou comunidade realmente necessitais de liberdade, tanto quanto necessitais de alimento, de satisfao sexual, de conforto; e at onde e at que profundidade estais disposto a ir, ,a fim de serdes livre. Acho que s isto o que podemos fazer nesta primeira palestra ou, melhor, a nica coisa que podemos fazer durante estas trs semanas, visto ser esta a nica coisa que podemos ter em comum s ela, e nada mais. Entendeis? Porque tudo o mais se torna mera sentimentalidade, devoo, emocionalismo coisas muito infantis. Mas, se vs e eu estivermos, conjuntamente, buscando, investigando, aprendendo o que significa ser livre, ento, nessa abundncia todos poderemos comungar.

    Como disse no incio, aqui no h instrutor e no h discpulo. Cada um de ns est aprendendo, mas no a respeito-de outrem. No estais aprendendo a respeito do orador, ou de vosso companheiro ao lado. Aprendeis sobre vossa pessoa. E se estais aprendendo acerca de vs mesmo, sois ento o orador, sois o vossp companheiro ao lado, sois capaz de amar o vosso prximo; de outro modo, no podeis am-lo, e tudo o que se est dizendo ficar sendo meras palavras. No podeis amar o prximo se tendes o esprito de competio. Toda a nossa estrutura social econmica, poltica, moral, religiosa se alicera na competio, e ao mesmo tempo dizemos que devemos amar o prximo. Isso uma impossibilidade, visto que onde h competio no pode haver amor.

    Assim, para se compreender o que o amor, o que a verdade, necessita-se de liberdade e esta ningum vos pode dar. Tendes de encontr-la por vs mesmo, com diligente trabalho.

    12 de julho de 1964.

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  • A MENTE LIVRE

    (2 ) *

    Em nossa reunio aqui, h dias, estivemos falando sobre a necessidade de liberdade; e com essa palavra liberdade no me referia liberdade fragmentria, superficial, em certos nveis de nossa conscincia. Falvamos sobre a necessidade de se ser totalmente livre livre nas razes mesmas da mente, em todas as nossas atividades fsicas, psicolgicas e parapsicolgicas. Liberdade supe total ausncia de problemas, no achais? Porque, quando a mente livre, pode observar e agir com perfeita clareza; ela pode ser o que , sem conscincia de nenhuma tradio. Para mim, uma vida de problemas econmicos ou sociais, particulares ou pblicos destri e perverte a lucidez. E tem-se necessidade de lucidez. Necessita-se de uma mente que veja bem claro cada problema que surge, uma mente capaz de pensar sem confuso, sem condicionamento, uma mente dotada de afeio, amor, que nada tenha em comum com emocionalismo ou sentimentalismo.

    Para nos acharmos nesse estado de liberdade o qual dificlimo de compreender e requer muita perquirio necessitamos de uma mente no perturbada, uma mente quieta; uma mente que funcione por inteiro, no apenas na periferia, mas tambm no centro. Essa liberdade no uma abstrao, um ideal. O movimento da mente livre uma realidade, e os ideais e abstraes nenhuma relao tm- com ele. Essa liberdade ocorre natural e espontaneamente sem nenhuma espcie de coero, de disciplina, de controle ou persuaso ao compreendermos integralmente como surgem e findam os problemas. A mente com um problema perturbador, e que encontra meios de fugir a esse problema, continua sendo uma mente inibida, acorrentada, no livre. Para a mente que no resolve cada problema que surge, em qual-

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  • quer nvel que seja fsico, psicolgico, emocional no pode haver liberdade e, por conseguinte, clareza de pensar, de viso, de percebimento.

    A maioria dos entes humanos tem problemas. -Entendo por problema a renitente perturbao causada pela inadequada resposta a um desafio isto , pela incapacidade de atendermos s solicitaes da vida com todo o nosso ser; ou, pela indiferena que produz uma disposio habitual para aceitar e suportar os problemas. H um problema toda vez que deixamos de enfrentar e examinar uma situao at suas ltimas conseqncias. No se pode deixar isso para amanh ou alguma data futura, pois cada situao - deve ser enfrentada logo que surge, a cada minuto, a cada hora, a cada dia.

    Todo problema, em qualquer nvel que seja consciente ou inconscientemente - um fator que destri a liberdade. Problema tudo aquilo que no compreendemos totalmente. O problema de qualquer de ns pode ser a dor, o incmodo fsico, a morte de algum, ou falta de dinheiro; pode ser a incapacidade de descobrirmos por ns mesmos se Deus uma realidade ou mera palavra, sem nenhuma substncia. E h os problemas atinentes s relaes, particulares e pblicas, individuais e coletivas. A no compreenso das relaes humanas, em seu todo, gera problemas; e quase todos ns temos problemas (causadores de doenas psicossomticas) a *> alquebrar-nos a mente e o corao. Com essa carga de problemas, apelamos para vrios meios de fuga; cultuamos o Estado, aceitamos a autoridade, recorremos a algum para que resolva nossos problemas, atiramo-nos a uma ftil repetio de oraes e rituais, entregamo-nos bebida, aos prazeres sexuais, ao dio, autocom- paixo, etc.

    Temos cultivado muito zelosamente todo um sistema de fugas racionais ou irracionais, nervosas ou intelectuais o qual nos permite aceitar e, por conseguinte, suportar todos os problemas humanos que surgem. Mas tais problemas produzem, inevitavelmente, confuso e a mente nunca se torna livre.

    Agora, no sei se tendes o mesmo modo de sentir que eu tenho em relao , necessidade no necessidade fragmentria, necessidade de um dia em que nos vemos subitamente obrigados a enfrentar uma certa situao, porm a necessidade absoluta (desde que comeamos a refletir nessas coisas, at o fim da vida) de no se ter problema algum. Provavelmente no percebeis quanto urgente essa necessidade. Mas, se pudermos ver com toda a cla-

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  • reza, concretamente no abstratamente que a necessidade de se estar livre de problemas to grande quanto a de alimento e ar puro, ento, com essa percepo agimos, tanto psicologicamente, cbmo nas ocupaes da vida diria; essa percepo estar sempre presente em tudo o que fizermos, pensarmos e sentirmos.

    Assim, a libertao dos problemas a questo principal, pelo menos para esta manh. Pode ser que tornemos a consider-la de maneira diferente amanh, mas isso no importa. O importante perceber que a mente em que h conflito uma mente destrutiva, porque est sempre a deteriorar-se. A deteriorao no depende de nenhuma idade: ela se manifesta quando a mente se acha envolvida em conflito e tem muitos problemas no solucionados. O conflito o ncleo da deteriorao e da decadncia. No sei se percebeis a verdade dessa assero. Se a percebeis, ento o problema de como resolver o conflito. Mas, primeiramente, necessrio a pessoa perceber por si prpria que a mente que tem qualquer espcie de problema, em qualquer nvel e de qualquer durao que seja, incapaz de pensar com clareza, de ver as coisas como so brutalmente, impiedosamente, sem sentimentalis- mos nem autocompaixo.

    Ora, em geral costumamos fugir logo que surge um problema, e achamos dificlimo ficar com o problema e observ-lo, sem interpretar, condenar ou comparar, sem tentar alter-lo ou fazer alguma coisa em relao a ele. Isso requer plena ateno; mas, para a maioria de ns nenhum problema to srio que merea toda a nossa ateno, isso porque levamos uma vida superficial e em regra nos satisfazemos com solues fceis e respostas prontas. Queremos esquecer o problema, afast-lo de ns e ir vivendo com outra coisa qualquer. S quando o problema nos atinge intimamente, como em caso de morte ou de absoluta falta de dinheiro, ou quando nos vemos abandonado por nosso marido ou nossa mulher s ento o problema pode tornar-se crtico. Mas, nunca permitimos a nenhum problema produzir uma crise real em nossa vida; temos sempre a habilidade de varr-lo com explicaes, com palavras, com vrios meios de defesa de que nos servimos.

    J sabemos o que significa um problema. uma situao que no quisemos examinar at suas ltimas conseqncias e compreender completamente; por conseguinte, o caso no foi liquidado e fica a repetir-se indefinidamente. Para compreender um problema, precisamos compreender as contradies as contradies extremas e tambm as contradies triviais de cada dia de nosso

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  • prprio ser. Pensamos de um modo e agimos de outro; dizemos uma coisa e sentimos coisa bem diferente. H conflito entre o respeito e o desrespeito, a rudeza e a polidez. De um lado, o sentimento de arrogncia, de orgulho, de outro lado fazemos exibio de humildade. Conheceis as numerosas contradies, tanto conscientes como ocultas. Ora, como surgem essas contradies?

    Como j tenho dito repetidas vezes, peo-vos escutardes no apenas o que o orador diz, mas tambm o vosso prprio pensamento; que observeis a maneira como se operam vossas prprias reaes, e estejais cientes de vossa reao ao ser formulada aquela pergunta (como surgem as contradies?), a fim de vos familiari- * zardes com vs mesmo.

    Quando temos um problema, quase sempre desejamos saber de que maneira resolv-lo, o que fazer a respeito dele, como transcend-lo, como nos livrarmos dele, ou qual a sua soluo. Nada disso nos interessa aqui. Eu quero saber como o problema surge; porque, se posso descobrir a raiz de um problema, se posso compreend-lo de princpio a fim, terei ento encontrado a soluo de todos os problemas. Se posso olhar completamente um s problema, serei ento capaz de compreender qualquer problema que se apresente no futuro. Assim, como surge um problema, um problema psicolgico? Consideremos isso em primeiro lugar, uma vez que os problemas psicolgicos pervertem todas as atividades da vida. S quando a mente compreende e resolve um problema psicolgico logo que surge, e no transporta o registro desse problema para a prxima hora ou dia seguinte, s ento que ela ser capaz de enfrentar o prximo caso com renovado vigor, com clareza. Nossa vida uma srie de desafios e respostas, e devemos ser capazes de enfrentar cada desafio de maneira completa, porque, do contrrio, cada momento nos trar novos problemas. Compreendeis? Todo o meu interesse ser livre, no ter problemas a respeito de Deus, do sexo, do que quer que seja. Se Deus se tornou para mim um problema, ento no devo procur-lo; porque, para descobrir se h Deus, um ser supremo e imensurvel, deve a minha mente estar muito clara, purificada, livre, no quebrantada por nenhum problema.

    Eis porque eu disse logo de incio que a liberdade necessria. Dizem-me que mesmo Karl Marx o deus dos comunistas escreveu que os entes humanos tm direito liberdade. Para mim, a liberdade indispensvel liberdade no comeo, liberdade no meio, liberdade no fim e no existe essa liberdade quando trans-

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  • porto um problema de um dia para o outro. Isso significa que, no s tenho de descobrir como surge um problema, mas tambm

    , como elimin-lo, de modo que o problema no mais se repita, no seja transferido para mais tarde, e no se sinta nenhuma necessidade de amanh refletir sobre ele e resolv-lo. Se transporto o problema para o dia seguinte, estou contribuindo para que ele se enraze; e, depois, a extirpao desse problema se torna mais um problema. Por conseguinte, tenho de operar pronta e radicalmente, para a completa e definitiva extino do problema.

    Estais vendo, pois, quais so os dois pontos que temos de examinar; descobrir como surge o problema (problema relativo esposa, aos filhos, problema de falta de dinheiro, ou o problema de Deus qualquer problema) e, tambm, como poderemos extirp-lo imediatamente.

    O que estou dizendo no ilgico. Demonstrei-vos logicamente, racionalmente, a necessidade de se pr fim ao problema e de nunca transport-lo para o dia seguinte. Desejais fazer perguntas sobre o assunto?

    PERGUNTA: No com preendo porque dizeis que o dinheiro no representa problema.

    KRISHNAMURTI: Para muitos, ele constitui um problema. Eu nunca disse o contrrio. Notai, por favor, que eu disse que um problema toda coisa que no compreendemos completamente, quer relacionada com dinheiro, quer com o sexo, Deus, as relaes com a nossa esposa ou com algum que nos odeia no importa qual seja a coisa. Se tenho uma doena ou muito pouco dinheiro, isso se torna um problema psicolgico. Ou pode ser o sexo que se torna um problema. Estamos investigando como surgem os problemas psicolgicos, e no como proceder em relao a um dado problema em particular. Entendeis? Santo Deus! Isto to simples.

    No Oriente, h pessoas que abandonam o mundo e peregrinam de aldeia em aldeia a esmolar. Os brmanes da ndia estabeleceram, durante sculos, o costume de respeitar, de nutrir e vestir o homem que abandona o mundo. Para esse homem, evidentemente, o dinheiro no constitui problema nenhum; mas no estou advogando esse costume aqui! Estou, simplesmente, apontando que a maioria de ns tem problemas psicolgicos. No tendes problemas, no s de dinheiro, mas tambm de sexo, Deus e de vossas relaes? No tendes preocupaes sobre se sois amado ou no sois

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  • amado? Se tenho muito pouco dinheiro e desejo mais, isso naturalmente se torna um problema. Tenho preocupaes e ansiedades a esse respeito; ou me torno invejoso, porque vs tendes mais dinheiro do que eu. Tudo isso perverte a percepo, e so estes os problemas que ora consideramos.

    Estamos interessados em descobrir como surge um problema dessa natureza. Acho que tornei suficientemente claro este ponto; ou desejais aprofund-lo mais?

    Ora, por certo, um problema surge quando h em mim uma contradio. Se no h contradio em nenhum nvel, no h problema algum. Se no tenho dinheiro, irei trabalhar, esmolar, pedi-lo emprestado. Farei qualquer coisa, e isso no me ser difcil.

    PERGUNTA: Mas, que acontece quando nada se pode jazer?

    KRISHNAMURTI: Quereis dizer que no podeis fazer nada? Se possus alguma tcnica ou conhecimento especializado, podeis tor- nar-vos isto ou aquilo. Se sois incapaz de qualquer coisa, podeis cavar a terra.

    INTERROGANTE: Depois de certa idade, um homem no pode jazer nenhum trabalho.

    KRISHNAMURTI: Para esses casos, h a ajuda do governo.

    INTERROGANTE: No, senhor, no h.

    KRISHNAMURTI: Ento ele morre, e acabou-se o problema. Mas este um problema vosso, minha senhora?

    INTERROGANTE: No um problem a pessoal.

    KRISHNAMURTI: Ento, vos referis a outra pessoa e, assim, isso no nos interessa. Estamos falando aqui a vosso respeito, como ente humano que tem problemas, e no sobre algum parente ou amigo.

    INTERROGANTE: No h ningum que olhe por ele, seno eu. JComo posso vir aqui escutar-vos, deixando-o sem nenhuma assistncia?

    KRISHNAMURTI: No venhais, ento.

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  • INTERROGANTE: Mas, eu quero vir.

    KRISHNAMURTI: Ento no faais disso um problema.

    PERGUNTA: Quereis dizer que numa situao incm oda ou em baraosa, como, por exemplo, falta de dinheiro, podem os sobrepor-nos a essa situao?

    KRISHNAMURTI: No. Vede, j me tomastes a dianteira querendo resolver o problema. Quereis saber como proceder com o problema, e ainda no cheguei a. S formulei o problema, e no o que a seu respeito se deve fazer. Quando algum diz que devemos elevar-nos acima do problema, ou pergunta o que se pode fazer por um parente ou amigo, velho, e sem dinheiro percebeis o que essa pessoa est fazendo? Est fugindo ao fato. Um momento, escutai o que estou dizendo. No aceiteis nem rejeiteis o que digo escutai-o apenas. No tendes vontade de enfrentar o fato que sois vs, com o vosso problema, e no outrem. Se resolverdes vosso prprio problema de ente humano, ajudareis a outro (ou no o fareis, conforme o caso) a resolver o seu. Mas, no momento em que vos passais para o problema de outro, perguntando Que devo fazer? assumistes uma posio em que no se pode dar nenhuma resposta e, por conseguinte, torna-se existente uma contradio.

    No sei se est tudo claro.

    INTERROGANTE: Sou sem instruo em virtude de uma incapacidade da infncia, e isso tem sido para mim um problem a m edonho toda a vida. Como resolv-lo?

    KRISHNAMURTI: Tendes uma terrvel preocupao de resolver problemas, no verdade? Eu no a tenho. Sinto muito. Logo de incio eu vos disse que no me interessava resolver problemas, nem vossos, nem meus. No sou vosso protetor ou guia. Sois vosso prprio instrutor e vosso prprio discpulo. Aqui estais para aprender, e no para perguntardes a outro o que deveis e o que no deveis fazer. A questo no sobre o que se deve fazer por um invlido, ou por algum que no tem dinheiro suficiente, ou que iletrado, etc. etc. Aqui estais para aprender de vs mesmo a respeito dos I roblemas que tendes, e no para serdes instrudo por mim. Por

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  • tanto, no me coloqueis nessa posio falsa, porque eu no quero instruir-vos. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as numerosas inutilidades com que se explora o prximo j existentes no mundo. Estamos aprendendo, no mediante estudo, porm mantendo-nos vigilantes, despertos, autoconscientes;' nossa relao, por conseguinte, difere completamente da relao de mestre e discpulo. Este orador no vos est instruindo, nem dizendo o que deveis fazer isso seria completa imaturidade.

    PERGUNTA: Quando somos incapazes de ver tudo o que um problem a envolve, como poderem os penetrar at raiz desse problem a e resolv-lo?

    KRISHNAMURTI: To ansiosos vos mostrais por descobrir o que se deve fazer, que ainda no me destes oportunidade de entrar nessa questo. Escutai por alguns minutos, se vos apraz. No vou dizer-vos o que deveis fazer em relao a vossos problemas. Vou apontar-vos como aprender, e o que aprender; e vereis ento que, ao compreenderdes um problema, o problema termina. Mas se apelais para algum, pedindo-lhe que vos diga o que deveis fazer acerca de um problema, vos tornareis como uma criana irresponsvel, cujos passos so guiados por outro, e tereis mais problemas ainda. Isto verdadeiro e simples, e, assim sendo, pe- o-vos de uma vez por todas que lhe deis acolhida em vossa mente e em vosso corao. Aqui estamos para aprender e no para sermos instrudos. Ser instrudo confiar memria o que se ouve de outro; mas a simples repetio, de memria, no traz a soluo de problemas. S h madureza no efetivo aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memria, como meio de resolver os problemas humanos, procede da falta de madureza, e s pode criar mais padres, mais problemas.

    O simples desejo de resolver um problema uma fuga aos problemas, no achais? No penetrei o problema, no o estudei, no o explorei, no o compreendi. No conheo a beleza, ou a fealdade, ou a profundidade do problema; minha nica preocupao resolv-lo, afast-lo de mim. Esta nsia de resolver um problema, sem o ter compreendido, uma fuga ao problema; por con- . seguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.

    Pois bem; tenho um problema que desejo compreender completamente. No desejo fugir dele, no desejo verbalizar a seu

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  • respeito, no quero falar a outro sobre ele; s quero comprem (l-lo. No estou esperando que ningum me diga o que devo fazer Sei que ningum pode dizer-me o que devo fazer; e que, se algum 0 fizesse e eu aceitasse sua instruo, isso constituiria um ato ftil < absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instrudo e sem inim uso da lembrana do que aprendi acerca de anteriores problemas, para atender ao problema presente. Oh, no percebeis a bei / disso!

    Sabeis o que significa viver no presente? Parece-me que Rn, infelizmente. Viver no presente no ter continuidade nenhuma Mas isso coisa de que trataremos noutra ocasio.

    Tenho um problema, e desejo compreend-lo, aprender a irs . peito dele. Para tanto, no posso trazer as lembranas do pftgsiio e, com a ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o pro blema novo exige uma maneira nova de estud-lo, e no poiso nplicar-me a ele com minhas lembranas mortas, estticas. O pro blema algo atuante, e, portanto, tenho de ocupar-me dele ngoia Por conseguinte, o elemento tempo deve ser totalmente afastado

    Desejo descobrir como surgem os problemas os problomai psicolgicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura c&uft tiva dos problemas e fico, em conseqncia, livre de criar proble mas para mim mesmo, saberei ento como agir em relao ao d nheiro, ao sexo, ao dio, em relao a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, no irei criando novos problemas. Tenho, assta, de descobrir de que modo surge o problema psicolgico, . qual a maneira de resolv-lo. Entendeis? Ningum me pode dizet como surge o problema; eu prprio tenho de compreender Isso,

    Enquanto estou explorando dentro em mim, o mesmo deveis fazer em vs, e no ficar apenas ouvindo minhas palavras \ menos que ultrapasseis as palavras e olheis a vs mesmos, as pu lavras de nada vos serviro; tornar-se-o meras abstraes, o mm. a uma realidade. A realidade o movimento de vossa prpria invei tigao descobridora, e no a indicao verbal desse movimento

    Est bem claro, at aqui?Para mim, como disse, a liberdade da mais alta importncia

    Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se nin h inteligncia; e a inteligncia s pode vir ao compreendermos, individualmente, as causas dos problemas. A mente deve estar .

  • no h liberdade verdadeira; s h uma liberdade perifrica, fragmentria, sem nenhum valor. Isso o mesmo que um homem rico dizer que livre. Santo Deus! Ele um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dzias de coisas. E o homem pobre que diz: Sou livre, porque no tenho dinheiro esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manuteno dessa liberdade, no pode ser uma mera abstrao: ela deve constituir para vs, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque s quando existe a liberdade que podeis amar. Como podeis amar se sois ganancioso, ambicioso, competidor?

    No concordeis, senhores; assim, estais-me deixando fazer sozinho todo o trabalho.

    Eu no tenho interesse em resolver o problema ou em procurar algum que me diga como resolv-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote mo pode dizer. H milnios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O freqentar a igreja, a confisso, a orao nada disso resolver nossos problemas, que apenas continuam a multiplicar-se, como atualmente est acontecendo. Assim, de que modo surge xum problema?

    Como j disse, quando no h contradio interior, no h problema algum. A contradio envolve conflito do desejo. Mas o desejo em si no contraditrio. Por certo, o que cria a contradio so os objetos do desejo. Porque pinto quadros, escrevo livros, ou por qualquer coisa estpid que fao, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ningum me reconhece os mritos, h uma contradio e fico em estado lastimoso. Tenho medo da morte, que no compreendi; e nisso a que chamo amor, h contradio. Vejo, pois, que o desejo o comeo da contradio no o desejo em si, mas os objetos do desejo so contraditrios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma s coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna tambm um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer no meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porm compreender o desejo em si.

    Direis, talvez: Que relao tem tudo isso com o problema? Pensamos ser o desejo que cria o conflito, a contradio; e eu estou apontando que no o desejo, porm os objetos ou alvos contraditrios do desejo que criam a contradio. E nenhuma vantagem h em tentar ter um s desejo. Isso fazer como o sacerdote, que diz: S tenho um desejo, o desejo de alcanar a Deus

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  • e que tem uma infinidade de desejos, dos quais nem sequei est consciente. Cumpre, pois, compreender a natureza do desejo, e no tratar meramente de control-lo ou neg-lo. Diz a literatim religiosa que no se deve ter desejo, mas sim, destruir o desejo = o que uma inanidade. preciso compreender como o desejo surge e o que lhe d continuidade e no como faz-lo terminai Compreendeis o problema? Pode-se ver como o desejo surge; Nm 6 muito simples.

    H a percepo, o contato, a sensao (sensao mesmo sem contato) e da sensao resulta o comeo do desejo. Vejo um

  • COMUNICAO E COMUNHO

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    H, penso eu, uma grande diferena entre estar em comunicao e estar em comunho. Estar em comunicao partilhar idias, por meio de palavras, agradveis ou desagradveis, por meio de smbolos, de gestos; e as idias podem ser traduzidas ideologicamente, ou interpretadas conforme as peculiaridades, as idiossincrasias, o fundo de cada um. Mas, na comunho, penso que ocorre algo muito diferente. Na comunho no h partilhar idias, ou interpretao de idias. A pessoa pode estar, ou no, em comunicao com outros por meio de palavras, mas se acha em relao direta com o que observa; e se encontra em comunho com a prpria mente, com o prprio corao. Pode-se comungar com uma rvore, por exemplo, ou com uma montanha, um rio. No sei se j alguma vez estivestes sentado sob uma rvore e se realmente experimentastes estar em comunho com ela. Isso no sentimentalismo, nem emo- cionalismo: est-se em contato direto com a rvore. H uma extraordinria intimidade nessa relao. Nessa comunho, deve haver silncio, um senso profundo de quietude; os nervos, o corpo esto em repouso; o prprio corao quase parado. No h interpretao, no h comunicao, no h partilhar. Vs no sois a rvore, e tampouco estais identificado com a rvore: h s esse sentimento de intimidade em profundo silncio. No sei se alguma vez experimentastes isso. Experimentai-o, numa ocasio em que vossa mente no esteja a tagarelar, a divagar, em que no estejais a monologar, a lembrar-vos de coisas feitas ou por fazer. Esquecei tudo isso e procurai entrar em comunho com a montanha, com um rio, uma pessoa, uma rvore, com o movimento da prpria vida. Requer isso um extraordinrio sentimento de tranqilidade e uma peculiar

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  • ateno no concentrao, porm uma ateno natural e agradvel.

    Pois bem; desejo estar em comunho convosco, nesta manh, a respeito do que estivemos investigando outro dia. Falamos sobre a liberdade e sua essncia. A liberdade no um ideal, uma coisa remota; no concepo de uma mente prisioneira, uma mera teoria. S pode existir liberdade quando a mente no est sendo tolhida por nenhum problema. A mente que tem problemas jamais pode comungar com a liberdade ou estar ciente dessa coisa extraordinria que ela .

    A maioria das pessoas tem problemas e os vai simplesmente suportando; acostumam-se com os problemas e os aceitam como parte necessria da vida. Mas tais problemas no se resolvem pelo aceit-los ou acostumar-nos com eles; e se raspamos a superfcie, l os encontramos, a supurar, como sempre. E a maioria das pessoas vive nesse estado aceitando perenemente um problema aps outro, uma dor aps outra; sentem e aceitam a desiluso, a ansiedade, o desespero.

    Se simplesmente aceitamos os problemas e ficamos com eles, ns evidentemente no os resolvemos. Podemos dizer que esto esquecidos ou que nenhuma importncia tm; mas eles importam infinitamente, porque pervertem o esprito, falseiam a percepo e destroem a clareza. Se temos um problema, ele, geralmente, invade todo o campo de nossa vida. Pode ser um problema de dinheiro, problema sexual, de falta de instruo ou atinente ao desejo de nos realizarmos, de nos tornarmos famosos. Qualquer que ele seja, ele nos absorve a ponto de apoderar-se de todo o nosso ser, e pensamos que, resolvendo-o, estaremos livres de nssas aflies. Mas a mente limitada e mesquinha que tenta resolver seu problema pessoal isolando-o do movimento global da vida no pode jamais libertar-se de seus problemas; porque cada problema est relacionado com outro e, assim, so de todo inteis as tentativas de resoluo fragmentria. como cultivar uma s parte do campo e pensar que cultivamos o campo todo. Tendes de cultivar o campo inteiro, considerar cada problema.

    Como j disse antes, o importante no a soluo do problema, porm, sim, o compreend-lo por mais doloroso, por mais exigente, por mais premente e urgente que ele seja. Sem querer ser positivo ou dogmtico, parece-me que o preocupar-se com um s problema, em particular, indicativo de uma mente vulgar; e a mente vulgar que tenta continuamente resolver seu problem pes-

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  • soai nunca encontrar um meio de livrar-se de problemas. Poder fugir de vrias maneiras, tomar-se acrimoniosa, mordente, ou entre- gar-se ao desespero; mas nunca compreender o problema total da existncia.

    Assim, se temos de lidar com problemas, devemos ocupar-nos do campo inteiro em que eles proliferam, e no simplesmente de um dado problema. Qualquer problema, por mais complicado, por mais exigente ou premente que seja, relaciona-se com todos os outros; muito importa, por conseguinte, no trat-lo fragmentaria- mente, coisa essa sobremodo difcil. Ao termos um problema urgente, doloroso, insistente, pensamos em geral que o devemos resolver isoladamente, sem levar em conta todo o conjunto de problemas. Nele pensamos fragmentariamente, mas a mente fragmentria na realidade uma mente vulgar; se me permitis a expresso uma mente burguesa. No emprego essa palavra em sentido depreciativo, porm apenas para indicar o que a mente de fato : ela medocre ao pretender resolver isoladamente um problema pessoal. A pessoa atormentada pelo cime, por exemplo, deseja agir imediatamente, fazer qualquer coisa, reprimir o cime ou vingar-se. Mas esse problema individual relaciona-se com outros problemas. o todo que devemos considerar, e no apenas a parte.

    Ao considerarmos problemas, deve ficar entendido que no estamos interessados em achar soluo para problema algum. Como j apontei, a investigao que visa apenas a encontrar a soluo de um problema uma fuga ao problema. A fuga poder ser confortvel , ou dolorosa, poder exigir certa capacidade intelectual, etc.; mas, como quer que seja, sempre fuga. Se temos de resolver nossos problemas, se temos de ficar livres deles, aliviados de todas as presses que ocasionam, de modo que a mente fique completamente quieta e possa perceber (pois s pode perceber em liberdade), ento o que antes de tudo nos deve interessar no como resolver um problema, porm, sim, o compreend-lo. Compreender um problema muito mais importante do que resolv-lo. Compreenso no representa a capacidade ou habilidade da mente que adquiriu vrias formas de conhecimento analtico e capaz de analisar um dado problema; compreender estar em comunho com o problema. Estar em comunho no significa achar-se identificado com o problema. Como disse, para se estar em comunho com uma rvore, com um ente humano, com um rio, com a extraordinria beleza da natureza, necessita-se de certa quietude, um certo senso de separao, de distanciamento do mundo.

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  • Assim, o que aqui estamos tentando aprender a estar em comunho com o problema. Mas, percebeis a dificuldade que essa assero implica? Havendo comunho com outro, a idia do eu est ausente. Quando estais em comunho com o ente amado, com vossa esposa, vosso filho, quando segurais a mo de um amigo, nesse momento (se no se trata dessa falsa sentimentalidade, sensualidade, etc., a que chamam amor, porm de algo completamente diferente, algo vital, dinmico, real) h ausncia total do mecanismo do eu, com seu processo de pensamento. Analogamente, estar em comunho com um problema implica observao completa, no identificadora, no ? Os nervos, o crebro, o corpo, toda a entidade est quieta. Nesse estado pode-se observar o problema sem identificao, e esse o nico estado em que possvel a compreenso do problema. O chamado artista poder pintar uma rvore ou escrever uma poesia a respeito dela, mas estar realmente ein comunho com a rvore? No estado de comunho no h interpretao, nem idia de comunicao, como tambm a busca de uma maneira de expresso. Se expressais, ou no, essa comunho em palavras, numa tela, ou no mrmore, pouco importa; mas, no momento em que desejais express-la, a fim de exibi-la, de vend-la, de vos tornardes famoso, etc., comea a ter importncia o eu.

    Compreender inteiramente um problema comungar com ele. Vereis ento que o problema nenhuma importncia tem, pois o que importa o estado mental de comunho, no criador de problemas. Mas se o indivduo no capaz dessa comunho, se egocntrico, egotista, e deseja expresso pessoal e tantas outras infantilidades, eis a mentalidade vulgar geradora de problemas.

    Assim, como j acentuei, para se compreender um problema qualquer problema necessrio compreender o processo do desejo. Somos contraditrios, psicologicamente, e, por conseguinte, lambm em nossa atuao. Pensamos uma coisa e fazemos outra. Vivemos num estado de contradio, pois, do contrrio, no haveria problemas; contradizemo-nos quando no h compreenso do desejo. Para se viver sem conflito de espcie alguma, preciso compreender a estrutura e a natureza do desejo no reprimi-lo, control-lo, tentar destru-lo, ou simplesmente entregar-se a ele, como em geral fazemos. Isso no significa pr-se a dormir, vegetar, e aceitar simplesmente a vida com toda a sua degenerao; signi- lica, isto sim, perceber cada um por si mesmo que o conflito, em qualquer forma que seja disputa com e mulher, ou marid, ou a comunidade, a sociedade qualquer com. j deteriora a mente, torna-a embotada, insensvel.

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  • Como disse antes, o desejo em si no contraditrio; so os objetos do desejo, e a reao do desejo a esses objetos, que criam a contradio. O desejo s tem continuidade quando o pensamento com ele se identifica.

    Para observar, necessita-se de sensibilidade; os nervos, os olhos e ouvidos, todo o ser deve estar vivo e, contudo, a mente deve estar quieta. Pode-se ento olhar para um belo carro, uma bela mulher, uma esplndida vivenda, ou um rosto de extraordinria vivacidade, inteligncia pode-se observar essas coisas, v-las tais como so, e no passar disso. Mas, em geral, que acontece? H desejo; e o pensamento, identificando-se com o desejo, d-lhe continuidade.

    No sei se me estou expressando com clareza. Examinaremos este ponto posteriormente.

    O importante observar sem interferncia do pensamento. Mas no faais agora desta assero um problema. No digais: Como posso observar, como posso ver e sentir, sem deixar o pensamento interferir?. Se perceberdes por vs mesmos todo o processo do desejo e a contradio criada por seus objetos, e a continuidade que o pensamento d ao desejo se perceberdes todo esse mecanismo em ao, no fareis tal pergunta. Para aprendermos a conduzir um carro, no basta recebermos instrues tericas. Temos de sentar-nos ao volante, dar sada ao carro, fre-lo, aprender toda a tcnica de conduzir. Da mesmj maneira deveis conhecer o mecanismo extremamente delicado do pensamento e do desejo, e no apenas ser informado a seu respeito. Precisais olh-lo, aprender o que h nele, por vs mesmo e isso requer que dele vos acerqueis com sensibilidade.

    Assim, o importante no a soluo de um problema, porm a compreenso dele. S se apresenta um problema quando existe uma contradio, um conflito; e todo conflito supe esforo, no verdade? esforo para alcanar, esforo para vir a ser, esforo para transformar isto naquilo, esforo para aproximar uma coisa ou para distanci-la. Esse esforo tem sua origem no desejo o desejo, a que o pensamento deu continuidade. Por conseguinte, deveis aprender tudo o que se relaciona com esse processo aprender, e no apenas ser instrudo por este orador, pois isso nenhum valor tem. O que ouvis por meio do telefone pode ser agradvel ou desagradvel; pode ser real ou absurdo, completamente falso; mas o que ouvis que importante, e no o prprio aparelho. Em geral, damos importncia ao instrumento. Pensamos que o instrumento

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  • nos vai ensinar algo, e j vos tenho advertido freqentemente a respeito desta particular forma de insensatez.

    Aqui estais a fim de aprender, e escutais, no apenas o orador, mas a vs mesmos. Comungais com vossa prpria mente, observando o funcionamento do desejo e como surge o problema. Estais entrando em intimidade com vs mesmos, e essa intimidade s pode ser sentida profundamente quando vos aplicais ao problema com toda a calma sem dizerdes: Preciso liquidar esse problema infernal e sem vos sentirdes agitado ou excitado em relao a ele. Quereis averiguar como surge um problema e como o pensamento o perpetua, dando continuidade a um certo desejo. Vamos, pois, aprender como surge e como termina um problema sem precisarmos de tempo para refletir sobre ele, mas pondo-lhe fim imediatamente.

    Qualquer que seja o problema, o pensamento lhe d continuidade. Se me dizeis algo que me agrada, o pensamento se identifica com esse prazer e nele deseja continuar a viver; por conseguinte, considero-vos meu amigo e visito-vos freqentemente. Mas, se me dizeis algo insultuoso, que acontece? Dou tambm continuidade a esse sentimento, pensando nele. O que dissestes poder ser verdadeiro, mas no me agrada e, por conseguinte, evito-vos ou desejo dar-vos o troco. esse o mecanismo que cria e mantm vivos os problemas.

    Penso que agora est bastante claro. Pensando constantemente numa coisa, damos-lhe continuidade. Sabeis quantas coisas confusas pensais acerca de vs mesmo e de vossa famlia, quantas recordaes agradveis e quantas iluses tendes a vosso respeito pensais constantemente em tudo isso e lhe dais, por conseguinte, continuidade. Ora bem, se comeardes a compreender esse processo, no seu todo, e a conhecer individualmente a natureza da continuidade, ento, ao apresentar-se um problema, podereis entrar em perfeita comunho com ele, porque ento o pensamento no interfere; por conseguinte, termina logo o problema. Entendeis?

    Consideremos um problema muito comum: o desejo de segurana. A maioria de ns quer estar em segurana esta uma das exigncias humanas de origem animal. bvio que, no sentido fsico, necessita-se de uma certa segurana. Precisamos de um lugar onde morar, e saber onde obter nossa prxima refeio a no ser que vivamos no Oriente, onde se pode brincar com a insegurana fsica, andando de aldeia em aldeia, etc. Felizmente, ou infe

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  • lizmente, no se pode fazer isso aqui; quem o faz preso por vadiagem, etc.

    No animal, no beb, na criana muito forte a nsia de segurana fsica. Mas a maioria quer estar em segurana psicologicamente; em tudo o que fazemos, pensamos e sentimos, queremos segurana, certeza. Por isso, h tanta competio entre ns; por isso, somos ciumentos, vidos, invejosos, brutais e vivemos terrivelmente interessados em coisas insignificantes. Essa insistente exigncia de segurana psicolgica existe h milhes de anos, e nunca indagamos a verdade a seu respeito. Temos por assentado e certo que devemos ter segurana psicolgica em nossas relaes com a famlia, a mulher, o marido, os filhos, nossos haveres, com o que chamamos Deus. Queremos sentir-nos seguros a qualquer preo.

    Ora, preciso pr-me em comunho com essa exigncia de segurana psicolgica, que um problema real. Compreendeis? Se no nos sentimos seguros, psicologicamente, isso para ns como perder-nos em guas profundas, ou tornar-nos neurticos, esquisitos. Pode-se notar essa esquisitice na fisionomia de muitas pessoas. Eu desejo descobrir a verdade relativa a esta questo, compreender completamente a exigncia de segurana; porque o desejo de se estar seguro nas relaes que gera o cime, a ansiedade, que faz nascer o dio e a aflio em que vive a maioria de ns. E como pode a mente, que h milhes de^ anos exige segurana, que to condicionada est, descobrir a verdade relativa segurana? Para descobrir essa verdade, tenho, naturalmente, de estar em perfeita comunho com ela. No posso deixar-me instruir por outro a respeito dela isso seria um absurdo. Eu prprio tenho de aprender o que essa verdade. Cabe-me investig-la, descobri-la; devo estar em perfeita intimidade com essa exigncia de segurana, pois, de outro modo, nunca saberei se existe, ou no, essa coisa chamada segurana. Este provavelmente o principal problema de cada um. Se descubro que no existe realmente segurana nenhuma, ento no h problema algum, h? J estou fora da batalha pela segurana e, por conseguinte, minha ao nas relaes toda diferente. Se minha mulher deseja abandonar-me, abandona-me e eu no fico, por isso, em situao dolorosa, no odeio ningum, no me tomo ciumento, invejoso, furioso, etc.

    Vejo que prestais toda a ateno e folgo com isso! Estais muito mais familiarizados com essas coisas do que eu. Pessoalmente, no desejo fazer da segurana um problema; no desejo criar em minha vida nenhum problem a econmico, psicolgico, ou religioso. Vejo

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  • com clareza que a mente que tem problemas se torna embotada, insensvel, e que s a que sensvel inteligente. E, visto que esse clamor pela segurana persiste, profunda e perenemente, em cada um de ns, desejo descobrir a verdade relativa segurana. Mas esta uma questo muito difcil de investigar; porque, no s desde nossa infncia, mas desde o comeo dos tempos, sempre quisemos segurana segurana em nosso trabalho, em nossos pensamentos e sentimentos, em nossas crenas e nossos deuses, em nossa nao, em nossa famlia, em nossos haveres. por isso que a memria, a tradio, o fundo do passado, exercem to importante papel em nossa vida.

    Ora, toda experincia me torna mais forte a conscincia de segurana. Toda experincia est sendo registrada na memria, acrescentada ao depsito de coisas passadas. Essa experincia acumulada se torna o meu fundo no decorrer de minha vida, fundo com o qual prossigo experimentando; por conseguinte, toda experincia nova vai acrescentar e reforar esse fundo de memria, em que me sinto protegido, seguro. Entendeis? Portanto, preciso cons- cientizar-me de todo esse extraordinrio processo de condicionamento. No se trata de saber como ficar livre de meu condicionamento, porm, sim, de estar em comunho com ele de instante em instante. Posso ento olhar o desejo de segurana sem convert-lo num problema.

    Est tudo claro? Desejais fazer perguntas?

    INTERROGANTE: No h comunho porque a m ente est sob a carga do eu.

    KRISHNAMURTI: Senhor, vou perguntar-vos uma coisa: Que comunho? Ora, que acontece quando ouvis esta pergunta? Todo o mecanismo de vossa mente condicionada entra em funo, e respondeis pergunta; mas no a escutastes realmente. Pode ser e pode no ser que j tenhais refletido a esse respeito. Podeis ter pensado nisso ocasionalmente; ou talvez tenhais lido algo sobre o assunto neste ou naquele livro, e repetis o que lestes. Mas no estais escutando. Quando este orador diz: Procurai estar em comunho com uma rvore, claro que se tendes verdadeiro interesse lereis primeiramente de descobrir o que isso significa. Ide sentar-vos debaixo de uma rvore, ou beira do rio, ou sombra de uma montanha, ou simplesmente olhai o rosto de vossa mulher, de vosso filho. Que significa estar em comunho? Significa que no h

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  • barreira de pensamento entre o observador e aquilo que est sendo observado. O observador no se est identificando com a rvore, com a pessoa, com o rio, com a montanha, com o cu. No existe, simplesmente, barreira alguma. Se existe um vs, com seus complexos pensamentos e ansiedades, a observar a rvore, no h ento comunho com a rvore. O estar em comunho com algum ou alguma coisa, exige espao, silncio; vosso corpo, vossos nervos, vossa mente, vosso corao, todo o vosso ser deve estar quieto, completamente sereno. No digais como posso tornar-me tranqilo?. No faais da tranqilidade mais um problema. Vde. simplesmente, que no h comunho se est em funo o mecanismo do pensamento o que no significa pr-se a dormir.

    Provavelmente, nunca fizestes isto; nunca estivestes em comunho com vossa mulher ou marido, com quem dormis, respirais, comeis, tendes filhos, etc. Provavelmente nunca estivestes sequer em comunho com vs mesmo. Se sois catlico, ides igreja e recebeis o que se chama comunho; mas no disso que falo. Tais coisas so todas infantis.

    Quando falamos de comunho com a natureza, com as montanhas, entre ns, em geral no sabemos o que isso significa e procuramos imagin-lo. Especulamos sobre a matria, e dizemos que o eu que est impedindo a comunho. Por Deus, senhores, no faais da comunho um novo problema. J tendes problemas que chegam e, portanto, escutais simplesmente. Vs estais em comunho comigo, e eu estou em comunho convosco. Digo-vos alguma coisa, e, para a compreenderdes, tendes de escutar. Mas, escutar significa ateno sem esforo, com os nervos repousados; no significa T enho de escutar! e pr-vos num estado de excitao, de tenso nervosa. Ou seja, escutar com agrado, naturalidade, em silncio, para que possais descobrir o que o orador deseja transmitir. O que ele diz pode ser puro disparate, ou algo de real, e cabe-vos escutar, para o averiguardes; mas, isso parece constituir uma das vossas maiores dificuldades. Vs no escutais verdadeiramente; mentalmente, estais argumentando comigo, erguendo uma barreira de palavras.

    Eu estou dizendo que o importante em tudo isso aprender a estar em comunho com vs prprio, de maneira agradvel, feliz, de modo que possais seguir todos os pequenos movimentos de vosso pensamento e sentimento, assim como se segue o curso de um rio. Vede a atividade de cada pensamento e sentimento, sem procurar corrigi-lo, sem diz-lo bom ou mau, sem nenhum desses

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  • juzos simplrios, burgueses, da mente vulgar, insignificante. Observai apenas; e, no observar, sem vos identificardes com nenhum pensamento ou sentimento, agradvel ou desagradvel, vereis que podereis estar em comunho com o vosso ser.

    A maioria de ns deseja estar psicologicamente segura, disso fazemos questo, e, por essa razo, a famlia se torna um v erdadeiro pesadelo; torna-se uma coisa terrvel, porque dela fazemos nosso prprio meio de segurana. Em seguida, torna-se tambm a nao a nossa segurana e nos deixamos empolgar pelas inanidades do nacionalismo. A famlia tem sua razo de ser, mas, quando nos serve como meio de segurana, veneno mortal.

    Para descobrir a verdade relativa segurana, deveis estar em comunho com o desejo de vos sentir seguros, profundamente arraigado em ns e que constantemente se manifesta sob diferentes formas. Busca-se a segurana, no s na famlia, mas tambm em lembranas e na dominao ou influncia de outro. Recorreis lembrana de alguma experincia ou relao que vos foi grata, que vos deu esperana, conforto, e nessa lembrana buscais abrigo. H u segurana proporcionada pelo talento e o saber, a segurana dada pelo nome e a posio. E h a segurana proveniente de uma capacidade: sabeis pintar, ou tocar violino, ou executar outra coisa qualquer, que vos faz sentirdes seguros.

    Pois bem; uma vez estejais em comunho com o desejo que vos impele a buscar a segurana, percebendo ser esse desejo o criador da contradio (j que nada ou ningum neste mundo pode estar em segurana); desde que o descubrais individualmente, e no mediante instruo de outrem, e aps a soluo do problema, ver-vos-ei fora do campo da contradio e, portanto, livre do medo.

    No sei se alguma vez ficais em ntimo recolhimento. Nesse estado de silncio interior, quando caminhais pela rua, vossa mente est completamente serena, observando e escutando, sem pensamento. Conduzindo vosso carro, olhais a estrada, as rvores, os outros carros que passam observais, apenas, sem reconhecimento, sem nenhuma interferncia do mecanismo do pensar. Quanto mais funciona esse mecanismo, tanto mais a mente se gasta; nenhum espao fica para a simplicidade, e s a mente simples, s, pode perceber a Realidade.

    16 de julho de 1964.

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  • MUDANA E MUTAO

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    H, a meu ver, vasta diferena entre mudana e mutao. A mera mudana no conduz a parte alguma. Uma pessoa pode tornar-se superficialmente adaptvel, muito hbil no ajustar-se aos diferentes ambientes e circunstncias sociais, e existem vrias formas de presso interior e exterior; mas a mutao requer um estado mental bem diferente. Nesta manh desejo salientar a diferena entre estas duas coisas.

    Mudana alterao, reforma, substituio de uma coisa por outra. Mudana implica ato de vontade, consciente ou inconsciente. E, considerando-se a confuso, a jnisria, a opresso, a extrema aflio existente em toda a sia subdesenvolvida, torna-se evidente a necessidade de uma mudana radical, revolucionria. H necessidade, no s de mudana fsica ou econmica, mas tambm de mudana psicolgica mudana em todos os nveis de nosso ser, exteriores e intriores, a fim de se proporcionar uma melhor existncia ao homem. Isso bvio, e at os mais extremados conservadores o admitiro. Mas, ainda que o reconheamos, em regra no consideramos profundamente a questo da mudana e tudo o que ela encerra. Qualquer ajustamento, substituio, reforma, de ao profunda, ou consiste meramente num polimento superficial, numa limpeza, na moralidade das relaes humanas? Penso que devemos compreender plenamente o que est implicado nesse processo de mudana, antes de examinarmos o que considero mutao.

    A mudana, embora necessria, me parece sempre superficial. Entendo por mudana todo movimento operado pelo desejo ou pela vontade, toda iniciativa concentrada numa dada direo, visante a uma certa atitude ou ao bem definida. Toda mudana, evidentemente, tem atrs de si um motivo. Esse motivo pode ser pessoal ou coletivo, manifesto ou remoto; pode ser um motivo bondoso, gene-

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  • roso, ou um motivo de medo, desespero; mas qualquer que seja a natureza ou o nvel do motivo, a iniciativa ou movimento resultante desse motivo produz uma certa mudana. Isso me parece claro. Em geral somos suscetveis, individual e coletivamente, de modificar nossas atitudes, sob influncia, presso, e tambm quando aparece alguma inveno nova que direta ou indiretamente influi em nossa vida. Podemos ser levados a mudar nossos pensamentos, orient-los em diferente direo, por um artigo de jornal ou pela propaganda que se faz de uma idia. A religio organizada empenha-se em educar-nos, desde a infncia, numa certa forma de crena, condicionando-nos assim a mente, e, pelo resto da vida, toda mudana que operamos fica dentro dos limites modificados dessa crena.

    Assim, so raros os que mudam, a no ser com um motivo. O motivo poder ser altrusta ou interesseiro, limitado ou amplo; poder ser o medo de perder uma recompensa, ou de no atingir uin certo e prometido estado para o futuro. O indivduo se sacrifica coletividade, ao Estado, a uma ideologia, ou a determinada forma dc crena em Deus. Tudo isso implica uma certa mudana, consciente ou inconscientemente produzida.

    Pois bem; a chamada mudana uma "continuidade modificada do que j existia, e nessa suposta mudana nos tornamos muito hbeis. Estamos constantemente fazendo novas descobertas na F sica, na Cincia, na Matemtica, inventando coisas novas, preparando-nos para ir Lua, etc. etc.

    Em certos aspectos tornamo-nos extraordinariamente sabidos, bem informados; e essa espcie de mudana envolve capacidade de ajustamento ao novo ambiente, s novas presses que ela cria. Mas, basta isso? Pode-se perceber tudo o que determina essa superficial modalidade de mudana. Entretanto, sabemos, interiormente, profundamente, ser necessria uma mudana radical mudana no produzida por nenhum motivo ou como resultado de presso. Percebemos a necessidade de mutao na prpria raiz da mente, pois, sem ela, somos apenas uma horda de macacos habilssmos e dotados de extraordinrias aptides e no autnticos entes humanos.

    Percebendo-se isso, profundamente, em ns mesmos, que cumpre fazer? Vemos que se necessita de uma mudana revolucionria, dc completa mutao na raiz mesma de nosso ser, porque, do contrrio, nossos problemas, tanto econmicos como sociais, iro crescendo inevitavelmente, e se tornando cada vez mais crticos. Necessita-se de uma mente nova, fresca e, para a termos, deve

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  • operar-se, na totalidade de nossa conscincia, uma mutao no produzida por ato de vontade e, portanto, sem motivo.

    No sei se me estou expressando claramente.Percebendo a necessidade de mudana, pode uma pessoa exer

    cer a vontade, a fim de produzi-la sendo vontade o desejo fortalecido, em dada direo, pela determinao e posto em movimento pelo pensamento, pelo medo, pela revolta. Mas toda mudana dessa ordem mudana produzida pela ao do desejo, da vontade sempre limitada. uma continuidade modificada do que era antes, como se pode ver pelo que est ocorrendo no mundo comunista, e tambm nos pases capitalistas. Necessita-se, pois, de uma revoluo extraordinria, de revoluo psicolgica no ente humano, no prprio homem; mas, se ele tem um alvo, se sua revoluo planejada, est ainda dentro dos limites do conhecido e, por conseguinte, no constitui mudana nenhuma.

    Eu posso mudar, posso forar-me a pensar de outro modo, a adotar um diferente sistema de crenas; posso suprimir um dado hbito, livrar-me do nacionalismo, reformar meu raciocnio, fazer eu prprio a lavagem de meu crebro, em vez de deix-la para ser feita por um partido 1 ou igreja. Tais mudanas so muito fceis de operar em mim mesmo; mas percebo sua total inutilidade, porquanto so superficiais e no conduzem compreenso profunda que deve orientar-nos na vida. Assim, que fazer?

    Compreendeis minha pergunta? Acho que fui claro.Se fao um esforo para mudar, esse esforo tem motivo, sig

    nificando isso qtie o desejo inicia um movimento em certa direo. A est em ao a vontade, e, por conseguinte, qualquer mudana que seja produzida uma simples modificao no uma mudana real, absolutamente.

    Vejo claramente que preciso mudar, e que essa mudana deve ocorrer sem esforo. Todo esforo para mudar anula-se a si prprio, uma vez que supe a ao do desejo, da vontade, em conformidade com um padro, uma frmula, um conceito preestabelecido. Assim sendo, que fazer?

    No sei se sentis como eu a relevncia desta questo o quanto ela nos interessa, no s no sentido intelectual, mas, principalmente, como um fator essencial em nossa vida. H milhes de

    ( 1 ) Aluso a mtodos coercitivos de lavagem cerebral (brain-washing) com o emprego de drogas e certos processos psicolgicos (N . do T .).

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  • anos vem o homem fazendo um esforo incessante para mudar, entretanto continua envolto em aflies, desespero, medo, s tendo raros e fugidios clares de alegria e deleite. E como pode essa entidade, que h tanto tempo vem sendo fortemente condicionada, alijar sua carga sem nenhum esforo? Esta a pergunta que estamos fazendo a ns mesmos. Mas, o lanar fora a carga no deve tornar-se mais um problema; porque, como antes indiquei, problema algo que no compreendemos, algo que no temos capacidade para examinar at o fim e liquidar de uma vez.

    Para se produzir essa mutao produzir, no, esta uma expresso errnea; a mutao uma necessidade e tem de verificar-se agora. Introduzindo-se o tempo como fator de mutao, o tempo cria o problema. No h amanh, no h tempo nenhum em que eu irei mudar sendo o tempo pensamento. Isso tem de acontecer agora ou nunca. Compreendeis?

    Percebo a necessidade dessa mudana radical em mim, ente humano, parte integrante da humanidade; e percebo, tambm, que o tempo, que pensamento, no deve representar nisso um fator. O pensamento no deve representar nisso um fator. O pensamento no pode resolver este problema. Venho exercendo o pensamento h milhares de anos e, no entanto, no mudei. Continuo com meus hbitos, minha avidez, minha inveja, meus temores, e me vejo ainda lodo enredado no padro de competio da existncia. Foi o pensamento que criou o padro; e o pensamento no pode, em circunstncia alguma, alterar esse padro sem criar outro padro sendo o pensamento tempo. Portanto, no posso contar com o pensamento, com o tempo, para operar a mutao, a mudana radical. No pode haver exerccio da vontade, e no se pode deixar o pensamento orientar a mudana.

    Que me resta, ento? Vejo que o desejo, que vontade, no pode operar em mim uma verdadeira mutao. O homem vem trabalhando nisso h sculos e nele no se produziu nenhuma mudana fundamental. Tem-se servido, tambm, do pensamento para produzir mudana em si prprio pensamento como tempo, pensamento como amanh, com todas as suas exigncias, invenes, presses, influncias e, como vemos, ainda no houve nenhuma transformao radical. Que fazer, pois?

    Ora, uma vez compreendida, em seu todo, a estrutura e o movimento da vontade, esta deixa de atuar; e, percebendo-se que o emprego do pensamento, do tempo, como instrumento de mudana, no passa de mero adiamento, termina ento o processo do

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  • pensar. Mas, que queremos exprimir ao dizer que percebemos ou- compreendemos uma coisa? A compreenso meramente intelectual, verbal, ou significa que se est vendo uma coisa como fato? Posso dizer que compreendo mas a palavra no a coisa real. A compreenso intelectual de um problema no a soluo desse problema. Ao compreendermos uma coisa apenas verbalmente (e isso o que chamamos compreenso intelectual), a palavra importa muito; mas, havendo verdadeira compreenso, ela perde toda a importncia, sendo ento simples meio de comunicao. H contato direto com a realidade, o fato. Se percebemos como um fato a futilidade da vontade, e tambm a futilidade do pensamento, ou do tempo, no produzir essa radical transformao, ento a mente (que rejeitou toda a estrutura da vontade e do pensamento) nenhum instrumento tem com que iniciar a ao.

    Bem, at agora vs e eu temos estado em comunicao, e talvez tenhamos tambm estabelecido entre ns uma certa comunho. Mas, antes de prosseguirmos, considero importante compreender o que entendemos por comunho. Se alguma vez andastes entre as rvores de uma floresta, ou pela margem de um rio, e sentistes a quietude, tivestes o sentimento de estar vivendo completamente com todas as coisas, com as pedras, om as flores, com o rio, com as rvores, com o cu sabereis ento o que comunho. O eu com seus pensamentos, suas nsias, seus prazeres, lembranas, desesperos cessou completamente. No existis como observador separado da coisa observada; h s aquele estado de completa comunho. E espero que seja esta a comunho aqui estabelecida entre ns. Ela no um estado hipntico; o orador no vos est hipnotizando, para pr-vos nesse estado. Explicou certas coisas com todo o cuidado, Mas h algo mais, que no pode ser explicado verbalmente. At um certo ponto podeis ser informados pelas palavras do orador, mas ao mesmo tempo cumpre ter em mente que a palavra no a coisa, e que ela no deve interferir na direta percepo do fato. Quando comungais com uma rvore se alguma vez o fazeis vossa mente no est ocupada com a espcie dessa rvore, ou a respeito de sua utilidade ou no utilidade. Estais em comunho direta com a rvore. Analogamente, deve-se estabelecer esse estado de comunho entre vs e o orador, porque vamos passar agora a um assunto dos mais difceis de tratar verbalmente.

    Como disse, a ao da vontade, e a ao do pensamento como tempo, e o movimento que iniciado por influncia ou presso de qualquer natureza, cessaram de todo. A mente, por conseguinte,

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  • que de fato observou e compreendeu tudo isso, est completamente quieta. Ela no a iniciadora de qualquer movimento, consciente ou inconsciente. E isso, tambm, algo que precisa ser considerado, antes de podermos ir um pouco mais longe.

    Conscientemente, podereis no desejar atuar em nenhuma li reo determinada, porque j observastes a futilidade de toda esp cie de mudana calculada, da mudana promovida pelo comunista ou pelo mais reacionrio conservador. Vedes quanto tudo isso c ftil. Mas, interiormente, inconscientemente, h o tremendo peso do passado a impelir-vos numa certa direo. Estais condicionado como europeu, como cristo, como cientista, como matemtico, como artista, como tcnico; e h a milenar tradio (muito zelosamente xplorada pela igreja) que instilou no inconsciente certas crenas o dogmas. Podeis, conscientemente, rejeitar tudo isso, mas, incutis cientemente, o seu peso continua existente. Sois ainda cristos, ingls, alemo, francs; sois ainda movido pelos interesses naomi >> econmicos, familiais, e pelas tradies da raa a que p e r t e n c e i s , e, quando se trata de raa antiqussima, mais profunda ainda m t influncia.

    Ora, como eliminar tudo isso? Como purificar o inconsciente, imediatamente, do passado? Crem os analistas que o inconsciente pode ser expurgado, em parte ou no todo, por meio da anlise mediante investigao, explorao, a confisso, a interpretao l- sonhos, etc, de modo que qualquer um pode tornar-se pelo menus um ente humano normal, capaz de ajustar-se ao atual ambiente Mas, na anlise, h sempre o analista e a coisa analisada, um olisrt vador a interpretar a coisa observada e isso represenla uma dualidade, fonte de conflito.

    Vejo, pois, que a mera anlise do inconsciente a nenhuma part conduz. Poder ajudar-me a ser menos neurtico, mais amvel com minha mulher, meu prximo ou outra superficialidade nir lhante; mas no disso que estamos falando. Percebo que o processo analtico (que implica tempo, interpretao, movimento do pensa mento que analisa, como observador, a coisa observada) no pode libertar o inconsciente; por conseguinte, rejeito completamente

  • essa coisa. No uma entidade parte. Descobre-se, ento, que o inconsciente de pouca importncia. Percebeis?

    Estive mostrando quanto trivial o consciente, com suas atividades superficiais, sua perene tagarelice, etc.; e o inconsciente tambm trivial. O inconsciente, como o consciente, s se torna importante quando o pensamento lhe d continuidade. O pensamento tem seu lugar prprio, sua utilidade em assuntos tcnicos, etc., mas o pensamento de todo em todo ftil, quando se trata de operar aquela radical transformao. Se percebo ser o pensamento que d continuidade ao pensador, termina essa continuidade.

    Espero estejais seguindo o que estou dizendo, que requer muita ateno.

    O consciente, ou o inconsciente, pouco significam. Eles s se tornam importantes quando o pensamento lhe d continuidade. Ao perceberdes a verdade de que todo o processo do pensar uma reao do passado e no pode, de modo nenhum, atender enorme necessidade de mutao, ento, tanto o consciente como o inconsciente perdem toda a importncia, e a mente deixa de ser influenciada ou impelida por qualquer dos dois. Por conseguinte, j nenhuma iniciativa toma; fica completamente quieta, tranqila, silenciosa. Embora ciente da necessidade d& mutao, revoluo, de completa e radical transformao de nosso ser, a mente nenhum movimento inicia, em qualquer sentido; e, nesse total percebimento, nesse silncio completo, opera-se a mutao. A mutao, pois, s pode verificar-se de uma maneira no diretiva, isto , quando a mente nenhum movimento inicia e, por conseguinte, permanece inteiramente tranqila. Nessa tranqilidade h mutao, porque a raiz de nosso ser, ficando exposta, estiola-se. Esta a nica revoluo real (e no a revoluo econmica ou social) e no pode ser feita pela vontade ou pelo pensamento. S naquele estado de mutao, pode-se perceber o imensurvel, algo de supremo, acima de toda tecnologia e todo reconhecimento.

    Espero no tenhais adormecido! Quereis fazer perguntas?

    PERGUNTA: At onde tenho experimentado, o pensamento me condena ao isolamento, porquanto me im pede a comunho com as coisas que; m e cercam , e tambm de penetrar as razes de meu ser. Por conseguinte, pergunto: Porque pensam os entes humanos? Qual a funo do pensamento? E porque tanto exageramos a importncia do pensar?

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  • KRISHNAMURTI: Supus que isso j tivesse ficado para trs. Est bem, senhor, vou explicar.

    Escutar meramente uma explicao no ver o fato, e no podemos estar em comunho por meio de uma explicao, a menos que ambos vejamos o fato e no o toquemos, isto , nos abstenhamos de nele interferir. Ento, estamos tambm em comunho com o fato. Mas, se interpretais o fato de uma maneira e eu o interpreto diferentemente, no estamos em comunho nem com o fato nem entre ns.

    Ora, como surge o pensamento o pensamento que isola, que no d amor, o nico meio de comunho? E, como pode terminar esse pensamento? O pensamento todo o mecanismo do pensamento tem de ser compreendido, e essa prpria compreenso o seu fim. Examinemos isso.

    Surge o pensamento, como reao, quando h um desafio. Se nenhum desafio houvesse, vs no pensareis. O desafio pode ter a forma de uma pergunta, trivial ou importante, e conforme a pergunta respondemos. No intervalo de tempo entre a pergunta e a resposta, comea o processo de pensamento, no verdade? Se ine perguntais alguma coisa com que estou bem familiarizado, minha resposta imediata. Se me perguntais onde moro, por exemplo, no h intervaldo de tempo, porque no tenho de pensar nisso, e imediatamente respondo. Mas, se vossa pergunta mais complexa li um intervalo (durante o qual fico rebuscando na memria) entre vossa pergunta e minha resposta. Podeis perguntar-me qual a distncia entre a Terra e a Lua, e eu digo: Ser que sei alguma coisa a este respeito? Ah! se i. . . e, ento, respondo. Entre vossa pergunta e minh resposta h um intervalo de tempo, durante o qual a memria se pe em funcionamento, fornecendo, por fim, a resposta. Assim, quando sou desafiado, minha resposta pode ser imediata ou pode necessitar de algum tempo. Se me perguntais algo a cujo respeito nada sei, o intervalo muito mais longo. Digo: No sei, mas vou verificar; e, no encontrando a resposta entre as coisas guardadas na memria, apelo para algum, a fim de obter a informao, ou procuro-a num livro. Tambm aqui, durante esse longo intervalo, o processo de pensamento est em funo. Essas Irs fases nos so bem familiares.

    Pois bem; h uma quarta fase que talvez desconheais ou nunca lenhais encadeado s outras, e que a seguinte: Vs me fazeis uma pergunta, e eu realmente no sei a resposta. Minha memria no tem registro dela, e eu no estou contando que outra pessoa

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  • me d a resposta. No tenho resposta nenhuma, e nenhuma expectativa. Com efeito, eu no sei. No h intervalo de tempo e, por conseguhite, no h pensamento, porque a mente no est procura de iiada, nem esperando nada. Este estado , com efeito, uma negao completa, um estado livre de todas as coisas que a mente tem conhecido. E s ento o novo pode ser compreendido sendo o novo o Supremo, ou outra qualquer palavra que preferirdes. Nesse estado, cessou todo o processo do pensamento; no h observador netn coisa observada, no h experimentador nem coisa experimentada. Toda experincia cessou, e nesse silncio total h completa mqtao.

    19 de julho de 1964.

  • A COMPREENSO DO MEDO

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    Se me permitido, desejo falar nesta manh sobre um assunto que me parece muito importante. No se trata de nenhuma idia, conceito, ou frmula para ser posta em prtica, porque conceitos, frmulas, idias, impedem efetivamente a compreenso dos fatos tais como so. Por compreender um fato entendo observar uma atividade, um movimento de pensamento ou de sentimento, e perceber o seu significado no momento da ao. A percepo de um fato, tal como , deve verificar-se no momento da prpria ao; e, se no compreendermos profundamente os fatos, estaremos sempre sendo perseguidos pelo medo.

    Penso que quase todos levamos essa enorme carga de medo, consciente ou inconsciente. E, nesta manh, desejo examinar este problema convosco, para ver se podemos despertar uma compreenso total do medo e causar, assim, sua completa dissoluo, de modo que, ao sairmos daqui, estejamos verdadeira e efetivamente livres do medo. Assim sendo, permiti-me sugerir-vos que escuteis tranqilamente, sem estardes argumentando interiormente comigo. Iremos argumentar, permutar palavras, verbalizar nossos pensamentos e sentimentos dentro em pouco. Mas, por ora, fiquemos escutando, em certo sentido, negativamente, isto , com total neutralidade no ato de escutar. Escutai, apenas. Eu vos estou comunicando alguma coisa vs nada me comunicais. Para compreenderdes o que desejo transmitir-vos, deveis escutar e no prprio ato de escutar tereis a possibilidade de comungar com o orador.

    Infelizmente, a maioria de ns incapaz desse escutar negativo, silencioso, no s aqui, mas tambm em vossa existncia de cada dia. Quando samos a passeio, no ouvimos os pssaros, o ciciar das rvores, o murmrio do rio; no escutamos as montanhas,

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  • nem os cus distantes. Para estardes em comunho direta com a natureza e com outras pessoas, deveis escutar; e s podeis escutar quando estais negativamente silencioso isto , escutando sem esforo, sem atividade mental, sem verbalizar, argumentar, discutir.

    No sei se j alguma vez experimentastes escutar de maneira completa vossa esposa ou marido, vossos filhos, o carro que passa, o movimento dos prprios pensamentos e sentimentos. Nesse escutar nenhuma ao existe, nenhuma inteno, nenhuma interpretao; e esse ato de escutar produz uma grande revoluo na raiz mesma da mente.

    Mas, em geral, no estamos acostumados a escutar. Se escutamos algo contrrio ao nosso pensar habitual, ou se atacado um dos nossos ideais favoritos, ficamos terrivelmente agitados. Temos interesses adquiridos em certas idias e ideais, assim como os temos em propriedades e em nossa prpria existncia e conhecimentos, e quando vemos ser impugnada qualquer dessas coisas, perdemos o equilbrio, a serenidade, resistimos a tudo o que se diz.

    Ora, se desejais realmente escutar, esta manh, o que se est dizendo, escutar sem percebimento vigilante e sem escolha, cumpre seguir o orador, no verbalmente isto , sem anlise discursiva e, por conseguinte, vos moveis em harmonia com o significado transcendente da palavra. Isso no equivale a pr-se a dormir, ou encontrar-se num estado beatfico de sentimentalidade, grato ao eu. Pelo contrrio, o escutar exige plena ateno que no concentrao. Estas duas coisas so totalmente diferentes. Se escutais atentamente, talvez possamos vs e eu alcanar aquelas grandes profundezas onde se encontra a criao. E isso, sem dvida nenhuma, essencial; porque a mente superficial, ansiosa, sempre ocupada com mltiplos problemas, no pode compreender o medo, uma das coisas fundamentais da vida. Se no compreendemos o medo, no haver nenhum amor, no existir criao no o ato de criar, porm aquele estado de criao eterna, o qual no pode ser expresso em palavras, quadros, livros.

    *Assim, temos de estar livres do medo. O medo no uma abs

    trao, uma simples palavra embora para a maioria de ns a palavra se tenha tornado mais importante do que o fato. No sei se j pensastes em libertar-vos total e completamente do temor. Isso pode ser feito de maneira to completa que no haver mais sombra de medo, porque a mente estar sempre dianteira do fato. Isto , em vez de preocupar-se com o medo e tentar venc-lo

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  • depois de manifestar-se, a mente est sua dianteira, e por conseguinte livre dele.

    Para compreender o medo, cumpre examinar a questo da comparao. Porque comparamos? Em matria tcnica, a comparao revela progresso, que coisa relativa. H cinqenta anos, no havia bomba atmica, no havia avies supersnicos, mas agora temos essas coisas; e daqui a mais cinqenta anos teremos outras que atualmente no temos. Isso se chama progresso, o qual sempre comparativo, relativo, e nossa mente est enredada nessa maneira de pensar. No apenas por fora, por assim dizer, mas tambm por dentro, na estrutura psicolgica de nosso ser, pensamos comparativamente. Dizemos sou isto, fui aquilo e serei diferente no futuro. A esse pensar comparativo chamamos progresso, evoluo, e todo o nosso comportamento moral, tico, religioso, nas relaes profissionais e sociais nele se baseia. Observamo-nos comparativamente em relao a uma sociedade que o produto dessa mesma luta comparativa.

    Ora, a comparao gera medo. Observai este fato em vs mesmo. Desejo ser melhor escritor, ou pessoa mais bela e inteligente. Desejo possuir mais saber do que outrem; desejo ter muito xito, tornar-me pessoa importante, ter mais fama no mundo. O sucesso e a fama so, psicologicamente, a vera essncia da comparao, com a qual estamos constantemente criando medo. E a comparao d tambm nascimento ao conflito, luta que se considera coisa muito respeitvel. No vosso sentir, deveis estar em competio, para poderdes subsistir neste mundo, e assim comparais e competis nos negcios, na famlia, nos chamados assuntos religiosos. Precisais de alcanar o cu, para vos sentardes ao lado de Jesus ou quem quer que seja vosso particular Salvador. O esprito de comparao se reflete no vigrio que quer tornar-se arcebispo, cardeal e, por fim, papa. Esse mesmo esprito ns outros cultivamos diligentemente durante a nossa vida, lutando para nos tornarmos melhores ou para alcanarmos posio mais alta do que outro. Nossa estrutura social e moral nisso se baseia.

    H, pois, em nossa vida, esse constante estado de comparao, competio, e a perene luta para sermos algum ou para sermos ningum, o que vem a dar no mesmo. Isso, suponho, a raiz de lodo o medo, porquanto produz inveja, cime, rancores. Onde est o rancor, a evidentemente no est o amor, e gera-se medo e mais medo.

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  • Como disse, fica