a merda do mundo
DESCRIPTION
DocTRANSCRIPT
A MERDA DO MUNDO
Arcângelo Ferreira - Thiago Roney
CAPA - Renata Braga
REVISÃO - Klauber Renan e João BezerraDIAGRAMAÇÃO - Thiago Roney
1ª Edição Janeiro de 2015Manaus – AM
ISBN 978-85-914087-1-9
Publicações editadas pelo editor autor, na Agência Brasileira do ISBN, Thiago Roney Lira Borges.Contato: [email protected]://thysanuraedicoesderua.wordpress.com/
à memória de Enoque Barbosa, poeta insone.
SUMÁRIO
Nota dos autores
Pausa
Os minotauros de Pancrácio
Está feito
O cano duplo da anarcossindicalista
O Velázquez de Danúbia
As transfigurações de um tempo imóvel
A merda do mundo
O baile das carnes
A fenda e as pedras
Quando o teu olhar cortou minha memória
Apiemieke?
Sobre os autores
Nota dos autores
Os contos que compõem este livro começaram a surgir, em 2013, a
partir de dois acontecimentos provenientes de nossa amizade.
Primeiro, quando um, em tom de brincadeira, fez uma intervenção no
escrito literário do outro. Segundo, quando, numa mesa de bar,
despretensiosamente, discorremos sobre a possibilidade estética de
ler/escrever um conto como uma fotografia (aquelas dos álbuns de
família, por exemplo) ou um quadro (como Miséria, de Hahnemann
Bacelar). Começamos, então, a levar a sério as duas propostas. Um
iniciava um conto, construindo o primeiro parágrafo ou uma frase; o
outro seguia e depois devolvia, ou vice-versa. No final, discutíamos o
resultado e reorganizávamos as construções até chegar a um eixo.
Daí desencadeavam os enredos, às vezes, como um mosaico de
imagens inscritas na temporalidade intangível que aos poucos foi se
delineando. Tempo que o leitor atento decifrará através das alegorias
aqui construídas. Não decidíamos antes, portanto, qual temática seria
abordada em cada conto, apenas verificávamos depois o que emergia
das ideias entrelaçadas. Com o processo, à medida que fomos
deixando, de forma subsumida, mas não abandonada, a ideia do
conto como fotografia-quadro, percebemos uma temática forte
compondo e rondando os contos gradativamente construídos. Então,
decidimos seguir a temática. Elaboramos todas as narrativas nessa
perspectiva, com pontos de contato entre si. O curioso é que nunca
lemos, antes de escrever este livro, obra literária de composição
conjunta. Apenas fomos informados, através de resenhas literárias,
ou dialogando com pessoas ligadas à Literatura, sobre experiências
do tipo, como a de Jorge Luiz Borges e Bioy Casares. Enfim, todos os
contos foram escritos a quadro mãos, exceto Pausa e As
transfigurações de um tempo imóvel, de Arcângelo Ferreira, e O cano
duplo da anarcossindicalista e Apiemieke?, de Thiago Roney. Este
último contém algumas frases retiradas na íntegra do 1º Relatório do
Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do
Amazonas enviado à Comissão Nacional da Verdade, o qual virou livro
em agosto de 2014 pela editora Curt Nimuendajú.
A.F e T.R
¿El hombre es carne que cubre a una metáfora, ouna metáfora que recubre la carne?
Manuel Scorza
Pausa
Era como se um labirinto descesse do meu nariz.
Horas. Olhares. Escaravelhos. Libélula. Aracnídeos. O Tempo
também pode torturar o tempo. No final, saí dessa reunião com
tonturas. O lenço que segurava em minha mão tinha uma minúscula
poça de sangue. Na rua os meus passos enfraqueceram, e eu percebi
que estava indo embora de minha vida. Jamais seria o mesmo. Antes,
o fundo da sala estava oculto. Lugar que preferi pra fingir meus olhos
fechados. Mas, logo fiquei decepcionado com o impulso repentino.
Acho que fiz a escolha no afã da hora. Sem pensar. Era tarde. Teria
que enfrentar o medo unânime. Iriam abrir cofres. Ver as folhas.
Úmidas apesar do Tempo. As frestas acenderam vozes. Vieram mudas
depois de tanto tempo na surdez ansiosa de chaves. Surgiram no suor
dos passos contínuos. Será que todos estavam preparados pra
auscultar esses corações batendo silenciosamente? Será que o Tempo
estaria preparado? Eles entraram. Todos ficaram de pé. Lembrando
missa e turíbulos. O odor de incenso.
Veio o dia em que você surpreendentemente gritou, Não, não
façam isto, eu falo tudo que vocês quiserem. Imediatamente eu
pensei, a passos de caranguejo, Cagão, filho de uma puta! Eu era
ainda um jovem indeciso. Vi aquele vulto dizendo ao final da fala, Meu
coração está coberto de neve. Todos aplaudiram e emanaram outras
palavras do teu logro. O encanto foi imediato. Os gestos suaves num
discurso feroz como um vaga-lume no breu da noite, veloz. Agora
esta cena horripilante. Mas usei a tática do silêncio. Esperei as folhas
se acalmarem. Meus passos eram invisíveis, após horas me vi deitado
no chão. Fito os olhos naquela fotografia pós-moderna: um vulto num
plano primeiro, segundo, as cores vivas do fim do dia. Logo o homem
cai de joelhos. Seu gesto sinaliza pavor. Medo da ausência da vida.
Prefere fazer uma opção, nunca mais existir. Não façam isto!
Abri meus olhos. Era preciso depois de tantos anos. Seria
covardia fingir fechados. Sair daquele canto da sala. Estender o brilho
aludido de meus óculos. Alguém puxou palavras escritas e iniciou a
leitura de um manuscrito de 1969. Dragão de três cabeças. À frente,
lança pontiaguda. Mas o silêncio que vinha das palavras continuava
enfiando o vão no buraco do mundo. Outro dia veio. Veio outra vez o
dia em que, clandestinos, chegamos com sonhos eternos. Mas
tínhamos que nos ancorar nos braços de grupos humanos raquíticos
como os nossos para podermos dormir, e acordar, e dormir, e correr,
e gritar, silenciar, furar, ferrar. Lembrei-me do amor que um dia deixei
para trás: assovios sombrios, melódicos, um breu, o fogo de rajadas
ferozes. Pensar, repensar, chorar. Parar de baixo da centenária,
acender, viajar no fruto de um beijo. Os teus? Nunca mais! Meu
primeiro bolero aos dezessete, odores de putas, a foda, 64. Sublime
como uma loba e nunca mais eu serei aquilo que deixei de procurar.
Serei esse Outro que consome minhas lembranças.
Abriram mais uma pasta, após o ranger da gaveta. Um barulho
de ferrugem arrastado pelo ferro na alma daquela gente sedenta,
mas apavorada de tudo. Era preciso ter coragem para ouvir as portas
se abrindo. Possível ver o suor desmoronando os dentes serrados,
escondidos por lábios trêmulos. Gargantas engolindo bocas. 1970.
Foice ceifando olhos juvenis, as tardes e praças abarrotadas de
elmos. Santa gritava, gemendo de dor na imensidão das folhas
policromas. O sol entrando por fissuras como uma claraboia natural.
Às vezes tropeçávamos na luz ínfima. Com cuidado para não pisar em
poças de líquidos densos e leitosos, amarelos como o rio que
escondia monstros imaginários. A caixa se abria, e rezavam nomes
que nasciam da violência subsumida no Tempo. Era como se
pudéssemos ver a cara da morte.
Meus passos se alargavam quando o dia era de reunião.
Encontrava muitas meninas com cores nas mãos e olhos arregalados.
Melhor tempo de uma de minhas personas. Não havia regra.
Liberdade. Eu tinha muitos irmãos, não os podia contar. Saíamos do
colégio. Depois cinema. Depois a praça. Goles de esperança. Poemas
em prosa. Prosa poética. Dialogávamos com árvores, prédios. Chovia.
Tirávamos as roupas. Corríamos nus. Balançando turíbulos. Odores de
chuva batendo em paralelepípedos. Lambendo nossos desejos. Abri
os olhos. Fumaça. Longos dedos. O labirinto saindo dos meus ouvidos.
A surdez e a memória que vão longe. O sorriso de meu irmão mais
velho. A gargalhada de meu pai à mesa. Minha mãe tão linda. Eu
criança. Apague a luz. Mas não esqueça a salve-rainha.
Uma letra quase ilegível me chamou a atenção. Finalmente eu
havia encontrado? Mas estava difícil decifrar, mesmo para alguém
que já havia feito vários cursos de paleografia. As palavras revelavam
muita dor, latente em um discurso cremado. O movimento das
borboletas ficou dissimulado, manipulado, transpassado de rasuras
propositais.
Saí da sala com o nariz sangrando. Escorria um labirinto de
minha memória. Uma dúvida, aquela assinatura saturada de Tempo
seria do decrépito coronel Pancrácio? O mesmo que havia puxado o
gatilho com o cano mirado para aquela boca da qual eu não ouvi
vaga-lume nenhum dizendo, a plenos pulmões, Vou partir a geleira
azul da solidão.
Tudo é pausa na dança das imagens que, incansável, me
persegue. Qual seria o lugar das lembranças, onde se inscreve a
Memória?
Os minotauros de Pancrácio
O espelho me partia em dois.
O imprescindível é não parar de calçar os sapatos, meu caro,
seja qual sejam os nós, dizia feito um minotauro com os pés quarenta
e seis se arrumando sobre a cama. A silhueta no espelho denunciava
a imaginação: uma criatura que calçava sapatos. Era, sobretudo, o
Meu caro e o Nós que também confundiam minha cabeça, além da
presteza do vestir a farda, o impiedoso trato com a mulher e a
humanização de Alfrede, o bichano. O mundo ensinou a ele que
sapatos dizem tudo sobre os pés que os calçam. Tinha inveja de
Alfrede. Jamais ele teria que dizer impecavelmente as palavras certas,
dar nós e calçar sapatos pretos, marrons, como se fossem espelhos
sempre a refletir um sisudo olhar. Paradoxalmente, olhar-se nos
espelhos da casa era o momento mais triste do dia. Duro era se ver
trasvestido naquela farda bicolor. O único modo de manter o dia
como um dia normal parecia ser sempre calçar os sapatos, mesmo
com tantos nós.
Eu odiava assistir à televisão, sobretudo aos noticiários. Hoje
não me dou o trabalho de ver o batalhão de solidão, um comboio de
ressentimento, reprimir sonhos, e atropelar desejos. Cansei de ver
meu minotauro por trás dos pixels irreais da realidade. Não sei, mas
alguma coisa me forçava a assistir àquilo. Algo insólito nesses
primeiros instantes do terceiro milênio, principalmente aqui nesse
lugar emoldurado pela solidão. Talvez o tom espetacular tenha tirado
a atenção que por hora depositava nos meus sapatos brancos.
Olhando a poeira sobre a alvura, uma fresta de ira começara a
crescer dentro de mim quando o brilho da notícia chamou a atenção
de meus olhos. Um monstro de muitas cabeças invadindo a história.
Nesse momento percebi que dentro, bem lá dentro, ainda havia a
latente saudade dos velhos tempos. Até deu vontade de olhar os
espelhos da casa. Vi-me assoviando infinitos hinos. Todos os meus
pelos arrepiaram, um filete daquele sangue quente fez meu pau
crescer. Estava feliz. Finalmente um acontecimento digno de
ressurreições. Cena espetacular, o passado vazando por um furo no
presente. Como uma criança, bati pequeninas palmas. Porque o
passado e o presente são duas mãos do mesmo corpo a aplaudir. E a
vibração sonora dessa palma se bifurca nas Histórias, sobretudo,
fissuradas nas frestas de nossos nós, na nossa pequena história
familiar.
De quando em quando, ao fim do dia, a farda voltava com seu
sapato sujo. Acariciava o Alfrede com um carinho marrom encarnado,
dava uma sapatada injusta na Francisca e restava para mim o pesado
Meu caro da criatura mitológica bêbada descalçando os sapatos.
Noutro dia vinha sempre o calçar, eu olhando e me perguntando até
quando. Acordava sempre com o esfregar de Alfrede devolvendo uma
ternura melancólica. Enquanto isso, lá fora, o Negro rútilo cintilava os
meandros da cidade com a mesma calma de sempre, a fúria subia, de
certo, porém, nos tempos perdidos. O rio só não levava os
sentimentos e ressentimentos. Uma dubiedade, entre o amor e o
ódio, eu nutria pelo filho da puta do minotauro.
Francisca, minha mãe e mãe da gente, fez com que carregasse
um rancor, um trauma. Jamais pude me libertar daquele minotauro
refletido na pupila de Francisca. Foi assim, desde quando era menino.
Fiquei com medo, mas ela me fez crer que os cadarços são as únicas
coisas que não podemos perder nesses labirintos de muitos
minotauros. Muitas vezes furava a sola e eram os fios, doados por
Francisca, feito Ariadne, que me faziam sair da escuridão. Aliás, o
presente é cheio de quartos escuros. É nessas horas que penso na
importância dos cadarços, Meu caro. Talvez sejam eles que sustentam
a necessidade de calçar os sapatos. Mas como desatar os nós
emaranhados pelo tempo? Como desatar os nós enjaulados nos
buracos do contratempo? Como desatar os nós contorcidos pelo
cotidiano de minotauros maiores que o de casa? Como desatar os nós
que afligem Francisca? Como desatar os nós dos sonhos reprimidos
pelo batalhão de fardas solitárias? Como desatar os nós dos desejos
atropelados por comboios de ressentimento? Como, enfim, desatar o
nó que sai da garganta da História aos pés do tempo ao me olhar
translúcido no vidro polido e metalizado que agora reflete minha luz?
Um minotauro sentado numa cama, fissurada por labirintos, calçando
um sapato branco-marrom e, ao lado, com um sorriso de cão, Alfrede,
balançando lentamente o rabo.
Agora, olhando a farda, os sapatos, os cadarços e todas as
vezes que somente eu, mais ninguém, vê essa estranha criatura
chegar e sentar ao lado, me encarar e depois se esbaldar de rir,
reporto-me à franqueza de Francisca e procuro entender por que,
afinal de contas, a mãe da gente resolveu me chamar de Pancrácio,
desde o dia em que vi pela primeira vez no espelho dos seus
misteriosos olhos graúdos brotar minotauros?
Está feito
Está feito. Não fui. Fiquei.
Preferi descer duas paradas antes. Não! Por algumas horas…
Parei já caminhando pro destino dúbio.
Aquele cão cansado. Olhar dual. Um albino surdo. Na rua…
Disperso, entro no Acaso.
Diverso na ordem de sempre.
Encontro o Memória, acenou pra mim.
Pedi um pouco, um copo e não me atrevi, não disse, mas bem
que fui tentado. Era evidente, estava velho no seu Futuro. Contudo, o
diálogo descreveu minutos mais tarde, a pujança de seu Presente. A
mesma narina aberta pra todos os odores, olhar fraturado e um pouco
de tudo no sangue. Na linha do progresso, ele disse algo um tanto
incoerente. Sobre um tal baile de carnes. Percebi um golpe de
pequena solidão naquele gesto. Iniciei, então, pelo gosto dos
conceitos impossíveis, uma conversa poética, para mudar de prosa:
- Descobriu, Memória, o que é…? – sorri para nosso medo.
- O que é o quê, Panta?
- O que é a literatura? – completei.
O gesto de pequena solidão se desfez. Após alguns segundos,
Memória compartilhou o sorriso e respondeu baixinho, com medo dos
policiais de ideias:
- É uma faca pontiaguda, Panta.
- Uma faca pontiaguda? – perguntei incitando o novo no eterno.
- É, Panta, uma faca pontiaguda abrindo uma fenda na
realidade! – respondeu sorrindo. Enquanto entornava o copo,
reconheci a necessidade e a beleza do vagão do Acaso.
Muitos contos se passaram naquele quase.
O rosnar do meiaonze me fez lembrar, Albino! O terror de ser
capturado pelo terrível crime de conversar em grupo, ou, pelo crime
mais abominável de viver.
Memória, sutilmente, percebeu o cincoprasdoze me
perturbando e disse aquilo que eu queria ter fotografado…
À sombra, à luz, o Negro entrando pelas fissuras da cidade
velha, e continuamos, às gargalhadas. Memória recordou meus
rabiscos poéticos da última folha do Dança Imóvel. Tecidos no grafite
do tempo da velha casa dos estudantes por nós compartilhada.
Aquela das histórias enraizadas nas argamassas da alma.
No contratempo do gesto descuidado do garçom, Memória pôs-
se a recitar os riscos:
Deixarei meus registros
Em poemas esquecidos
Entre Scorza e orgias
dionisíacas
Que guardo em gavetas
sem maçanetas
que nunca serão abertas
e descobertas
O garçom sorriu, encheu os copos e disse com típica expressão
facial: hêiii. E nós, em uníssono, respondemos de volta com um pouco
mais de intensidade: hêêiiiiii. Dialetos boêmios inscrevendo a
eternidade do momento. O tempo aberto e descoberto. E não é que o
filho da puta do Memória abriu as gavetas! À sombra, à luz, o Negro
entrando pelas fissuras da cidade velha, e continuamos, às
gargalhadas.
Nossas costelas estavam quebradas quando à nossa mesa
chegaram salmonelas pululando das mãos sebentas
do infidofinito Teutônico.
Olhei o cão em meu braço. O meianoite já passava das duas. A
onça lá fora já rondava, noutro vagão do tempo, estava forjada. Já
era.
Fiquei. Não fui. Está feito.
O cano duplo da anarcossindicalista
Não que eu estivesse tão incomodado com o fato em si. As
plumas do meu travesseiro continuam confortáveis. A merda é a
memória da quebra de critérios. Além do mais, o céu brindava
sempre comigo. Só depois disso as pálpebras fechavam a visão na
hora do desfalque. Mirar. Pow! A vida resignava, mas com pulsão.
Sentia, por vezes, ser o intangível. As regras comigo sempre foram
claras, não topo: primeiro, crianças; segundo, velhos; terceiro,
escritores; quarto, anarquistas; quinto e último, gente com urina de
cheiro agradável. Descobri, tarde demais, a falta de um sexto critério:
não trabalhar pra um amigo. André recorreu aos meus serviços.
Fechamos a certeza nos quatro primeiros critérios, faltava o último.
“Um puto como você não pode ter critérios, vai lá e mata”, André
bruto como sempre me disse isso. Não sei, posso não ser polido, mas
acredito ainda no amor.
O cheiro doce de urina lembra o amor de minha mãe. Quando
criança, ela não sabia, mas, de olhos fechados, eu ficava esperando
ela chegar. Entrava devagar, deixava os saltos do lado de fora para o
assoalho não ranger; abria a porta do banheiro e mijava. De lá, e com
ela, vinha o cheiro doce de sua urina e um beijo. Era depois desse
instante que eu dormia. Hoje me recuso a matar quem mija doce, por
isso. Quem mija doce tem amor no coração. Acho que foi o amor de
minha mãe que me fez criterioso. E, talvez, daquele velho anarquista
que, de quando em quando, mijava um cheiro ébrio trazido das
agruras do mundo. Um velho que vivia para organizar os
trabalhadores de sua fábrica para não trabalhar. Nunca entendi isso,
mas aprendi a aceitar o modo de ser do pai, vislumbrando o andar
cambaleante dele, ao sair do banheiro, com aquele cheiro forte no ar
em plena madrugada, para lustrar o revólver guardado em cima do
armário. Na época, eu pensei que o efeito do andar era causado pelo
ímã instalado na arma anarcossindicalista (ele sempre falava essa
palavra a qual associei em certa altura à arma) e outro instalado na
sua cabeça por detrás das ideias mirabolantes.
André me colocou numa forca feita de memória. O pior é que eu
atirei, e veio a tormenta da forca. Estou pendurado na forca de
memória e não estou mais conseguindo matar para morrer. O
tormento da forca é uma fotografia da família reunida em preto e
branco com bastante ruído e gritos abafados nas expressões faciais.
Vejo, da esquerda para a direita, o anarquista, a puta, o metido a
escritor, minha vó com meu sobrinho nos braços e eu olhando para o
revólver no armário do pai. Evidentemente, o meu olhar não pode ser
decifrado por todos que olham a foto, pois, para poder me ver de
frente, o olhar da foto devia ser o olhar do cano da anarcossindicalista
em cima do armário, ou pelo menos próximo ao seu ângulo. Essa é a
fotografia que não podia ser revelada. E só o fato de matar alguém
com essas características, eternizadas no ruído do negativo da
fotografia, revelaria a foto um tanto guardada e seu núcleo esquecida
numa gaveta da memória. O critério é a fotografia. Porra, o André me
fodeu. Por que ele não conseguiu decifrar nos meus olhos esse sou
matador de aluguel criterioso por amor? Na verdade, a culpa é minha.
A porra é que não aprendi a dizer não para um amigo. Hoje vejo a
necessidade de um sexto critério: não fazer o serviço para um amigo,
nunca.
Logo o Malatesta não imaginava. Acho que é coisa velha do
amor deles, dessas que vêm desde a juventude. André também é
daqueles que havia muito usava as anarcossindicalistas, mas pelas
mãos dos outros, no serviço sujo de sua empresa. Mas, também,
sempre teve ódio de Malatesta. O amor e o ódio sempre nessa dança
dionisíaca. O problema é que ele é esse metido a escritor na
fotografia encardida na parede da memória e, além de tudo, era e
continua sendo amado. Foi ele, inclusive, que me ofertou os primeiros
goles de esperança. Declamava um poema retirado do bolso
esquerdo de sua camisa: nem pátria/nem patrão/o Estado rouba o
pão. E quando descíamos a Alameda das Acácias cantarolava: Vila
esperança, foi lá que conheci Maria Rosa meu primeiro amor. Como
poderia matar o Malatesta, caralho? “Um puto como você não pode
ter critérios, nem coração!”, rangia bruto no meu ouvido André.
Talvez o último critério eu tenha criado para não ter que matar
alguém que representou um vazio preenchido em minha vida, mas o
André foi logo me pedir pra fazer isso. Como matar um homem que
me ensinou a ver o significado das sombras? Como, por outro lado,
não matar para um homem que sugeriu minha profissão ao me
apresentar para seu Orlando Vizzini, depois que aquele general filho
da puta chamado Pancrácio fodeu com meu pai e minha mãe,
naquela noite em que lhe bati a porta pedindo uma cama quente, um
prato de comida e um emprego?
Fiquei mais transtornado ainda quando Malatesta me ligou
naquela noite e me fez um pedido sem saber de nada. Confesso que
não gostava quando André me chamava de “puto”, só porque não
tive a capacidade ou habilidade de ser um sindicalista nem um
escritor. E depois, minha mãe para além de puta (e qual era o
problema disso?) era minha mãe da urina doce e do beijo de boa
noite, porra! Cabe-se um respeito que André desconsiderava. Na
agonia dos pedidos, recordei a voz de mamãe no café cantando para
me acalmar: Non... rien de rien...Non... je ne regrette rien…Ni le bien
qu’on m’a fait, Ni le mal - tout ça m’est bien égal!. Emaranhados de
cheiros, sons e memórias pululavam no tambor de minha cabeça, ora
me tranquilizavam, ora me atormentavam. Tomei uma resolução.
Marquei um encontro, na Alameda das Acácias, com os dois.
Eu fiz, atirei. Como poderia deixar de ouvir o Malatesta? E seu
pedido? Percebi que a vida é uma anarcossindicalista de dois canos
mirados em uma única direção. É impossível ficar na sombra de uma
fotografia, pois a fotografia é a própria sombra. É imprescindível
escolher a direção do cano. De um lado André, do outro Malatesta. Eu
fiz. Eu atirei. Agora, mesmo assim, sou enforcado pela memória de
uma velha fotografia que tem cheiro de urina doce.
O Velázquez de Danúbia
Há muito tempo tento sair dos limites desse quadro pintado
por Danúbia; por culpa do silêncio, no entanto, permanecia
enxergando esse quadro absurdo. Depois que ela se fez cores no chão
ao redor do prédio do apartamento sinto como se minhas costas
fossem uma carreta, afundada no asfalto quente, pesando setenta e
nove toneladas de silêncios. O Grito pintado no chão como
autorretrato em cores vivas foi insuportável. Preciso pintar outro
Pancrácio, outro quadro, mais verossímil.
Agora, a luz da luminária denuncia que o velho Pancrácio ainda
se encontra no andar intermediário. É hora de esvaziar a minha
carreta, de sair dos estranhos limites do quadro moldado por
Danúbia. Hesitante, topei no primeiro degrau da escada a caminho do
mezanino. Cambaleei e, de relance, à procura do equilíbrio, dei com a
mão em cima do bigode do Velázquez, primorosamente pintado por
ela, no quadro pendurado a minha esquerda. Eu tenho que contar
tudo a ele, ao velho nojento, o que vi, o que sei. Comecei a subir a
escada como se eu fosse um gato, delicado e arisco, medindo as
curvas do desequilíbrio do silêncio para fugir do medo. Mas a
coragem é uma ponta quase invisível no meio do imenso mar do
medo. Titubeei, estatelei, lembrei, três longos passos eu havia
percorrido, pareciam quilômetros de pensamentos.
Percebi que minhas mãos apertavam com força meus dedos,
que suavam. Será que devo? Meu coração parecia coberto de gelo.
Um náufrago no Amarelo do medo. Com ódio, opróbrio. Como
começaria o diálogo? Eu me perguntava enquanto pensava em
alguma frase poderosa como das placas do caminhão do velho. Mas
nada, estava afundado no asfalto quente com o tortuoso silêncio
censurando as palavras. O caminhão do velho Pancrácio pode até ter
a força de mil novecentos e sessenta e oito cavalos, mas sua carreta
não pode suportar um homem derramando um silêncio de setenta e
nove toneladas de pútridos sujos oriundos de seu bigode. A escada é
como o sinuoso aclive do tempo esburacado. Em cada degrau, um
buraco; em cada buraco, lembranças; em cada lembrança, silêncios
sujos; e em cada um desses emergia do fundo Danúbia.
“Bia, meu amor, não demora!”.
Mas já vão anos nesse vão entre um degrau e outro.
“Núbia, sei que é difícil, mas...!”.
A escada, o degrau.
A coragem parece se esvair. Ninguém foge do passado. Ele
carrega a fotografia do tempo na fase mais pesada da existência.
Olhar pra trás é como olhar pra trás pelo retrovisor do caminhão de
Pancrácio. O olhar Monalisa de Danúbia nos acompanhando o tempo
todo. Mais um degrau, mais um buraco. Neste vejo As meninas de
Velázquez. A família tentava fazer de Núbia uma Margarita Teresa do
rei Felipe IV, sobretudo, pela luz projetada pelo velho. Pancrácio era o
Velázquez desenhando essa Danúbia; ao fundo na sombra, eu era o
camareiro Dom José deixando um soslaio enquanto subia essa escada
e não sabia.
“O tempo é um Velázquez perverso, Pancrácio. Ele muda a
perspectiva e redesenha as coisas trocando as luzes e as sombras.”
Essa não seria bem uma frase de traseira de caminhão,
reconheço, mas poderia começar a descarregar o silêncio com ela. A
cônica luminosa do mezanino perfaz, parece, o espectro de Danúbia.
Subo mais um degrau. O tempo é mesmo esse poema de amor e ódio
deixado nos muros de Pompeia. O reflexo do retrovisor mostra um
passado infinito, como um deus, o mais triste. É preciso enfrentar o
olhar de Velázquez atravessado no olhar de Teresa. É preciso deixar
de acreditar no imaginário deixado no aço do retrovisor por Danúbia.
Como ela pôde pintar um Pancrácio daquele jeito depois de receber à
força uma carga de sua sujeira? O presente também é pesado. Insisto
em fazer desses degraus vãos eternos. Sei que eles só são vãos. Sei
que um vão é uma caverna de muitas gargantas. Preciso vencer a
solidão do Tibre, mamar na loba, matar meu medo. Revigoro a
coragem.
“Pancrácio, esse vão é a chave pra mudar o mundo!”.
Bem que posso começar assim, contundente. Desviar um
pouco o foco para no fim quebrar o silêncio de setenta e nove
toneladas. Mas como suportar a presença imponente de seu bigode?
O mesmo bigode sujo pelos desejos da estrada tão bem camuflado na
pintura de Danúbia, que de maneira amável redesenhou como o de
Velázquez, tentando aproximar distâncias, mas a arte não conseguiu
esconder as sujeiras do tempo. Danúbia, irmãzinha besta, como podia
enxergar Pancrácio daquele jeito? Entendo seu fascínio pelo
Velázquez, mas projetá-lo num bruto general nojento disfarçado de
caminhoneiro, depois de tudo aquilo?
O último degrau ficou mais íngreme com a proximidade e
verossimilhança do espectro de Danúbia projetada pela luz da
luminária no mezanino, ou, pela luz pesada do meu silêncio, talvez,
não sei. Não há mais chão que suporte o peso da carreta, o asfalto
cedeu para um abismo. Que tal ser direto e incisivo: “Pai, sabe aquele
dia da Danúbia?”, começo a pisar no último degrau, “pois sei o
motivo de ela ter feito aquilo”, bem ao fundo num canto está o velho
sentado ao lado da mesa com a luminária, “a luz também ofusca,
pai!”, alcanço o mezanino, o silêncio adquire oitenta toneladas, mas a
força da presença do bigode é tão absurda que não consigo dizer
nenhuma dessas frases agonizando em minha cabeça; no entanto,
como que para dar certa leveza ao meu silêncio, algumas palavras
escapam:
“Sabe aqueles olhos graúdos à espreita no chão avermelhado
depois do pulo do prédio?” – ele assustado levanta a cabeça, e
continuo antes que eu veja o seu imponente bigode de frente:
“Os olhos de Núbia, pai, pareciam os velhos olhos graúdos da
avó Francisca...” – ainda de costas, antes que ele virasse, terminei de
descarregar o que deveria ser pintado:
“... pude ver, pai, no espelho das pupilas de Núbia, a terrível
imagem do senhor que ela não conseguiu pintar em vida, um quadro
sujo e nojento com dejetos pútridos do tempo em seu bigode”
Segurando o cu na mão e com o coração na boca, consegui
encarar o Pai de frente sem pintura alguma pela primeira vez. Ao
cabo, esperando uma reação violenta, espanto-me, no entanto, com o
que vejo. Ao me olhar, sem pronunciar uma palavra,
inesperadamente, como se fossem lágrimas, os filetes do bigode do
velho Pancrácio começaram a cair.
As transfigurações de um tempo imóvel
Quando fui levar a carta pro meu irmão que fazia dois anos
estava em Manaus, estudando na Escola Técnica, vi o rosto de jovens
afixados nas paredes externas do correio. Não entendia o significado
da palavra: PROCURA-SE, parecia com os desenhos animados de
bangue-bangue a que assistíamos na TV do seu Lico. Aos dez anos,
aquilo era mais um mistério.
Em casa ninguém sabia me responder. Mamãe apenas dizia:
“Meu filho, uma criança não deve se preocupar com coisas
estranhas”. Aí que tudo ficava confuso em minha cabeça de menino.
Cinco meses que o Carlos havia sumido. E nós nos
perguntávamos pra onde. Os outros colegas do futebol diziam que ele
tinha ido servir no Exército.
Nem sua mãe dava notícias dele. Tudo que fazia era, após a
missa do domingo, ir chorar lá no cemitério. Diante do caixilho de seu
marido, o professor Tomás Meirelles.
Até hoje a cidade se pergunta: por que aquele homem distinto
teria um fim tão trágico? Qual o motivo de ter se enforcado em seu
próprio quarto? Nem os policiais conseguiram desvendar esse
mistério.
Certa vez, quando fugi para pular n’água lá no trapiche, ouvi o
Beiço-de-moça-branca dizendo a outros estivadores que o professor
Meirelles era vermelho. Fiquei com medo de perguntar o que isso
significava pro papai. Ele, com certeza, iria querer saber onde eu teria
ouvido aquilo. Guardei por muito tempo aquela dúvida.
Foi essa fotografia que me fez voltar. Há o registro da data no
verso: dezesseis de julho de 1969. Era o dia da Santa. Olhando pra
ela, me vêm ao ouvido inúmeras vozes, em uníssono...
Flor do Carmelo
É alegria
Salve!
Salve!
Maria
Salve!
Salve!
Maria
As lágrimas e os pés descalços de paixão anunciavam a
chegada do andor e da gente, sacros.
Da imagem brotam suas transfigurações irreais: um céu no
entardecer. Um sorriso tímido de menino de dez anos de idade sobre
um cavalinho de pau. Seu pai carregando pipocas e guaraná em mãos
fortes de quem trabalha no pesado o dia inteiro. A mãe ainda jovem
em seu vestido novo, esboçando um instante eterno de alegria. Os
irmãos num sorriso largo.
Caminhamos da casa até o arraial de Nossa Senhora do Carmo.
Foi lá que papai chamou o Sócio pra tirar esse retrato: recordação
daquela infância imóvel. Fiquei muito feliz quando, dias depois, ao
redor da mesa no almoço de domingo, celebramos aquela imagem, já
no álbum da família.
Quanto ao Carlos, lembro-me bem. Naqueles anos, mesmo
sendo muito mais velho que a gente, parava para jogar no gol.
Costumava carregar, debaixo de braços franzinos, panfletos, sempre
bem escondidos, os quais distribuía na frente das escolas, e um livro,
cujo nome do autor certa vez me esforcei pra ler, mas não consegui.
Nunca vi nenhum nome parecido na biblioteca da escola.
Depois de muito tempo, eu iria saber que se tratava de
Maiakóvski. Entendi também que a poesia era a grande paixão
daquele jovem que um dia optou em torna-se um guerrilheiro.
A merda do mundo
Tudo se abriu em cor, mas ainda não era tempo.
O silêncio, espelho invisível da dor, recuperou um tempo nos
olhos fechados do meu amigo. Um mundo se fechou. Aquele quando
arregalados os olhos. Outro se abriu no escuro das lembranças
transitórias. Sabia que, mas o fez, era proibido abrir as fendas,
mesmo aquelas localizadas na pausa da memória. Logo a Voz Imensa
entrou em seus ouvidos sussurrando ferozmente para abrir,
paradoxalmente, o negro de suas minúsculas pupilas.
- Que bosta, Argemiro, eu ter deixado cair... a chave no buraco
da fechadura.
Ele não parecia preparado para ver cores além do preto e
branco das maquetes. O colorido da realidade perfurou e torturou
Maro; derrocou seu ordenamento jurídico. Violência, diria ele depois,
correndo o tempo, é quando a chave de um mundo se faz fechadura
de outro; destrói-se tudo. Por isso, hoje, é o dia da celebração da data
mais importante no calendário de Maro, uma cidade sem mármores,
com muitas pedras forjadas ao papelão. Depois da primeira
desaparição, ele fundou a data oficial contra a intromissão absurda do
mundo na cidade-mundo. Maro surgiu justamente como soberania da
presença, do palpável, do concreto, como um peso de porta para a
porta ilusionista 69 do mundo. Neste dia, os dedos da mão firmaram,
como ato, um cortejo dos habitantes que ainda possuíam condição
corpórea em Maro, com uma curiosa dança caminhante, enquanto
percorriam até o edifício de papelão, hibridizado, na performance do
estilete, com um corpo sólido de isopor, da Presidência da República.
Nesse momento, jorraram do céu sem nuvens, ao mesmo tempo,
água e pétalas de areias, de forma programada, a cada segundo.
Quando chegaram, então, ao poderoso e soberbo prédio presidencial,
os marosianos desenvolveram a parte mais importante da cerimônia
mítica do grande dia:
Todos eretos levantaram a mão esquerda no ar, num instante,
sincronicamente, como se fossem inúmeras vozes, serraram os
punhos. A Voz Imensa lhes proibiu que falassem. Mas restavam-lhes
os gestos.
Antes não era assim em Maro. Não havia penetração da Voz
Imensa, nem ilusionistas do Desaparecimento, não havia palco para a
amarga magia do sumiço na cidade forjada pela brincadeira de
nossas mãos no orfanato. Pois ele, na época, queria de qualquer
forma se transfigurar num marosiano, e não num deus. Até o dia que,
desiludido com a possibilidade, deixou Maro uns dias de lado.
Quando, mudando para a casa dos tios, percebeu, aterrorizado, a
Ausência presente também em Maro. Era dado o dia que os malditos
ilusionistas, guiados pela Voz Imensa, colocaram suas mãos na
cidade-mundo. A data oficial da celebração, então, entrou em vigor
com um forte choro dele, e o meu choro-silêncio, em ecos lutando
para romper a ligação dos dois mundos, este e a cidade-mundo; a
ligação tomou, no entanto, um caminho duplo. A partir daí, os olhos
tiveram que enxergar os fortes feixes da colorida luz saída da boca-
claraboia da Voz Imensa do mundo.
- Argemiro, meu amigo, como podemos ainda brincar com
Maro?
Perguntava-me aflito, naqueles dias.
Após o fim da cerimônia desse ano, ele veio à janela desse
outro mundo. Foi quando o mar passou a seduzir, fazer parte da
vivência, as metamorfoses dos dias iriam ser apreciadas. O céu, alvo,
azul, as nuvens. E os...
... vermes
nascidos para formar angélicas borboletas,...
Amarelas voando como bolhas, brilhando as íris de jovens.
Outro após outros. De súbito voltou, fez uma curva na dança das
cores. Na mesinha tudo era branco em pontos de preto. Esse colorido
parece impossível e insuportável, sempre o foi, desde que a Ausência
atingiu seus pais. A entrada dos pais na caixa do Desaparecimento
executada pelos ilusionistas foi o motivo da existência de Maro e de
nossa amizade. Seus olhos, a partir desse dia, formaram um zíper
fechado lacrando e ferindo a pele da realidade. Causa, talvez, dessa
terrível doença curiosa e ambígua, que fez surgir a criatividade e a
dor. Num primeiro momento, manifestou-se com um fechar de olhos
para o mundo, e um abrir criacional de outro: Maro. Por isso, o
refúgio; preferia o preto e branco que ele criou com isopor, pedaços
de papelão e outros apetrechos encontrados no orfanato, antes de ir
morar na casa dos tios.
Maro, no início, era a cidade–mundo perfeita para ele, porque
instituiu, a partir do Conselho Criacional formado por nós, três únicas
leis, que as considerou pétreas, para reger o microcosmo:
1- Não haverá nunca Desaparecimento em Maro. Não existirá
essa palavra, portanto, essa prática. Reinará na cidade-mundo a
aparição; o aparecimento; a permanência; a presença perene das
coisas e, sobretudo, dos habitantes dela;
2- É proibido, terminantemente, a entrada, ou o surgimento, de
ilusionistas;
3 – Todos os habitantes de Maro serão felizes.
As três leis funcionaram perfeitamente durante o primeiro ano
de Maro. Era tudo em tom branco e preto. Era um reduto de sombras.
Somente depois do dia da celebração, e, quando ele descobriu, no
rápido correr do tempo, que pétrea era o cu do mundo que pode
deixar de sê-lo com um simples Balé no Pedregulho, foi que Maro
divulgou a sombra como um reduto de inteligência. À sombra, ele
produzia o chá. Tomava e via o preto esfumando o branco. Iam, os
habitantes de Maro, comandados por ele, em passos diáfanos às
festas no Paço. Tateando as fissuras do outro mundo. Amando os
prazeres desprezados por aqueles. Nesse passado disperso e recente,
ele encontrava empatia brincando. A brincadeira era uma arma
quente. O jogo era o fazer mais sério, e temeroso, para aquele mundo
colorido fora de Maro, para qualquer menino ou menina. Os lábios
ficavam pretos de tanto construir jasmins de sobra de lápis que
tonalizavam as praças de Maro. A brincadeira se forjou luta não mais
para fugir da lembrança dos pais; mas, contra a Ausência e a Voz
Imensa. Por isso, o dia da celebração, o rito, o ato e os punhos
serrados dos habitantes de isopor de Maro pela perenidade da
permanência. Na casa dos tios, a lua se transformou em esfera de aço
e sempre brotava à noite. Na escuridão, tecíamos, ao redor das
mesas, um retalho costurado a mãos com poesias coletivas, a partir
dos “Procura-se” e dos nomes das folhas de jornais.
- Argemiro, lembra como era antes de existir o dia da
celebração em Maro?
Perguntava-me. Deixava desabafar. Mas a Voz surgia:
- Não!
- Deixa-o falar, Voz Imensa filha da puta!
Da força de minha invisibilidade ela se calava ao pé do seu
ouvido, então, ele podia continuar:
- Fazíamos questão de deixar a caixa fechada. Não abríamos ao
mundo por nada. Argemiro, tu sabes muito bem o motivo. Tivemos
que abrir a caixa, mostrar Maro ao mundo, depois daquele dia de
merda. A merda do mundo para o mundo de merda. Desculpa, mas
hoje não é dia de chorar. Vamos já preparar os habitantes de Maro
para o cortejo. Mas, antes, devemos rememorar. Lembra como era
formidável nós dois ao redor da mesa construindo Maro? O mar
noturno, as pedras, os poucos habitantes, o calendário, as praças, as
sombras, o preto e o branco e a lindeza da permanência dos
habitantes? O silêncio encontrado em cada canto? Nossa fuga, nossa
cidade e nossa cumplicidade? Que bosta, celebrar esse dia; mas, por
outro lado, Argemiro, eu ter deixado cair a chave, abrir a caixa,
revelar Maro ao mundo, fez com que a celebração entrasse no
mundo. Promete uma coisa para mim caso eu desapareça do mundo
também? Pensa, faz a História de Maro. Não deixes o Esquecimento,
como agora cobrem papai e mamãe, entrar também na cidade-
mundo. Por favor, meu amigo, por favor.
Maro, desde quando ele deixou a chave cair, caminha pisando
em uma linha finita, escatológica, em busca de Parúsia. Nas escolas
as novas gerações aprendem que haverá um fim e que há cores no
chão. Que as pedras são partes fixas e sólidas, estáticas sem tempo.
Os prédios não têm vida e as janelas estão proibidas de revelar os
segredos que os olhos tateiam quando invadidos por sombras. Na
última cerimônia da data oficial de Maro contra a Ausência e
intromissão do mundo feita pelas mãos dele, os habitantes da cidade-
mundo, além dos punhos serrados, começaram a registrar com
sangue nomes aleatórios de ilusionistas, descobertos através de raros
jornais, na parede do prédio presidencial de isopor. Ele esperava
descobrir, depois que surgiu o dia da celebração, o ilusionista que fez,
ouvindo a Voz Imensa, seus pais desaparecerem. Acreditava que era
preciso registrar os nomes nos muros de Maro, para isso; não
encontrou, no entanto, o ilusionista responsável. Foi então que, puto
da vida, nomeou, através dos marosianos, a data oficial de quando a
Ausência adentrou Maro como A merda do mundo. Hoje,
enclausurado na multidão, ele carrega a esperança nas
reminiscências de Maro antes do dia da celebração. Tenta recuperar a
caixa perdida quando deixou cair a chave do tempo que o Tempo
insiste em esconder no fundo da memória da Voz Imensa. E, não sei
se ele anda sabendo, mas dizem, por aí, as firmes vozes pequenas,
que Pancrácio é o nome do filho da puta do ilusionista que enfiou
seus pais na Ausência.
O baile das carnes
A carne se fez homem. O homem se fez carne. Nessa
alucinante dança de um deus na História, alguns homens, percebendo
a vibração da carne como prazer, fizeram-se exímios classificadores.
No quadrado do meu espaço, antes sombrio, foram improvisadas
festas nababescas, com direito a muitas risadas bifurcando a dor ao
prazer, os soluços aos gemidos, orgia plena e completa. Num deles
aconteceu o Grande Baile das Carnes que testemunhei. A
multiplicidade de vozes desses classificadores continua ecoando
dentro de mim, um corpo impresso de registros sonoros iguais aos
grafites, destes que ficam na invisibilidade à espera de uma objetiva
que possa revelar ao mundo as cores do Tempo. Graves sons à
memória na audição de seus protagonistas.
*
Arthur: outro dia saído do apartamento, resolvi deixar de lado
essa vida de camaleão. Fui ao açougue mais próximo e pedi um quilo.
Veio rosada, tinindo de cheirosa. Pus na pedra, peguei o batedor e,
após uma repetição de golpes, verifiquei a maciez. Adicionei, ao
processo, pimentas verdes, vermelhas, quentes como um cu desejado
e jamais degustado. Mas aquela ali, suculenta, era minha e chiando,
ao fogo. Senti-me um verdadeiro chefe. Furei-a qual maduro furando
figura jamais fendida. Com os dentes rasguei. E ri, ri, ri, muito. Farofa,
misturada com olfato, cheiro de pele suína. Como fosse 88, sua
tradução no molde rijo, fitei o suor, porra, saladas jamais! Agora seria
somente carne, no preâmbulo de peles. Foi assim que adentrei no
baile, que eu orquestrava de fora ouvindo a Voz Imensa. No baile das
carnes. Entre seios, pimentas e cus, araras cantando enroscadas no
pau. À carne dura são necessários choques para melhor amaciar,
quando não umas queimadas com bituca de Hollywood. Mordi meu
prazer até o último limite vendo a língua tentando sodomizar a
mordaça. Quando olhei pra baixo, percebi uma lágrima brotando de
minha virilha.
Pancrácio: era sonsa e riu, riu, até demais, a carne de que mais
gostei. Não quis falar, assim aumentava o prazer. E pensar que um
dia, ontem, eu era vegetariano. Verde somente depois do vermelho.
Mesmo que tenha, às vezes, um cheiro de morte, gosto de comer
carne viva. Detesto-a morta, por isso falarei somente uma vez dessa
terrorista de nossas vidas. Tão moça, normalista que fosse. A
expressão em sua face revelou o ódio e gritava feito aquele pederasta
preto de outro dia. Foi um prazer ver minha garrafa com minha urina
quente em sua boca. Ver os fios fazendo dançar os mamilos da
colegial. O Não sei não saía mais. Eu já não sabia mais como lancinar
aquela pele negra e quanta água eu tive que salivar vendo o bater de
seus dentes. Gozava de prazer, na cara da carne, assistindo ela
chupar a Mamadeira de Subversivo. Não há melhor carne que a carne
filtrada na urina.
Fleury: o baile prometia; o cheiro da carne convidava. Quero,
além do cheiro, a carne da carne. Mordiscar, chupar, saborear,
morder macio para depois morder agressivamente, agressivamente
invasivo. Bituca na buceta. Sou radicalmente carnívoro. Descobri
depois de mordiscar Esther. Foi Esther que me transformou num
classificador sofisticado. Primeiro olho dos pés à cabeça; depois, com
os meus dedos longos, vou medindo palmo a palmo, antes preciso
cheirar; mas também observo os orifícios, tenho fissuras por todos,
principalmente, aqueles que o corpo feminino revela; mas o
masculino também tem seus segredos, descobri depois. Esther, com
esse “h” no meio, eu, voraz à plena voz, vamos para a perdição, quer
dizer, vou, vou e fico alhures, há muito, muito vivo porque sei e aceito
Esther metamorfoseada de carnes revertidas de choros e cores,
sangue e odores de esquina. Carne sucosa preparada para assar.
Quem não gosta de uma maminha? O perigo, solícito de agora,
desprovido de depois, me enche de coragem. Vou, vou e vou viajando
pelo céu de Esther. Sou esse “h” abrupto dentro de sua estrela que
dança, grita, canta essa tal de revolução. Rá, rá, rá. Revolução é a
Cadeira do Dragão! Deixa a carne que é uma maravilha. Esther,
Esther, Esther. Todas as carnes hão de ser Esther. Todos os seios
suados, Esther. Todas as pernas, Esther. Mesmo se for Sheila, Aline,
Bruna, Ana, há de ser Esther. Algumas mais Esther que outras, mas
sempre Esther. É, deixei de lado a vida sem carne; mas, na verdade,
há vida sem carne? Esther, a carne da teologia da libertação, ensinou-
me: o baile das carnes é vida.
Ailton: fui ao baile porque me prometeram um vitelo. Sou um
classificador que não me recuso a comer carne macia, tenra e clara. A
carne, antes da contaminação vermelha, é garbosa. Não precisa de
muito abate, basta uma bituquinha aqui, outra ali, para verificar a
qualidade pela vibração das cordas vocais. É um ótimo ingrediente
para transfigurar a qualidade da carne-mãe ou da carne-pai. Por isso,
sempre prefiro convidar mais um exímio classificador para juntos
absorvermos todas as carnes de uma família. Há alguns
classificadores com pudor ao uso de vitelo; são poucos, mas há. Rá,
rá, rá. Rimos, rimos e rimos desses, então colocamos logo um vitelo
na mesa, bitucamos, e pronto, basta a carne-mãe do outro lado
berrar, os classificadores cristãos começam a salivar como cães com
fome, e lembram do prazer inequívoco e inesquecível das carnes.
Quanto mais alto os berros melhor a carne. Se for de primeira o som é
insuportável; mas, ao Telefone, minhas mãos falam nos tímpanos
quase surdos de Vésper. Então, tornam-se bem-te-vis inauditos com a
mesma carne de um leão ensurdecedor.
Ednardo: sou um classificador romântico. Gosto de massagear a
carne com leveza. Participo do grupo que acredita que para a carne
ficar macia deve morrer feliz. Por isso, quando minha exímia
massagem não surte efeito, como acontece, às vezes, com algumas
carnes, pego a seringa calabouço e injeto o Soro da Verdade. Sem
inibições e com sonolência, a carne solta logo as histórias e as fibras
vermelhas mantendo apenas o que há de melhor. Sempre ocorre, no
entanto, os contratempos da técnica. A morte infeliz de algumas
carnes fracas antes do processo completo; mas, mesmo assim,
sempre as colocamos na mesa do baile.
Albert: com o talher de prata eu corto e classifico as carnes
mais nobres. Na Dinamarca aprendi bons hábitos. Vim para o Brasil
vender gás (mas acabei me entrosando com os classificadores). Um
trabalho árduo. Mas havia as horas alegres no final do expediente,
espécie de terapia da ocupação. Meus amigos elmos, como o grande
Ulstra, apresentaram-me os clubes de dança, inferninhos sofisticados.
Eram fantásticos. Ali eu conheci inúmeras belas da tarde, eu vi
mocinhas de pele branquinha, lembrando minhas amigas do leste
europeu, na pista de dancing rebolando, freneticamente, como quem
havia saído de uma geladeira. Jogos insólitos revelavam verdadeiros
campeonatos excêntricos de sedução: encapuçadas, elas eram
mergulhadas em recipiente com bebidas quentes; depois, eu e meus
amigos perguntávamos: com quem você quer ficar, com o rapaz de
azul ou de vermelho? Confesso, sem falsa modéstia, meus olhos me
ajudavam. Mas eu não me iludia, meu dinheiro e status de empresário
do gás abriram muitas portas. Naveguei muito nas águas que
surgiram das chuvas de março. Pau, pedra, fim do caminho, para
mim? Jamais! O Brasil ficou outro. As festas melhoraram. Até as
meninas, duronas, se abriram, gemendo e gritando. Afoguei as
mágoas como um novo rico na Cidade do Sol.
*
As vozes cimentam minha memória. Assim, foram muitos bailes
de carnes em suas várias edições. Da 69 à 74. Meu amigo El Moroco,
por exemplo, contou-me que os bailes de lá ferviam. Por outro lado,
minha amiga Night in Day dizia que baile bom era baile gelado. Já
meu querido Casablanca falava, em alto e bom som, que baile bom é
baile com merda. Gosto é que nem cu, cada exímio tem o seu.
Centenas eram os exímios classificadores de carnes. Hoje, penso que
só existia um exímio classificador de carne. Na verdade, era uma
exímia, de onde uma Voz Imensa surgia: a Hidra de Lerna à brasileira
com mil cabeças. A dona do baile das carnes. Por sua causa, estou
desmoronando no Tempo e preciso retirar e registrar as
multiplicidades de vozes de dentro de mim. As pessoas passando pela
rua em que fico localizada não imaginam como o meu corpo, agora
na escuridão de um lugar vazio e trancado à memória alheia, guarda
em sua pele as marcas de relatos tão festivos e saudosos de um
Tempo em que ser classificador de carnes era uma profissão honrada.
Naquele tempo esses meus amigos, carinhosamente, chamavam-me
de A Casa da Vovó.
A fenda e as pedras
Nunca imaginei morar com Ana e as pedras. A peculiaridade de
nossa casa não era somente as pedras, mas nossa relação com elas.
Quando a pedra de Ana não aparecia, as lâmpadas devoravam o
escuro. As portas como veludo abraçavam os buracos das paredes. As
janelas, no entanto, amigas confidenciais do vento, à noite,
assobiavam segredos escondidos no buraco mais fundo do inferno.
Nossa cor era lilás, sua cor preferida. Os gestos de Ana calculavam
carinhos. Os carinhos calculavam os gestos de Ana. Até nossas brigas
ruborizavam de ternura. Era o nosso singular clichê dentro de um
outro clichê. Até que um dia aconteceu o ontem. O ontem era a pedra
de cor obscura que, de tempos em tempos, fazia-se instante.
Estávamos na sala, às gargalhadas, quando, sem aviso prévio, em
uma das últimas ocorrências, entrou o instante:
- Hijos de puta! – Ana gritou levantando do sofá.
Tudo então era pausa.
E ficou assim por longos segundos. Mas era mais uma tática. Os
gestos de Ana eram calculados. Logo o frenesi continuou como
repulsa à pedra. Suor, pele, e dor, amálgamas do tempo inscrito no
agora. Palavras desiguais emboladas com gemidos num sofá.
Vivemos, graças à onça que invadiu a sala, a esquizofrenia
característica do nosso tempo. Não sabia por quê, mas nessas horas
sentia o cheiro do verão. Depois, sempre num certo momento, o
verão se dissipava. Ela corria para o Bolaño, e eu preferia cozinhar
ouvindo Sosa vislumbrando la soledad de Macondo.
Hoje, depois da pausa, o frenesi não deu muito certo como
arma contra a pedra. Ansiosos, lembramo-nos do presente do
Paraguai trazido pelo Leminski. Navegamos no chá. O chaxixe, como
chamamos, abriu para nós o mundo da fome. Fui à cozinha. Quando
cheguei, ri, feliz da vida, de vê-lo. De uma fenda pendurada no ar,
perto da geladeira, surgiu Melquíades. Apareceu dionisíaco à procura
da pedra. Disse, apontando com sua velha espada, que teria sido
transportado “pela luz desta cor”. Disse mais, “o cheiro do chá me
atraiu para ajudar a destruir a pedra”. Ela havia muito estava
viajando no esquecimento, “desde quando, por um descuido deles,
deixaram escapar para a Memória”, soprou o velho raquítico e
barbudo. “Corri perpassando diversas temporalidades até que
cheguei aqui, mas iria imaginar que seria em meio à cena tão banal?
Esperava que a luta contra a pedra fosse algo especialmente mágico.
Mas, pensando bem, não há nada mais mágico como a banalidade
mundana da paixão, qual o flash explosivo de um coquetel”. Depois
aquele velho, aparecido do Nada e quase completamente nu,
desapareceu no Nada deixando a lembrança de sua espada em
punho, nas costas uma capa tingida de estrelas lilases num fundo
preto. Roubou-nos uma pedra. Depois de horas de sua preleção sobre
o segredo do amor, fez-nos dormir.
Quando Ana despertou, sentiu que ainda tinha uma pedra por
ali e berrou:
- Mierda!
Tudo então era pausa novamente.
Como combater a pedra com a paixão fundamental do ser? Não
houve frenesi dessa vez; nem suor e pele, só dor, uma dor silenciosa.
Ana começou a cantarolar um ponto, feito pombagira, depois um
samba embatucado sobre o 2666. Parecia procurar no calhamaço a
pedra obscura. Não obteve êxito, depois voltou da estante com o
Noturno do Chile na mão. Na cama, pareceu fazer uma oração raivosa
para o padre Urrutia Lacroix, pois, como uma crente encolerizada,
gritou, abrindo outra fenda numa bruma lilás no ar: “su tormenta de
mierda era su silencio, escuchamos su silencio de mierda, su silencio
un tanto empañado!”.
Nosso lilás é uma composição de cores leves, fortes, surreais e
sujas. Foi em mil novecentos e setenta e três que começou a surgir a
pedra para Ana, quando sua mãe, uma militante trotskista,
desapareceu em Santiago. Ana queria fazer desaparecer do mundo de
qualquer forma o general Pinochet, mesmo sabendo que ele estava
preso no Chile. Para isso, tentava utilizar os livros do Bolaño como
arma, A literatura tinha que servir para alguma coisa, dizia, depois
que leu um poema falando que todas as armas são boas. Mas, hoje,
depois das tentativas com os livros, sentiu que não estava
funcionando com aquela pedra que permanecia ali. A pedra obscura
entrou no instante com maior força.
O nosso mundo, então, parou.
Ana olhou a bruma em sua frente, deu dois passos, lentos como
quem espera coragens ancestrais. Cria que um dia isso poderia vir a
acontecer. Lembrou-se de sua mãe: cabelos curtos, olhos miúdos e
panfletos nas mãos. Aconteceu. Ana desceu no tempo, incrível, por
uma luz ínfima, mas uma luz que a guiava. Avançou a densidade da
bruma, e, pela fenda, viu do outro lado: Allende estava à beira da
morte. Era a anunciação que, tempos mais tarde, no passado, iriam
dissipar sua mãe do mundo para tentarem dissipar as ideias.
Aproximou-se da casa, diáfana como num sonho, viu uma imagem
dúbia. Allende a apontar uma arma contra si próprio e,
simultaneamente, pela janela uma boina militar apontava uma arma
para Allende. A segunda imagem era mais forte; a primeira lembrava
uma lembrança. Depois dessa imagem viu um corpo feminino em
frangalhos cheio de marcas e vísceras de uma história de luta pelo
tempo. Então, gritou desesperada:
- Noooo!
A fenda se fechou. Deixou apenas a sensação opressora da
presença constante da pedra de cor obscura. Corri para a sala de
estar com Ana. Improvisei carinhos que recordassem os outros tons
de antes. Ela foi se acalmando e contando a história. Mas sentia que a
pedra ainda estava lá. Então, eu trouxe à mesa a comida que cozinhei
no dia anterior. Queria de volta seus gestos calculando carinhos.
Queria o frenesi, o cheiro do verão, a nossa peculiar Macondo. De
súbito, no entanto, vi Ana assustada. Seus olhos fitavam um vulto
sobre meus ombros. Pude ler o terror brotando de suas pupilas. Terror
e prazer, mesma sensação presente quando Ana tinha vomitado,
algumas vezes, sua pedra em outros episódios. Com força, veio
novamente o grito do fundo de sua garganta:
- Hijos de puta!
Chupamos, chupamos, comemos, comemos, cheiramos,
cheiramos; em frações de segundo, assustados. A fenda da bruma
não tinha se fechado totalmente, consegui ver: era lilás com bordas
translúcidas, deixada pelo fuller da espada de Melquíades. Só quando
pude enxergar com nitidez, foi que vi, e entendi assombrado, a pedra
que persistia. Melquíades não havia transposto temporalidades para
ajudar Ana a vomitar sua pedra, ela já havia feito isso várias vezes. O
cheiro brotava de mim. A pedra obscura dessa vez é minha. A mim
cabe começar a vomitá-la. Urgentemente, do fundo de minha
garganta, preciso começar a gritar para poder provocar o primeiro
vômito. Tento, engasgo-me, mas sai:
- Seus filhos da puta!
Quando o teu olhar cortou minha memória
Passei a procurá-lo nos silêncios daquele apartamento com
vista privilegiada para o infinito.
*
As cores estão gastas. Também já estou aqui há muito tempo.
Com ele aprendi a preparar um passo atrás do outro. Agora
imaginários, desde quando deixei de sentir minhas pernas. Sei que
logo entrarei noutra ausência. A vida é feita disso, aprendi. Como
seria conviver somente com as lembranças? Serpentes que aparecem
cada vez maiores. Fugidias, diluem de memórias impressas em
imagens guardadas em álbuns antigos, baús velhos escondidos em
lugares de onde vazam tristezas que brotam do percurso do tempo.
Agora como um subterfúgio recorria a esta figura feminina. Ela entrou
em minha vida, desmoronada, fiz questão. Fugir de um palco lúgubre,
encenar risos, mesmo que tivesse a certeza de que jamais se
expandiriam as gargalhadas. Bastava-me aquela juventude inusitada,
uma conversa na exata hora de todos os dias. Pelo menos eu fujo de
mim. Até quando? Não poderia precisar.
*
Nunca pensei ser cuidadora de idosos. Minhas manhãs nunca
foram tardes de baralhos. Não sabia manejar jogos para os tempos
acumulados. O que é um idoso senão tessitura de tempo
comprimido? Tempo que se esvazia na troca de instantes até se
perceber finito. Sou cuidadora do transitório. Cuido do tempo no
Tempo do tempo das tardes de buraco. Ouço lembranças costuradas
no tapete de velhas memórias. Gente que ouve o inexistente dizendo
segredos ao pé do ouvido. Pancrácio é o nome do tempo em meus
cuidados agora. O acúmulo é acurado pelas linhas de expressão do
rosto, esses caminhos sinuosos do Tempo no tempo. Pancrácio,
decrépito, meio surdo, e com cicatrizes estranhas pelo corpo,
ensinou-me, ou tentou me ensinar, a conhecer certos endereços
desse labirinto contando peripécias das rugas. As histórias brotam
dos furúnculos impregnados nas linhas do tapete velho como se
fossem pulgas gordas de sangue, cheias de vida esparramando
lembranças de mortes. Livre como um pássaro, enclausurado na
gaiola do velho corpo, Pancrácio deixa as lembranças fluírem, as
inventa. Aponta um estigma do lado interno das coxas e diz que as
marcas são como os vestígios da existência. Mas aquela não iria
retratar em narrativa, iria ficar nela para todo o sempre, levaria para
o túmulo. Deixaria no arquivo de sua memória individual, para ele
memória coletiva era uma fantasia perversa da Ordem que ajudou a
forjar. “Você está vendo isto aqui?”, perguntou... “A memória nem
sempre é uma gaveta coletiva para todo mundo abrir, ela pode ser
uma gaveta fechada dançando por cima de todos nós, como um
corpo vazando vozes inauditas. Entrou alguém, “já veio medir o
quanto fervo?”, reclamou Pancrácio. Peguei seu braço, então senti o
peso do tempo. “O tempo é um tiro, num ritmo de muitas curvas. O
coração é motor do corpo, mensura tristezas, onde ficarão os homens
como eu, um morto-vivo. Assim como o corpo é o recorte no pedaço
do tempo cumprido, a morte é badalo de tempos múltiplos a se
reinventar. Não há morte, há silêncio transbordado de lembranças.
Você já presenciou a emoção diante da morte, minha filha?”. Com a
mão trêmula, ajudei o rapaz a aferir a pressão dele. Vi as linhas de
suas mãos. Acentuadas. Apesar de não ter tido a emoção diante da
morte, não conseguia pronunciar simplesmente a palavra Não na
frente daquele homem. Como então poderia eu ser cuidadora de
idosos? Como cuidar da tessitura do tempo sem o mínimo de
conhecimento do badalo de tempos múltiplos a se reinventar? Eu me
considerei um disparate naquele instante. Parecia que o mundo virara
às avessas. E quem estava cuidando de alguém ali era ele. O Tempo
fazendo o tempo pensar. Comecei a questionar o badalo. Essa haste
de contratempos suspensa em cada um de nós preparada para bater
a qualquer instante nos tempos múltiplos. Quem será que foi esse
velho? Por que através do seu olhar eu procurava por mim?
*
Ela não consegue decifrar meus enigmas. Eu não consigo
revelar meu passado. Ele está por toda parte em meu corpo. O asilo
Doutor Thomas escondeu muito bem os rabiscos de minha pele. Seus
dedos olham as linhas de minhas mãos, escorregam da base da
palma, subindo até quase chegar no dedo indicador. Como quem
procura encontrar vestígios do meu destino. Às vezes roçam meu
polegar, em arco, até atingir meu pulso, na busca de indícios sobre
minha vida. Quem é dono do destino? Minha vida é marcada pela
tortura. Não sou digno nem desse olhar juvenil. Agora me vem a
lembrança daqueles olhares, daquelas mãos que, sob minhas ordens,
eu dizia, Decepem, apaguem. Será que um dia ela saberá que por
trás desse ancião existe uma curva no Tempo revelando gestos
horríveis? Hoje me decidi a fugir das cores gastas que,
insistentemente, invadem o meu apartamento.
Apiemieke?
As vozes rasgaram os grilhões do tempo abrindo múltiplos
caminhos.
- Apiemieke? Apiemieke?
Pancrácio escutava, havia dias, uns gritos estranhos, em
uníssono, sem origem perceptível, depois que sentiu seu bigode
começar a cair com o peso do tempo. Após a conversa com o filho,
não suportou a presença das vozes cada vez mais altas. Já não
conseguia dormir. Com medo de o tempo ter lhe reservado o
Alzheimer, tomou a resolução de lutar contra os monstros de sua
cabeça. Nunca se rendeu para ninguém, muito menos para um
inimigo. Concedeu maior atenção às frases em desespero ecoando do
fundo da cabeça. Remotamente, reconhecia aquelas estranhas vozes
e aquela linguagem híbrida. Pensou no início ser uma perturbação
por causa da morte de Danúbia. Mas não, reconheceria, se fosse o
caso, aquela voz doce, aquele gemido culposo. A insônia tomou de
assalto sua vida. O grito de guerra que perturbava o sono do velho
coronel da reserva do Batalhão de Infantaria de Selva da Amazônia
era sempre o mesmo:
- Apiemieke? Apiemieke?
O coronel da reserva, depois de dias em claro, não aguentou o
coro de vozes em silêncio e soltou, falando sozinho, a onça no meio
da casa:
- Apiemieke é o caralho! Que merda é essa? É a porra da
velhice? Agora estou feito uma velha chata, pendurado noite e dia no
ar por causa de umas vozes esquisitas. Vamos, suas vozes de merda,
só sabem dizer isso, essa palavra absurda e inexistente,
Apiemiekeeee!? Seus veados! Tenham a honra ao menos de me
encarar, seus putos de merda! E vocês aí, não olhem assim pra mim,
porra! Não estou doido! Vão logo para a cozinha, ou vão varrer a casa,
vocês não têm o que fazer? Eu aqui em casa trancafiado por causa
dessa comissãozinha de bosta. É isso que está me enlouquecendo.
Vou pegar é a estrada. Silva, porra, pegue a chave do caminhão pra
mim. Vou relembrar velhos ventos onde eu ouvia gritos e gemidos,
sim, mas sentia prazer.
Quando chegou próximo da BR-174, o coronel Pancrácio
começou a ouvir novas frases, enquanto dirigia o caminhão, num tom
muito mais forte. Ficou feliz, no princípio, com a diversificação, não
aguentava mais ouvir apenas Apiemieke. Parecia que chegava perto
da origem daquele coro. Queria ver o inimigo de frente. Reconhecê-lo.
As frases invadiram o porão de sua memória, então reconheceu a
língua dos Waimiris.
- Por que kamña matou Kiña? Apiemieke? Apiemieke?
- O que é que kamña jogou do avião e matou Kiña?
- Kamña jogou kawuni, igual a pó que queimou a garganta e
Kiña logo morreu?
Uma dança frenética de calafrios percorreu seu corpo.
Recordou-se da gloriosa década de sessenta e oitenta: da construção
da BR-174; da mineradora Taboca; da hidrelétrica de Pitinga e da
hidrelétrica de Balbina. Que sem o seu essencial trabalho junto a
Parasar e a Sacopã não conseguiriam instalar o progresso na
Amazônia. Os selvagens não deixariam. Saudoso ficou, lembrando os
infinitos prazeres, quando se especializou em cu de índio. Descobriu
um método, depois de matar centenas dos selvagens, que deixava os
índios menos ferozes, irracionais. Mas funcionava com poucos. O
apaziguamento consistia numa conversa forçada com o cu do índio.
Ficavam mais amáveis e assimilavam os costumes dos civilizados,
depois de uma sessão da terapia. Apesar dos suicídios depois. Era na
conversa que explicava aos Atroaris, os Kiñas, a maravilha que era
uma estrada, a riqueza de uma mineradora e a beleza de uma
hidrelétrica. O coronel lembrou, com isso, que Apiemieke significava
por quê. Então, começou a tentar responder às vozes em coro,
enquanto se dirigia para o local em que havia limpado para o
progresso da Amazônia, ao lado do Alalaú, onde tentou, antes da
limpeza, transformar a todo custo os milhares de indígenas em seres
humanos, mas teve que fundar o cemitério de cus.
- Apiemieke? Vocês perguntam. Ora! Porque era o certo, seus
vermes! Se não aprenderam a serem civilizados, tinham que morrer
mesmo, porra! Por quê? Não viram a importância da civilização?
Porque quem pergunta sou eu, agora, por que não morrem de uma
vez, caralho? Nem pra morrer vocês servem? Vou matá-los
novamente, seus bostas. Quero ouvir de novo os gemidos pungentes
e os soluços anônimos que me deram verdadeiros júbilos. Vocês ainda
têm cu? Desejo escutar os clamores de misericórdia. Pensam que
ainda tem a merda do CIMI e da FUNAI para tentarem proteger vocês?
Não tem mais o bosta do Calleri para procurar um modo mais humano
de civilizar vocês. Nem os professores Schwade para proteger vocês,
seus bostas! É bem o veado do Maiká que está comandando vocês
novamente, ou o filho da puta do Maroaga, aqueles índios escrotos de
merda, difíceis para morrer. “Matar ainda que não seja preciso; morrer
nunca!”, mantenho o lema. Queria ainda ter a disponibilização de
materiais de antes. Dinamite, granadas, bombas de gás
lacrimogêneo, metralhadoras e helicópteros. Para ver se não dava fim
em vocês novamente, suas vozes do inferno!
O general colecionador-de-cu-de-índio, como ficou conhecido na
época, estava resoluto em encontrar a fonte dos gritos. Por causa da
intensidade aumentada, não acreditava que emergia de sua cabeça.
Ele que, em toda a vida, foi guiado pela Voz Imensa, sabia que
poderia localizar a origem. Seguiu para os arredores da hidrelétrica,
para ver se reconhecia o cemitério de cus. Chegando próximo ao
local, da agonia das vozes foi surgindo uma euforia no seu corpo
decrépito. O coração bombeou os jatos de sangue mais rápido, mas
não conseguiu levantar o pau como antes. Não tinha mais o
imponente bigode que dava força ao corpo. Agora, ralo e em
frangalhos, caíam os últimos filetes a cada frase proferida pela
multidão indígena anônima.
Chegou ao cemitério de cus beirando o anoitecer. Sentiu o
prenúncio do cheiro daquelas noites equatoriais, onde tinha
construído um castelo de prazer colecionando malocas quentes de
índias. Desceu com a mesma postura de quando usava boina,
enfrentando os gritos ensurdecedores em rodopio.
- Apiemieke? Apiemieke?
- Antigamente não tinha doença e morte. Kiña estava com
saúde.
- Olha civilizado aí! Olha civilizado ali! Lá! Acolá! Civilizado
escondido atrás do toco-de-pau! Civilizado matou com bomba.
- Civilizado matou Sere.
- Civilizado matou Podanî.
- Civilizado matou Mani.
- Civilizado matou Akamamî.
- Civilizado matou Priwixi.
- Civilizado matou Tarpiya.
(...)
- Com pau. Feriu.
- Com bomba. Escondido atrás do toco-de-pau! Apiemieke?
- Apiemieke? Apiemieke?
O colecionador-de-cu-de-índio então gritou com a força de
antes:
- Calem a boca, seus merdas! Vocês não existem, porra! Nunca
eram pra ter existido, caralho!
Deram uma pausa.
As vozes cessaram por um instante como nunca haviam nessas
dezenas de dias. Olhando o horizonte do cemitério que poucos
sabiam a localização, Pancrácio sorriu vitorioso. Sentiu uma brisa que
lembrava o velho Alalaú que banhava os cus dos índios. Ao avistar, ao
longe, os tentáculos de Balbina e um grande descampado, sentiu-se
orgulhoso do protagonismo e de como se deu a construção da
hidrelétrica e da BR-174. Ficou imóvel alguns minutos admirando o
passado no presente. Quando se virou para voltar pro caminhão,
achando que havia vencido as vozes, sentiu uma vertigem e um
calafrio. Rodopiou, mas quando ia cair, foi aparado por um coro de
vozes fortes gritando:
- Por que kamña matou Kiña? Apiemieke? Apiemieke?
Os gritos invadiram o orifício do coronel, o mesmo em que era
especialista nos indígenas. A função anatômica do corpo se
modificou. O cu do colecionador-de-cu-de-índio virou ouvido. As
violentas ondas sonoras começaram a estrangular os órgãos internos
de seu corpo. Terrivelmente, o coro de vozes se encaminhou a
garganta, após o início da queda no chão. O ralo bigode resistente
encontrou a derrocada final. As vozes não saíram pela boca do
coronel Pancrácio. A fuga escolhida pelo coro, para sair daquele
morredouro, foi o labiríntico espaço do buço. Os gritos, numa mistura
trilíngue, pregaram-se entre os orifícios dos fios mais resistentes do
bigode como larvas pegajosas e elásticas, depois alçaram voos
violentos. A cada queda de um filete pútrido do coronel, despontavam
perguntas ante o absurdo da boca do Tempo. Os gritos surgiam ora
em português; ora na língua inaudita e forte dos Kiñas; ora na língua
inconfundível da dor. O coro dos Wamiris-Atroaris invadiu Pancrácio
apenas para saber o Apiemieke. Os gritos só cessaram quando o
corpo do coronel caiu totalmente sem bigode no chão. O silêncio de
ruídos peculiares da floresta pareceu voltar a reinar. O cemitério de
cus, no entanto, já não tinha uma geografia fixa e desconhecida.
Agora, as vozes ganhavam nova morada na Memória, onde as
lembranças, feito fendas, abriam múltiplos caminhos nos silêncios da
História.
SOBRE OS AUTORES
Arcângelo Ferreira
Nasceu na cidade de Parintins, Baixo Amazonas,
em 1969. É mestre em Sociedade e Cultura na
Amazônia pela UFAM, professor de História da UEA em
Parintins e coautor dos livros: História, cidade e
sociabilidade e História da saúde e da doença,
ambos pela Editora CasAberta. É membro da Linha
de Pesquisa História, Literatura e Sociedade do
GEHA – Grupo de Estudos Históricos do Amazonas
(UEA/CESP). Possui publicações nas revistas Travessias, Claraboia e
Decifrar. Para melhor compreender a História, elege a literatura como
fonte de pesquisa. Na acepção de que “o homem é um ser para a
morte” constrói e reconstrói suas narrativas.
Thiago Roney
Nasceu na cidade de Boa Vista/RR, em 1985,
radicado em Manaus desde a infância, considera-
se amazonense. Formou-se em Matemática pela
UFAM, em 2010, e estuda Literatura no Mestrado
em Letras e Artes da UEA. Como escritor, publicou
diversos contos em várias revistas literárias como a Trevo, a Germina
e a Acrobata. Publicou o conto A panela velha do mundo pelo selo
digital Formas Breves, coordenado pelo escritor Carlos Henrique
Schroeder, da editora e-galáxia. É autor do livro de contos O estouro
da artéria de um cavalo húngaro, 1ª e 2ª edições pela Editora
Multifoco – RJ e a 3ª edição, de forma independente, pela thysanura
edições de rua.