a música na atuação jesuítica no brasil
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Pesquisa cientifica sobre a Música na atuação jesuitica no Brasil ColônicaTRANSCRIPT
A pesquisa da música na atuação jesuítica no Brasil: a
problemática da insuficiência de papeis musicais
Introdução
O presente trabalho pretende realizar uma análise da atuação jesuítica através da
música para a catequização no Brasil Colônia e a problemática relacionada à ausência de
fontes musicais. A música na colônia portuguesa deu-se de forma intensa como afirmam os
registros iconográficos e descritivos da época. Entretanto, há uma ausência de partituras ou
registros musicais escritos, diferentemente das colônias espanholas, mesmo sendo semelhante
o processo missionário dos padres católicos. O objetivo deste trabalho é traçar um panorama
dos fatores que contribuíram diretamente ou indiretamente para a escassez deste tipo de
fontes primárias.
Considerações sobre a Companhia de Jesus
A Companhia de Jesus criada oficialmente em 1540 e fundada por Inácio de Loyola1,
que tinha como objetivo primordial ensinar a fé Católica entre os pagãos, levando-os para fora
da Europa no séc XVI. O projeto educacional da companhia e os portugueses em busca de
riquezas foram influencias essenciais na estruturação social, administrativa e produtiva da
sociedade brasileira colonial.
A educação jesuítica abrangia a catequização dos índios e o ensino para a população
nos centros urbanos que começavam a surgir. Os colégios aos poucos passaram a oferecer
formação superior, além dos ensinamentos de ler e escrever. A estrutura pedagógica
observada nestes centros foi notória se considerarmos a não existência da circulação de livros
e universidades na colônia.
O interesse da formação do homem baseado nos princípios escolásticos era congruente
com as aspirações expansionistas da coroa Portugueses. Nesse sentido, os padres jesuítas
ocupavam e defendiam áreas disputadas com a Espanha.
A Ordem dos Jesuítas é produto de um interesse mútuo entre a
Coroa de Portugal e o Papado. Ela é útil à Igreja e ao Estado
emergente. Os dois pretendem expandir o mundo, defender as
novas fronteiras, somar forças integrar interesses leigos e
1 Inácio de Loyola (1491-1566) nasceu em Azpéitia, Espanha. De família fidalga, acabou por seguir a carreira
militar, convertendo-se à vida religiosa somente após ser ferido em 1521 no cerco de Pamplona pelas tropas
francesas. Estudou humanidades nas Universidades de Alcalá e Salamanca, Espanha, e teologia na Universidade
de Paris. Em Roma, fundou a Companhia de Jesus, que o Papa Paulo III aprovou em 1540.
cristãos, organizar o trabalho no Novo Mundo pela força da
unidade lei-rei-fé. (RAYMUNDO, 1998, p. 43)
O projeto educacional jesuítico expandia-se para um projeto de construção social mais
amplo com objetivo de difundir a cultura européia no continente americano. Esta inserção
caracterizava-se pela idéia da incorporação do índio ao mundo burguês. Desse modo, havia
uma preocupação de incluir o índio ao habito do trabalho em prol da produção.
Os jesuítas tiveram uma notória expansão nas primeiras décadas da sua formação Por
esse motivo, tornou-se uma poderosa e eficaz congregação católica. No ambiente turbulento
vivenciado na Europa com relação à Reforma Protestante, essas atuações na colônia eram
uma das principais ferramentas da Igreja na Contra-Reforma. O objetivo era conter o avanço
considerável do protestantismo, e para tanto, como afirma Maciel (2008, p. 172), os jesuítas
utilizaram duas estratégias: (1) a educação dos homens e índios; e (2) conversão dos povos
não-católicos das regiões colonizadas. Foram diversas as ferramentas utilizadas no processo
de catequização dos índios e os padres, inicialmente, perceberam a eficiência da música como
processo pedagógico. A empatia dos índios para catolicismo foi influenciada pela atração que
a musica exercia sobre eles. Por esse motivo, a música foi utilizada extensivamente nesse
processo.
No Brasil os padres logo perceberam na música
um meio eficaz de sedução e convencimento dos
indígenas, e embora a Companhia de Jesus tivesse
surgido em meio ao espírito austero da Contra-Reforma,
e seus regulamentos fossem pouco afetos à prática
musical, referências à música em cerimônias religiosas e
eventos profanos, realizada sobretudo por indígenas, são
encontradas em relatos desde pouco tempo depois da
chegada dos jesuítas no Brasil até sua expulsão em 1759.
A atuação musical dos jesuítas certamente influenciou a
formação da cultura brasileira ou de identidades culturais
regionais, porém é difícil determinar até que ponto isso
ocorreu, principalmente devido à pouca atenção que o
tema até agora recebeu de pesquisadores, apesar de sua
importância. (Holler, 1133)
De acordo com Castagna (pág 53, 54), a quantidade de índios treinados na “arte
musical” era relevante. Eles foram ensinados através da utilização de diversos instrumentos
musicais2 (flautas, trombetas, choramelas, baixões, violas, cravos e órgão); do aprendizado de
cantigas e vilancicos; e do canto das principais orações do rito cristão em latim e na “língua
2 O autor basea-se sua afirmação através da análise de materiais iconográficos
geral”. Esta educação musical européia se deu de forma tão efetiva, que encontramos relatos
da capacidade dos povos nativos na execução da música religiosa européia. Esta inserção
pedagógica estendeu-se ao suprimento do serviço religioso nos núcleos rurais e urbanos
instalados pelos portugueses.
As fontes históricas relativas a músicas nas missões jesuíticas
Apesar da musica européia trazida pelos jesuítas exercer um papel importante na
colônia portuguesa, as fontes para as pesquisas acadêmicas são provenientes de analises
iconográficas e textos, observando uma carência de outros acervos para analise. Se formos
comparar a documentação existente nas missões espanholas e portuguesas, observamos um
arquivo notoriamente maior na primeira. São claras as referencias contidas nos textos do séc.
XVI da prática musical ocorrido no Brasil. Entretanto, o desenvolvimento das mesmas
ocorreu de forma diferente nas colônias das duas coroas ibéricas.
O acervo de fontes iconográficas, partituras e instrumentos musicais sobre a atuação
jesuítica na América Espanhola permitiram aos estudiosos uma reconstrução mais precisa da
música do período. O repertório produzido na America espanhola encontra-se acessível por
meio de diversas publicações e gravações, e estende-se da música litúrgica até óperas e
exercícios para instrumentos de teclado. Ainda no séc XX vemos a visível a influencia da
ação dos jesuítas na cultura popular, como por exemplo, a utilização por alguns índios dos
modelos jesuíticos para fabricação de instrumentos.
Seguindo o caminho oposto, as principais fontes para reconstrução da música dos
jesuítas na colônia portuguesa resumem-se a textos escritos e algumas iconografias. As
diferenças na forma de atuação dos jesuítas são relevantes para as repostas com relação à
discrepância da formação do acervo musical. Apesar de terem a mesma finalidade
catequizadora, observa-se uma disparidade com relação às questões políticas, que levaram a
distinção no modo de operar entre as colônias portuguesas e espanholas. Por esse motivo, o
estudo da atividade jesuítica na América não pode ser considerado uniforme. Holler descreve
as diferentes formas de atuação de espanhóis e portugueses:
Na América Espanhola os padres jesuítas levaram
a cabo seu ideal de catequização e proteção dos índios, e
as missões se formaram no interior do continente,
buscando o isolamento do contato com o homem branco,
de modo que no séc. XVIII as reduções eram
comunidades fechadas e praticamente auto-suficientes.
Sua independência passou inclusive a incomodar a Coroa
Espanhola, constituindo um dos motivos para a expulsão
dos jesuítas em 1759. Na América Portuguesa, por outro
lado, os jesuítas estabeleceram-se acompanhando a
ocupação portuguesa, próximo ao litoral e a centros
urbanos. No séc. XVI alguns estabelecimentos surgiram
em regiões isoladas, porém mais tarde deram origem a
centros urbanos, como os Colégios de São Paulo e do
Rio de Janeiro. Nos sécs. XVII e XVIII os
estabelecimentos maiores fixaram-se em centros já
formados ou em formação, como os Colégios do Pará e
de Maranhão, e os seminários. Também as aldeias se
formavam vinculadas a um colégio, e não eram muito
distantes destes, e do contato com o homem branco.
(Holler, 2005 p. 1135)
As diferentes formas de atuação na colônia refletiram notoriamente na maneira como a
música era conduzida pelos padres missionários. Existem diversas evidentes nos textos
escritos na época. Os textos escritos pelo padre João Daniel na obra Tesouro descoberto do
Amazônas evidenciam as diferenças das práticas musicais nas colônias portuguesas e
espanholas e como isso influenciou no processo pedagógico do catolicismo na América. No
texto o autor responsabiliza a própria forma de como os índios eram colonizados no Brasil,
mas escravocratas em relação às sociedades encontradas pelos espanhóis, como um empecilho
para o ensino metódico musical. Desse modo, o impacto musical jesuítico ocorreu
diferentemente nas colônias americanas.
Nesse sentido, o Padre Domingos de Araújo relatou na Crônica da Companhia de
Jesus. Mesmo os nativos brasileiros possuírem habilidade em cantar, os missionários não
conseguiam ensiná-los por estarem sempre trabalhando para os brancos, o que não ocorre com
os indígenas das missões do México. O legado musical deixado pelos jesuítas na América
Espanhola foi muito mais efetivo do que encontrado no Brasil, mesmo dentro do repertório
profano.
De fato, grande parte da música executada naquela época nunca chegou a ser escrita.
As danças, cantigas e outros gêneros musicais, inclusive as religiosas eram transmitidas
oralmente. Era uma questão de praticidade musical: a notação musical só fazia sentido para
aquela sociedade quando a complexidade das partes e harmonia exigia a escrita. Entretanto,
nas capelas de aldeias, vilas e engenhos executavam-se música dessa natureza e os registros
dessas partituras não foi recuperado.
De acordo com Castagna (1991, p. 99) diversos fatores contribuíram para a extinção
desses registros. A primeira dela diz a respeito da própria deterioração física que os papeis
sofreram. Outro problema era relacionado à logística. As partituras encomendadas aos
compositores não eram arquivadas, diferentemente do que aconteceu no século XVII através
das irmandades religiosas3. A obrigação entre os compositores para as entidades contratantes
era, além da execução das obras, a simples assinatura de um recibo. Não existe notícia do
arquivamento pelas confrarias como foi feito pelas instituições setecentistas brasileiras. Por
esse motivo, entende-se que os papeis de música ficavam sobre a custódia do próprio músico
e, evidentemente, eram descartadas quando se deterioravam ou fossem consideradas
antiquadas. A questão da imprensa e o comercio de partituras teve um papel negativo para
conservação desses manuscritos.
É interessante levar em conta que a proibição da
imprensa no Brasil até a chegada de D. João VI no Rio
de Janeiro, em 1808, contribuiu significativamente para
desestimular a conservação da música que deve ter sido
produzida no período que estamos estudando. Enquanto
na Europa o músico poderia compor não apenas para a
função imediata a que deveria atender, mas também para
a confeccção de livros de música, de cuja vendagem seria
beneficiado com o aumento de suas arrecadações, no
Brasil somente lhes restava a primeira alternativa.
Consumado o evento onde se executava a obra, no caso
de não ser repetido, a música perderia o seu significado
prático e não teria razão para ser preservada. (Castagna,
1991, p. 101)
As missões jesuíticas funcionaram durante mais de 200 anos e deixaram o legado de
construção de edifícios e igrejas, coordenaram missões e aldeamentos, administraram alguns
engenhos e foram importantes na educação e o funcionamento social na relação dos
portugueses com os povos indígenas. A promulgação da lei de 3 de setembro de 1759 foi
responsável pela retirada dos domínios jesuíticos na colônia e tiveram os seus bens
confiscados. Por esse motivo, o sistema brasileiro educacional desmoronou drasticamente. A
maioria das escolas foi fechadas e grande parte não foi substituída. Nesse sentido, o sistema
de ensino musical, promovido pelos padres, com a finalidade de formação musical para as
cerimônias e festividades eclesiásticas, entrou em colapso. De acordo com Castagno (1991, p.
103), esse fato ocasionou um empobrecimento dessa prática e conseqüentemente a parte do
material que possuíam. Os religiosos que permaneceram no país, provavelmente, rejeitaram
os materiais vindos dos jesuítas, justamente porque havia se instalado um desafeto entre eles.
3 As associações religiosas eram formadas por homens e mulheres de diferentes classes sociais, das camadas
mais abastadas às mais pobras, que se reuniam em torno de um santo de devoção em busca de proteção e graças
divinas. Elas foram responsáveis pela construção e manutenção de boa parte das igrejas históricas e pelo
patrocínio de quase toda atividade artística durante o período colonial.
Estes papéis musicais poderiam ter sido destruídos, vendidos ou encaminhados para diversas
instituições.
A mudança no sistema de grafia musical, ocorrido no começo do século XVIII, teria
contribuído para o abandono dos papéis escritos na notação antiga. Entretanto, Castagno
(1991, P. 105) contra-argumenta essa hipótese levando em consideração a conservação de
arcaísmos até a metade do século XIX. A substituição da grafia antiga foi um processo
gradual e se arrastou por várias décadas. O autor considera também que apesar da mudança no
estilo de grafia, as peças antigas eram aplicadas nas cerimônias religiosas posteriores e não
haveriam sentido a exclusão destas obras.
A transformação estética vivenciada pelos compositores na época é um fator
considerável com relação aos desinteresses aos escritos anteriores4. Na primeira metade do
século XVII, o estilo ainda preso ao modalismo e às velhas regras da polifonia coral Ibéria
dava lugar a música baseada no tonalismo e em novas realizações harmônicas. Por esse
motivo, a maior parte da produção anterior a isto deve ter sido desprezada ou fortemente
alterado, resistindo um número ínfimo de peças intactas5.
O acervo histórico disponível para pesquisa acadêmica relacionados à música das
atividades jesuíticas no Brasil é constituído essencialmente por fontes secundárias
provenientes de relatos escritos e a iconografia, permitindo apenas entrever esse cenário.
Sabe-se, através desses documentos, que a atividade musical foi relevante para a difusão da
cultura européia entre a população indígena. A falta de papeis musicais na colônia portuguesa
dificulta a abordagem da música prática realizada no período. A relação do processo
pedagógico dos jesuítas com o ensino de instrumentos e canto relaciona-se diretamente a
abordagem funcional da transmissão do conhecimento a população indígena. Entretanto, o
estudo dos documentos dos jesuítas pode-se levar informações relevantes para o estudo da
musica ocorrida no período de ocupação na colônia portuguesa.
4 Uma série de manuscritos musicais foi encontrada em Moji das Cruzes pelo historiador Jaelson Trindade e
restaurados por Régis Duprat. Eles estavam escritos na notação antiga e faziam o uso do sistema modal e das
antigas terminações por cláusulas, representando a fase que precedeu essa transformação estilísticas. Papeis
nesses moldes foram deixados de lado por não satisfazerem os requisitos que foram se estabelecendo aos poucos
desde princípios do sécul XVIII. (CASTAGNA, pág 110) 5 Um dos raros exemplos poupados dessa transformação estilista é o pequeno Venits adoremus/ Popule meus que
esta no arquivo da Fonoteca da ECA-USP. (CASTAGNA, pág 111)
Referências
MACIEL, Lizete Shizue Bomura; NETO, Alexandre Shigunov. O ensino jesuítico no período
colonial brasileiro: algumas discussões. Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora
UFPR.
HOLLER, Marcos. A música na atuação dos jesuítas na América portuguesa. In ANPPOM.
2005. Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Disponível em:
<http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2005/sessao19/marcos_holler.pd
f>. Acesso em: 29 jun. 2015.
CASTAGNA, Paulo Augusto. A música como instrumento de catequese no Brasil dos sécs.
XVI e XVII. In: Confronto de culturas: conquista, resistência, transformação. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura; São Paulo: EDUSP, 1997. Pp. 275 a 290.
________. Fontes bibliográficas para a pesquisa da prática musical no Brasil nos séculos XVI
e XVII. Dissertação de mestrado. São Paulo: USP, Escola de Comunicação e Artes, 1991.
MIRANDA, Pedro Carlos Lopes de. A música na educação dos jesuítas: uma questão de
pragmatismo. Revista Brotéria, Lisboa, vol. 175, p. 465 – 474, 2012. Editora Minhografe.