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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015 2709 A NOVA GEOGRAFIA DA PRODUÇÃO DE COCO NO BRASIL LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE 1 Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar algumas das principais características da nova geografia da produção de coco no Brasil, evidenciada a partir de uma importante reestruturação produtiva que atinge esse setor desde meados dos anos 1990, responsável, dentre outras coisas, pela reorganização do circuito espacial de produção do fruto, pela modernização do seu cultivo e pela dispersão da sua produção pelo país, trazendo fortes rebatimentos socioespaciais e territoriais. Palavras-chave: Produção de coco; reestruturação produtiva; dispersão espacial da produção. Abstract: The objective of this paper is to present some of the main features of the new geography of coconut production in Brazil, evidence from a major restructuring process that reaches this sector since the mid-1990s, responsible, among other things, for the reorganization of the spatial circuit fruit production, the modernization of cultivation and the dispersion of production across the country, bringing strong socio-spatial and territorial repercussions. Keywords: coconut production; productive restructuring; spatial dispersion of production. 1 Introdução Nota-se que sobretudo a partir de meados da década de 1990 a produção agrícola brasileira passa a receber com mais intensidade influência direta da tecnologia, da ciência e da informação, signos do atual período histórico chamado por Santos (1996, 2009) de técnico-científico-informacional, que tem na globalização da produção e do consumo um de seus pilares fundamentais, conforme indica Elias (2003, 2007). Com isso, é visível a intensificação do processo de reestruturação produtiva da agricultura nacional, responsável por modernizar e reorganizar o cultivo de diversos gêneros agrícolas, alterando sobremaneira seus sistemas produtivos e abrindo margem para a territorialização do capital nos principais cultivos realizados no país, notadamente aqueles voltados para atender importantes parcelas do mercado consumidor, seja ele nacional e/ou internacional. Essa reestruturação produtiva da agricultura brasileira, além de se processar de maneira espacialmente seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006), vem privilegiando somente alguns gêneros agrícolas, que passam por uma modernização de seus processos produtivos e que são reorganizados com a finalidade de auferir 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E- mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015

2709

A NOVA GEOGRAFIA DA PRODUÇÃO DE COCO NO BRASIL

LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE1

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar algumas das principais características da nova geografia da produção de coco no Brasil, evidenciada a partir de uma importante reestruturação produtiva que atinge esse setor desde meados dos anos 1990, responsável, dentre outras coisas, pela reorganização do circuito espacial de produção do fruto, pela modernização do seu cultivo e pela dispersão da sua produção pelo país, trazendo fortes rebatimentos socioespaciais e territoriais. Palavras-chave: Produção de coco; reestruturação produtiva; dispersão espacial da produção. Abstract: The objective of this paper is to present some of the main features of the new geography of coconut production in Brazil, evidence from a major restructuring process that reaches this sector since the mid-1990s, responsible, among other things, for the reorganization of the spatial circuit fruit production, the modernization of cultivation and the dispersion of production across the country, bringing strong socio-spatial and territorial repercussions. Keywords: coconut production; productive restructuring; spatial dispersion of production.

1 – Introdução

Nota-se que sobretudo a partir de meados da década de 1990 a produção

agrícola brasileira passa a receber com mais intensidade influência direta da

tecnologia, da ciência e da informação, signos do atual período histórico chamado

por Santos (1996, 2009) de técnico-científico-informacional, que tem na globalização

da produção e do consumo um de seus pilares fundamentais, conforme indica Elias

(2003, 2007). Com isso, é visível a intensificação do processo de reestruturação

produtiva da agricultura nacional, responsável por modernizar e reorganizar o cultivo

de diversos gêneros agrícolas, alterando sobremaneira seus sistemas produtivos e

abrindo margem para a territorialização do capital nos principais cultivos realizados

no país, notadamente aqueles voltados para atender importantes parcelas do

mercado consumidor, seja ele nacional e/ou internacional.

Essa reestruturação produtiva da agricultura brasileira, além de se processar

de maneira espacialmente seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006), vem

privilegiando somente alguns gêneros agrícolas, que passam por uma modernização

de seus processos produtivos e que são reorganizados com a finalidade de auferir 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-

mail de contato: [email protected]

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uma maior rentabilidade ao capital, abrindo espaço para o desenvolvimento de uma

agricultura científica e de mercado. Esse processo vai culminar em uma

reconfiguração dos principais circuitos espaciais de produtivos agrícolas e de seus

respectivos círculos de cooperação (SANTOS, 1994, 1996), implicando em novos

usos do território ao reestruturar as tradicionais formas de produção,

comercialização, distribuição e consumo desses produtos.

Exemplo disso é o que vem ocorrendo com a produção de coco, que passou

a ser diretamente inserida nesse contexto de reestruturação produtiva há

aproximadamente duas décadas e que a partir desse período observa seu cultivo

ser completamente reorganizado. Enquanto que anteriormente não existia uma

produção de coco realmente estruturada no país, onde o mesmo era cultivado em

pequenas quantidades sob os moldes semiextensivos, hoje observa-se a

configuração de uma nova geografia da produção brasileira de coco, com destaque

para um aumento do cultivo do fruto nos moldes da agricultura de mercado e da

agricultura científica, inaugurando um novo momento para o seu circuito espacial

produtivo, trazendo, inclusive, fortes rebatimentos socioespaciais e territoriais.

Como já pudemos indicar em outros momentos (CAVALCANTE, 2012, 2013,

2014), essa nova geografia da produção de coco no Brasil pode ser caracterizada,

dentre outros processos, pelo expressivo aumento da quantidade produzida e da

área plantada com o fruto, impulsionada principalmente pelo considerável aumento

do consumo de água de coco e pela expansão do cultivo de coqueiros anão e

híbrido; pela incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, com a

utilização de modernos insumos e implementos na produção; pela consolidação de

determinados agentes, notadamente grandes empresas agrícolas, agroindustriais e

de pesquisa; e pela dispersão espacial da produção de coco por todas as regiões do

país.

Com isso, somente através de uma análise mais aprofundada é que

perceberemos quais são as novas relações que se dão no novo sistema de

produção do coco a partir da reestruturação produtiva que atinge o setor. Desse

modo, esse trabalho visa apresentar algumas das principais características dessa

nova geografia da produção do fruto no Brasil, atentando especialmente para a

identificação e análise de algumas dinâmicas socioespaciais observadas a partir da

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materialização desse processo, sobretudo a reorganização de seu circuito espacial

de produção, a modernização do seu cultivo e a sua dispersão espacial produtiva

pelo país.

Para tanto, nos baseamos em uma metodologia constituída basicamente por

um levantamento bibliográfico acerca da temática, pela organização de um banco de

dados e pela realização de trabalhos de campo em alguns dos mais importantes

municípios produtores de coco do país, notadamente aqueles localizados no Estado

do Ceará, o segundo principal produtor nacional do fruto. Destaca-se que neste

artigo estamos apresentando apenas alguns resultados de uma investigação maior

acerca das mais importantes dinâmicas socioespaciais advindas com a

reestruturação produtiva do setor do coco, realizada em virtude da consecução de

nossa pesquisa de mestrado, finalizada na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e

em curso na Universidade Estadual do Ceará2.

2 – A atual configuração da produção brasileira de coco

Especialmente após os anos 1990 é válido afirmar que a produção brasileira

de coco já não é mais a mesma, uma vez que agora ela é realizada em moldes

intensivos e inserida em uma agricultura de mercado, se contrapondo a uma

produção mais tradicional e de caráter de subsistência que caracterizava

praticamente todo o setor até o final do século passado. É somente a partir da

reestruturação produtiva que puderam-se edificar as bases para uma verdadeira

reviravolta no cultivo desse fruto no país, dotando-lhe de características que até

então não eram observadas.

Nota-se, de um modo geral, que em apenas 20 anos a produção brasileira de

coco mudou completamente, uma vez que o cultivo desse fruto deixa de ser

realizado quase que exclusivamente por comunidades litorâneas localizadas no

Nordeste do país e em pequenas quantidades sem a utilização de quaisquer

insumos, passando a ser cultivado em larga escala em todas as grandes regiões e a

receber importantes aportes de capital, ciência e tecnologia, levando ao

2 Sob orientação da professora Denise Elias e com bolsa do CNPq.

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desenvolvimento de uma nova maneira de se produzir coco, ampliando a quantidade

produzida3 e a produtividade.

Analisando os dados divulgados pelo IBGE (tabelas 01 e 02), nota-se que de

1990 a 2010 essa produção de coco no Brasil obteve um aumento considerável, por

volta de 158%. Já a área plantada com coqueiros acompanhou o aumento da

produção do fruto, porém mais modestamente, tendo um crescimento de

aproximadamente 28%, o que demonstra que há uma expansão do cultivo de

coqueiros em território brasileiro. Associada ao aumento da área plantada e da

quantidade produzida, a produtividade também obteve um crescimento importante,

indicando uma modernização do processo produtivo do fruto, relacionado à difusão

do uso de modernos insumos e implementos pelos coqueirais do país.

Tabela 01 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em

mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Área plantada 215.652 266.577 276.934 Quant. produzida 734.418 1.301.411 1.895.635 Produtividade 3,41 4,88 6,85

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 02 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Esse aumento da produção, da área plantada e da produtividade está

intimamente relacionado com o novo momento pelo qual passa o cultivo de coco.

Percebe-se, grosso modo, que a expansão da produção desse fruto no Brasil está

diretamente associada a três processos que estão interligados: o aumento do

consumo de água de coco, a proliferação do cultivo sobretudo de coqueiros anões e

a modernização de seu processo produtivo agrícola. Esses três processos, além de

vários outros, como a crescente participação de empresas agrícolas e

3 O Brasil é, atualmente, conforme apontam os dados da FAO, o quarto maior produtor de coco do

mundo, enquanto em 1990 o país ocupava apenas a décima colocação no ranking mundial.

Variação Absoluta Variação Relativa

1990 - 2000

2000 - 2010

1990 - 2010

1990 - 2000

2000 - 2010

1990 - 2010

Área plantada 50.925 10.357 61.282 23,61 3,89 28,42 Quant. produzida 566.993 594.224 1.161.217 77,20 43,57 158,11 Produtividade 1,48 1,96 3,44 43,35 40,21 101,00

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agroindustriais na regulação do setor do coco, vêm contribuindo para dotar o cultivo

desse fruto de novas e importantes características.

O crescimento do consumo de água de coco é um dos fatores que nos ajuda

a entender a reestruturação produtiva do setor e a organização do mercado do fruto

em âmbitos tanto nacional quanto internacional. Nota-se que a expansão do

consumo de coco, e mais precisamente da água, vem alavancando a quantidade

produzida do fruto por todo o país, favorecendo o aumento da área plantada com

coqueiros e, consequentemente, a sua dispersão espacial produtiva. A esse

respeito, Cavalcanti et al (2006, p. 138) apontam que a “expectativa do crescimento

do mercado de água de coco tem animado os produtores a expandir suas áreas com

espécies precoces”, a exemplo do coqueiro anão, que fornece o coco ainda verde.

O coco é apontado por Cavalcanti et al (2006) como sendo o “produto da

moda”, e isso se deve ao extraordinário aumento no consumo da sua água. Em

virtude das investidas do mercado explorando as qualidades nutricionais da água de

coco, seu consumo in natura está em larga expansão por todo o Brasil sobretudo

desde meados dos anos 1990, e em caixinhas Tetra Pak após 2010, a grande

novidade do setor4. Com isso, aos poucos a água de coco, um produto tipicamente

associado ao litoral do Nordeste, transforma-se em um sinônimo de verão e difunde-

se para as demais regiões do país, especialmente a Sudeste. Também a partir de

2010 a água de coco em caixinha começa a ser amplamente exportada, sobretudo

para os Estados Unidos.

Para atender à demanda por água de coco, aumentam os plantios de

coqueiro anão, o mais indicado para a produção de coco verde (fotos 01 e 02). O

cultivo dessa variedade de coqueiro está em ampla expansão pelo território

nacional, passando a ocupar até mesmo áreas não tradicionais no cultivo de coco,

conforme nos indicam Fontes et al (2002) e Martins e Jesus Júnior (2011), com

destaque também para a variedade híbrida5. Foram essas as variedades de

4 Dentre as principais empresas que controlam o mercado de água de coco em caixinha no Brasil

destacamos: Sococo, Ducoco, Coco do Vale e PepsiCo (que adquiriu em 2009 a empresa Amacoco). 5 A expansão dos cultivos de coqueiros anão e híbrido se dá pari passu da redução do cultivo de

coqueiro gigante, o mais indicado para a produção de coco seco e encontrado sobretudo ao longo do litoral nordestino.

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coqueiro mais contagiadas pela reestruturação produtiva e as que mais absorveram

as inovações advindas com a agricultura científica (SANTOS, 2003).

Além disso, destaca-se que é também nas áreas de cultivo de coqueiro anão

e híbrido onde o capital encontrou meios mais favoráveis de se difundir e de se

territorializar, uma vez que foram essas as áreas elencadas por grandes produtores

para alavancar a quantidade produzida de coco. Associado a isso, observa-se por

todo o Brasil o crescente número de grandes empresas agrícolas e agroindustriais

investindo no cultivo do fruto, a exemplo da Sococo (no Pará), Ducoco, Cohibra e

Unique (no Ceará), Aurantiaca (na Bahia), Kero Coco e Queiroz Galvão (em

Pernambuco), Coco do Vale (na Paraíba), dentre outras, muitas das quais em

atividade há pouquíssimos anos e que cultivam exclusivamente coqueiros anão e

híbrido visando a produção sobretudo de água de coco.

Foto 01 – Produção de coco verde em Acaraú (CE). Foto 02 – Cultivo de coqueiro anão em Paraipaba (CE).

Fonte: Leandro Cavalcante, 2014. Fonte: Leandro Cavalcante, 2014.

Todas essas empresas, além de outros grandes e médios produtores, e em

certos casos também pequenos produtores, estão investindo pesado em novas

tecnologias voltadas para o cultivo de coco. Assim, o incremento e a difusão de

diversas inovações técnico-científicas e agronômicas são processos também em

curso evidenciado a partir da reestruturação do setor. A partir da utilização dessas

inovações foi-se possível ampliar consideravelmente a produtividade dos coqueiros,

abrindo espaço para a modernização do processo produtivo agrícola do fruto.

Assim, observa-se pelos coqueirais do Brasil uma propagação de diversas

inovações, como àquelas relacionadas ao uso de novos métodos de irrigação, a

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exemplo das práticas de irrigação localizada e totalmente automatizada,

representada pelo uso dos microaspersores, onde cada coqueiro é irrigado

individualmente e recebe uma quantidade exata de água. Esse método de irrigação

por microaspersão é o mais utilizado atualmente pelos produtores de coco,

especialmente por aqueles que se dedicam ao cultivo de coqueiro anão e híbrido.

Há ainda uma difusão no uso de técnicas de adubação que garantem uma maior

precisão e uma maior produtividade, sendo a mais importante dessas a técnica de

fertirrigação, onde cada coqueiro recebe uma quantidade pré-determinada de

fertilizantes diluídos junto com a água e aplicada pelos microaspersores.

Acrescidos ao sistema de irrigação, observa-se a difusão de toda uma

variedade de máquinas agrícolas que servem de apoio à produção de coco, como

arados, roçadeiras, tratores, pulverizadores motorizados, dentre outros. O uso de

todo esse maquinário agrícola é bastante recente e vem contribuindo para reduzir o

tempo destinado ao trato dos coqueiros, modificando as relações de trabalho

historicamente associadas ao seu cultivo. Vem se difundindo também toda uma

série de defensivos, adubos e fertilizantes dos mais variados tipos.

Além disso, os chamados tratos culturais também foram readaptados às

novas exigências do setor, difundindo-se algumas inovações agronômicas que vem

modificando as tradicionais formas de produção de coco, a exemplo da adoção de

um sistema de espaçamento entre as árvores conhecido como triangulação,

indicado para melhor distribuir os coqueiros em uma determinada área, como

também dos frequentes investimentos em análises foliar e de solo em laboratórios

especializados, visando determinar as principais deficiências dos coqueiros e da

área onde estão plantados. Esse é o contexto na nova produção de coco realizada

no Brasil, mais científica e mecanizada.

3 – A nova configuração espacial da produção de coco

Com essa reestruturação produtiva, erguem-se as bases para se desenhar

ainda um novo arranjo espacial relacionado ao cultivo do fruto no Brasil. Desse

modo, essa nova geografia da produção de coco no país pode ser caracterizada

também especialmente pela dispersão espacial produtiva em direção às regiões não

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tradicionais do cultivo do fruto e por uma consequente consolidação de espaços

especializados na sua produção, modificando sobremaneira a divisão territorial do

trabalho e as dinâmicas socioespaciais que passam a ser observadas em tais

espaços. Se anteriormente o coco (e o coqueiro) era um sinônimo exclusivo de

litoral, sobretudo o nordestino, atualmente observamos a emergência de novos

espaços que estão se especializando no cultivo do fruto.

O coco começou a ser cultivado no Brasil pelos portugueses que aqui

começaram a chegar depois de 1500, produção essa concentrada incialmente em

terras baianas. Martins e Jesus Júnior (2011, p. 15) indicam que a partir da Bahia, “o

coqueiro disseminou-se pelo litoral nordestino, especialmente por ser uma frutífera

típica de clima tropical onde encontrou condições favoráveis para cultivo, e

posteriormente acabou se adaptando em outras regiões do país”. Do Nordeste essa

produção se disseminou também para os Estados do Pará e do Espírito Santo,

ainda na década de 1980, passando a ser cultivado em escala comercial pela

primeira vez no Norte e no Sudeste. Assim, até o início dos anos 1990 o cultivo de

coco se restringia apenas às regiões Nordeste, Sudeste e Norte, mas ainda

continuava sendo produzido majoritariamente no litoral nordestino, em uma área que

ia basicamente da Bahia ao Ceará, além do nordeste do Pará e do litoral norte do

Espírito Santo.

Entretanto, esse quadro começou a ser alterado com a reestruturação

produtiva do setor, que aos poucos vem sendo responsável por uma importante

dispersão do cultivo de coco pelas cinco grandes regiões do país. Depois de já

produzida em todo o Nordeste, essa produção passou a ser realizada também nos

outros Estados do Norte e Sudeste, como também no Centro-Oeste e no Sul. Os

dados divulgados pelo levantamento da Produção Agrícola Municipal (PAM/IBGE)

indicam que a produção de coco em larga escala no Centro-Oeste começou no

início dos anos 1990, e já no Sul apenas depois dos anos 2000. Esses dados (tabela

03) indicam ainda um aumento da produção e da área plantada em todas as regiões,

garantindo uma performance positiva quando observamos o contexto brasileiro

como um todo.

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Tabela 03 – Regiões do Brasil. Quantidade produzida de coco (em mil frutos) e área plantada com coqueiros (em hectares). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Norte Área plantada 13.352 18.120 28.493 Quantidade produzida 104.053 162.175 255.048

Nordeste Área plantada 199.746 232.426 224.293 Quantidade produzida 619.698 932.960 1.297.528

Sudeste Área plantada 2.551 14.144 20.411 Quantidade produzida 10.646 186.239 300.517

Sul Área plantada 0 0 202 Quantidade produzida 0 0 2.282

Centro-Oeste Área plantada 3 1.887 3.535 Quantidade produzida 21 20.037 40.260

BRASIL Área plantada 215.652 266.577 276.934 Quantidade produzida 734.418 1.301.411 1.895.635

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Assim como as grandes regiões do Brasil ocupam um papel diferenciado na

configuração socioespacial e produtiva do coco, o mesmo se pode dizer dos Estados

do país, que apresentam dinâmicas bem distintas uns dos outros, porém que estão

inseridas em um mesmo processo regido pela reestruturação produtiva do setor. Em

2010, dos 26 Estados, apenas quatro ainda não apresentam uma produção

significativa de coco ao ponto de aparecerem nas estatísticas oficiais: Roraima,

Amapá, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por outro lado, todas os demais já são

produtores de coco, algumas bem mais recentemente, como é o caso do Mato

Grosso, do Tocantins e do Paraná, já outros com a produção consolidada já a um

certo tempo, a exemplo, sobretudo, da Bahia, do Ceará e de Sergipe.

Desse modo, percebe-se que está havendo uma dispersão espacial da

produção de coco no Brasil, que pode ser caracterizada um avanço da fronteira

agrícola do fruto em direção ao semiárido nordestino e em direção às demais

regiões, sobretudo Sudeste e Norte. Na imagem a seguir (imagem 01), podemos

observar a distribuição espacial do cultivo de coco no Brasil e sua evolução entre

1990 e 2010. Através dessa imagem é possível notar claramente essa dispersão

espacial da produção de coco e em quais Estados ela é mais significativa. Essa

expansão do cultivo do fruto em Estados não-Nordestinos só foi possível graças,

sobretudo, aos pesados investimentos realizados no melhoramento genético dos

coqueiros e na grande quantidade de insumos e implementos que passaram a ser

utilizados, especialmente os adubos e o microaspersores.

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Desse modo, como se percebe, nessas últimas duas décadas vem se

desenhando um novo arranjo espacial da produção de coco no Brasil, onde o cultivo

do fruto vem passando a ser realizado nacionalmente e deixando de ser

regionalmente localizado, incorporando novos espaços de produção à medida que o

setor vem sendo reestruturado, modificando consideravelmente as paisagens do

interior do país. Além disso, o que deve ser destacado é que o recente aumento da

área plantada com coqueiros em todas as regiões do país demonstra especialmente

que o cultivo de coco é uma variável importante que pode nos auxiliar na

compreensão das recentes transformações que vem sendo observadas no espaço

rural brasileiro.

Imagem 01 – Distribuição espacial da produção de coco no Brasil, em 1990 e 2010.

Organização: Cavalcante e Mendoza (2015).

4 – Considerações finais

De um modo geral, a reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil vem

significando, antes de mais nada, a emergência de um novo tempo, de um tempo

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marcado pelo ritmo do coco. Ao ter seu sistema produtivo modificado e ao passar a

ser produzido em novos espaços, o cultivo do fruto induziu ao desenrolar de uma

série de novas dinâmicas anteriormente não observadas, alterando a forma e o

conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando atender a expansão e

consolidação da produção do fruto. Nesse sentido, Santos (1985, p. 68) considera

que “cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria”, e com o

coco isso não foi diferente, já que o espaço, bem como a sociedade, teve de ser

adaptado às novas exigências do novo modelo de produção desse fruto.

Assim, com a chegada do coco, tudo que existia antes foi chamado a se

adaptar ao seu novo sistema produtivo e a nova racionalidade imposta por esse

cultivo, gerador de conflitos das mais diversas naturezas, uma vez que passaram a

entrar em choque direto as antigas relações que se davam nos espaços elencados

para a difusão dessa produção com os novos processos resultantes da

reestruturação produtiva, associada à territorialização do capital no setor. Tudo isso

contribuiu, sobremaneira, para a mudança na forma de uso e ocupação dos espaços

agrícolas ocupados pela produção de coco, já que tais espaços tiveram seus

conteúdos alterados em virtude da difusão de uma agricultura de caráter empresarial

e científica, modificando as relações sociais que lá se reproduziam.

Nesse sentido, é necessário, portanto, aprofundar essa discussão acerca da

reestruturação produtiva do setor do coco e que vem culminando na territorialização

do capital nas áreas produtoras do fruto, intentando revelar qual é a real

reestruturação pela qual a produção de coco vem passando e descobrir a quem ela

verdadeiramente atende. Assim, poderemos continuar contribuindo na apreensão de

algumas das inúmeras nuances do desenvolvimento do capitalismo no campo

brasileiro, tomando como base os processos observados a partir da produção de

coco, que é um reflexo da reprodução ampliada do capital no processo produtivo

agrícola, controlado cada vez mais por pouquíssimos agentes que detém

praticamente todo o controle dos circuitos espaciais produtivos no país.

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015

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