a nova razão do mundo - resenha

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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/20082-a- nova-razao-do-mundo-as-aventuras-da-razao-neoliberal A nova razão do mundo. As aventuras da razão neoliberal A crise econômica parece marcar uma ruptura ideológica: tanto à direita como à esquerda, sente-se que o vento está para mudar. Um ciclo histórico estaria para se fechar, este do triunfo liberal. O campo dos possíveis parece se abrir. Mas para ir para onde? O livro La Nouvelle Raison du monde. Essai sur la société néolibérale [A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal] (La Découverte, 2009), de Pierre Dardot e Christian Laval, chama a atenção. Uma resenha foi feita por Serge Audier e publicada no jornal francês Le Monde, 13-02-2009. A tradução é do Cepat. Eis a resenha. Uns parecem pensar que o parêntese “ultraliberal” se fecha e que o modelo econômico e social dos “Trinta Gloriosos” pode ser reativado; outros julgam que um novo tipo de sociedade está para ser inventado e que revolucionaria a nossa relação com o trabalho e a natureza; outros ainda, como o presidente Sarkozy, declaram que o “laisser-faire ”, “acabou”, e que é preciso refundar o capitalismo. E que o Estado marcaria seu retorno. Para compreender este debate, o livro de Christian Laval e Pierre Dardot sobre a “sociedade neoliberal” oferece algumas chaves de análise. Esta soma de pesquisas resgata a história das ideias, a filosofia e a sociologia, e se abre com esta advertência: “Nós não acabamos com o neoliberalismo”, e proclamar o fim do “laisser-faire” não significa o enterro do modelo neoliberal. A tese pode parecer paradoxal, mas ela fica mais clara quando se elucida a verdadeira natureza do neoliberalismo. Recorrendo ao filósofo Michel Foucault, os autores afirmam que “o neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas, dispositivos, que determinam um novo governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência”. Ora, acrescentam eles, realizar esse programa supõe um “Estado forte”, regras, e não o “laisser- faire”. Para justificar esta tese, os autores voltam no tempo. Foi em 1938, no Colóquio Walter Lippmann – em referência ao grande jornalista norte- americano –, que se afirma o “neoliberalismo”. Economistas como Friedrich Hayek , Wilhelm Röpke ou Jacques Rueff, estariam de acordo, apesar de suas divergências, sobre um modelo neoliberal que quer romper mais ou menos com o “laisser-faire”. Assim, o neoliberalismo teria sido um projeto de reconstrução do liberalismo que concede às regras e à intervenção estatal um papel fundamental. O contexto tem muito a ver com isso: a Grande Depressão suscitou uma imensa crise do liberalismo. Os neoliberais não acreditam mais na auto- regulação espontânea do mercado. Segundo Dardot e Laval, o neoliberalismo é um intervencionismo, mas de um gênero particular. Se se trata de “refundar o liberalismo contra a ideologia

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A Nova Razão Do Mundo - Resenha

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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/20082-a-nova-razao-do-mundo-as-aventuras-da-razao-neoliberal

A nova razo do mundo. As aventuras da razo neoliberalA crise econmica parece marcar uma ruptura ideolgica: tanto direita como esquerda, sente-se que o vento est para mudar. Um ciclo histrico estaria para se fechar, este do triunfo liberal. O campo dos possveis parece se abrir. Mas para ir para onde?OlivroLaNouvelle Raison du monde. Essai sur la socit nolibrale[A nova razo do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal] (La Dcouverte, 2009), dePierre DardoteChristian Laval, chama a ateno. Uma resenha foi feitaporSerge Audiere publicada no jornal francsLeMonde, 13-02-2009. A traduo doCepat.Eis a resenha.Uns parecem pensar que o parntese ultraliberal se fecha e que o modelo econmico e social dos Trinta Gloriosos pode ser reativado; outros julgam que um novo tipo de sociedade est para ser inventado e que revolucionaria a nossa relao com o trabalho e a natureza; outros ainda, como o presidenteSarkozy, declaram que o laisser-faire, acabou, e que preciso refundar o capitalismo. E que o Estado marcaria seu retorno.Para compreender este debate, o livro deChristian LavalePierre Dardotsobre a sociedade neoliberal oferece algumas chaves de anlise. Esta soma de pesquisas resgata a histria das ideias, a filosofia e a sociologia, e se abre com esta advertncia: Ns no acabamos com o neoliberalismo, e proclamar o fim do laisser-faire no significa o enterro do modelo neoliberal.A tese pode parecer paradoxal, mas ela fica mais clara quando se elucida a verdadeira natureza do neoliberalismo. Recorrendo ao filsofoMichel Foucault, os autores afirmam que o neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, prticas, dispositivos, que determinam um novo governo dos homens segundo o princpio universal da concorrncia. Ora, acrescentam eles, realizar esse programa supe um Estado forte, regras, e no o laisser-faire.Para justificar esta tese, os autores voltam no tempo. Foi em 1938, noColquio Walter Lippmann em referncia ao grande jornalista norte-americano , que se afirma o neoliberalismo. Economistas comoFriedrich Hayek,Wilhelm RpkeouJacques Rueff, estariam de acordo, apesar de suas divergncias, sobre um modelo neoliberal que quer romper mais ou menos com o laisser-faire. Assim, o neoliberalismo teria sido um projeto de reconstruo do liberalismo que concede s regras e interveno estatal um papel fundamental. O contexto tem muito a ver com isso: a Grande Depresso suscitou uma imensa crise do liberalismo. Os neoliberais no acreditam mais na auto-regulao espontnea do mercado.SegundoDardoteLaval, o neoliberalismo um intervencionismo, mas de um gnero particular. Se se trata de refundar o liberalismo contra a ideologia naturalista do laisser-faire, para fazer funcionar melhor o mercado: Quando os prprios neoliberais admitem a necessidade de uma interveno do Estado e rejeitam a pura passividade governamental, eles se opem a toda ao que vir entravar o jogo da concorrncia entre interesses privados. A doutrina combinaria assim a reabilitao da interveno pblica e uma concepo de mercado centrada na concorrncia.Este seria o motor das polticas neoliberais, que transforma a organizao das empresas, o papel dos Estados e a vida dos indivduos, constrangidos a se comportarem como empresas. Sem dvida, esse neoliberalismo varia segundo as concepes austraca, americana e alem. Mas o livro defende que o neoliberalismo constitui o quadro tanto do modelo anglo-americano como do modelo econmico europeu. Marcado pelo neoliberalismo alemo o ordo-liberalismo , aUnio Europeiaseria, na sua essncia, de orientao neoliberal.Lgica da concorrnciaDo Tratado de Roma at o Tratado Constitucional europeu, uma mesma lgica da concorrncia estaria em ao. Aqui, os autores se aproximam do presidente de honra daAttac,Bernard Cassen, que defende que em torno do verme liberal que foi imaginado o fruto europeu. Do mesmo modo, as alternncias polticas no mudariam nada. Pior, desdeMitterrandat a esquerda neoliberal deBlair, os governos de esquerda teriam promovido, abertamente ou no, o neoliberalismo.Compreendemos porque, segundo os autores, o neoliberalismo se torna a grande razo do mundo. Examinando a literatura do management e do capital humano, o livro afirma que a estratgia neoliberal consistiu e consiste sempre em orientar sistematicamente a conduta dos indivduos como se estivessem sempre e em todas as partes engajados em relaes de transao e de concorrncia no mercado. As normas de ao pblica so transformadas: ao preo de uma burocratizao crescente, a auditoria, o controle e as incitaes esvaziam o sentido dos diferentes ofcios, desde os pesquisadores at os policiais, passando pelos enfermeiros e os carteiros.Este importante livro ajuda a decifrar algumas evolues. Sua sistematicidade impressiona: sob a autoridade deFoucault, avana temas fortes e um modelo global de interpretao. Mas esta qualidade tem, s vezes, ao contrrio, uma certa parcialidade na leitura dos textos e na anlise sociolgica e poltica. Pode-se lamentar o fato de que a interpretao deFoucault, que suscita um entusiasmo internacional, seja prolongada sem um verdadeiro balano crtico. Alm disso, o livro no perscruta muito os limites e as resistncias que o neoliberalismo enfrenta.Enfim, poderia explorar mais um tratado do neoliberalismo contemporneo: seu carter vertiginosamente desigual. A este respeito, o livro no permite medir a distncia entre as ideias de alguns inspiradores do neoliberalismo e a realidade que se imps. O prprioWalter Lippmann, que apelava ainda em 1937 ao seu amigoKeynes, julgava que era preciso acabar com as grandes heranas, e que as taxas sobre as heranas, assim como um imposto progressivo, deveriam atingir as grandes fortunas. Ele defendia, citandoAristteles, que as grandes desigualdades tambm eram um problema poltico. O neoliberalismo realmente existente no ter seguido exatamente suas preconizaes...