a performance drag enquanto estÉtica da existÊncia · ética de si para si e para com o outro....
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A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA
Gustavo Barrionuevo (UEM)
Dra. Eliane Rose Maio (UEM)
Resumo
Tomados pela presença da drag queen na mídia, pretendemos entender como a performance drag nos auxilia na criação de uma estética da existência. Após apresentar algumas considerações sobre os diferentes tipos de drag, discorreremos sobre os movimentos subjetivos e territoriais que a drag provoca, movimentos que muitas vezes estão ligados aos territórios e estereótipos de gêneros e sexualidade. Percebemos que essa linguagem artística performática nos potencializa na criação de modos mais inventivos e libertários de vida e na constituição de uma outra e nova ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução
Em um contexto de captura do desejo e da subjetividade, que nos impede de
nos criarmos enquanto sujeitos da experiência, acreditamos que a criação de novas
e outras éticas de vida são potencializadas com a prática artística. Na intenção de se
pensar nessas outras e novas formas de vida ético-estético-políticas, utilizaremos a
visualidade de artistas que estão presentes da mídia ao longo dos últimos anos, a
drag queen, como ponto de partida para entendermos como a performance drag nos
auxilia na criação de uma estética da existência.
Desenvolvimento
Por estarmos nos apropriando de uma linguagem artística precisamos tomar o
cuidado de não restringir sua definição devido a multiplicidade que a performance
drag vem ganhando na contemporaneidade. Fazer drag, ou se montar, é um ato
performático na qual a artista incorpora uma personagem, podendo variar entre
gêneros, imitando ou não uma celebridade, atribuindo características cômicas,
fantásticas e/ou políticas. Os modos mais conhecidos de se fazer drag são as drag
queens, quando um homem incorpora uma personagem feminina, e os drag kings,
quando uma mulher incorpora um personagem masculino. Porém, destacamos que,
não necessariamente, uma mulher só poderá performar como drag king, ou um
homem como drag queen. As práticas artísticas vinculadas a essa linguagem
performática, desde seu primórdio, borram as fronteiras do sagrado binômio de
gênero-sexo-sexualidade – masculino-homem-heterossexual / feminino-mulher-
heterossexual (LOURO, 2016). Mulheres e homens que performam enquanto drag
queens e drag kings, respectivamente, buscam uma experiência outra das
feminilidades e masculinidades que não fazem parte de sua experiência cotidiana.
Além desses modos, também podemos encontrar drags que se intitulam ou
se reconhecem enquanto drag queer e drag tranimal. Enquanto a drag queen e a
drag king se aproximam a uma experiência que entendemos enquanto feminina e
masculina, respectivamente, a drag queer habita essa fronteira – nem masculina,
nem feminina, mas ambos (ou nenhum deles). A drag queer se constitui nessa
ambivalência, utilizando-se das construções binárias dos gêneros para se fazer
outra. Mas, e a drag tranimal? Elas vão além, não pautada nas concepções dos
gêneros – muito menos na das humanidades, as tranimals se montam monstras. As
experiências que elas buscam estão mais voltadas aos outros seres – plantas,
monstros não humanoides, animais e todas as outras formas de vida que nossa
experiência e nosso conhecimento antropocêntrico não alcança.
A performera drag, nesse sentido, é um corpo-acontecimento, um território
sensível que ganha contornos a partir dos afetos e forças transformadoras que
atravessam a artista, se configurando como um sujeito da experiência, no sentido
dado por Bondía (2002). Um sujeito que se define pela sua passividade, sua
receptividade, que se expõe aos acontecimentos e que dá lugar a eles, como ponto
de chegada. Se relacionarmos a esteira de conceitos de Deleuze (1992), o sujeito da
experiência é o sujeito que está aberto ao devir, ao “tornar-se” – o sujeito que chuta
a porta do armário para tudo e todos, saindo do enclausuramento e tornando-se
afeito para outros fluxos intensivos da vida. Nesse sentido é que propomos uma
estética da existência baseado na figura das drag queens, kings, queers e tranimals. O conceito de estética da existência é apresentado por Foucault (2014) para
falar sobre a criação de um estilo de vida próprio, pautado em uma ética criada por
nós para nós mesmos. A criação de uma nova estética da existência nos ajuda a
pensar na constituição dos sujeitos e de suas subjetividades, tanto na relação
consigo quanto na relação com os outros. É por meio de uma estética da existência
que pensamos em modos de subjetivação singulares, não necessariamente ou
totalmente atrelados as normas e padrões impostos por uma lógica social
hegemônica (BARRIONUEVO; STUBS, 2018).
Mas qual o motivo de pensarmos uma estética da existência atrelado a prática
performática da drag queen? É comum que artistas que façam drag borrem os
limites dos gêneros em suas vidas pessoais (quando estão fora das personagens)
pois, ao se montar, o sujeito deixa que, para além das linhas de segmentariedade
duras, as linhas de fuga agenciem devires minoritários, consentindo em seguir
caminhos até então desconhecidos (DELEUZE, 1992). Artista e personagem se
mesclam, quanto mais diferente a personagem é, mais potência de
desterritorialização a artista tem, forçando-a a se expor e reconhecer todo um outro
campo de experiência que não encontrava lugar de passagem.
Esse movimento de desterritorialização também acontece com o espectador –
aquele que presencia a performance. Se ver diante da drag queen, king, queer ou
tranimal, nos faz perceber como construídos nós mesmos somos – além de nos
obrigar a criar todo uma nova relação com aquele corpo que até então é estranho.
Assim como com a artista, quanto mais diferente a personagem, mais o espectador
poderá se desterritorializar.
Considerações finais
A experiência desencadeada pelo movimento subjetivo pode potencializar a
criação de novas relações com o outro, pois a prática artística nos ajuda a repensar
velhos hábitos morais e éticos. Uma exemplificação disso é pensar que a drag não
consegue separar a performance da vida cotidiana, após se desmontar, a unha vai
continuar pintada, seu rosto ainda vai ter resquícios de maquiagem, seu corpo
continua marcado por ter sido remodelado com fitas, tecidos etc... A performance
consegue ressignificar todos os simbolismos pertencentes aos estereótipos de sexo-
gênero-sexualidade.
Entendemos então que a performance drag nos possibilita a criação de uma
estética da existência, pela nova relação que a artista e o espectador desenvolvem
com seu corpo e subjetividade. Seja para a artista, que viverá e se experienciará na
prática artística, seja para o espectador, que no encontro com a drag pode se abrir
ao fluxo inventivo da vida e a devires outros. Referências BARRIONUEVO, Gustavo. STUBS, Roberta. O Desenho de si como modo de subjetivação inventivo: cartografando uma performance drag. In: CIPSI – Congresso Internacional de Psicologia da UEM, 7. 2018, Maringá. Anais do VII Congresso Internacional de Psicologia da UEM. Maringá: UEM, 2018. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, N.19, p. 20 – 28, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003>. Acesso em: 21 de mar. 2019.
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34. 1992. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2014. LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2016