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A PERSPECTIVA DOS MULTILETRAMENTOS COMO ESTRATÉGIA PARA
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: REFLEXÕES E PRÁTICAS1
Marília de Carvalho Caetano OLIVIERA
Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ)
RESUMO
O presente trabalho visa apresentar o processo de implementação e os resultados de práticas de
ensino de língua portuguesa no Ensino Médio, desenvolvidas no ano de 2014 na Escola
Estadual Governador Milton Campos, situada na cidade de São João del-Rei, MG. As referidas
práticas estão vinculadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência,
subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Defende-se,
aqui, que o ensino de português deve oferecer oportunidades de reflexão sobre os processos de
leitura, escuta de textos orais, produção de textos orais e escritos e análise linguística, para que
tais conhecimentos contribuam para a construção da competência linguística dos alunos.
Privilegia-se, desse modo, o caráter interacionista da linguagem verbal, o que direciona para
“uma opção metodológica de verificação do saber linguístico do aluno como ponto de partida
para aquilo que será desenvolvido, tendo como referência o valor da linguagem nas diferentes
esferas sociais” (PCN, 2000, p. 18). Entende-se, dessa forma, que o foco das ações na escola é o
ensino dos gêneros textuais (MARCURCHI, 2002), já que a vida em sociedade requer a
habilidade de uso de variados gêneros. Portanto, a escola deve desenvolver multiletramentos, os
quais se caracterizam por abordar “a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade
semiótica de constituição dos textos” (ROJO, 2012, p. 13) o que pode ser obtido por meio do
trabalho com sequências didáticas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). A partir
desses fundamentos teórico-metodológicos, propuseram-se atividades diversas aos alunos,
priorizando o caráter social e interativo da língua. Salienta-se, ainda, que todas as etapas
estiveram sob a égide de uma pedagogia crítica, já que ao “educador crítico cabe a tarefa de
estimular a visão crítica dos alunos, de implantar uma postura crítica, de constante
questionamento das certezas que, com o passar do tempo, adquirem a aura e a ‘intocabilidade’
dos dogmas”. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 111). Os resultados indicaram importante
desenvolvimento de competências orais e escritas nos discentes, principalmente advindas do
contato com gêneros associados ao uso de tecnologia, promovendo maior motivação para o
aprendizado.
Palavras-chave: Sequências didáticas; Multiletramentos; Pibid.
1. INTRODUÇÃO
O papel da linguagem na sociedade contemporânea tem ganhado contornos
cada vez mais complexos. Com os avanços tecnológicos, tornou-se possível diminuir as
1 O título original da comunicação apresentada durante o ICCAL 2015 foi “Multiletramentos no
ensino de língua portuguesa: relato de práticas realizadas no âmbito do PIBID/UFSJ”.
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fronteiras e distâncias espaço-temporais, o que obviamente trouxe consequências para
as relações sociais e os modos como se dão tais interações. Os ambientes educacionais,
por sua vez, precisam levar em conta esses aspectos, a fim de que o processo de
aprendizagem envolva a reflexão sobre a natureza e a multiplicidade de práticas de
linguagem presentes no dia a dia da sociedade. Isso pressupõe a necessidade de
multiletramentos, possibilitando aos indivíduos um uso mais estratégico dos diferentes
recursos linguísticos atualizados nas diferentes mídias digitais.
Em direção a esse objetivo, o presente trabalho apresentará um estudo acerca
de algumas intervenções focadas em estratégias de multiletramentos de quatro turmas
do segundo ano do Ensino Médio, durante o ano de 2014, na Escola Estadual
Governador Milton Campos, situada na cidade de São João del-Rei-MG. As referidas
ações estavam vinculadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência,
subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Apresentam-se, a seguir, os fundamentos teórico-metodológicos que
subsidiaram as intervenções realizadas.
2. APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO
Compreender os mecanismos de funcionamento das linguagens é de suma
importância para a participação efetiva dos indivíduos na vida social contemporânea.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, “a reflexão sobre as
linguagens e seus sistemas, que se mostram articulados por múltiplos códigos, e sobre
os processos e procedimentos comunicativos” (BRASIL, 2000, p. 6) é a garantia para
que a cidadania seja conquistada.
Sendo assim, a escola não pode alienar-se quanto às exigências linguístico-
sociais, atuais e futuras, a serem enfrentadas pelos alunos e, por isso, os conteúdos a
serem tratados na aula de língua portuguesa devem fazer parte dessa realidade. Postula-
se, assim, “uma tendência centrada na língua enquanto atuação social, enquanto
atividade e interação verbal de dois ou mais interlocutores e, assim, enquanto sistema-
em-função, vinculado, portanto, às circunstâncias concretas e diversificadas de sua
atualização” (ANTUNES, 2003, p. 41).
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Dessa forma, espera-se que os educadores demonstrem postura crítica e
preocupação com tais questões, já que o
primeiro compromisso de um pedagogo crítico é com a comunidade,
da qual a sala de aula é uma pequena, porém fiel, amostra. [...] O
pedagogo crítico é um ativista, um militante, movido por um certo
idealismo e convicção inabalável de que, a partir de sua ação, por mais
limitada e localizada que ela possa ser, seja possível desencadear
mudanças sociais de grande envergadura e consequência
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 105, 106).
Isso quer dizer que o educador não deve manifestar postura “neutra” na sala de
aula, já que ele tem o papel de problematizar questões sociais e, assim, contribuirá para
a formação de alunos mais atentos e perspicazes quanto às estratégias de naturalização
dos discursos hegemônicos. Tais educadores, portanto, “têm chamado nossa atenção
para o modo como o poder político, a estrutura social, o domínio e a desigualdade são
representados, reproduzidos e contraditados no uso da linguagem”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 137-8).
Assim, uma das frentes de ação de uma proposta de pedagogia crítica é
“proporcionar aos aprendizes capacidade de desenvolver formas de resistência e dar-
lhes condições de enfrentar os desafios e decidir o que é melhor para si”, cabendo ao
educador crítico “a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos, de implantar uma
postura crítica, de constante questionamento das certezas que, com o passar do tempo,
adquirem a aura e a ‘intocabilidade’ dos dogmas” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 111,
112).
Nesse sentido, o professor de português estaria incumbido de proporcionar aos
alunos oportunidades de reflexão sobre a gama de aspectos que envolvem os textos,
aspectos estes relacionados aos contextos de produção, circulação e recepção dos
mesmos e também relativos a sua materialidade. Sabe-se que os textos se organizam em
gêneros e o contato com essa multiplicidade de gêneros existentes em cada cultura e seu
domínio não só poderia habilitar “os sujeitos sociais a interagir de forma adequada nas
diversas situações interativas” (KOCH, 2004, p. 167) em que se encontram como
também perceberiam quando estão sendo manipulados com o fim de produzir
determinados efeitos.
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As teorias de gêneros, segundo Rojo (2005), podem ser divididas em duas
vertentes, as quais a autora nomeia como teoria de gêneros do discurso e teoria de
gêneros de texto, ambas fundamentadas em releituras da obra de Bakhtin. A teoria dos
gêneros do discurso centra-se “sobretudo no estudo das situações de produção dos
enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos” (p. 185) e a teoria dos
gêneros de texto centra-se na descrição da materialidade textual. Entende-se que o
trabalho com gêneros, na escola, deveria estar baseado nessas duas vertentes, para que
haja uma exploração mais efetiva da imensa gama de possibilidades de análise dos
textos.
Postula-se ainda que a variedade de gêneros é infindável, já que as atividades
humanas têm sido cada vez mais variadas e complexas, tendendo a incorporar novos
gêneros para atender às novas demandas sociais, culturais etc. Por essa razão,
Marcuschi (2002) aponta como características dos mesmos a maleabilidade, a
dinamicidade e a plasticidade, considerando que eles “surgem emparelhados a
necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros
textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita” (p.
19).
É necessário, portanto, que os alunos desenvolvam competência linguística
para lidar com essas novas demandas, o que pode ser favorecido pela perspectiva dos
multiletramentos.
2.1 OS MULTILETRAMENTOS
A pedagogia dos multiletramentos foi proposta, em 1996, por um grupo de dez
pesquisadores 2 denominado “Grupo de Nova Londres” (GNL). Segundo esses
estudiosos, os multiletramentos lidam com a “multiplicidade de canais de comunicação
2 Os pesquisadores eram: Courtney Cazden (Estados Unidos), Bill Cope (Austrália), Norman
Firclough (Grã-Bretanha), James Gee (Estados Unidos), Mary Kalantzis (Austrália), Gunther
Kress (Grã-Bretanha), Allan Luke e Carmen Luke (Austrália), Sarah Michaels (Estados
Unidos) e Martin Nakata (Austrália).
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e mídia, e a crescente saliência da diversidade cultural e linguística”3 (GNL, 1996, p. 3-
4) .
Para Rojo (2012), os multiletramentos se diferem dos letramentos (múltiplos)
por estes apenas apontarem para a multiplicidade e variedade das práticas letradas,
valorizadas ou não nas sociedades. Os multiletramentos, como apontado, levam em
conta a variedade cultural presente na contemporaneidade e a variedade de sistemas
semióticos dos textos. Em qualquer desses dois sentidos, os estudos sobre o tema
destacam como suas características: “são interativos; mais que isso, colaborativos;
fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas [...]; são híbridos, fronteiriços,
mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas).” (ROJO, 2012, p. 23).
Isso significa que os textos não são mais constituídos apenas por signos
linguísticos em sequência linear, mas podemos verificar, por exemplo, a existência
daqueles compostos simultaneamente por signos verbais e imagens, disponíveis em
mídias audiovisuais. Nas palavras da autora,
é o que tem sido chamado de multimodalidade ou multissemiose dos textos
contemporâneos, que exigem multiletramentos. Ou seja, textos compostos de
muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas
de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer
significar. (ROJO, 2012, p. 19).
Nesse sentido, a escola assumiria o papel de oferecer meios para que os alunos
se transformem em criadores de sentido e, para isso, “é necessário que eles sejam
analistas críticos, capazes de transformar [...] os discursos e significações, seja na
recepção ou na produção” (ROJO, 2012, p. 29).
A fim de atingir esse objetivo, o Grupo de Nova Londres propôs quatro
componentes para sua pedagogia, que “não constituem uma hierarquia linear nem
representam estágios. [...] São componentes que estão relacionados de modos
complexos” 4 (GNL, 1996, p. 20), a saber: Prática Situada, Instrução Aberta,
Enquadramento Crítico e Prática Transformada.
3 [...] multiplicity of communications channels and media, and the increasing saliency of
cultural and linguistic diversity. 4 [...] do not constitute a linear hierarchy, nor do they represent stages. […] They are
components that are related in complex ways.
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Segundo Rojo (2012), esses componentes poderiam ser assim resumidos:
a prática situada remete a um projeto didático de imersão em práticas
que fazem parte das culturas do alunado e nos gêneros e designs
disponíveis para essas práticas, relacionando-as com outras, de outros
espaços culturais [...]. Sobre essas se exerceria então uma instrução
aberta, ou seja, uma análise sistemática e consciente dessas práticas
vivenciadas e desses gêneros e designs familiares ao alunado e de seus
processos de produção e de recepção. Nesse momento é que se dá a
introdução [...] de critérios de análise crítica [...]. Tudo isso se dá a
partir de um enquadramento dos letramentos críticos que buscam
interpretar os contextos sociais e culturais de circulação e produção
desses designs e enunciados. (ROJO, 2012, p. 30).
Essa pedagogia, portanto, vem ao encontro de uma proposta de letramentos
críticos, em que os alunos desempenham papel mais ativo na análise, compreensão e
produção de gêneros que constituem sua vida social, tanto em âmbito local quanto
global. A esse respeito, Robertson (2003) apud Kumaravadivelu (2006, p. 134-5) faz
apontamentos em direção à “criação de estratégias efetivas que deem conta do desafio
da globalização cultural” e afirma que os educadores devem buscar “alternativas
possíveis para preparar nossas disciplinas acadêmicas, assim como nossos alunos, a
enfrentarem o mundo globalizado”. Para atingir esse objetivo, os educadores podem
utilizar como apoio a criação de sequências didáticas e projetos de ensino, já que ambos
quebram a rotina tradicional da sala de aula, ao mesmo tempo que lidam com questões
sociais emergentes e de interesse dos alunos.
2.1.1 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA E O PROJETO DE ENSINO NO ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Conforme exposto, a escola deve preparar os alunos para lidarem com a
multimodalidade textual e cultural, o que também pode ser obtido por meio do trabalho
com sequências didáticas. Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004) afirmam que uma
sequência didática (SD) é um
conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática,
em torno de um gênero textual oral ou escrito. [...] Tem, precisamente,
a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto,
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permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais
adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho escolar será
realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina ou o
faz de maneira insuficiente/ sobre aqueles dificilmente acessíveis,
espontaneamente, pela maioria dos alunos/ e sobre gêneros públicos e
não privados. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, p. 82, 83).
Os autores propõem uma estrutura de base para a SD, que seria a seguinte:
apresentação da situação (momento para a contextualização inicial do gênero a ser
estudado), produção inicial (primeira versão do gênero de texto proposto), módulos
(propostas de atividades para superar as defasagens da produção inicial) e produção
final (produção que demonstrará o aprendizado do aluno obtido nos módulos).
Portanto, um princípio geral das sequências didáticas é a modularidade,
inscrevendo-se numa “perspectiva construtivista, interacionista e social que supõe a
realização de atividades intencionais, estruturadas e intensivas, que devem adaptar-se às
necessidades particulares dos diferentes grupos de aprendizes. (IBIDEM, p.93).
Essa gama de atividades, de diferentes naturezas, têm o objetivo de fazer com o
que o aluno domine melhor gêneros orais e escritos e assim os utilize de forma
adequada nas diversas situações sociocomunicativas, permitindo contato com práticas
de linguagem novas ou de difícil domínio. Dessa forma, “o trabalho escolar será
realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira
insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos
alunos e sobre gêneros públicos e não privados”. (IBIDEM, p. 83). A SD, segundo os
autores, não deve ser seguida com rigidez, cabendo aos professores realizar escolhas das
atividades a serem propostas em cada sequência, promovendo adequações em relação a
cada série.
Além da SD, outra importante estratégia metodológica são os projetos de
ensino. Segundo Oliveira (2006, p. 11), o trabalho com projetos “é uma proposta de
educação voltada para a formação de competências, que pretende que a aprendizagem
não se torne passiva, verbal e teórica, mas que tenha a participação ativa dos alunos”. A
autora cita ainda Moura e Barbosa (2006), que assim conceituam os projetos:
São projetos desenvolvidos por alunos em uma (ou mais) disciplina(s),
no contexto escolar, sob a orientação do professor, e têm por objetivo
a aprendizagem de conceitos e desenvolvimento de competências e
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habilidades específicas. Esses projetos são conduzidos de acordo com
uma metodologia denominada Metodologia de Projetos, ou Pedagogia
de Projetos. [...] os projetos de trabalho são executados pelos alunos
sob a orientação do professor visando à aquisição de determinados
conhecimentos, habilidades e valores (MOURA; BARBOSA apud
Oliveira, 2006, p.11).
Existem diferentes tipos de projeto, dentre eles o Modelo de Planejamento de
Projeto orientado pelo Escopo (Modelo SKOPOS), o qual possui três componentes
estruturais básicos: Escopo, Plano de Ação, Plano de Controle e Avaliação. Segundo os
autores,
O escopo representa os objetivos e as realizações que se pretende pôr
em marcha com o projeto [...]. Compreende a definição do problema,
justificativa, objetivos, resultados esperados e abrangência do projeto.
O Plano de Ação é a estruturação de todos os procedimentos e
recursos que serão usados para a execução do que foi expresso no
escopo [...]. Contém o desdobramento de ações em atividades e tarefas
[...]. O Plano de Controle e Avaliação corresponde aos procedimentos
necessários para acompanhamento e avaliação da execução do projeto
e de seus resultados (MOURA; BARBOSA, 2006 apud OLIVEIRA,
2006, p. 11).
Como se percebe, a implementação de projetos na escola constitui-se numa
importante oportunidade para que os alunos se sintam sujeitos do próprio processo de
aprendizagem. Ao mesmo tempo, fornece ao professor apoio necessário na estruturação
de atividades cooperativas, dinâmicas e atuais, o que torna o processo mais significativo
para todos os envolvidos.
Tanto as metodologias baseadas em sequências didáticas quanto as de projetos
parecem adequadas por se constituírem em algo diferente que quebra a dinâmica
tradicional da sala de aula e por também possibilitarem um acompanhamento mais
próximo e contínuo dos conhecimentos construídos pelos alunos. Essas características
vêm ao encontro da perspectiva de avaliação aqui adotada: a avaliação formativa
alternativa (AFA). Segundo Fernandes, a AFA
é um processo eminentemente pedagógico, plenamente integrado ao
ensino e à aprendizagem, deliberado, interativo, cuja principal função
é a de regular e de melhorar as aprendizagens dos alunos. Ou seja, é a
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de conseguir que os alunos aprendam melhor, com compreensão,
utilizando e desenvolvendo suas competências, nomeadamente as do
domínio cognitivo e metacognitivo. (FERNANDES, 2009, p. 59).
Essa concepção de avaliação sugere responsabilidades tanto por parte dos
professores, que devem ser os mediadores do processo, quanto dos alunos, que devem
autorregular suas aprendizagens a partir dos feedbacks fornecidos pelos professores.
Para Fernandes (2009), o feedback desempenha um importante papel na aprendizagem,
já que, por meio dele, “os alunos são sistematicamente lembrados dos níveis de
aprendizagem, ou dos padrões, que é necessário alcançar e ficam cientes dos seus
próprios progressos, considerando a comparação com seus desempenhos anteriores ou
critérios previamente definidos” (FERNANDES, 2009, p. 99).
Para a avaliação dos textos produzidos pelos alunos, é necessário que se
estipulem os critérios que permitirão essa análise. Costa Val (2000), baseada em De
Beaugrande (1997), propõe sete fatores de textualidade: coesão, coerência,
intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade,
os quais serão brevemente caracterizados a seguir.
A coesão consistiria na conexão entre formas e modelos, ou seja, ao princípio
de conexão dos componentes da superfície textual. A coerência seria a conexão de
significados, constituindo-se como resultado de processos cognitivos. Portanto, a coesão
diz respeito a aspectos formais, enquanto a coerência relaciona-se a aspectos semântico-
conceituais.
Os demais modos de ‘conectude’ são considerados fatores pragmáticos da
textualidade. A intencionalidade presume que o produtor do texto tenha uma intenção a
significar, a alcançar, enquanto a aceitabilidade presume que os ‘recebedores’ do texto
engajam-se para aceitar algo como texto. A informatividade diz respeito ao grau em que
o conhecimento que o texto torna acessível não está adaptado ao conhecimento prévio
do leitor, ou seja, este fator refere-se à medida na qual as ocorrências de um texto são
conhecidas ou não. Já o princípio da situacionalidade se aplica pela conexão do texto
com a situação em que ele ocorre, ao passo que a intertextualidade se aplica pela
conexão entre a ocasião de produção e recepção do texto e a experiência prévia com
outros textos, especialmente aqueles do mesmo tipo de texto e domínio do discurso.
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Levando-se em conta todos os aspectos teórico-metodológicos aqui discutidos,
apresenta-se, na próxima seção, um breve relato de atividades desenvolvidas durante o
ano de 2014 na Escola Estadual Governador Milton Campos (São João del-Rei).
3. BREVE RELATO DAS ATIVIDADES REALIZADAS
No planejamento e implementação das intervenções, privilegiou-se o caráter
interacionista da linguagem, utilizando-se “uma opção metodológica de verificação do
saber linguístico do aluno como ponto de partida para aquilo que será desenvolvido,
tendo como referência o valor da linguagem nas diferentes esferas sociais” (BRASIL,
2000, p. 18).
As atividades propostas foram planejadas por uma equipe constituída por oito
bolsistas da graduação5, a professora supervisora da Escola Básica6 e a coordenadora do
projeto7. Esse grupo, intitulado Grupo de Estudos Direcionados ao ensino de língua
portuguesa (GEDELP), reunia-se, no mínimo, uma vez por semana, para discutir
aspectos teóricos do ensino de língua portuguesa e, a partir dessa discussão, elaborava
atividades de intervenção e também avaliava os resultados das atividades realizadas,
propondo novos encaminhamentos, caso fosse necessário.
Concomitante a isso, semanalmente, os alunos observavam todas as aulas da
professora supervisora na Escola Básica, acompanhando e colaborando no
desenvolvimento das atividades propostas. Por meio dessas observações, os bolsistas
coletavam e organizavam dados sobre os perfis das turmas, os conteúdos trabalhados
pela professora, o desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos, os fatores
que influenciavam nessa aprendizagem etc. Com base nesses dados, as atividades eram
elaboradas, o que proporcionou uma maior adequação do conteúdo às características
específicas das turmas.
5 Os bolsistas eram Iolanda Passos Ferreira, Izabel Juliana Silva Parreiras, Lucyan Alan Peixoto,
Marla Maria de Barros Guedes, Larissa Andrade dos Anjos, Priscila Lima e Silva, Thiago
Dalles Silva e Vinicius Ricardo de Andrade. 6A supervisora era Maria Estela Veloso M. Amaral. 7 A Coordenadora era Marilia de Carvalho Caetano Oliveira.
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A fim de organizar as ações na escola, os bolsistas foram distribuídos em
duplas de trabalho, que se mantiveram até o final das intervenções. Antes de serem
colocadas em prática, as propostas de sequências didáticas, baseadas nos aspectos
teóricos previamente discutidos, foram planejadas pelas duplas de bolsistas, e essas
propostas foram apresentadas nos encontros do grupo de estudos e receberam sugestões
de aperfeiçoamento dos outros participantes do subprojeto.
Os gêneros trabalhados por meio de sequências didáticas (SD) com os alunos
dos 2ºs anos, inicialmente, foram Crônica e Conto, os quais foram indicados pela
professora regente da turma, indicação esta baseada no livro didático adotado. Salienta-
se que as sequências didáticas foram organizadas de acordo com a estrutura proposta
por Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004), ou seja, apresentação da situação de
comunicação, produção inicial, elaboração de módulos e produção final.
Posteriormente, foi implementado um projeto de ensino que versava sobre o uso da TV
na sala de aula.
As SD iniciavam-se, geralmente, pela sondagem dos conhecimentos prévios
que os alunos possuíam a respeito dos gêneros a serem ensinados. Após uma breve
explanação, os bolsistas propunham uma produção inicial, em que os alunos deveriam
demonstrar o conhecimento que até então dominavam sobre o assunto. A partir disso,
eram criados os módulos de atividades diversificadas, que envolviam textos orais e
escritos e que estimulavam a postura crítica dos alunos. Esses módulos contemplavam o
estudo de exemplares do gênero em questão, priorizando a análise do conteúdo
temático, estilo, estrutura composicional. No decorrer das aulas, eram apresentados
exemplares dos gêneros com diferentes semioses: imagem, som, letra etc, criando-se,
dessa forma, estratégias de multiletramentos, partindo-se sempre do uso para a reflexão
e retornando-se ao uso, conforme orientam os PCN. Foram trabalhados, por exemplo,
contos de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Edgar Allan Poe e crônicas
de Moacyr Scliar, Fernando Sabino e Stanislaw Ponte Preta. Após os módulos, era
proposta a produção final, cujo feedback era dado aos alunos individualmente e os
problemas e pontos positivos dos textos eram projetados em datashow para discussão.
Os critérios de análise dos textos foram adaptados da proposta de Costa Val (2000).
Como última atividade do estudo dos gêneros Crônica e Conto, foi realizada
uma palestra informal com os alunos da Escola, proferida pelo Professor José Antônio
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Oliveira de Resende, cronista e professor da Universidade Federal de São João del-Rei.
Foi um evento em que houve a participação da maioria dos alunos, o que estabeleceu
um vínculo ainda maior entre a Universidade e a Escola.
Após o desenvolvimento dessas atividades, a professora informou que os
alunos demonstraram interesse em discutir sobre a televisão na contemporaneidade, o
que foi acatado pelo grupo de prontidão. A TV é realmente muito presente na vida das
pessoas, inclusive dos adolescentes, por isso “é preciso analisar a TV levando em conta
a sua complexidade, não apenas em seus diversos níveis (produção, circulação,
recepção), mas nos diversos usos possíveis do conteúdo por ela veiculado”
(NAPOLITANO, 2011, p. 15).
Sendo assim, foi proposto um projeto de ensino sobre o tema, já que ele
permite maior flexibilidade de ações e por ser uma das propostas pedagógicas mais
atuais. Tal projeto, condizente com o Modelo de Planejamento de Projeto orientado pelo
Escopo (MOURA; BARBOSA, 2006), foi então estruturado focalizando alguns gêneros
presentes no meio televisivo: notícia, entrevista, previsão do tempo, propaganda e
divulgação de destinos turísticos. Os bolsistas trabalharam com os alunos esses gêneros
por meio de sequências didáticas e, posteriormente, foi produzido e gravado um
telejornal com representantes de todas as salas. O resultado final foi exibido para todas
as turmas, que se mostraram extremamente envolvidas e orgulhosas com o resultado do
trabalho.
4. DISCUSSÃO DE ALGUNS RESULTADOS
O desenvolvimento do trabalho na escola transcorreu sem grandes problemas.
Alguns alunos demonstraram certas dificuldades na produção textual, mas estas eram
monitoradas pela equipe.
No desenvolvimento das atividades, os alunos se mostraram motivados na
maior parte do tempo, principalmente, quando lidavam com novas tecnologias e quando
tiveram de trabalhar em equipe para produzir um telejornal. Nesse sentido, os resultados
foram realmente animadores.
O trabalho com as sequências didáticas resultou na produção de crônicas e
contos e os mesmos foram avaliados conforme os critérios apontados anteriormente.
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Abaixo são apresentados alguns gráficos que representam a síntese das
avaliações dos textos produzidos pelos alunos nas sequências didáticas sobre crônica e
conto.
2º A
Fig 1. Desempenho dos alunos do 2º A na produção de crônica
Fig 2. Desempenho dos alunos do 2º A na produção de conto
2º B
0
10
20
30
40
50
Produçao final Reescrita
Tema
Situacionalidade
Coerência
Coesão
Informatividade
Paragrafação
Correção Gramatical
0
5
10
15
20
25
30
35
Produçao final Reescrita
Tema
Situacionalidade
Coerência
Coesão
Informatividade
Paragrafação
Correção Gramatical
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Fig 3. Desempenho dos alunos do 2º B na produção de crônica e conto
2º C
Fig 4. Desempenho dos alunos do 2ºC A na produção de crônica
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Fig 5. Desempenho dos alunos do 2º C na produção de conto
2º D
Fig 6. Desempenho dos alunos do 2ºD na produção de crônica
Fig 7. Desempenho dos alunos do 2º D na produção de conto
De modo geral, não houve dificuldade quanto aos aspectos de “adequação ao tema” e
“situacionalidade” e a “correção gramatical” foi o quesito mais infringido. Percebeu-se, ainda,
uma diminuição das infrações a todos os critérios na produção do segundo gênero (conto), o
que denota que as intervenções realizadas atingiram seus objetivos.
Esses dados revelam a importância do feedback no trabalho de produção textual,
considerando que este contribuiu para o desenvolvimento da postura crítica dos alunos ao
estimular a autorreflexão, uma atitude não muito comum até então.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho ratifica a afirmação de que a busca por novas estratégias para o ensino
de língua portuguesa é algo extremamente relevante, ressaltando-se que as sequências
didáticas e os projetos de ensino mostraram-se fortes aliados dos multiletramentos.
Percebeu-se, na Escola Básica, grande motivação dos alunos para o desenvolvimento
das atividades, principalmente aquelas que demandavam trabalho em grupo e uso das novas
tecnologias.
Além disso, verificou-se sensível melhoria do nível de escrita dos alunos, em grande
parte proporcionado pelo feedback, uma estratégia que deveria ser rotina na escola, mas que,
infelizmente, não é algo tão comum. Essa orientação contínua aos alunos foi realizada de
acordo com a perspectiva crítica, o que possibilitou amadurecimento e maior dialética entre
professora, alunos e graduandos.
Por fim, ressalta-se que a reflexão e a operacionalização de aspectos constitutivos
dos variados gêneros textuais/discursivos podem oferecer indícios para que se perceba o grau
de desenvolvimento dos alunos, podendo o professor atuar de modo mais efetivo na
construção de estratégias de multiletramentos.
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