a presenÇa da simbologia religiosa no brasil contemporÂneo e sua contextualizaÇÃo no plano...
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A PRESENA DA SIMBOLOGIA RELIGIOSA NO BRASIL
CONTEMPORNEO E SUA CONTEXTUALIZAO NO PLANO TICO-
MORAL ASPECTOS JURDICO-CONSTITUCIONAIS
Rubens Beak*
RESUMO
No de hoje que os juristas vem se preocupando com o plano tico-moral e sua relao
com o Direito. Qual o tipo de influncia efetiva deste plano, mormente considerado o
patamar jurdico-constitucional, parece ser questo atual e candente, a qual temos
verificado ser objeto de discusses apaixonadas.
Este debate somente tende a se avolumar quando se faz a verificao de que numa
Constituio coexistem normas que exsurgem, originalmente, deste plano. Algumas
questes se propem: Estariam aquelas normas l realmente por representarem
convices tico-morais daquela maioria que comps o texto constitucional? Ou,
podemos pensar, l terminaram porque so imaginadas como tradicionais e, destarte,
enraizadas no imaginrio coletivo? Ou, ainda, ser que as geraes posteriores dos
legisladores constitucionais a elas concederiam o mesmo patamar? Enfim, estas so
algumas das hipteses imaginadas.
Esta problemtica certamente encontra-se presente em todas as ocasies em que
pinarmos do texto constitucional normas jurdicas que advieram do plano citado.
Entretanto, se a problemtica proposta interessante e talvez imanente prpria
discusso do que seja uma Constituio, nosso foco se afunilou no sentido de
verificarmos situao em o tema o mesmo mas em razo aparentemente oposta.
Costumes nacionais meramente constantes da dimenso tico-moral mas que por
razes que descabem neste resumo so tratados com tal impositividade pelo Estado e
seus agentes que parecem ter adentrado no nvel constitucional.
*Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de So Paulo. Professor dos Cursos de graduao da Universidade Paulista UNIP e da Universidade de Mogi das Cruzes UMC. Professor do Curso de graduao e do programa de Ps-graduao do Centro Universitrio Eurpides de Marlia UNIVEM. Advogado e consultor em So Paulo.
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De nosso interesse precpuo a discusso ainda pouco explorada pela doutrina ptria
sobre a utilizao pela populao de smbolos religiosos os quais, em teoria, afrontariam
o carter secular do Estado brasileiro. A discusso assume maior latncia quando se
observa que, afora o seu uso pela populao, em muitas reparties pblicas nacionais
encontra-se presente a simbologia mais especificamente neste caso, o crucifixo
catlico.
Objetivaremos tratar da questo pelo vis da atualidade, oportunidade e transcendncia,
sem esquecer de abordar a possibilidade de o costume adquirir fora imperativa mesmo
num pas de tradio jurdica romano-germnica.
Pareceu-nos sobretudo oportuna a discusso considerado o atual momento mundial,
onde o assunto produziu vivo debate em outros pases, mais especialmente em Frana e
no Reino Unido.
PALAVRAS-CHAVE: PLANO TICO-MORAL E O DIREITO - INFLUNCIA -
EXISTNCIA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ADVINDAS DO PLANO
TICO-MORAL - CASO INVERSO - EVENTUAL IMPOSITIVIDADE -
QUESTO DA SIMBOLOGIA - ATUALIDADE
RESUMEN
No es de hoy se que vienen los juristas a se preocupar del plan tico-moral y de su
relacin con el Derecho. Cul el tipo de influencia logra de este plan, considerada
principalmente la plataforma legal-constitucional, se parece ser pregunta actual y
candente, cul hemos verificado ser objeto de peleas apasionadas.
Esta discusin tiende solamente para aumentar cuando la verificacin de que en una
constitucin coexisten normas surgidas, originalmente, de este plan. Algunas preguntas
si consideran: Seran esas normas realmente para representar las certezas tico-morales
de esa mayora all que compusieron el texto constitucional? O, podemos pensar, all
haban acabado porque se imaginan como tradicionales y, desearte, componiendo el
imaginario colectivo? O, no obstante, ser que las generaciones posteriores a la que esta
de los legisladores constitucionales a ellas concederan la misma importancia? En el
ltimo, stos son algunas de las hiptesis imaginadas.
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ste problemtico satisface ciertamente en todas las ocasiones presentes donde acortar
de las reglas constitucionales textos de la ley que haban sucedido del plan citado.
Sin embargo, si el problemtico es interesante y quizs imanente a la pelea apropiada de
cul es una constitucin, nuestro foco si est concentrado en la direccin para verificar
la situacin en el tema es el mismo pero en razn aparentemente de oposicin. Los
costumbres nacionales constantes tan solamente de la dimensin tico-moral pero estn
por las razones que son tratadas en este de tal imperatividade por el estado y sus agentes
para quines se parecen tener adentrado en el nivel constitucional.
De nuestro inters principal la pelea an poco explorada por la doctrina nativa en el uso
para la poblacin de los smbolos religiosos que, en teora, enfrentaran el carcter
secular del estado brasileo. La pelea asume mayor estado latente cuando se observa
eso, mide su uso para la poblacin, en muchos edificios administrativos nacionales los
smbolos - ms especficamente el crucifijo catlico.
Objetivaremos ocuparnos de la pregunta en la actualidad, ocasin y transcendencia, sin
olvidarse de acercar a la posibilidad del costumbre para adquirir exactamente la fuerza
imprescindible en un pas de la tradicin legal Romano-Germnico.
Parece excelente el asunto considerado el momento mundial actual, donde se ha
producido toda la pelea, ms especialmente en Francia y el Reino Unido.
PALABRAS CLAVE: PLAN TICO-MORAL Y EL DERECHO - INFLUENCIA -
EXISTENCIA DE NORMAS CONSTITUCIONALES SUCEDIDAS DEL PLAN
TICO-MORAL - CASO INVERSO - EVENTUAL CUESTIN DE LA
IMPERATIVIDAD - LOS SMBOLOS - ACTUALIDAD.
INTRODUO:
A relao do denominado campo tico-moral e o Direito algo que vem sendo
considerado pelos juristas de h muito.
As eventuais conexes, interelaes, sobreposies e conflitos configuram o campo de
trabalho.
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De certa forma, o assunto parece ter retomado vvido interesse aps o declnio da
interpretao positivista do Direito mormente com a verificao de critrios outros de
interpretao que no meramente o da norma-posta.
assim que a dimenso tico-moral passou a ser valorada como critrio de peso para
um deslinde das intenes do legislador constituinte mormente no que respeita quele
tipo de norma principiolgica nem sempre de fcil verificao ao interprete.
Nessa tica, fica evidente que o aspecto tico-moral tem funo importantssima na
fixao de determinadas pautas que aqueles determinados legisladores constituintes
optaro porventura por dar fora de mandamento mximo.
A partir desta premissa1 h que se verificar premissa igual mas inversa.
Queremos dizer aqui no daqueles princpios que porventura presentes no sistema tico-
moral no esto positivados no texto constitucional. Quanto a estes, outro estudo se
faria necessrio.
O que pretendemos mais precisamente focar aqui se comandos tico-morais no
expressados constitucionalmente pelo legislador originrio poderiam influir eventualmente transmudar normas constitucionais pactuadas. Nosso interesse mais especfico se deu no que respeita simbologia religiosa.
Se evidente, por um lado, que o legislador constitucional tem explicitado (desde a
nossa primeira Carta republicana) a laicidade do Estado brasileiro, por outro
clarssimo que esta laicidade diminuda pela constante seno quase que absoluta presena de smbolos religiosos catlicos nas reparties pblicas nacionais.
Na senda de GALDINO2, no se pretende um debate sobre a religio ou sobretudo a
influncia judaico-crist na formao da herana ocidental ou mais precisamente a
ptria.
O que se pretende uma investigao dessa constante. Por qu a simbologia catlica
apostlica romana ostensiva nas reparties pblicas nacionais e isto no
considerado como se suporia afronta ao princpio republicano de laicidade do Estado brasileiro.
1 Remetemos o leitor nosso trabalho A Dimenso tico-Moral e o Direito. In: Revista Brasileira de Direito Constitucional, publicao da Escola Superior de Direito Constitucional. (prelo, prev. 2006), onde o assunto mais apropriadamente tratado. 2 GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio. Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p. 2.
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DA LIBERDADE RELIGIOSA E DA LAICIDADE DO ESTADO:
Desde o espoucar do constitucionalismo, vem a liberdade religiosa prevista como das
mais fundamentais daquelas liberdades reconhecidas como essenciais ao ser humano.
Na realidade, falar em liberdade religiosa impe tratamos de quatro liberdades
especficas, a saber: as de conscincia, de crena, de culto e de organizao religiosa.
Isto porque, em ltima anlise, e ao menos formalmente, inexiste uma liberdade
religiosa. O que existe a liberdade de conscincia a qual, direcionada no sentido da f
(ou da sua ausncia), vai ser entendida como liberdade religiosa i.e. liberdade de
conscincia religiosa (geral, ampla).
Entretanto, esta liberdade religiosa, chamada mais comumente de liberdade de crena,
em vindo a ser exteriorizada, resultar na formao de uma outra liberdade, a
denominada liberdade de culto.
E, finalmente, para a organizao e viabilizao dos cultos, exsurge a necessidade de
uma derradeira liberdade neste campo, a liberdade de organizao religiosa.
Quem bem trata do tema GALDINO3, trazendo classificao proposta por Soriano.
As liberdades apontadas acima so tradicionalmente garantidas no constitucionalismo
brasileiro.
AFONSO DA SILVA4, tratando da liberdade religiosa, ensina:
(...)
Ela se inclui entre as liberdades espirituais. Sua exteriorizao
forma de manifestao do pensamento. Mas, sem dvida, de
contedo mais complexo pelas implicaes que suscita. Ela
compreende trs formas de expresso (trs liberdades): (a) a
liberdade de crena; (b) a liberdade de culto; (c) e a liberdade
3 GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio. Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p. 10. 4 AFONSO DA SILVA, Jos. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2006., p. 248 e s.s.
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de organizao religiosa. Todas esto garantidas na
Constituio.
(...)
Cabe notar que existem mesmo aqueles autores que entendem a liberdade religiosa
como a primeira, a mais fundamental das liberdades, exatamente porque no contexto das
lutas religiosas e das muitas objees de conscincia que nelas se apresentaram,
exsurgiu a obviedade da existncia de uma liberdade individual de conscincia, na
poca mais focada na questo da f.
Nesta linha, MACHADO :5
(...)
A doutrina e a jurisprudncia no se cansam de sublinhar a
ntima relao que se estabelece entre a liberdade de conscincia,
religio e culto e a dignidade da pessoa humana, ao mesmo
tempo que sublinham que este o valor mais elevado do sistema
de direitos fundamentais. Ele repousa na dignidade do indivduo
enquanto sujeito dotado de competncia moral-prtica,
insusceptvel de ser tratado como um simples meio para atingir
um fim.
(...)
Destarte, desde as primeiras Declaraes de Direitos e dos primeiros textos
constitucionais, realava a liberdade religiosa por sobre os outros direitos. No faltavam
mesmo aqueles que a visualizavam como a matriz das outras liberdades.
ROBLES6 veemente neste sentido:
5 MACHADO, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidados. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra STVDIA IVRIDICA., 18.), p. 192. 6 ROBLES, Gregorio. Os Direitos fundamentais e a tica na sociedade atual: Barueri: Manole, 2005., p. 9091.
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(...)
A liberdade religiosa, no s inofensiva para o Estado, como
ainda verdadeiro baluarte contra a Igreja, chega a ser modelo
sobre o qual se edificam as liberdades polticas. Essas e os
direitos humanos, em geral constituem, em conseqncia,
conquistas histricas progressivas frente ao poder.
(...)
Ainda, por oportuna, manifestao de Joo Paulo II, colacionada por GALDINO:7
A liberdade religiosa constitui o corao dos direitos humanos.
Essa de tal maneira inviolvel que exige que se reconhea s
pessoas a liberdade de mudar de religio se assim sua
conscincia demandar. Cada qual, de fato, obrigado a seguir
sua conscincia em todas as circunstncias e no pode ser
constrangido a agir em contraste com ela. Devido a esse direito
inalienvel, ningum pode ser obrigado a aceitar pela fora uma
determinada religio, quaisquer que sejam as circunstncias ou as
motivaes
Em que realce sua importncia, logo se evidencia que no bastava que esta liberdade
fosse gizada e assegurada nos documentos polticos. Era preciso tambm que se
assegurasse a no interveno do Estado nesses assuntos, o qual vai passar a ser
conseguido quando se consagra mundo afora o princpio da absoluta separao entre
Religio e Estado, o denominado princpio da laicidade do Estado.
7 GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio. Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p. 14.
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Como se sabe, este princpio vem constando continuadamente dos textos constitucionais
brasileiros desde 1891.
O papel da laicizao deve ser estendido como o da positivao da necessidade da
completa separao dos campos religioso e poltico, com o sentido de at mesmo
possibilitar o seu completo desenvolvimento.
MACHADO, citando Hanna Arendt, bem coloca:8
(...)
A secularizao, longe de implicar uma hostilidade estadual
relativamente ao fenmeno religioso, pode mesmo ser encarada
como algo natural e desejvel. Isso mesmo foi sublinhado por
Hanna Arendt quando ela afirmou que a laicizao, enquanto
acontecimento histrico concreto, no mais do que a
separao da Igreja do Estado, da religio e da poltica, e isto,
do ponto de vista religioso, evoca um regresso ao Cristianismo
primitivo mais do que uma perda de f e de transcendncia ou
do que uma paixo reforada pelas coisas do mundo. Assim
compreendida, a idia de secularizao pode e deve ser
compatibilizada com as exigncias constitucionais em matria
religiosa.
(...)
A PRESENA DA SIMBOLOGIA CATLICA E O SEU SIGNIFICADO PARA
O DIREITO:
Se, em toda exposio at agora reala o fato de que todas as cartas constitucionais
brasileiras at hoje consagraram a liberdade religiosa 9, bem como o seu corolrio lgico
8 MACHADO, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidados. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra STVDIA IVRIDICA., 18.)., p. 97.
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da exigncia de laicidade, bem verdade tambm que a verificao emprica nos
demonstra a sobrevivncia da simbologia crist, notadamente a catlica apostlica
romana em grande parte, seno a totalidade, das reparties pblicas nacionais.10
Ora, como cotejar, sem reduzir natural espanto, a contradio evidente entre a
laicidade consignada no mandamento constitucional e a prtica reiterada?
A mais evidente possibilidade, seno a nica, a verificao de que na realidade do dia-
a-dia, muitas vezes comandos tico-morais existem a par dos legais e no menos vezes
encontram-se em situao de contradio e at de oposio a estes.
Isto porqu a realidade da existncia de uma dimenso tico-moral nos demonstra que,
muitas vezes, esta dimenso est esposada pelo Direito, outras vezes com ele convive
em campos que no se tocam e, outras vezes intercambiam, podendo se contradizer.
Evidncias destes eventuais conflitos no nos faltam como por exemplo o conflito
aparente entre o direito tico-moral vida (de carter absoluto) e o mandamento
constitucional que indiretamente permite a pena de morte em caso de guerra ou ainda no
terreno da legislao ordinria, o que permite o aborto em determinadas situaes .11
Para aqueles que entendem o Direito sobretudo o constitucional como o mnimo
tico-moral valorado pelos legisladores constitucionais naquele momento especfico de
elaborao do texto maior, evidentemente que a laicidade evidencia-se como valor a ser
preservado.
a maneira como preferimos ver a tica-moral em relao ao Direito.
VIEIRA assevera:12
(...)
As constituies tambm se transformaram em depositrios de
valores ticos positivados, expressa ou implicitamente, pela
comunidade. As cartas de direitos, a organizao do espao para 9 claro que com diferenas de tratamento mas, de qualquer forma, sempre consagraram. Para uma verificao dos textos constitucionais, remeta-se novamente a GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio, Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p.128 Anexo A. 10 Considerada a especialidade do presente trabalho, deixamos de trazer qualquer dado mais investigativo a respeito, partindo aqui da premissa da verificao por notria evidncia. 11 Obviamente aqui, o exemplo vale para aqueles que admitem a presena de vida no feto. 12 VIEIRA, Oscar Vilhena. A Moralidade da Constituio e os Limites da Empreitada Interpretativa, ou entre Beethoven e Bernstein. In: SILVA, Virglio Afonso da. (Org.) A Interpretao Constitucional: teoria e direito pblico. So Paulo: Malheiros, 2005., p. 225-226.
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o debate pblico, os dispositivos que regulamentam as liberdades
pblicas, constituem um arcabouo tico e regem os princpios
de justia que devem regular o convvio social. Da falar-se que
as constituies servem como paradigmas de justia, sob os quais
se deve desenrolar todo o processo poltico.
(...)
Ns, de nossa parte, entendemos que o texto constitucional configura aquele patamar
para onde convergem as normas que, como j dissemos: 13
(...)
[Normas constitucionais] so de ser entendidas como o conjunto
de normas que, independentemente de prima facie serem
atinentes ao mundo jurdico, o constituinte quis colocar como
primado do Estado a organizar. Assim, entendemos que uma
constituio origina no s uma pirmide de normas jurdicas
como tambm uma chamemos pirmide tambm de valores
tico-morais a serem protegidos, no mbito daquele Estado,
como valores primeiros.
Em outras palavras, o estabelecimento de valores como primados
constitucionais agrega uma fora de devir quilo que talvez
originalmente remanescesse meramente no Campo da tica-
Moral.
(...)
Melhor explicando e, apropriando-nos do conceito de zona de
mediacin a que Elas DIAZ alude no seu tica contra Poltica
(1998: 31), ao tratar de legitimidade e justia, pensamos que,
previamente ao estabelecimento da distino (j tradicional na
doutrina) entre princpios e regras, h que se imaginar que numa 13 BEAK, Rubens. A Dimenso tico-Moral e o Direito. In: Revista Brasileira de Direito Constitucional, publicao da Escola Superior de Direito Constitucional. (prelo, prev. 2006)., p. 13-14.
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Constituio convergem normas TICO-jurdicas e normas
JURDICO-ticas.
As primeiras, o constituinte entende como valores do mundo
tico-moral que, devido a fatores os mais variados, podemos
mesmo dizer sua relevncia naquele determinado momento
histrico, entende por bem elevar ao patamar da Constituio.
Adquirem assim, por extenso, fora vinculante normativa, na
medida em que os princpios constitucionais possuem esta
caracterstica.
As outras, to importantes quanto as primeiras, pois tambm
participantes do prisma constitucional, tem a caracterstica de
advirem aprioristicamente da ordem jurdica (a qual no
necessariamente tico-moral v.g. a regra do art. 14, I da
Constituio Federal, que fixa a obrigatoriedade do voto aos
maiores de 18 anos de idade) e, destarte, adquirem a fora,
tambm, de mandamentos ticos, na exata medida em que o
cumprimento da Constituio, alm de ser mandamento jurdico,
atitude tica por excelncia.
Em outras palavras, as primeiras alcanam o seu valor jurdico na
mesma medida em que, elevadas ao patamar constitucional por
vontade de seus artfices, adquirem fora jurdica necessria
sua implementao.
E as segundas, podemos dizer, adquirem o seu valor tico, na
direta razo de que normas jurdicas que so, desde que aladas
ao valor constitucional, passam a ter indubitvel valor tico,
decorrente da necessidade de seu cumprimento, vista da fora
imperativa da Constituio.
(...)
Portanto, partindo do que se nos premissa, de que seara adviriam os mandamentos
constitucionais referentes laicidade?
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Evidentemente do patamar tico-moral pois este um dos valores republicanos
fundamentais, talvez mesmo para alguns a matriz de onde adviriam os outros direitos.
Alis, presente nas nossas constituies desde 1891.14
Assim, concluso evidente, toda a presena da simbologia catlico apostlico romana
nas reparties pblicas nacionais no pode ser interpretada de forma a que no conduza
sua evidente inconstitucionalidade.
Talvez decorrente de acomodao cannes pretensamente tradicionais, talvez
decorrente de m-informao, o fato que a prtica remanesce e notria.
Os tribunais ptrios, quando provocados, tem reiteradamente entendido que o carter
laico do Estado princpio constitucional absoluto, no admitindo contradio.15
Apesar de o fenmeno existir desde sempre, somente de pouco tempo para c que tem
passado a ser objeto de consideraes mais minudadas.
Talvez isso seja sinal da poca atual onde a agudizao das posies religiosas ao
derredor do mundo tem feito com que os parmetros da necessria separao entre
Religio e Estado voltem a ser reiterados aqui e alhures.
Descabe, nos limites deste artigo uma investigao dos motivos deste aodamento ou
mesmo analisar se ele que de fato leva revalorao da discusso sobre o eventual
reforo do carter secular do Estado.
No entraremos, tampouco, na envolvente discusso de se o radicalismo que vem se
apresentando nesses primeiros anos do sculo XXI conduzir inexorvelmente ao
abandono da viso multiculturalista preponderante no sculo passado, especialmente em
sua segunda metade.
Entretanto, no h como ignorar que o assunto passou a ocupar o dia-a-dia dos
franceses, desde h algum tempo, e dos cidados do Reino Unido, mais recentemente.
De qualquer forma, no se olvide o iter lgico de nossa abordagem A presena da
simbologia referida nos rgos e edifcios pblicos configura tipo de influncia
negativa da tica-moral sobre o Direito. Ou seja, no um determinado mandamento
advindo do campo tico-moral que galgou o patamar constitucional adquirindo da
14 Infra-constitucionalmente desde antes. O Decreto 119-A de 1890 j assegurava a laicidade no Direito positivo ptrio. 15 Por oportuno, cf. GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio. Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p. 62-66, onde traz casos especficos inclusive o famoso MS 13.405-0, de So Paulo.
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imanncia de Lei Maior. exatamente situao oposta. a prtica de costume tico-
moral que tolerada, como se no configurasse agresso ao princpio republicano da
laicidade.
CONSIDERAES FINAIS:
Neste artigo, procuramos tecer algumas consideraes acerca do tema da simbologia
religiosa no Brasil, sobretudo aquela referente ao catolicismo apostlico romano.
de se estranhar repartio pbica que no tenha a presena de crucifixo, prdios que
no sejam inaugurados ou consagrados com a realizao de missas, benzees etc.
Para no dizer da existncia de um feriado oficial consagrado Padroeira do Brasil (o
12 de outubro)!
Se, logo de sada, j se verifica que o princpio da laicidade do Estado tradicional no
Brasil desde a Proclamao da Repblica alis na senda republicana de ser princpio
garantidor da efetiva liberdade religiosa bem verdade tambm que a prtica
observada no arrefeceu.
No desenvolvimento do tema, observamos que a doutrina reconhece papel
preponderante ao princpio da laicidade mas no entra no tema da tolerncia para com a
presena da simbologia religiosa. De que natureza seria esta tolerncia? Isto porque
chamou-nos a ateno o fato do costume tico-moral ser tolerado to displicentemente e
por tanto tempo.
Terminamos por entender que este costume tem origem no campo tico-moral,
exercendo influncia negativa por sobre o Direito, na medida em que sem ser norma
tico-moral que ascendeu ao panteo da Lei Maior, tem fora cogente similar.
Considerando o renovado interesse que o tema tem provocado hoje em dia, notadamente
em alguns pases europeus, pareceu-nos oportuna a apresentao do tema para o futuro
necessrio aprofundamento.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
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atual. So Paulo: Malheiros, 2006.
BEAK, Rubens. A Dimenso tico-Moral e o Direito. In: Revista Brasileira de
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BROCHADO, Mari. Direito & tica: a eticidade do fenmeno jurdico: So Paulo:
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GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigao da laicidade na Constituio. Belo
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HEYMANN-DOAT, Arlette. Libertes publiques et droits de lhomme: 7me ed. Paris:
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MACHADO, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade
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ROBLES, Gregorio. Os Direitos fundamentais e a tica na sociedade atual. Barueri:
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VIEIRA, Oscar Vilhena. A Moralidade da Constituio e os Limites da Empreitada
Interpretativa, ou entre Beethoven e Bernstein. In: SILVA, Virglio Afonso da. (Org.)
A Interpretao Constitucional: teoria e direito pblico. So Paulo: Malheiros, 2005.
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