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A RELAÇÃO ENTRE A CULTURA ESTRATÉGICA RUSSA E AS AÇÕES DE VLADIMIR PUTIN PARA SUA PROJEÇÃO
GEOPOLÍTICA NO SÉCULO XXI
Rio de Janeiro
2018
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Maj Inf GUILHERME ESTEVES MODESTO
Maj Inf GUILHERME ESTEVES MODESTO
A RELAÇÃO ENTRE A CULTURA ESTRATÉGICA RUSSA E AS AÇÕES DE VLADIMIR PUTIN PARA SUA PROJEÇÃO
GEOPOLÍTICA NO SÉCULO XXI
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como pré-requisito para matrícula no Programa de Pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.
Orientador: MAJ CAV DANIEL MENDES AGUIAR SANTOS
Rio de Janeiro 2018
M691r Modesto, Guilherme Esteves
A Relação entre a Cultura Estratégica Russa e as Ações de Vladimir Putin para sua Projeção Geopolítica no Século XXI / Guilherme Esteves Modesto. ⼀ 2018.
57 f.: il.; 30 cm.
Orientação: Daniel Mendes Aguiar Santos.Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares). ⼀Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2018.Bibliografia: f. 58-61.
1. RÚSSIA. 2. PUTIN. 3. CULTURA ESTRATÉGICA. 4. GEOPOLÍTICA. I. Título.
320.12
Maj Inf GUILHERME ESTEVES MODESTO
Tr a b a l h o d e C o n c l u s ã o d e C u r s o apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares.
Aprovado em _____ de_______________ de__________.
COMISSÃO AVALIADORA
_________________________________________________ Maj Cav DANIEL MENDES AGUIAR SANTOS - Presidente
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_________________________________________________ Ten Cel Inf GUILHERME NAVES PINHEIRO - 1º Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_________________________________________________ Maj Inf ALISSON ALENCAR DAVID - 2º Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
AGRADECIMENTOS
Ao Departamento de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Militares/Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, pela oportunidade do aperfeiçoamento profissional que em muito engrandece seu corpo discente.
Ao Major Daniel Aguiar, pela presteza na respostas às minhas solicitações, bem como pela orientação segura e oportuna, que permitiu que a execução desse trabalho se desenvolvesse sem nenhuma interferência no Curso de Comando e Estado Maior.
Ao Major Gomes, meu primeiro orientador, que mesmo após ser selecionado para realizar curso no exterior, prosseguiu no direcionamento do meu trabalho, a despeito da dedicação que sua recente mudança para a situação de aluno demandava.
À minha família, pelas horas de estudo que tive que dedicar à esse trabalho, abdicando do doce convívio nas horas vagas. Sou grato, também, pelo conforto e afeto que me foi dado nos momentos de cansaço, apoio este que me foi muito caro para a conclusão exitosa dessa fase da carreira militar.
RESUMO
A Federação Russa vem passando por um momento de ajuste de sua
importância geopolítica no início do Século XXI. A cultura estratégica do país, que se
caracteriza pelos traços marcantes do belicismo, sugere ter influência direta nas
ações tomadas pelo governo de Vladimir Putin, refletindo nessa projeção
internacional. O objetivo desse trabalho foi de analisar de que maneira a cultura
estratégica russa influenciou as ações políticas, militares e econômicas de Vladimir
Putin no escopo da projeção internacional da Federação Russa após a dissolução
da URSS, correlacionado com as teorias geopolíticas afetas à realidade russa. Para
buscar encontrar respostas ao questionamento em tela, foi feita a análise de livros,
atores, diversos artigos científicos e trabalhos das mais variadas áreas, levantou-se
os mot i vos que podem te r l evado Pu t in a ado ta r de te rm inadas
posturas ,considerando a cultura estratégica do país.
Palavras-chave: Rússia – Putin – Cultura Estratégica - Geopolítica
ABSTRACT
The Russian Federation has been going through a period of adjustment in its
geopolitical stance at the beginning of the 21st century. The strategic culture of the
country, which is characterized by warmongering, suggests that the actions of
Vladimir Putin's government reflects international Russian influence. The purpose of
this paper is to analyze how Russian strategic culture influenced Vladimir Putin's
military, economy, and political initiatives within the framework of the Russian
Federation's international projection after the dissolution of the Soviet Union;
correlating it with the geopolitical theories related to Russian reality. To solve the
problem above, research was conducted through analyses of books, actors, scientific
articles, and papers of various areas raising potential motives that led Putin in
adopting certain positions while taking into consideration the nation’s strategic
culture.
Keywords: Russia - Putin - Strategic Culture - Geopolitics
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – “Nossa resposta às sanções” 11 ....................................................................Figura 2 – A teoria do poder terrestre - heartland e inner crescent 21 ............................Figura 3 – A teoria das Pan-Regiões 23 ..........................................................................Figura 4 – A teoria das Fímbrias 25 ................................................................................Figura 5 – Aspectos geográficos da rÚssia 34 ................................................................Figura 6 – Expansão territorial russa entre 1555 e 1655. 36 ..........................................Figura 7 – Fontes de gás consumido na Europa por país. 51........................................
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 9 ..........................................................................................................1.1 PROBLEMA 13 ..........................................................................................................1.2 OBJETIVOS 13 .........................................................................................................1.2.1 Objetivo Geral 13 ...................................................................................................1.2.2 Objetivos Específicos 13 .......................................................................................1.3 CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA 13 .........................................................................2 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO 15 ....................................................2.1 MOLDURA TEÓRICA 15 ...........................................................................................2.1.1 Cultura Estratégica 15 ............................................................................................2.1.2 Geopolítica Clássica 16 ..........................................................................................2.1.3 Geopolítica Contemporânea 26 .............................................................................2.1.4 As expressões do Poder Nacional 29 ....................................................................2.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA 31 ........................................................................2.2.1 Delimitação da Pesquisa 31 ...................................................................................2.2.2 Concepção Metodológica 32 ..................................................................................2.2.3 Limitações do Método 32 .......................................................................................3 O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA ESTRATÉGICA RUSSA 34 ...........................4 AÇÕES DO GOVERNO RUSSO NA ERA PUTIN 43 ...................................................4.1 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2000 e 2007 43 .................................................4.2 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2007 e 2013 46 .................................................4.3 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2013 e 2018 48 .................................................5 CONCLUSÃO 54 ..........................................................................................................REFERÊNCIAS 58..........................................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
Com o término da Guerra Fria, o mundo experimentou um momento de
reajuste do equilíbrio geopolítico, gerando uma indefinição do papel de cada nação
naquele contexto histórico (KERR, 1995). A Federação Russa, natural herdeira da
União Soviética nas relações internacionais, vivia um momento de ostracismo
geopolítico como consequência de colapso comunista em 1991 (MAELE, 2017).
No início do Século XX, o país vivia uma profunda crise motivada por
condições sociais insustentáveis e agravada pela Primeira Guerra Mundial, o que
acabou culminando com a Revolução Russa de 1917, selando o fim do Czarismo e
inaugurando a ditadura do proletariado.
Nos anos seguintes à ascensão dos Bolcheviques ao poder, a Rússia
vivenciou a consolidação do regime comunista de partido único, caracterizado pela
planificação e coletivização da economia, associado à profundas reformas políticas,
sociais e jurídicas.
Ainda em meados do Século XX, a Rússia chegou a desenhar uma aliança
com a Alemanha de Hitler no Pacto Ribbentrop-Molotov, sendo este quebrado pela
invasão nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Este fato acabou por forçar sua
entrada na guerra, marcando profundamente a história do mundo.
O envolvimento no conflito chegou ao fim com a Batalha de Berlin, em 1945,
culminando com a capitulação nazista e a consequente divisão da Alemanha e de
áreas adjacentes entre americanos e russos. Estava iniciada a Guerra Fria, capítulo
da história em que o mundo se via divido nessas esferas de influência. Ao longo do
restante do Século, via-se uma queda de braço entre comunistas e capitalistas para
a ampliação de suas influências, o que levou à diversas revoluções e conflitos por
todo o mundo, consolidando o protagonismo geopolítico da União Soviética.
Na década de 1990, durante o governo de Boris Yeltsin, a Rússia flertou com
a economia de mercado. O rápido abandono da economia planificada ficou marcada
pela massiva privatização de empresas do setor energético e da indústria militar, em
que oligarcas próximos ao então governo passaram a controlar empresas como a
Gazprom e Yukos, levantando graves suspeitas de corrupção e evasão de divisas,
afetando seriamente a economia, resultando na moratória do país durante a crise de
1998 (DEL CID, 2008).
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Nesse contexto, no ano 1999, ascende ao poder Vladimir Putin, que ao longo
de seu governo, passa a adotar uma postura mais contundente nas relações
internacionais, retomando a agressividade na manutenção dos interesses
estratégicos daquele país. Futuramente, o governo Putin viria a ser conhecido pela
centralização, dedicação à economia e busca pelo controle estatal dos recursos
naturais, tudo isso alicerçado por um amplo apoio popular, a despeito das acusações
de restrição da liberdade e direitos fundamentais (FREIRE, 2008).
Formado em direito, Putin também possui doutorado cuja dissertação,
embora acusada de plágio por pesquisadores do instituto Brookings, dos EUA
(TUDOROIU, 2017), versa sobre o plano estratégico para o uso de recursos
regionais nas relações entre mercados, explicando como a nação deveria
administrar seus recursos naturais de peso geopolítico. Curiosamente, as
estratégias do Kremlin sob seu mandato, de fato recuperaram o controle dos
recursos privatizados por Yeltsin nos anos 90, permitindo novamente o emprego
dessa ferramenta como meio de pressão geopolítica.
Ex agente da KGB, Putin assumiu um país com o PIB em torno de $250 Bi
USD, conduzindo-o para um ápice em torno de $2,23 Tri USD em 2013, se
beneficiando dos altos preços do petróleo nos primeiros 13 anos do Século XXI,
segundo dados do Banco Mundial (2017).
Seus índices de popularidade figuram entre os mais altos dos líderes
mundiais, se mantendo maior que 80% desde a anexação da Crimeia em 2013
(LEVADA CENTER, 2016), refletindo a confiança depositada pelo povo,
permanecendo inabalável a despeito dos embargos econômicos e da queda do
preço do petróleo em meados da mesma década, o que derrubou novamente o PIB
para patamares em torno de $1,28 Tri USD em 2016 (BANCO MUNDIAL, 2017).
O fato a se observar nesse contexto é a inabalável aceitação de Putin em
meio opinião da sociedade russa, ainda mais se considerarmos que a aprovação do
governo como um todo e do primeiro ministro Dmitri Medvedev giram um pouco
acima dos 40%, ou seja, cerca de metade da aprovação de Putin (LEVADA
CENTER, 2016).
Um dos fatores que sustentam essa popularidade é a política externa
promovida nesse Século. Desde que assumiu o cargo, Putin se empenhou em
fortalecer as capacidades russas, particularmente nas expressões econômica e
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militar, sustentando, dessa forma, a mudança de sua postura geopolítica, permitindo
maior agressividade em direção aos objetivos estratégicos do Estado (MAELE,
2017).
FIGURA 1 – “NOSSA RESPOSTA ÀS SANÇÕES” 1
Fonte: Acervo do autor (2015)
Imagem de banca de comercio de souvenires no metrô Borovitskaya, nos arredores do Kremlin, 1
Moscou, em 23 de janeiro de 2015. A camiseta central traz uma imagem que representa Putin deferindo um chute em Barak Obama, então presidente americano, com os dizeres “Nossa respostas às sanções” (Наш ответ на санкции) sob o contexto pós-anexação da Crimeia e início das sanções impostas à Rússia pela comunidade mundial, refletindo a força da propaganda interna do governo Vladimir Putin e seu apoio popular.
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Fruto de suas raizes culturais, o povo russo demanda um governo forte,
capaz de restaurar a grandeza de outrora, num sentimento quase que nostálgico da
época imperial, refletindo um forte sentimento anti-ocidental (TOMÉ, 2007). Tal
sentimento parece ter encontrado em Putin seu grande arquiteto, uma vez que já é
de consenso o resgate da nação em meio ao ostracismo que mergulhou com o fim
da União Soviética, (LE BILLON, 2004).
Ainda nesse sentido, cabe ressaltar a influência do trabalho dos pensadores
geopolíticos neo-eurasianistas, como Alexandr Dugin, partidários da teoria do mundo
multipolar. Com forte viés nacionalista e inspirado na teoria do poder terrestre de
Mackinder, cujo pressuposto versa sobre o objetivo estratégico do domínio do
Heartland, no caso, a Eurásia, Dugin é um dos maiores críticos da influência
americana na Europa, advogando a favor da criação de um eixo Moscou-Berlin,
dentre outros, isolando os EUA e consequentemente a OTAN (GONÇALVES, 2014).
Outra influência importante da escola geopolítica neo-eurasiana vem de
Ratzel (1909) e o conceito de “espaço vital” (Lebensraum), cujo pressuposto afirma
que “Toda a sociedade, em um determinado grau de desenvolvimento, deve
conquistar territórios onde as pessoas são menos desenvolvidas”. No caso atual
russo, percebe-se ações que vão ao encontro dessa afirmação, não somente na
conquista e domínio literal de territórios, cujo principal exemplo histórico se deu
durante a chamada Cortina de Ferro, imediatamente após a Segunda Guerra
Mundial, mas também em avanços de domínios de influência no campo geopolítico,
seja ele fruto do Hard ou do Soft power.
Em suma, percebe-se que a Rússia é de fato uma importante peça na
geopolítica mundial. Obviamente que sua posição estratégica, história, armamento
nuclear e o fato de ser membro do conselho de segurança da Organização das
Nações Unidas lhe confere um status atualmente inalcançável para um país como o
Brasil. É intrigante perceber que, apesar de sofrer com uma economia calcada na
exportação das commodities, ficando à mercê da constante variação de preços,
principalmente do petróleo e gás e de ter um PIB e população menores que o do
Brasil (Banco Mundial, 2017), a Rússia ainda consegue se impor com tanta ênfase
nas relações entre os Estados, sendo essas ações, que, revestidas de grande
ousadia, se tornam o foco deste trabalho.
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1.1 PROBLEMA No contexto apresentado, com o objetivo de entender o papel da Rússia na
geopolítica atual, surge o problema delimitado para o presente estudo:
De que maneira a cultura estratégica russa influenciou as ações políticas,
militares e econômicas de Vladimir Putin no escopo da projeção internacional da
Federação Russa (1999-2018) após a dissolução da URSS?
1.2 OBJETIVOS Como forma de elucidar o problema proposto, seguem abaixo os objetivos do
trabalho.
1.2.1 Objetivo Geral Analisar as iniciativas do governo de Vladimir Putin que vem redefinindo a
importância da Federação Russa na comunidade internacional, correlacionando com
as teorias geopolíticas e concluindo sobre a relação entre a cultura estratégica
nacional e sua postura como mandatário.
1.2.2 Objetivos Específicos - Revisar as teorias geopolíticas afetas diretamente à Rússia;
- Estudar o desenvolvimento da cultura estratégica russa ao longo de sua
história;
- Analisar as ações da Federação Russa na era Putin.
- Inferir sobre a relação entre a cultura estratégica e a postura do governo
Vladimir Putin em busca de padrões de mudanças e continuidade.
1.3 CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA A contribuição da pesquisa está alicerçada no fortalecimento da importância
global que a Federação Russa tem tido neste início de Século XXI. Entender as
ações de Vladimir Putin como Primeiro Ministro e Presidente, com enfoque nas
teorias geopolíticas, correlacionando com o passado estratégico nacional, lançar luz
ao que de fato levou ao fim do ostracismo russo vivido no período inicial pós-União
Soviética.
O estudo do assunto servirá de base para o entendimento das teorias
geopolíticas e da cultura estratégica aplicada à Rússia de Vladimir Putin, permitindo
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uma visão mais ampla dos eventos entre os protagonistas mundiais, com influência
direta na reorganização desse tabuleiro pós-Guerra Fria.
Elencar o que foi feito pelo Governo Russo desde os anos 2000 tem grande
importância para o entendimento do que se passa hoje nas relações entre entre
esses países. Tais fatos fizeram a comunidade internacional repensar a
unipolaridade hegemônica americana que supostamente estava se desenhando no
final do Século XX.
Assim, compreendendo o que vem impactando esse reajuste entre os atores
mundiais, teremos uma visão mais clara do mundo, facilitando o entendimento, num
futuro próximo, das ações que podem ser tomadas pelas nações e organizações que
ditam os rumos geopolíticos contemporâneos.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO
2.1 MOLDURA TEÓRICA
2.1.1 Cultura Estratégica
A cultura estratégica pode ser entendida, na definição mais direta possível,
pela analise dos elementos históricos, culturais e geopolíticos de um determinado
povo. Tais fatores tem influência direta na implementação das ações tomadas por
um governo na definição de suas estratégias contemporâneas, relacionadas à
política externa (ROMANA, 2016).
Continuando segundo o pensamento de Romana (2016), os padrões de
comportamento político, das elites, das Forças Armadas e da opinião pública tendem
a definir essa cultura estratégica. No caso russo, tais vozes ativas na formulação das
estratégias tendem a ter um componente muito menos racional se comparado com a
cultura americana, por exemplo.
Segundo Jones (1990), existem três níveis de cultura estratégica: o Macro,
constituído pela geografia, cultura e história; o Intermédio, que engloba as estruturas
políticas, econômicas e socais; e o Micro, formado pelas instituições militares e pela
mobilização social quanto aos valores nacionais e soberania.
No que tange à Rússia, os aspectos geográficos tiveram uma importância
muito significativa na construção dessa cultura. O país é o mais extenso do mundo,
com baixa densidade demográfica, fazendo fronteira com países super-populosos,
como a China, no Heartland do mundo, segundo Mackinder, e com sua capital,
Moscou, localizada num ponto extremamente vulnerável do território, para onde
convergiram a maioria das invasões estrangeiras. Obviamente, desafios não
faltaram para as lideranças russas ao longo da história, moldando sua cultura
estratégica. (RAMOS, 2017)
Todos os fatores citados por Jones reforçaram a idéia de eurasianismo ao
longo do tempo, fazendo com que as ações, desde o império Russo, tivessem esse
viés de controle das nações imediatamente adjacentes, com o intuito de preservar a
integridade do território russo, uma vez que, dessa forma, desde os conflitos contra
os mongóis, o Império acabou sendo formado por um regime autoritário e multi-
étnico (ERMARTH, 2006).
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Foram muitas as oportunidades em que ficaram latentes a veia imperialista
Russa, mesmo após o fim do czarismo, seja sob a bandeira da URSS ou da Rússia
pós-Guerra Fria, como nos episódios do pacto Ribbentrop-Molotov, na criação da
Cortina de Ferro ou na intervenção na Crimeia, por exemplo, caracterizando a busca
pelo espaço vital explorado por Ratzel (AMORIM, 2017).
Ainda dentro da busca pela sobrevivência do Estado, fruto de sua posição
geográfica, percebe-se grande mudança na definição de eventuais aliados.
Alexandre I, por exemplo, mudou de lado várias vezes durante as Guerras
Napoleônicas, chegando a afirmar que os únicos aliados da Rússia seriam seu
Exército e sua Marinha, corroborando com a idéia do imperialismo eurasiático , com
reflexos contundentes na postura da Rússia moderna (ROMANA, 2016).
Já no período pós-URSS, a Rússia enfrentou uma grave crise nos anos 90,
marcando certo ostracismo quanto a postura de sua política externa. Naquele
contexto histórico, imaginava-se uma unipolaridade americana, consolidando a
hegemonia mundial e influenciando a cultura estratégica da Rússia. O desconforto a
ser relegado ao segundo plano no tabuleiro geopolítico conduziu o país ao
fortalecimento dos ideais neo-eurasianos e do anseio do retorno ao auge
imperialista. O desfecho foi caracterizado pela ascensão de Putin, marcada pro uma
maior agressividade na política externa no Século XXI (ERMARTH, 2006).
Os reflexos da cultura estratégica russa nos dias de hoje ficam latentes uma
vez que Putin preza pela estabelecimento de eixos que visam isolar a influência
norte-americana, pautando suas ações pela ameaça à segurança energética da
Europa, por exemplo, buscando o multilateralismo (ROMANA,2017). Fatos estes a
serem explorados ao longo do trabalho.
Dessa forma, encerra-se a revisão teórica que servirá de base para as
análises da cultura estratégica russa ao longo da história, relacionando com a
política externa contemporânea do Kremlin, traçando paralelos quanto à
aplicabilidade das teorias geopolíticas.
2.1.2 Geopolítica Clássica
Embora não haja uma única definição consagrada de geopolítica, em sua
maioria, tendem a convergir para um mesmo entendimento. Para a melhor
compreensão do presente trabalho, cabe relembrar algumas dessas definições.
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Segundo Meira Mattos, 2011, a geopolítica é “arte de aplicar a política nos espaços
geográficos”. Já o Instituto de Geopolítica de Munique a define como “a ciência das
relações da terra com os processos políticos. Proporciona os instrumentos para a
ação política e as diretrizes para a vida política conjunta”.
Tal dificuldade em encontrar um mero consenso na definição conceitual já nos
dá alguma noção da complexidade do assunto. O fato é que a relação entre
geografia e política envolve todas as nações e indivíduos, projetando sua influência
nos ajustes do tabuleiro das relações do mundo contemporâneo.
Dentro deste contexto, percebemos que os organismos estatais vivem uma
luta de vida e morte pelo seu espaço, espaço este, que passa pela atuação política,
servindo de alicerce para o crescimento da nação (MAFRA apud KJÉLLEN, 2006).
Outro conceito importante para ser estudado é o da geoestratégia. Segundo
Mafra (2006), a "geoestratégia é a arte de estabelecer ou fixar objetivos pretendidos
pelo estado, bem como orientar o preparo e a aplicação do poder para a sua
conquista e manutenção”. No transcurso da história recente da Rússia, em sua "luta
de vida e morte", percebe-se o amplo emprego deste conceito, fato a ser estudado
no presente trabalho.
A história recente de qualquer nação pode ser observada por diversos
enfoques da geopolítica. Uma observação mais atenta do que se passou com a
URSS e mais recentemente com a Federação Russa nos permite verificar uma
enormidade de paralelos que podem ser feitos com as teorias geopolíticas clássicas
e contemporâneas.
O alemão Friedrich Ratzel, considerado um dos precursores da geopolítica,
pode ter seu trabalho observado constantemente nos destinos da Rússia. Ratzel,
após uma viagem aos Estados Unidos no final do Século XIX, onde estudou a
colonização alemã na América do Norte, voltou convencido da importância do estudo
geográfico, fato este que veio a sedimentar as bases do que futuramente viriam a se
tornar as Leis do Crescimento dos Estados ou Leis dos espaços crescentes.
(MAFRA, 2006)
Autor de Antropogeografia (1882) e Geografia Política (1897) , Ratzel deixa
clara a importância da conquista de território. Seus postulados versam sobre a
expansão territorial vital para um estado, conhecido como Lebensraum, proveniente
da junção de dois fatores geográficos: espaço (raum) e Posição (lage), ou seja,
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espaço vital. Dessa ideia, Ratzel completa que o aumento populacional e
consequentemente o aumento de suas demandas econômicas, sociais e culturais
traria uma necessidade de expansão territorial, levando, dessa forma, à anexação
de entidades nacionais mais frágeis.
Com influência Darwinista, o autor percebeu que, da interação entre estados
nacionais e da busca pelo território, tal qual um ser vivo que se adapta para garantir
sua sobrevivência, o Estado nasce, pode expandir, prosperar, decair e morrer
(MIYAMOTO apud RATZEL, 2014).
“O espaço, o elemento em que respira o corpo político e que, devido ao impulso das leis da natureza se expande e cresce, se converte, assim, em parte inseparável do organismo vivo do próprio Estado; o espaço é lebensraum, espaço vital”. (RATZEL, 1897)
Assim, as fronteiras seriam organismos vivos, com localização dinâmica,
cabendo aos estados sua expansão na direção de territórios alheios ricamente
dotados (AMORIM apud RATZEL, 2017). Cabe ressaltar que, dado tais postulados,
sua obra serviu de inspiração para as lideranças alemãs no início do Século XX, que
levaram às Guerra Mundiais em busca do “espaço vital” para a jovem nação alemã
(MALLINSON, 2016).
Mesmo antes da formulação da teoria, o Império Russo cresceu entendendo
a necessidade de ampliação de seu território para a manutenção da unidade
nacional, garantindo assim sua existência. A marcha em direção à Sibéria e a
anexação dos territórios da região do Cáucaso , por exemplo, permitiram o controle
sobre territórios vitais ao Estado, que, além de garantirem a defesa militar do
Império, vieram a fornecer importantes fontes de recursos naturais, que
potencializam até hoje o desenvolvimento do país. Eis um excelente exemplo do
“Espaço vital” citado por Razel. Atualmente, a competição pelo Lebensraum não prioriza mais o domínio
territorial, mas principalmente a influência nos espaços político e econômico,
fazendo com que estados mais fracos entrem na órbita de estados mais aptos
(MAFRA, 2006). Essa ideia fica bem representada pelas disputas constantes por
áreas de influência dentro dos antagonismos entre os Estados protagonistas da
geopolítica pós-Segunda Guerra mundial, particularmente os Estados Unidos e
URSS. Dessas disputas por áreas de influência nasceu a Guerra Fria.
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Após a dissolução da União Soviética, observou-se o avanço da influência
ocidental, principalmente por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN), em direção ao leste, cooptando os antigos membros da “Cortina de Ferro”,
fato este que, desde os anos 2000, veio a desencadear uma série de reações por
parte do Kremlin. Esse jogo de influências, de certa forma, pode ser também
identificado como movimentos no sentido de garantir o espaço vital.
Ainda nesse mesmo viés de pensamento, Rudolph Kjéllen, pensador sueco e
criador do termo geopolítica, escreveu seus postulados no livro “O estado como
forma de vida" em 1916, ou seja, em plena Primeira Guerra Mundial. Nessa obra,
causou impacto por comparar o Estado como forma de vida (MALLINSON, 2016).
Fruto desse contexto histórico do lançamento de sua obra, Kjéllen demostrou
forte influência do pan-germanismo, sendo este citado várias vezes por Karl
Haushofer, dessa forma, influenciando as ações da Alemanha de Hitler após 1933
(MIYAMOTO, 2014).
Kjéllen lançou também a ideia das três condições que um Estado deve
satisfazer para obter um poder real: grande espaço, liberdade de movimentos e
coesão interna (MAFRA, 2006). Tal idéia se faz importante nesse trabalho por se
aplicar diretamente à realidade Russa pós Putin principalmente no que tange à
coesão interna, uma vez que os índices de popularidade do mandatário giram em
torno de 80% (LEVADA CENTER, 2016), demonstrando a habilidade de juntar os
esforços numa mesma direção, angariando a simpatia da população em torno do
seu projeto de Estado.
Seus postulados ainda se referem sobre a relação entre os Estados fracos e
fortes, sendo enfático que os primeiros tendem a se dilatar, colonizar e conquistar,
enquanto aos demais cabe a marginalização (MAFRA, 2006), fato praticamente
constante quando se observa a história das nações do leste europeu.
Ainda considerando os antagonismos entre EUA e URSS, é importante citar a
teoria do poder marítimo de Alfred Mahan. O autor foi um oficial da Marinha
Americana, veterano da Guerra civil na metade do Século XIX e pesquisador do US
Naval War College. Profundo conhecedor da importância dos mares na geopolítica
mundial, escreveu, em sua principal obra, "A Influência do Poder Marítimo na
História 1600 – 1783" (1890), sobre a necessidade de se possuir um forte poder
marítimo para a expansão dos interesses nacionais.
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Para defender essa premissa, Mahan definiu o mar como sendo uma imensa
planície que evita os obstáculos impostos pela terra. Nesse ambiente, identificou a
necessidade de se manter um poder naval adequado a fim de permitir a exploração
das riquezas do mundo por meio da navegação (AMORIM apud MAHAN, 2017).
Dentro do contexto da geoestratégia, relacionou o controle das rotas de
marítimas com o domínio de regiões estratégicas para as navegações, como os
estreitos, por exemplo (MATTOS apud MAHAN, 2002).
Mesmo contestado por alguns autores contemporâneos, Mahan influenciou
fortemente os EUA no que tange ao desenvolvimento de seu poderio marítimo
(BENTES, 2005). Tal desenvolvimento naval foi rivalizado pela URSS durante a
Guerra Fria, levando os contendores à manutenção de frotas gigantescas,
fortalecendo ainda mais as ideias de Mahan, refletindo, consequentemente nas
estratégias navais russas do Século XXI.
Mesmo na história mais recente, o controle sobre os mares e regiões
estratégicas em terra que dominam a navegação podem ser observadas em
diversos conflitos que envolvem a Rússia. A própria Guerra da Síria é um exemplo,
visto que a manutenção do governo de Bashar Al-Assad permite o posicionamento
de belonaves Russas no porto de Tartus, no mediterrâneo, mitigando a importância
do controle da Aliança Atlântica nos estreitos turcos de Bósforo e Dardanelos,
caracterizando a teoria do poder naval.
Contrastando com a importância dos mares para o domínio geopolítico do
mundo, o inglês Halford Mackinder, apresentou a Teoria do Poder Terrestre. O autor
foi professor de geografia em Oxford e autor da obra "O Pivô Geográfico da História”
(1904), contrapondo as ideias de Mahan lançadas pouco mais de uma década
antes. Em seu trabalho, foi lançada o conceito de Heartland, que preconizava que o
domínio geopolítico se daria pelo controle do que chamou de “ilha do mundo”,
composta por uma imensa área com riquezas naturais inacessíveis ao poder naval
britânico ao longo do Século XX, a Eurásia (heartland), pondo fim às eras das
navegações.
Em sua obra, fica claro que Mackinder era um devoto do imperialismo político,
admitindo que as fronteiras eram mutáveis e redesenhadas por conta desse
imperialismo (KEARNS, 2004). Neste contexto, afirma que a Rússia ocupa
privilegiada posição estratégica, por dominar a grande massa de terra entre a
! 21
Europa e Ásia (FETTWEIS, 2003), e conclui que os Estados do oeste europeu
deveriam temer uma aliança entre Rússia, Alemanha e China, o que, de certa forma
se concretizou até o fim do pacto Ribbentrop-Molotov com a invasão alemã à URSS
na Segunda Guerra Mundial (MIYAMOTO, 2014).
Para Mackinder, a Rússia era a área-pivô e estaria cercada pelo chamado
Inner Crescent, que seria uma barreira física que marcaria a primeira linha de
defesa. Nesse sentido, na história recente, verifica-se diversas ações russas e da
aliança do Atlântico nessas fronteiras, incluindo a região do Cáucaso, Crimeia,
países bálticos, Polônia, dentre outros, caracterizando o deslocamento para leste da
região de conflito da Guerra Fria (DEL CID, 2017). Essa aproximação da área de
influência do ocidente em direção à Moscou sugere ter induzido o reforço das ações
do Kremlin ao longo desse crescente marginal descrito por Mackinder.
FIGURA 2 – A TEORIA DO PODER TERRESTRE - HEARTLAND E INNER CRESCENT Fonte: Capital and conflict (2018) 2
Ainda no contexto das duas Guerras Mundiais, foi apresentada a teoria do
poder aéreo, tendo sido desenvolvida por três pensadores distintos. O primeiro foi o
General Italiano Giulio Douhet, seguido pelo Gen americano Willian Mitchell e por
último o engenheiro aeronáutico russo, naturalizado americano, Alexander Seversky.
Disponível em: https://www.capitalandconflict.com/geopolitics/ , acesso em 14 de março de 2018.2
! 22
O Italiano Douhet, ainda em 1921, após participar da Primeira Guerra
Mundial, em sua obra “O domínio do ar”, teve o primeiro entendimento do uso da
terceira dimensão no campo de batalha, capaz de subjugar tanto as forças terrestres
quanto as navais, relegando-as para o segundo plano. Em sua obra, já citava a
supremacia aérea, os bombardeios estratégicos capazes de minar a vontade de
lutar do inimigo, bem como a criação de uma terceira força armada independente
(MAFRA, 2006).
O General Mitchell, veterano da guerra Hispano-americana e da primeira
Guerra Mundial, é conhecido como o pai da aviação americana. Após sua promoção
à General de Brigada, continuou na busca pela criação de uma Força Aérea
independente, tendo profetizado o ataque Japonês à Pearl Harbor ainda em 1926 e
construído um cenário prospectivo que seria comprovado por ocasião da Segunda
Guerra Mundial (AMORIM, 2017).
Por último, Alexander Seversky, russo de origem nobre, combateu na Primeira
Guerra Mundial, tendo se naturalizado americano, em 1918, após a revolução
Bolchevique na União Soviética. Em sua obra “A vitória pela Força Aérea”, de 1942,
o autor descreve que “a guerra aérea transoceânica, inter-hemisférica é não
somente possível, mas inevitável”, projetando um mapa que desenvolvia a ideia de
duas áreas de influência, uma americana e outra soviética, com centro em seus
corações industriais (BONFIM, 2005).
O poder aéreo exerceu grande influência nas relações geopolíticas durante a
Guerra Fria. Mesmo após esse conflito, a capacidade de bombardear alvos
estratégicos ainda é uma ferramenta indispensável. Atualmente, com o
aprimoramento dos mísseis intercontinentais, e futuramente com o uso militar do
espaço, essa capacidade permanecerá a ser fundamental, acrescida de novas
tecnologias, mas mantendo os aspectos básicos da teoria.
Outra teoria com impacto nos destinos da Rússia é a das Pan-Regiões, de
Karl Haushofer. O General Haushofer foi um dos principais geopolíticos da
Alemanha Hitlerista. Seu trabalho foi fortemente influenciado por Ratzel, Kjéllen e
Mahan, se caracterizando praticamente em uma combinação dessas teses
(MATTOS, 2002).
Dentro dessa ideia, formulou sua teoria, onde postulava que uma nova ordem
mundial terminaria com os conflitos entre potências marítimas e terrestres devendo
! 23
dividir o mundo em Pan-regiões autossuficientes. Tais regiões seriam formadas por
Estados periféricos fornecedores de matéria-prima e por um Estado-guia, líder de
cada Pan-região e usurpador dos territórios de seus vizinhos mais fracos
(WEIGERT, 1942).
FIGURA 3 – A TEORIA DAS PAN-REGIÕES Fonte: Capital and conflict (2018) 3
Em seu estudo, dividiu o mundo em: Pan- América, cujo Estado-guia seria os
EUA, englobando todo o continente americano; Euráfrica, cujo Estado-guia seria a
Alemanha, entretanto com a liderança exercida em cooperação com a Grã-bretanha;
Pan-Rússia, liderada pela União Soviética; e Pan-ásia, cujo Estado-guia seria o
Japão (BONFIM, 2005).
Dentre as críticas ao seu trabalho, figura a não previsão da ascensão
chinesa, relegando-a apenas ao status de Estado passivo.
Haushofer ainda previu a manutenção de Estados fronteiriços ao espaço vital,
apenas com mera aparência de soberania, servindo como um cinturão amortecedor
entre as regiões, fato que se verificou tanto na Segunda Guerra Mundial quanto no
Disponível em: https://www.capitalandconflict.com/geopolitics/ , acesso em 15 de março de 2018. 3
! 24
período da Guerra Fria, com a criação dos países da Cortina de Ferro da URSS
(ALBUQUERQUE, 2014).
Alem do impacto no Século XX, a teoria ainda exerce forte influência sobre a
corrente do neo-eurasianismo, uma vez que este prega a criação de eixos entre
Moscou e regiões capitais de interesse russo, congregando-as em uma espécie de
pan-região sobre influência do Kremlin.
Outra teoria que merece destaque é a Teoria do Desafio-Resposta, de Arnold
J. Toynbee. O historiador e sociólogo inglês Arnold Toynbee postulou em sua obra
“Um Estudo da história” (1961) que os Estados que receberam, aceitaram e
venceram os desafios impostos à sua sociedade, mesmo sob dificuldades, se
afirmam e se desenvolvem, a ponto de alguns terem ascendido à liderança mundial.
Por outro lado, as nações que não venceram seus desafios, ou que não mais
os tiveram, tendem a entrar em decadência a ponto de perder sua condição de
liderança ou até mesmo desaparecem. Para corroborar com seu pensamento,
lançava mão da frase de Heródoto (424 a.C.): “terras férteis, homens indolentes;
terras ásperas, homens duros” (MAFRA, 2006).
Segundo Toynbee (1961), o embasamento dessa teoria está calcado no fato
do estímulo humano aumentar na mesma proporção que as dificuldades se
apresentam, resultando na construção de sociedades mais fortes e desenvolvidas.
Tal estímulo pode se dar pelo ambiente físico ou humano.
Sua teoria ainda afirma a responsabilidade das elites na superação de tais
desafios, tendo o restante da sociedade como mera massa não criadora.
De fato, em uma rápida análise, percebe-se que todas as grandes potências
tiveram sua história recheadas por situações de desafio. EUA, Alemanha e China,
dentre outros, demonstraram a capacidade de superar conflitos, evitando o declínio
de suas sociedades (AMORIM, 2017). A história da Rússia, particularmente, é
extremamente rica em fatos que corroboram com a teoria, indo desde o
relacionamento de seu povo com o clima extremo nos primórdios da civilização até
as respostas do Kremlin aos desafios impostos pelo ostracismo que mergulhou com
o fim da URSS.
Seguindo uma linha semelhante à Teoria do Poder Terrestre, Nicholas
Spykman lançou a Teoria das Fímbrias. Professor holandês naturalizado americano,
Spykman compartilhava parte das teorias de Mahan e Mackinder, foi um dos
! 25
influenciadores da estratégia da contenção de Kennan (1947), base para a
estratégia americana em oposição à URSS após a Segunda Guerra Mundial.
Em sua teoria, a única forma de conter quem dominasse o Heartland seria
ocupando as Fímbrias (ou margens) da Eurásia, que também chamou de Rimland.
Essa idéia indicava um verdadeiro cercamento estratégico do “coração da terra”,
negando ao seu possuidor a expansão do heartland. (BONFIM, 2005)
Assim, o pivô geográfico seria o rimland e não o heartland. “Quem controla o
Rimland, dominará a Eurásia. Quem dominar a Eurásia, controlará o
mundo.” (SPYKMAN, 1942). Os embates sobre o controle do Rimland ficaram
evidentes no período da Guerra Fria. A bipolaridade já havia sido prevista por
Spykman, ao afirmar que tanto EUA quanto a URSS tinham ambições grandiosas na
arena da geopolítica, resultando em embates pela influência nas regiões das
Fímbrias, como por exemplo o Vietnã e Coréia.
Atualmente, verifica-se a ampla utilização da estratégia da contenção por
parte da OTAN, materializado pelo avanço dos domínios da organização nos países
do antigo bloco comunista, gerando reação por parte do Kremlin, principalmente
desde o inicio do Século XXI, consolidando suas consequências em conflitos como
da Geórgia e da Crimeia, por exemplo. (ALBUQUERQUE, 2014)
FIGURA 4 – A TEORIA DAS FÍMBRIAS Fonte: Capital and conflict (2018) 4
Disponível em: https://www.capitalandconflict.com/geopolitics/ , acesso em 15 de março de 2018.4
! 26
Outro fato recorrente na história russa, principalmente no período da Guerra
Fria, foi a corrida armamentista. Essa característica do conflito pode ser explica pela
Teoria do Poder Perceptível, do Coronel norte americano e professor Ray Cline
(1975). Cline criou uma fórmula para mensurar o poder de cada Estado, levando em
consideração fatores que influenciariam na capacidade de se fazer guerra e impor
sua vontade, permitindo, dessa forma, atingir a liderança do mundo.
Em seu trabalho, Cline considera que o Poder perceptível é influenciado pela
massa crítica (C), a capacidade econômica (E), a capacidade militar (M), o objetivo
estratégico (S) e a vontade de executar a estratégia militar (W), sendo S e W os
únicos valores subjetivos, conforme a fórmula abaixo (BOMFIM, 2005):
PP = (C+ E + M) x ( S + W)
Dentre as críticas ao seu estudo estão alguns dos critérios adotados, o grau
de complexidade em sua aplicação, a supervalorização do Brasil e a
desconsideração de Israel, tornando uma teoria de pouco credibilidade no meio
geopolítico (AMORIM, 2017), entretanto, apresentou uma forma matemática para
mensurar a capacidade de cada Estado, o que explica os altos investimentos em
suas Forças Armadas.
A seguir, serão referenciadas as teorias contemporâneas que sugerem ter tido influência nas ações do Kremlin a serem analisadas no decorrer do trabalho.
2.1.3 Geopolítica Contemporânea
Após o fim da Guerra Fria, o mundo passou por um momento de reajuste das
relações geopolíticas, onde cada ator buscou se posicionar frente à incerteza do que
seria essa nova ordem mundial. Nesse contexto, surgem as teorias
contemporâneas, que são as desenvolvidas no período após a dissolução da URSS
até os dias atuais.
A primeira Teoria contemporânea relevante pode ser considerada a Teoria dos
Blocos, de Jacques Brochard. Especialista em estratégia econômica e empresarial,
Jacques Brochard apresentou sua Teoria na obra “A miragem do Futuro” (1991),
também conhecida como teoria das casas monetárias ou teoria das casas comuns,
que dividiu o mundo em quatro blocos, sendo esses liderados pelos países do G7
(BONFIM, 2005).
! 27
Cada bloco englobaria países desenvolvidos do hemisfério norte e
subdesenvolvidos do sul, vigorando a moeda dos estados líderes. Quanto aos
países do sul, seriam responsáveis pelo fornecimento de matérias primas para os
países industrializados, caracterizando um neocolonialismo econômico (MAFRA,
2006).
Quanto ao aspecto de segurança e defesa, Brochard afirma que os países do
interior do bloco serão pacificados, enquanto os fronteiriços estarão em conflito,
cabendo a segurança do bloco ser garantida pelo Estado líder, resultando em total
submissão militar (AMORIM, 2017).
Ainda segundo Brochard, o mundo seria dividido em 4 blocos (Casas Comuns
ou Zonas Monetárias). Essas zonas de influência política e militar seriam: Federação
das Américas (EUA – Dólar), Confederação Euroafricana (União Européia – Euro),
Liga Asiática (Japão - Iene) e União das Repúblicas Soberanas (Rússia - Rublo).
A teoria em questão sofre críticas por ser muito semelhante à teoria das pan-
regiões de Haushofer, acrescentando apenas um enfoque econômico, bem como
não considera a ascensão da China como uma possível liderança, assim como a
relevância do mundo islâmico (MAFRA, 2006), entretanto, no que tange à Rússia, a
teoria pode ser comprovada com a tentativa de criação da Comunidade dos Estados
Independentes (CEI) imediatamente após a dissolução da URSS.
Outra teoria contemporânea de interesse é a Teoria da Incerteza, de Pierre
Lellouche. O autor, nascido na Tunísia quando ainda era colônia francesa, escreveu
a obra "O Novo Mundo: da Ordem de Yalta à Desordem das Nações" (1992). A
Teoria da Incerteza (ou turbulência) apresentada no livro postula que haveria uma
desordem mundial que duraria 30 anos (até 2025), não havendo a nova ordem
mundial no sentido norte-sul como apontada por outros autores (BOMFIM, 2005).
O mundo seria mergulhado em instabilidades gerando uma verdadeira
“desordem mundial” fruto da pobreza, diversidade cultural, ameaça nuclear, dentre
outros. As regiões mais instáveis seriam as ex-repúblicas soviéticas, hoje parte da
Federação Russa, por possíveis revoluções; a África, devido à explosão
demográfica; regiões islâmicas, pela ameaça nuclear; o Japão, por conta de um
rearmamento e China pela abertura da economia, evidenciando a impossibilidade
dos EUA estabelecerem o domínio dessa nova ordem (MAFRA, 2006).
! 28
De interesse para esse trabalho, sua teoria já pode ser comprovada pela
insurgência na Chechênia em meados da década de 1990, resultando em uma ação
enérgica de Moscou, servindo também como instrumento dissuasório contra
iniciativas semelhantes.
Além disso, a turbulência causada pela derrocada do comunismo na URSS
provocou a perda do controle exercido pela URSS sobre os demais governos com
regime semelhantes, dissipando esse poder. O fim dessa esfera de influência
acabou por interferir nos destinos de países como a Coréia do Norte, por exemplo,
tendo como consequência o avanço do desenvolvimento de tecnologia nuclear
daquele país, gerando impactos geopolíticos profundos.
Por fim, cabe a revisão da Teoria do Choque das Civilizações, de Samuel P.
Huntington. O professor de Harvard Samuel Huntington, em sua obra "O Choque de
Civilizações" (1998) postulou que o fim da Guerra Fria encerrava o período de
guerras entre Reis, como as ocorridas até a Revolução Francesa, Estados, como até
a Primeira Guerra Mundial, ou ideologias, como aconteceu até a Guerra Fria,
inaugurando um período de conflitos entre civilizações.
Huntington dividiu o mundo em nove civilizações, possuidoras de identidades
culturais comuns, como língua, costumes e religião principalmente, havendo um
estado-núcleo. Na falta deste, a tendência de haver conflitos internos seria maior
(BOMFIM, 2006).
Sendo assim, as civilizações elencadas foram: Ocidental (Europa Ocidental,
EUA, Canadá Austrália e Nova Zelândia); Islâmica (países muçulmanos do norte e
da costa leste da África e da Ásia); Chinesa ou Confuciana (China e parte do
Sudeste da Ásia); Budista (Mongólia, Nepal Tailândia, Camboja, Myanmar
(Birmânia), Laos, Malásia e Bangaladesh); Latino-americana (América do Sul,
Central e México); Ortodoxa (Rússia e Balcãs); Hindu (Índia, Sri Lanka, Mianmar,
Nepal, Butão e Tailândia); Africana (países da África subsaariana) e Japonesa
(Japão).
O autor cita ainda que para a manutenção de uma harmonia, evitando assim
conflitos mundiais, o Estado-Central de uma civilização não deveria interferir em
conflitos internos de outra. Como podemos perceber dos embates pós-Guerra Fria, a
civilização Ortodoxa tem de fato combatido as intervenções ocidentais no leste
Europeu, configurando o cenário proposto por Huntington.
! 29
Com essa teoria, encerram-se as revisões das teorias geopolíticas clássicas e
contemporâneas. A seguir, será apresentada uma revisão das expressões do poder
nacional que serão utilizadas na análise das ações do Governo Putin no decorrer do
trabalho.
2.1.4 As expressões do Poder Nacional
Segundo o Glossário das Forças Armadas (2015), o Poder Nacional significa
"a capacidade que tem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais”.
Para o melhor entendimento dessa capacidade, o Poder Nacional é subdividido em
cinco expressões: a política, a econômica, a psicossocial, a militar e a científico-
tecnológica. Além desse aspecto, segundo a ESG (2014), o Poder Nacional ainda
pode ser dividido em fundamentos, quais sejam: homem, terra e instituições, os
quais irão se manifestar de forma diferente em cada expressão.
Embora possa haver essa divisão entre expressões do Poder Nacional, a
análise de cada uma delas separadamente deve levar em consideração o caráter
transversal e o correlacionamento entre as expressões. Podemos facilmente
observar que decisões ligadas à expressão política, por exemplo, terão reflexo nas
demais expressões, da mesma forma como as características psicossociais de um
povo influenciam as decisões políticas.
O estudo das expressões do Poder Nacional em um determinado caso pode
fornecer um panorama mais adequado da viabilidade na consecução de objetivos de
Estado, apontando os óbices e facilitando a definição das estratégias empregadas.
Da mesma forma, uma análise histórica pode se embasar nas expressões do poder
para elucidar o caminho que foi seguido entre os marcos temporais do estudo.
De interesse desse trabalho, cabe uma revisão das expressões política,
econômica e militar, visto que a análise das ações de Putin serão observadas com
esse enfoque, podendo haver, como já explicado, traços das expressões
psicossocial e científico-tecnológica.
Ainda segundo a ESG (2014), por se entender que o poder nacional é a
capacidade que a nação tem em atingir os objetivos nacionais, a expressão política
acaba por ter certa precedência em relação às demais, visto que é a política a
responsável por traçar tais objetivos.
! 30
Nesse contexto, Celles (2016) destrinchou o que seriam os fundamentos do
Poder Nacional aplicados às suas expressões. A Expressão Política, por exemplo,
encontra seus fundamentos no povo, representado pelo cidadão comum, capaz de
legitimar as ações do Estado; no território, que consiste numa base geográfica física
onde o Estado possui autoridade legítima para prover a segurança e exercer a
soberania; e nas instituições políticas, responsáveis pela representação dos
interesses do povo e execução de políticas públicas.
Em relação à expressão econômica, os fundamentos estão embasados
quanto aos recursos humanos, que exprimem a mão de obra em termos qualitativos
e quantitativos, bem como o tamanho do mercado consumidor; os recursos naturais,
representado pela existência de oportunidades oferecidas pela natureza, também
qualitativamente e quantitativamente, bem como a capacidade tecnológica para uso
dos mesmos; e nas instituições econômicas, que são os elementos materiais e não-
materiais que possuam conotação econômica.
Por fim, a expressão militar pode ser embasada pelos fundamentos dos
recursos humanos, caracterizada pela quantidade, qualidade e capacidade de
mobilização dos efetivos das Forças Armadas; pelo território, caracterizado pela
região geográfica e seu espaço aéreo sobrejacente onde um Estado exerce o
controle; e pelas instituições militares, representada pelas organizações militares,
suas composições, valores, costumes, prontidão, dentre outros.
Dessa forma, encerra-se a revisão dos aspectos teóricos fundamentais para o
entendimento do presente trabalho. A seguir, será exposta a metodologia
empregada.
! 31
2.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA
A pesquisa proposta neste trabalho buscará, por meio do uso de diversas
fontes, analisar o problema de pesquisa e atingir o objetivo de estudo proposto e dar
subsídios para uma conclusão acerca das principais medidas adotadas pelo governo
russo do período pós-soviético. Para tal, a metodologia será realizada utilizando a
taxonomia definida por Vergara (2009).
2.2.1 Delimitação da Pesquisa
Devido à complexidade do assunto, faz-se necessária a delimitação temporal
e setorial referente aos acontecimentos da história russa. O enfoque será dado às
ações tomadas sob a liderança de Vladimir Putin, seja como Primeiro Ministro ou
Presidente, que tiveram influência direta no redesenho do tabuleiro das influências
geopolíticas mundiais.
No tocante à delimitação temporal, o estudo estará focado nas ações do
Kremlin após a ascensão de Putin ao poder em 1999 até sua reeleição em 2018.
Esse corte temporal foi escolhido fruto da mudança da postura russa nas relações
internacionais, contrariando a hegemonia e unipolaridade americana que se
desenhou com o fim da União Soviética, promovendo um reajuste das forças
geopolíticas no mundo.
Ainda dentro da delimitação temporal, faz-se necessário um sobrevôo sobre o
desenvolvimento das características da Cultura Estratégica Russa, visto que tal
conhecimento servirá de base para a identificação ou não de alterações na postura
das relações internacionais.
Quanto à delimitação setorial, o trabalho irá focar na postura de Putin
principalmente quanto às expressões militar, política e econômica do Poder
Nacional. A análise ainda pode conter traços das expressões psicossocial e científico
e tecnológica, que, embora não sejam abordadas diretamente, possuem uma
relação transversal com as expressões observadas. Será, ainda, abordado o
enfoque geopolítico utilizando-se dos pressupostos dos teóricos consagrados
clássicos e contemporâneos, bem como a corrente do neo-eurasianismo, esta
última, aparentemente, sugere ter influência direta sobre tais ações.
! 32
Por fim, será concluído sobre a relação da cultura estratégica russa com as
ações de Putin, a fim de verificar possíveis alinhamentos ou discrepâncias.
2.2.2 Concepção Metodológica
A pesquisa será do tipo histórica, teórica, bibliográfica e qualitativa, tendo em
vista a complexidade dos problemas tratados pelas ciências humanas e sociais.
Assim, após análise de material bibliográfico e documental, utilizando fontes
baseadas em jornais, artigos, coleta de dados na internet, será traçado um paralelo
entre os conceitos das teorias geopolíticas e a influência da política externa russa no
seu posicionamento dentro da multipolaridade.
O caráter histórico do trabalho se faz necessário fruto dos reflexos que os
fatos relevantes do passado produzem no presente. A queda da URSS é o marco
fundamental desse período, considerando a geopolítica e as relações internacionais,
assim, esclarecimentos sobre esse período são imprescindíveis.
Por fim, após a reunião da bibliografia necessária, será feita uma análise com
foco nas respostas aos questionamentos levantados nesse trabalho.
2.2.3 Limitações do Método
A despeito da profunda análise bibliográfica a ser realizada no decorrer desse
trabalho, obviamente o assunto não será esgotado, fruto de sua complexidade e da
dinâmica da geopolítica mundial, cuja característica é a constante mudança.
Por ser uma pesquisa bibliográfica restrita à documentos ostensivos, artigos e
trabalhos acadêmicos sobre o tema, o trabalho não poderá ser aprofundado a ponto
de incluir documentos de classificação restrita produzidos pelos órgãos nacionais
afeitos à inteligência estratégica.
Por fim, existe a restrição do idioma. Os documentos a serem pesquisados
estão restritos aos idiomas português, inglês e espanhol, não permitindo acesso ao
conhecimento produzido no idioma russo que não tenham sido traduzido, o que
diminuirá o entendimento da visão russa de sua própria geopolítica/estratégia.
Assim, o presente trabalho poderá ter uma tendência à apreciação mais profunda da
visão ocidental dessas ações do governo russo, sem o devido contraponto oferecido
pela literatura restrita ao idioma russo.
! 33
A seguir, será feito o estudo acerca do conceito de cultura estratégica, que
virá a permitir uma melhor compreensão dos pormenores históricos e culturais que
envolvem o processo decisório russo. Tais referências servirão de base para o
entendimento das ações russas após a ascensão de Putin, objeto dessa pesquisa,
permitindo melhor entendimento do jogo geopolítico atual e o reposicionamento do
papel de cada Estado no período pós-Guerra Fria.
! 34
3 O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA ESTRATÉGICA RUSSA
Como já explanado anteriormente, a cultura estratégica de uma nação se dá
por elementos históricos, culturais e geopolíticos que tiveram relação direta na
construção de um padrão de comportamento nas relações internacionais adotados
ao longo da história.
As ações contemporâneas do Kremlin sugerem que pode haver forte
influência dessa cultura estratégica, visto que, em muitos casos, o surpreendente
resgate da postura mais ousada do governo se deu contrariando todos os
prognósticos de unipolaridade que se desenhava no mundo pós queda da URSS, o
que justifica a presente análise (FERREIRA, 2016).
Para o entendimento dessa cultura estratégica, cabe o estudo sobre esses
elementos que tornam a Rússia um país tão peculiar, sendo considerado uma das
mais marciais e militarizadas da história (ERMARTH, 2006). Inicialmente, faz-se
necessário reconhecer na geografia do país os aspectos fundamentais que
influenciam essa cultura.
FIGURA 5 – ASPECTOS GEOGRÁFICOS DA RÚSSIA Fonte: Saber atual (2018) 5
Disponível em: http://saberatual.net/?busca=europa&p=3 , acesso em 15 de maio de 2018.5
! 35
A região da capital Moscou fica localizada em uma área relativamente
protegida. Situada em uma extensa planície européia, a região é repleta de zonas
férteis que sempre despertaram a cobiça de invasores estrangeiros (RAMOS, 2017).
À Leste, a primeira defesa natural da região Moscovita são os Montes Urais; e
à Sul, na fronteira com a Geórgia, as montanhas do Cáucaso, entretanto, todas
essas alturas não foram capazes de garantir a integridade russa durante a invasão
dos mongóis no Século XIII, nos primórdios de sua civilização, quando ainda era
denominada Rússia de Kiev.
O jugo mongol representou um paradoxo na história russa. Apesar do
domínio, foi essa passagem histórica que fez surgir a região de Moscou como
principal polo regional, separando-o das terras férteis da atual Ucrânia, forçando o
fomento de rotas comerciais vindas do oriente e o desenvolvimento militar, o que
resultou na expulsão dos mongóis e, consequentemente, na formação de um
império multiétnico na região da planície russa (ERMARTH, 2006).
À oeste, a referida planície se estende por grande parte do norte da Europa,
englobando porções de outros Estados, incluindo os Países Bálticos, Polônia e
Norte da Alemanha, o que também não impediu o avanço das forças napoleônicas e
nazistas nos Séculos XIX e XX, respectivamente (KAPLAN, 2013).
Toda essa histórica convergência de forças inimigas na direção do coração de
sua civilização, por si só, já explica essa sentimento de autopreservação arraigado
na cultura russa, entretanto, como consequência dessa necessidade de manutenção
de segurança, imediatamente após a expulsão dos mongóis, a estratégia adotada
sempre foi de buscar a expansão das fronteiras em direção à sua periferia hostil,
rejeitando posturas meramente defensivas, garantindo, assim, a sobrevivência do
Estado e fomentando sua cultura bélica (ERMARTH, 2006).
Essa expansão e a busca pela profundidade territorial garantiram sua
soberania ao custo do desenvolvimento de uma cultura sob a condição de guerra
constante, ou seja, as gerações, uma após a outra, se viram na necessidade de
buscar tal expansão para preservar a nação, buscando a todo custo a manutenção
das vitórias conseguidas no processo de expansão imperialista em direção às
nações do seu entorno estratégico, expansão esta que permitiu o controle de quase
toda porção européia da atual Rússia já na metade do Século XVI e um rápido
! 36
avanço para Leste durante os cem anos subsequentes, atingindo conformação
semelhante à sua geografia atual (MAZAT, 2013).
FIGURA 6 – EXPANSÃO TERRITORIAL RUSSA ENTRE 1555 E 1655. Fonte: Geacron (2018) 6
Da comparação dos domínios russos no intervalo entre os anos de 1555 e
1655, conclui-se que o poderio militar recebeu papel de protagonista na sociedade
desde os primórdios do império para permitir tal expansão, mais uma vez reforçando
a ideia da militarização de sua cultura estratégica, garantindo, assim, o acesso à
Disponível em: http://geacron.com/home-en/ , acesso em 15 de maio de 2018.6
! 37
“mares quentes” e abertos (Báltico, Mediterrâneo e Mar do Japão) assim como uma
vasta extensão de terras cultiváveis (MAZAT, 2013).
Cabe ressaltar, ainda, que uma das contribuições dessa súbita ampliação
territorial foi a posse de uma extensa variedade de recursos energéticos, como o gás
fornecido para a Europa, por exemplo, o que permite uma vantagem geopolítica
fundamental contra o ocidente, servindo de meio de pressão constante
principalmente na história contemporânea. O fechamento dos dutos de gás que
seguem para a Ucrânia, não foram fruto de uma mera disputa comercial, mas
representam uma ação geopolítica claramente ameaçadora contra sua aproximação
com o ocidente, amedrontando também os demais mercados consumidores como a
Alemanha, fato que será explorado mais a frente.
Kaplan (2013) em seu livro “A vingança da Geografia” deixa bem claro as
influencias dos aspectos geográficos no desenvolvimento histórico de cada nação,
reforçando, no caso da Rússia, a importância do que Mackinder chamou de
Heartland, o qual definira a Eurásia como o centro de poder mundial e pivô da
história, ou seja, o coração do mundo. Kaplan afirma que, desde os primórdios,
sempre houve a necessidade da defesa dessa gigantesca área pertencente ao povo
russo.
Dentro desse contexto de preservação do Heartland e do estudo da história
das campanhas militares russas desde o nascimento do império até a Segunda
Guerra Mundial, verifica-se que não havia preocupação com o preço a ser pago pela
soberania territorial, conforme exemplificado por Ermarth, 2006:
“A estratégia russa, o generalato e a arte operacional dependiam fortemente das massas de mão de obra militar durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. As armas da era industrial eram consideradas "multiplicadores de massa", não um meio de lutar melhor com menores efetivos. A capacidade de confiar na mão de obra aparentemente ilimitada encorajou uma relativa indiferença às baixas, vividamente exibida em ambas as Guerras Mundiais. Também encorajou relativa indiferença às condições de vida da maioria das tropas. A exploração dessa habilidade exigia não apenas forças permanentes muito grandes, mas também a manutenção de uma base de mobilização enorme, recrutada, apenas rudimentarmente treinada, e uma enorme base industrial militar para armar sua capacidade.” (ERMARTH, 2006)
O amplo emprego de uma gigantesca Força Armada e a resiliência de sua
população frente à pesadas perdas humanas verifica-se nos dados da Segunda
Guerra Mundial, em que sua população sofreu retração de cerca de 15%, incluindo
os mortos civis e militares. Mais da metade de todos os militares mortos na guerra
! 38
serviam às tropas soviéticas, perfazendo números entre oito e dez milhões de
soldados.
Ainda nessa vertente, Kaplan (2013), cita que o perfil populacional russo pode
ser definido como sendo de pessoas acostumadas com a severidade do terreno e do
clima, o que contribuiu para moldar seu espírito de luta, tratando-os como robustos e
resistentes. Essa assertiva é exemplificada por inúmeras passagens, como as ações
de Ivan, o Terrível, durante o Século XVI, objetivando conquistas para garantir o
acesso a territórios estratégicos, como os mares quentes e terras cultiváveis.
Esse alto custo pago pela população russa para a manutenção de suas
fronteiras também marca sua cultura estratégica, refletindo, além de aspectos como
patriotismo e resiliência, um forte controle governamental sobre sua população, uma
vez que os sacrifícios apresentados talvez tivessem levado à queda qualquer
governo democrático.
Seu componente militar também tem sido fundamental para construção de
sua cultura estratégica, sendo visto nas ações recentes do Kremlin como uma
ferramenta garantidora dos objetivos políticos e diplomáticos, como no caso da
Crimeia, caracterizando uma certa hierarquia entre essas expressões do poder
nacional (COVINGTON, 2016).
Um aspecto interessante que de certa forma reflete a subordinação do poder
militar ao político na história russa é de que não existiu nenhum movimento
relevante de tomada do poder por parte dos militares, à despeito do pulso firme dos
governos, inclusive no tratamento dado à estes (ERMARTH, 2006).
O pulso firme que caracteriza a ação política na Rússia explica o porquê de
grande parte dos conflitos políticos internos serem resolvidos pela luta e intriga,
ocasionalmente pela força, mas nunca por vias democráticas como as negociações
e julgamentos legais. Essa prática também reflete o fato de que os atores que
envolvem a política, como partidos e mídia, constantemente não são considerados
como instituições que visam o fortalecimento democrático, mas sim instrumentos de
manipulação a favor da autoridade central, fato este comprovado pelas inúmeras
acusações de fraude nas eleições de 2018 que mantiveram Putin no poder com
cerca de 76% dos votos.
Essa cultura política interna, reflete também nas ações de sua diplomacia,
que sempre tende a ver outros Estados como inimigos ou inocentes úteis,
! 39
alcançando, no máximo, o status de aliado transitório, o que explica a recente
agressividade russa no período Putin, fato que ficou imortalizado nas palavras do
Czar Alexandre I, que afirmou que a Rússia tinha apenas dois aliados: seu Exército
e sua Marinha (ROMANA, 2016).
Ainda no período imperial, a ideia de que Moscou era herdeira da tradição
religiosa e dominadora de Roma não só legitimou a expansão do Estado, como
também ajudou a criar um sentimento de nacionalismo exacerbado,
consubstanciado em um senso de superioridade, que veio a ecoar através do Século
XX, servindo de combustível para a expansão comunista principalmente após a
Segunda Guerra Mundial (ROMANA, 2016).
Embora as lideranças comunistas acreditassem na eficácia de uma estratégia
militar de Ação Direta, calcada em uma base industrial forte, tamanho de forças,
ideologia e moral, a cultura estratégica da expansão dos domínios russos pós
Segunda Guerra Mundial passou a considerar o advento das armas nucleares. O
paradoxo quanto ao emprego do armamento nuclear pela possibilidade da escalada
do conflito para condições que beiram o apocalipse sugerem que houve uma
adaptação da cultura estratégica quanto à esse tema, alterando a ideia da ação
direta (COVINGTON, 2016).
Esse paradoxo pode ser explicado pelo fato que, embora houvesse no seio
dos planejadores geopolíticos russos as diversas doutrinas estratégicas que visavam
levar à uma vitória militar em um conflito nuclear ilimitado, contrariando a tradicional
agressividade, os soviéticos reconheceram as implicações desse tipo de guerra e
passaram adotar doutrinas de coexistência pacífica com os demais detentores da
tecnologia. Passam a utilizar o armamento nuclear como meio de evitar que a
superioridade ocidental, nos campo militar, tecnológico e econômico, viessem a
permitir um desequilíbrio de poder, garantindo, assim, a bipolaridade vivida naquele
contexto histórico sem que houvesse enfrentamentos diretos (ERMARTH, 2006).
O status garantido pela envergadura nuclear russa permitiu o fortalecimento
de uma cultura de influência direta e ambiciosa no restante do mundo, buscando o
distanciamento dessas nações da esfera americana, fato que pode ser verificado
nos inúmeros conflitos que visavam a implantação de governos comunistas pelo
mundo, como em Angola, por exemplo. Assim, acreditava-se que a manutenção
! 40
dessa paz nuclear, de certa forma, imobilizaria as ações militares ocidentais,
permitindo a expansão soviética.
Os elevados gastos da URSS na manutenção dessa robustez militar, apesar
de ser a ferramenta que mantinha os soviéticos como protagonistas na geopolítica
mundial, foi, talvez, o maior motivo de sua decadência. As estimativas levam crer
que os gastos militares nos anos 1970 chegavam a ser entre 15% e 20% do PIB,
caracterizando uma condição insustentável (MAZAT, 2013).
A estabilização do emprego de recursos financeiros com as forças militares
criou um hiato do poderio militar, fruto da superioridade tecnológica ocidental, o que
tornou a manutenção do sistema comunista impraticável quanto ao aspecto militar e
causou sérias e irreversíveis consequências econômicas para os soviéticos,
culminando com o fim do regime comunista no Leste europeu. Assim, verifica-se que
o último quarto do Século XX foi desastroso para a cultura estratégica do
desenvolvimento bélico, prejudicando a idéia de que os russos sempre foram
dotados de Forças Armadas bem sucedidas e merecedoras de respeito. Cabe
ressaltar que essa diferença tecnológica ainda persiste mesmo com os recentes
incentivos do Kremlin, fazendo com que se reforce a ideia da necessidade de se
obter a capacidade de realizar um ataque rápido sem possibilidade de rendição
(COVINGTON, 2016).
Nos anos subsequentes à derrocada do comunismo, verificou-se uma espécie
de hibernação do comportamento cultural estratégico russo consolidado ao longo
dos Séculos. Alguns setores de sua sociedade e a comunidade internacional
passaram a ver a Rússia como um país coadjuvante, não mais capaz de contrapor-
se à dominação americana, fortalecendo a ideia de que os EUA passariam a ser, a
partir daquele momento, uma fonte de ajuda, corroborando com a ideia do
unilateralismo, cenário que veio a perdurar, incontestavelmente, até o início do
Século XXI com a chegada de Putin ao poder (MOROZOVA, 2011).
O orgulho ferido do povo russo, aliado à percepção de que o capitalismo só
havia colocado o país nas mãos de uma elite de oligarcas corruptos, sem o devido
resgate da economia após as crises, fez com que ressurgisse esse sentimento
nacionalista de retomada dos áureos tempos do império, voltando a identificar o
ocidente, particularmente os EUA, como os grande vilão, fortalecendo o
eurasianismo como fonte inspiradora das ações geopolíticas representadas por
! 41
Alexander Dugin, por exemplo, que visa a criação de “eixos" de influência a fim de
contrabalancear a hegemonia americana, caracterizando o multilateralismo
(FERREIRA, 2016).
Do Estudo da história, cultura e geopolítica russa, conclui-se parcialmente
que fica patente a busca incessante pela ampliação de seus domínios territoriais e
áreas de influência, fruto da consolidação de uma cultura estratégica advinda da luta
para contrapor as inúmeras invasões estrangeiras ao longo dos Séculos, que
acabaram por desenvolver no povo russo uma extrema repulsa à possibilidade de
perda de soberania, bem como permitiram a consolidação de um país de dimensões
continentais, repleto de recursos energéticos e situado no pivô geográfico mundial
segundo mackinder, o Heartland eurasiano.
Na expressão política, a história russa demonstrou a importância de um
governo forte e centralizador, a exemplo dos czares e dos soviéticos, capaz de
manter essa integridade territorial de um Estado multiétnico, permitindo o
desenvolvimento de iniciativas agressivas, mesmo com o prejuízo das liberdades
sociais e da democracia (RATO, 2008).
Na expressão militar, verifica-se a obstinação na construção e
desenvolvimento de Forças Armadas fortes, capazes de permitir a integridade
territorial já explanada. Suas características permitem afirmar que a Rússia é um
pais de cultura bélica, disposta a realizar pesados aportes econômicos e de recursos
humanos no fortalecimento dessa característica.
As características apresentadas acima levaram ao desenvolvimento de uma
corrente de pensamento conhecida como neo-eurasianismo. Encabeçada por
Alexandr Dugin, um cientista político russo, força a ideia da teoria de um mundo
multipolar. Com importante influência no pensamento geopolítico no período pós-
soviético, Dugin é estudado em escolas geopolíticas russas civis e militares. Embora
não seja oficialmente um membro do governo, suas ideias encontram bastante
aceitação por Putin e Medvedev, se caracterizando como um mentor oficioso da
geoestratégia do Kremlin no Século XXI (GONÇALVES, 2014).
O neo-eurasianismo pregado por Dugin rejeita a globalização da forma como
vem sendo feita, permitindo a imposição unipolar das ideias estadunidenses, que
utilizam a OTAN para sedimentar essa hegemonia mundial, caracterizando um
imperialismo moderno. Em sua visão, a alternativa à globalização passa pela
! 42
multipolarização do mundo, com a criação de quatro zonas: Anglo-Americana, Euro-
Africana, Rússia-Ásia Central e Pacífico, demonstrando influencia de Haushofer e a
teoria das pan-regiões (MATOS, 2014).
Nesse contexto, para o fortalecimento da Rússia, Dugin sugere a criação de
alianças com zonas adjacentes, como vetores abertos originados em Moscou,
direcionados para os vizinhos próximo, bem como aos Estados europeus, asiáticos e
islâmicos (DUGIN, 2004).
Esses vetores seriam representados pela criação de eixos de relacionamento,
sendo considerados básicos os eixos Moscou-Teerã, Moscou-Nova Deli e Moscou-
Ancara. Como eixos secundários, sugere o Afeganistão e Paquistão, a região do
Cáucaso, Ásia Central, Paris e Berlim. Tais vetores, cada um com seu objetivo
particular, permitiriam deslocar a influência americana na eurásia, se contrapondo ao
mundo unipolar (MOROZOVA, 2009).
Após a chegada ao poder de Putin, verifica-se que o neo-eurasianismo tem
sido amplamente empregado nas ações do Kremlin. fato observado pelas diversas
ações russas visando o fortalecimento do relacionamento com as regiões incluídas
nos eixos citados acima (GONÇALVES, 2014).
A seguir, serão analisadas ações do governo russo após a ascensão de
Vladimir Putin, para posteriormente compará-las com a cultura estratégica já
apresentada, concluindo sobre conformidades ou mudanças de comportamento.
! 43
4 AÇÕES DO GOVERNO RUSSO NA ERA PUTIN
Vladimir Putin assume seu primeiro mandato como primeiro ministro russo no
ano 2000, após um período de decadência em decorrência das políticas adotadas
no final do período comunista que vieram a abalar seriamente as expressões do
poder nacional russo, com destaque para a econômica e militar. Esse esfacelamento
do sistema acabou por empurrar o Kremlin para uma posição marginal no tabuleiro
do geopolítico internacional (FERREIRA, 2016).
A política externa da era Putin, segundo Maele (2017), pode ser dividida em
três períodos: o primeiro, entre os anos 2000 e 2007, caracterizado pela maior
aproximação com o ocidente e ajustes no ambiente interno, teve fim com o histórico
discurso na Conferência de Segurança de Munique em 2007, vindo a dirigir pesadas
críticas ao modelo unipolar que vinha se desenhando após a Guerra Fria; o
segundo, entre o discurso de 2007 até 2013, marcado pelo conflito na Ucrânia,
caracterizado por uma política exterior mais ativa e agressiva; e o terceiro, de 2013
até os dias atuais, que vem consolidando a nova postura estratégica russa.
A análise desse períodos poderá facilitar a indicação da continuidade ou
distanciamento dos padrões estabelecidos pela cultura estratégica ao longo da
história russa. Para isso, serão apresentados aspectos principalmente das
expressões política, econômica e militar, mais afetas às relações internacionais.
4.1 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2000 e 2007
Já nos primeiros momentos de seu mandato, nos anos 2000, Putin lançou
seu conceito de política exterior, que seria orientado a buscar, dentre outros fatores,
a soberania e segurança do país, o desenvolvimento de relações amistosas com
seus vizinhos e o estabelecimento uma ordem mundial calcada na estabilidade,
justiça e democracia, sob as normas do direito internacional.
Tais orientações para a política externa russa, embora ainda sem muita
veemência, já davam indícios dessa busca pela retomada da sua importância na
comunidade internacional e da oposição ao unilateralismo americano, fato que veio
posteriormente ser colocado em prática principalmente após seu discurso de
Munique em 2007.
! 44
Esse caminho para o resgate da relevância russa no cenário mundial,
promovido por Putin, deveria passar por uma profunda reforma econômica e militar
interna que fosse capaz de resgatar as antigas capacidades dos áureos tempos da
Guerra Fria, permitindo, assim, que a Rússia se reinserisse no sistema internacional
com o status de Estado forte (MAZAT, 2013).
Na expressão econômica, a bancarrota do período Yeltsin havia deixado o
país com inflação na casa de quatro dígitos ao ano, com o PIB em queda que,
consequentemente, arrastou a arrecadação do governo para patamares
insustentáveis. Diante dessa grave situação, Putin promoveu reformas estruturais
que reformularam o sistema financeiro, reduziram a inflação por meio do ajuste fiscal
e fortaleceu diversos setores da economia, como indústria, agricultura e serviços
(FREIRE, 2008).
Outra importante medida econômica foi a recuperação do controle estatal de
empresas estratégicas ligadas à energia que haviam sido privatizadas por Yeltsin,
fato constantemente associado à escândalos de corrupção, como o caso da
empresa Yukos, que posteriormente foi fundida com a Rosneft e com a Gazprom,
recuperando assim parte da estatura econômica do país, auxiliado, também, pela
valorização das commodities que ocorreu nos primeiros anos de seu governo (DEL
CID, 2008).
Na expressão militar, as medidas adotadas vieram no viés de
profissionalização de suas Forças Armadas, reduzindo o efetivo e investindo em
equipamento e treinamento, a fim de permitir seu rápido deslocamento devido às
características de força expedicionária, como flexibilidade e prontidão, capazes de
garantir os interesses russos no exterior e sua integridade territorial. Outra medida
se deu pela subordinação das Forças Armadas aos civis, fato consolidado pelo seu
enquadramento dentro do Ministério da Defesa, permitindo assim, o andamento das
reformas de modernização, que num primeiro momento encontrou grande
resistência no alto comando, por sustentar a redução do efetivo, contrariando a
cultura estratégica (MAELE, 2017).
A despeito da redução de efetivos, Putin tem elevado os gastos militares
russos a cada ano, confirmando assim sua intenção de permitir que suas Forças
Armadas sejam vetores de desenvolvimento econômico, proteção da soberania do
! 45
Estado e imposição de respeito na comunidade internacional, capacitando-a a
respaldar as ações diplomáticas do Kremlin (MAZAT 2013).
O desenvolvimento da indústria de defesa também se beneficiou da postura
de Putin, tendo impacto tanto nas expressões econômicas e militares. A política de
investir em inovações tecnológicas fez com que, somente nos primeiros dez anos do
governo, as exportações dobrassem, atingindo a marca de mais de 10 bilhões de
dólares em 2010, continuando seu crescimento para impressionantes 16 bilhões em
2017. Esse fortalecimento impacta diretamente na relevância russa no mundo, uma
vez que oferece uma resistência à hegemonia americana nesse mercado, bem como
permite que os produtos de defesa sejam ferramentas de pressão geopolítica
(MAZAT, 2013).
Seu processo de reestruturação da capacidade militar também alterou as
características de seu arsenal nuclear, que, apesar da significativa redução de 45 mil
ogivas nos anos 1980 para 8 mil atualmente, por conta do programa de acordos com
os EUA, ainda segue sendo seu maior dispositivo dissuasório, uma vez que também
vem passando por um processo de modernização tecnológica das ogivas, mísseis
balísticos, bases de terra e submarinos capazes de realizar seu lançamento contra
alvos intercontinentais, permitindo o bombardeamento estratégico (MAELE, 2017).
Ao longo dos anos de governo Putin, verifica-se especial atenção quanto à
influência americana no seu entorno imediato, fomentando as disputas pelo Rimland,
proposto por Spykman na teoria geopolítica das Fímbrias, contrapondo à estratégia
da contenção empreendida pelos EUA durante a Guerra Fria. Uma ação concreta
que confirma essa luta pela influência nas bordas da Heartland eurasiano foi a
criação e fomento da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que tem,
dentre outros, o objetivo de fomentar a cooperação militar entre seus países
membros, que inclui as potências nucleares China e Índia e já conseguiu a redução
da presença militar americana na Ásia Central, também promovendo a aproximação
com países opositores dos EUA, como o Irã, conferindo um viés claramente anti-
ocidental nas posições adotadas pela organização (ALBUQUERQUE, 2014).
Uma das primeiras ações concretas, tomadas por Putin, com cunho
geopolítico envolvendo uma ação direta contra outro Estado pode ser considerado o
fechamento do fornecimento de gás para a Ucrânia em 2006, o que foi repetido em
2009, sendo ambos os casos avaliados pelo ocidente como forma de pressão
! 46
política. Embora houvesse o pano de fundo da questão econômica, devido aos
preços cobrados da Ucrânia pela estatal russa serem abaixo do preço de mercado,
os EUA e a União Européia acusam a Rússia de ordenar o fechamento dos dutos,
em 2006, como reação à Revolução Laranja na Ucrânia em 2004, que havia sido um
marco da aproximação com a União Européia. Já em 2009, a acusação é de que o
fechamento dos dutos ocorreu para pressionar o resultados das eleições
presidenciais de 2010, que acabou com a vitória do candidato pró-Rússia (MAZAT,
2013).
Durante o primeiro período de divisão proposta para o governo Putin, que vai
até seu discurso em Munique, já citado anteriormente, verifica-se a consolidação de
um ambiente interno propício para alavancar as pretensões russas, principalmente
nas expressões militares e econômicas.
Quanto à expressão política, no início de seu governo, a aproximação russa
com os EUA se dava de forma clara, principalmente devido ao apoio às causas da
Guerra ao Terror empreendidas após o 11 de setembro, entretanto, percebeu-se
sinais de distanciamento quando a Rússia passou a se opor às aventuras militares
americanas no Oriente Médio que não haviam sido aprovadas pelo Conselho de
Segurança da ONU, como no caso do Iraque em 2003 (RATO, 2008).
4.2 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2007 e 2013
O ponto de inflexão da política externa de Putin na entrada do segundo
período, ainda segundo Maele (2017), foi o histórico discurso de Munique, onde
Putin desferiu diretas críticas à ordem mundial que se estabelecia. Entre outras
coisas, foi dito que o unilateralismo americano jamais iria representar uma era de
democracia no mundo, uma vez que não existia legitimidade nos conflitos
empreendidos, bem como acusava os EUA de extrapolar todas as fronteiras
econômicas, militares, políticas e culturais dos demais Estados, levando à uma
instabilidade causada pela busca por armas de destruição em massa e pela
banalização do uso da força.
Ainda nesse discurso, Putin aponta que a mudança da situação econômica
dos países emergentes invariavelmente irá permitir um maior protagonismo de
países como China, Índia e Brasil, levando à multipolarização, cujo caminho viável
passa pelo fortalecimento da ONU. Cabe ressaltar que essa oposição ao
! 47
unilateralismo é característica da corrente geopolítica do neo-eurasianismo
(FERREIRA, 2016).
Ainda sobre a expressão econômica, ao acompanharmos a evolução do PIB,
verifica-se que a Rússia, nesse período, sofreu uma forte retração com a crise de
2008, entretanto, assim como boa parte do mundo, conseguiu se recuperar nos anos
seguintes, atingindo seu ápice em 2013 com pouco menos de 2,3 Tri USD (Banco
Mundial, 2018). Pouco depois da crise, em 2010, iniciou-se a construção dos
primeiros ramais do Nord Stream, o gasoduto no Mar Báltico que desemboca
diretamente na Alemanha, acabando por fortalecer as empresas de petróleo e gás
ligadas ao governo, permitindo que estas, futuramente pudessem servir como meio
de pressão política.
Como uma ação claramente afeta às expressões política e militar, o ataque
direto à política externa americana ficou ainda mais fortemente evidenciada no apoio
russo às iniciativas separatistas da Ossétia do Sul e Abcásia em 2008. Essas
regiões pleitearam a independência da Geórgia, levando à intervenção militar russa
com o argumento humanitário. Embora a Casa Branca negue participação no
conflito, a ofensiva russa caracterizou o forte antagonismo com os EUA, uma vez
que a Georgia pleiteia a adesão à OTAN, representando outro exemplo de disputa
por zonas de influência no Rimland da Eurásia (RATO, 2008).
Cabe ressaltar que, antecedendo o conflito, em abril do mesmo ano, a cúpula
da OTAN considerou admitir a Geórgia e a Ucrânia como membros. Embora essa
adesão não tenha se concretizado por pressão da Alemanha e da França, que já
temiam a reação do Kremlin, esse fato contribuiu para o aumento das tensões na
região, influenciando, também nas ações adotadas por Putin em relação à Ucrânia
nos anos seguintes.
Ainda durante esse período, verificou-se que a Rússia não havia recuperado
por completo seu papel de relevância no episódio do conflito na Líbia, em 2011. Ao
se abster do veto no Conselho de Segurança da ONU, a Rússia cometeu um erro,
sob o ponto de vista geopolítico, por não ter impedido a derrubada de um regime
com o qual tinha boas relações comerciais, abrindo a possibilidade para a ampliação
da influência americana na região. A oposição aos bombardeios que levaram à
deposição de Muammar Qaddafi se restringiram à manifestações públicas que
definiam a OTAN como os “novos cruzados”, fato que, futuramente, seria levado em
! 48
consideração na adoção da estratégia adotada no caso da Síria em 2015 (MAELE,
2017).
Esse segundo período do governo Putin marcou, na expressão política, a
consolidação do discurso anti-unilateralismo e o distanciamento das relações com a
Casa Branca; na expressão militar, evidenciou-se a busca pela manutenção das
suas fronteiras, evitando assim, o separatismo, bem como o avanço da influência da
OTAN na região; enquanto na expressão econômica marcou o aumento da
influência energética na Europa pela Rússia por conta da construção do gasoduto
Nord Stream.
4.3 PERÍODO DO GOVERNO ENTRE 2013 e 2018
A postura da política externa russa teve o conflito da Crimeia como marco de
passagem do seu segundo para o último período, ainda segundo Maele (2017). As
raízes recentes do conflito se encontram na já citada Revolução Laranja de 2004,
que marcaram as iniciativas de aproximação com o ocidente. Anos mais tarde, em
2013, seu então presidente, Viktor Yanukovych, pró-Rússia, desistiu de um acordo
de livre comércio com a União Européia, levando à uma série de protestos
principalmente na Capital Kiev.
Na expressão militar, a instabilidade gerada permitiu a tomada do governo da
Crimeia por militantes pró-Rússia, que, na prática, eram compostos por tropas
russas disfarçadas, empregando o que ficou conhecida como Guerra Híbrida,
caracterizada por ações coordenadas de guerra convencional e irregular, pressões
políticas, diplomáticas, cibernéticas, controle de mídias, fake news, dentre outras, ou
seja, o amplo emprego de todas as formas de pressão possível para atingir o
objetivo (COVINGTON, 2016)
Cabe ressaltar a importância estratégica da região, uma vez que o porto de
Sebastopol é um ponto chave por se situar próximo à rota mais curta para acesso às
águas quentes do Mar Mediterrâneo. Assim, a posse desse território por parte da
Rússia não só possibilitaria o controle marítimo do mar Negro, mas também
manteria afetada a influência da OTAN na região, contrapondo as pretenções
ucranianas de adesão à organização atlântica (AGUILAR, 2014).
Quanto à expressão politica, o aspecto psicossocial da população da Crimeia
teve influência direta no resultado da manobra por ser de maioria étnica russa, o que
! 49
justificou o resultado esmagador do referendo que decidiu pela incorporação da
região à Federação Russa. A despeito do não reconhecimento pela ONU, o Kremlin
estabeleceu o controle efetivo sobre a região, mesmo sob a imposição de bilionárias
sanções promovidas pela comunidade internacional por conta da anexação
unilateral da região (DEL CID, 2017).
As sanções impostas pelos EUA e União Européia após a Guerra da Crimeia
tiveram forte impacto na expressão econômica da Rússia. As empresas produtoras
de gás foram obrigadas a reduzir sua produção, gerando demissões e o
congelamento do programa de modernização da produção com tecnologia ocidental,
contribuindo ainda mais para a queda do PIB que já se desenhava desde o auge de
2013 (Banco Mundial, 2014).
Apesar do impacto econômico negativo, com o conflito na Crimeia, os índices
de popularidade de Putin subiram para mais de 80% (LEVADA CENTER, 2016), o
que corrobora com a ideia de que a população russa recuperou parte de sua auto-
estima abalada desde a queda da União Soviética e a consolidação da hegemonia
militar americana no mundo.
Por influência do desfecho favorável do conflito na Crimeia, a Rússia ainda
apoiou, por meio da ação de grupos separatistas e de manobras militares na
fronteira com a Ucrânia, movimentos semelhantes em Donetsk e Lugansk, no leste
ucraniano, regiões também de maioria étnica russa, ampliando, assim, as disputas
pelo controle das regiões imediatas à sua fronteira (CASTILLO, 2017).
Outra ação externa da Rússia que marca a retomada de seu protagonismo é
a intervenção no conflito da Síria. Diferentemente da postura tomada na questão da
Líbia, na Guerra da Síria, a Rússia abertamente defende o governo de Bashar Al-
Assad com o emprego de meios militares, o que caracteriza um dos maiores
antagonismos contemporâneos entre o Kremlin e a aliança atlântica (MAZAT, 2013),
o que confirma a tese do gradativo distanciamento entre o governo americano e o
governo Putin ao longo da trajetória de seu mandato.
No caso da Síria, Rússia e China utilizaram seu poder de veto no Conselho
de Segurança da ONU para impedir diversas tentativas de aplicação de sanções que
poderiam vir a enfraquecer ainda mais o governo Assad, tradicional aliado russo, se
opondo às pressões dos EUA, União Européia e Turquia (AGUILAR, 2014).
! 50
A importância estratégica da manutenção da influência na Síria, além do
relacionamento comercial que permite a exportação de armas e recursos
energéticos, se dá pela existência da base naval de Tartus, que permite à Rússia o
posicionamento direto de sua esquadra no Mar Mediterrâneo, possibilitando a
projeção de seus meios navais nos limites imediatamente ao sul da União Européia.
A posse dos portos de Tartus e Sebastopol permitem, ainda, à Marinha Russa
a navegação em ambos os lados dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, estes
controlados pela OTAN por serem parte do território turco. Dessa forma, a
intervenção na Síria assume um caráter imprescindível para as aspirações
geopolíticas de Putin no Mediterrâneo (MAELE, 2017).
Já em 2018, o conflito Sírio ficou marcado pelo suposto emprego de
armamento químico contra civis, resultando no bombardeio americano à instalações
do governo. Esse fato acirra ainda mais as disputas entre OTAN e Rússia, uma vez
que as narrativas se contradizem quanto à veracidade do ataque, caracterizando um
embate aberto para o controle da opinião pública internacional, contribuindo ainda
mais para a incerteza dos acontecimentos futuros no Oriente Médio.
Sob o ponto de vista do neo-eurasianismo, o conflito na Síria ainda apresenta
mais impactos geopolíticos, visto que o envolvimento do Irã e da Turquia podem
permitir uma aproximação com esses países, consolidando dois dos principais eixos
propostos por essa corrente geopolítica liderada por Dugin: Moscou-Teerã e
Moscou-Ancara.
A relação entre Rússia e Turquia desde antes da Primeira Guerra Mundial
sempre foi bastante ambígua por conta da proximidade geográfica e dos interesses
geopolíticos conflitantes. Dentro desse contexto, durante o desenrolar do Século XX,
percebeu-se um alinhamento maior de Ancara com os EUA, a fim de possibilitar a
criação das condições para a consolidação turca como potência regional, o que
culminou com a admissão do país na OTAN. Entretanto, os interesses econômicos
comuns e o distanciamento da Turquia com o Ocidente, fruto também da postura
americana em relação ao povo apátrida Curdo, resultaram na aproximação Moscou-
Ancara (BARRINHA, 2014).
A parceria estratégica entre essas nações emergentes possui reflexos
preocupantes para União Europeia, visto que é apontada como uma das causas do
fracasso da construção do Gasoduto Nabucco, proposto pelos EUA, que pretendia
! 51
alimentar a Europa com gás proveniente da Ásia Central sem que cruzasse o
território russo, aumentando assim a segurança energética do velho continente. Uma
das armas utilizadas por Moscou para acabar com o projeto americano foi a
proposta da construção do South Stream, que seria capaz de fornecer gás sem o
uso do território ucraniano. No final de 2014, Putin anunciou o cancelamento da
construção desse ramo sul e na sequência assinou um acordo de fornecimento de
gás com a Turquia, fortalecendo o eixo neo-eurasiano Moscou-Ancara.
A influência russa nas questões energéticas européias é, sem dúvida alguma,
um grande trunfo geopolítico do Kremlin na expressão econômica, ficando
conhecido como a "pipeline diplomacy”, observada no gráfico abaixo, proposto pelo
jornal Financial Times (2016), que representa em números a dependência energética
da Europa. A construção do Nord Stream, que leva gás para a região da Alemanha
através do Mar Báltico, reforçou essa afirmação, uma vez que, alem de fortalecer o
eixo Moscou-Berlin, também proposto pelo neo-eurasianismo, reduziu a
possibilidade de interferência da Ucrânia, Polônia e dos Países Bálticos e
proporcionou um aumento considerável no volume de gás transportado, fornecendo
à Rússia uma nova ferramenta de pressão geopolítica.
FIGURA 7 – FONTES DE GÁS CONSUMIDO NA EUROPA POR PAÍS. Fonte: Financial Times (2016) 7
Disponível em: https://www.ft.com/content/352f4cac-6c7a-11e7-b9c7-15af748b60d0, acesso em 25 7
Ago 2018.
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Ainda no contexto dessa maior agressividade da política externa russa, os
antagonismos com os EUA ficaram ainda mais evidentes com a suposta
interferência russa nas eleições americanas. Em fevereiro de 2018, segundo o jornal
The Guardian, a corte responsável pelo julgamento do caso acusou treze russos de
se passar por americanos com o intuito de promover a candidatura de Donald
Trump, denegrindo sua adversária Hillary Clinton. Embora o fato seja negado pelo
presidente eleito e pelo mandatário russo, caso as acusações se confirmem, fica
patente a capacidade russa de interferir em pleitos eleitorais mundo afora, questão
que levou ao aumento da atenção nas eleições francesas de 2017, por exemplo,
promovendo, também, uma maior fiscalização das mídias sociais e o combate às
Fake News.
Com relação à expressão militar, voltando à estratégia do controle das
regiões limítrofes à fronteira russa, outras ações que merecem destaque foram as
manobras militares executadas em 2017 nas proximidades dos países bálticos.
Como reação à adesão de Letônia, Lituânia e Estônia à OTAN e a consequente
concentração de meios militares da aliança atlântica na região, foram realizadas
treinamentos militares por forças russas combinadas com tropas da Bielorússia,
mobilizando, segundo o Kremlin, 12.700 soldados nas regiões de Kaliningrado,
Pskov e São Petersburgo, empregando milhares de meios terrestres, aéreos e
navais (CASTILLO, 2017). A ação militar foi ainda precedida por um suposto ataque
cibernético, negado pelo governo russo, que teria deixado parte da Letônia sem
comunicação móvel por sete horas, o que demonstra características de Guerra
Híbrida.
A reação do ocidente contra a manobra foi imediata, marcada pela acusação
do secretário geral da OTAN da não transparência do exercício, ao passar dados
supostamente falsos quanto ao efetivo e finalidade da manobra. O receio dos países
bálticos era ainda maior por conta do alto percentual da população de etnia russa ou
“russófona”, representando aproximadamente um quarto da população báltica, o que
fez surgir temores de ações parecidas com as executadas na Ossétia do Sul e
Crimeia, embasadas no sentimento irredentista desses povos, sob o argumento
humanitário da proteção de cidadãos russos no estrangeiro (CASTILLO, 2017).
! 53
Assim, no terceiro período do governo de Putin, após a Guerra da Crimeia,
verifica-se uma maior ênfase nas ações da expressão militar, fruto do envolvimento
russo em diversos conflitos pela influência nas regiões adjacentes ao seu território,
como na Síria. Na expressão econômica, configurou-se a consolidação do domínio
energético do gás consumido na Europa, fato que também serve como instrumento
da expressão política, uma vez que a segurança energética da União Européia é
ameaçada por conta da dependência do gás russo.
Por fim, da análise das ações empreendidas por Vladimir Putin, ao longo de
todo seu governo, na expressão econômica, nos permite inferir que os ajustes
realizados na economia interna permitiram a recuperação das contas públicas e a
retomada do controle estatal sobre as empresas estratégicas principalmente da área
energética, o que permitiu a ampliação e consolidação do domínio do fornecimento
de gás para a Europa, contribuindo para sua projeção geopolítica.
No aspecto militar, verifica-se a reformulação das Forças Armadas russas,
alterando características pétreas, bem como o aumento das tensões na relação com
os EUA, fato que pode ser comprovado pelo crescente engajamento da OTAN nas
questões com a Rússia, voltando a tratá-la com a atenção semelhante à Guerra Fria.
Verifica-se, também, na expressão política, uma pressão para o fortalecimento do
multilateralismo por meio dos eixos de relacionamento, contribuindo, dessa forma,
para a reafirmação da importância do país no tabuleiro geopolítico do mundo
contemporâneo e pondo fim à política de aproximação com a Casa Branca.
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5 CONCLUSÃO
A história da Federação Russa é marcada pelo desenvolvimento de uma forte
cultura estratégica fruto de suas condições geográficas peculiares. O
posicionamento no Heartland do mundo conferiu à Rússia um caminho bastante
tortuoso até que se alcançassem as características atuais de sua nação, marcadas,
dentre outros fatores, pelo belicismo e nacionalismo, o que sugere que estas
características podem influir no comportamento do governo, tanto nas ações
internas quanto nas decisões tomadas nas relações internacionais.
Após o fim da Guerra fria, o Governo Russo perdeu sua capacidade de influir
de forma contundente nos destinos geopolíticos do mundo, aparentando uma apatia
que contrastava com sua cultura estratégica, o que contribuiu para o fortalecimento
da hegemonia americana. Com a chegada de Putin ao poder, pode-se observar que
a Rússia tem buscado resgatar sua capacidade de projetar seus interesses
principalmente no seu entorno estratégico, por meio de ações incontestavelmente
ousadas para as condições conjunturais propostas pelo unilateralismo que se
desenhou com a queda da URSS.
Quanto aos aspectos da expressão econômica, pode-se inferir que o governo
Putin manteve, na medida do possível, a postura proposta pela cultura estratégica.
Desde a criação do império czarista, passando pelo governo comunista, a economia
do país é marcada pela forte centralização e estatização.
Apesar do flerte com a economia de mercado proposto no final do Século XX,
o governo Putin envidou esforços para buscar o retorno do controle governamental
sobre os principais setores produtivos. Obviamente que os padrões de estatização e
planificação da economia da época da URSS já não serão retomados, entretanto,
tais medidas confirmam o viés centralizador do Kremlin nesse Século.
Nesse sentido, a manutenção de uma Base Industrial de Defesa forte também
corrobora com a ideia de aproximação de Putin com a cultura estratégica, visto que,
após assumir o governo, o país tem aumentado cada vez mais suas exportações de
armamentos, contrapondo, dessa forma, a hegemonia norte-americana nesse nicho
de mercado, refletindo em um fortalecimento das expressões econômica e militar.
Quanto à expressão militar, verifica-se que ao longo de sua história, a
preocupação com as Forças Armadas sempre refletiram em altos gastos militares,
conferindo uma característica marcial ao seu povo. Com o fim da URSS, ocorreu
! 55
uma súbita diminuição desses gastos, o que reduziu a capacidade militar da Rússia
ferindo essa característica e minando sua influência geopolítica. Após a virada do
Século observa-se um substancial aumento dos investimentos nas Forças Armadas
promovido pelo Kremlin, o que permite afirmar que, nesse aspecto, Putin
permaneceu fiel à cultura estratégica.
Outro fator desenvolvido ao longo da história russa, fruto principalmente do
receio de submeter-se à algum povo estrangeiro, foi a expansão dos domínios
territoriais em direção à periferia. A multiplicação exponencial da área do país no
período do império pode ser comparada à vasta influência exercida no leste Europeu
durante a vigência da Cortina de Ferro.
Com a derrocada da URSS, viu-se uma expansão da influência norte-
americana nos antigos países membros da união, marcando um período de inação
por parte de Moscou. A chegada de Putin ao poder, resultou em um processo de
distanciamento dos EUA e um forte antagonismo com a OTAN, o que inclui a
conquista e manutenção da influência em regiões periféricas à fronteira como, por
exemplo, nas ações para o evitar o ingresso da Geórgia e da Ucrânia na OTAN,
marcando as disputas pelo Rimland, as bordas da Eurásia.
Ainda na expressão militar, ao longo do tempo, o povo russo se mostrou
altamente resiliente, disposto a fazer sacrifícios capitais em prol do interesse da
nação, alimentando um sentimento de nacionalismo exacerbado. As ações de Putin
resgataram a auto-estima do povo por promover vitórias políticas e militares
semelhantes à nostálgica época da URSS, o que refletiu no seu alto índice de
aprovação.
Fruto dessa resiliência de seu povo, as Forças Armadas russas tinham por
padrão o amplo emprego da ação direta, apoiado no uso do princípio do massa,
lançando mão de enormes efetivos em detrimento de um melhor adestramento, a
exemplo dos sangrentos combates da Segunda Guerra Mundial.
Esse emprego prioritário do princípio da massa já vinha, desde o período
soviético, sofrendo adaptações após o advento do armamento nuclear, visto que não
mais ocorreram combates diretos entre os detentores da tecnologia, sugerindo uma
mudança no comportamento bélico de todas as nações.
A partir do inicio do Século XXI, talvez motivado pela redução na tolerância
quanto à perda de vidas humanas e pelo aperfeiçoamento desses armamentos de
! 56
destruição em massa, Putin determinou aos comandantes militares uma redução no
efetivo e um investimento maior na qualidade das tropas em detrimento da
quantidade, profissionalizando suas forças de defesa. Apesar da resistência
oferecida por setores mais conservadores, tal medida se configurou em um dos
únicos aspectos que o distancia dos padrões estabelecidos ao longo da história.
As reformas promovidas por Putin selaram esse novo comportamento da
Forças Armadas, que ficou evidenciado na Guerra Híbrida utilizada no conflito da
Crimeia, por exemplo, contrastando com a cultura do enfrentamento militar direto,
permitindo a economia de efetivos e alcançado objetivos considerados satisfatórios
com um reduzido número de perdas humanas.
Na expressão política, verifica-se um retorno ao forte controle governamental
sobre as demais expressões do poder nacional, fato comprovado pela criação do
Ministério da Defesa, subordinando a expressão militar à política e pelo controle de
setores estratégicos da economia, como a produção de gás, o que alinha essa
postura aos preceitos absolutistas do czarismo e ditatoriais da URSS de
centralização do poder.
A aproximação com nações de interesse estratégico, a exemplo dos eixos
propostos pelo neo-eurasianismo, não só corroboram com a ideia de ampliação das
áreas de influência, mas também refletem a cultura da manutenção de aliados
temporários, ou mesmo “inocentes úteis”, conforme os interesses do momento. O
multilateralismo, nesse caso, se apresenta como um mal necessário, sendo,
aparentemente, a solução mais viável para conter a hegemonia americana, uma vez
que ao protagonismo exercido à época da bipolaridade, dos áureos tempos
soviéticos, já não passa de uma distante lembrança nostálgica.
Salvo a reformulação imposta às Forças Armadas que reduziu drasticamente
seu efetivo, pode-se concluir que existe um claro alinhamento entre as ações de
Putin e a cultura estratégica russa, o que corrigiu o distanciamento que ocorreu nos
derradeiros anos do Século XX.
De uma maneira geral, tais ações levaram ao fortalecimento das expressões
econômica e militar o que acabou por proporcionar ao governo russo uma maior
capacidade de influenciar o tabuleiro geopolítico do mundo. O próprio
comportamento da OTAN de voltar suas atenções para o leste europeu, temendo o
avanço russo, reflete esse resgate do protagonismo moscovita. É notório que, nesse
! 57
início de Século, o Kremlin é capaz de projetar seus interesses de uma forma que
não se via desde o auge da Guerra Fria.
O jogo de xadrez jogado na Eurásia resgata a ideia que o centro do mundo é
o Heartland proposto por Mackinder a mais de um Século atrás. As disputas pelo
domínio do mundo voltaram a ser centralizadas nesse tabuleiro fruto da postura do
governo russo a partir dos anos 2000, o que nos permite afirmar que a era Putin
resgatou o protagonismo russo no cenário mundial.
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