a representação de são sebastião e o homoerotismo

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FACULDADE DE BELAS ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA ARTE MULTIMÉDIA – 2º ANO TEORIA DA IMAGEM I – 1º SEMESTRE, 2010/2011 A Representação de S. Sebastião e o Homoerotismo José Armando Vieira Simões, 5372

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Page 1: A Representação de São Sebastião e o Homoerotismo

FACULDADE DE BELAS ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA 

ARTE MULTIMÉDIA – 2º ANO 

TEORIA DA IMAGEM I – 1º SEMESTRE, 2010/2011 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Representação de S. Sebastião

e o Homoerotismo  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Armando Vieira Simões, 5372   

Page 2: A Representação de São Sebastião e o Homoerotismo

 

José Armando Vieira Simões, nº 5372 

Licenciatura de Arte Multimédia – Disciplina de Teoria da Imagem I 

1º Semestre ‐ Ano Lectivo de 2010/2011 

 

   

Sandro  Boticelli.  São  Sebastião.

1474, Têmpera sobre madeira, 

195  x  70  cm,  Staatliche  Museen, 

Berlim 

Pierre  et Gilles,  São  Sebastião.  Fotografia  e 

várias camadas de pintura. 

Page 3: A Representação de São Sebastião e o Homoerotismo

 

Um dos primeiros mártires cristãos, e um dos santos mais retratados na cultura 

visual ao  longo dos séculos foi sem dúvida São Sebastião. Cristão no seio do exército 

romano, este  santo  foi condenado à execução por arqueiros e posteriormente dado 

como  morto.  No  entanto,  Sebastião  voltou  a  aparecer  com  as  feridas  curadas  e 

novamente  foi executado, desta vez espancado até à morte. Apesar disso, as  flechas 

da  sua  primeira  execução,  perfurando  o  seu  corpo,  tornaram‐se  num  verdadeiro 

símbolo iconográfico desta figura. 

 Este  ícone aparece em  inúmeras obras do Renascimento e do Barroco,  sendo 

Boticelli,  Tintoretto,  Ticiano,  Mantegna,  Guido  Reni  ou  Giorgione  apenas  alguns 

exemplos dos muitos artistas que o pintaram.  

Para objecto de desenvolvimento deste ensaio, escolhi a pintura de Boticelli, São 

Sebastião  (1474),  a  fim  de  a  comparar  com  uma  abordagem  contemporânea  do 

mesmo ícone no trabalho fotográfico da dupla de artistas Pierre et Gilles. 

Em qualquer que  seja a  representação, pintura ou escultura de São Sebastião, 

este  é  quase  sempre  visto  com  uma  aparência  jovem,  um  corpo  geralmente  bem 

tonificado,  quase  escultural  e,  quer  esteja  amarrado  a  uma  estaca  ou  preso  a  uma 

coluna de pedra, no meio de ruínas, vemos na sua expressão  facial e corporal muito 

pouco da agonia, dor ou espasmos susceptiveis de encontrar num homem que está a 

ser trespaçado com setas em todo o corpo com o intuito de o matar.  

Nesta  particular  pintura  de  Boticelli,  o  corpo  do  santo  contorce‐se  muito 

subtilmente,  a  sua  cabeça  está  ligeiramente  puxada  para  trás  e  as  partes  do  corpo 

onde se encontram as setas acabadas de atirar não apresentam nem ferimentos nem 

sangue algum. Além de todos estes elementos ajudarem a uma certa dignificação que 

é  de  bom  senso  o  artista  incutir  na  pintura  de  um  santo,  talvez  a  razão  de  tal 

serenidade e aparente reposo esteja relacionada com a própria lenda de São Sebastião 

que,  depois  de  reaparecer  com  as  feridas  saradas  e  após  ser  canonizado,  se  veio  a 

tornar num santo protector contra pestes e epidemias.  

Ao  longo  dos  séculos,  este  culto  do  ícone  martir  de  São  Sebastião  tem‐se 

mantido. No entando, na era contemporânia, um culto diferente acabou por surgir em 

volta  deste  santo.  Esta  imagem  de  São  Sebastião,  um  jovem  belo,  practicamente 

despido (não fosse o singelo pedaço de tecido que o cobre), revirando sublimemente a 

cabeça e o corpo, num misto de sofrimento e extâse à medida que as flechas penetram 

Page 4: A Representação de São Sebastião e o Homoerotismo

 

o  seu  corpo  (e  aqui  a  alegoria  das  flechas  torna‐se  bastante  obvia),  veio  inspirar  o 

surgimento  de  um  culto  explicitamente  homossexual.  Tornou‐se,  assim,  num  santo 

padroeiro da comunidade gay nos últimos tempos e a sua  iconografia tem sido usada 

vezes  sem  conta  na  Queer  Art.  Mas  as  razões  desta  identificação  pela  parte  da 

comunidade Queer com São Sebastião não se baseam apenas no seu olhar sugestivo e 

convidativo.  

O  desejo  por  alguém  do  mesmo  sexo  tem  sido  visto  como  uma  forte 

transgressão, um desvio de normas sagradas, um certo prazer pelo proíbido. Tal e qual 

como  este  santo  mostra  prazer  pelo  seu  próprio  martírio,  os  homossexuais 

demonstram  uma  dada  satisfação  em  segurar  um  estandarte  dos  seus  desvios  dos 

santos ensinamentos cristãos. Relacionam a sua própria experiência da discriminação 

social com o sofrimento e exclusão que São Sebastião vivera como cristão nas mãos do 

Império  Romano.  Daí  este  ícone  ter  sido mais  que  esgotado  na  cultura  visual  dos 

nossos  tempos como uma afirmação, um verdadeiro  símbolo de campanha utilizado 

por inúmeros artistas homossexuais. 

Todo o trabalho da dupla Pierre et Gilles gira em torno de uma cultura queer. Os 

seus retratos fotográficos, com camadas pintadas sobre as impressões, transportam o 

espectador para um ambiente extremamente fantasiado e propositadamente “kitsch” 

que tanto roça a doce  inocência como o descarado homoerotismo, quase gratuíto. A 

referência  a  São  Sebastião  nas  suas  obras  é  bastante  frequente,  em  figuras  de 

soldados ou marinheiros trespaçados com setas, mas a fotografia escolhida para esta 

comparação é a que mais se relaciona com as representações renascentistas. Quando 

posta  lado  a  lado  com  a pintura de Boticelli,  a  semelhança não  carece de qualquer 

explicação.  A  mesma  nudez  apenas  suavizada  com  o  tecido  branco,  a  mesma 

esculturalidade corporal, as setas sem feridas... Apenas falta na foto de Pierre et Gilles 

a própria  santidade da  figura. Aqui não  temos nenhum  santo. Temos antes um belo 

rapaz,  não  aceitando  o  seu  martírio  mas  transpirando  sensualidade,  de  braços 

erguidos numa  inocente oferta de  luxúria. No entanto, tirando a aura difusa e brilho 

suave  da  imagem,  as  diferenças  do  ícone,  passados mais  de  500  anos,  são muito 

poucas e esbatidas. Até que ponto não seriam todas aquelas pinturas do Renascimento 

homoeróticas e transgressoras? Talvez a cultura nunca mude afinal, apenas a o ponto 

de vista com que é apreciada. 

Page 5: A Representação de São Sebastião e o Homoerotismo

 

 

Bibliografia 

http://www.glbtq.com/arts/subjects_st_sebastian.html