a responsabilidade penal da pessoa jurdica de … · o senhor é o meu pastor, de nada terei falta....
TRANSCRIPT
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS CACOAL Departamento do Curso de Direito
A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS
Caroline Trevizane de Oliveira
CACOAL-RO 2007
CAROLINE TREVIZANE DE OLIVEIRA
A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus Cacoal, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob orientação do Professor Especialista Silvério dos Santos Oliveira.
Cacoal-RO 2007
___________________________________________________________________________
OLIVEIRA, C.T A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado por Crimes Ambientais/ Caroline Trevizane de Oliveira --- 2007. VII, ..79 f, enc.; 30 cm. Monografia – Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Cacoal, 2007. Bibliografia: fl. 77-79 I – Título ___________________________________________________________________________
PARACER DE ADMISSIBILIDADE
A Acadêmica Caroline Trevizane de Oliveira desenvolveu o Trabalho de Conclusão
de Curso intitulado “A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE
DIREITO PRIVADOS POR CRIMES AMBIENTAIS”, obedecendo aos critérios do
Projeto de Monografia apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal de
Rondônia – UNIR, campus de Cacoal / RO.
O acompanhamento foi efetivo, observou-se no desenvolvimento do trabalho, todos os
prazos fixados pelo Departamento de Direito.
Assim sendo, a acadêmica está apta para a apresentação expositiva de sua monografia
junto à Banca Examinadora.
Cacoal, RO, 06 de agosto de 2007.
_____________________________________
Professor Esp. Silvério dos Santos Oliveira.
Orientador
CAROLINE TREVIZANE DE OLIVEIRA
A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS
AVALIADORES
________________________________________ - __________
Prof. Especialista Silvério dos Santos Oliveira - UNIR Nota
________________________________________ - __________
Prof. - UNIR Nota
________________________________________ - __________
Prof. - UNIR Nota
________________________
Média
Cacoal-RO
2007
Dedico à Neuza Trevizane, minha mãe e mulher guerreira, à minha avó Maria Trevezani, sua ajuda foi vital e aos meus queridos irmãos Keila, Silvana e João Gabriel, pela compreensão e amor.
Agradeço a todo corpo docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus Cacoal, pelo trabalho desenvolvido com esmero. Em especial, ao Professor Especialista Silvério dos Santos Oliveira pela orientação monográfica e por nunca ter medido esforços para o bem da causa acadêmica. Ao Juiz Federal da Subseção de Ji-Paraná/RO, Doutor Márcio Coelho de Freitas, por disponibilizar fontes de pesquisa. À todos que direta ou indiretamente auxiliaram na elaboração do presente trabalho.
O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me o vigor. Guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e de morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem. Preparas uma mesa para mim na presença dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice. Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver. (Salmo 23)
RESUMO
OLIVEIRA, Caroline Trevizane. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado por Crimes Ambientais, 79 folhas, Trabalho de Conclusão de Curso. Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus de Cacoal, 2007.
A Constituição Federal no intuito de assegurar o direito a que todos têm de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à sadia qualidade de vida, à dignidade da pessoa humana e valendo-se do fato que são os entes morais os maiores causadores dos danos ambientais, contemplou em seu art. 225, §3º, a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Essa decisão do legislador constituinte gerou inúmeras controvérsias entre renomados doutrinadores, especialmente entre penalistas e ambientalistas, esta celeuma tomou mais força após sua regulamentação pela Lei 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais. Assim sendo, surgiram argumentações contrárias e favoráveis à possibilidade de o ente jurídico ser penalmente responsabilizado no ordenamento jurídico brasileiro, estando de um lado o direito penal tradicional e de outro lado uma nova tendência mundial do direito penal frente às constantes modificações ocorridas na sociedade. Dentre as divergências, a objeção mais séria refere-se à culpabilidade até então imputada somente às pessoas físicas, tendo em vista o requisito da capacidade de agir com vontade própria, com dolo ou culpa. As principais teorias sustentadas para fundamentar os distintos posicionamentos são: a teoria da ficção e a teoria da realidade. A teoria da ficção, sem suma, defende que o ente coletivo não é uma realidade, age somente por meio de seus representantes, portanto não possui vontade própria, sendo incapaz de preencher os requisitos necessários para a imputação penal. Em contrapartida, a teoria da realidade afirma, em resumo, que a pessoa jurídica é um ser real que apresenta vontade própria (responsabilidade social), podendo sofrer as sanções penais compatíveis com sua natureza. Palavras-chave: crimes ambientais . pessoa jurídica . (im)possibilidade.
ABSTRACT
OLIVEIRA, Caroline Trevizane de. The Responsability of the Juridical Person of the Private Law for Enviromental Crimes, 79 pages, Monography Foundation Federal University of Rondonia – Cacoal campus, 2007.
The Federal Constitution, with the purpose of ensuring that everyone is entitled to an ecologically equilibrated environment, to a healthy life quality, to the dignity of the humane being, and considering the fact that the greatest causers of the environmental damages are the moral institutions, displays in its article # 225, paragraph 3º, the penal responsibility of the juridical person for crimes against the environment. This decision of the constituent brought several controversies between remarkable doctriners, specially between the penalists and environmentalists , this discussion became stronger after the regulation of the Law # 9.605/98, known as the Law of the Environmental Crimes. Therefore, contrary and favorable argumentations to the possibility that the juridical person has penal responsibility in the Brazilian juridical ordainment , when on one side is the traditional penal law, and on the other one a new universal tendency of the penal law related to the constant modifications occurred in the society. Among the divergences, the most serious objection refers to the culpability, applied, up to this moment, only to the natural persons, once the requisite to the capacity of acting deliberately is dole or guilt. The principal theories presented to the distinctive opinions are: the fiction theory and the reality theory. The fiction theory, briefly, defends that the collective institution is not a reality, acts only through its representatives, therefore it does not have its own will, incapable to fit the necessary requisites to the penal responsibility. In the other hand, the reality theory affirms, in few words, that the juridical person is a real unit that owns self-willing (social responsibility), and it may suffer the penal sanctions compatible with its nature. Key-words: environmental crimes . juridical person . (im) possibility.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇAO............................................................................................................. 11 2. DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO.......................................... 13 2.1 CONCEITO.................................................................................................................. 13 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.......................................................................................... 15 2.3 NATUREZA JURÍDICA............................................................................................. 17 2.4 CLASSIFICAÇÃO....................................................................................................... 21 2.5 INÍCIO DE SUA EXISTÊNCIA.................................................................................. 24 2.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO...................................................................... 26 2.7 EXTINÇÃO.................................................................................................................. 28 3. DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO.......................................................................................................................... 30 3.1 ESCORÇO HISTÓRICO............................................................................................. 30 3.2 PRINCIPAIS CONGRESSOS INTERNACIONAIS.................................................. 33 3.3 A CONSTIUIÇÃO DO BRASIL DE 05.10.1988........................................................ 36 3.4 ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA E FAVORÁVEL............................................... 41 3.4.1 Da Capacidade de Ação.............................................................................................. 42 3.4.2 Da Capacidade de Culpabilidade................................................................................ 45 3.4.3 Da Capacidade de Pena.............................................................................................. 50 3.4.4 Dos Efeitos da Pena.................................................................................................... 53 3.5 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE..................................................................... 55 4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS................................................................................................................... 59 4.1 O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO................................................................ 59 4.1.1 Noções sobre o Meio Ambiente................................................................................. 59 4.1.2 O Meio Ambiente e a Necessidade da Tutela Penal................................................... 61 4.2 NORMA PENAL AMBIENTAL................................................................................ 64 4.2.1 Bem Jurídico Protegido.............................................................................................. 64 4.2.2 Tipicidade.................................................................................................................. 64 4.2.3 Norma Penal em Branco............................................................................................ 66 4.2.4 Sujeitos Ativo e Passivo............................................................................................. 68
11
4.3 A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS......................................................................... 69 4.3.1 Disposições acerca da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica........................... 69 4.3.2 Tipos de Pena............................................................................................................. 71 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 75 6. REFERÊNCIAS........................................................................................................... 77
11
1. INTRODUÇÃO
A escolha do tema do presente trabalho se justifica por abordar uma nova tendência
mundial do direito penal, responsabilizar a pessoa jurídica por crimes ambientais. É sabido
que são as pessoas jurídicas as maiores causadoras dos ilícitos ambientais. Empresas que
despejam sem tratamento algum lixo altamente poluidor nas águas que servem para consumo
e banho, havendo devastação da fauna e da flora sem controle, gerando extinção de espécies,
etc.
A doutrina tradicional do direito penal tem sido contestada em face da moderna
política criminal que se apresenta, tendo em vista as constantes modificações ocorridas na
sociedade. A nova tendência mundial do direito penal almeja responsabilizar criminalmente
empresas que violam com mais eficiência bens e interesses juridicamente tutelados. A
Constituição Federal de 1988 contemplou referida possibilidade no caso de crimes
ambientais, que fora posteriormente regulamentada pela Lei 9.605/98.
Entretanto, renomados doutrinadores, principalmente os penalistas, se levantaram
contra referida possibilidade, alegando, dentre outros aspectos, sua inconstitucionalidade.
Diante disso, tem-se que a problemática da pesquisa jurídica consiste em verificar a
possibilidade de no ordenamento jurídico brasileiro a pessoa jurídica de direito privado ser
responsabilizada penalmente por seus delitos ambientais.
O objetivo geral desse trabalho consiste em verificar a efetividade e a aplicabilidade da
matéria que fora apreciada pela Constituição e, posteriormente, regulamentada pela Lei
9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais que acentuou sobremaneira a
celeuma já existente.
12
Por seu turno, consistem seus objetivos específicos em: apresentar um estudo acerca
da pessoa jurídica de direito privado, examinar a evolução histórica da responsabilidade penal
da pessoa jurídica de direito privado; apresentar os posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais acerca do tema; abordar sobre as disposições da responsabilização do ente
coletivo na Lei dos Crimes Ambientais e averiguar a necessidade de o meio ambiente ser
tutelado pelo direito penal.
Para atingir tais objetivos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa
bibliográfica (doutrinas, revistas jurídicas, jurisprudências, artigos científicos); o método
histórico, em razão da pesquisa acerca da evolução histórica da responsabilidade penal da
pessoa jurídica; e, o método dedutivo.
Dessa feita, a obra foi dividida em três capítulos. No primeiro, foi realizada uma
análise sobre a pessoa jurídica, no intuito de apresentar conceituações necessárias e, em
especial no que tange a sua natureza jurídica, apresentar as correntes filosóficas que irão
nortear a fundamentação dos entendimentos acerca do tema.
No segundo capítulo, apresenta-se um escorço histórico sobre a responsabilização
penal da pessoa coletiva, mencionam-se os principais congressos internacionais acerca do
tema ao fito de se vislumbrar o entendimento global sobre o mesmo, hodiernamente; as
argumentações favoráveis e contrárias, bem como os entendimentos doutrinários e o que se
tem firmado na jurisprudência e nas doutrinas como os requisitos necessários para a
imputação penal do ente coletivo.
Por fim, no terceiro capítulo, demonstra-se a importância do meio ambiente para a
humanidade e os entendimentos divergentes acerca da necessidade de o meio ambiente ser
tutelado penalmente, em especial a responsabilidade penal do ente coletivo. Analisam-se
também as peculiaridades da norma penal ambiental, disposições acerca da responsabilidade
penal da pessoa jurídica na Lei dos Crimes Ambientais e as penas destinadas aos entes
coletivos.
13
2. DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
2.1 CONCEITO
O ser humano para atingir certos objetivos necessita agrupar-se. É indispensável que
este agrupamento aja em nome próprio, para isso a lei lhe confere personalidade, passando a
atuar como sujeito de direitos e obrigações.
Para Maria Helena Diniz, “a pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de
patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como
sujeito de direitos e obrigações.” 1
No entender de Venosa, a necessidade de se atribuir personalidade a um grupo de
pessoas vindo a denominar-se pessoa jurídica, deve-se à necessidade encontrada pelo homem
de exercer determinadas tarefas que em muito ultrapassam sua capacidade individual, mas que
em grupos determinados, com o mesmo objetivo, superam os limites da pessoa natural. 2
Silvio Rodrigues define pessoas jurídicas como entidades a que a lei empresta
personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos
indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem
civil.3
1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva 2005. 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6 ed. atual.São Paulo: Atlas, 2006. 3 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34 ed. atual. São Paulo: Saraiva 2003.
14
Na lição de Miguel Reale:
Todo ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Mas, não é apenas o homem, na sua estrutura física, o único sujeito, em sentido jurídico. Não podemos realizar nossos objetivos mantendo-nos isolados, sem laços permanentes com outros homens. Surgem assim, grupos que o Direito dimensiona e situa, conferindo-lhe também personalidade. Dessarte, aparece o que tecnicamente chamamos de pessoa jurídica e que em outros sistemas de Direito se denomina pessoa moral.4
Tem-se, assim, que a criação da Pessoa Jurídica pelo Direito se deu em razão da
constatação da realidade de que para atingir determinados fins o homem necessita reunir
forças, ou seja, estar em grupos. Ademais, para que surja a personalidade jurídica mister se
faz a presença de três requisitos básicos: a vontade humana, o preenchimento dos requisitos
legais para sua criação e a licitude do objeto.5
No que tange à vontade humana é imprescindível que esta esteja convertida na
vontade do grupo, não podendo representar uma vontade individual; quanto ao preenchimento
de requisitos legais, a lei o determina. É a necessidade de autorização pelo Estado, para alguns
entes jurídicos, bem como o Registro Público para aquisição de personalidade; ao final, a
liceidade do objeto, pois seria contraditório que o Estado tutelasse uma atividade ilícita.6
Segundo a Teoria Pura de Hans Kelsen:
A essência da pessoa jurídica, pela jurisprudência tradicional contraposta à chamada pessoa física, deixa-se melhor revelar através de uma análise do caso típico de uma tal pessoa jurídica: a corporação dotada de personalidade jurídica. Uma tal corporação é, em regra, definida como uma comunidade de indivíduos a que a ordem jurídica impõe deveres e confere direitos subjetivos que não podem ser vistos como deveres ou direitos dos indivíduos que formam esta corporação como seus membros, mas competem a esta mesma corporação. Precisamente porque estes deveres e direitos por qualquer forma afetam os interesses dos indivíduos que formam a corporação, sem que, no entanto, sejam direitos e deveres destes - como presume a teoria tradicional -' são considerados como deveres e direitos da corporação e, conseqüentemente, esta é concebida como pessoa.7
No que pertine às denominações, a doutrina e as várias legislações não são unânimes.
Nosso código traz a denominação Pessoa Jurídica. No entanto, há outras denominações
4 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6 ed. rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995. 6 Ibid, p. 187 7 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
15
utilizadas, como pessoas morais, coletivas, místicas, civis, fictícias, abstratas, intelectuais,
universalidade de pessoas e bens, entes coletivos, entre outras.8
Conforme Pontes de Miranda:
O Termo “pessoa jurídica” surgiu no início do século XIX, empregado na obra do jurista alemão Heise, em 1807. Posteriormente, tal expressão foi adotada por Savigny, o que lhe deu a propagação e o prestígio de que desfruta até os dias atuais.9
Vale notar que, o termo “pessoa jurídica” é considerado o menos imperfeito por parte
da doutrina majoritária. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira:
De todos os modos por que se podem designar, é a denominação pessoas jurídicas a menos imperfeita, e a que, pela conquista de campo na doutrina moderna, mais freqüentemente se usa, e por isso mesmo a mais expressiva. Na verdade, se a sua personalidade é puramente obra de reconhecimento do ordenamento legal, e se somente na órbita jurídica é possível subordiná-las a critérios abstratos e reconhecer-lhes poder de ação e efeitos, o uso do nome deve obedecer a um critério hábil a sugerir de pronto estes fatores. 10
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O surgimento da pessoa jurídica deu-se lentamente e ao mesmo passo que o
surgimento das primeiras civilizações, ante a constatação que o homem em conjunto reúne
forças e atinge objetivos que ultrapassam em muito sua capacidade individual.
Nas sociedades primitivas o primeiro agrupamento surgiu com a instituição família,
que se tornou um poder paralelo. Este agrupamento desapareceu com o fortalecimento do
poder central. O indivíduo se vendo sozinho perante o Estado e sem forças para defender seus
interesses, logo, tratou de reunir-se novamente em grupos para não se sentir tão desprotegido
diante do Estado.
Assim, desde as sociedades primitivas existiam grupos formados para a defesa de
interesses em comum, as associações já não eram tão estranhas na Idade Antiga, surgindo
normas que regulassem referidos agrupamentos.
8 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 232 9 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 08. 10 Op.cit. p.188.
16
O código de Hamurabi, legislação babilônica, e o Código de Manu, legislação Indiana,
do século XII a.C., já regulavam essas relações. A primeira de forma mais tímida, mas a
segunda de maneira mais explícita, conforme se verifica em seu art. 204: “Quando vários
homens se reúnem para cooperar, cada um por seu trabalho, em uma mesma empresa, tal é a
maneira porque deve ser feita a distribuição das partes.” 11
No que tange à existência da pessoa jurídica no direito romano, há duas correntes
doutrinárias que divergem entre si. Uma alega o reconhecimento da pessoa jurídica pelos
romanos ao passo que a outra o nega.
A primeira corrente, formada basicamente por doutrinadores civilistas, afirma que a
pessoa jurídica não foi reconhecida pelo direito romano, apesar de existirem certas
associações de interesse público. Isso em razão da dificuldade de os romanos entenderem
noções abstratas.12 Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro:
Mas os romanos sempre se mostraram muito sóbrios, muito parcimoniosos nesse tema e jamais tiveram a menor idéia a respeito das vastas abstrações metafísicas que os escritores alemães iriam formular séculos mais tarde.13
Em contrapartida, a segunda corrente defende que o direito romano reconheceu a
existência da pessoa jurídica, mas somente depois de uma lenta evolução. Dentre seus
defensores, a maioria é formada por doutrinadores romanistas.14
Conforme Venosa, no antigo direito romano verificou-se a existência da pessoa
jurídica, contudo não o seu reconhecimento, justamente pelo fato de sua noção abstrata.
Assim, quando se verificava a existência de um grupo de pessoas que apresentavam certa
afinidade, motivo pelo qual se uniam, se reconhecia, apesar de estarem em grupo, a
individualidade de cada integrante.15
11 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.11 12 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 11 13 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 35 ed. rev.atual.. São Paulo: Saraiva, 1997. 14 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 12 15 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p.225
17
Informa ainda o mesmo autor que somente no direito pós-clássico, os romanos passam
a vislumbrar a possibilidade da existência de uma corporação, denominado populus romanus.
Isso em razão do reconhecimento do Estado como uma entidade abstrata.
No que se refere ao antigo direito germânico, por mais que o homem fizesse parte de
um agrupamento, a coletividade não era reconhecida, somente a pessoa natural era sujeito de
direitos. O conceito de pessoa jurídica foi reconhecido pelo direito germânico após sua
recepção pelos romanos.16
O desenvolvimento de teorias sobre a pessoa jurídica deve-se ao direito canônico. A
igreja era compreendida como uma entidade espiritual que não se confundia com os fiéis, era
um corpus mysticum. Ademais, qualquer ofício eclesiástico, com patrimônio próprio, era
autônomo.17
Logo, o direito canônico contribuiu em muito para o desenvolvimento e
reconhecimento da pessoa jurídica, a partir do reconhecimento de que a igreja não era tão-só
uma coletividade, mas deveria ser reconhecida como um ente abstrato que não se confundia
com seus fiéis, bem como do caráter de ente autônomo que era considerado todo ofício
eclesiástico, constituído de patrimônio.
No direito moderno, o Estado passou a ter interesse nas associações e instituições,
sobretudo no aspecto político. Houve um crescente desenvolvimento dessas associações e
instituições para os mais variados fins, tanto de ordem publica quanto privada.
2.3 NATUREZA JURÍDICA
Várias são as teorias que tentam explicar a natureza jurídica das pessoas jurídicas.
Constituindo em uma ardente discussão de que participam civilistas, romanistas, filósofos do
direito, criminalistas, comercialistas e até canonistas.18 Sendo, no entender de Caio Mário da
Silva Pereira de vital importância esta compreensão, cito:
16 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 98 17 Ibid, p.98 18 Ibid, p. 100
18
Tem, na verdade, profunda significação indagar como deve ser entendida a pessoa jurídica. Ao espírito de investigação científica do jurista moderno não satisfaz encontrá-la no exercício dos direitos subjetivos e verificar que lhe permite a lei atuar como se fosse uma pessoa natural, adquirindo direitos e contraindo obrigações. Daí aprofundar-se na pesquisa filosófica e precisar como se justifica a sua existência, explicando o porquê da personalidade que lhe reconhece o ordenamento legal e a razão por que é dotada de aptidão para exercer direitos.19
Segundo Cunha Gonçalves, este não é o entendimento de Planiol e Ripert, para eles é
de menor relevo a discussão acerca da natureza jurídica das pessoas jurídicas, porquanto suas
distintas concepções nunca irão influenciar as soluções positivas que a lei fornece. 20
Dentre as inúmeras teorias existentes, se destacam a teoria da ficção, a teoria
individualista, a teoria da realidade ou orgânica, a teoria da realidade técnica, a teoria da
instituição e a teoria da equiparação.
A teoria da ficção legal, que se filia à tradição romanística, originário do direito
canônico, tem Savigny como seu precursor, prevaleceu na Alemanha e na França no século
XVII. Entendem seus defensores que somente o homem é sujeito de direito, portanto a pessoa
jurídica nada mais é do que uma criação do homem para atuar no campo patrimonial a
propiciar a atividade de certas entidades.21
Ihering criou a teoria individualista que não diverge muito da teoria da ficção, pois
defende que somente o homem é sujeito de direitos e a pessoa jurídica é um sujeito aparente,
é uma máscara, onde as pessoas naturais se encontram, sendo estes os verdadeiros
protagonistas das relações jurídicas.22
Vareilles-Sommières entende que a pessoa jurídica tem existência apenas na
inteligência dos juristas, divergindo um pouco da teoria da ficção legal, defendendo-a como
mera ficção criada pela doutrina.23
Entretanto, entende Francesco Ferrara que:
19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p.189 20 Apud RODRIGUES, Silvio. Op.cit. p. 89 21 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p.223 22 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 101 23 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 223
19
O defeito desse pensamento não se encontra somente no fato de se restringir a capacidade da pessoa jurídica ao campo patrimonial, mas também por considerá-la um ente fictício, sendo que a mesma tem realidade jurídica, como qualquer outro instituto do mundo jurídico. 24
Para Hans kelsen tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica são pessoas jurídicas,
posto que ambas são um aglomerado de normas e por meio delas se consegue exercer direitos.
Nesse sentido Silvio Venosa:
De acordo com sua tese, o conceito de pessoa, em geral, é tão-só um recurso mental, artificial para o raciocínio jurídico. Para o autor, a pessoa natural não é homem, com afirma a teoria tradicional, uma vez que o Direito não o concebe em sua totalidade, com todas suas funções anímicas e corporais.25
Afirma Miguel Reale que os romanos lograram êxito no emprego da fictio júris,
porquanto sempre que estavam frente a um problema e não tinham como resolver valiam-se
da ficção jurídica para alcançarem seus objetivos, ou seja, elaboravam ficticiamente uma
norma que se adequasse ao caso concreto. Valendo-se como de um artifício para atender as
necessidades da vida em comum.
Alega ainda que é descabida a aplicação dessa teoria à prática do direito, sendo que
em razão dela surgiam muitos embaraços atingindo nossos juízes e tribunais e que em razão
disso Geierke, jurista alemão, sustentou a teoria organicista ou teoria real.26
Maria Helena Diniz refuta a teoria da ficção:
Não se pode aceitar esta concepção, que, por ser abstrata, não corresponde à realidade, pois se o Estado é uma pessoa jurídica, e se concluir que ele é ficção legal ou doutrinária, o direito que dele emana também o será. 27
De outro lado, os adeptos dessa teoria argumentam que no que tange ao Estado, tendo
em vista sua necessidade ser primária e fundamental, sua existência é natural.
A teoria da realidade objetiva ou orgânica tem como defensores Gierke e Zitelmam,
entendem que sendo as pessoas físicas organismos físicos há organismos sociais que são as
24 Apud VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 236 25 VENOSA, Silvio de Salvo, loc cit. 26 REALE, Miguel. Op.cit. p. 234 27 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 223
20
pessoas jurídicas, estas responsáveis por realizar um objetivo social. Para tanto, se apresentam
com vontade própria, distinta da de seus membros.28
Segundo Maria Helena Diniz: “essa concepção recai na ficção quando afirma que a
pessoa jurídica tem vontade própria, porque o fenômeno volitivo é peculiar ao ser humano e
não ao ente coletivo”.29
Vicente Rao se refere à doutrina da realidade técnica, nesta teoria as pessoas jurídicas
são reais, contudo não se equiparam às pessoas naturais.30 Essa teoria reconhece que do
aspecto físico e natural, somente a pessoa humana é realidade. Nesse ponto a pessoa jurídica
não passa de mera ficção. Entretanto, do ponto de vista jurídico a pessoa jurídica tem
realidade e é dotada do mesmo subjetivismo concedido às pessoas naturais. Assim como a
personalidade humana é concedida pelo direito, da mesma forma pode ele concedê-la a outros
entes.31
A teoria da instituição tem como criador Maurice Hauriou, sendo desenvolvida por
George Bonnard, entende as pessoas jurídicas como instituições. Os entes morais são
personificados em razão de seus objetivos. São organizações sociais com finalidade social
útil. A pessoa jurídica é uma existência teleológica.
Reale é adepto dessa teoria porquanto não reduz a pessoa jurídica a uma realidade
biológica, mas existencial no plano teleológico. Embasando essa afirmação:
Assim, ao lado dos objetos (no sentido lógico deste termo) de natureza material, ou coisas, temos objetos ideais como um retângulo. É de composição desses objetos fundamentais que resultam os objetos culturais, que tanto podem ser uma norma jurídica quanto uma associação civil. De certa forma, os institucionalistas, sem se basearem como nós o fazemos, na teoria dos objetos, desenvolvida, sobretudo a partir dos estudos de Frank Brentano e Edmund Husserl, já reconheceram a natureza específica das pessoas jurídicas.32
28DINIZ, Maria Helena, loc cit. 29 Op.cit. p. 224 30 Apud VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 237 31 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p.102 32 REALE, Miguel. Op.cit. p. 236
21
Dentre as objeções que são feitas a essa teoria, a principal refere-se ao fato de não se
ater a controvérsia acerca da matéria, pois não apresenta uma justificativa para a atribuição de
personalidade às sociedades sem a finalidade de prestar um serviço ou preencher um ofício.33
A teoria da equiparação encontra defensores em Windscheid e Brinz, essa teoria
admite a existência de massas de bens, determinados patrimônios que se igualam às pessoas
naturais, no âmbito jurídico. As pessoas jurídicas são meros patrimônios personificados pelo
direito para atingir um objetivo.34
Del Vecchio refuta a teoria apresentado, pois a mesma eleva os bens à posição de
sujeito de direitos, menosprezando as pessoas.35
Maria Helena Diniz alega que: “é inaceitável porque eleva os bens à categoria de
sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas”.36
2.4 CLASSIFICAÇÃO
A classificação das pessoas jurídicas abrange todos os entes abstratos a que o direito
atribui personalidade e capacidade jurídicas. Elas se distinguem em razão de seus fins, de sua
natureza de atuação e de sua órbita de funcionamento.37 Portanto, podemos classificar as
pessoas jurídicas quanto à sua nacionalidade, à sua estrutura interna e à sua capacidade.
No que pertine à nacionalidade, temos a pessoa jurídica nacional ou estrangeira, a
depender de sua subordinação à ordem jurídica que a instituiu. Importante ressaltar que
independe da nacionalidade de seus membros ou da origem do controle financeiro. Reza o art.
1.126, caput, do atual Código Civil que se uma sociedade for organizada de acordo com a lei
brasileira, tendo no País a sede de sua administração, será considerada nacional. 38
Ademais, no que tange às pessoas jurídicas internacionais, estas somente poderão
funcionar no País com autorização do Poder Executivo, sujeitando-se às leis e aos tribunais 33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 193 34 Cf. MONTEIROS, Washington de Barros. Op. cit. P. 195 35 Apud MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p.101 36 Op.cit. p.223 37 Ibid, p. 199 38 Ibid,. p. 224
22
brasileiros no que diz respeito aos atos praticados no Brasil, devendo ter aqui seu
representante.39
Quanto à estrutura interna, temos a universitas personarum, são as que se compõe pela
reunião de pessoas com objetivos comuns, gozando de certos direitos. Tem como elemento o
homem, são as sociedades e associações; e a universitas bonorum, são as fundações, onde há
um patrimônio destinado a um fim.
Em relação à sua capacidade as pessoas jurídicas podem ser de direito público, interno
e externo, e de direito privado. Tendo em vista que o presente trabalho se atém às pessoas
jurídicas de direito privado, discorreremos somente acerca desta.
Caio Mário da Silva Pereira assim compreende a pessoa jurídica de direito privado:
As pessoas jurídicas de direito privado são entidades que se originam do poder criador da vontade individual, em conformidade com o direito positivo, e se propõem realizar objetivos de natureza particular, para benefício dos próprios instituidores, ou projetadas no interesse de uma parcela determinada ou indeterminada da coletividade. 40
O atual Código Civil em seu art. 44 elenca as pessoas jurídicas de direito privado: I- as
associações; II- as sociedades; III- as fundações. A lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003,
incluiu neste rol, duas outras entidades, VI- as organizações religiosas e V- os partidos
políticos.
A nomenclatura associação é reservada, em nosso ordenamento jurídico, para a união
de pessoas que se organizam para fins não econômicos, conforme se depreende do art. 53, do
Código Civil. Deve-se compreender associação sem fins lucrativos como aquela que não
busca render lucros para seus membros, o que não se confunde com o aumento patrimonial da
própria empresa.41
A associação é o agrupamento de indivíduos, dotado de personalidade jurídica de
direito privado visando realizações de cunho cultural, social, religioso, recreativos etc.42 A
39 DINIZ, Maria Helena, loc cit. 40 Op.cit. p. 200 41 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 259 42 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 232
23
Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XVII, diz ser plena a liberdade de associação para
fins lícitos, sendo vedada a de caráter paramilitar.
Por isso o parágrafo único, do art.53, do Código Civil, afirma que não há direitos e
obrigações recíprocas entre seus membros, o negócio jurídico que se firma não é bilateral,
porquanto não há vontades antagônicas, mas vontades que se unem em prol de um fim que irá
atender a todos. Por fim, seu estatuto deve atender aos requisitos mínimos estabelecidos no
art. 54 do Código Civil, sob pena de nulidade.
As sociedades por sua vez possuem fins econômicos, havendo obrigações recíprocas e
partilha dos resultados entre si, conforme o art. 981, do Código Civil. As sociedades
empresariais se diferenciam das sociedades simples, pois tem como objeto o exercício de
atividade própria de empresário sujeito ao registro. Sendo considerada simples, as demais (art.
982, Código Civil).
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”, conforme o art. 966 do
Código Civil. Ademais, aquele que exerce atividade intelectual, seja de natureza científica,
literária e artística, ainda que com auxiliares ou colaboradores, não é considerado empresário,
salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa (parágrafo único).
Quanto às fundações, seu instituidor pode ser tanto pessoa jurídica como pessoa
natural. Constitui-se pela doação de um patrimônio para atingir determinado objetivo. Os fins
perseguidos pelas fundações são sempre altruísticos.43 A constituição de uma fundação
apresenta duas etapas: o ato de fundação, que se dá a partir da manifestação da vontade e o ato
de dotação de um acervo de bens. No momento da doação dos bens que poderá ser por
instrumento público ou testamento, o doador deverá especificar o fim a que se destina.
As associações e as fundações dependem para o seu funcionamento da reunião de
várias pessoas e do acervo de bens. Mas, há uma diferença substancial entre elas. As
associações têm como requisito a pluralidade de pessoas e objetivos comuns ao passo que as
fundações necessitam de patrimônio e sua determinação a um fim.44
43 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 200 44 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 103
24
Por fim, as organizações religiosas e os partidos políticos, com a Lei n. 10.825, de 22
de dezembro de 2003, passaram a incorporar o rol pessoas jurídicas de direito privado.
As empresas públicas, as sociedades de economia mista e os serviços sociais
autônomos também são considerados pessoas jurídicas de direito privado. A primeira tem
patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado, sendo criada por lei para explorar
economicamente atividade que em razão da conveniência ou contingência administrativa o
Estado é levado a exercer.45
A segunda também é criada por lei para exploração de atividade econômica, nesta o
Estado possui as ações majoritárias com direito a voto. Por fim, os serviços sociais
autônomos, segundo Hely Lopes Meirelles:
São instituídos por lei, com personalidade jurídica de direito privado, no intuito de ministrar assistência ou ensino a determinadas categorias sociais ou grupos profissionais. Sem fins lucrativos, são mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais, sendo considerados entidades de cooperação do poder público.46
2.5 INÍCIO DE SUA EXISTÊNCIA
Notório é que o início de existência das pessoas naturais se deve por fatores
biológicos. Doutro lado, as pessoas jurídicas iniciam sua existência a partir da vontade
humana. Os entes personalizados podem ser de direito público ou de direito privado, há
substancial diferença entre estes também no que se refere ao início de sua existência.
Conforme Caio Mario da Silva Pereira é imprescindível que se estabeleça o início da
existência legal da pessoa jurídica, o momento em que se verifica todas as condições para seu
pleno funcionamento, a identificação de seus órgãos de atuação. Isto para se fazer prova de
que realmente existe e que preenche os requisitos legais de capacidade de direito, uma vez
que no trato comum na sociedade adquire direitos e assume obrigações.47
45 DINIZ, Maria Helena. op.cit. p. 250 46 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 24 47 Op.cit. p. 210
25
As pessoas jurídicas de direito público têm início a partir da criação de uma lei. O
Estado, por exemplo, surgiu espontaneamente, de um acordo social, em razão da necessidade
de se organizar a vida em sociedade de forma harmônica.
Em contrapartida, para a formação das pessoas jurídicas de direito privado, o
legislador pode escolher dentre três métodos: o sistema da livre associação, o sistema do
reconhecimento e o sistema das disposições normativas.48
Pelo sistema de livre associação, não há controle de sua criação por parte do Estado,
uma vez que a vontade dos instituidores é suficiente par sua formação; de modo diverso,
temos o sistema de reconhecimento, em que há necessidade de um decreto que o reconheça,
ou seja, de uma autorização estatal; numa posição intermediária tem-se o sistema das
disposições normativas, em que se concede liberdade à pessoa humana para a criação do ente
jurídico, desde que observados os requisitos legais exigidos, não havendo intervenção Estatal,
salvo em circunstancias especiais.
Entende a doutrina que o direito brasileiro adotou este último posicionamento. Venosa
afirma que “por nosso sistema, salvo casos de necessidade de autorização, a pessoa jurídica,
desde que obedeça a certos requisitos, passa a ter existência legal”49. Não é de outro
entendimento Caio Mário da Silva Pereira “enquadramo-lo no das disposições normativas
porque, salvo nos casos especiais de exigência de autorização, o princípio dominante é o da
vontade dos indivíduos obedecendo a requisitos predeterminados”.50
A constituição das pessoas jurídicas de direito privado dependem da observância de
dois elementos: primeiro, o ato constitutivo e, posteriormente, a formalidade do registro. O
ato constitutivo se divide em material e formal.51
Na primeira fase, ocorre a constituição da pessoa jurídica, que pode se dar um por ato
jurídico unilateral, como no caso de inter vivos ou causa mortis é o caso das fundações ou por
ato jurídico bilateral ou plurilateral, nas associações e sociedades. Há portanto uma vontade
humana para a criação dos entes personalizados que necessitam obedecer requisitos legais, 48 VENOSA, Silvo de Salvo. Op.cit. p. 264 49 VENOSA, Silvo de Salvo, loc cit. 50 Op.cit. p. 212 51 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 253
26
agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não
defesa em lei (art. 104 do Código Civil).
Nessa fase temos dois elementos o material e o formal. O primeiro refere-se aos atos
concretos da associação, as reuniões dos sócios, as condições do estatuto, os fins a que se
destinam os bens. O elemento formal é sua elaboração por escrito, que poderá ser público ou
privado, exceto para as fundações em que o testamento ou o instrumento público é
indispensável.
Na segunda fase temos o registro. Para que a pessoa jurídica exista legalmente é
indispensável seu registro, momento em que lhe é atribuída personalidade que decorre da lei.
A pessoa jurídica passa a ser sujeito de direitos e obrigações (art. 45, do Código Civil).
Impende lembrar que a pessoa jurídica pode acontecer tão-somente no campo dos
acontecimentos, não lhe conferindo o direito personalidade, não reconhecendo sua existência,
o que não impede que a lei lhe atribua conseqüências. Nesse sentido, Caio Mário da Silva
Pereira:
A compreensão do tratamento que a lei dispensa à sociedade irregular somente pode decorrer daquele princípio segundo o qual a aquisição de direitos é conseqüência da observância da norma, enquanto que a imposição de deveres (princípio da responsabilidade) existe sempre. 52
2.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO
À pessoa jurídica, caso apresente os requisitos legais, lhe é conferida personalidade.
No entanto, para que o ente personalizado goze de seus direitos e obrigações mister se faz que
o ordenamento jurídico lhe conceda capacidade para agir.
Há dois posicionamentos quanto à extensão da capacidade da pessoa jurídica. O
primeiro posicionamento defende que a capacidade da pessoa jurídica se limita tão-somente
ao campo patrimonial; o segundo alega o contrário, que esta capacidade vai além da esfera
patrimonial.
52 Op.cit. p. 219
27
Caio Mário da Silva Pereira53 e Silvio Rodrigues54 fazem parte da primeira corrente.
Alegam que em razão de sua natureza, as pessoas jurídicas têm seu poder limitado aos direitos
de ordem patrimonial.
Em contrapartida, Maria Helena Diniz55 e Silvio de Salvo Venosa56 defendem que
essa capacidade se estende a todos os campos do direito, sendo concedido direito ao
domicílio, à nacionalidade, à personalidade, ao patrimônio, à sucessão, dentre outros.
Verifica-se pelo art. 52 do Código Civil que nosso ordenamento jurídico adotou o segundo
entendimento, posto que confere à pessoa jurídica direitos de personalidade, no que couber.
Apesar das divergências acerca da extensão da capacidade da pessoa jurídica, a
doutrina em geral é unânime em afirmar que a pessoa jurídica deve sofrer limitações, por
motivo de segurança pública. A capacidade concedida ao ente jurídico é limitada à sua
finalidade, ao seu ato constitutivo, estatuto ou contrato social, bem como delimitados pela lei.
No que se refere ao limite imposto em razão de sua finalidade (princípio da
especialização), este deve ser compreendido como restrições às finalidades lícitas, pois com
relação a terceiros, essas atividades são sempre válidas. Assim, uma entidade com fins
financeiros não está impedida de realizar uma mostra de arte, por exemplo.57
Embasando esta afirmação, Caio Mário da Silva Pereira:
Não se pode, contudo, levar a doutrina da especialização às últimas conseqüências, nem se concebe que uma pessoa jurídica tenha a sua capacidade delimitada especificamente aos fins que procura realizar. Podemos, então, aceitar o princípio com aquela mitigação que lhe trazem Rossel et Mentha, isto é, que a pessoa moral tem o gozo dos direitos civis que lhe são necessários á realização dos fins justificativos de sua existência.58
No que pertine à representação, a pessoa jurídica em muito se diferencia dos
incapazes, pessoas naturais. A estes há uma proteção, um suprimento de vontade ao passo que
a representação dos entes personalizados se dá em razão da necessidade de se externar a
53 Ibid, p. 196 54 Op.cit. p. 93 55 Op.cit. p. 260 56 Op.cit. p. 241 57 Ibid, p. 242 58 Op.cit. p. 196
28
vontade de um ser abstrato. Deve-se a isso o fato de modernamente haver uma tendência em
substituir o termo “representante” por “órgão”. Entende-se que não se representa a pessoa
jurídica, mas se presenta perante os órgãos jurídicos. O ser humano é um instrumento pelo
qual o ente coletivo expressa sua vontade, havendo uma única vontade, a da pessoa jurídica.
2.7 EXTINÇÃO
Seu término se realiza por um ato de dissolução. Caio Mário da Silva Pereira relaciona
as formas pelas quais ocorre a extinção da pessoa jurídica: convencional, administrativa,
legal, natural e judicial.59
A dissolução convencional parte do pressuposto da vontade humana, porquanto se
pode constituir ou extinguir uma sociedade a partir da vontade de seus participantes. A
dissolução administrativa alcança os entes coletivos que necessitam de autorização do Poder
Público para funcionar. A dissolução legal quando houver previsão legal. A extinção natural
se dá em razão da morte dos membros da associação. Por fim, a dissolução judicial sempre
que houver processo litigioso.
O Código Civil em seu art. 1.033 elenca as hipóteses motivadoras da dissolução de
uma sociedade: o vencimento do prazo de duração, a concordância dos sócios, a deliberação
por maioria absoluta dos sócios (na sociedade de prazo indeterminado), a falta de pluralidade
dos sócios e a extinção de autorização para funcionar.
Impende notar que, para que haja a extinção da pessoa jurídica tem que ser verificado
outros fatores que não somente os motivos acima elencados. Portanto, caso se constate
patrimônios e débitos do ente coletivo, iniciar-se-á a fase da liquidação, em que a empresa
subsiste apenas para realizar o ativo e pagar as dívidas, vindo a cessar de todo depois que for
dado ao patrimônio restante o destino pertinente.60Ao final, há o cancelamento do registro,
com efeitos ex nunc, respeitando-se o direito de terceiros.
O destino a ser dado ao acervo econômico dependerá da finalidade da sociedade. As
sociedades que têm fins lucrativos, o patrimônio restante será partilhado entre os sócios. No
59 Op.cit. p. 219 60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 222
29
caso de associações será obedecido o estatuto, não havendo deliberação alguma por parte dos
sócios, os bens serão destinados a um estabelecimento municipal, estadual ou federal que
tenha a mesma finalidade. Caso não haja estabelecimento algum com o mesmo escopo, os
bens integrarão ao patrimônio da Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.
Quanto à extinção da pessoa jurídica, leciona Maria Helena Diniz:
A extinção da pessoa jurídica, decorre do encerramento da liquidação (CC, art. 1.109), como diz Modesto Carvalhosa, não importa somente no desaparecimento do vínculo societário, mas também no final cumprimento dos contratos e das relações jurídicas com terceiros e na sucessão da responsabilidade para os antigos sócios ( CC, art. 1.110).61
Logo, se verifica que para que haja a extinção da pessoa jurídica é necessário a
dissolução da sociedade e sua posterior liquidação, caso necessário.
61 Op.cit. p. 279
30
3. DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO
PRIVADO
3.1 ESCORÇO HISTÓRICO
Desde a idade antiga até a idade média predominaram as sanções coletivas, sanções
impostas sobretudo às famílias. Com o tempo reconheceram-se direitos e garantias cruciais ao
ser humano, oportunidade em que as sanções passaram a ser individuais.62
Fator histórico que representa um divisor de águas entre as sanções coletivas e
individuais é a Revolução Francesa. Pode-se afirmar que as sanções coletivas eram aplicadas
antes do século XVIII ao passo que as individuais após. Isso se deu em razão dos princípios
individuais por ela pregados. Nesse sentido, Shecaira:
Após a Revolução Francesa, com o advento do liberalismo, surgindo com o pensamento iluminista, a nova ideologia do liberalismo veio extinguir às punições coletivas que pudessem pôr em risco as liberdades individuais. Os princípios individualistas e anticorporativos do movimento revolucionário fizeram com que a responsabilidade criminal das pessoas coletivas não mais se sustentasse.63
No direito babilônico com Código de Hamurabi, do século XXIII a.C., o rei passou a
impor a responsabilidade coletiva. No caso de roubo, quando o assaltante não era preso,
caberia à cidade ou ao governador compensar a família da vítima, pagando a quantidade em
ouro.64
62 SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. p 82. 63 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: de acordo com a Lei 9.605/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 64 Ibid, p. 24
31
Quanto ao direito chinês e de outros países asiáticos as normas eram em demasia
rigorosas, oriundas das tradições familiares. As sanções coletivas eram aplicadas sob a forma
de duas variantes: a da solidariedade, em que integrantes da família do criminoso também
eram punidos; e a da representação, a família que não registrasse suas terras no registro
público tinha seu chefe penalizado corporalmente.65
Na índia houve marcante influência religiosa nas leis penais. A lei mais importante foi
o Código de Manu que consagrou a comunicabilidade do crime além de sua cooperação
criminal. Assim, o indivíduo que ingerisse comida preparada pelo criminoso também era
considerado como tal. Em razão da hierarquia de castas as penalidades eram distintas, a
depender da origem social do indivíduo. 66
No que tange ao direito hebreu, este também aplicava as penalidades coletivas que
passavam da pessoa do condenado às coisas e às pessoas. Um exemplo disso, de acordo com a
Bíblia, foi o primeiro castigo coletivo que se estendeu a toda humanidade decorrente do delito
de Adão e Eva. Pode ser citado também o dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, dentre
outros.67
No direito grego, em razão da própria organização da sociedade, pois existiam nas
cidades organizações coletivas de cunho social e religioso, eram praticadas as sanções
coletivas. Antes do século VII a.C., não se concebia terra como propriedade individual e as
vinganças eram coletivas.68
No que tange ao direito romano, afirma Shecaira que segundo o entendimento
dominante entre os juristas sua essência era positivista prático, ou seja, as normas eram
voltadas para a solução de problemas objetivos. Os romanos, portanto, tinham dificuldades
em reconhecer as coletividades, tendo em vista seu alto grau de abstração. Assim, não eram
aplicadas sanções coletivas, haja vista seu não reconhecimento.69
65 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.25 66 Ibid, p. 26 67 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 46 68 Ibid, p. 46 69 Op.cit. p. 29
32
O mesmo autor informa que os glosadores foram os primeiros a comentarem o direito
romano da idade média, mas suas interpretações foram distorcidas, porquanto tinham uma
visão estreita acerca das instituições. A universitas foi compreendida como a soma da vontade
de seus membros e não como uma entidade distinta da coletividade. Nesta oportunidade,
começaram a admitir a possibilidade de responsabilidade coletiva.
Dando continuidade ao estudo, a partir do século XII, os pós-glosadores, dentre estes
Bártolo, autor mais importante do estudo, afirmava que como o ente coletivo, filosoficamente,
era tido como uma ficção, ele tinha realidade jurídica. Sendo juridicamente capaz de querer e
atuar. Logo, poderia ser-lhe imputada infração penal.
No que pertine ao direito canônico, este reconhecia amplamente a responsabilidade
criminal dos entes coletivos, houve forte influência do direito germânico. Dentre seus
opositores temos o Papa Inocêncio IV, que alegava ser a coletividade uma ficção, um ente
abstrato, por esse motivo não tinha capacidade de atuar e querer. Mas, em razão da grande
necessidade de se penalizar os entes coletivos que se tornavam poderosos e somado à
tendência da época, seu entendimento não prosperou.70
No direito muçulmano há previsão no Alcorão de responsabilidade individual e
familiar, esta não chega a ser uma responsabilidade coletiva, pois o criminoso ainda era o
principal culpado, havendo intervenção familiar somente para mitigar a pena do acusado.
“Assim é que cometido um homicídio, por exemplo, o patriarca da família da vítima irá
procurar a família do acusado para fazer uma espécie de composição”.71
Para os germânicos era clara a responsabilidade criminal coletiva. A população era
dividida em grupos e esses eram responsáveis pelas atitudes de seus membros, eles tinham
que deter seus criminosos, caso contrário arcariam com uma indenização em dinheiro.72
Quanto ao direito francês, para os crimes cometidos pela coletividade eram aplicadas
sanções coletivas. A partir do século XVI criminalistas italianos, como Julius Clarus e
Farinaccius passaram a ratificar a responsabilidade criminal dos entes coletivos. No entanto,
70 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 32 71 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 49 72 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 34
33
com a Revolução Francesa a responsabilidade coletiva cede lugar à individual, por mais que
ainda houvesse, em razão dos costumes, leis penais coletivas.73
Ainda explica o mesmo autor que acerca do direito português as sanções não eram
aplicadas pelo Estado, de sorte que havia penalização tanto para o indivíduo como para a
coletividade, mas não se tinha previsão legal. Ademais, as penas eram aplicadas a depender da
situação social do indivíduo. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas nada dizem a
respeito. Vislumbra-se a responsabilidade criminal coletiva somente a partir do Projeto de
Código Criminal de 1789. No século XIX, o direito lusitano logo é influenciado pela
Revolução Francesa, deixando de penalizar os entes coletivos.
Por fim, no direito brasileiro se verifica a responsabilidade coletiva exercida pelos
índios, oriunda da própria organização social. Com a vinda dos Portugueses nosso Código
Penal passou a ser as Ordenações, mas estes nada diziam a respeito. Shecaira depois de ter
analisado o ordenamento da época, bem como o próprio contexto da sociedade afirma que não
se pode falar em responsabilidade penal da coletividade antes de 1988. A Constituição
Federal consagrou em seu art. 225, §3º e no art.173, §5º a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Mais tarde foi aprovada a Lei 9.605/98 (crimes ambientais) que consagra a
responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais.74
3.2 PRINCIPAIS CONGRESSOS INTERNACIONAIS
A preocupação atual internacional com a questão da responsabilização penal das
pessoas jurídicas se deu após a Primeira Guerra Mundial, pois com o crescente fortalecimento
dos entes coletivos o Estado passou a intervir, ditando regras que não eram observadas, sendo
imperiosa a aplicação de sanções. Nesse sentido, Marino Barbero Santos:
1. O desbordamento do Direito econômico-social. A situação socioeconômica obrigou o legislador a regular minuciosamente a produção, distribuição e consumo de produtos, os preços, a utilização dos serviços etc. ... e a prever, para sua violação, cada dia maior número de sanções repressivas. 2. As sociedades comerciais e industriais, cujo número e poder não paravam e crescer, passaram a ser as principais violadoras dessa regulamentação. 75
73 Ibid, p. 35 74 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit., p. 40 75 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 37
34
No entendimento de Shecaira, os hodiernos movimentos internacionais têm se
mostrado favoráveis à aplicação de sanções penais aos entes coletivos.76 Referido autor nos
apresenta dentre os movimentos internacionais existentes, os de maior destaque acerca da
matéria77:
O primeiro Congresso promovido pela Associação Internacional de Direito Penal, em
Bruxelas, no ano de 1926, mencionou a responsabilidade penal dos Estados na hipótese de
violação dos direitos internacionais. No segundo encontro, realizado em Bucareste em 1929, o
assunto foi abordado novamente e com maior destaque, enfatizando a necessidade da defesa
social.
O Congresso Latino Americano de Criminologia, realizado em Buenos Aires, em
1938, aprovou resoluções favoráveis a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.78
O Tribunal Militar Internacional, em 1945, criado para julgar os crimes cometidos na
Segunda Guerra Mundial reconheceu a personalidade jurídica de alguns grupos no campo
repressivo internacional, declarando-os criminosos.
No mesmo ano, na IV Conferencia da Federação Interamericana de advogados, que
aconteceu no Chile, foi debatida e aprovada a responsabilidade criminal dos entes coletivos.
No VI Congresso Internacional de Direito Penal da Roma, em 1953, chegou-se a um
consenso de que seria necessário um maior entendimento acerca da autoria de um crime pelo
ente coletivo. Já no VII Congresso realizado em Atenas ficou estabelecido que cada País
estabelecesse a responsabilidade da pessoa jurídica (pena de multa).
O Conselho da Europa, em 28 de setembro de 1977, durante uma reunião com o
comitê de Ministros (acerca da proteção ambiental) recomendou aos Estados-membros uma
discussão sobre a possibilidade de incriminação da pessoa jurídica.
76 Op.cit., p. 42 77 Ibid, p. 43-47 78 SOUSA, Alexandre Machado de. Op.cit. p. 39
35
Mais tarde, em 1981, numa reunião sobre a criminalidade econômica, referida
recomendação foi aprovada. Sendo reconhecida a necessidade de estudos para que os crimes
cometidos pelos entes coletivos fossem sancionados.
No XII Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Hamburgo, foi
reconhecido que são as pessoas jurídicas as maiores causadoras de danos ao meio ambiente e
que em razão disso era imprescindível que a mesma fosse penalizada quer penalmente,
civilmente ou administrativamente.
O Congresso sobre a Responsabilidade Penal das pessoas jurídicas em Direito
Comunitário, realizado em Messina em 1979, recomendou claramente que os entes coletivos
fossem responsabilizados penalmente, de acordo com sua natureza, sobretudo se fosse por
violação normativa de um Estado-membro da Comunidade Econômica Européia.
Ainda segundo Shecaria, no VI Congresso para Prevenção do Delito e Tratamento do
delinqüente, em 1979, sob o tema do delito e do abuso de poder, a própria Organização das
Nações Unidas recomendou o princípio da responsabilização penal das sociedades.
O mesmo autor relata que no XV Congresso Internacional de Direito Penal, realizado
no Rio de Janeiro, em 1994, foi aprovado pela comunidade jurídica, por maioria dos votos,
recomendações acerca dos delitos ambientais, dentre os quais elenca a responsabilidade penal
da pessoa jurídica por crimes ambientais.
Por fim, “o Conselho da Europa, em 04 de novembro de 1998, afirmou que as sanções
penais e administrativas impostas às pessoas jurídicas poderão ser eficazes na prevenção do
meio ambiente”.79
79 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 43
36
3.3 A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 05.10.1988
A proteção conferida ao meio ambiente pela Constituição de 1988 em muito se
diferencia das Cartas Políticas anteriores, que nunca demonstraram tamanha preocupação
como a atual Carta Maior o fez, tendo destinado um capítulo para sua proteção.
No intuito de efetivar mencionada proteção a Constituição Federal previu distintas
regras, divididas em quatro grupos: a regra de garantia, as regras gerais, as regras específicas
e as regras de competência.80
A regra de garantia está inserta no art. 5º, inciso LXXIII, que estabelece a legitimidade
conferida a qualquer cidadão para anular ato lesivo ao meio ambiente por meio da ação
popular. Quanto às regras gerais, a Constituição prevê diversas regras atinentes à preservação
do meio ambiente, quais sejam: artigos 170, VI; 173, §5º; 174, §3º; 186, II; 200, VIII, 216, V;
231,§1º. No que pertine às regras específicas, estas se encontram no capítulo do meio
ambiente, art. 225.
Por seu turno, as regras de competência estão relacionadas no art. 23, no que tange à
competência administrativa; no art. 24, referente à previsão da competência legislativa; no art.
129, III, que estabelece a competência do Ministério Público para promover o inquérito civil,
ação civil pública, para proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Cumpre notar que a Constituição ao prever um capítulo para a proteção do meio
ambiente, ela o fez captando o que estava inserido na alma nacional, ou seja, na consciência
coletiva da sociedade. Ademais, a proteção por ela concedida ao ambiente não se limita ao
Capítulo VI do Título VIII, dirigido à Ordem Social, porquanto há inúmeros regramentos
pertinentes à proteção ambiental no Texto Supremo, em razão de a matéria ser de conteúdo
multidisciplinar. 81
No que tange à responsabilidade penal da pessoa jurídica, cumpre citar dois artigos
previsto na Constituição, o art. 173, §5º e o art. 225, §3º, cito:
80 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. 81 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina,jurisprudência,glossário. 4 ed. rev.atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribuanais, 2005.
37
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) §5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação e reparar os danos causados.
No que pertine ao tema, ainda tem prevalecido forte celeuma dentre os mais
renomados doutrinadores, em especial, constitucionalistas e penalistas. Neste capítulo
apresentaremos as divergências doutrinárias quanto à correta interpretação dos artigos 173,§5º
e 225, §3º insertos em nossa Carta Política de 1988.
Dentre os autores que negam que a Constituição tenha instituído a responsabilidade
penal aos entes coletivos, afirmam que ainda prevalece o brocardo societas delinquere non
potes. Nesse entendimento, destacam-se dois tipos de interpretação: a interpretação de ordem
teleológica e a interpretação literal do Texto Constitucional. 82
Consoante o entendimento de Luiz Vicente Cernicchiaro e René Ariel Dotti, os artigos
acima citados devem ser interpretados de forma teleológica e considerados dentro de todo o
sistema normativo, para não ir de encontro a outros dispositivos constitucionais.83
Assim, caso fosse imputada sanção penal à pessoa jurídica se estaria ferindo dois
princípios basilares do direito penal, previstos na Constituição: o princípio da culpabilidade
(só há pena, caso haja culpa) e o princípio da responsabilidade pessoal (a pena não passa da
pessoa do condenado).
Comungando de igual entendimento, Luiz Regis Prado defende que as sanções
previstas nos artigos 173, §5º e 225, §3º, CF/88, devem ser interpretadas “à luz dos princípios
82 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 118 83 Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.119
38
penais ínsitos na própria Constituição – numa visão lógico-sistemática e teleológica – e no
sentido tradicional das categorias jurídico-penais a eles adstritas”.84
Paulo de Bessa Antunes faz uma interpretação literal do art. 173, §5º, porquanto aduz
que o constituinte previu claramente duas situações: a responsabilidade pessoal e
intransferível aos dirigentes empresariais e as penalidades apropriadas para as empresas, que
seriam as civis e administrativas.85
No que pertine ao art. 225, §3º, continua o mesmo autor que o norte para sua
interpretação se encontra no conceito a ser adotado para a definição de punições compatíveis
com a sua natureza. No que se refere a esta, afirma que a maioria dos doutrinadores penalistas
defende que o direito penal brasileiro tem por base os princípios da subjetividade do agente e
da personalidade das penas.
Por conseguinte, entende que a responsabilidade penal deve ser aplicada tão-somente
às pessoas que se valem do ente jurídico para a prática de crimes, aplicando-se aos entes
coletivos as penas civis e administrativas.
Rodrigo Sánchez Rios ao analisar os artigos em comento afirma que a Constituição
Federal não atribuiu a responsabilidade penal aos entes morais. Cito:
Com o devido respeito às ponderações lições da doutrina constitucional acima referidas cumpre observar que a Constituição Federal poderia ter sido mais enfática, extirpando desde logo a ambigüidade do seu texto na medida em que ao invés de cogitar ‘punições compatíveis com sua natureza’ tivesse desde logo se reportado a sanções criminais ( §5º, do art. 173). Igualmente no § 3º do art. 225, embora mais expressa, igualmente dá margem a interpretação no sentido de que às pessoas jurídicas sejam cabíveis apenas sanções administrativas. Da forma como está posto o texto constitucional, permanece aberta a discussão doutrinária, ficando apenas clara a intenção do legislador constituinte de sancionar a pessoa jurídica.86
José Cretella Junior também se atém à interpretação literal do Texto Constitucional,
isso se verifica diante de seu posicionamento acerca do art. 225, §3º. Afirma o autor que o
84 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 85 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 86 Apud PEREIRA, Flávio de Oliveira. A atuação dos órgãos competentes no plano da eficácia da legislação ambiental no médio Paraíba. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 36
39
legislador estabeleceu uma distinção entre os termos conduta, que foi utilizado para se referir
à pessoa física e atividade, usado para a pessoa jurídica.
Por outro lado, José Afonso da Silva afirma com veemência que os dois artigos
constitucionais estudados têm íntima relação, não podendo ser analisados separadamente, uma
vez que ambos reconhecem a possibilidade de responsabilização do ente coletivo,
independentemente da responsabilidade de seus dirigentes, com o escopo de proteger a ordem
econômica que tem como um de seus princípios a proteção do meio ambiente.87
Paulo Affonso Leme Machado entende que a Constituição Federal em atenção à
vontade popular, estabeleceu a responsabilidade penal ao ente coletivo, instituindo o princípio
de que não basta a sanção imposta à pessoa física que atua na empresa, é necessário que o
ente coletivo também seja sancionado penalmente.88
Acrescenta ainda que o art. 225, §3ª não se choca com o princípio da individualização
da pena, expresso no art. 5º, inciso XLV da Constituição, estabelecendo que a pena não
passará da pessoa do condenado. Cito:
A Constituição proíbe que a família de um condenado – pessoa física – possa ser condenada somente porque um de seus membros sofreu uma sanção ou que alguém se apresente para cumprir pena em algum lugar. Contudo, o mandamento constitucional não exclui da condenação penal uma pessoa que seja arrimo de família. A sanção penal poderá ter reflexos extra-individuais legítimos, pois não se exige que o condenado seja uma ilha, isolado de todo o relacionamento. 89
Gilberto Passos de Freitas afirma que não há o que se discutir acerca do tema, uma vez
que, conforme os ensinamentos de Rui Barbosa as normas constitucionais não se valem de
palavras inúteis ou ociosas, muito pelo contrário, suas normas têm força imperativa,
provenientes da soberania nacional ou popular. Cabendo ao legislador a tarefa de disciplinar a
matéria.90
87 Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.115 88 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 664 89 Ibid, p. 665 90 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 72
40
Nesse mesmo entendimento, Édis Milaré acentua o correto intento do legislador ao
prever as sanções penais aos entes coletivos. Aduz que somente dessa forma se alcançará o
verdadeiro agressor do meio ambiente – a pessoa jurídica. 91
Shecaira entende que a Constituição previu claramente a responsabilidade penal dos
entes coletivos, mas tão-somente em duas oportunidades: para a proteção da ordem
econômica e a defesa do meio ambiente.92
Cumpre destacar seu entendimento acerca dos vocábulos conduta e atividade,
utilizados no art. 225, §3º, da Constituição. Entende que foram empregados como sinônimos,
porquanto a pessoa jurídica age a partir da conduta da pessoa física. Cito:
Atividade, por exemplo, é a qualidade daquele que é ativo, que age, agir, por sua vez, é “praticar ou efetuar na qualidade de agente; obrar, operar, atuar”. Agir é o verbo; ação, o substantivo, que tem por sinônimo a atividade. Pois bem, atividade ou ação não são apanágios somente da pessoa jurídica. Basta que se leia o Código Penal onde, em inúmeras oportunidades, pode ser visto esse substantivo. No art. 4º, por exemplo, está que “considera-se praticado o crime no momento da ação”.93
Afirma ainda o mesmo autor a necessidade da observância de dois princípios
hermenêuticos para a correta interpretação do artigo em comento: o processo histórico-
evolutivo e comparatístico e a supremacia da norma particular em detrimento da norma geral.
No que pertine ao processo histórico-evolutivo e comparatístico, lembra o autor dos
Congressos internacionais que começaram a se posicionar no sentido de proteção ao meio
ambiente, sugerindo sanções àqueles que cometessem crimes ambientais.
Destaca também que não se pode ignorar o momento histórico em que se deu o
processo de elaboração de nossa Constituição. Lembra da participação, na elaboração do
capítulo sobre o meio ambiente, do Deputado Federal Fábio Feldman que desde época
acadêmica se demonstrou forte defensor da penalização dos entes coletivos em razão de suas
agressões ao meio ambiente. Nesse sentido:
91 Op.cit. p.857 92 Op.cit. p. 126 93 Ibid, p. 119
41
Sabe-se que o referido parlamentar é entusiasta ecologista e, desde os bancos acadêmicos, ferrenho defensor de mecanismos de controle das ações das empresas quanto à emissão de poluentes que possam afetar o ambiente. Sua participação na elaboração constitucional não teria a grande importância que teve, para interpretação de seu texto, se ele não houvesse continuado a atuar, como político e jurista, na elaboração de normas (agora infraconstitucionais), sempre consagradoras da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que se reconhece de forma inequívoca.94
Continua o mesmo autor, há dois princípios gerais do direito penal: o princípio da
culpabilidade e o da individualização das penas. Mas, quando há contrariedade entre uma
norma geral e a particular, esta tem supremacia sobre aquela. Esclarece que temos inúmeros
exemplos de dicotomias regra/exceção, como a responsabilidade civil objetiva do Estado.
Portanto, verifica-se que os renomados doutrinadores que negam tenha a Constituição
instituído sanções penais a entes coletivos defendem a permanência do brocardo societas
delinquere non potest, valendo-se de princípios hermenêuticos distintos (teleológico-
sistemático e gramatical) para fundamentarem seu repúdio à responsabilização penal da
pessoa moral.
Em contrapartida, os defensores da responsabilização penal das pessoas jurídicas
fundamentam seu posicionamento no fato de serem as pessoas jurídicas as maiores causadoras
dos crimes ambientais e na necessidade de se aplicar sanções eficazes. Valendo-se de uma
interpretação histórico-evolutivo comparatístico, além da supremacia de uma norma particular
em detrimento de uma norma geral.
3.4 ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA E FAVORÁVEL
O direito penal brasileiro, tendo em vista sua filiação romano-germânica, repudia a
responsabilidade penal dos entes morais, tendo como sustentáculo o brocardo latino societas
delinquere non potest. É dizer, somente as pessoas físicas poderão cometer ilícitos penais.
A dificuldade encontrada pelos doutrinadores penalistas em admitir a responsabilidade
criminal das pessoas morais se dá em razão de alguns conceitos clássicos do direito penal
tradicional: a capacidade de ação, a capacidade de culpabilidade (considerado o maior
obstáculo) e a capacidade de pena.
94 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit. p.126
42
Entretanto, os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica alegam não
existir fortes obstáculos à sua aceitação, uma vez que todos os conceitos clássicos do direito
penal podem ser superados.
3.4.1 Da Capacidade de Ação
O conceito de ação é um dos temas mais divergentes entre os penalistas, pois a
depender do sentido empregado à palavra ação o conceito estrutural do crime é modificado.
Dentre as teorias mais divulgadas estão: a teoria causalista, a teoria finalista e a teoria
social.95
Na teoria causalista para configuração da ação basta que haja uma conduta voluntária,
sendo irrelevante a pretensão do agente. Entendem os causalistas que “para se concluir pela
existência da ação típica, deve-se apreciar o comportamento sem qualquer indagação a
respeito da sua ilicitude ou da sua culpabilidade”. 96
Para a teoria finalista, defendida por Hans Welzel, toda ação corresponde a um fim.
Logo, “a ação é imputável a quem lhe deu causa com um propósito. É a ação final, porque
ninguém age sem um escopo”.97 Pratica o fato típico quem agiu almejando um resultado,
assumindo conscientemente o risco de produzi-lo ou não se precavendo ao agir.
A teoria social conceitua ação como o comportamento que tenha relevância social, ou
seja, para a configuração da ação é indispensável a relação da causalidade e a afronta a uma
norma de conduta social. É dizer: “além da relação de causalidade, é preciso que a ação
caracterize a quebra do papel social devido com frustração da expectativa posta na norma
jurídica”.98
Uma das críticas argüidas contra a aplicação da sanção penal à pessoa coletiva refere-
se à capacidade de ação. Como fora visto nas teorias acima apresentadas, é imprescindível o
95 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral arts. 1º a 120do CP. 20 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2003. p.101 96 Ibid, p. 102 97 Apud ROSA, Fábio Bittencourt da Rosa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano XX, n. 91, setembro 2003. p. 93. 98 Ibid, p. 93
43
requisito vontade (presente em todas as teorias) para a configuração da ação. É o agir por si
mesmo.
A tese que defende a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica argumenta que o ente
coletivo não possui vontade própria por ser uma ficção jurídica. Explica que a ação somente
poderá ser praticada pelo homem, tendo em vista o requisito vontade a ele inerente. Nessa
linha de raciocínio somente as pessoa naturais que atuam como órgãos representantes da
empresa poderão ser responsabilizados penalmente. Assim, o homem é o único destinatário
das normas de conduta de natureza penal.
Luiz Régis Prado afirma que a pessoa jurídica não tem consciência e vontade, que
precisa tomar emprestada da pessoa física estas capacidades. Logo, não pode ser qualificada
como autora ou partícipe de um delito. Explica ainda que nesse ponto há que se destacar a
diferença existente entre sujeito de ação e sujeito de imputação, uma vez que os entes
coletivos só podem atuar através de seus órgãos representantes (pessoas físicas).99
Entendimento semelhante tem Hugo de Brito Machado ao afirmar que basta uma
simples leitura ao Código Penal para se verificar que as sanções ali descritas são destinadas às
pessoas físicas. Portanto, no Brasil, as normas de Direito Penal são destinadas ao ser
humano.100
Esclarece ainda o autor que não se pode ignorar que os entes coletivos venham a
cometer ilícitos, mas estes deverão ser repreendidos por meio de outros instrumentos jurídicos
que não as sanções penais, porque não são em todos os casos que a tutela penal é possível e
adequada.
Partilhando desse entendimento, Rodrigo Sánches Rios: “se por um lado resta evidente
a necessidade de aplicar sanções aos abusos cometidos por sociedades anônimas e demais
entes societários, por outro há que se indagar se estas sanções devem ser de natureza
penal”.101
99 Op.cit. p. 148 100 MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 24. 101 Apud MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit. p. 25
44
Todavia, os adeptos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas sustentam que o
ente coletivo tem vontade própria, tendo em vista que sua existência é uma realidade.
Segundo explica Germano da Silva, verificamos que para a tese de defesa da
responsabilidade penal do ente coletivo se acolheu a teoria social “a autoria da pessoa jurídica
deriva da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente em desacordo ao
papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Esta é a ação penalmente relevante”.102
Tiedmann substituiu o conceito psicológico de ação por um conceito normativo, pois
afirma que a pessoa jurídica tem capacidade de ação, porquanto atua e raciocina por meio de
seus órgãos representantes que são as pessoas naturais. Assim, as ações e omissões praticadas
pelos representantes da empresa são interpretadas como se fossem atos da própria
coletividade. Explica ainda que da mesma maneira que uma coletividade pode concluir o
contrato, pode também infringir essas obrigações.103
Sérgio Salomão Shecaira entende que a pessoa jurídica é um verdadeiro ente social,
não podendo sua realidade jurídica ser ignorada. Aduz que com base nesse raciocínio grande
parte da doutrina nacional reconhece a capacidade de vontade às pessoas jurídicas. Portanto,
não há o que se questionar quanto à capacidade de vontade presente na sociedade, que se
concretiza passo a passo, em cada etapa de sua constituição, pela reunião, deliberação, voto da
assembléia geral, administração ou gerência. Ademais, explica que as empresas podem ter
decisões reais que contrariam a vontade de alguns de seus membros, confirmando sua
realidade e não ficção.104
No entendimento do Ministro Gilson Dipp do Supremo Tribunal de Justiça, “se a
pessoa jurídica pratica atos no meio social, poderá vir a praticar condutas típicas, e portanto,
ser passível de responsabilização penal, tal como ocorre na esfera cível”.105
Conforme verificado, a tese que se apresenta favorável à responsabilidade penal do
ente coletivo afirma que o mesmo possui vontade própria que é externada por meio de seus
102 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463. 103 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 109 104 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 88 105 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463.
45
órgãos que são as pessoas naturais. Ademais, conclui que referida representação enseja uma
ação da própria pessoa jurídica. Vejamos:
Cada um de seus órgãos possui uma atribuição, sendo que a soma dessas funções compõe o todo que representa a vontade do ente coletivo. Vale dizer, as condutas dos representantes da pessoa jurídica em seu benefício, com vistas a contrariar o ordenamento jurídico-penal, são tidas como ações ou omissões da própria empresa.106
Interessante citar a teoria de identificação acerca do tema:
Nesse ponto, o direito anglo-saxão – muito mais avançado e propenso a resolver questões pragmáticas e de política criminal –desenvolveu uma teoria que é conhecida como doutrina de identificação. Para essa teoria, os órgãos da empresa funcionam como se fossem partes do corpo humano: o cérebro da empresa seria o órgão diretivo superior; o tronco seria composto pelos órgãos de nível médio ou intermediário; e os braços seriam os agentes subordinados (...) tal teoria pode perfeitamente ser aplicada como vem sendo feito no Japão, pois este país possui algumas leis extravagantes que dispõem sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos moldes da doutrina de identificação, mas não admite a responsabilidade sem culpa.107
Cumpre notar que, conforme o entendimento favorável, para a identificação da autoria
do crime da pessoa jurídica é imprescindível verificar se o sócio administrador agiu
isoladamente, em proveito próprio ou se o representante legal da empresa agiu de forma a
gerar benefícios para o ente coletivo. Na primeira situação, o sócio será responsabilizado
sozinho, mas na segunda hipótese será reconhecida a capacidade de ação da pessoa jurídica e
a mesma será responsabilizada juntamente com o representante legal da empresa.108
3.4.2 Da Capacidade de Culpabilidade
Na antiguidade, como já fora visto, a responsabilidade penal era objetiva e difusa.
Noutro dizer, a pena era aplicada independentemente do fator culpa, bastava a ocorrência do
fato lesivo e passava da pessoa do condenado atingindo familiares, dentre outros.
Contudo, com o desenvolvimento da sociedade a responsabilidade penal passou a ser
subjetiva e individual, ou seja, para aplicação da sanção penal importava saber a existência de
106 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 110 107 SANTOS, Emerson Martins do, loc cit. 108 ROSA, Fábio Bittencourt. Op.cit. p.93
46
dolo (vontade) ou culpa (previsibilidade) e somente o agente causador do dano era penalizado
pelo delito.
Assim, tendo o direito penal adotado a responsabilidade subjetiva, tornou-se
indispensável o estudo acerca da culpabilidade, surgindo teorias a respeito, dentre as de maior
destaque estão a teoria psicológica, a teoria normativa, a teoria finalista, a teoria da adequação
social e a teoria da culpabilidade pelo fato.109
Para a teoria psicológica da culpabilidade, de origem naturalista causal, “a
culpabilidade reside numa ligação de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e
o fato criminoso. Dolo e culpa, assim, seriam as formas da culpabilidade” 110 As teses
contrárias a essa teoria argumentam que ela não explica a culpa inconsciente, bem como não
há valoração entre o responsável pelo ilícito e o resultado.
A teoria normativa defende que para a configuração da culpabilidade é necessário além
do dolo ou da culpa a reprovabilidade de um juízo de valor sobre o fato, não se olvidando que
o agente para ser censurado precisa ter conhecimento que sua conduta é ilícita ou pelo menos
possibilidade desse conhecimento.
Com a teoria da ação finalista defende-se que dolo e culpa pertencem à ação típica e
não à culpabilidade, ou seja, “o dolo faz parte da ação humana e não do juízo de
culpabilidade”111. Daí afirmar-se que a culpabilidade consiste num juízo de reprovação do
autor quando este tenha consciência que a sua conduta é ilícita e seja possível a exigibilidade
de outra conduta.
A teoria da adequação social exige do cidadão um comportamento social adequado,
consiste na relação do indivíduo com seu meio social, esta teoria “parte do pressuposto de que
o dolo e a culpa se inserem dentro do contexto do tipo legal, acrescenta a esse conceito sua
relevância social”.112
109 ROSA, Fábio Bittencourt, loc cit. 110 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op.cit. p. 195 111 Ibid, p. 72 112 SCHECAIRA, Sérgio Salomão.Op.cit. p. 72
47
No direito penal moderno, o entendimento majoritário defende a teoria da
culpabilidade pelo fato. Sua fundamentação consiste no livre arbítrio dado ao homem,
reprova-se a conduta humana, o fato praticado pelo agente. Além disso, não se pode olvidar
que a culpabilidade limita a aplicação da pena. São três os elementos da culpabilidade: a
imputabilidade (capacidade de culpa), a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do
fato e a exigibilidade de conduta diversa. 113
A corrente doutrinária contrária à responsabilidade penal da pessoa jurídica defende
que os elementos que se apresentam para a configuração da culpabilidade são inerentes à
capacidade humana. Nesse sentido, Luis Régis Prado:
A culpabilidade como juízo de censura pessoal pela realização do injusto típico pode ser endereçada a um indivíduo (culpabilidade de vontade). Como juízo ético-jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal, somente pode ter como objeto a conduta humana livre. Esse elemento do delito – como fundamento e limite da pena – é sempre reprovabilidade pessoal e se decompõe em: imputabilidade (capacidade de culpa); consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. 114
A corrente contrária ainda afirma que, juridicamente seria impossível sustentar a
consciência de ilicitude da conduta de um ente coletivo, mas tão-somente da pessoa física,
sendo certo que referida consciência é essencial para a existência da culpabilidade. Assim, a
pessoa jurídica não teria vontade ou consciência própria, mas tomaria emprestada da pessoa
física que a representa, podendo ser responsabilizada somente civil ou administrativamente.
Cito:
A pretensão de se incriminar as pessoas coletivas esbarra na impossibilidade de se conceber que uma empresa comercial, por exemplo, tenha possibilidade de formar a “consciência de ilicitude” da atividade que é desenvolvida pelos seus prepostos e servidores. Nem seria razoável formular-se um juízo de reprovabilidade penal pelo desempenho de uma instituição financeira, embora seja possível estabelecer-se o juízo externo de reprovação pelo seu comportamento nocivo junto ao mercado mobiliário. Mas, trata-se de um julgamento que deságua na imputação da responsabilidade administrativa, fiscal e civil; jamais de natureza criminal.115
Partilhando do mesmo entendimento, Cezar Roberto Bitencourt defende que a pessoa
jurídica é inimputável, tendo em vista que não apresenta normalidade e maturidade psíquica
como a pessoa natural; aduz ainda que não há possibilidade de o ente coletivo apresentar
consciência, sendo este também fator inerente somente ao homem; e por fim, entende que a 113 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit p. 118 114 Op.cit. p. 147 115 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 86
48
exigibilidade de conduta diversa pode ser aplicada à sociedade, mas como os elementos são
cumulativos resta concluir que a pessoa moral não tem capacidade de culpa.116
Em contrapartida, algumas teorias surgiram no intuito de justificar a possibilidade de
aplicação do princípio da culpabilidade às pessoas jurídicas, tendo em vista que “A sua
finalidade precípua é a de legitimar o direito de punir comportamentos que lesam ou põe em
perigo a subsistência do ordenamento jurídico-penal” 117. Dentre as principais teorias estão a
teoria da culpabilidade, a teoria da representação e a teoria defendida por Schunemann. 118
Para a teoria da culpabilidade, a capacidade de culpa inerente ao homem seria
substituída pelo do interesse público predominante. O interesse do Estado seria considerado
ao invés do princípio da culpabilidade. Essa primeira teoria se baseia na teoria da
identificação. Entende-se que referido posicionamento não é adequado, tendo em vista que
não se pode falar em direito penal sem a culpabilidade. Ademais, haveria uma preponderância
por parte do Estado.
Na teoria da representação, defendida por Tiedmann, defende-se a culpabilidade por
defeito da organização. Há uma substituição do conceito psicológico de ação para o conceito
normativo ou funcional. É dizer, o ente coletivo seria penalizado no caso de omissão de
medidas necessárias para impedir o ilícito, é uma culpa social. Ademais, a manifestação de
vontade dar-se-ia por meio de seus órgãos superiores, por isso a denominação teoria da
representação. Impende notar que esta teoria baseada na culpa social tem sido a mais aceita.
No que pertine à teoria da representação, entende Luiz Régis Prado que ao reconhecer
a culpabilidade do ente coletivo por defeito de organização, estaria fundamentando a
culpabilidade em fato alheio – culpabilidade presumida -, porquanto o fato culpável estaria
sendo aplicado ao ente moral ao invés de aplicá-lo ao seu órgão ou representante.119
Há, contudo, posicionamento diverso deste acerca da teoria da representação. Cito:
116 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 84 117 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 96 118 Ibid, p. 120 119 Op.cit. p. 150
49
Pensamos ser mais adequada a adoção da teoria de Tiedmann, pois esta permite uma melhor aplicação da lei penal, em virtude de que uma empresa rege-se por seus estatutos e pela lei, sendo que seus representantes são as únicas pessoas com competência para praticar ações ou omissões em favor da empresa que sejam relevantes para repercutir na seara penal. Aliás, essa é apenas a integração de um teoria que já existe há muito tempo no ordenamento jurídico-civil.120
A terceira teoria, formulada por Schunemann, renuncia o princípio da culpabilidade.
Defende que para a aplicação das sanções seriam observados dois requisitos: o primeiro seria
a realização pela pessoa natural em proveito da sociedade de uma ação que resultasse uma
pena ou multa administrativa e o segundo requisito seria a insuficiência de medidas de direção
ou vigilância necessárias para evitar citados fatos. Este entendimento se diferencia da teoria
da representação porque nesta há conexão entre a falha de organização e um órgão de direção
superior ao passo que na teoria de Schunemann basta a existência da prática ilícita por
qualquer integrante da empresa.
Dentre os doutrinadores que se posicionam favoráveis à sanção penal do ente coletivo,
Ney de Barros Bello Filho defende que o ordenamento jurídico precisa acompanhar as
mudanças ocorridas na sociedade. Para tanto, as normas do direito penal precisam ser
interpretadas com certa flexibilização para não se tornar uma lei vigente, mas sem eficácia.
Assim sendo, o princípio da culpabilidade deve ser analisado de uma forma relativa frente ao
fenômeno que se pretende estudar.121
Ademais, continua o autor, a responsabilização criminal do ente coletivo não fere o
princípio da culpabilidade uma vez que “a própria culpabilidade deve ser vista como
culpabilidade social, partindo-se do pressuposto de que a pessoa jurídica possui vontade
reconhecível e absolutamente própria” 122. Sendo que sua culpabilidade social se verifica
quando a sociedade age em desacordo com o esperado pelo ordenamento jurídico.
No entendimento de Shecaira, o conceito de culpabilidade decorre do livre-arbítrio
que consiste em uma base filosófica escolhida diante da necessidade de se punir
comportamentos que põem em perigo ou atingem bens juridicamente relevantes. Portanto,
todo comportamento violador de regras precisa ser repreendido e o mesmo pode ser feito com
a pessoa jurídica.123
120 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 124 121 Apud SOUSA, Alexandre Machado de. Op.cit. p. 88 122 Apud SOUZA, Alexandre Machado de, loc cit. 123 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 94
50
Cumpre citar o posicionamento do Ministro Gilson Dipp do Supremo Tribunal de
Justiça acerca da capacidade de culpabilidade do ente coletivo:
A questão da culpabilidade, por exemplo, deve transcender ao velho princípio societas delinquere non potest. Na sua concepção clássica, não há como se atribuir culpabilidade à pessoa jurídica. Modernamente, no entanto, a culpabilidade nada mais é do que a responsabilidade social e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.Valdir Sznick, na mesma linha, prevê de que maneira a pessoa jurídica é culpável (...) à pessoa jurídica pode-se imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder agir segundo as exigências do direito (a exigibilidade de outra conduta) a pessoa jurídica é culpável (entendendo a exigibilidade no conceito dos finalistas, reproduzido por Jimenez de Asúa). Tratando-se de pessoas jurídicas, estamos diante de uma culpa social, diferenciada mas que atinge interesses coletivos, em um campo teórico, tratando-se de uma culpa diferenciada, diversa da culpa tradicional, dentro do interesse público, fundamento das “strict liability”, do direito americano, que prescinde da “mens rea”, ou seja, do dolo (...).”124
Explica Gaspar de Sousa que analisando os argumentos favoráveis a aplicação de
sanção penal ao ente coletivo e no que se refere ao princípio da culpabilidade, notório é que
pode ser aplicado um juízo de reprovabilidade às condutas da pessoa jurídica. Contudo, sua
análise se dará de forma distinta da pessoa natural, mas de forma alguma isso é um obstáculo
para que a sociedade seja penalizada por condutas ilícitas que são praticadas por meio de seus
órgãos.
3.4.3 Da Capacidade de Pena
A Constituição brasileira prevê dois princípios constitucionais que devem ser
observados quando do momento da aplicação da pena, são eles: o princípio da personalidade
(art. 5º, XL) e o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI).
De acordo com Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, pelo princípio da personalidade da
pena somente o autor do delito poderá ser penalizado, ou seja, não haverá punição por fato
alheio. Quanto ao princípio da individualização da pena, o julgador deverá aplicar a pena
correta, conforme a cominação legal, além de estabelecer de que forma a pena será
executada.125
124 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463. 125 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.89
51
No que pertine à responsabilidade penal do ente coletivo, a corrente doutrinária que se
apresenta contrária alega que a pessoa jurídica não possui capacidade de pena, caso contrário
os princípios da personalidade e da individualização da pena seriam feridos.
Explica a tese contrária que na hipótese de se estabelecer a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, inocentes serão penalizados injustamente. Se em determinada empresa, por
maioria dos votos, for aprovada a venda de determinado produto que polua o meio ambiente,
numa eventual condenação da pessoa coletiva, seriam penalizados todos os sócios, até mesmo
aqueles que se manifestaram contra. Nesse caso, a sanção atingiria inocentes e culpados. Em
razão disso, a responsabilidade penal deve ser aplicada somente à pessoa natural que se
esconde atrás do ente coletivo para cometer delitos. Nesse sentido Luiz Régis Prado:
Em verdade, o princípio da personalidade da pena – nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, CF) – tradicionalmente enraizada nos textos constitucionais brasileiros, impõe que a sanção penal recaia exclusivamente sobre os autores materiais do delito e não sobre todos os membros da corporação (v.g., operários, sócios minoritários etc.), o que ocorreria caso se lhe impusesse uma pena. Não há lugar aqui para outra interpretação senão a que liga a responsabilidade penal à realização de um comportamento próprio, sendo a responsabilidade pessoal sempre e exclusivamente de ordem subjetiva. Afastando, desse modo, qualquer outra modalidade de responsabilidade penal (v.g.,coletiva, pelo fato de outrem etc).126
Também se afirma quanto ao princípio da individualização da pena que no momento
em que o juiz for analisar o ilícito cometido para aplicar a sanção penal, terá o mesmo que
observar elementos como: a culpabilidade, a motivação, a circunstancias, entre outros. Nesse
instante o aplicador do direito constataria a incapacidade de pena da pessoa moral, porquanto
as sanções penais são destinadas somente ao ser humano, uma vez que prescinde de elementos
inerentes à pessoa humana. Ademais, ao ente moral é impossível aplicar a pena privativa de
liberdade.127
Doutro lado, os que defendem a capacidade de pena do ente coletivo argumentam que
os princípios da personalidade e da individualização da pena em momento algum seriam
desrespeitados. Dentre seus defensores, Schecaira observa que pelo princípio da
126 Op.cit. p. 151 127 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 90
52
personalidade da pena a sanção não poderá ultrapassar a pessoa do condenado, mas isso não
implica dizer que terceiros não venham a sofrer os reflexos da pena. 128
Embasando sua afirmação, o mesmo autor menciona o fato de o próprio ordenamento
jurídico reconhecer que a pena aplicada ao condenado atinge indiretamente terceiros.
Exemplo disso é a Legislação Previdenciária que prevê o instituto do auxílio-reclusão para a
família do preso e a Lei de Execução Penal que estabelece ajuda aos familiares do preso com
o rendimento obtido pelo condenado ao trabalhar no presídio. Portanto, conclui que infundada
é a alegação de que o ente coletivo não possui capacidade de pena pelo fato de a pena
alcançar indiretamente terceiros.
Nesse mesmo sentido, aduz Emerson Martins dos Santos que a sanção a ser aplicada
ao ente moral será sentida por todos os membros, direta ou indiretamente. Serão penalizados
de forma direta os que deram causa ao ilícito, e responderão na medida de sua culpabilidade.
Quanto aos que sentirão os reflexos da pena, explica que não há ofensa ao princípio da
personalidade, uma vez que os próprios estatutos constitutivos da empresa prevêem a
representação como forma válida de se externar a vontade da pessoa jurídica, sendo certo que
todos os membros da sociedade voluntariamente se obrigaram a acatar a decisão da maioria
dos sócios.129
Diz mais, na hipótese de o ente coletivo ser condenado à pena de dissolução, não
somente todos os membros serão atingidos indiretamente pela pena, mas funcionários, dentre
outros. Contudo, em mais essa situação se verifica que não pode ser argüida a tese de afronta
ao princípio da individualidade da pena, pois a mesma pena já vem sendo aplicada na esfera
cível, produzindo efeitos semelhantes.
Partilhando do mesmo entendimento, Paulo Affonso Leme Machado:
O art. 225, §3º, da CF não se choca com o art. 5º, XLV, que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. A Constituição proíbe que a família de um condenado – pessoa física – possa ser condenada somente porque um de seus membros sofreu uma sanção ou que alguém se apresente para cumprir a pena em lugar de outrem. Contudo, o mandamento
128 Op.cit. p. 89 129 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 125
53
constitucional não exclui da condenação penal uma pessoa que seja arrimo de família. A sanção penal poderá ter reflexos extra-individuais legítimos, pois não se exige que o condenado seja uma ilha, isolado de todo relacionamento. 130
Quanto à critica acerca da ofensa ao princípio da individualização da pena na hipótese
da responsabilidade penal da pessoa jurídica, Walter Claudius Rothenburg afirma que referido
princípio não é violado, uma vez que a Constituição brasileira não restringiu a
individualização à pessoa natural, assim sendo desde que respeitada a natureza da pessoa
coletiva e suas particularidades, a mesma poderá ser destinatária das normas penais.131
Nesse caso, diante da impossibilidade da imposição de penas restritivas de liberdade à
pessoa coletiva, nada obsta a aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza, como por
exemplo a dissolução, interdição, multa, publicidade da condenação, entre outras. Portanto, o
princípio da individualização da pena implica em respeitar as particularidades do condenado
ao se aplicar a norma jurídica. Nesse sentido:
A pena privativa de liberdade somente é prevista como ultima ratio da política criminal. Há outras medidas que são capazes de combater o caráter criminoso do ente coletivo. As penas restritivas de direito e as de multa, constituem-se num forte instrumento de prevenção e repressão a esses ataques ao bem jurídico ambiental. Aliás penas como a prestação de serviços à comunidade, consistente na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, proibição de receber incentivos governamentais, proibição de contratar com o poder público por um determinado tempo e, dependendo da gravidade do fato, a dissolução da empresa, são medidas de uma eficácia a toda prova.132
Por seu turno, Schecaira afirma que a aplicação da pena privativa de liberdade à
pessoa coletiva é desnecessária e até descabida. Pois, pela característica dos agentes que
comentem ilícitos econômicos e ambientais não há necessidade de ressocialização, uma vez
que são pessoas altamente socializadas, com excelentes qualificações profissionais. Por isso,
sanções como a publicidade de sentenças aconselháveis.133
3.4.4 Dos Efeitos da Pena
Como conseqüência da divergência acerca da capacidade de pena do ente coletivo,
surge também os posicionamentos distintos no que tange à capacidade de o ente jurídico
130 Op.cit. p. 665 131 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 90 132 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 114 133 Op.cit. p. 91
54
suportar os efeitos da pena. Quanto aos efeitos da pena, se observa como fundamento de cada
tese a finalidade precípua da pena.
Para àqueles que defendem que o ente jurídico, em razão de sua natureza, não possui
condições de suportar os efeitos da sanção, alegam que a pena tem como finalidade: a
ressocialização do condenado à sociedade e a prevenção geral e especial134. Portanto,
seguindo esse raciocínio, afirmam que diante da verificação lógica que a pessoa coletiva não
pode ser ressocializada, repreendida moralmente, tampouco arrepender-se pelo ato cometido,
a mesma não possui capacidade de suportar os efeitos da pena. Noutro dizer, não possui os
atributos exigidos para os destinatários da norma penal.135
Dentre os que se posicionam favoráveis à responsabilidade penal do ente coletivo,
sustentam que o atual objetivo da norma penal consiste tão-somente em sancionar as condutas
que optam pela inobservância da regra do sistema, pouco importando a capacidade de
arrependimento do sujeito e sua capacidade de sofrer os efeitos da pena, pois hodiernamente a
culpabilidade se baseia na responsabilidade social. Sendo assim, o fundamento ético da pena
passa a ser a insuportabilidade dos efeitos do crime, servindo a pena como meio de prevenção
geral ou especial.136
Partilhando do mesmo entendimento, Shecaira afirma que não há o que se falar em
incapacidade de arrependimento ou de ressocialização do ente coletivo diante da constatação
do principal objetivo atribuído modernamente à pena: a reprovação da conduta em conflito.
Diz mais: o objetivo precípuo da pena é a relevância pública e não objetivos morais. Desse
modo, segundo o autor, tentar aplicar objetivos morais à pena é um contra-senso, pois é algo
que mesmo se referindo às pessoas naturais já não deve ser aplicado.137
Emerson Martins dos Santos afirma que a finalidade da pena não pode ser outra que
não a de evitar que o agente volte à prática de novos crimes. Explica que os crimes praticados
pela pessoa jurídica – por meio de seus órgãos e representantes, que são pessoas naturais –
quer sejam crimes ambientais ou econômicos, são oriundos de criminosos que não precisam
134 Entende-se por prevenção geral a previsão legal do ato típico e sua respectiva sanção ao passo que tem-se por prevenção especial a não observância da norma e a conseqüente retirada do agente do convívio social (prisão). 135 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 150 136 ROSA, Fábio Bittencourt da. Op.cit. p. 98 137 Op.cit. p. 92
55
de ressocialização, pois referidos crimes são conhecidos como crime do “colarinho branco”.
São pessoas que se valem de sua credibilidade social, da relação de confiança para praticarem
crimes no exercício de sua profissão. Desse modo, aduz que um meio eficaz para intimidar o
ente jurídico a prosseguir com suas práticas ilícitas, seria a divulgação de sua condenação à
opinião pública.138
3.5 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Shecaira, ferrenho defensor da responsabilidade penal da pessoa jurídica, elenca quais
os requisitos devem ser observados para tipificação penal do ente coletivo: o cometimento do
crime deve atender aos interesses da pessoa coletiva; o ato cometido deve se enquadrar nas
atividades normais praticadas pela empresa; o ilícito deve ser exercido pelo empregado ou
preposto da empresa, no exercício de sua função ou qualquer outra pessoa que tenha
responsabilidade de agir em nome da empresa e, principalmente, que a realização do crime se
concretize em razão do poderio da pessoa coletiva.
Por sua vez, Paulo Affonso Leme Machado aduz que para a responsabilização da
pessoa jurídica devem-se observar dois requisitos: o primeiro consiste em ser o sujeito ativo o
representante legal (indicado no estatuto da empresa), contratual (que pode ser o diretor,
administrador, gerente, preposto ou mandatário da pessoa jurídica) ou órgão colegiado da
empresa. O segundo requisito apresentado refere-se à exigência de a infração se cometida no
interesse ou benefício da empresa.139
Assevera ainda o autor que os termos “interesse” e “benefício” são assemelhados, mas
não sinônimos. Entende-se por interesse uma concepção mais ampla que não atinge somente a
vantagem alcançada pela sociedade coletiva. Assim, tem-se por interesse tudo aquilo que
importa para a pessoa jurídica, não necessariamente o lucro direto econômico, mas pode se
manifestar no comportamento culposo por omissão ou no dolo eventual em que a empresa é
favorecida.
Outra não é a lição de Édis Milaré que observa se o ato praticado visou atender ao
interesse ou ao benefício do ente coletivo, esta passa a ser agente da infração penal. Contudo,
138 Op.cit. p. 116 139 Op. cit. p. 666
56
se o ato praticado buscou atender somente ao interesse do dirigente sem qualquer vantagem
para a pessoa jurídica, essa deixa de ser o agente do tipo penal e se transforma no meio
utilizado para a realização da conduta criminosa. Acrescenta ainda que deve ser avaliado o
elemento subjetivo do tipo: dolo ou culpa, quando da execução da infração penal.140
O Ministro Gilson Dipp do Superior Tribunal de Justiça emitiu seu parecer acerca dos
critérios a serem observados para a responsabilização do ente coletivo, no Recurso Especial nº
610.114 – RN, que foi acompanhado por unanimidade pelos Ministros integrantes da 5ª
Turma. Explica que os requisitos para a responsabilização da pessoa jurídica são classificados
na doutrina como explícitos e implícitos. 141
Nos explícitos: a) a violação deve decorrer de deliberação da pessoa coletiva; b) o
autor material da infração deve ser vinculado ao ente coletivo; e c) a infração deve ser para o
interesse ou benefício da pessoa coletiva. Nos implícitos: a) a pessoa jurídica deve ser de
direito privado; b) o agente deve agir no amparo do ente coletivo; e c) a atuação deve ocorrer
na esfera de atividades da pessoa jurídica.
Dado sua importância, cumpre citar na íntegra a referida jurisprudência:
Ementa: CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO. I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
140 Op.cit. p. 859 141 REsp- Recurso Especial 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463
57
IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado". IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XII. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres. XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participou do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. XVI. Recurso desprovido
Nota-se que citada jurisprudência apresenta de forma bem clara todos os
requisitos de admissibilidade para que o ente coletivo seja responsabilizado
penalmente. Segundo este entendimento, não há que se falar em óbices para a
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Verificou-se também que pelo fato de o
Recurso Especial do Ministério Público Federal não preencher todos os critérios
exigidos, a 5ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça conheceu do recurso, mas lhe
negou provimento.
Nesse mesmo sentido, cito outras decisões do STJ:
58
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL.CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. 3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.142
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO. I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes). III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso provido.143
142 RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16696, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, sexta turma, DJ 13.03.2006, p. 373143 RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20601, Relator Ministro Felix Fischer, quinta turma, DJ 14.08.2006 p. 304
59
4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO
POR CRIMES AMBIENTAIS
4.1 O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO
4.1.1 Noções sobre o Meio Ambiente
No que pertine à nomenclatura “meio ambiente”, ao que consta foi utilizada pela
primeira vez por Geoffroy de Saint-Hilaire, naturalista francês, na obra Études Progressives
d’um naturaliste, de 1835, sendo reconhecida por Augusto Comte em seu Curso de Filosofia
Positiva.144
Explica Paulo Affonso Machado que o termo “ambiente” tem origem latina (ambiens,
entis) e entre os seus significados encontra-se “o meio em que vivemos”. Em razão disso a
expressão “meio ambiente” é redundante, porquanto meio e ambiente são sinônimos,
configurando um pleonasmo. Contudo, afirma que pelo fato de a Constituição Federal ter
utilizado referida expressão, convém seu uso por respeito à Carta Maior.145
Por sua vez, Édis Milaré alega que o termo “meio ambiente” não chega a configurar
uma redundância, uma vez que os vocábulos meio e ambiente passam por conotações
distintas. Aduz ainda que citada expressão é consagrada na língua portuguesa, pacificamente
usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, motivo pelo qual seu uso deve ser
preservado.146
144 MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 97 145 Op.cit. p. 137 146 Op.cit. p.99
60
Quanto à conceituação do meio ambiente, Paulo de Bessa Antunes o compreende
como uma realidade que considera o ser humano parte integrante de algo mais amplo, fazendo
parte de um conjunto de relações que se estabelecem a partir da apropriação econômica dos
recursos ambientais que estão submetidos à influência humana. Acrescenta ainda que em
razão de o termo ambiente ser extremamente amplo pode abrigar as inúmeras realidades a que
a legislação ambiental pretende proteger.147
Por sua vez, Édis Milaré afirma que na linguagem técnica, meio ambiente é a soma de
todos os fatores externos que cercam o indivíduo. Já no conceito jurídico, impende fazer uma
distinção sob duas perspectivas principais: uma estrita e a outra ampla.
Numa visão estrita, considera-se meio ambiente todo patrimônio natural e sua relação
com e entre os seres vivos. Assim, despreza-se tudo aquilo que não pertença aos recursos
naturais. Em contrapartida, numa concepção ampla compreende-se que o meio ambiente
abrange os recursos naturais e os artificiais, como por exemplos os bens culturais. Nesse
sentido:
Temos aqui então um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, de outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a “ecossistemas sociais” e “ecossistemas naturais”. Essa distinção está sendo, cada vez mais, pacificamente aceita, quer na teoria, quer na prática.148
Segundo Luiz Régis Prado, a melhor conceituação do meio ambiente parte de uma
orientação intermediária que propõe um sentido natural, como totalidade dos fundamentos da
vida humana. Cito:
Em sintonia com o texto maior, essa concepção define o ambiente – objeto de proteção da lei penal – como a manutenção das propriedades do solo, do ar, e da água, assim como da fauna e da floresta e das condições ambientais de desenvolvimento destas espécies, de tal forma que o sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados a não sofra alterações prejudiciais.149
147 Op.cit. p. 06 148 Op.cit. p. 850 149 Op.cit. p. 126
61
No que tange à definição legal do meio ambiente, a Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente o estabeleceu em seu art. 3º, inciso I, como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida
em todas as suas formas”.
Apesar de parte da doutrina considerar esta definição ampla, há outra corrente
doutrinária que a compreende como restrita aos recursos naturais, quando deveria ser
analisado outros aspectos como o artificial e o natural. Um entendimento mais abrangente foi
observado quando da elaboração do texto da Lei 9.605/95 (Lei dos Crimes Ambientais),
porquanto tutela penalmente o meio ambiente natural, o artificial e o cultural, sendo
considerados crimes ambientais os cometidos contra o ordenamento urbano e o patrimônio
cultural (artigos 62 a 65).150
A Constituição Federal esboça um conceito do que vem a ser o meio ambiente ao
afirmar que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.151 A
Carta Magna acentua um caráter patrimonial ao meio ambiente, parte de um conceito
fisiográfico para fundamentá-lo sobre o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida e
externa uma visão antropocêntrica, segundo o qual o mundo natural tem valor somente se
atender aos interesses da espécie humana.152
4.1.2 O Meio Ambiente e a Necessidade da Tutela Penal
Segundo Luiz Régis Prado, o pensamento jurídico moderno entende que a finalidade
imediata e precípua do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos essenciais ao
indivíduo e à comunidade. Ademais, em atenção ao princípio ultima ratio a intervenção penal
só deverá atuar na defesa daqueles bens jurídicos que são imprescindíveis à coexistência
pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente tutelados por outra forma.153
150 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 108 151 Art. 225, Caput. 152 MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 102 153 Op. cit. p. 102
62
Explica ainda que “a noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo
de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o
desenvolvimento do ser humano”.154 portanto, o bem jurídico tutelado penalmente deve estar
relacionado com o seu valor social, não podendo ser indiferente da realidade.
Nessa esteira de raciocínio, renomado autor entende que a orientação firmada acerca da
necessidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas por crimes ambientais, sob
a alegação da necessidade política-criminal e em razão de preventivos de defesa social não
merece prosperar, posto que há outros meios eficazes e com menos custos para sancionar os
entes morais, como por exemplo as sanções administrativas e civis.
Comungando do mesmo pensamento Raúl Cervini afirma que “O direito Penal
somente deve ser empregado para a proteção dos bens jurídicos em forma subsidiária, como
ultima ratio, reservando-se para aqueles casos em que seja o único meio de evitar um mal
ainda maior.” 155
Em contrapartida, para os que propugnam pela tutela penal ambiental, entendem que
esta se faz necessária principalmente em razão de sua importância para a sobrevivência da
humanidade.156
Paulo Affonso Machado afirma que a necessidade de se trazer para a tutela penal a
matéria ambiental consiste principalmente no fato de o Poder Judiciário possuir garantias
funcionais para aplicação das sanções que o funcionário público ou empregado da
administração não possui.157Ademais, continua o autor, encontra-se na realidade brasileira
uma grande omissão por parte da Administração Pública na aplicação de sanções em razão
das agressões ambientais.
Aduz, ainda que o meio ambiente sendo tutelado penalmente não significa que as
pessoas morais terão uma perseguição frenética, muito pelo contrário, irá se impor um
mínimo de corretivo visando a preservação do planeta para as futuras gerações.
154 Op.cit. p. 104 155 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 114 156 Op.cit p. 663 157 Op.cit. p. 667
63
Partilhando desse mesmo entendimento, Vladimir Passo de Freitas alega que no Brasil
as sanções administrativas e civis têm se mostrado ineficientes para proteger o meio ambiente.
No que tange às sanções administrativas, falta estrutura por parte dos órgãos ambientais e seu
procedimento administrativo é longo. Em relação às sanções cíveis, estas têm sido mais
eficientes, contudo não a contento, vez que não atingem seus objetivos. Pois, muitas empresas
embutem nos seus preços o valor da reparação que pagou pelo dano causado ao meio
ambiente.158
Édis Milaré observa que a ultima ratio da tutela penal ambiental consiste em dizer que
esta é chamada para intervir somente nos casos em que as agressões ao meio ambiente tomem
proporções intoleráveis, sendo objetos de intensa reprovação da sociedade. Segundo seu
entendimento, o meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em um dos direitos
fundamentais da pessoa humana, motivo pelo qual justifica a imposição de sanções penais às
agressões cometidas contra o meio ambiente com extrema ratio. Nesse sentido:
Ora, preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamente alterados. E as conseqüências desse processo são imprevisíveis, já que as rápidas mudanças climáticas, (...) a menor diversidade de espécies fará com que haja menor capacidade de adaptação por causa da menor viabilidade genética e isto estará limitando o processo evolutivo, comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência de grandes contingentes populacionais da espécie humana” 159
Aduz ainda o autor que a proteção penal do meio ambiente foi recomendada pela
Constituição Federal, fator este que elimina qualquer divergência acerca da necessidade ou
não de o meio ambiente ser tutelado pelo Direito Penal. Assim, tem-se que o meio ambiente
constitui-se num bem jurídico autônomo, porquanto se relaciona a valores que dizem respeito
a toda coletividade e que assegura a vida humana no planeta.
158 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 116 159 Op. cit. p. 844
64
4.2 NORMA PENAL AMBIENTAL
4.2.1 Bem Jurídico Protegido
Assevera Édis Milaré que nos crimes ambientais o bem jurídico protegido é o meio
ambiente em sua dimensão global, ou seja, o ambiente integrado a um conjunto de elementos
naturais, culturais e artificiais.160
Explica Gaspar de Sousa que, de início, o meio ambiente era tutelado penalmente de
uma forma restrita, que compreendia tão-somente a pureza da água, do ar e do solo, mas com
avanço da consciência ambiental, o conceito sobre meio ambiente foi alargado, tutelando-se
fatores de crucial importância para o equilíbrio natural ao passo que se tornou difícil uma
individualização do bem jurídico ambiental tutelado pela norma penal.161
4.2.2 Tipicidade
No que pertine à tipicidade, esta se consubstancia num indicador de antijuridicidade,
ou seja, é o instrumento utilizado para distinguir dentre os inúmeros comportamentos da
humanidade aqueles que o legislador entende como sendo dignas de reprovação penal, haja
vista sua gravidade. Cumpre dizer que o legislador capta o anseio da sociedade, isto é, a
reprovabilidade a que ele se refere é oriunda da consciência coletiva da comunidade a que está
inserido.
Na construção do tipo penal, o legislador poderá optar por critérios distintos que se
fundamentam na natureza da matéria a ser legislada. Dentre os critérios a ser adotados pelo
legislador estão os tipos fechados e os tipos abertos. 162
Entende-se por tipo fechado aquele que apresenta uma descrição completa da conduta
considerada ilícita, restando ao intérprete tão-somente a tarefa de constatar a correspondência
entre a conduta concreta e a descrição típica. Por tipo aberto tem-se uma descrição incompleta
160 Op.cit. p.844 161 Op. cit. p. 138 162 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 135
65
da conduta proibida, sendo necessária sua complementação por outras normas, devendo ser
observado seus limites para não ir de encontro ao princípio da legalidade.
Na lição de Édis Milaré “O meio ambiente – com todos os elementos que ele pode
compreender – é inescapavelmente holístico e sistêmico, o que dificulta sobremaneira o
desenho dos tipos destinados a tutelá-lo”.163 Continua o autor que, diante disso, o melhor
critério para norma penal ambiental é o tipo aberto, porquanto esta se caracteriza pela sua
amplitude e indeterminação da conduta incriminada. Nestes casos, a conduta típica depende
do desrespeito às normas que a incriminação do fato se refere, bem como seu reconhecimento
por parte do juiz.
Observa Schecaira que o legislador jamais poderá prever todas as possibilidades de
condutas ilícitas a serem praticadas pelo homem, tendo em vista a velocidade com que ocorre
as mudanças na sociedade moderna. Mas, apesar disso a construção de uma norma genérica,
com emprego de expressões vagas daria ensejo a uma afronta ao princípio da legalidade, que
por sua vez é a base da elaboração da teoria da tipicidade.164
Antes da Lei 9.605/98 os tipos penais ambientais referiam-se somente ao dano.
Hodiernamente, a tutela penal ambiental visa a prevenção. Respeita-se assim um dos
princípios fundamentais do Direito Ambiental – princípio da prevenção - pois os prejuízos
causados ao meio ambiente são muitas vezes irreparáveis e de larga dimensão. Portanto,
considera-se cada vez mais o crime ambiental como crime de perigo.
Nesse sentido, o penalista Paulo José da Costa Júnior:
De um ponto de vista político-criminal, portanto, o recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção, sendo certo que o progresso da vida moderna está aumentando em demasia as oportunidades de perigo comum, não estando a sociedade em condições de refrear certas atividades perigosas, tidas como condições essenciais do desenvolvimento que se processa. Em tal contexto, torna-se evidente que uma técnica normativa assentada na incriminação do perigo é a mais adequada a enfrentar as ameaças multíplices trazidas de muitas partes e por meios estranhos ao sistema ecológico.165
163 Op. cit. p. 852 164 Op.cit. p. 136 165 Apud MILARÉ, Édis. Op. cit. p. 854
66
A infração penal de perigo é dividida em perigo abstrato e perigo concreto. No
primeiro, o perigo não precisa de comprovação, constitui a ratio legis. No segundo, impende a
comprovação efetiva do perigo.
No que pertine à responsabilidade penal dos entes coletivos por crimes ambientais,
defende Schecaira que “tem-se como preferível a conformação de tipos de perigo concreto,
sem prejuízo da eventual utilização de crimes de danos”.166
Aduz ainda que o perigo abstrato configura uma forma indireta de presunção absoluta,
sendo inconstitucional, tendo em vista o princípio da inocência elencada na Constituição de
1988, além de não se compatibilizar com moderno Direito Penal que se baseia a
culpabilidade.
4.2.3 Norma Penal em Branco
Cumpre dizer que o Direito Penal tem como pressuposto para elaboração de suas
normas a definição do tipo de modo autônomo, evitando a remissão à outras normas do
ordenamento jurídico.
Contudo, em relação à tutela penal ambiental tem-se verificado a necessidade da
utilização da técnica legislativa denominada norma penal em branco. Luiz Régis Prado a
conceitua como “aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou
lacunosa, necessitando de complementação de outro dispositivo legal.” 167
O mesmo autor elenca as formas a serem observadas para o preenchimento da lacuna
da norma penal em branco. Na primeira, há num defeito de técnica legislativa. O
complemento se encontra na mesma lei; na segunda, o complemento da lei será encontrado
em outra lei, mas oriunda do mesmo poder; por fim, na terceira o complemento se encontra
em normas de outra lei (leis penais em branco em sentido estrito).
Édis Milaré afirma que a técnica legislativa – a norma penal em branco – utilizada
para tutela do meio ambiente se dá em razão de seu caráter complexo, técnico e
166 Op. cit. p. 138 167 Op. cit. p. 92
67
multidisciplinar. Assegura ainda que a Lei 9.605/98 usou em demasia esta técnica, são
exemplos os artigos 29,§4º, I e IV; 34, caput, e Parágrafo Único, I e II, entre outros. Em todos
os casos as normas se apresentam de forma vaga, precisando de complementação de outros
dispositivos legais.168
Luís Paulo Sirvinskas considera vantajosa a existência de normas penais em branco
para tutela penal do ambiente, mas desde que não haja a criação de novos tipos penais. Cito:
A lei é estática e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente é necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaçada de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo ( espécies nacionais, regionais e locais). Somente um determinada localidade existe tal espécie. E através do SINAMA é que se protegerá melhormente a espécie silvestre ameaçada.169
Aduz Schecaira que a maioria dos autores da área ecológica recomendam o uso das
normas penais em branco para tutela penal do ambiente, afirmam que não há outra técnica
possível a não ser a do delito de perigo e a norma penal em branco. Observa o autor que estes
casos extremos devem ser analisados com parcimônia para a própria segurança dos cidadãos,
porquanto “A utilização de cláusulas gerais e de conceitos carecedores de conteúdo valorativo
traz consigo o perigo da indeterminação e pode lesar o princípio da legalidade.” 170
Continua ainda o autor que a utilização de normas interpostas acaba gerando vários
problemas, dentre os quais pode-se citar um problema bastante comum que é o de ordem
intertemporal, que se manifestam em razão da evolução de determinados conceitos oriundos
das transformações tecnológicas. Nesse sentido:
Não raro, contemplada uma determinada invenção de maquinário antipoluente, é razoável que o Poder Público passe a exigir atualizações dos mecanismos de controle da poluição, o que demanda permanente reexame das normas penais disciplinadoras da questão. Ao se adotar normas em branco ou tipos subsidiários, evitam-se modificações das normas penais, embora seu conteúdo material tenha alterações efetivas decorrentes das normas não penais alteradas.171
168 Op. cit. p. 850 169 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 142 170 Op. cit. p. 140 171 Op.cit. p. 141
68
Assevera Luis Régis Prado que em razão da própria natureza da matéria ambiental faz-
se necessário o uso das normas penais em branco. Basta que apresentem a descrição do núcleo
essencial da ação proibida para que não transgridam ao princípio da legalidade. Assim, não há
nenhum óbice para o uso de referida técnica, desde que observado os limites materiais de
reserva de lei ordinária.172
Conclui renomado autor que para a melhor estruturação dos tipos deve-se entender o
ambiente como bem jurídico autônomo, observando sempre para a precípua função da lei
penal que é sua intervenção direta em casos graves. Mas, desde que seja político-
criminalmente recomendável e tecnicamente possível.
4.2.4 Sujeitos Ativo e Passivo
O Sujeito ativo, nos crimes ambientais referentes à responsabilidade do ente coletivo,
é a pessoa jurídica.
O sujeito passivo é o titular do bem jurídico que foi lesado ou ameaçado em virtude de
uma conduta criminosa. Não há óbice para que existam dois ou mais sujeitos passivos, mas o
que deve ser destacado é que no caso dos delitos ambientais, consoante a disposição do art.
225, §3º da Carta Maior, o meio ambiente é um bem considerado de uso comum do povo,
portanto o sujeito passivo direto será a coletividade.
Conforme leciona Maurício Libster o bem jurídico meio ambiente pertence a toda a
coletividade, pois o dano a ele cometido lesa direta ou indiretamente toda a sociedade. É um
bem que está vinculado às necessidades existenciais da pessoa humana, como a vida, a saúde,
a segurança entre outros. Não é por outro motivo que se diz que o dano ambiental tem como
traço característico a difusividade de vítimas.173
Conforme já fora dito, o sujeito passivo poderá ser mais de um, mas sempre a
coletividade será o sujeito passivo principal. Portanto, pessoas certas e determinadas poderão
atuar no pólo passivo da ação penal, mas sempre como sujeitos passivos indiretos.
172 Op.cit. p. 93 173 Apud MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 860
69
Édis Milaré leciona que deve ser feita a distinção entre objeto jurídico e objeto
material. O primeiro se refere ao bem que é tutelado diretamente ao passo que segundo
consiste no objeto sobre o qual recai a ação do sujeito ativo, constitui o bem ou o interesse
indiretamente tutelado. Explica que enquanto o objeto jurídico é sempre o meio ambiente (de
interesse público) o objeto material pode ser um bem público ou particular.
Continua ainda o autor que, diante disso, verifica-se que um ilícito penal ambiental
atingindo a coletividade, pode ao mesmo tempo atingir um bem público ou particular, como
na hipótese, por exemplo, de um incêndio provocado por terceiro em mata pertencente a um
patrimônio particular. Aqui, haverá um crime ambiental somado a um crime de dano contra o
patrimônio particular.
4.3 A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS
4.3.1 Disposições acerca da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas
A Lei 9.605/98 veio à lume depois de três projetos distintos para regulamentação das
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Referido diploma legal instituiu pela primeira
vez no Brasil a responsabilidade penal da pessoa jurídica, na legislação ordinária, tendo como
referencia o art. 225,§3º da Constituição Federal, que por sua vez, já previa a
responsabilização do ente coletivo por danos ambientais.
Consoante seu art. 3º, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil
e penalmente, conforme o disposto na lei, nos casos em que a infração venha a ser cometida
por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse
ou benefício de sua entidade. Além do mais, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui
a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Cumpre notar que a Lei adotou em seu art. 4º a teoria da desconsideração da
personalidade. Assim, sempre que a personalidade da empresa apresentar-se como um
obstáculo para o ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente, a empresa poderá
ter sua personalidade jurídica desconsiderada.
70
O diploma normativo em comento recebeu inúmeras críticas: seu alto caráter
criminalizador, em que se consideram delitos comportamentos, que no entender de alguns
doutrinadores, não deveriam passar de meras infrações administrativas ou quando muito, de
contravenções penais, agindo a norma em total desacordo com os princípios penais da
intervenção mínima e da insignificância; a utilização de conceitos amplos e indeterminados –
com impropriedades técnicas, lingüísticas e lógicas; a não indicação sobre qual das normas
incriminadoras, da parte especial da lei, são aplicadas aos entes coletivos e suas respectivas
sanções; a não determinação dos pressupostos da responsabilidade penal das pessoas
jurídicas. 174
Em contrapartida, há doutrinadores que entendem que a Lei dos Crimes Ambientais
não fere ao princípio da legalidade, porquanto o legislador ao não estabelecer quais as penas
mencionadas na parte especial da lei serão aplicadas às pessoas jurídicas, o mesmo valeu-se
da conhecida técnica de tipicidade indireta por extensão, assim a responsabilidade da pessoa
jurídica se estende a toda parte especial da lei sem ferir aos princípios básicos do direito
penal.175
Outro aspecto da Lei 9.605/98 refere-se ao fato de a mesma não conter nenhuma
norma processual ou procedimental específica a respeito da matéria. Nesse sentido:
Não há como, em termos lógico-jurídico, romper princípio fundamental como o da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, ancorado solidamente no sistema da responsabilidade de pessoa natural, sem fornecer, em contrapartida, elementos ou microssistema de responsabilidade penal, restrito e especial, inclusive com regras processuais próprias.176
Contudo, segundo Ada Pellegrine Grinover:
A carência de dispositivos processuais próprios não impede a responsabilização penal das pessoas jurídicas, devido à integração que pode ser feita entre a Lei n. 9.605/98 e as normas existentes no ordenamento jurídico sobre representação em juízo,competência, processo e procedimento, atos de comunicação processual, interrogatório, entre outras, além das garantias processuais....como a lei não estabelece regras procedimentais específicas para a pessoa jurídica, deve-se aplicar normalmente o disposto no Código de Processo Penal e na Lei n. 9.099/95.177
174 PRADO, Luiz Régis. Op.cit. p. 176 175 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.158 176 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 159 177 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 158
71
4.2.5 Tipos de Pena
As penas aplicáveis às pessoas jurídicas, isolada, cumulativa ou alternativamente, de
acordo com o art. 3º da Lei 9.605/98, são: I-multa; II- restritivas de direito; e, III-prestação de
serviços à comunidade.178
No que pertine à pena de multa, segundo estabelece a Lei dos Crimes ambientais, esta
deverá levar em consideração a situação econômica do infrator, será calculada segundo os
critérios estabelecidos pelo Código Penal e o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário,
não tendo efeito imediato na reparação do dano cometido contra o meio ambiente.
Schecaira critica esta modalidade de pena pelo fato de não se ter estabelecido critérios
claros para a fixação da multa e além do mais ao dizer que referida penalidade seguirá os
critérios do Código Pena, observa-se que não se equacionou uma regra própria para as pessoas
jurídicas, assim sendo serão punidas da mesma forma as pessoas física e jurídica, o que é
inaceitável.
Entende mencionado autor que o legislador deveria ter adaptado a pena de multa aos
entes coletivos, para que este efetivamente fosse penalizado pelo dano cometido ao meio
ambiente. Cito: Melhor seria se o legislador houvesse transplantado o sistema de dias-multa do Código Penal para a legislação protetiva do meio ambiente, com as devidas adaptações, de modo a fixar uma unidade específica que correspondesse a um dia de faturamento da empresa e não ao padrão de dias-multa contidos na Parte Geral do Código. Da maneira como fez o legislador, uma grande empresa poderá ter uma pena pecuniária não condizente com a sua possibilidade de ressarcimento do dano ou mesmo com a vantagem obtida pelo crime. 179
No mesmo sentido se posiciona Paulo Affonso Machado, aduz que a pena de multa
aplicada isoladamente a um ente coletivo de porte médio não é dissuasiva. Acrescenta ainda
que há uma enorme desproporção entre o máximo da sanção penal e da sanção
administrativa.180
178 Art. 21 da Lei 9.605/98 179 Op.cit. p. 126 180 Op. cit. p. 670
72
As penas restritivas de direito, conforme o artigo 22, da Lei 9.605/98 são: a suspensão
parcial ou total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
e, a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções
ou doações.
Quanto à suspensão parcial ou total de atividades, esta será aplicada quando as
empresas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à
proteção do meio ambiente (art. 22,§1º). Neste caso, conforme leciona Paulo Affonso
Machado, primeiro deve-se notar que as disposições legais ou regulamentares aplicam-se
somente para as pessoas jurídicas. Em segundo lugar, não se deve ater a desobediência
somente aos termos de autorização, licença ou permissão ambiental, mas a todo seu conteúdo.
Nota ainda referido autor que a suspensão das atividades da empresa demonstra-se
necessária quando há atentado contra a saúde humana, contra a incolumidade da vida vegetal
ou animal. Porquanto não se pode ignorar o direito de todos a uma vida sadia. Observa que
não há limites estabelecidos em lei, assim sendo ficará ao critério do juiz estabelecer o tempo
necessário para a suspensão das atividades de um setor ou de toda a empresa, podendo ser por
horas, dias ou semanas. Esclarece que não se pode ignorar o reflexo na vida econômica da
sociedade, numa época de dificuldades econômicas e até de desemprego. Mas, o direito
constitucional a uma sadia qualidade de vida deve ser respeitado.181
Entretanto, assinala Édis Milaré que a conveniência de se aplicar sanções penais às
pessoas jurídicas está em recuperar o meio ambiente lesado. No que tange à paralisação das
atividades, entende o autor que atingiria por via reflexa o empregado, que não participou do
ilícito juntamente com a empresa.182
Partilhando do mesmo entendimento, Luiz Régis Prado:
Destarte, importa agregar que as penas de suspensão de atividade (art. 22,§1º) e de dissolução forçada (art. 24) – verdadeira pena de morte da empresa - , em geral, não afetam única e exclusivamente aos autores do crime, sendo que a aplicação dessas sanções pode ensejar sérios problemas sociais (v.g., desemprego). Para essas hipóteses, a lei francesa apresenta sanção penal de grande interesse: o denominado controle judicial (art. 131-393º, CP fracês), pela qual se coloca a pessoa jurídica, por um período de cinco anos ou mais, sob vigilância , ou controle judicial. Ademais,
181 Op. cit. p. 670 182 Op.cit. p. 866
73
estabelece-se, ainda, para a pessoa jurídica a pena de publicação de sentença, inclusive com sua difusão pela imprensa escrita ou por qualquer meio de comunicação audiovisual (art. 131-39-9º, CP francês). Porém é de salientar que a lei pátria lamentavelmente nas as agasalhou.183
No que pertine à interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, será
aplicada sempre que a empresa estiver funcionando sem a devida autorização, ou em
desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal ou regulamentar (art.
22,§2º). Essa penalidade, diferentemente do que ocorre na suspensão, somente poderá ser
temporária. Seu objetivo consiste em levar a empresa a adaptar-se à legislação ambiental,
agindo de maneira legal.
A interdição consiste em embargar ou paralisar a obra, o estabelecimento ou a
atividade e sua não observância levará o juiz a determinar abertura de inquérito policial para
apurar o crime de desobediência a decisão judicial, aplicando nesse caso a pena de multa. No
que pertine ao prazo de vigência da interdição temporária tem-se que é razoável a aplicação
dos prazos referidos no art. 10, da Lei 9.605/98.
A proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,
subvenções ou doações que não poderá exceder o prazo de dez anos, aplica-se nos casos de
descumprimento de normas, critérios e padrões ambientais (art. 22, III e §3º). Esta penalidade
se justifica pelo fato de o dinheiro público não poder beneficiar quem age criminosamente,
inclusive quem age contra o meio ambiente.
A pena de prestação de serviços à comunidade consiste em custeio de programas e de
projetos ambientais; execução de obras e recuperação de áreas degradadas; manutenção de
espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (art. 23 da Lei
9.605/98). Cumpre citar o entendimento de Paulo Affonso Machado acerca do assunto:
Será oportuno que se levantem os custos dos serviços previstos no art. 23 para que haja proporcionalidade entre o crime cometido, as vantagens auferidas do mesmo e os recursos econômicos e financeiros da entidade condenada. O justo equilíbrio haverá de conduzir o juiz na fixação da duração da prestação de serviços e do quantum a ser despendido.184
183 Op.cit. p. 188 184 Op.cit. p. 672
74
Paulo de Bessa Antunes entende que a obrigação de custeio de programas e projetos
ambientais é a única que atende a finalidade primordial de atuação preventiva do meio
ambiente. Contudo, assinala referido autor que o legislador deveria ter especificado tais
programas e projetos, que necessariamente deveriam estar ligados à atividade-fim da empresa
e ser programas de caráter educacional. Aduz ainda que a condenação deveria esclarecer para
a população os perigos e riscos decorrentes das atividades da empresa, assinalando os
métodos adequados para diminuí-lo.185
185 Op. cit. p. 760
75
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o fito de resolver o problema proposto, ou seja, verificar a possibilidade de no
ordenamento jurídico brasileiro a pessoa jurídica de direito privado ser responsabilizada
penalmente por seus delitos ambientais, a pesquisa jurídica foi divida em três capítulos que
versaram sobre aspectos atinentes à pessoa jurídica, aspectos históricos e argumentações
contrárias e favoráveis acerca da responsabilidade penal do ente coletivo e, por fim, a tutela
penal do meio ambiente e sua necessidade, bem como as penas a ela imputada tendo em vista
sua natureza.
No primeiro capítulo chegou-se à conclusão que o surgimento do ente coletivo deu-se
de forma lenta juntamente com o surgimento das primeiras civilizações, ante a necessidade
que o homem encontrou de atingir certos fins que em muito ultrapassavam suas forças, mas
que em grupos determinados, estes objetivos eram atingidos. Constatou-se também que no
que pertine à natureza jurídica da pessoa jurídica, esta é de crucial importância para o estudo
em comento, uma vez que são os alicerces dos argumentos contrários e favoráveis à
responsabilidade penal da pessoa moral, dentre os quais se destacam: a teoria da realidade
objetiva e da ficção.
Pela teoria da realidade argumenta-se que a pessoa jurídica pode ser sancionada
penalmente, uma vez que apresenta vontade própria. Em contrapartida, a teoria da ficção
sustenta que o ente moral não possui vontade própria por ser mera ficção jurídica, não
possuindo vontade, assim sendo não pode sofrer sanção penal. Verificou-se também que as
pessoas jurídicas podem ser classificadas quanto à sua nacionalidade, estrutura interna e
capacidade.
76
Além disso, viu-se que para o inicio da existência da pessoa jurídica o legislador
valeu-se do sistema das disposições normativas, em que se concede liberdade humana para a
criação do ente jurídico, desde que observados os requisitos legais exigidos, não havendo
intervenção Estatal, salvo circunstâncias especiais. Quanto à extinção da pessoa jurídica,
sempre deve ser observado a necessidade da liquidação.
No segundo capítulo da pesquisa jurídica, no escorço histórico, demonstrou-se que a
responsabilidade penal do ente coletivo já era praticada desde a idade antiga, e que em razão
da Revolução Francesa, pelos princípios individuais por ela pregados, a pena passou a ser
individualizada. Verificou-se também a importância do presente tema face à demonstração
dos principais congressos internacionais que demonstraram sua preocupação com a questão da
responsabilização penal do ente coletivo por crimes ambientais.
Notou-se a proteção conferida ao meio ambiente pela Constituição de 1988, as
argumentações dos doutrinadores quanto à previsão constitucional acerca do tema. Dentre as
argumentações contrárias e favoráveis à responsabilização do ente coletivo por danos
ambientais, a corrente majoritária tem se firmado a favor de referida possibilidade com base
na teoria da realidade objetiva, que entende ser o ente jurídico possuidor de vontade própria,
distinta da de seus membros e, que por isso, possui capacidade de ação; capacidade de
culpabilidade, que se baseia na responsabilidade social; capacidade de pena, bem como
capacidade para suportar os efeitos da pena, a serem aplicados conforme sua natureza.
Por fim, no terceiro capítulo verificou-se o posicionamento majoritário no que pertine
à necessidade de o meio ambiente ser tutelado penalmente, em especial no que pertine à
responsabilidade penal do ente coletivo e suas respectivas penalidades (de acordo com sua
natureza). Constatou-se também os tipos de pena que são aplicadas às pessoas jurídicas:
multa; restritivas de direito; e, prestação de serviços à comunidade.
Conclui-se pelo estudo do tema que o objetivo geral traçado foi alcançando ante a
constatação que a responsabilidade penal do ente coletivo por crimes ambientais tem sido
aplicada com efetividade em nosso ordenamento jurídico, apesar das fortes argumentações
contrárias, principalmente dos doutrinadores penalistas, ante a demonstração do
posicionamentos dos tribunais e, em especial, do Supremo Tribunal de Justiça, que se
posiciona favorável.
77
6. REFERÊNCIAS
ALVES, Roque de Brito. A Responsabilidade penal da Pessoa Jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 87, v.748, fevereiro 1998. p.494-503.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 610.114-RN, Relator Ministro Gilson Dipp, quinta turma, DJ 19/12/2005, p. 432. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.
_______________. RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16696, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, sexta turma, DJ 13.03.2006, p. 373.Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.
_______________. RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20601, Relator Ministro Felix Fischer, quinta turma, DJ 14.08.2006 p. 304. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.
BRASIL, Tribunal Regional Federal 1ª Região. RCCR – Recurso Criminal 2006.41.00.003743-5/RO, Relator Desembargador Federal Hilton Queiroz, quarta turma, DJ 26/06/2007, p.72. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: 20 julho 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 5 ed.rev.atual. São Paulo: Rideel, 2003.
78
JUNKES, Maria Bernadete, SANTOS, Maria Lindomar dos. Trabalhos Acadêmicos: A facilidade em desenvolvê-los. Rolim de Moura: D’press, 2007.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 24-35
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: fundamento na correta avaliação das provas contidas nos autos. Boletim IBCCRIM, São Paulo. Ano 11, n. 135, fevereiro 2004. p. 3-5.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev.atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. 20 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2003.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 35 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva, 1997.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6 ed. rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
PEREIRA, Flávio de Oliveira. A atuação dos órgãos competentes no plano da eficácia da legislação ambiental no médio Paraíba. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 36-46
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
79
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
ROCHA, Fernando A.N. Galvão da. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.10, abril-junho 1998. p. 26-33.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34 ed. atual. São Paulo: Saraiva 2003.
ROSA, Fábio Bittencourt da Rosa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, anoXX, n. 91, setembro 2003. p. 86-134
SANTOS, Emerson Martins do. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. P 85-129.
SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. p 82-129.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: de acordo com a Lei 9.605/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Crimes Ambientais: Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Goiânia: AB, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6 ed. atual.São Paulo: Atlas, 2006.