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A saga dos Chingunji Em Janeiro de 1975, em trânsito para Luena, fiquei umas horas na cidade do Kuito. Estavam ali a minha mãe e os meus dois irmãos. Eles participavam numa Conferência da Unita, que ficou célebre por ter criado a organização infantil desse partido, a Alvorada. Eu estava muito longe de imaginar que me iria cruzar com uma família muito especial; digo especial, por ela ter povoado a minha mente com sentimentos de admiração. Mas também por ela estar marcada, como se viu mais tarde, pela mais terrível saga que podia imaginar. Recordo-me de tudo tal como se fosse hoje: num dos intervalos da Conferência, a mãe, logo que deu por nós, pediu que a acompanhássemos. Furámos a multidão que, no pátio, conversava sobre a impressão que o Líder do partido lhes causara. Detemo-nos diante de uma senhora que, segundo a mãe, fora sua colega na Escola Means do Dôndi. Ela respondia pelo nome de Violeta Jamba. Era uma mulher possuidora de uma forte personalidade e de um aprumo próprio de uma rainha. Pelo tempo, já não disponho dos pormenores da conversa que se seguiu entre elas. Mas não me esqueci de a "tia" Violeta ter-nos olhado com respeito, ternura e admiração e ter dito à minha mãe:"cuide-os bem e faça tudo para que eles saibam tomar conta deles próprios". Mentiria se dissesse que essas palavras não me haviam impressionado. Tinha dezasseis anos, mas isso não evitou

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A saga dos Chingunji

 

Em Janeiro de 1975, em trânsito para Luena, fiquei umas horas na cidade do Kuito. Estavam ali a minha mãe e os meus dois irmãos. Eles participavam numa Conferência da Unita, que ficou célebre por ter criado a organização infantil desse partido, a Alvorada. Eu estava muito longe de imaginar que me iria cruzar com uma família muito especial; digo especial, por ela ter povoado a minha mente com sentimentos de admiração. Mas também por ela estar marcada, como se viu mais tarde, pela mais terrível saga que podia imaginar. Recordo-me de tudo tal como se fosse hoje: num dos intervalos da Conferência, a mãe, logo que deu por nós, pediu que a acompanhássemos.

Furámos a multidão que, no pátio, conversava sobre a impressão que o Líder do partido lhes causara. Detemo-nos diante de uma senhora que, segundo a mãe, fora sua colega na Escola Means do Dôndi. Ela respondia pelo nome de Violeta Jamba. Era uma mulher possuidora de uma forte personalidade e de um aprumo próprio de uma rainha.

Pelo tempo, já não disponho dos pormenores da conversa que se seguiu entre elas. Mas não me esqueci de a "tia" Violeta ter-nos olhado com respeito, ternura e admiração e ter dito à minha mãe:"cuide-os bem e faça tudo para que eles saibam tomar conta deles próprios". Mentiria se dissesse que essas palavras não me haviam impressionado. Tinha dezasseis anos, mas isso não evitou que pensasse em algo que comentei depois com os meus entes queridos: embora indirectamente, aquela senhora estava a fazer uma apologia à vida. E, não foi por acaso que a minha mãe, retorquiu:" só reconhece o valor de um objecto ou de uma pessoa, aquele que o perdeu". Dito por outras palavras, a "tia" Violeta já estava a viver os efeitos de uma saga que os iria envolver tal qual os tentáculos de um polvo gigante.

Uma saga é definida em qualquer dicionário em várias acepções: para os escandinavos, as sagas são lendas redigidas na Islândia do século XII ao século XIV. Para os romanos, a saga era encarada como bruxa ou feitiçaria. Actualmente, há quem defina a saga como a história, pejada de dramas, de determinadas pessoas ou mesmo como uma maldição. Esta acepção pode ser encontrada nos livros "A saga dos Kennedy" ou " A maldição dos Kennedy" de Rose Fitzgerald Kennedy e Edward Klein, respectivamente.

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Na verdade, é possível estabelecer um paralelo entre os Kennedy e os Chingunji. Isso poderia ser útil para se encontrar alguns pontos em comum sobre as fontes de uma saga.

As sagas acontecem, por norma, em famílias numerosas, inteligentes, dinâmicas, empreendedoras, com um grande protagonismo social e político, que agem em função do projecto familiar de um patriarca. Diz-nos Klein que, para o caso dos Kennedy, a saga abateu-se sobre esta família pelo facto de Patrick Kennedy, um irlandês, que emigrou para os Estados Unidos da América, em 1858, ter deixado um legado de humilhação que estimulou a "imprudência e o comportamento arriscado dos seus descendentes".

Patrick Kennedy morreu aos 35 anos de tuberculose.

Talvez não seja o caso do patriarca dos Chingunji, Eduardo Jonatão Chingunji. No entanto, não resta dúvida alguma de que o legado por ele deixado – meter-se na vida política – tenha, sob o efeito de bola de neve, levado todos os seus descendentes para o caminho dramático que se conhece.

Eduardo Jonatão Chingunji foi um professor de prestígio e Director das escolas da Missão da Chissamba. Em 1975, depois da expulsão do Mpla do Centro de Angola, foi nomeado pela Unita, como governador da província do Bié. Militante pioneiro e activo da Unita desde o tempo colonial, sofrera o desterro nas prisões do Tarrafal de onde viria a sair em 1975. O lado mais aberrante do seu contencioso com as

autoridades coloniais foi o facto destes o terem separado da sua esposa, Violeta Jamba, que fora enviada para S. Nicolau.

Eduardo Jonatão Chingunji, tal como o patriarca dos Kennedy, teve várias filhos. Destes, David Jonatão Chingunji (Samuimbila), tal como o seu irmão Samuel Piedoso Chingunji (Kafundanga) não chegaram a ver a independência do país. Logo após o 25 de Abril, com a entrada da Unita nas cidades, falava-se, de viva voz, desses dois irmãos, elevados à categoria de heróis míticos pela Unita: Samuel Piedoso Chingunji (Kafundanga) foi o primeiro chefe de Estado - Maior da Unita e viria a falecer, em 1973, de malária. David Jonantão Chingunji (Samuimbila) perdera a vida três anos atrás

num ataque a um ATM do exército colonial. Mas também já se falava de uma possível participação de Jonas Savimbi na morte dos dois por rivalidades. Mas, como em todas as sagas, o mistério prevalece até hoje (recordemo-nos do mistério que envolveu a morte do presidente Kennedy).

A independência do país chegou com os Chingunji praticamente completos, à excepção dois irmãos.

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Conheci Eduardo Jonatão Chingunji no Bié, em finais de 1975, durante um culto numa das igrejas evangélicas do Kuito. Um homem calmo, que inspirava respeito e admiração, pareceu-me, no entanto, demasiado conservador. Lembro-me de, nesse culto, ter-se voltado contra nós, as mulheres, que usávamos saias e calças, defendendo, com ardor e paixão, a moda africana, de as mulheres usarem panos. Atreveu-se, inclusivamente, a dizer que iria meter a polícia nas ruas, a fim de punir, com prisão, as jovens e as mulheres que se atravessem a trajar de calças e de saias. Óbvio que isso tenha caído mal a Jonas Savimbi. Este, sempre de olhos posto aos movimentos dos Chingunji, aproveitou este deslize para o atacar pública e veementemente num comício. Tratava-se da gota de água que fizera transbordar o copo. Já se sabia, na altura, que as ideias de Eduardo Jonatão Chingunji colidiam com as do Líder da Unita. Para um religioso, nacionalista lúcido, embora conservador, como Eduardo Jonatão Chingunji era difícil aceitar algumas posturas, escolhas, posições e comportamentos promíscuos de Jonas Savimbi. Isso para não falar da amálgama de ideologias e posições contraditórias do mesmo (maoísmo, alianças com o apartheid e Americanos, Negritude, etc.). Eduardo Jonatão Chingunji era um visionário nacionalista e Jonas Savimbi um estratega que agia em função dos preceitos maoístas "não importa a cor do gato, o que importa é que cace ratos".

Em 1976, ainda na ressaca da fuga das cidades, e no meio da "Longa Marcha", chegava a notícia da morte de Estevão Chingunji. Fora a única vítima de um ataque perpetrado pelas forças do Mpla. No entanto, e para não variar, também se ouviu dizer que a bala o havia atingido pelas costas, o que levava a crer que fora morto por um dos seus companheiros. Ou seja, por ordens de Jonas Savimbi.

Cruzei-me com Estevão Chingunji na cidade do Luena, em meados de 1975, muito antes de ser nomeado governador da província de Benguela e de se ter casado com Anita Chimbili. Era um homem de carácter afável, elegante. Nunca me esqueci do orgulho com que ostentava o seu certificado, postado na parede, que atestava a sua participação num

concurso de piano em Nova York onde vivia e saíra vencedor. No entanto, isso era apenas o prelúdio. O pior ainda estava para chegar.

Em 1978, numa das minhas viagens à cidade do Lubango, uma colega, no tempo colonial, de Paulo Chingunji - outro filho do patriarca - do curso de História, na Faculdade de Letras, da Universidade de Angola, falava da sua morte num acidente de viação que ocorreu algures na província da Huíla.

Um dos traços característicos das sagas é o facto de não afectarem apenas as famílias implicadas, mas também as pessoas que se envolvem com elas. Basta, para isso, recordarmo-nos de Carolyn Bassette Kennedy e Lauren Bessette, mulher e cunhada de John F. Kennedy Jr. (filho do ex-presidente Kennedy), respectivamente. Estas pereceram juntamente com John, em 1996, num acidente de aviação.

Realizou-se, em 1975, na Chissamba um casamento muito falado onde estive presente. O mesmo ficou famoso por duas razões: primeiro, pelos cônjuges,

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pois tratava-se do enlace matrimonial de Wilson Santos com Helena Jamba Chingunji dos Santos (irmã gémea de Tito Chinguji); segundo, por ter sido realizado conforme os ditames da cultura Ovimbundu. Era algo impensável para cristãos devotos e assimilados à cultura ocidental. A maldição viria, no entanto, a manifestar-se nesta família desasseis anos mais tarde. Em 1991, o mundo ficou boquiaberto quando soube da boca de Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes, o inimaginável: Haviam sido mortos Tito Chingunji, sua esposa Raquel (Romy) e os três filhos, dois dos quais eram gémeos. A par disso, Wilson Santos, Helena Chingunji e os seus filhos (Koly, Rady e Paizinho) tiveram a mesma sorte.

A morte dos gémeos de Tito, mostrava a intenção deliberada do mandante em limpar da face da terra a família Chingunji. Tito era um homem culto, poliglota, bem-parecido que, em 1975, era visto, na qualidade de guarda-costas, sempre ao lado de Jonas Savimbi. Diplomata hábil, passou por Londres e, mais tarde, por Washington, como representante da Unita. Tito viria a sucumbir depois de ter vivido como um animal num zoo, na Jamba, acusado de ter tido um affair com Ana Savimbi (antiga namorada), e de ter sido acusado de liderar uma intentona contra Jonas Savimbi. O que se passou efectivamente foi que os americanos olhavam para ele como a melhor alternativa para a Unita. No fundo, Tito apercebera-se da influência que ganhara a nível dos americanos e consciencializara-se de que havia

incidente de mais na sua família. Pelo que se sabe, procurou fugir da base onde se encontrava, tendo sido apanhado mais tarde e assassinado às catanadas. Irrelevante que é saber quem perpetrou o assassinato, não é difícil excluir a ideia de que o mandante tenha sido Jonas Malheiro Savimbi e os executores Miguel Nzau Puna, General Epalanga e o temível e terrível sobrinho de Jonas Savimbi, Kami.

Não existem sagas sem sobreviventes. Este é o caso de Eduardo Jonatão Chingunji (Dinho) filho de Samuel Chingunji (Kafundanga). Sobreviveu por estar no exterior, a estudar, e juntar-se a um grupo de intelectuais dissidentes da Unita (Jorge Chicoty, Sousa Jamba, Dias Kanombo, Lindo Kanjunju e Yamba Yamba), que cedo se distanciaram da liderança de Jonas Savimbi. Foi ministro do Turismo e, na véspera das últimas eleições, bateu com a porta.

Fica apenas por responder a questão se uma saga é ou não uma maldição sobrenatural. É claro que a racionalidade não nos permite chegar a tanto. Resta-nos apenas dizer que existem condutas propiciadoras, na geração

descendente, de comportamentos de risco (poder, ambição, promiscuidade, etc.) que devem ser acautelados na medida do possível. Talvez seja uma ideia a reter pelos poucos descendentes dos Chingunji.

 

 

Fonte: Ovimbunu.org

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Entrevista Inédita de Jonas Savimbi

 Luanda - Segue-se extratos de entrevistas de Jonas Savimbi a jornais em que explica da sua ruptura com Holden Roberto, da sua “passagem” pelo MPLA, da sua fortuna e justifica-se sobre alegados documentos que indicava orquestração de um “golpe Estado” contra o Governo/MPLA em 92. 

 JBF - Porque é que saiu da FNLA? JS - Saímos em 1964 por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque Holden Roberto achava que os dirigentes da Frente deviam estar no estrangeiro e nós pensávamos que o seu lugar era no interior de Angola, em contacto com o povo e com as realidades.  JBF - Onde é que estava Holden Roberto? JS - Em Kinshasa, sempre em Kinshasa. A segunda razão tinha que ver com a própria guerra. Nós pensávamos que só aqui poderíamos compreender a dinâmica político-militar, de modo a

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estender a guerra para além do cantinho onde ela estava confinada, no Norte. Também nos parecia indispensável que os quadros militares tivessem uma preparação adequada, mas o presidente Holden Roberto não os autorizava a partir para a Tunísia ou para a Argélia, onde podiam formar-se.  JBF - E os quadros civis? JS - Também eram obrigados a ficar. Nós discordávamos desta atitude, porque o nosso enriquecimento cultural podia contribuir para a formulação de análises que ajudassem a direcção a melhor dirigir. Um dos que quis partir e não pôde foi aqui o secretário-geral, Miguel N’Zau Puna.  JBF - A sua presença não seria indispensável no terreno? 

JS - Mais indispensável era a formação inteclectual que lhe permitiria uma tomada de consciência sólida. A UPA (União dos Povos de Angola) e a guerra tinham começado em 1961, com entusiasmo e com resultados posi¬tivos, mas todos os anos ia baixando um pouco por causa da reacção das forças arma¬das portuguesas. O resultado da nossa ignorância é que não

estávamos em posição de poder corrigir os nossos próprios erros, nem de explorar os erros cometidos pelo adver¬sário.  JBF - Então as divergências eram mais de ordem estratégica do que ideológica? JS - O diferendo ideológico só surgiu mais tarde, e entre nós e o Agostinho Neto, pelo menos de uma forma assumida e consciente, embora também em relação à FNLA nós não concordássemos que as relações da Frente fossem estabelecidas exclusivamente com o Ocidente. A China propôs formar os homens da FNLA e quis mesmo reconhecer o GRAE (Governo Revolucionário Angolano no Exí¬lio), à semelhança do que já tinha feito o Egipto de Nasser. Holden Roberto e a di¬recção fugiram sempre dessas propostas à esquerda, para se acantonarem na zona que hoje convencionalmente se classifica de moderada.  JBF - A FNLA estava no Zaire e o Zaire era um país moderado. JS - Isso não nos devia impedir de diversificar as nossas relações. Não se tratava de substituir um grupo de aliados por um outro grupo. Tratava-se, sim, de equilibrar as dependências, por forma a podermos ficar, exactamente, numa posição mais independente.  JBF - Nenhuma das suas propostas foi aceite? JS - Nenhuma. Por isso saímos.  JBF - Quem? JS - Dos homens dessa época estão aqui presentes o secretário-geral, na altura refugiado na Tunísia, e o engenheiro Mulato, que se encontrava nos Estados Unidos.  “Jeune Afrique”, Agosto de 1984 

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JA: O senhor doutor inscreve-se então em Ciências Políticas e adere à UPA (União dos Povos de Angola) de Holden Roberto. Como explica que os seus contactos em Portugal não o tivessem orientado para o MPLA? JS: É muito simples. O MPLA, na altura, tinha uma estrutura ultra-clandestina de que eu ignorava a existência. Eu militava com Neto, mas eu não sabia que ele era membro de um movimento organizado. Só quando cheguei à Suíça nos fins de 1959, me apercebi, ao ler um panfleto, da existência do MPLA. Escrevi de imediato para Conakry, onde se encontravam Lúcio Lara, Viriato da Cruz e a maior parte dos dirigentes deste movimento. Pedi-lhes informações sobre o seu programa e, se o achassem útil, que me enviassem alguém para me contactar. Passado um ano, não obtive mais do que meias respostas e ninguém me veio ver.  Em contrapartida, Holden Roberto, a quem tinha também escrito, veio ao meu encontro em Lausanne. Tivemos uma discussão de 3 horas. Eu apercebi-me de que ele não tinha nenhum programa. Abstive-me, pois, de responder. Foi então que, no início de 1960, fui mandatado pela União Geral dos Estudantes Angolanos, organismo próximo do MPLA e dirigido na época opor Luís de Almeida, actual embaixador de Luanda em Paris, para representá-la na Conferência dos estudantes Africanos em Kampala. Encontrei ali TOM M’BOYA, que me levou para Nairobi e apresentou-me a JOMO KENYATTA. O “MZEE” estava em residência vigiada. Encontrar o homem que acabava de escrever o livro intitulado “Ao pé do Monte Kenya” era para mim um acontecimento de importância determinante. “Não vá para o MPLA” disse-me ele – “são comunistas”. “Ingresse antes na UPA e faça tudo para lhe proporcionar um programa. Eis aqui papel: escreve a Roberto”. Foi assim que aderi ao que ia tornar-se em FNLA.  JA: Logo, o senhor doutor seguiu para Leopoldville, a futura Kinshasa, onde Holden Roberto tinha o seu Quartel General. JS: Em Setembro de 1960, três meses depois da independência do Congo, Roberto nomeou-me Secretário Geral, Esta nomeação não era séria e, primeiro, eu recusei. Holden insistiu. Acabei por aceitar, exigindo poder voltar a Lausanne, para aí defender a minha tese de licenciatura sobre Yalta e a Descolonização.  JA: Imediatamente após começaram a surgir problemas entre o doutor e Holden Roberto. Será que o Sr. Dr. Queria tomar o lugar dele? JS: Precisamente o contrário. Até porque quando alguns elementos, descontentes da desorganização e do etnocentrismo da FNLA quiseram fazer um golpe de estado contra Roberto, opus-me determinantemente. Bem vistas as coisas, seria um suicídio, porque Roberto beneficiava do apoio das autoridades de Leopoldville. E nós teríamos feito o jogo dos Portugueses. Eu preferi, pois, deixar o movimento e fundar uma outra organização. Em Abril de 1964, voltei para a Suíça.  JA: Esta ruptura foi consumada aquando da Cimeira da OUA, no Cairo, três meses mais tarde. JS: Efectivamente. Em Julho de 1964, fui ao Cairo para explicar a minha posição aos Chefes de Estado do Continente. Esta minha tomada de posição caiu muito mal a Roberto. Contudo, NASSER, NKRUMAH, SEKOU TOURÉ, BEN BELLA e outros Chefes de Estado apoiaram-me e encorajaram-me a prosseguir com a minha iniciativa. Eles estavam desiludidos com a ineficiência do MPLA e hostis ao carácter reaccionário da FNLA. SEKOU TOURÉ disse-me:

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“Holden é um agente da CIA”. NASSER fez difundir na rádio a minha carta de demissão. Aliás, NASSER apoiou-me até à sua morte, em 1970, com uma fidelidade exemplar.  JA: Em Setembro de 1964, o Sr. Dr. Foi à União Soviética e aos países socialistas europeus, o que é que lá foi procurar? JS: Fiz essa digressão a conselho de NASSER. Foi ele que encetou os contactos para as minhas visitas a Moscovo, Berlim, Praga, Budapeste e Varsóvia. NASSER sustentava que, sem o apoio duma grande potência progressista como a URSS, eu nunca poderia levar a cabo um combate verdadeiramente revolucionário. Os Soviéticos disseram-me: “Junta-te ao MPLA e serás o Vice-Presidente”. Eu respondi que esta medida não serviria para nada enquanto este movimento persistisse em permanecer no exterior de Angola. Era preciso deixar Brazzaville para a mata. Os meus interlocutores responderam-me que tal não era a sua concepção da luta e ficámos por aí. Regressei, pois, ao Cairo, com as mãos vazias. Logo, até 1966, por intermédio de NASSER, eu mantive contactos com os soviéticos.  JA: Qual era, nessa época, a sua posição em relação a Castro e à Revolução Cubana? JS: Eu admirava-a muito. Possuía gravações dos discursos de Fidel e a sua experiência revolucionária fascinava-me. Mas eu conhecia melhor o Comandante Ernesto GUEVARA. Encontrei-o em Fevereiro de 1965, num avião que nos levava de Dar-Es-Salaam à Argélia, onde devia realizar-se um Seminário Económico Afro-Asiático. O CHE vinha de Brazzaville; ele tinha encontrado ali os dirigentes do MPLA e afirmava estar decepcionado com a sua burocracia, o seu pequeno campo de treino de Dolosie. O CHE tinha instado junto dos homens do MPLA para visitar as suas zonas libertadas e tinha-se-lhe respondido que era impossível, por razões de segurança. Ele tinha redigido para Castro um relatório desfavorável ao MPLA e tinha-me confiado que, se eu entrasse realmente no interior de Angola para ali instalar o “maquis”, Cuba estaria do meu lado. Mas pouco tempo depois do seu regresso a Havana, o CHE desaparecia para ir combater de novo. O seu relatório não teve seguimento.  JA: No início de 1965, o Sr. Dr. Foi à China. Foi por sua própria iniciativa? 

JS: Sim e não. Eu fui de novo ter com NASSER: “os soviéticos não nos ajudam, Cuba hesita: o que é preciso fazer?”. Ele disse-me: “Podes escolher entre SUKARNO e MAO, mas eu aconselho o segundo porque os Chineses têm uma experiência de guerra de guerrilha superior à da Indonésia”. Dirigi-me assim a Pequim, onde fui bem recebido. Contrariamente aos Soviéticos, os Chineses deixaram-me expôr as minhas ideias, corrigiram-me algumas e depois disseram-me o seguinte: “Nós poderíamos dar-lhe dinheiro, mas o senhor iria gastá-lo. Vá, antes, procurar uma dezena de companheiros seus e regresse

aqui, para serem submetidos a um treino militar e, tanto para nós como para vós, será melhor investimento”. Eu penso que eles queriam também testar a minha seriedade. Os Chineses deram-me 30 mil dólares e eu fui a Brazzaville, Lusaka e Dar-Es-Salaam, para ali persuadir 11 dos

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meus compatriotas a acompanharem-me à Academia Militar de Nanquim. Nós permanecemos ali 4 meses, de Abril a Julho de 1965.  JA: Quem era o vosso principal interlocutor Chinês? JS: CHU-EN-LAI, que na altura era Primeiro-Ministro. Ele ocupava-se da ajuda aos Movimentos de Libertação. Encontrei MAO uma única vez em 1967. Eu tinha acabado de assentar as bases para a Luta Armada. Ele fez-me uma pergunta acerca do encaminhamento até ao “maquis” das armas que a China facultava. Respondi-lhe que tinha o acordo dos Presidentes NYERERE e KAUNDA para que esse material transitasse pela Tanzânia e Zâmbia. Ele disse-me então num tom sibilino: “A Revolução Africana é jovem, e frágil; é muito possível que, por vezes, as nossas remessas de armas nunca vos atinjam e que um desses Chefes de Estado se apodere do material. Não fiqueis desencorajados. Sede pacientes”.   JA: Falemos da sua fortuna. Qual é o montante dela? JS: Eu não tenho nada, absolutamente nada. Eu nunca tive uma conta no banco na minha vida. Eu não possuo nenhuma vivenda no estrangeiro. Ninguém aqui possui o que quer que seja.  JA: Apesar disso, os amigos, Estados, dão-vos dinheiro. O que fazem dele? JS: Tudo vai para os cofres do Movimento, que são geridos por um intendente. Nunca me ocupei destas histórias. Nós temos, em Londres uma conta no Banco, que serve para prover às despesas dos nossos representantes no Exterior, assim como para comprar armas no mercado internacional. Nós exigimos facturas precisas de todas as despesas. Mas os nossos homens no Exterior, são gente honesta, e todos combateram nas matas. Muitas vezes temos de lhes explicar que lá, na Europa, já não é como na mata; devem comparar dois fatos. Para alguns, como nós estamos em contacto com os sul-africanos e recebemos dinheiro dos países árabes do Golfo, nós deveríamos ter fortunas pessoais. É falso. Tudo vai para o Movimento.  JA: Nada de corrupção, nenhuns desvios? JS: Não, não e não! Não posso ficar escandalizado pelo tráfico de diamantes do MPLA e pelas práticas de certos Chefes de Estado Africanos que se fazem erguer estátuas, esquecendo que elas serão demolidas no dia seguinte, e ser eu próprio corrupto. Além disso, o dinheiro não circula aqui e ninguém recebe o menor salário.  JA: Tem uma vida familiar? JS: A minha mulher morreu na Jamba, atingida por um raio. Resta-me a minha Mãe, a minha irmã e cinco crianças.  JA: Onde é que elas estudam? JS: Aqui em Angola. Nas escolas da UNITA, nas matas. O MPLA não pode afirmar o mesmo.  Ao Jornal “A Capital” de Julho de 1989 - Dr. Savimbi, pessoalmente como é que se sentiu quando apertou a mão a José Eduardo dos Santos? 

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JS- Eu não o conhecia pessoalmente. Quando falava com Agostinho Neto o José Eduardo dos Santos ainda era pequeno e necessariamente não participava nas nossas reuniões. Portanto, foi a primeira vez que o vi, apertei-lhe a mão e o sentimento que houve o de conhecer um compatriota que teve coragem e que eu espero que continue a manifestar essa coragem. Devo dizer que ultimamente estou a discordar um bocado das suas afirmações. Ele disse há dias que Gbadolite tinha sido uma precipitação e que era necessário diminuir o ritmo das negociações. Com depoimentos destes eu não fico assim muito satisfeito, pois isto equivale a dizer-se que a guerra devia continuar ainda mais um tempo. Ora eu considero que o povo angolano já sofreu o suficiente nestes catorze anos e tudo o que seja acelerar o processo de paz tem de ser feito. Agora que já há os princípios de Gbadolite, temos que avançar sem perder tempo. Portanto, eu não posso aceitar que se diga que agora devíamos diminuir a velocidade do processo de paz, porque isso permite que a guerra continue.  - Acha que o plano de paz está neste momento em risco? JS- Pela minha parte, não. Da parte do MPLA, francamente não sei. O que posso dizer é que quem quer que tenha a responsabilidade de pôr em risco o plano de Gbadolite, corre também o risco de ter toda a população de Angola contra si. Eu não vou correr esse risco.  - O embaixador Rui Mingas sugeriu também na sua conferência de imprensa que a UNITA acabaria por se dissolver no MPLA. O que é que acha deste conceito? JS- Olhe, depoimentos desse género não ajudam nada à situação. Nós estamos a falar da reconciliação nacional e eles põem-se a falar no aniquilamento da UNITA! Nós queremos acabar com a guerra, eles falam em liquidar oponentes! Eu só acho é que isto está a criar uma onda de simpatia pela UNITA. Esses depoimentos são francamente irresponsáveis, mas não me admiro que o Rui Mingas os faça. Ele nunca esteve na mata e não sabe de facto o que é que esta guerra tem sido. Uma coisa é certa, ele não consegue passar essa mensagem de guerra às próprias forças do MPLA. As FAPLA querem a paz. Essa história de liquidar a UNITA era uma palavra de ordem do MPLA desde 1976. Não o conseguiram fazer. Agora o que têm a fazer é falar com a UNITA e negociar a reconciliação e o fim da guerra.  - O embaixador Rui Mingas disse também que não haveria eleições em Angola porque a constituição da RPA não previa esse sistema. JS- Olhe, quem é que diria que ia haver eleições na Polónia! Eu digo que vai haver eleições em Angola. O monopólio já não é só do MPLA. Há toda uma dinâmica que ultrapassa de muita longe o MPLA. O povo de Angola quer eleições e vai ter eleições.  "Diario de noticias"  DN - Para terminar, sente-se já na pele de Presidente de Angola? JS - Não. Sinto-me como angolano que tem um papel a desempenhar para que a paz seja realmente efectiva.  DN - Mas gostaria de vir a ser o Presidente de Angola? 

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JS - Não. Eu penso que todo o indivíduo que quiser ser Presidente de Angola, tenha um partido estruturado, tenha seguidores, tenha coragem de advogar eleições e vá para as eleições e depois das eleições poderá sentir-se na pele de Presidente ou não.  "A Radio TFS Dezembro de 1992" SIC - Dr. Savimbi: não autorizou o ataque ao Uíge? J.S. - Não! Não autorizei, nem nunca iria autorizar!  SIC - Mas havia um plano? J.S. - Não havia plano nenhum! Absolutamente! … Mas, depois, quando há a tomada do Uíge, a tomada ¬do Negage, fico surpreendido. O que é que se passou? Na¬quela altura, a minha impressão era que tinha sido uma ac¬ção de rebelião contra uma ordem minha! Hoje, já não! Mandámos uma delegação nossa dirigida paio general Chilingutila, da parte da UNAVEM foram seis oficiais. Temos um documento escrito. Esclarece que, afinal, localmente, no Uíge e no Negage, houve fricções entre a UNITA e o MPLA. Não foi a tropa do general Numa a tomar o Uíge ou a tomar Negage. Afinal fora a guarnição que lá estava a garantir a segurança dos comités, dos dirigentes, localmente e em resultado dessas fricções, que houve entre a UNITA e o MPLA.  SIC - A UNITA está destroçada, está partida, o que é que acontece à UNITA? J.S. - Isso é o que as pessoas pensam. O partido sobre¬vive e eu penso que, no próximo ano, teremos boas notí¬cias.  SIC - …sobre os militares? J.S. - …a guerra não se inventa, faz-se. É uma ciência. Portanto, quando saem de Luanda a fugir, muitos perde¬ram-se, outros morreram. Agora é preciso, outra vez, construir um comando unificado, sem guerra. Senão, é a guerra. Mas é preciso, mesmo dentro do próprio partido, tirarmos lições. Prepara-se o povo para as eleições, ou para outra, faz-se a guerra dezassete anos para haver democracia, pa¬ra haver liberdade, organiza-se o povo para participar, gas¬tam-se milhões de dólares para o efeito, chega-se ao fim não se tem o resultado que se desejava. O que é que faz um partido? Em Portugal, ou na Inglaterra, ou na América? É reunir um Congresso…  TSF - Quando é que vai reunir esse Congresso? J.S. - Mas o governo não quer! Eu pedi…  TSF - O que é que o governo tem a ver com isso? J.S. - O governo tem de autorizar, senão a polícia vem, nós estamos numa reunião, e manda dispersar o nosso encontro.   

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SIC – Teve conhecimento dos documentos que foram apresentados pelo governo, de que o governo fala, da tentativa de tomada do poder pela UNITA? Esses documentos são verdadeiros ou não? J.S. - Vi algumas coisas. Algumas letras que eu conheço, deu para saber que esta é do Chivukuvuku…  SIC - Onde ele diz que «a UNITA deve tomar os municípios» … J.S. - Não é verdade que o Chivukuvuku, que era o Secretário para os Negócios Estrangeiros, vá organizar o plano de «golpe de estado»! Não é verdade! No mínimo, devia ser o chefe do Estado-Maior! Mas, nem ele. Se fosse, en¬tão, deveria ser a Direcção toda a comprometer-se com um acto tão grave como este. Portanto, não seria o Chivukuvuku, dos Negócios Estrangeiros. Ele está a exprimir as suas opiniões, nas circunstâncias em que ele escreveu essa car¬ta, mas é para se exercer pressão sobre o governo, para se negociar. Ele não dizia no fim, em parte nenhuma, «depois, tomamos conta do poder pela força», não está dito…  SIC - Quando o Vice-Presidente Chitunda fala em fogo sobre a capital, isso quer dizer o quê? J.S. - Ele não disse isso!  SIC - Está aí escrito… Não é a letra dele? J.S. - Até se havia um homem mais moderado, no Parti¬do, era o próprio Chitunda! Há alguém, neste mundo, que possa identificar o Chitunda com um «golpe de estado?». As pessoas que o conheceram, o negociador…  TSF - Pode identificar essa letra?  SIC - É verdadeira, ou não? J.S. - … até também, para vos dizer uma coisa. Di¬zem que o plano do Chivukuvuku era tomar os municípios, as províncias e depois, então, o golpe de estado na capital. Aqui, o outro, diz o seguinte: «só o fogo na capital é que abala o inimigo, não nas províncias». Quer dizer, os dois negociadores já não estão de acordo, significa que isso nunca foi discutido, nem acordado! São opiniões! São opi¬niões de cada um! 

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 SIC - Mas as resoluções são tomadas com base em opiniões… J.S. - …as opiniões só podem ser resolução se, depois de um debate, nós chegarmos a um acordo. O que eu pen¬so, e o que pensa o general Bem, não é a mesma coisa! Pensamos coisas diferentes e vamos para a reunião com ideias diferentes. E, quando sairmos da reunião, se as ideias diferentes dos dirigentes constituírem um ponto co¬mum, então, já é uma resolução do Partido.  TSF - Se o Senhor tivesse ganho as eleições, co¬mo sonhou toda a vida, que ganharia quando elas se realizassem? J.S. - Vou ganhar! Vou ganhá-las um dia…  SIC - Então aceita a derrota? J.S. - O que posso fazer mais? Vou lutar contra a ONU, vou lutar contra toda a gente? Então seria, completamente, da minha parte, viver da ilusão! Desta não foi? Não faz mal! Quantas derrotas já tive na minha vida e quantas vezes consegui recuperar?   Fonte: angolalibre