a solidão como arma política (zine)

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  • 7/25/2019 A Solido Como Arma Poltica (Zine)

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    O medo solido um grande impedimento na construo daautonomia, porque desde muito pequenas e toda a vida nos formaram

    no sentimento de orfandade; porque nos fizeram profundamentedependentes dos demais e nos fizeram sentir que a solido negativa,

    ao redor da qual h toda uma classe de mitos.

    difuso feminist hertic

    edies

    A Solido como arma

    Poltica

    Heretica edies

    lesbofeministas independentes

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    HERETIC DIFUSO

    LESBOFEMINIST INDEPENDENTE

    Traduo do texto original Soledad &

    Desolacinpor Marcela Lagarde.

    [email protected]

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    - A Solido como arma Poltica -

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    A Solido e a Desolao, por

    Marcela Lagarde

    Nos ensinaram a ter medo da liberdade; medo de tomar

    decises, medo solido. O medo solido um grande

    impedimento na construo da autonomia, porque desde

    muito pequenas e toda a vida nos formaram no sentimento

    de orfandade; porque nos fizeram profundamente

    dependentes dos demais e nos fizeram sentir que a solido

    negativa, ao redor da qual h toda uma classe de mitos.Esta construo se refora com expresses como as

    seguintes Vai ficar sozinha?, Por que to sozinhas

    garotas?, mesmo quando estamos em muitas mulheres

    juntas.

    A construo da relao entre os gneros tem muitas

    implicaes e uma delas a de que as mulheres no

    estamos feitas para estar sozinhas dos homens, seno que

    o sossego das mulheres depende da presena dos homens 1,

    mesmo quando seja na forma de uma recordao.

    Essa capacidade construda nas mulheres de nos criar

    fetiches, guardando recordaes materiais dos homens para

    no nos sentirmos sozinhas, parte do que tem que

    desmontar-se. Uma chave para fazer este processo

    diferenciar entre solido e desolao. Estar desoladas

    o resultado de sentir uma perda irreparvel. E no caso de

    muitas mulheres, a desolao surge toda vez que ficamos

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    que fraca, infantil, carenciada, incapaz de assumir sua

    solido. Na construo da autonomia se trata de

    reconhecer que estamos sozinhas e de construir a

    separao e distncia entre o eu e os outros/as.

    * * *

    1Substituira a expresso como na presena de um outro

    significativo, embora a autora se dirija as mulheres

    heteros, acho que essa socializao comum a todas que

    nascem mulheres num heteropatriarcado. Mas como ele tem

    origem no machismo, essa educao a princpio existe para

    manter o sistema da heterossexualidade compulsria, mesmo

    quando essa se replica em dinamicas no-heteros. (N. T.)

    2Ou seno, chamar ao celular ou abrir facebook e redes

    sociais revisar e-mails compulsivamente, e outros

    rituais para preencher esse vazio que o encontro com

    uma mesma (N.T.).

    edio: curitiba, novembro 2013.

    Imagem de contra-capa: caroline jamhour

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    penso, qu quero, para onde, como, quando, e por qu que

    so perguntas vitais da existncia.

    A solido um recurso metodolgico imprescindvel para

    construir a autonomia. Sem solido no somente ficamos na

    precocidade seno que no desenvolvemos as habilidades do

    eu. A solido pode ser vivida como metodologia, como

    processo de vida. Ter momentos temporais de solido na

    vida cotidiana, momentos de isolamento em relao comoutras pessoas fundamental. E se requer disciplina para

    isolar-se sistematicamente em um processo de busca do

    estado de solido.

    Vista como um estado do ser a solido ontolgica a

    solido um fato presente em nossas vidas desde que

    nascemos. No ato de nascer h um processo de autonomia ao

    mesmo tempo, de imediato se constitui em um processo de

    dependncia. possvel compreender ento, que a

    construo de gnero nas mulheres anula algo que ao

    nascer parte do processo de viver.

    Ao crescer em dependncia, por este processo de orfandade

    que se constri nas mulheres, nos cria uma necessidade

    irremedivel de apego aos outros.

    O trato social na vida cotidiana das mulheres est

    construdo para impedir a solido. O trato que

    ideologicamente se d solido e construo de gnero

    anulam a experincia positiva da solido como parte da

    experincia humana das mulheres. Converter-nos em

    sujeitas significa assumir que de veras estamos sozinhas:

    sozinhas na vida, sozinhas na existncia. E assumir isso

    significa deixar de exigir aos demais que sejam nossos

    acompanhantes na existncia, deixar de impr aos demais

    que estejam e vivam com a gente.

    Uma demanda tpicamente feminina que nos

    "acompanhem"mas um pedido de acompanhamento de algum

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    sozinhas, quando algum no chegou, o quando chegou mais

    tarde. Podemos sentir a desolao a cada instante.

    Outro componente da desolao e que parte da cultura de

    gnero das mulheres a educao fantasstica para a

    esperana. desolao acompanha a esperana: a esperana

    de encontrar a algum que nos quite o sentimento de

    desolao.

    A solido pode definir-se como o tempo, o espao, o

    estado onde no h outros que atuam como intermedirios

    com ns mesmas. A solido um espao necessrio para

    exercer os direitos autnomos da pessoa e para ter

    experincias em que no participam de maneira direta

    outras pessoas.

    Para enfrentar o medo solido temos que reparar a

    desolao nas mulheres e a nica reparao possvel pr

    nosso eu no centro e converter a solido em um estado de

    bem-estar da pessoa.

    Para construir a autonomia necessitamos solido e

    requeremos eliminar na prtica concreta, os mltiplos

    mecanismos que temos as mulheres para no estar sozinhas.

    Demanda muita disciplina no sair correndo a ver a amiga

    no momento em que ficamos sozinhas. 2A necessidade de

    contato pessoal em estado de dependncia vital uma

    necessidade de apego. No caso das mulheres, para

    estabelecer uma conexo de fuso com os outros,

    necessitamos entrar em contato real, material, simblico,

    visual, auditivo ou de qualquer outro tipo.

    A autonomia passa por cortar esses cordes umbilicais e

    para lograr isso, se requer desenvolver a disciplina de

    no levantar o telefone quando se tem angstia, medo ou

    uma grande alegria porque no se sabe qu fazer com esses

    sentimentos, porque nos ensinaram que viver a alegria

    cont-la a algum, antes que simplesmente goz-la. Para

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    as mulheres, o prazer existe somente quando

    compartilhado porque o eu no legitima a experincia;

    porque o eu no existe.

    por tudo isso que necessitamos fazer um conjunto de

    mudanas prticas na vida cotidiana. Construmos

    autonomia quando deixademos de manter vnculos de fuso

    com os outros; quando a solido esse espao de onde

    podem nos passar coisas to interessantes que nos pem apensar. Pensar em solido uma atividade intelectual

    distinta que pensar frente a outros.

    Um dos processos mais interessantes do pensamento fazer

    conexes; conectar o fragmentrio. E isso no possvel

    fazer se no em solido.

    Outra coisa que se faz em solido e que funda a

    modernidade, duvidar. Quando pensamos frente aos outros

    o pensamento est comprometido com a defesa de nossas

    idias. Quando o fazemos em solido, podemos duvidar.

    Se no duvidamos no podemos ser autnomas porque o que

    temos pensamento dogmtico. Para ser autnomas

    necessitamos desenvolver pensamento crtico, aberto,

    flexvel, em movimento, que no aspira a construir

    verdades e isso significa fazer uma revoluo intelectual

    nas mulheres.

    No h autonomia sem revolucionar a maneira de pensar e o

    contedo dos pensamentos. Se ficamos sozinhas unicamente

    para pensar nos outros e outras, faremos o que sabermos

    fazer muito bem: evocar, rememorar, entrar em estados de

    nostalgia. O grande cineasta sovitico Andrei Tarkovski,

    em seu filme Nostalgia fala da dor do que perdido, do

    passado, aquilo que j no se tem.

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    As mulheres somos especialistas em nostalgia e como parte

    da cultura romntica se torna um atributo de gnero das

    mulheres.

    O recordar uma experincia da vida, o problema quando

    em solido usamos esse espao para trazer os demais ao

    nosso presente, ao nosso centro, nostlgicamente. Se

    trata ento de fazer da solido um espao de

    desenvolvimento do pensamento prprio, da afetividade, doerotismo e da sexualidade prprias.

    Na subjetividade das mulheres, a onipotncia, a

    impotncia e o medo atuam como diques que impedem

    desenvolver a autonomia, subjetiva e praticamente.

    A autonomia requer converter a solido em um estado

    prazeroso, de gozo, de criatividade, com possibilidade de

    pensamento, de dvida, de meditao, de reflexo. Se

    trata de fazer da solido um espao onde possvel

    romper o dilogo subjetivo interior com os outros e

    outras e no qual realizamos fantasias de autonomia, de

    protagonismo mas de uma grande dependncia e onde se diz

    tudo o que no se faz na realidade, porque um dilogo

    discursivo.

    Necessitamos romper esse dilogo interior porque se torna

    substitutivo da ao; porque uma fuga onde no h

    realizao vicria da pessoa porque o que faz na fantasia

    no o faz na prtica, e a pessoa fica contente pensando

    que j resolveu tudo, mas no tem os recursos reais, nem

    os desenvolve para sair da vida subjetiva intra-psquica

    ao mundo das relaes sociais, que onde se vive a

    autonomia.

    Temos que desfazer o monlogo interior. Temos que deixar

    de funcionar com fantasias do tipo lhe digo, me diz, lhe

    hago. Se trata mais bem de pensar Aqui estou, qu