a tarde e a construção dos sentidos
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A Tarde e a Construção Dos SentidosTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTRIA
A TARDE E A CONSTRUO DOS SENTIDOS IDEOLOGIA E POLTICA (1928 1931)
MARIA DO SOCORRO SOARES FERREIRA
SALVADOR / BAHIA
JUNHO / 2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTRIA
A TARDE E A CONSTRUO DOS SENTIDOS IDEOLOGIA E POLTICA (1928 1931)
Dissertao final de curso apresentada ao Mestrado
em Histria da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial obteno do grau de mestre em
Histria
MARIA DO SOCORRO SOARES FERREIRA
ORIENTADOR: Prof. Dr. ANTNIO FERNANDO GUERREIRO
SALVADOR BAHIA
JUNHO / 2002
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Para Joo e Rafael, luzes no meu caminho.
Que eu, atravs do meu trabalho, possa
tambm iluminar suas vidas.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, a todos os santos e orixs, especialmente guerreira Ians. Muita gente sempre
participa dos trabalhos que fazemos de muitas e variadas maneiras: conversando sobre o tema,
ouvindo-nos conjeturar idias, dizendo que confiam no nosso trabalho, lendo e discutindo,
corrigindo ou puxando-nos pelo brao quando antes de comear j achamos que est tudo
perdido. A todos que fizeram isso comigo, tenho muito a agradecer. Algumas porm fizeram
mais... Lucy e Adriana coletaram dados e transcreveram boa parte dos textos do jornal. O
Colegiado do Mestrado em Histria, tolerante com o meu problema de sade, fez ressaltar a
solidariedade de Maria Hilda. Ao Prof. Antnio F. Guerreiro, agradeo pela leitura atenta. Ao
Departamento de Filosofia da UCSal e ao Colegiado de Histria do Departamento de
Educao do Campus II da Uneb, pela liberao e apoio, particularmente, agradeo aos
colegas Paulo Santos Silva, Marilcia Oliveira Santos, Ronalda Barreto que, em diferentes
momentos, me instigaram a escrever; leram e discutiram a primeira verso deste trabalho.
Luciano Magnavita ajudou-me a definir a estrutura do trabalho e, na fase final, foi uma
presena marcante colaborando de muitos modos. Nazar, com sua incomum solidariedade,
me ajudou a minimizar os efeitos corrosivos da descrena em que estava mergulhada, alm da
intensa assistncia intelectual, suscitando questes que nortearam a fundamentao terico-
metodolgica. A Plutarco, pelo seu trabalho na classificao de parte dos textos e pelas
discusses inteligentes e animadoras que por vezes tivemos. Marina, sempre solcita e
prestativa no atendimento da biblioteca. E, aqui, um agradecimento especial queles que por
razes diversas participaram deste trabalho, especialmente aos que, entendendo as minhas
limitaes por questes de sade, me animaram, me incentivaram e me compreenderam.
Dentre estas pessoas destacam-se as amigas Maria Aparecida Sanches e Maria do Carmo.
Estas amigas foram fundamentais para a realizao deste trabalho. Ao Dr. Jorge Andrade e
Dra. Lensia, diretores do SMU, pela solicitude com que acompanharam o meu caso. Aos
oftalmologistas, Aidil Brito, Dr. Augusto Velasco Cruz, Dr. Nelson Boeira que atravs da
busca de respostas aos meus anseios de cura, em diferentes momentos, participaram deste
trabalho. Por fim, agradeo a Maria Perptua por ter se dedicado delicada tarefa de cuidar
dos meus filhos neste perodo de tantos distanciamentos.
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Seja qual for o rtulo, porm a pretenso a
mesma: entender o sentido da vida, no numa v
tentativa de dar respostas ltimas aos grandes
enigmas filosficos, mas oferecendo um acesso a
respostas dadas por outros, tanto nas rotinas
dirias de suas vidas quanto na organizao
formal de suas idias, sculos atrs.
Robert Darnton. O beijo de Lamourette
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SUMRIO
Pg.
INTRODUO .................................................................................................................... 9
Perodo ................................................................................................................................. 11
Fonte .................................................................................................................................... 12
Referncias de Anlise ......................................................................................................... 14
CAPTULO I - A ATUAO DO JORNAL A TARDE NA POLTICA PARTIDRIA . 20
I.1 O Fim da Primeira Repblica na Bahia .......................................................................... 22
I.2 O Significado da Revoluo de 1930 .............................................................................. 37
CAPTULO II OS MATIZES IDEOLGICOS DO DISCURSO DO A TARDE .......... 54
II.1 Imprensa e Imaginrio Poltico ..................................................................................... 55
II.2 A Reforma Moral da Repblica ..................................................................................... 68
II.3 A Viso da Sociedade ..................................................................................................... 71
II.3.1 O domnio das elites .................................................................................................... 74
II.3.2 A participao da mulher na poltica: a questo do voto feminino ............................. 78
II.3.3 Os limites racistas da cidadania ................................................................................... 83
CAPTULO III - AS DIRETRIZES DA POLTICA ECONMICA ................................. 89
III.1 O Futuro do Brasil ........................................................................................................ 90
III.2 Os Pilares da Economia Baiana: A Agricultura e o Comrcio ..................................... 96
III.3 A Diversificao da Produo como Condio para o Progresso ................................ 101
III.4 A Poltica Financeira ................................................................................................... 106
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 116
BIBLIOGRFICAS .............................................................................................................. 120
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RESUMO
Este trabalho buscou demonstrar que a ideologia liberal burguesa era, no perodo de transio
da Primeira para a Segunda Repblica, o pressuposto bsico do pensamento poltico do jornal
A Tarde. Atravs da noo de progresso, central no iderio burgus do jornal, justificava-se a
defesa dos empreendimentos capitalistas, e de padres de civilidade que excluam os
costumes e prticas populares. Desse modo, a atuao do jornal transcendia a poltica
partidria e inscrevia-se no mbito das relaes midas do cotidiano atravs das
representaes sociais, que reafirmavam determinados valores e crenas, tais como a
hierarquizao das raas e a resistncia emancipao poltica da mulher. Alm disso,
evidencia-se o uso da imprensa como instrumento de manipulao de interesses particulares,
legitimando publicamente privilgios de determinados segmentos da elite baiana.
Palavras-chave: ideologia; poltica; poltica-partidria; discurso; crenas; valores.
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ABSTRACT
This work tried to demonstrate that the liberal bourgeois ideology was, in the transition period
of the Primeira Repblica for the Segunda Repblica, the basic presupposition of the political
thought of the A Tarde newspaper. Through the notion of progress, central in the bourgeois
set of ideas of the newspaper, was justified both the defense of capitalist enterprises, and of
civility patterns that excluded the popular habits and practices. In this way, the performance
of the newspaper surpassed the political supporting and was enrolled in the extent of the small
daily relationships through the social representations, which reaffirmed certain values and
faiths, such as the hierarchization of the races and the resistance to the woman's political
emancipation. Besides, the use of the press is evidenced as instrument of manipulation of
private interests, legitimating openly certain privileges of segments of the baiana elite.
Key-words: ideology; politics; politics-supporting; speech; faiths; values.
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INTRODUO
A idia de fazer uma histria do jornal A Tarde surgiu a partir de
discusses com colegas que, como eu, buscavam critrios que validassem a
escolha de um tema de pesquisa histrica. A participao na seleo para o
Mestrado motivava nossa discusso. Foi, assim, em especulaes de nefitos que
defini o meu tema de pesquisa.
Apesar de ser o jornal de maior circulao na Bahia e servir de fonte para
muitos estudos, o jornal A Tarde no teve ainda sua histria pesquisada.
Entretanto, no me interessei por escrever a histria da instituio. Preferi
explorar o universo de idias que circularam por suas pginas no limiar da dcada
de 30 do sculo XX, enfocando, sobretudo, os valores que se afirmavam e
reafirmavam cotidianamente. Enfim, me interessei em analisar o jornal como
agente social, no s enquanto divulgador de idias e valores, mas tambm como
veculo de comunicao colaborador na construo de sentidos e,
conseqentemente, de acontecimentos.
Estes eram os primeiros esboos para construir um objeto de estudo, e
sentia-me ainda confusa e insegura, sem saber como propriamente delimitar um
objeto para uma pesquisa exeqvel. Foi um passo determinante aprender que a
angstia no uma negao da possibilidade de criar, ao contrrio, ao se fazer
presente, participa tambm do processo criativo. Pude entender, no somente no
nvel intelectual, mas, sobretudo no prtico, que produzir conhecimento
permitir-se ser parcial, abandonar qualquer pretenso neutralidade absoluta,
deixar transparecer as escolhas subjetivas, um estilo prprio e, inevitavelmente,
permitir-se exercitar a criatividade, recriar, enfim, apresentar-se como sujeito.
Sem, contudo, abandonar o propsito de buscar a verdade dos fatos e de fazer
descries mais neutras o quanto possvel for. Esse dilema persegue aqueles que
se aventuram na atividade intelectual: o af de expor as prprias idias, est, a
todo instante, em penosa luta contra a busca obsessiva de recursos para construir
um conhecimento imparcial.
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A primeira verso do meu projeto de pesquisa foi elaborada com o
objetivo de identificar e retratar os posicionamentos de A Tarde ante os
desdobramentos polticos do movimento revolucionrio de 1930, sob a
liderana de Getlio Vargas, at o ano de 1945, com o fim do Estado Novo.1
No Mestrado, reconheci a amplitude do tema e a heterogeneidade do
perodo, constitudo por conjunturas diferentes, sendo mais sensato optar por
apenas uma delas. Logo nos primeiros momentos, constatei que qualquer que
fosse a conjuntura escolhida, seria fundamental investigar qual o significado da
revoluo de 30, para o jornal. Da os marcos temporais desta pesquisa entre 1928
e 1931. O significado da revoluo, construdo pelo jornal A Tarde, decorria dos
acontecimentos polticos da Bahia pr-revolucionria. Particularmente da
campanha eleitoral para o governo do Estado, em 1928. Alis, era durante as
campanhas eleitorais, que havia efetiva movimentao poltico-partidria. Por
outro lado, o ano de 1931 marca o incio da mobilizao contra a centralizao do
poder pelo presidente Vargas. O objetivo deste trabalho consiste na anlise dos
contedos poltico-ideolgicos do jornal A Tarde na transio da Primeira para a
Segunda Repblica.
Trata-se de um estudo inserido no campo da histria das idias polticas,
pela perspectiva da histria poltica renovada, a qual compreende que a origem, a
formao e a difuso das idias polticas se fazem atravs das diversas instncias
sociais. As idias, desse modo, deixam de ser produto da elaborao individual
dos grandes pensadores para serem criao coletiva dos diferentes sujeitos sociais,
caracterizando seus interesses polticos e matizes ideolgicos.2
1 A histria poltica brasileira foi marcada a partir de 1930 por uma ruptura institucional, consagrada como Revoluo de 30. Todavia, esta designao no consensual e este acontecimento histrico tem numerosos significados, construdos a partir da perspectiva dos diferentes atores sociais que o debatem. Ver BORGES, Vavy Pacheco. Anos trinta e poltica: histria e historiografia. In FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. So Paulo: Contexto, 1998. 2 FALCON, Francisco. Histria das idias. In CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domnios da Histria : ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 91-125. O autor expe a trajetria da histria da idias, discutindo a variao do conceito de idia no mbito da historiografia, bem como a multiplicidade de disciplinas histricas que se ocupam das idias, mesmo que estas no sejam, em alguns casos, objeto exclusivo. Ver tambm do mesmo autor, na obra citada, cap. 3, p. 61-89. Trata da evoluo da histria poltica, a qual passou, nos ltimos tempos, por uma renovao, ampliando o campo de investigao.
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Perodo
A anlise dos discursos e declaraes divulgados diariamente pelo jornal A
Tarde, nos anos de 1928 a 1931, permite reconstituir o iderio poltico que
norteou sua atuao no momento da transio da Primeira para a Segunda
Repblica. O ano de 1928 marcaria a consolidao do poder de um novo padro
de oligarquia na Bahia: a oligarquia colegiada, no fosse a abrupta suspenso
provocada pelo movimento revolucionrio de 1930. A eleio para o governo
do estado naquele ano consolidaria a aliana feita em 1924 entre Ges Calmon,
lanado pelo governador J. J. Seabra, e os membros da Concentrao Republicana
da Bahia (CRB), que faziam oposio ao governador. Para consubstanciar esta
aliana foi fundado, em 1927, o segundo Partido Republicano da Bahia (PRB),
que assumia a liderana poltica da Bahia com a vitria de Vital Soares em 1928
para o governo do estado.
O movimento revolucionrio de 1930 desarticulou as alianas das elites
regionais deslocando-as do poder. Os membros do PRB, partido que havia
conquistado o poder na ltima eleio para governador, assistiram impotentes ao
desbaratamento do seu projeto de dominao poltica. O mal estar causado por
esta circunstncia comeou a ser combatido no ano de 1931. A partir deste ano, o
grupo que fora destitudo do poder passou a manifestar abertamente protestos ao
Governo Provisrio, reivindicando uma nova Constituio para o pas. O jornal A
Tarde foi, nesta conjuntura poltica, um canal de expresso das insatisfaes deste
segmento das elites locais.
Para a reconstituio do quadro poltico-administrativo da Bahia na
Primeira Repblica e nos primeiros anos da dcada de 1930, foram fundamentais
os estudos de Consuelo Novais Sampaio, a qual oferece uma amostra da dinmica
da atividade poltico-partidria na Primeira Repblica e demonstra que esta
atividade se orientava mais pela disputa de poderes pessoais do que por um
projeto poltico para a coletividade.3 A organizao da atividade poltico-
3 SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos polticos da Bahia na Primeira Repblica. Uma poltica de acomodao. Salvador : Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1975.
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partidria na Primeira Repblica foi tambm estudada por Eul-Soo Pang. O autor
no se interessa propriamente pela constituio dos partidos, mas em classificar os
grupos polticos de acordo com a estrutura scio-econmica de sua origem,
criando categorias explicativas inspiradas pelos estudos antropolgicos.4 Paulo
Santos Silva, atravs da anlise da produo historiogrfica dos anos de 1930,
estudou a articulao entre militncia poltica e o exerccio da intelectualidade. O
autor enfatiza a importncia da imprensa na formao e atuao dos intelectuais-
polticos baianos.5
Os momentos de ruptura de uma determinada ordem so propcios ao
estudo das estruturas sociais, polticas e/ou ideolgicas, dado que estes momentos
de transio so marcados pela coexistncia da ordem tradicional e da nova
ordem; aquela se manifestando atravs desta, como se estivesse a nos dizer que os
seres humanos no escapam da sua histria passada, ainda que possam, apesar
disso, reinvent-la incessantemente.
Fonte
Este trabalho tem como fonte nica o jornal A Tarde. A pesquisa
privilegiou a seleo dos editoriais que, na poca em estudo, apareciam sob o
ttulo Tpicos, apresentando a opinio do jornal sobre diversa gama de assuntos e
acontecimentos. Mas a parcialidade dos discursos jornalsticos se evidencia nas
matrias noticiosas, vez que a notcia no o que aconteceu no passado, mas o
relato dos sujeitos sociais sobre o que aconteceu.6 Portanto, as notcias foram
tomadas tambm como expresso da opinio do grupo poltico representado no
4 PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889 1930). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979. 5 SILVA, Paulo Santos. ncoras de tradio. Luta poltica, intelectuais e construo do discurso histrico na Bahia (1930 1949). Salvador: EDUFBA, 2000. 6 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. Mdia, cultura e revoluo. So Paulo: Companhia das Letras, 1990. O autor discute, atravs de uma coletnea de artigos escritos em diferentes momentos, questes tericas e metodolgicas sobre a histria das idias, acentuando que o papel da histria consiste em descobrir a condio humana tal como foi vivida pelos nossos antepassados. Analisa o funcionamento dos meios de comunicao, ressaltando que o significado das idias que divulgam derivado das representaes que os sujeitos sociais envolvidos na produo dos contedos discursivos fazem de si mesmos e do seu papel na sociedade. Ver particularmente o captulo 5.
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discurso do jornal A Tarde, assim como os artigos assinados, em geral por
intelectuais que tinham afinidades polticas com Ernesto Simes Filho, seu
proprietrio.7
Por ser importante fonte de expresso das elites, a imprensa uma das
instncias sociais que mais colaboram na execuo dos seus projetos polticos.
Esse papel ganha forma com a divulgao de idias e valores, que em geral criam
condies favorveis aceitao do domnio das elites. A escolha do jornal A
Tarde como fonte nica segue a iniciativa de outros estudos. Em relao ligao
entre jornalismo e poltica, Lia de Souza Oliveira relata como a imprensa mato-
grossense criou mecanismos para difundir a postura do regime varguista, suas
idias polticas, seus objetivos e perspectivas.8
O jornal A Tarde, longe de ser um veculo imparcial, comprometido
apenas com a pura informao, como propagava, desempenhou desde sua
fundao em 1912 o papel de porta-voz de um grupo poltico e deu sustentao
ideolgica aos interesses polticos e econmicos imediatos desse grupo. Essa,
alis, era a contrapartida de Simes Filho nas alianas e acordos polticos.9 A
abordagem dos jornais como agentes sociais que atuam no processo poltico, feita
por Maria Helena Capelato e Maria Lgia Prado, foi de grande importncia para a
estruturao desta pesquisa. As autoras elegeram o jornal O Estado de So Paulo
como fonte nica de investigao e anlise e enfatizaram o papel da imprensa
como instrumento de interveno na vida poltica que, manipulando interesses
especficos, atua na modelagem da conscincia social de significativos segmentos
sociais.10 Nesta mesma perspectiva, mas ampliando o universo da pesquisa,
7 Ernesto Simes Filho se inseriu na poltica baiana atravs da militncia na Gazeta do Povo a favor do seabrismo. Em 1913, um ano aps a fundao do seu prprio jornal, desvinculou-se do segmento seabrista passando a exercer grande influncia na formao poltica e intelectual de uma parcela significativa da elite baiana. Sobre este ltimo aspecto ver SILVA, Paulo Santos. ncoras de tradio, p. 84. 8OLIVEIRA, Lia de Souza. Tempo de esperana. A imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense. Dissertao ( Mestrado em Histria) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1995, (mimeo). A autora analisa os editoriais, assinalando que reproduziam os discursos oficiais, atravs da difuso de notcias que enaltecendo o governo e exaltando seus feitos transformavam o lder poltico em mito. 9 SANTOS, Mrio Augusto da Silva. Associao Comercial da Bahia na Primeira Repblica: Um grupo de Presso. Salvador: Secretaria da Indstria, Comrcio e Turismo, 1985, p.p. 142-3 10CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Lgia. O Bravo Matutino.. Imprensa e ideologia: o jornal O Estado de So Paulo. So Paulo: Alfa-Omega, 1980. As autoras analisaram os editoriais do jornal O Estado de So Paulo destacando a ao poltica deste peridico entre os anos de 1927 e 1937. Este estudo demonstra a maleabilidade do jornal em conciliar os posicionamentos polticos com as exigncias do liberalismo: O ESP
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destaca-se tambm o estudo que Maria Helena Capelato desenvolveu sobre a
imprensa paulista nos anos de 1920 a 1945. A autora usa os jornais como fonte
nica de pesquisa, porm analisa diferentes peridicos para desvendar os
fundamentos da ideologia liberal burguesa nos posicionamentos da imprensa
paulista.11
Referncias de Anlise
Este estudo busca analisar como o principal jornal de Salvador interagiu na
sociedade baiana no perodo de transio da Primeira para a Segunda Repblica.12
Neste sentido, tento mostrar que o trajeto do discurso do jornal revela o ponto de
vista de um influente segmento social - formado por juristas, literatos, polticos,
jornalistas -, que enaltecia o desenvolvimento econmico, tecnolgico, intelectual,
enfim cultural dos pases europeus e norte-americanos, tomados como exemplos a
copiar. Procuro evidenciar que o projeto poltico para a Bahia, insinuado atravs
das reiteradas exortaes ao progresso e desenvolvimento do estado, era, fundado
nos interesses especficos deste grupo social e tinha como objetivo principal
preservar os seus privilgios.
O intento de desenvolver um estudo de histria poltica da Bahia que
tivesse por finalidade compreender as representaes emanadas do jornal A Tarde
me imps tomar decises relativas ao referendo das minhas anlises, a partir de
autores/as que, de algum modo, travam discusses acerca do fenmeno poltico e,
ajustava suas opinies com os interesses dos cafeicultores paulistas defendo a hegemonia poltica e econmica do Estado de So Paulo em relao s outras unidades da Federao. 11 CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo. Imprensa paulista (1920 1945). So Paulo: Brasiliense, 1989. 12 O jornal A Tarde, fundado em 1912, ocupa desde ento um papel central na histria da Bahia. Pode-se verificar sua importncia sob vrios aspectos, primeiro por introduzir inovaes tecnolgicas na imprensa baiana que at sua fundao tinha feies artesanais. Para Consuelo Novais, no livro Partidos Polticos da Bahia na Primeira Repblica, o A Tarde remodelou a forma de diagramar os jornais, incorporando uma titulao destacada, abundante noticirio ilustrado e a prtica freqente de entrevistas com a despersonalizao do jornalista em proveito do jornal, atraindo um pblico leitor mais amplo. Alm disso, segundo Paulo Santos Silva, A Tarde exerceu grande influncia na formao intelectual e poltica de setores da elite baiana.
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tambm, da ideologia, da cultura poltica e do discurso, pois impossvel para a
histria poltica renovada isolar-se de outras cincias sociais e outras disciplinas.13
A primeira pista a seguir era levar em considerao um conceito de
poltica como atividade ou prxis humana estreitamente ligada ao poder,
entendido como fenmeno social. A especificidade do poder poltico exercer-se
concomitantemente ao poder econmico e ideolgico. Portanto, pertinente
valorizar a dinamicidade com que se constitui o todo social, ou seja, o
entrecruzamento dos diversos poderes formando redes complexas, e no
instncias estanques, com funcionamento prprio e isolado.14
Neste sentido, a noo de poder, desenvolvida e utilizada por Michel
Foucault, que entende o poltico como o elemento que tece as mais diversas
relaes sociais em todos os nveis, se mostra bastante adequada. O seu mrito
est em romper com a perspectiva universal que elabora uma teoria geral.
Distanciando-se da busca das caractersticas gerais do poder, depara-se com suas
formas dspares, heterogneas, em constante transformao. O poder entendido
como uma prtica social constituda historicamente.15
Estas anlises deslocaram a investigao sobre o poder da esfera do Estado
e identificaram o prprio saber como uma forma de poder. Alm disso,
eliminaram a distino entre cincia e ideologia, pois saber e poder se implicam
mutuamente. Portanto, o conceito foucaultiano de poder um importante
instrumento de anlise, porque parece superar uma viso maniquesta das relaes
sociais, onde o poder aparece ou como providncia de todas as faltas ou como
mero mecanismo de dominao. Foucault enfatiza o aspecto positivo do poder,
quando constata que atravs desta positividade que se ordena, se operacionaliza
e se produz a vida em sociedade. Entretanto, no deixa de assinalar o lado
negativo de dominao, implcita na noo de poder, pois nas diferentes prticas
13RMOND, Ren. Uma histria presente. In RMOND Ren ( org. ). Por uma histria poltica. Rio de Janeiro : UFRJ, 1996, p. 29. Segundo o autor a renovao da histria poltica foi estimulada pelo contato com outras cincias sociais e pelas trocas com outras disciplinas, sendo esta abertura s contribuies externas uma necessidade imperativa para a histria poltica, que dada a natureza interdisciplinar do seu objeto, chamada de cincia-encruzilhada. 14 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionrio de poltica. Braslia : Universidade de Braslia, 1986. 15 FOUCAULT, Michel. Miicrofsica do poder. 13 ed., Rio de Janeiro : Graal, 1998.
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sociais o poder se exerce atravs de procedimentos de excluso: as interdies,
separaes e os sistemas de verdade.16
Esta concepo de poltica na medida em que permite entender o poltico
no apenas restrito s relaes burocrticas e institucionais, mas tecendo as
relaes cotidianas e os discursos que relatam os diversos acontecimentos,
mostrou-se til desde o incio da pesquisa, inclusive na orientao da coleta dos
dados. Para caracterizar o pensamento poltico expresso cotidianamente pelo
jornal e identificar seus posicionamentos ideolgicos, a definio de poltica foi
fundamental. Partindo de uma oposio de classes dominantes e dominadas,
entendendo a poltica apenas como um jogo de relaes simtricas de dominao,
perderia a oportunidade de acompanhar os caminhos sinuosos das relaes de
dominao revelados pelas contradies dos discursos, ou ainda deixaria de
desvendar como estas relaes se constituem, se exercitam, se reafirmam no
cotidiano atravs das repeties dos discursos e dos seus contedos ideolgicos.
O conceito de ideologia utilizado segue a formulao de Karl Mannheim,
que prope uma ampliao do conceito marxista. Este no perde sua validade,
mas sua limitao evidenciada na medida em que o seu uso impe uma oposio
entre uma realidade real e outra falseada. Mesmo admitindo que a vida em
sociedade propicia a existncia de grupos antagnicos e que a imposio de uns
sobre os outros permite, em certos nveis, a inverso de valores, no mais
possvel pretender-se falar de uma perspectiva de neutralidade, da qual se
distingue verdade e mentira. Esta perspectiva est implcita na definio de
ideologia como inverso da realidade, constituindo-se as anlises que dela se
utilizam como denncias dos choques de interesses particulares. Importa que
sejam feitas, diga-se, desde que no se perca a perspectiva de analisar como se
constituem os efeitos de verdade no interior dos discursos produzidos
socialmente. Da a opo por um conceito de ideologia como estrutura conceitual
dos modos de pensar, definidos conforme as diferentes situaes de vida dos
sujeitos sociais implicados na sua viso de mundo.17
16 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. So Paulo : Loyola, 1999. 17 MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. 4 ed., Rio de Janeiro : Zahar, 1982.
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Atravs deste conceito o significado das idias, das crenas, dos valores
que esto presentes no discurso jornalstico de A Tarde tornou-se mais abrangente
indicando, alm dos interesses imediatos do grupo poltico ligado ao Partido
Republicano da Bahia (PRB), o modo de pensar prprio da elite poltica e letrada
da poca. Ao resvalar, pelo seu discurso, uma concepo do ndio como selvagem,
por exemplo, o jornal se insere no campo da cultura poltica no s porque
difunde idias preconceituosas sobre a convivncia com a diversidade social, e,
portanto, constri e refora os procedimentos de excluso atravs da
significao dos sujeitos sociais, como o faz advogando para si o papel de educar
a populao. Ressalte-se, porm, mais uma vez, que este conceito no invalida o
conceito marxista, antes o inclui. As anlises dos contedos ideolgicos do
discurso jornalstico apoiaram-se tambm na anlise do discurso proposta por
Mikhail Bakhtin. Segundo este autor, o fenmeno da ideologia deve explicar-se
com base numa filosofia da linguagem. A ideologia um reflexo das estruturas
sociais, um fragmento da realidade, sendo a palavra o fenmeno ideolgico por
excelncia, cujos significados desvelam as prticas sociais, remetendo a algo
situado fora de si mesmo.18
Assim, implcito no discurso do jornal encontra-se a construo de sua
identidade, a qual revela um projeto pedaggico que evidentemente tem uma
funo poltica: quer ensinar os baianos a exercerem sua cidadania, para isso
sugere comportamentos; quer ensin-los a abandonar o atraso scio-econmico
e cultural, para isso sugere medidas; quer ensinar os baianos a passear pela
modernidade e pelo progresso, e ento oferece modelos. A leitura do jornal
estava carregada de sentidos, mas o seu discurso revestia-se de uma autoridade,
em saberes considerados legtimos. Diante disso que se fez necessrio optar por
uma abordagem que caracterizasse o discurso como uma forma de poder. Esta
abordagem, discursiva, tem sua origem, dentre outros, nas prprias reflexes de
Foucault, sobretudo conforme caracterizado em Arqueologia do Saber, e constitui
como til instrumento de anlise, negando o texto em si enquanto fonte exclusiva
dos sentidos, e remetendo para aspectos extra-lingusticos que determinam o dizer
- as condies de produo do texto as relaes de poder, o jogo entre o
18 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6 ed., So Paulo: Hucitec, 1992.
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institudo e o instituinte, os outros discursos, a interdiscursividade, a situao
discursiva, etc.19
Portanto, compreendendo a linguagem como espao de tenses, conflitos,
jogo, busquei na anlise do discurso a possibilidade de apreender a contradio
expressa nas entrelinhas do dizer e que tivesse uma abrangncia tal que pudesse
abarcar toda a polissemia caracterstica de conceitos amplos como poltica,
ideologia, cultura, de modo a no fechar, mas abrir teias de significao,
aproximando e afastando consideraes aparentemente inconciliveis e que
guardam similitudes possveis, sem desconsiderar suas contradies intrnsecas. A
anlise de discurso tem como objeto o texto e alm da polissemia da linguagem
leva em conta a intertextualidade, isto , a relao de um texto com outros
existentes, possveis e imaginrios.20 Nesse movimento, as interpretaes
passaram a fluir, mesmo que muitas das vezes atravessando obstrues que o
objeto escolhido traz em seu interior e que lhe so constitutivos.
O presente trabalho foi dividido em trs captulos. No primeiro fiz uma
reconstituio do quadro poltico-administrativo da Bahia no final da Primeira
Repblica, buscando caracterizar as foras que dirigiam o estado baiano bem
como o processo poltico-partidrio a que estavam afeitas, para evidenciar que o
jornal A Tarde participou neste processo refletindo os interesses imediatos e
conjunturais de Simes Filho e do seu grupo de poltico. Isto atravs da defesa de
valores que engrandeciam seus aliados, sempre buscando legitimidade numa razo
intrnseca aos fatos e numa suposta tica isenta de partidarismos, argumentao
que se prestava tambm justificao das ofensas e depreciaes que fazia dos
adversrios polticos. Alm disso, busquei acompanhar a significao que o
peridico fez do movimento revolucionrio de 1930.
No segundo captulo a anlise recai sobre os sentidos que a prtica
discursiva do jornal imprime s prticas e relaes sociais mais amplas na Bahia
19 FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Campinas-SP: Papirus, 1990. 20 ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 3 ed., So Paulo: Cortez; Campinas, SP : Editora da Unicamp, 1996, p. 11.
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19
no final da dcada de 1920. Embora seja feita a partir de um pequeno fragmento
da histria poltica do pas, da Bahia e do peridico, ela torna-se intensa porque se
orienta pela perspectiva de que as identidades e representaes que os sujeitos
sociais fazem de si mesmos, dos outros, de sua poca e de tudo que os rodeia se
constituem e se reafirmam no cotidiano. Ento, ao se acompanhar as prticas
discursivas cotidianas torna-se possvel captar, atravs das repeties,
contradies, oposies, os sentidos que permanecem e se solidificam por longa
durao. Assim, com base nas repeties e contradies do discurso, busquei
identificar os valores e idias que predominaram na constituio do pensamento
de A Tarde no perodo em estudo e na representao de alguns sujeitos sociais
como os ndios, os negros, as mulheres e as elites.
No terceiro captulo busquei retratar os projetos econmicos que o
segmento poltico-social representado no discurso do jornal A Tarde julgava
necessrios e de possvel viabilidade para superar o que reconhecia como um
estado de atraso do Brasil e da Bahia, em particular. As propostas e solues
que o peridico apresentava, mais uma vez, decorriam dos interesses econmicos
de um grupo restrito que, orientado pelas experincias dos pases capitalistas,
estabelecia parmetros para o desenvolvimento econmico, cujos limites, porm,
eram das suas prprias experincias.
Espero, por fim, que o resultado deste trabalho possa contribuir para
renovar o interesse pelo estudo do fenmeno da ideologia to intrincado e
intrinsecamente ligado aos dizeres e saberes professados cotidianamente pelos
diferentes atores sociais, os quais ao adquirirem legitimidade, investem-se de uma
autoridade perversa servindo-se como fundamento aos projetos de dominao de
uns grupos sociais sobre os outros.
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CAPTULO I
A ATUAO DO JORNAL A TARDE NA POLTICA PARTIDRIA
O material que foi estudado acerca da atuao de A Tarde indica que,
desde sua fundao, em 1912, o jornal teve grande influncia na vida poltica da
Bahia, destacando-se por acolher intelectuais e polticos como colaboradores, os
quais participaram ativamente de debates polticos em diferentes conjunturas da
histria do pas e do estado, exercendo sistemtica e abertamente a militncia
partidria. No final da Primeira Repblica, o domnio poltico do Partido
Republicano Democrata (PRD), liderado por J. J. Seabra, declinara e consolidava-
se o poder das faces que lhe fizeram oposio. Eram duas as principais faces:
uma liderada pelos Calmon e a outra pelos Mangabeira. Embora no fossem
inteiramente coesas, aliaram-se e, num negociado equilbrio, assumiram a direo
da poltica do estado em 1924. Em 1927, reafirmaram a aliana fundando o
Partido Republicano da Bahia (PRB), que viria a atender s necessidades
eleitorais de ento. Nesta poca, era em defesa dos interesses polticos e
econmicos dos membros do PRB que se exercia a militncia poltica de A Tarde.
Os partidos polticos da Primeira Repblica se configuravam como
agrupamentos em torno de determinadas personalidades; estas, definiam melhor
suas diretrizes do que os inconsistentes programas, que nem sempre existiam. Em
geral, eram organizados s vsperas das eleies, traduzindo as alianas polticas
motivadas pela disputa do poder. Com a dissoluo do Partido Republicano
Democrata (PRD), em 1924, eclipsava-se a liderana de J. J. Seabra, frente da
poltica baiana desde 1912. Sua influncia se fizera notar desde os primeiros anos
do sculo XX, perodo em que arregimentava, sob seu carisma, muitos dos
aspirantes ao exerccio da poltica partidria, a exemplo de Otvio Mangabeira e
Ernesto Simes Filho, que iniciaram suas carreiras polticas militando em favor
daquele oligarca, identificados pela origem burguesa e urbana.
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21
Mas as circunstncias mudaram e, de correligionrios, passaram a
adversrios polticos. Simes Filho desligou-se de Seabra em 1913, quando este
expulsou o ex-governador Lus Vianna do Partido Republicano Conservador
(PRC); Otvio Mangabeira se desligaria do velho oligarca em 1919, aliando-se
aos oposicionistas.
O declnio da liderana de J. J. Seabra ocorreu simultaneamente ascenso
de uma nova liderana que reunia as mais destacadas faces polticas de ento: a
calmonista, ligada aos Calmon; a mangabeirista, ligada aos Mangabeira e alguns
remanescentes do falido Partido Republicano Democrata (PRD), os chamados ex-
seabristas. A aceitao e incluso destes ltimos no novo Partido Republicano da
Bahia (PRB) seria motivo de discrdia entre calmonistas e mangabeiristas,
faces que de fato detiveram o poder do estado, a partir de 1924.
Esta nova coalizo, que inclua os Calmon e os Mangabeira, alm dos
deserdados do Partido Republicano Democrata (PRD), constituiria um precrio
equilbrio de poder, que supunha repetidas negociaes, tal como aconteceu com a
definio do candidato que substituiria Vital Soares no governo do estado em
1930.
Ento, se tornou evidente um choque de interesses particulares, em que os
membros da faco dominante divergiam aspirando ao mesmo cargo. Assim,
pretendiam ser os escolhidos para representar a chapa do Partido Republicano da
Bahia (PRB): Otvio Mangabeira, Simes Filho, Miguel Calmon, Pedro Lago.
Todos desejavam a experincia de liderar a poltica do estado, desejo de poder
que, disputado entre iguais, conduziu negociao de interesses, cujo resultado
consistiu na indicao da candidatura nica de Pedro Lago, representando um
acordo de interesses dos dirigentes polticos da Bahia, evitando-se uma fissura
maior no interior do partido.
Objetivando a manuteno do domnio desta coligao, os lderes do
partido retrocederam em suas aspiraes, superando, momentaneamente, o
conflito de interesses individuais em favor de um equilbrio de foras no interior
do partido. Desse modo, esta oligarquia colegiada criava condies para
manter-se no poder, o qual todavia, no lhe pertenceria por muito tempo, pois a
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chamada Revoluo de 1930, num golpe violento, substituiu os polticos locais
por interventores diretamente nomeados pelo executivo federal. Colocando-se em
defesa dos interesses imediatos do grupo poltico que representava, diretamente
afetado pelo movimento revolucionrio de 1930, A Tarde atuou no sentido de
construir uma representao negativa deste acontecimento.
I.1 O Fim da Primeira Repblica na Bahia
Nos seis ltimos anos da Primeira Repblica, o poder poltico na Bahia era
liderado por um grupo que, se no era perfeitamente homogneo pela diversidade
da origem scio-econmica dos seus membros, se unificava atravs de uma
relao de troca e de tolerncia para com os interesses econmicos distintos, mas
complementares, dos seus representantes. A ascenso de Francisco Marques de
Ges Calmon ao governo do estado, em 1924, deu incio a uma nova forma de
organizao partidria, a qual passou a contar com a liderana de duas faces
igualmente fortes, divergentes em alguns aspectos, mas aliadas na direo da
poltica baiana, que a partir deste mandato ficou dividida entre os Calmon e os
Mangabeira, constituindo-se uma liderana que Eul-Sool Pang chama de
oligarquia colegiada.1
Ges Calmon, no tinha experincia poltica direta; era, entretanto,
membro de uma famlia tradicional, cuja influncia poltica remontava ao perodo
monrquico. No era, portanto, totalmente indiferente poltica; tinha, ao
contrrio, grande proximidade com ela, atravs da convivncia com os irmos
polticos Miguel Calmon du Pin e Almeida e Antnio Calmon que atuaram no
decorrer da Repblica Velha. Os Calmon eram descendentes de senhores-de-
engenho de Santo Amaro e So Francisco do Conde, e o governo de Ges
Calmon, banqueiro e homem de negcios, representava um largo espectro de
1 PANG, Eul-Soo. Op. cit. p. 37 45. O autor faz uma categorizao das oligarquias que se constituram atravs da histria poltica do Brasil, distinguindo 4 tipos: familiocrtica, tribal, colegiada e personalista. Segundo ele, a oligarquia colegiada foi estruturada pelo cl agrrio dos Calmon e pela famlia burguesa de polticos, os Mangabeira.
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interesses econmicos que iam do acar aos bancos.2 Foi lanado na poltica pelo
governador Jos Joaquim Seabra, que exerceu uma expressiva liderana na Bahia
durante a Repblica Velha, mas ao findar o segundo mandato como governador
do estado (1920-1924), buscava estratgias que permitissem a renovao do seu
poder, ameaado pela crescente fora da oposio ao seu domnio poltico.3
Ao indicar Ges Calmon para suced-lo no governo da Bahia, Seabra
esperava reverter a oposio em apoio, pois aglutinaria em torno de si as faces
locais e poderia engendrar uma grande aliana, garantindo sua permanncia na
poltica. Alm de neutralizar a oposio local, Seabra esperava atrair a simpatia e
apoio do presidente da Repblica, que mobilizaria foras em defesa do irmo do
seu Ministro da Agricultura, o baiano Miguel Calmon. Este, por sua vez, apesar de
ter assumido a liderana da oposio a Seabra, com a morte de Rui Barbosa, em
maro de 1923, no negaria apoio candidatura do prprio irmo. Assim,
indiretamente, Seabra poderia restabelecer sua liderana poltica, fortemente
abalada pelas bem sucedidas articulaes da oposio.
A oposio ao seabrismo vinha se desenvolvendo desde o primeiro
mandato de Seabra, mas se tornara mais intensa a partir dos anos de 1920.4 Uma
nova gerao de polticos, doutores e bacharis, alguns dos quais haviam se
iniciado na vida pblica atravs da filiao a Seabra, se uniu em torno de Rui
Barbosa, formando uma agremiao oposicionista, a Concentrao Republicana
da Bahia - CRB - em 1923, para compor os quadros no Legislativo Estadual,
2 PANG, Eul-Soo. Op. cit. p. 178 3 J. J. Seabra foi uma das principais figuras polticas da Bahia na Primeira Repblica. Advogado diplomado pela Faculdade de Direito de Recife, depois de formado reingressaria nela na qualidade de professor. Foi deputado constituinte em 1891; deputado federal no governo de Prudente de Morais (1894 1897); Ministro da Justia no governo de Rodrigues Alves, (1902 1906); Ministro da Viao e Obras Pblicas no governo de Hermes da Fonseca (1910 1914), interrompeu este mandato para assumir em 1912, o governo da Bahia; de 1916 a 1920, exerceu o mandato de senador federal; de 1920 a 1924, foi novamente governador da Bahia; em 1934, foi eleito deputado para a Cmara Federal. Ver SILVA, Paulo Santos. ncoras de tradio, p. 25-26. 4 A poltica baiana no decorrer da Primeira Repblica se caracterizava por um acentuado personalismo, a formao dos partidos polticos decorria de agrupamentos em torno de personagens de prestgio social, cuja referncia via de regra, substitua a sigla do partido que representava. Da que a identidade partidria era dada pela referncia ao lder do partido ou da faco dentro do partido, podendo-se portanto, falar de seabrismo ou seabristas para designar, respectivamente, a liderana e os seguidores do PRD, chefiado por J. J. Seabra; calmonismo ou calmonista para designar a liderana e seguidores dos Calmon e mangabeirismo e magabeiristas para designar a liderana e seguidores dos Mangabeira, faces que compunham o PRB, etc.. Sobre o assunto ver PINHEIRO, Israel de Oliveira. A poltica na Bahia : atraso e personalismos. In Ideao. Revista do Ncleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana, v. 1, n. 4, Feira de Santana : UEFS, NEF, 1997-V, p. 49 75.
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sendo o reconhecimento da Cmara oposicionista o primeiro passo na conquista
do poder pela oposio.
Ressalte-se, porm, que oposio, no contexto da Primeira Repblica, no
implicava divergncias ideolgicas significativas, antes se reduzia a disputas
circunstanciais pelo poder que, em geral, extrapolavam qualquer princpio de
coerncia. Segundo Consuelo N. Sampaio, a poltica de acomodao fez do
contraditrio uma constante em todo o processo poltico-partidrio da Bahia. Em
defesa de interesses individuais, os mais inesperados e incoerentes arranjos
polticos eram feitos, revelando que a tica poltica tem os seus prprios padres
de mensurao.5
Nestes termos, entenda-se oposio como atitude circunstancial, sujeita a
reverso conforme as convenincias do momento, como ocorreu no contexto
histrico do ps-1930, quando as elites locais se rearticularam organizando o
autonomismo baiano para fazer frente ao centralismo federal. A reivindicao do
retorno da Bahia posse de si mesma, reuniu, numa mesma coligao, J. J.
Seabra e as faces do Partido Republicano da Bahia (PRB), que eram antigos
adversrios.6
A oposio, portanto, era constituda pelos polticos que no estavam no
poder, na situao, e batalhavam por estar, sendo uma usual estratgia de
confronto entre adversrios polticos o debate de idias e opinies atravs da
imprensa. O jornal A Tarde, a partir de 1913, poca em que seu proprietrio
Ernesto Simes Filho se desligou do Partido Republicano Conservador (PRC),
liderado por J. J. Seabra, do qual era 1o. Secretrio da Comisso Executiva, passou
a veicular sistematicamente crticas severas ao velho oligarca baiano.7
5 SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 77 6 Sobre a organizao do movimento autonomista baiano, sua composio e atuao no processo de redemocratizao do pas em 1945, ver SILVA, Paulo Santos. ncoras de tradio, especialmente captulos II e III. Ver tambm do mesmo autor, A volta do jogo democrtico. Bahia, 1945. Salvador : Assemblia Legislativa, 1992, p. 86 92. 7O Partido Republicano Conservador (PRC) foi fundado sob a chefia de Pinheiro Machado, que com um partido pretensamente nacional esperava ter o controle das polticas estaduais. O partido reunia os chefes polticos estaduais que apoiaram a campanha presidencial de Hermes da Fonseca (1910 1914), sua instalao na Bahia, sobreps-se ao Partido Democrata (PD), fundado por J. J. Seabra em maro de 1910.: a Comisso Executiva do PRC na Bahia era a mesma do PD. Simes Filho, membro do Conselho Geral do PD, se incompatibilizou com a
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Ernesto Simes Filho no tinha vnculos tradicionais com a poltica
baiana, mas a prosperidade econmica do pai garantiu sua formao intelectual e
importante legado econmico, que multiplicaria, constituindo slida fortuna. Seu
pai, Ernesto Simes da Silva Freitas, descendente de portugueses radicados no
serto, emigrou para o Recncavo aos quatorze anos, fixando-se na ento prspera
Vila de Nossa Senhora do Rosrio do Porto da Cachoeira, sob proteo de um tio
comerciante com quem veio trabalhar. Especializou-se no ofcio do tio e tornou-se
prspero comerciante, condio que lhe conferiu prestgio e projeo social;
ingressou na Guarda Nacional, com patente de Coronel, atuou no Partido Liberal e
fundou a primeira Loja Manica no interior da Provncia. J bem estruturado
comerciante em Cachoeira, foi convidado por um parente de sua esposa a
gerenciar em Salvador a Drogaria e Farmcia Galdino.Transferiu-se ento com a
famlia para a capital baiana para atender a este promissor convite, o que lhe
valeria a herana de boa parte do patrimnio do tio-protetor da esposa,
proprietrio da farmcia que, ao morrer sem herdeiros diretos, legaria grande parte
de sua fortuna famlia de Ernesto Simes da Silva Freitas. Este patrimnio
familiar teria constitudo o capital inicial do bem sucedido empreendimento
econmico de Ernesto Simes Filho: o jornal A Tarde.8
Ernesto Simes Filho tinha apenas 26 anos, quando fundou o A Tarde. Aos
22 j era diplomado em Direito, pela faculdade de Direito da Bahia. Ainda no
curso de sua formao acadmica, se vinculou a J. J. Seabra, ingressando
juntamente com Otvio Mangabeira na redao do Gazeta do Povo, em que
atuaria como defensor e adepto do seabrismo. Nesta poca, o ingresso no
jornalismo consistia em estratgia para se adquirir projeo social, iniciar-se na
carreira poltica e ter acesso a empregos pblicos.9 Simes Filho gozaria de todas
estas prerrogativas advindas da militncia no jornalismo poltico, alm de ter
assentado alicerces mais firmes sua ambio juvenil de ter seu prprio jornal.
atitude de Seabra de excluir Luiz Vianna do partido e se desligou do grupo seabrista, assumindo paulatinamente a postura de oposio. Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 78 - 82. 8 Ver MORAES, Walfrido. Simes Filho. O jornalista de combate e o tribuno das multides. Salvador : W. Moraes, 1997. Este trabalho biogrfico tem um estilo apologtico e aborda por uma perspectiva romntica o empreendimento jornalstico de Simes Filho, que a despeito de poder ser fruto de uma paixo sem dvida, um empreendimento ambicioso poltica e economicamente. 9 SILVA, Paulo Santos. ncoras de tradio, p. 83 86.
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Ainda no Ginsio da Bahia, onde fez o curso de Humanidades, Simes
Filho ensaiou os primeiros passos em direo ao jornalismo, lanando, em 1900,
O Carrasco, um pequeno jornal estudantil, que no passaria da 2 edio. A
segunda experincia, mais ousada, mas tambm efmera, foi em 1904, com a
edio da revista O Papo, de sua propriedade tendo como modelo O Malho,
revista satrica carioca que circulava poca, cujo programa era fazer rir.
Porm, no levaria avante este projeto e a partir da 7 edio a revista j no lhe
pertencia. Experincia mais consistente e fecunda teria mesmo no jornalismo
poltico, atravs da militncia a favor de J.J. Seabra no jornal Gazeta do Povo, do
qual chegou a ser diretor e proprietrio.10
Entretanto, os vnculos de Simes Filho com o seabrismo no se limitaram
ao exerccio do jornalismo, pois alm de militar no Gazeta do Povo ele exerceu
cargos pblicos e projetou-se como poltico de prestgio sob os auspcios de J.J.
Seabra. Na campanha presidencial de 1909, Seabra organizou a Junta Baiana Pr-
Hermes-Wenceslau, centro poltico que marcaria sua incompatibilidade com as
demais faces do primeiro Partido Republicano da Bahia (PRB), do qual fazia
parte at ento. Com esta iniciativa lanava as bases para a fundao de um novo
partido, o seu Partido Democrata (PD), fundado em 15 de maro de 1910.11
Simes Filho participou desta campanha presidencial integrando a referida Junta
sendo posteriormente, membro do Conselho Geral do Partido Democrata (PD),
juntamente com Otvio Mangabeira e Antnio Moniz.
10Esta experincia de militncia no seabrismo lhe valeria a insero na poltica e os primeiros cargos pblicos: em 1908, foi eleito deputado estadual; foi proprietrio e diretor do Gazeta do Povo e, em 1911, foi nomeado por Seabra, ento Ministro da Viao, administrador dos Correios da Bahia, cargo que exerceu at 1915, perodo em que j era hostil e censor do seabrismo. Ver MORAES, Walfrido. Op. cit. Ver tambm CALMON, Pedro. A vida de Simes Filho. Salvador: Empresa Grfica da Bahia, 1986. 11 J. J. Seabra pertenceu ao primeiro Partido Republicano da Bahia (PRB), fundado em 1901 por Severino Vieira. Foi a primeira agremiao poltica da Bahia a ter relativa coeso. Porm, a partir de 1907, comearia sua progressiva desagregao devido ciso entre os dois principais chefes, Severino Vieira e Jos Marcelino, ento governador do estado. Na campanha para a sucesso estadual, sua influncia seria suplantada pelo partido seabrista. Seabra, ao incompatibilizar-se com estes dois chefes do PRB, lanava o germe da sua autonomia poltica, organizando a Junta Baiana Pr-Hermes-Wenceslau, independentemente do PRB. Da, se originaria o Partido Democrata (PD), fundado em maro de 1910, sob a chefia de Seabra com os mesmos integrantes da Junta entre os quais Otvio Mangabeira, Antnio Moniz, Simes Filho e Luiz Vianna, nico poltico da velha gerao a compor com Seabra. O Partido Democrata (PD) se fundiu com o Partido Republicano Conservador (PRC), partido nacional, chefiado por Pinheiro Machado, do qual Seabra terminou sendo expulso, em 1913, quando rebatizou seu segmento poltico de Partido Republicano Democrata (PRD).
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Mas, as relaes dessa poltica de acomodao que caracterizava este
perodo no eram perenes, ao contrrio, vrios conchavos eram feitos e desfeitos
em virtude da ausncia de homogeneidade de interesses os grupos ou
indivduos faziam e desfaziam alianas conforme suas convenincias. Como um
sujeito histrico dessa conjuntura poltica, Simes Filho ao desligar-se de J.J.
Seabra passaria a usar seu jornal para dirigir toda a sorte de crticas ao seu antigo
mentor poltico. Criticava-se desde a tica, em geral caracterizada como
politicagem vergonhosa, ao desempenho administrativo, considerado
desastroso.12
Ainda se podia ouvir ecos desta crtica em 1928, atravs de uma avaliao
dos contrastes entre o governo de Ges Calmon e o perodo de governo
seabrista, que A Tarde avaliava negativamente, considerando que este ltimo teria
tornado a Bahia um estado sem crdito, pois
quatrinios sucessivos de administraes desastradas
haviam lhe granjeado o justo renome de devedora
impenitente, afeita a pedinchar todos os dias a capitalistas
e agiotas e se recusar ao pagamento das obrigaes
vencidas. (...) Era o diabo aquela poca. Houve gente que morreu de fome. Pura verdade! Mestres escolas e
magistrados encanecidos na profisso andavam
excogitando meios e modos para sustentar a famlia.13
A oposio a Seabra, tendo Simes Filho como um dos seus protagonistas,
desde 1913, se fortaleceu, na campanha para a sucesso estadual em 1923,
chegando a ensejar a organizao de uma agremiao a Concentrao
Republicana da Bahia (CRB), fundada em 10 de janeiro de 1923, sob a
presidncia de Pedro Lago, no salo nobre do jornal A Tarde.14
12 Sobre o rompimento de Simes Filho com J. J. Seabra e sua aproximao de Rui Barbosa, ver CALMON, Pedro. Op. cit. p. 73-77 13 A Tarde, 28 jan. 1928, p. 1. 14 Pedro Francisco do Lago, poltico ligado a Severino Vieira, teve atuao constante em todo o desenrolar da Primeira Repblica. Foi deputado federal, senador federal e chegou a ser eleito e reconhecido governador, em 1930 mas no exerceria o mandato. Outros polticos de destaque, alm dos j citados, Simes Filho e Pedro Lago, que compunham esta agremiao, eram os irmos Otvio e Joo Mangabeira, Miguel Calmon, Aurelino Leal e Rui Barbosa, mentor da oposio. Simes Filho sempre teve presena atuante; no s participou da organizao deste partido, como estava frente na constituio da Junta Apuradora, que deu a primeira vitria oposio, elegendo 42 deputados e 7 senadores para a legislatura estadual de 1923 que, pelos vnculos com o
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Este vespertino, no perodo em estudo, quase diariamente fazia referncia
a Seabra como um antigo poltico que no se conformava com o fato de ter
perdido o poder. Os laos de solidariedade que uniram seu proprietrio ao velho
oligarca se desfizeram j h algum tempo e resgatar a memria desse vnculo
poderia diminuir-lhe o prestgio. Assim, caberia nessa circunstncia enfatizar o
isolamento em que se encontrava Seabra caracterizando-o como fruto da ao
cvica dos adversrios, dentre os quais, vale lembrar, inclua-se Simes Filho.
Dizia-se de forma indireta que Seabra j no tinha um canal expresso que
desse guarita a suas idias e propsitos - o que indicava sua falta de prestgio
poltico -, por isso apegava-se a qualquer oportunidade de se fazer ouvir e quando
encontrava um jornal que lhe demonstrava complacncia, soltava o verbo
contra os adversrios culpados do negro crime de o terem apeado, para todo o
sempre, das posies oficiais no estado. Segundo A Tarde, Seabra, usualmente,
dizia inverdades sem proveito algum:
dessa vez ainda, o tema foi injrias, injrias aos quatro
ventos. Quando no, ataques diretos verdade dos fatos e
frases de armar efeito. Espremendo-se todo o palavrrio,
nada h que se aproveite.15
Alis, para A Tarde, esta prtica de usar artifcios de retrica para enganar
o povo no era uma distino particular de Seabra. Seus seguidores tambm, ao
falarem imprensa sobre os acontecimentos polticos, o que expunham ao
pblico era sua coragem de pregar histrias da carochinha, como classificou
uma entrevista dada imprensa carioca, pelo fiel seguidor de Seabra, Antnio
Moniz Sodr. Este, mesmo sendo incontestavelmente uma inteligncia
slida, saa a escrever pilhrias para satisfazer a amigos extremados e
sonhadores, agindo assim como se o povo desta terra no tivesse memria e
no soubesse apreciar os fatos da maneira por que realmente acontecem.16
Portanto, a manifestao pblica dos seabristas no passava de tentativa
para embaar a opinio pblica dos baianos, sendo as crticas de Moniz Sodr presidente da Repblica, tiveram seus mandatos reconhecidos. Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p.128 135. 15 A Tarde, 04 jun. 1929, Tpicos, p. 2.
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poltica que deps Seabra do poder avaliadas como expresso de despeito,
lamrias, por no estar entre os eleitos para a Assemblia Legislativa por dois
perodos consecutivos.17
A vitria nas eleies do Legislativo estadual, era, sem dvida, fator
decisivo na correlao das foras polticas em disputa. As vantagens da
Concentrao Republicana da Bahia (CRB), nas negociaes para a sucesso
estadual de 1924, foram possveis graas composio do Legislativo estadual
por uma bancada de deputados oposicionistas reconhecidos pela interveno do
executivo federal.18 Moniz Sodr, na citada entrevista, relembrava esta
circunstncia histrica declarando que Artur Bernardes (1922 1926) reconhecia,
ento, que o maior erro de sua administrao havia sido a interveno na Bahia. A
Tarde ironizava as declaraes de Moniz Sodr, adversrio poltico do grupo que
representava, dizendo serem elas fruto de auras estranhas, que lhe permitiam
uma sobrenatual e aguda viso, levando-o a profetizar e a revelar coisas no
menos estranhas que ningum previa, nem sabia. Lanava ao descrdito a
oratria do adversrio e retrucava com a seguinte exclamao provocativa:
o sr. Artur Bernardes considerando deslise palmar de seu
patritico governo o ter mantido no estado a forma
republicana federativa, perturbada pela ao criminosa do
sr. J. J. Seabra e da meia dzia que a este quis
acompanhar na traio a compromissos de honra,
assumidos de pblico e raso!
Com este recurso de linguagem, indiretamente, A Tarde sugeria que
Moniz Sodr delirava e mentia, tratava-se, declarava agora, expressamente, de
manifestaes psicticas, que deveriam ser curadas por mdicos, antes que se
tornassem fenmenos de curiosidade geral.19 As ironias, os comentrios ardilosos
davam a tnica das polmicas travadas pela imprensa da poca.
Atravs dos jornais os diferentes grupos das elites dirigentes se
16 A Tarde, 21 fev. 1929, Tpicos, p. 2. 17 A Tarde, 22 fev. 1929, Tpicos, p. 2. 18 Sobre as relaes entre a oposio baiana a Seabra e o presidente Artur Bernardes, ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 130 135. 19 A Tarde, 22. fev. 1929, Tpicos, p. 2.
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digladiavam, trocando insultos e ofensas mtuas. A tica poltica, pelo que se
pode depreender da prtica discursiva, era delimitada por valores patrimonialistas
e pelo personalismo, as prticas polticas se definiam pela conduta pessoal do
dirigente poltico e pelo seu carter e moralidade, que eram expostos segundo a
concepo de adversrios.20
Admitia-se a publicidade de apreciaes grosseiras e de ofensivas
abertamente dirigidas s pessoas dos adversrios polticos que, em geral, eram
submetidos a julgamentos morais mais do que cobrados por critrios de atuao e
de gesto dos bens pblicos e coletivos ou, dito de outro modo, o indivduo se
sobrepunha ao poltico, plasmando, neste, a sua marca. Neste sentido, fazer
oposio era achincalhar publicamente o adversrio poltico, em certos casos, de
modo to contundente e sistemtico, que causa certo espanto o fato de poderem,
depois do entrechoque, se suportarem e at se aliarem num mesmo grupo, o que
acontecia com frequncia no contexto da Primeira Repblica. O jornal A Tarde,
em linguagem desabrida, no poupava Seabra e os seabristas, chamados de
mentirosos, interesseiros, incompetentes, ladres, etc.
O reconhecimento do Legislativo oposicionista, em 1923, marcaria o
incio do fim da bem sucedida dominao poltica de Seabra. Diante desta
circunstncia, sua continuidade no jogo poltico dependeria de uma hbil
ofensiva. Seabra encontrou a melhor soluo propondo o nome de Ges Calmon
como candidato sucesso; assim, colocara seus adversrios frente a um
impasse: repelir o nome de Ges Calmon seria, tanto por parte do Presidente,
como dos concentristas, seno uma afronta, pelo menos uma desconsiderao a
Miguel Calmon (ento Ministro da Agricultura); aceit-lo seria reanimar o
seabrismo que queriam destrudo.21 Embora este plano fosse bem arquitetado,
no logrou o resultado esperado. De fato, Artur Bernardes deu pronto apoio a
Ges Calmon, e, ainda que tardiamente, a oposio aderiu sua candidatura. Mas
Seabra no contornou o isolamento a que vinha sendo submetido e declinou seu
20 Pela perspectiva da anlise do discurso, a fala est indissociavelmente ligada s condies de comunicao, que por sua vez, esto sempre ligadas s estruturas sociais. Ver BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p. 14. Portanto, as prticas discursivas devem ser desvendadas para se chegar s prticas sociais. Ver tambm COSTA, Eleonora Z. Sobre o acontecimento discursivo. In SWAIN, Tnia Navarro (org.). Histria no plural. Braslia: Universidade de Braslia, 1994, p. 189 207. 21 SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 134.
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31
apoio a Ges Calmon apresentando, s vsperas das eleies, novo candidato ao
governo do estado.22 Esta tentativa desesperada surtiu efeito contrrio: as
deseres do PRD, partido que comandava ento, se multiplicaram e deste
embate a oposio saiu ainda mais fortalecida.
A oposio terminou por conduzir a campanha pela candidatura Ges
Calmon, e mesmo no sendo ligado Concentrao Republicano da Bahia (CRB),
pela militncia poltica, seu nome era plenamente aceitvel, pois alm de
banqueiro e advogado, pertencia a uma famlia tradicional baiana, portanto,
representava bem os interesses da elite econmico-financeira do estado. Ao findar
a gesto Ges Calmon, esta elite que o apoiara encontrava-se contemplada, o que
transparece pela avaliao positiva que, reiteradas vezes, A Tarde fez do seu
governo, considerado de restaurao da Bahia, de soerguimento econmico e
moral da decadncia a que fora submetida pelos governos anteriores,
particularmente os sempre enfatizados doze anos precedentes do domnio
seabrista.23
Segundo A Tarde, ao assumir o governo em 1924, Ges Calmon se
deparara com uma Bahia humilhada, decadente, afeita a processo polticos
desgraados, condio a que havia sido arrastada pelos doze anos de um regime
de politicagem vergonhosa. Diante desse quadro desolador de decadncia e
misrias, a tarefa administrativa do seu mandato seria pesadssima, fazendo-se
necessrio um pulso seguro, capaz de a desempenhar sem receios, nem
transigncias, evitando-se uma recada nos mesmos erros, nas mesmas praxes
condenveis que tanto nos tinham aviltado. Na viso do jornal, ao findar o
quatrinio de trabalho consagrado com entusiasmo ao ressurgimento da Bahia,
a tarefa administrativa fora encarada de frente, levando a cabo um programa de
reabilitao moral, econmica e financeira do estado:
quatro anos de labor ininterruptos bastaram a que
enveredssemos firmes por melhores caminhos e logo
22 O candidato apresentado pelo PRD foi o deputado federal Arlindo Leoni, em 29 de dezembro de1923. 23 O primeiro governo de Seabra, 1912 - 1916; o governo de Antnio Moniz, 1916 1920; quem governou de
fato foi Seabra; e o segundo governo de direito e terceiro de fato de Seabra, 1920 1924.
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32
colhssemos frutos magnficos. Relegados ao
esquecimento os hbitos malsos que ainda provocam
saudades em certa gente despeitada, porque se viu
tolhida de continuar a meter nas algibeiras grossas
maquias das rendas do Tesouro.24
O governo de Ges Calmon havia feito, entretanto, mais uma vez, evidente
que o jogo do poder entre as elites regulado por uma sinuosa administrao de
interesses particulares que supe sempre a existncia de conflitos. Aps a vitria,
na composio dos quadros administrativos do governo, a faco oposicionista
que deu sustentao campanha se subdividiu em duas, uma ligada aos Calmon, a
faco calmonista e outra ligada a Otvio Mangabeira, a faco mangabeirista. A
distribuio de cargos feita por Ges Calmon contemplava os ex-seabristas que o
ajudaram a eleger-se. Esta medida aliada desconfiana de que os Calmon
deteriam a hegemonia na liderana poltica desencadeou o conflito no interior da
oposio. Este conflito chegou ao extremo na negociao para a sucesso estadual
de 1930.
Vital Soares, que substitura Ges Calmon, interrompera seu mandato com
apenas dois anos de administrao, abrindo um espao de disputa do cargo para o
qual fora eleito. Deixava o governo do estado, sob o comando do senador
Frederico Costa, presidente do Senado estadual, para candidatar-se vice-
presidncia da Repblica. Apesar de ter iniciado sua vida pblica como fervoroso
rusta, em 1908, quando foi eleito Conselheiro Municipal, s ganhou projeo
poltica aps a ascenso de Ges Calmon ao governo do Estado, em 1924. O
jornal A Tarde, pela referncia altamente elogiosa com que freqentemente o
apresentava ao pblico, desempenhou um papel ativo nesta projeo,
impulsionada pela campanha para a sucesso estadual de 1928.
Para A Tarde, Ges Calmon, ao indic-lo como sucessor do seu governo,
fizera a escolha certa, no pela amizade que os unia desde a juventude ou por
negociatas onerosas, mas sim para dar Bahia a continuidade da obra de
regenerao moral e material do Estado. Representava o governo de Ges
Calmon como progressista, e, a constante indicao de que aps seu mandato a
24 A Tarde, 28 mar. 1928, p.2
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33
Bahia passou a marchar nos trilhos ou marchar no eixos, evocava a idia de
uma ordem plenamente justa derivada do uso da razo. Alis, esta idia deu
sustentao a outros argumentos, como ser abordado no prximo captulo.
Esta representao evocava tambm a imagem da grande locomotiva que
seguiria veloz a rota do progresso, a preciso da tcnica, originada de um saber de
cunho mecnico, noes que norteavam o iderio liberal da imprensa da poca.25
Vital Soares encontraria, assim, o terreno desbravado, pois iria pisar em trilho
de cho resistente, de modo que sua administrao seria de grandes surtos
materiais quando a continuidade de critrios reabilitadores e progressistas
haveria de manter-se ntegra.26
Depois de constitudo o seu governo, A Tarde assegurava que Vital Soares
no se desviou da boa rota. Segue-a firme, alargando-a indiferente atoarda do
despeito e apontava que seu objetivo era resolver os grandes problemas ligados
ao progresso desta terra.27 Explicava que a sua profcua administrao devia-
se s suas reconhecidas qualidades, ressaltando com freqncia o esprito
liberal, a honestidade, a inteligncia, a cultura, a serenidade, o trabalho
metdico. Graas a estas qualidades, havia construdo um ambiente honesto e
laborioso na Bahia, oferecendo a prova de sua capacidade como homem de
estado.28 Acentuava que, de todas as qualidades, esta ltima era a mais
importante, e justificava:
no s talento e a cultura possui o sr. Vital Soares. O
talento no basta para fazer o poltico. necessrio que
haja um homem por trs do Estado. (...) E ele o . A sua
honestidade posta a prova em vinte e tantos anos de vida
pblica, a sua independncia de opinies o seu carter
sem jaa, a sua tolerncia extrema, tudo o que se deve
exigir de um homem que pretende ser o meneur de um
povo, se encontra no sr. Vital Soares.29
25 CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo, p. 140. 26 GALLO, Wenceslau, O contraste confortador. A Tarde, 28 jan. 1928, p.1. 27 A Tarde, 28 mar. 1929, p. 1 28 A Tarde, 03 dez. 1928, Tpicos, p. 2. 29 CARDOSO, Benedicto. O homem. A Tarde, 03 fev. 1928, p. 2.
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Alm da sistemtica exaltao que A Tarde fazia deste governo, a atuao
de Simes Filho foi decisiva na negociao, junto ao presidente da Repblica, do
nome de Vital Soares como vice da chapa Jlio Prestes. O sucesso desta
negociao foi uma garantia de estreitamento dos laos de reciprocidade entre o
deputado e o governador, que procuraria dar suporte candidatura de Simes
Filho, ento lder da bancada federal do Partido Republicano da Bahia (PRB), na
eleio do seu sucessor.
A diviso interna do partido, contudo, gerou um delicado embarao para
Vital Soares: teria que optar entre Simes Filho, cujo nome havia indicado como
seu substituto, mas que fora rejeitado pelos calmonistas, e Miguel Calmon,
lanado candidato pelos calmonistas, intimamente ligado a Ges Calmon, a quem
devia lealdade. Embora coubesse a Vital Soares a incumbncia de escolher o
candidato oficial do partido, estava comprometido por laos de reciprocidade com
ambas as faces, preferindo deixar que, por si, elas contornassem o impasse. A
soluo que encontraram foi a renncia de Simes Filho e Miguel Calmon, que
pretendiam apresentar-se como candidatos ao governo do estado, e a apresentao
da candidatura de Pedro Lago.30
Como se pode notar a partir do exemplo acima, esta disposio ao acordo
ou acomodao no era sinnimo de convergncia absoluta de interesses entre
as faces polticas dirigentes; antes indicava que as elites polticas e econmicas
sempre colocaram, acima das divergncias internas, que poderiam solapar seu
domnio, o compromisso de manter entre si o poder poltico do estado. Sabiam
que a depender das circunstncias, o acirramento destas divergncias poderia
enfraquec-las, ameaando o poder j conquistado, por isso a todo tempo se
impunham a necessidade de negociar interesses e estabelecer acordos.
Esta frmula garantia a perpetuao do poder das oligarquias, afastando
da ao poltica a participao popular e a excluso da pauta dessas negociaes
de interesses das camadas menos favorecidas, mas no eliminava o conflito de
interesses imediatos e circunstanciais no interior dos diferentes grupos
30Ver SAMPAIO, Consuelo Novais. Op. cit.
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35
dirigentes.31 Assim, Sem adversrio, Pedro Lago foi eleito governador da Bahia,
em 7 de setembro de 1930. Enquanto aguardava o reconhecimento da
Assemblia Legislativa, o movimento revolucionrio se expandia e ele jamais
chegou a tomar posse do governo do estado.
A proximidade das eleies seja para cargos estaduais ou federais, era o
que ensejava a movimentao poltico-partidria na Bahia e no Brasil durante a
Repblica Velha. Sobretudo visando ao sucesso na disputa dos cargos eletivos e
administrativos, os polticos se articulavam em torno de nomes e se faziam
vinculados a partidos criados nestas ocasies. A campanha para a sucesso
presidencial de 1929 foi particularmente interessante para a Bahia, pois a chapa
oficial contava com o baiano Vital Soares, que concorreria ao cargo de vice-
presidente da Repblica.
A poltica dos governadores, posta em prtica a partir do governo de
Campos Sales (1898 1902), regulava as relaes entre os estados e a Unio,
garantindo a autonomia dos estados em troca do seu apoio ao presidente da
Repblica, que dependia desta sustentao para manter-se no poder. Embora este
princpio valesse para todas as unidades da federao, o processo poltico nacional
encontrava-se sob a hegemonia dos estados mais fortes: So Paulo e Minas
Gerais.32 Portanto, a oportunidade favorecia a Bahia que, se no podia oferecer
presidentes ao Brasil, gozava o prestgio nada desprezvel de oferecer-lhe um
vice-presidente.
A reciprocidade nesse jogo de interesses trazia uma regra bsica: se o
governo federal dependia do apoio dos estados para dar sustentao ao seu
mandato, a interferncia federal era garantia de vitria nas disputas locais. Neste
sentido, o governo de Artur Bernardes (1922 1926) fora um fator determinante
para frear o domnio seabrista na Bahia. Em 1923, o presidente garantiu o
funcionamento do Legislativo oposicionista baiano, atravs de advertncia do
Ministro da Justia ao governador J. J. Seabra, para que no impedisse o ingresso
31A reconstruo das relaes e conflitos entre as elites fundamental para a elucidao da histria poltica do Brasil. Ver GOMES, Angela de Castro (org). Regionalismo e centralizao poltica.. Partidos e Constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 32 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo poltico-partidrio na Primeira Repblica. In MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva, 16 ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987, p. 185-189.
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36
dos deputados oposicionistas no prdio da Cmara, coagindo o governador a
aceitar como legtima a oposio ao seu governo. Alm disso, neste mesmo ano,
reconheceu Pedro Lago senador, contrariando mais uma vez os interesses de
Seabra; e, por fim, selando o colapso da liderana seabrista, garantiu a posse de
Ges Calmon como governador em 1924. Desse modo, a candidatura de Vital
Soares para a vice-presidncia abria perspectivas promissoras para os segmentos
da elite baiana que o apoiavam, os quais, diante do apoio declarado do presidente
Washington Luiz, tinham, antecipadamente, certeza da vitria.33
Ao fim da Primeira Repblica na Bahia, consubstanciava-se o predomnio
do Partido Republicano da Bahia (PRB), fundado em janeiro de 1927, que
congregava as trs faces polticas mais importantes da poca: calmonistas,
mangabiristas e ex-seabristas34. A vitria deste partido nas eleies estaduais e
federais, tendo frente polticos como Otvio Mangabeira, Miguel Calmon,
Simes Filho, Pedro Lago, Vital Soares, significava o expurgo, na poltica local,
da influncia de J.J. Seabra, que havia estabelecido, na Bahia, um domnio
oligrquico como at ento (1912) ela no conhecera.35
Mas o movimento revolucionrio de 1930 barraria esta ascenso,
deslocando o Partido Republicano da Bahia (PRB) do poder. Devido a este
movimento, seus principais lderes seriam exilados. O sentido que se daria
chamada Revoluo de 1930 decorria das experincias vividas pelos diferentes
segmentos. A Tarde, que nesta circunstncia era porta-voz dos que foram
destitudos do poder, buscou mostrar como a nova organizao poltica era
ilegtima e abusiva.
33 SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p.130 141.
34 A direo do partido cabia sua Comisso Executiva, composta pelos senadores Miguel Calmon du Pin e
Almeida e Pedro Francisco Rodrigues do Lago; pelo Ministro das Relaes Exteriores, Otvio Mangabeira;
pelos deputados federais Antnio Pereira da Silva Moacir, Ernesto Simes Filho e Francisco Rocha; pelo
presidente do Senado Estadual, coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa; pelo presidente da Cmara
Estadual e, por fim, pelo governador do estado, Vital Soares.
35 Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 76.
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I.2 O Significado da Revoluo de 1930
O movimento revolucionrio de 1930 uniu, sob a bandeira da Aliana
Liberal, foras polticas distintas: o tenentismo, as oligarquias agrrias no
cafeeiras, setores urbanos e classes mdias. Contudo, tomado o poder e instalado o
Governo Provisrio, esta composio de foras comeou a diluir-se, dando lugar a
um processo de disputa pela direo poltica do pas, quer em nvel federal, quer
em nvel estadual.36
O perodo ps-revolucionrio, pois, caracteriza-se pelo confronto poltico
no campo das elites. Enquanto os tenentes cumprem um importante papel na
realizao do projeto de centralizao poltica, os setores oligrquicos defendem o
federalismo. Assim, se, por um lado, o tenentismo realiza uma verdadeira ofensiva
poltica, por outro, as oligarquias, afastadas do poder, reagem e se rearticulam,
preparando o terreno para a organizao do movimento constitucionalista que
culmina com a revolta paulista de 32.
O confronto entre as elites tornou-se mais agudo evidenciando a
instabilidade poltica que caracteriza os primeiros anos da dcada de 30 que, no
dizer de Capelato, so marcados pelas indefinies polticas e ideolgicas.37 A
grande instabilidade poltica deste perodo abre espao para a explicitao das
divergncias de opinies e escolhas polticas de indivduos ou de grupos,
registradas em variadas fontes, sendo particularmente freqente sua veiculao
pela imprensa.
A pluralidade de propostas explicitadas neste momento indica diversas
possibilidades de reorientao poltica para o Brasil e, ainda que, na maioria das
vezes, estas propostas no integrem projetos articulados, elas expressam a
dinmica de um contexto onde diferentes segmentos das elites no s disputam a
conduo do poder poltico, como pensam uma nova representao do poder e
36 Ver GOMES, Angela de Castro (org.). Regionalismo e Centralizao Poltica,. p. 23 a 39. 37CAPELATO, Maria Helena. Estado Novo: novas histrias. In FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. So Paulo: Contexto, 1998, p. 188.
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38
propem, segundo interesses especficos, a melhor soluo poltico-
administrativa para o pas.
Este debate, que envolve posicionamentos polticos distintos, se estrutura,
como observa Vavy Pacheco Borges, em torno de alguns conceitos, tais como
oligarquia, burguesia, Primeira Repblica, Segunda Repblica, Movimento de
Outubro, Revoluo de Outubro, Revoluo de 30, Revoluo Constitucionalista,
Contra-Revoluo, sendo especialmente relevante em todas discusses o conceito
de revoluo.
Segundo esta autora, em todas as falas, seja no debate mais amplo que
agitava o meio poltico nacional, seja nas disputas polticas menores do dia-a-dia,
o conceito de revoluo colocava-se claramente como central para todas as
vozes envolvidas; isso se percebe nos variados registros (na imprensa, em anais,
como em ensaios, memrias e at na literatura).38 Sendo elemento central nas
discusses polticas dos anos 30, o conceito de revoluo no designa, porm,
um acontecimento definido consensualmente. Ao contrrio, o seu significado
variou de acordo com os interesses polticos dos interlocutores, revelando o
conflito entre as elites bem como suas estratgias de articulao num contexto de
ruptura poltico-institucional.
Ainda segundo Vavy Pacheco, pode-se depreender dois contedos bsicos
do termo nestas interpretaes. Por um lado, definia-se a revoluo como um
movimento eminentemente poltico, apesar de ter precisado da atuao militar
para estabelecer-se. Este movimento terminou ou deveria terminar com a
substituio dos homens no poder. A revoluo deveria restabelecer a ordem no
pas, pela imediata reconstitucionalizao.
No contexto baiano, o jornal A Tarde refletia, atravs de sua opinio sobre
a revoluo, esta interpretao. Na avaliao de seus articulistas, como ilustra um
artigo de Wenceslau Gallo, publicado em janeiro de 31, a revoluo prometera
com muita eloqncia salvar o pas, mas limitara-se a substituir por aparelhos
novos as peas da mquina federativa, favorecendo com sinecuras seus
38BORGES, Vavy P. Anos trinta e poltica: histria e historiografia. In FREITAS, Marcos Cezar de ( org.). Op. cit. p. 161.
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correligionrios. feito o concerto, reclamava o autor, logo volte o regime legal,
que a todos garante, a todos premiando e punindo.39
Por outro lado, a revoluo era compreendida como um movimento mais
amplo de transformaes sociais, que se propunha a modificar a estrutura poltico-
social do pas e, como tal, era um processo que deveria continuar alm de outubro,
para consolidar-se. Neste sentido, a revoluo propiciaria uma mudana da
mentalidade poltica do pas, e a convocao imediata de uma Constituinte
poderia desvirtuar este propsito. Defendiam esta concepo os tenentes e
adesistas revolucionrios para os quais fazia-se necessria a vigncia temporria
do regime de exceo.40
Tambm no mbito da historiografia, as interpretaes sobre o perodo que
se inicia com a Revoluo de 30 so muito divergentes. Pode-se destacar pelo
menos quatro tendncias explicativas das mudanas de natureza poltico-
econmico-social ocorridas ao longo do governo Vargas.41
A primeira tendncia decorre da interpretao feita por Francisco Weffort
e Boris Fausto, que explicam a Revoluo de 30 como um movimento que
resultou da unio de diferentes grupos sociais, dos quais nenhum pde oferecer
ao estado as bases de sua legitimidade. Da instalar-se nos anos posteriores a
1930 o estado de compromisso, representando o acordo entre as vrias fraes
da burguesia, do qual as classes mdias so favorecidas, mas se mantm em
posio subordinada, enquanto as classes operrias ficam margem.
Segundo Boris Fausto, o estado de compromisso, expresso do reajuste
nas relaes internas das classes dominantes corresponde, por outro lado, a uma
nova forma de Estado, que se caracteriza pela maior centralizao, o
intervencionismo ampliado e no restrito apenas rea do caf, o estabelecimento
de uma certa racionalizao no uso de algumas fontes fundamentais de riqueza
39 A Tarde, 09 jan. 31, p. 3 40 BORGES, Vavy P. Op. cit. p. 161. 41 MARTINS, Silvia Zanirato. Os artfices do cio. Mendigos e vadios em So Paulo ( 1933 - 1942 ). Londrina: UEL, 1997.
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40
pelo capitalismo internacional.42 Afirma ainda o autor que as conexes entre a
Revoluo de 30 e os processos de industrializao se estabelecem ao longo do
perodo ps-revolucionrio, sendo a forma que o Estado assume condio bsica
para a expanso da indstria nacional.43
Uma segunda tendncia interpretativa representada pelos trabalhos de
Edgar de Decca e Carlos Vesentini, que fazem uma avaliao da historiografia
sobre a revoluo de 30, produzida at a dcada de 70, caracterizando-a como
uma construo ideolgica que suprimiu da histria deste acontecimento a luta de
classes e a atuao da classe operria. Edgar de Decca, em seu livro 1930 - O
silncio dos vencidos, submete a uma desmontagem esta construo
ideolgica, buscando evidenciar que a luta de classes a dinmica prpria pela
qual se podem explicar os acontecimentos histricos.
O autor aponta o movimento operrio do final dos anos 20 como o
verdadeiro marco das transformaes que se convencionou