a técnica de fazer cordel

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A técnica de fazer cordel Gravura da capa do livro "Cantadores", de Leonardo Mota A MÉTRICA NA ELABORAÇÃO DA POESIA DE CORDEL Certa vez ouvi William Brito, da Academia dos Cordelistas do Crato, dizer que o cordel é uma daquelas coisas que a gente primeiro aprende a fazer e depois aprende como é que faz. De fato, pelos tantos nomes importantes da Literatura de Cordel que tiveram pouco estudo, é possível perceber que muitos passam a vida fazendo ou pelos começam a fazer - as poesias, sem nunca ter estudado a contagem das sílabas ou a estrutura das rimas. Essas pessoas simplesmente têm o dom da poesia, dom esse muitas vezes despertado ao ouvir as pelejas dos cantadores nos desafios, ou a declamação dos cordéis, lidos ou decorados. Isso não quer dizer que não seja importante estudar as técnicas, pois mesmo aqueles que nasceram com o dom, ou que aprenderam a arte do versejar na prática, acabam por aprender o que é uma sétima, uma décima, ou um galope à beira-mar. Além do que, a Literatura de Cordel é extremamente exigente com a forma, somente sendo reconhecida como de boa qualidade quando atende aos requisitos de rima, métrica e oração, como bem observa Arievaldo Viana, no Acorda Cordel na Sala de Aula: Porém, professor, cuidado! Escute o que eu vou dizer: Nem todo folheto serve, Tem que saber escolher. Observe com atenção: MÉTRICA, RIMA e ORAÇÃO, Todo cordel deve ter. No mesmo livro, Zé Maria de Fortaleza, explica: Métrica: é a medida das sílabas de cada verso, em determinado gênero.

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Page 1: A técnica de fazer cordel

A técnica de fazer cordel

Gravura da capa do livro "Cantadores", de Leonardo Mota

A MÉTRICA NA ELABORAÇÃO DA POESIA DE CORDEL

Certa vez ouvi William Brito, da Academia dos Cordelistas do Crato, dizer que o cordel é uma

daquelas coisas que a gente primeiro aprende a fazer e depois aprende como é que faz.

De fato, pelos tantos nomes importantes da Literatura de Cordel que tiveram pouco estudo, é

possível perceber que muitos passam a vida fazendo – ou pelos começam a fazer - as poesias,

sem nunca ter estudado a contagem das sílabas ou a estrutura das rimas. Essas pessoas

simplesmente têm o dom da poesia, dom esse muitas vezes despertado ao ouvir as pelejas dos

cantadores nos desafios, ou a declamação dos cordéis, lidos ou decorados.

Isso não quer dizer que não seja importante estudar as técnicas, pois mesmo aqueles que

nasceram com o dom, ou que aprenderam a arte do versejar na prática, acabam por aprender

o que é uma sétima, uma décima, ou um galope à beira-mar. Além do que, a Literatura de

Cordel é extremamente exigente com a forma, somente sendo reconhecida como de boa

qualidade quando atende aos requisitos de rima, métrica e oração, como bem observa

Arievaldo Viana, no Acorda Cordel na Sala de Aula:

Porém, professor, cuidado!

Escute o que eu vou dizer:

Nem todo folheto serve,

Tem que saber escolher.

Observe com atenção:

MÉTRICA, RIMA e ORAÇÃO,

Todo cordel deve ter.

No mesmo livro, Zé Maria de Fortaleza, explica:

Métrica: é a medida das sílabas de cada verso, em determinado gênero.

Page 2: A técnica de fazer cordel

Rima: é a correspondência entre sons, com palavras diferentes.

Oração: é a coerência, encadeamento, coordenação, precisão, objetividade e fidelidade ao

tema.

Neste texto, dedicar-me-ei especificamente à métrica, deixando a rima e a oração para outros

que ainda pretendo escrever.

De uma certa forma, é a métrica que define os vários gêneros de poesia utilizados pela

Literatura de Cordel. Leonardo Mota, em sua obra “Cantadores”, destaca os gêneros poéticos

comumente utilizados pelos cantadores, cuja nomenclatura leva em consideração os seguintes

conceitos: “obra é qualquer estrofe; pé é o verso, a linha”. Daí a denominação que se verá nos

exemplos a seguir: “obra de seis, sete ou oito pés”.

Os estilos citados pelo autor são os seguintes, em cujos exemplos fiz correções na escrita, pois

sou partidário do uso correto do vernáculo na Literatura de Cordel.

Obra de seis pés:

Agora vem-me à lembrança

Os passos do meu sertão

Pomba de bando, asa branca

Marreca, socó, carão,

Também pássaro pombinha

Arara e currupião.

Obra de sete pés:

Uma Carta de ABC

E uma velha Tabuada,

Page 3: A técnica de fazer cordel

Um punhado de cordéis

Numa maleta encantada,

Me deram luz do saber.

Ali eu pude aprender

Até a História Sagrada.

Obra de oito pés

Gancho de pau é forquilha,

Catombo de pau é nó,

A franga pôs – é galinha,

O fumo ralado é pó,

Peitica cantou é chuva!

Pé de boi é mocotó,

Sumo de cana é cachaça,

Pé de goela é gogó.

Moirão de cinco pés:

Vamos cantar o moirão

Prestando toda atenção

Que o moirão bem estudado

É obra que faz agrado

E causa satisfação.

Page 4: A técnica de fazer cordel

Moirão de sete (que é uma obra de sete pés):

Vamos cantar o moirão

Para o povo apreciar

Me diga logo o assunto

Em que nós vamos cantar

Meu colega, dê começo,

Que eu apenas me ofereço

Só mesmo pra acompanhar.

O martelo com versos de cinco sílabas, chamado de “embolada”:

Sou cobra de veado

Esturro de leão

Fiz pauta com o cão

Mato envenenado,

Sou desembaraçado,

Eu estruo gente,

Sou que nem serpente,

Rifle carregado,

Cantador lesado

Mato de repente.

O martelo com versos de sete sílabas, chamado “dez pés em quadrão”:

Page 5: A técnica de fazer cordel

Quando solteiro eu vivia

Era o maior aperreio

Devido eu ser muito feio

As moças não me queriam

Quando prum forró eu ia

Com qualquer colega meu

Eles confiavam n’eu

Iam beber e brincar

No fim da fest’ia arengar,

Quem ia preso era eu.

O martelo com versos de dez sílabas, chamado “gabinete” ou "martelo agalopado". Neste,

preferi usar uma estrofe minha como exemplo, do cordel "O viajante e o sábio":

Digo, ainda, com toda segurança,

Não se guarda a luz acesa num armário

Não se ensina padre nosso a vigário

A prudência é irmã da desconfiança

Não aceite o peso de qualquer balança

Pois nem todo rezador merece fé

Muita coisa parece mas não é

Muita coisa que é não se parece

Sob as vistas do dono a planta cresce

Um sapato não dá em qualquer pé.

Page 6: A técnica de fazer cordel

Obra de nove por seis, estrofes de nove versos, dos quais seis têm sete sílabas, os três

restantes – o segundo, o quinto e o oitavo – têm três:

Querendo mudar agora

Sem demora

Noutra obra eu pego e vou!

O que eu quero é que tu digas

Que em cantigas

Eu sou formado doutor!

Vamos mudar de toada,

Camarada,

Quero ver se és cantador...

A ligeira, quadra bipartida, de versos de sete sílabas, com a rima obrigatória em “á” e

precedida do refrão “Ai, d-a-dá”:

Ai d-a-dá

Colega, pinique a polda

Se quiser me acompanhar

Ai!

Essa minha bola velha

Quanto eu mais puxo mais dá...

O quadrão:

Meu povo preste atenção

Page 7: A técnica de fazer cordel

Agora é que eu vou cantar

Eu vou te dar um ensino...

Eu é que vou te aquietar...

O galope que, segundo o autor, é uma sextilha de decassílabos. Mas deve ter havido algum

engano ou erro gráfico, pois sabe-se que o galope é sempre em versos de onze sílabas, como

ocorre com o “galope à beira-mar”, cujos versos são de onze sílabas, só que em estrofes de dez

versos. Aliás, o exemplo oferecido por Leonardo Mota é em onze sílabas, pelo menos nas

quatro primeiras linhas:

Josué, o que é isso? Amansa, mano,

Que eu creio numa coisa é quando vejo...

Uma onça para mim é uma pulga,

Um tubarão pra mim é um percevejo,

E um tiro de rifle é caçoada,

É merenda de vim, de doce e queijo...

A MÉTRICA NA ELABORAÇÃO DA POESIA DE CORDEL (2ª Parte)

Prosseguindo em nossos estudos sobre a técnica do cordel, vejamos os gêneros destacados

pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC. São eles:

Parcela ou Verso de quatro sílabas

- O mais curto conhecido na literatura de cordel. Observemos que o exemplo abaixo forma

uma obra de dez pés.

Eu sou judeu

para o duelo

cantar martelo

Page 8: A técnica de fazer cordel

queria eu

o pau bateu

subiu poeira

aqui na feira

não fica gente

queimo a semente

da bananeira.

Verso de cinco sílabas

- Já citada na referência a Leonardo Mota, chamada redondilha menor. O exemplo dado pela

ABLC é um trecho da peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, da autoria de

Firmino Teixeira do Amaral. Nele percebe-se nitidamente que a métrica de Aderaldo era

melhor que a de Zé Pretinho:

Pretinho:

no sertão eu peguei

um cego malcriado

danei-lhe o machado

caiu, eu sangrei

o couro tirei

em regra de escala

espichei numa sala

puxei para um beco

depois dele seco

fiz dele uma mala.

Cego:

Negro, és monturo

Molambo rasgado

Page 9: A técnica de fazer cordel

Cachimbo apagado

Recanto de muro

Negro sem futuro

Perna de tição

Boca de porão

Beiço de gamela

Venta de moela

Moleque ladrão .

Estrofes de quatro versos de sete sílabas – Modalidade que evoluiu para a estrofe de seis

versos, ou sextilha:

O Mergulhão quando canta

Incha a veia do pescoço

Parece um cachorro velho

Quando está roendo osso.

Sextilhas – Com estrofes de seis versos de sete sílabas, segundo a ABLC, “a modalidade mais

rica, obrigatória no início de qualquer combate poético, nas longas narrativas e nos folhetos de

época. Também muito usadas nas sátiras políticas e sociais. É uma modalidade que apresenta

nada menos de cinco estilos: aberto, fechado, solto, corrido e desencontrado”. Essas

variações, entretanto, dizem respeito à rima, razão pela qual não transcreverei os exemplos

aqui. Mas estão todos à disposição do leitor no site da ABLC. Um exemplo da forma mais

tradicional de sextilha:

Meu avô tinha um ditado

meu pai dizia também:

não tenho medo do homem

nem do ronco que ele tem

um besouro também ronca

Page 10: A técnica de fazer cordel

vou olhar não é ninguém.

Setilhas – Já descrita como “obra de sete pés”:

Vamos tratar da chegada

quando Lampião bateu

um moleque ainda moço

no portão apareceu.

- Quem é você, Cavalheiro -

- Moleque, sou cangaceiro -

Lampião lhe respondeu.

- Não senhor - Satanás, disse

vá dizer que vá embora

só me chega gente ruim

eu ando muito caipora

e já estou com vontade

de mandar mais da metade

dos que tem aqui pra fora.

Ainda segundo a ABLC, “esta modalidade é, também, usada em vários estilos de mourão, que

pode ser cantado em seis, sete, oito e dez versos de sete sílabas”. Exemplos:

Cantador A- Eu sou maior do que Deus

maior do que Deus eu sou

Cantador B - Você diz que não se engana

mas agora se enganou

Cantador A - Eu não estou enganado

Page 11: A técnica de fazer cordel

eu sou maior no pecado

porque Deus nunca pecou.

Ou com todos os versos rimados, a exemplo das sextilhas explicadas antes:

Cantador A -Este verso não é seu

você tomou emprestado

Cantador B - Não reclame o verso meu

que é certo e metrificado

Cantador A -Esse verso é de Noberto

Se fosse seu estava certo

como não é está errado.

Oito pés de quadrão ou Oitavas – Estilo também já citado, feito de estrofes de oito versos de

sete sílabas:

Diga Deus Onipotente

Se é você, realmente

Que autoriza, que consente

No meu sertão tanta dor

Se o povo imerso no lodo

apregoa com denodo

que seu coração é todo

De luz, de paz e de amor.

Décimas – Já apresentados aqui como”dez pés em quadrão”:

Eram doze cavalheiros

Homens muito valorosos

Destemidos, corajosos

Page 12: A técnica de fazer cordel

Entre todos os Guerreiros

Como bem fosse Oliveiros

um dos pares de fiança

Que sua perseverança

Venceu todos os infiéis

Eram uns leões cruéis

Os doze pares de França.

Martelo Agalopado – Gênero também citado no post anterior, o Martelo agalopado, estrofe

dez versos de dez sílabas, é uma das modalidades mais antigas na literatura de cordel.

Segundo o site da ABLC. “as martelianas não tinham, como o nosso martelo agalopado,

compromisso com o número de versos para a composição das estrofes. Alongava-se com rimas

pares, até completar o sentido desejado. Como exemplo, vejamos estes alexandrinos”:

"Visitando Deus a Adão no Paraíso

achou-o triste por viver no abandono,

fê-lo dormir logo um pesado sono

e lhe arrancou uma costela, de improviso

estando fresca ficou Deus indeciso

e a pôs ao Sol para secar um momento

mas por causa, talvez dum esquecimento

chegou um cachorro e a carregou,

nessa hora furioso Deus ficou

com a grande ousadia do animal

que lhe furtara o bom material

feito para a construção da mulher,

estou certo, acredite quem quiser

eu não sou mentiroso nem vilão,

nessa hora correu Deus atrás do cão

e não podendo alcançar-lhe e dá-lhe cabo

Page 13: A técnica de fazer cordel

cortou-lhe simplesmente o meio rabo

e enquanto Adão estava na trevas

Deus pegou o rabo do cão e fez a Eva."

O estilo caiu no esquecimento, com o desaparecimento do seu criador, professor Jaime Pedro

Martelo, em 1727, até que em 1898, José Galdino da Silva Duda deu “à luz feição definitiva ao

nosso atual martelo agalopado, tão querido quanto lindo. Pedro Bandeira não nos deixa

mentir”:

Admiro demais o ser humano

que é gerado num ventre feminino

envolvido nas dobras do destino

e calibrado nas leis do Soberano

quando faltam três meses para um ano

a mãe pega a sentir uma moleza

entre gritos lamúrias e esperteza

nasce o homem e aos poucos vai crescendo

e quando aprende a falar já é dizendo:

quanto é grande o poder da Natureza.

Há, também, o martelo de seis versos:

Tenho agora um martelo de dez quinas

fabricado por mãos misteriosas

enfeitado de pedras cristalinas

das mais raras, bastante preciosas,

foi achado nas águas saturninas

pelas musas do céu, filhas ditosas.

Page 14: A técnica de fazer cordel

Galope à Beira Mar

– “Com versos de onze sílabas, portanto mais longos do que os de martelo agalopado, são os

de galope à beira mar, como estes da autoria de Joaquim Filho”:

Falei do sopapo das águas barrentas

de uma cigana de corpo bem feito

da Lua, bonita brilhando no leito

da escuridão das nuvens cinzentas

do eco do grande furor das tormentas

da água da chuva que vem pra molhar

do baile das ondas, que lindo bailar

da areia branca, da cor de cambraia

da bela paisagem na beira da praia

assim é galope na beira do mar.

Meia Quadra - Outra interessante modalidade é a Meia Quadra ou versos de quinze sílabas:

Quando eu disser dado é dedo você diga dedo é dado

Quando eu disser gado é boi você diga boi é gado

Quando eu disser lado é banda você diga banda é lado

Quando eu disser pão é massa você diga massa é pão

Quando eu disser não é sim você diga sim é não

Quando eu disser veia é sangue você diga sangue é veia

Quando eu disser meia quadra você diga quadra e meia

Quando eu disser quadra e meia você diga meio quadrão.

Só os exemplos relacionados neste post e no anterior, já mostram o quão variadas são as

formas utilizadas pela Literatura de Cordel. Mas há outras, que ainda pretendo mencionar.

Page 15: A técnica de fazer cordel

Por enquanto, chamo a atenção para o fato de que a formação de cada um desses gêneros

depende essencialmente do manuseio de três variáveis: o emparelhamento das rimas (do que

pretendo falar em outra oportunidade), a quantidade de sílabas em cada verso e a quantidade

de versos em cada estrofe.

Aqui me valho, mais uma vez, da lição de Zé Maria de Fortaleza para esclarecer que verso é

cada uma das linhas de um poema, enquanto estrofe é “um grupo de versos de um trabalho

poético, em geral com sentido completo” (Acorda Cordel na Sala de Aula, p. 36).

Assim, combinando quantidade de sílabas em uma linha e quantidade de linhas em uma

estrofe, vimos que são usados versos de cinco sílabas em estrofes de seis, sete, oito ou dez

linhas, o mesmo ocorrendo com os versos de sete, dez ou onze sílabas.

Com relação à quantidade de sílabas em um verso, as variedades mais comuns são a

redondilha maior – sete sílabas – e a redondilha menor – cinco sílabas, embora a forma

preferida dos cantadores seja, sem dúvida, o decassílabo (dez sílabas), utilizada no martelo

agalopado, considerado por muitos o vestibular do cantador. Os versos de onze sílabas do

galope à beira-mar também tem o seu charme, e dão um ritmo bem interessante na execução,

seja cantada ou declamada.

Penso que o domínio da métrica é um dos aspectos mais importantes na elaboração de um

cordel, pois, como diz Arievaldo Viana:

Cordel desmetrificado

Não dá pra ler em voz alta.

Tem hora que sobra métrica,

Tem hora que a rima falta,

Inda tem pesquisador

Com diploma de doutor

Que esse mau “cordel” exalta.

Page 16: A técnica de fazer cordel

E não é só uma questão de respeitar a métrica, pra não deixar o cordel de “pé quebrado”. O

bom cordelista, assim como o bom cantador repentista, deve ter a capacidade de elaborar sua

poesia na maior variedade possível de estilos, por pelo menos dois motivos. Primeiro, para dar

à poesia um ritmo adequado ao tema que está sendo tratado.

Por exemplo, a redondilha menor funciona melhor para narrativas mais rápidas, enquanto a

redondilha maior permite uma abordagem mais cadenciada. Vejamos, a seguinte estrofe, de

minha autoria, em redondilha menor, narrando uma situação na qual um marido traído tenta

matar a mulher, no meio de uma feira, e um tenente da polícia tenta impedi-lo:

O cabra valente

Puxou a pexeira,

No meio da feira,

Gritou pro tenente:

- Não fique na frente

Que você se fura!

Essa criatura

Agora me paga.

Hoje ela se apaga

Ninguém me segura.

A mesma narração poderia ser feita em redondilha maior, mas tem-se a impressão de que

tudo está acontecendo mais lentamente:

O cabra era valente

E puxou logo a peixeira

Ali, no meio de feira,

Gritou para o tenente:

- Não fique na minha frente

Ou então você se fura!

Page 17: A técnica de fazer cordel

Hoje essa criatura,

O que me deve me paga

Ela agora se apaga

Ninguém aqui me segura!

O segundo motivo pelo qual é importante variar de estilo, é não cansar o leitor ou o

espectador. Quando um autor sempre escreve em sextilhas, só em ver a capa do folheto, o

leitor já sabe como serão os versos, e isso o desvaloriza. Se os cordéis são reunidos em um

livro, a repetição de um único estilo fica ainda mais entediante. Nas apresentações em

declamações e cantorias – e agora, com a proliferação de CD’s de cordel – a variação de estilos

ganha ainda mais importância, pois ficaria monótono ouvir todo um CD em sextilhas ou

setilhas.

Por aqui encerro este post, cujo assunto ainda está por concluir, e logo devo voltar a ele, para

falar da contagem das sílabas e de outros estilos, como o “martelo perguntado”.

.............................

Se vc quer facilitar a sua vida para fazer um cordel, posso sugerir o seguinte:

1) fale sobre algo que vc entenda;

2) vá de sextilha, que dizer, estrofes com seis versos de sete sílabas, rimando apenas a 2ª, a 4ª

e a 6ª.

Por exemplo:

Pa-ra-fa-zer-um-cor-del

é-me-lhor-eu-es-co-lhER

Um-as-sun-to-que eu-en-ten-(da) ESSA ÚLTIMA SÍLABA NÃO CONTA

E-so-bre e-le-esc-re-vER.

Mas-se eu-não-en-ten-do-na(da), ESSA ÚLTIMA SÍLABA NÃO CONTA

O-que-é-que eu-vou-fa-zER?

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