“a tortura como arma de guerra”, de leneide duarte-plon _ blog da editora record
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7/25/2019 a Tortura Como Arma de Guerra, De Leneide Duarte-Plon _ Blog Da Editora Record
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Por Cludia Lamego
Praticada em vrios momentos histricos, por Estados, povos e at
pela Igreja catlica, a tortura tornou-se crime contra a humanidade
desde 1929, na Conveno de Genebra. No entanto, continuou a ser
usada ilegalmente em guerras e guerrilhas do sculo XX. Durante a
Guerra da Arglia, travada entre dois partidos revolucionrios que
lutavam pela independncia e o exrcito francs, o pas europeutorturou. Negada pelo governo da Frana e denunciada por
intelectuais e militantes independentistas, a tortura foi confessada
pelo general Paul Aussarresses, que admitiu sua prtica e a
defendeu, em entrevistas e em seus livros, como legtima arma de
guerra contrarrevolucionria.
As conversas entre o general francs, na casa dele, na Alscia, e a
jornalista Leneide Duarte-Plon, nica brasileira a quem deu
depoimentos, uma das bases para esteA tortura como arma de
guerra. Neste livro, Leneide Duarte-Plon, mostra como a Frana
exportou para o Brasil todo o arcabouo do terrorismo de Estado,
que inclua a tortura e a eliminao fsica de opositores. Oterrorismo de Estado foi implantado pela ditadura militar que se
instaurou no pas a partir de 1964.
Entrevistas
A tortura como arma de
guerra, de Leneide Duarte-Plon10.06.2016 NENHUM COMENTRIO
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Falar de tortura extremamente difcil, tanto que muitostorturados levam ou levaram anos para contar os suplcios quesofreram em prises. Estudar e escrever sobre o assuntoimagino que tambm seja. Como foi a sua experincia pessoal
de entrevistar um carrasco como Paul Aussarresses, que no sadmitiu praticar a tortura como teve a coragem de exalt-lacomo um trunfo na vitria contra o comunismo?
Ele praticou a tortura como militar francs na Guerra da Arglia, a
ltima guerra colonial que a Frana fez. A Arglia era um
departamento francs (a Frana dividida em departamentos, emvez de estados) desde 1830, quando se deu a ocupao do territrio
argelino pelos franceses. Nessa guerra, os franceses defendiam a
ltima colnia, depois de terem perdido a Indochina (depois
Vietn), em 1954. Nesse mesmo ano, comea a guerra de
independncia na Arglia. Os franceses haviam decidido que no
perderiam mais uma colnia. Ganharam a guerra pela brutalidadeda represso, inclusive pela tortura generalizada, mas a perderam
moralmente com as denncias e os manifestos dos intelectuais
franceses contra essa prtica considerada crime contra a
humanidade. A independncia foi dada por De Gaulle, dentro da
poltica de descolonizao e autodeterminao dos povos. Minha
experincia em entrevistar o general Aussaresses foi extremamentecordial. Ele era um homem muito educado, um gentleman. No se
furtou a responder a nenhuma pergunta e j tinha assumido, atravs
de seus livros, toda a verdade sobre a atuao dos militares
franceses na Guerra da Arglia. Li seus dois livros antes de
entrevist-lo e conhecia muito bem o personagem. O senhor de 89
anos que entrevistei no escondia a verdade e a assumia, mesmo se
ela causasse horror maioria das pessoas. Ele teve o mrito de
torturar e assumir que torturou. Isso revela um carter firme. O que
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dizer dos nossos militares que torturaram e nunca assumiram?
Quanto aos relatos de tortura, o mais difcil para mim foi ler o livro
La Question, de Henri Alleg, publicado em 1958, que revelou
Frana que o Exrcito francs estava torturando na Arglia. O relato
seco e terrvel de Alleg, que entrevistei tambm para o livro, quase insuportvel. Muitas vezes, parei de ler para ir tomar gua ou
um calmante.
A Frana tida no imaginrio internacional como um passecular, dos direitos humanos, da igualdade, fraternidade e
liberdade. Qual a importncia histrica de se levantar seu papeldeterminante na disseminao da prtica de torturas a partirde sua experincia na Arglia, ainda mais quando se temarraigada a crena de que os Estados Unidos tem, digamos, essahegemonia?
A Frana no inventou a tortura no contexto de uma guerra mas
pratic-la em prisioneiros de guerra depois de 1929 se tornou crime
para o direito internacional. A tortura foi praticada em momentos
histricos diversos, como na Antiguidade, por diferentes povos, ou
na Inquisio, pela prpria Igreja Catlica e justificada por uma
bula papal de Inocncio IV, em 1252. Mas no sculo XX, a prtica
transformou-se em crime pois contraria a terceira Conveno de
Genebra, de 1929, reconhecida por todos os pases signatrios.
Esse tratado define os direitos e os deveres de pessoas, combatentes
ou no, em tempo de guerra e os direitos dos prisioneiros de guerra.
Quando a Frana torturou prisioneiros de guerra na Arglia ou
quando os Estados Unidos torturaram no Iraque ambos o faziam em
total ilegalidade em relao terceira Conveno de Genebra, da
qual ambos os pases so signatrios. Por isso, a tortura costuma ser
praticada em segredo e quase nunca assumida.
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O termo prisioneiro de guerra definido na Conveno deGenebra: reconhecido como tal todo combatente capturado,podendo este ser um soldado de um exrcito, um membro deuma milcia ou at mesmo um civil, como os resistentes. Alis,
gostaria que comentasse o fato de os prprios Estados Unidosterem recorrido aos generais franceses durante a iminentederrota do pas no Vietn, como demonstrado em sua obra.
Os militares franceses criaram o que ficou conhecido como a
doutrina francesa ou escola francesa a partir da experincia da
Guerra da Arglia. Isso foi estruturado e teorizado no livro Aguerra moderna, do coronel Roger Trinquier, que tratava de uma
nova forma de guerra, a guerra antissubversiva ou
contrarrevolucionria. As tticas e estratgias da Segunda Guerra
Mundial estavam superadas. Os militares americanos conheceram o
livro ainda antes de ser publicado em ingls e ele virou uma bblia
dos oficiais dos EUA. Kennedy convidou militares franceses parairem dar cursos sobre a Batalha de Argel nos EUA, nos fortes Bragg
e Benning. Paul Aussaresses era um desses oficiais franceses que
conheciam bem as tticas do vietcong, que vinha se mostrando um
inimigo difcil de ser vencido, mesmo pelo mais poderoso exrcito
do mundo. Os vietnamitas liderados pelo genial general Giap e por
Ho-Chi-Minh acabaram vencendo e expulsando no somente osfranceses mas, posteriormente, os americanos. Vale ressaltar que
tanto os franceses quanto os americanos torturaram nas duas
guerras contra os vietnamitas, a Guerra da Indochina e a do Vietn.
No livro, voc cita um trecho do livro de Aussarreses em que elediz que perdeu os escrpulos em relao tortura quandoouviu de um policial na Arglia que era prefervel fazer sofrerum s culpado que explicar s famlias das vtimas as mortes de
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outros inocentes. Hoje, na Frana aps os atentados terroristasao Charlie Hebdo e, um ano depois, a restaurantes e no Batacl,os franceses vivem e parecem aceitar uma vigilncia muito maisinvasiva e que pe em xeque a liberdade to valiosa, para eles,
do ir e vir. Voc acha que, em nome do combate ao terrorismoislmico, nessa poca em que o inimigo difuso e pode estar nomeio da massa, os franceses vo acabar perdendo tambm osescrpulos, admitindo a tortura como arma nessa atual guerra?
De forma alguma. Nenhum poltico ou militar francs ousaria hoje
defender a tortura como forma de interrogatrio. E no se viu athoje nenhuma denncia de prtica de tortura contra presos,
suspeitos de terrorismo, em solo francs. Se isso ocorrer, a maioria
da sociedade francesa vai se levantar contra essa prtica, condenada
pela Conveno de Genebra, assinada pela quase totalidade dos
pases do mundo. A ACAT, Ao dos Cristos pela Abolio da
Tortura, uma ONG ecumnica criada na Frana, em 1974, a partirde denncias de tortura na Guerra do Vietn, tem juristas,
historiadores, socilogos, padres, pastores e religiosas, alm de
leigos em constante trabalho de denncia da tortura em todos os
pases do mundo. Cabe ressaltar que nunca houve denncia de
torturas em Cuba, por exemplo. Cito um texto de Frei Betto
publicado em francs no qual ele diz que nunca teve noticia depessoas torturadas pelo regime cubano. Caso contrario, como
cristo, no poderia apoiar aquele regime.
Essa semana, dias depois que um deputado o exaltou na tribunada Cmara, elogiando seus atos de tortura, num ataque direto presidente eleita e por ora afastada Dilma Rousseff, o livro docoronel Brilhante Ustra surgiu na lista semanal de maisvendidos do pas. Como v o crescimento dessa onda
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conservadora e, tantos anos depois do fim da ditadura, essaespcie de perda da vergonha em exaltar atos como os de Ustra,tanto nas redes sociais quanto em manifestaes nas ruas?
Na Frana foi cunhada h poucos anos a expresso droitedcomplexe para definir a direita francesa que assume suas
posies de direita e as reivindica. Mas penso que essa onda que
voc chama de conservadora muito mais que isso: um
ressurgimento do velho fascismo, que no tem mais vergonha de
assumir todo o seu iderio abjeto, abominvel. Mas eles ainda no
tiveram a coragem do general Aussaresses de dizer que torturaram edefender a tortura publicamente. Isso mostra o carter particular
dessa prtica: ela praticada em pores e nunca assumida por ser
considerada um crime contra a humanidade pela maioria das
sociedades civilizadas, aquelas que respeitam a terceira Conveno
de Genebra.
No filme O que isso, companheiro?, muito se criticou umacerta humanizao do torturador. Mas, por outro lado, muitotem se falado que no devemos classificar os grandes criminososcomo monstros, seja no caso de estupradores ou assassinos emsrie. No livro, citando o psicanalista que cuidou de Frei Tito,voc diz que tortura se aprende e que, embora o ser humanonasa com capacidade de aniquilar o outro, precisodespertar nele essa capacidade. Qual a importncia de se deixarclaro que o torturador um homem, com famlia, uma histriade vida e que merece ser punido pelos seus atos?
O torturador deve ser punido, algum pode discordar disso?
Escrevi, com Clarisse Meireles, o livro Um homem torturado-Nos
passos de frei Tito de Alencar para denunciar a tortura. Engana-se
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