a tributaÇÃo diferenciada como meio de positivar valores e ... · brasil e prescrito pelo art....
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
CÉSAR MAURÍCIO ZANLUCHI
A TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA COMO MEIO DE POSITIVAR VALORES E PRINCÍPIOS ECONÔMICO-CONSTITUCIONAIS.
MARÍLIA 2006
CÉSAR MAURÍCIO ZANLUCHI
A TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA COMO MEIO DE POSITIVAR VALORES E PRINCÍPIOS ECONÔMICO-CONSTITUCIONAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Prof. Drª. Marlene Kempfer Bassoli.
MARÍLIA 2006
Autor: CÉSAR MAURÍCIO ZANLUCHI
Título: A TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA COMO MEIO DE POSITIVAR VALORES E PRINCÍPIOS ECONÔMICO-CONSTITUCIONAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudanças Sociais, sob a orientação da Prof. Drª. Marlene Kempfer Bassoli. Aprovação pela Banca Examinadora em _____/_____/__________
________________________________________________________ Profª Drª Marlene Kempfer Bassoli
Orientadora
________________________________________________________ Prof. Dr. Reynaldo Campanatti Pereira
_________________________________________________________ Prof. Dr. Lourival José de Oliveira
Dedico este trabalho às pessoas que colaboraram com a sua realização. A meus pais, Luz Carlos e Carmen, pelo apoio nos momentos mais difíceis, a meu irmão, Carlos Eduardo, pelas conversas jurídicas que só fizeram enriquecer minhas idéias, a minha mulher, Fernanda, pelo apoio, calma e tranqüilidade que me transmitiu e, por ultimo, mas não com menos importância, a July pelo apoio irrestrito em todos os momentos.
Agradeço a colaboração e apoio de todos os meus amigos e professores do Curso de Mestrado. Agradeço ainda e, em especial, à minha orientadora, Prof. Drª Marlene Kempfer Bassoli, pelos ensinamentos sempre tão especiais e pertinentes e a Prof. Maria de Fátima Ribeiro pela compreensão e apoio nos momentos difíceis.
A TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA COMO MEIO DE POSITIVAR VALORES E PRINCÍPIOS ECONÔMICO-CONSTITUCIONAIS.
Resumo: Visando satisfazer as estruturas democráticas e republicanas do Estado brasileiro enaltecedoras dos valores da liberdade e da igualdade, foi determinado ao Estado o dever de conceder um tratamento diferenciado aos pequenos empresários. O intuito é garantir o acesso e sua permanência nas relações econômicas diante da confirmada desigualdade de condições com as grandes empresas. O Estado tem o dever de estabelecer políticas públicas vertentes a concretizar os valores constitucionais reunidas no capítulo destinado ao regime jurídico-econômico adotado desde 1988 no Brasil. Deve assim, conceder às microempresas e empresas de pequeno porte um tratamento fiscal mais benéfico, conforme prescrito na Constituição nos Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d. Cada ente federado tem o dever de viabilizar estes direitos àqueles que pretendem exercer o direito à livre iniciativa. A União, no exercício da competência tributária editou a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, instituiu o sistema integrado para pagamento de tributos federais, denominado de regime tributário SIMPLES. Mesmo cumprindo com as exigências constitucionais, deixou de lado inúmeras empresas que, pelo exclusivo critério contábil do faturamento, podem usufruir de um tratamento fiscal mais benéfico. Ao garantir um tratamento diferenciado aos pequenos empresários, garantiu-se a igualdade material, que por sua vez positiva os direitos de acesso, continuidade e de condições para o enfrentamento das regras da livre concorrência. Quando a União apresenta aos pequenos empresários, restrições normativas de acesso ao tratamento tributário especial, com fundamento em critérios diversos do faturamento, atua em contrariedade à prescrição constitucional. O direito subjetivo constitucional à igualdade de que se trata não pode ser ilidido pela União ou quaisquer dos demais entes federativos. Decisões judiciais proferidas pelo TRF3 e TRF4, demonstram a falta de integração da norma que instituiu o SIMPLES, com a Constituição, deixando de interpretar a norma de acordo com o direito subjetivo a um tratamento fiscal diferenciado. Assim, interpretação sistêmica construída a partir dos textos referidos, positiva os elementos principiológicos da democracia e da república aplicados à ordem econômica. Entre eles, o respeito à supremacia da vontade popular plasmada na vontade do legislador constituinte e do legislador infraconstitucional, o direito de garantia à livre iniciativa e à livre concorrência e, especialmente, à igualdade de direitos. Não é permitido aos órgãos estatais atuarem com discricionariedade, estabelecendo desigualdades sem respaldo constitucional. Às normas constitucionais deve-se reconhecer eficácia jurídico-social, sob risco de aplicação da sanção judicial de inconstitucionalidade. Palavras-chave: Tributação diferenciada; microempresas e empresas de pequeno porte; democracia e igualdade.
THE DIFFERENTIATED TAXATION AS A WAY OF POSITIVATE VALUES AND PRINCIPLES ECONOMIC-CONSTITUTIONAL
Abstract: Aiming at to satisfy the democratic and republican structures of the Brazilian State that aggrandize the values of the freedom and the equality, the duty was destined to the State to give a distinct treatment to the small entrepreneurs. The purpose is to guarantee the access and its permanence in the economic activity, trying to avoid the confirmed inequality of conditions with the great companies. The State must establish public politics to materialize constitutional rules congregated on the chapter that is destined for the legal-economic regime, adopted since 1988 in Brazil. Thus, it must grant to the micro companies and small business companies a more beneficial fiscal treatment, as prescribed in the articles 179 and 146 "d" of the Constitution. Each being federate has the duty to make possible these rights for the ones that intend to exert the right instead of the free initiative. The Union, in the exercise of the tributary competency edited the Law number 9.317/96, instituting the system integrated for payments of federal tributes, called “tributário SIMPLES” regime. Even performing with the constitutional requirements, it excluded an innumerable companies who, for the exclusive countable rule of the invoicing, could usufruct a more beneficial fiscal treatment. Guaranteeing a differentiated treatment to the small entrepreneurs, it is guarantee material equality, that fulfill the rights of access, continuity and conditions to be able to confront with the free competition rules. The Union acts in opposition to the constitutional lapsing when introduces, for the small entrepreneurs, normative restrictions of access to the special tributary treatment that is based on several rules of invoicing. The constitutional subjective right to the equality that it deals with, cannot be refuted by the Union or any of the many federative beings. The juridical decision made by TRF3 and TRF4, shows no rule integration with “Simples”, with the Constitution, letting to explain the rule according to the subjective right to a differentiated fiscal treatment. Thus, the systematical interpretation constructed from these mentioned texts, fulfill the elements based on principles of the democracy and the republic, applied to the economic order. The respect to the communal wishes supremacy molded by constituent legislator and the infra constitutional legislator conveniences, the guarantee to the free initiative right and the free competition and, especially, to the equality of rights, are some examples. It follows that is not allowed the state agencies to act with a discretionary way, establishing inequalities without constitutional endorsement. The legal-social effectiveness of the constitutional rules must be recognized, under the risk of application of the judicial sanction of unconstitutionality. Key Words: Differentiated taxation; microcompanies and small business companies; democracy and equality.
SUMÁRIO
1 A ESTRUTURAÇÃO DO ORDENAMETO JURÍDICO CONSTITUCIO NAL E
A POSITIVAÇÃO DE SEUS VALORES .................................................................. 13
1.1 FORMAÇÃO DA NORMA JURÍDICA............................................................................... 14
1.1.1 Estrutura da norma jurídica ................................................................................... 17
1.1.2 A imperatividade como elemento da norma jurídica............................................. 19
1.2 DIREITO SUBJETIVO E SEU DEVER JURÍDICO CORRESPONDENTE.................................. 21
1.3. NORMA CONSTITUCIONAL COMO ESPÉCIE DE NORMA JURÍDICA................................ 23
1.4 ESTRUTURA NORMATIVA DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. ............................... 26
1.4.1 Distinção entre os princípios e as regras constitucionais ...................................... 28
1.4.2 Princípios e valores jurídicos componentes do ordenamento constitucional ........ 34
2. MODELOS DE ESTADO E DE GOVERNO ADOTADOS PELO BRASIL QUE
POSSIBILITAM A POSITIVAÇÃO DE VALORES.............. ................................. 38
2.1 REPÚBLICA E O GOVERNO REPUBLICANO.................................................................. 39
2.2 DEMOCRACIA E ESTADO DEMOCRÁTICO................................................................... 42
2.2.1 Critérios para identificação do desrespeito à isonomia ......................................... 45
2.2.2 A convivência entre a liberdade e a igualdade...................................................... 48
2.3 MODELOS ECONÔMICOS DE ESTADO E SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO ...................... 49
2.3.1 Os fundamentos e as finalidades do ordenamento econômico brasileiro.............. 54
2.3.2 Estado de Direito....................................................................................................55 2.3.3 Estado Liberal de Direito e seu papel na ordem econômica brasileira.................. 57
2.3.4 Estado Social de Direito e seu papel na ordem econômica brasileira ................... 59
2.3.5 Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência analisados sob a óptica de
um modelo de Estado Liberal e de um Estado Social .................................................... 61
2.4 AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM
ECONÔMICA .................................................................................................................... 66
2.4.1 A intervenção indireta do Estado na ordem econômica ........................................ 70
3. REGIME JURÍDICO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESA DE
PEQUENO PORTE...................................................................................................... 73
3.1 TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO E OS OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS.................. 78
3.2 SISTEMA SIMPLES DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS FEDERAIS E SEUS BENEFÍCIOS...... 81
3.3 RESTRIÇÕES À OPÇÃO PELO SISTEMA JURÍDICO DE TRIBUTAÇÃO DAS MICROEMPRESAS
E EMPRESA DE PEQUENO PORTE....................................................................................... 85
3.4 O TRATAMENTO DIFERENCIADO E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A
REALIZAÇÃO DE SEUS VALORES....................................................................................... 88
4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO À OPÇÃO PEL O
SISTEMA SIMPLES DE EMPRESAS DEVEDORAS – ANÁLISE
JURISPRUDENCIAL.................................................................................................. 92
4.1. A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E OS PRINCÍPIOS REPUBLICANOS E
DEMOCRÁTICOS............................................................................................................... 97
4.2. O DESRESPEITO AOS FUNDAMENTOS REPUBLICANO-DEMOCRÁTICOS BRASILEIROS. 100
4.3. OFENSA À IGUALDADE............................................................................................ 105
4.4. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O DIREITO SUBJETIVO....................... 107
4.5. OS REFLEXOS DO DESCUMPRIMENTO DE UMA NORMA CONSTITUCIONAL DESTINADA A
EFETIVAR O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO DA IGUALDADE...................................................110
CONCLUSÃO............................................................................................................. 121
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 125
ANEXO II – PLANILHA CONTÁBIL LUCRO REAL............ ............................. 129
ANEXO III – PLANILHA CONTÁBIL LUCRO PRESUMIDO...... .................... 130
ANEXO III – PLANILHA CONTÁBIL SISTEMA SIMPLES..... ....................... 131
9
INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil assumiu
uma forma de Governo republicana, na qual o valor igualdade deve prevalecer em todas
as relações nascidas na sociedade.
Como forma de Estado, ficou estabelecido a Democracia. Os
princípios democráticos devem ser seguidos para o pleno desenvolvimento de uma
nação justa e equilibrada.
A estrutura adotada pelo Brasil, quanto à forma de Governo e de
Estado, está presente em todas as relações sociais e positivadas no texto constitucional,
em cada um de seus subsistemas. Os ideais republicanos e democráticos, assim, estão
presentes em todas as atividades desenvolvidas, tanto pelo particular quanto pelo
Estado.
Como um subsistema do ordenamento constitucional, a ordem
econômica, por trazer preceitos que conduzem as atividades dos particulares no
mercado de capital, está voltada a preservar e realizar os valores eleitos pelo legislador
originário como fundamentos do Estado brasileiro.
Lá estão positivados valores jurídicos à espera de sua realização por
meio de instrumentos legais, efetivando uma das finalidades de um Estado republicano-
democrático, a igualdade.
Por fazer parte do ordenamento constitucional, o subsistema
constitucional econômico é formado por normas jurídicas reguladoras das atividades no
mercado de capital. Adotando um regime econômico capitalista, o ordenamento
econômico guia-se pelo fundamento da liberdade de atuação para os particulares. Estes
preceitos são absorvidos através do modelo econômico de Estado Liberal, adotado pelo
10
Brasil e prescrito pelo Art. 170, da Constituição Federal de 1988.
O particular que atue no mercado econômico tem o direito à liberdade
para atuar e, o Estado, como guardião das relações econômicas, tem o dever de garantir
esta liberdade, intervindo o mínimo possível nas atividades privadas.
A atuação do Estado deve se limitar à preservação da garantia de uma
concorrência justa e equilibrada. Para isso, o Brasil, também adotando preceitos de um
modelo social de economia, o qual prescreve ao Estado o dever de intervir na atividade
econômica, por meio de instrumentos legais, para evitar abusos por parte daqueles que
tenham maior poder econômico e para garantir a todos os agentes uma competição justa
com igualdade de condições.
Visando garantir tanto o modelo liberal de economia, quanto o social,
o legislador originário incluiu no texto valores que enaltecem a liberdade e a igualdade
nas relações entre os particulares.
A liberdade e a igualdade são valores que devem conviver em
harmonia.
O Estado deve promover intervenções no mercado econômico, de
forma direita ou indireta, somente em situações capazes de desequilibrar esta harmonia.
Para tanto, foi positivado o valor republicano da igualdade na ordem
econômica. Este valor vem expresso nos termos prescritos pelo Art. 179, Art. 170, IX e
Art. 146, d, da Constituição Federal. Neles encontra-se um comando ao Estado para que
dispense às microempresas e empresas de pequeno porte um tratamento fiscal
diferenciado, concedendo a elas condições para competirem em igualdade com outras
corporações de maior poder econômico.
O instrumento legal para tanto foi editado em 05 de dezembro de
1996, com a publicação da Lei 9.317. Nela ficou estabelecido o regime jurídico
11
tributário das microempresas e empresas de pequeno porte. Esta norma nasce para
positivar valores jurídicos constitucionais, devendo respeitar os fundamentos de
formação da Constituição Federal.
Entretanto, esta mesma Lei, em seu Art. 9º, impede algumas
microempresas e empresas de pequeno porte, em função de outras características, que
não o seu faturamento, de terem acesso a esse regime tributário diferenciado.
Este trabalho objetiva mostrar que a tributação diferenciada
estabelecida pela lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996, é o meio de positivar valores e
princípios econômico-constitucionais, notadamente o valor igualdade. Após isso, o
trabalho avança no sentido de demonstrar que um dos fatores de impedimento previstos
por essa Lei fere a igualdade.
Para tanto, organizou-se esta dissertação no seguinte caminho lógico:
a) como uma espécie de revisão bibliográfica, explana-se inicialmente sobre o modo de
estruturação do ordenamento jurídico constitucional e da positivação de seus valores;
b) no segundo capítulo, o texto explora, agora, os modelos de Estado e de Governo
adotados pelo Brasil que possibilitam a positivação de valores;
c) já no terceiro capítulo, o texto começa a se afunilar em relação ao seu objetivo,
dissertando sobre o regime jurídico das microempresas e empresa de pequeno porte, e
sobre o tratamento fiscal diferenciado e os objetivos constitucionais, discutindo
pormenorizadamente o sistema SIMPLES de pagamento de tributos federais e seus
benefícios, bem como as restrições à opção pelo sistema jurídico de tributação das
microempresas e empresa de pequeno porte. Por fim, analisa-se o tratamento
diferenciado e a interpretação constitucional para a realização de seus valores;
d) após essa discussão, a dissertação parte para seu segundo objetivo, o de demonstrar,
através da análise de decisões judiciais, a inconstitucionalidade da restrição à opção
12
pelo sistema SIMPLES de empresas devedoras de tributos federais.
e) finalmente, na conclusão, espera-se demonstrar que, embora a Lei 9.317, de 05 de
dezembro de 1996 favoreça, com a criação da tributação diferenciada, a positivação dos
valores e princípios econômico-constitucionais, essa mesma Lei também fere tais
princípios e valores.
13
1 A ESTRUTURAÇÃO DO ORDENAMETO JURÍDICO CONSTITUCIO NAL E A POSITIVAÇÃO DE SEUS VALORES
O ordenamento jurídico é um sistema de proposições de direito
composto por normas dispostas numa estrutura hierárquica convergente da norma
fundamental,1 formando com ela, uma pirâmide normativa. Cada norma encontra
fundamento, tanto formal quanto material, nas normas imediatamente superiores.
Tal ordenamento jurídico destina-se a organizar e estruturar o Estado.
Mas também deve trazer normas destinadas às relações sociais. A formação de um
ordenamento jurídico se dá por meio de comandos condutores, prescrições, valores,
vontades atinentes a organização e estruturação do Estado e da sociedade.
Assim, as normas componentes do ordenamento jurídico dividem-se
em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura.2 As
primeiras estão diretamente voltadas às condutas das pessoas, nas relações de
intersubjetividade. Prescrevem a conduta a ser tomada pelas pessoas (dever-ser), seja
trazendo uma obrigação, uma permissão ou mesmo uma proibição.
Já as normas de estrutura, embora voltadas às condutas interpessoais
— da mesma forma que as de comportamento — , têm como objetivo a produção de
novas normas. Assim, as normas de estrutura dispõem sobre órgãos, procedimentos e
modos pelos quais as normas devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema.3
Em outras palavras, as normas de estrutura determinam os órgãos do sistema e os
expedientes formais necessários para a criação de novas normas.
Para que sejam positivadas as condutas que prescrevem, as de
estrutura necessitam de outra norma, as de comportamento. Sua regulação, assim,
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 135-138. 2 Ibidem, p. 138-139. 3 Ibidem, p. 139.
14
dependerá da edição de outra norma para disciplinar suas diretrizes, surgindo a regra de
conduta dela derivada para reger os comportamentos interpessoais.4
No ápice do ordenamento jurídico está a norma hierárquica de maior
valor — a constituição — de onde as outras extraem fundamentos para sua validade.
Dentro de uma composição sintática, as normas de estrutura
compõem-se de textos do direito positivo de onde o intérprete busca fundamento para a
construção de outras normas jurídicas, formando um sistema jurídico.
García-Pelayo,5 quando se refere à Constituição, traz uma visão
centrada em um complexo normativo. Um sistema de normas, estruturadas de maneira
exaustiva e sistemática, no qual são estabelecidas as funções fundamentais do Estado,
sua regulação, o estabelecimento de sua competência e as relações entre eles.
Segundo o autor, a idéia fixada ao redor de uma Constituição diz ser
ela um sistema de normas voltadas a reger e gerenciar o Estado e sua estrutura. Mas não
se pode esquecer o fato de ser ela uma Lei Fundamental, e, como tal, deve regular,
também, as relações surgidas em sociedade. Avulta, desse modo, a busca de valores
sociais para a composição das normas constitucionais.
1.1 FORMAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
Por ser um conjunto de prescrições, um sistema formado por
comandos coativos, uma ordem normativa, o Direito é composto de normas, tanto de
estrutura, quanto de comportamento.
As normas, por suas vez, devem prescrever estes comandos, dos quais
o Direito se utiliza para regular os comportamentos, não só do Estado, mas também da
4 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 139. 5 GARCÍA-PELAYO Apud SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 29.
15
sociedade. A norma funda-se em um comando, onde “alguém” prescreve uma conduta a
ser seguida por outro, buscando atingir a concretização de um determinado ato.
Na visão de Hans Kelsen,6 a norma prescreve um comando onde algo
deve ser ou acontecer de uma determinada maneira. Segundo o autor, a vontade humana
expressa em uma norma está relacionada com o mundo do ser, passando a figurar no
mundo do dever ser a partir do momento da concretização desta vontade, através de um
comando coativo destinado a alguém, para agir conforme a determinação.
A norma representa a vontade de um indivíduo em imprimir a outro
uma conduta, para que este atue de determinada forma. Ressalte-se, porém, que a
conduta extraída do verbo dever, empregado por Hans Kelsen, não tem apenas o
significado de um comando para outrem atuar em conformidade com a vontade extraída
do ser. Tem seu significado também voltado a uma permissão, uma obrigação ou uma
proibição como prescrição a outrem.
[...] Aqui, porém, emprega-se o verbo “dever” para significar um ato intencional dirigido à conduta de outrem. Neste “dever” vão incluídos o “ter permissão” e o “poder” (ter competência). Com efeito, uma norma pode não só comandar mas também permitir e, especialmente, conferir a competência ou o poder de agir de certa maneira.7
O dever ser, contido em uma norma, tem o sentido de um querer, de
um comando, a vontade de uma pessoa em dirigir uma conduta a outra para agir de
determinado modo.8 Mas não se pode confundir a vontade formadora de uma norma (o
ser) com a prescrição, o comando, o poder, a permissão contida na norma (o dever ser).
A vontade é importante para a formação da norma, porém não se confunde com ela.
A norma, por relacionar-se com o mundo do dever ser, prescreve um
comando a ser seguido. Já a vontade humana, pertencente ao mundo do ser, traz algo do
6 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 05. 7 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 06. 8 Ibidem, p. 02-03.
16
interior de cada ser humano, como pensamentos atinentes a sua própria conduta, sem
força impositiva. O ser caminha em direção da formação da norma. Já o dever ser
representa a própria imposição contida na norma. Ambos não se confundem.
[...] A expressão: ‘um ser corresponde a um dever-ser’ não é inteiramente correta, pois não é o ser que corresponde ao dever-ser, mas é aquele ‘algo’, que por um lado ‘é’, que corresponde àquele ‘algo’, que, por outro lado, ‘deve ser’ e que, figurativamente, pode ser designado como conteúdo do ser ou como conteúdo do dever-ser.9
Quando da formação de uma norma, a vontade deve ser respeitada,
por tratar-se de sua essência, mas não deve ser confundida com ela. A norma prescreve
uma conduta a ser seguida, sendo esta (conduta) o seu conteúdo.
A vontade se relaciona apenas com o ser. Pode conter também uma
conduta. Mas a essência de uma conduta no mundo do ser significa apenas uma vontade
individual, sem imposição alguma a outrem. A partir do momento em que esta conduta
individual prescrever um comando a ser seguido — deixar de ser vontade e passar a ser
prescrição —, passará deste mundo do ser para o mundo do dever ser, tornando-se uma
norma.10
A norma define, dentro de um quadro de possibilidades, a conduta desejável para a
manutenção e desenvolvimento da sociedade.11 Quando textualizada, ela representa,
por meio de sinais gráficos, a vontade de alguém em dirigir a conduta de outro. Assim, a
norma escrita será sempre o produto da interpretação de seu texto. Porém, como ela não
é apenas símbolos gráficos, para se extrair a essência de uma norma, é necessário
interpretar seu texto de acordo com o valor formador da mesma.
9 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998,, p.07. 10 Ibidem, p. 07-08. 11 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 20.
17
Lenio Luiz Strek considera que o texto não sobrevive em si mesmo,
necessita da norma para atingir sua finalidade.12 Os símbolos gráficos de uma norma
escrita contêm sempre um valor. Por isso, deve-se buscar nas suas palavras a verdadeira
finalidade da norma, por ser ela a positivação da vontade de um ser, vertente em um
dever ser.
1.1.1 Estrutura da norma jurídica
A norma jurídica, seja ela de estrutura ou de comportamento,
prescreve uma conduta hipotética a ser respeitada por seu destinatário, sob pena de esse
destinatário sofrer uma sanção pelo seu descumprimento. Para se extrair da norma
jurídica seu fundamento, é necessário uma análise além do significado gramatical de seu
texto.
Admitindo, como acima, que a norma jurídica prescreve uma conduta
determinada que, não cumprida, acarreta uma sanção, verifica-se que a norma jurídica
divide-se em duas: em norma primária (conduta hipotética) e norma secundária
(sanção). Este é o posicionamento atual de Hans Kelsen.13 Segundo ele, as normas
primárias prescrevem uma conduta humana a ser seguida e seus reflexos no universo
jurídico; já as secundárias são compostas pela conduta antijurídica e a sanção a este
descumprimento.
12 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 310. 13 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1986, p. 181.
18
Carlos Cóssio,14 mesmo se coadunando com o entendimento de
Kelsen, dá uma outra denominação às normas. Para ele, a norma jurídica se estruturaria
em endonormas e perinormas.
Utilizando tanto a norma primária e secundária de Kelsen, como a
endonorma e a perinorma de Cóssio, Paulo de Barros Carvalho15 define seu pensamento
no fato de ambas as teses terem uma mesma estrutura lógica: uma hipótese, à qual se
associa a uma conseqüência.
Na visão de Carvalho, tanto a norma primária (endonorma), quanto a
secundária (perinorma) possuem um antecedente (hipótese) jurídico e um conseqüente:
as normas primárias possuem o fato jurídico como antecedente e a relação jurídica
como conseqüente. Nas normas secundárias, a antijuridicidade seria o antecedente e a
sanção o conseqüente.
O dever-ser, nesta estrutura da norma jurídica, seria o enlace entre o
antecedente e o conseqüente. “É a indicação de dois deveres: o dever de se abster, o
indivíduo, da ação contrária à conduta desejada e o dever por parte do órgão competente
de praticar a ação condicionada, ou seja, o ato de coação”. 16
A norma jurídica é estruturada por duas normas, das quais uma
estabelece uma conduta determinada como devida (com sua hipótese e conseqüência); e
a outra (também contendo uma hipótese e uma conseqüência), impõe como devido a
fixação de um condicional ato de coação (sanção), por parte de um órgão competente,
para o caso de violação dessa prescrição.
14 COSSIO, Carlos. 1964. apud CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 45-47. 15 COSSIO, Carlos. 1964. apud CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 48. 16 DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 74.
19
Nas normas primárias, a hipótese é a descrição de um fato jurídico
que, uma vez concretizado, desencadeia uma conseqüência, a relação jurídica. Nas
normas secundárias, a hipótese é a previsão de uma antijuridicidade composta pelo não
cumprimento da prescrição trazida pela norma primária, enquanto sua conseqüência
será a punição por esta inobservância.
1.1.2 A imperatividade como elemento da norma jurídica
A norma tem por finalidade prescrever condutas a alguém por meio de
comandos a serem seguidos. Por sua vez, as jurídicas têm a responsabilidade de
prescrever as orientações e condutas a serem tomadas nas relações jurídicas e impor os
elementos fundamentais para a execução legítima dos atos. Nelas, portanto, está
contida a prescrição a ser obedecida, a forma a ser seguida, ou o preceito a ser
respeitado dentro de uma relação jurídica.
As normas jurídicas, por se relacionarem com o mundo do dever-ser,
prescrevem sempre um comando a seu destinatário, uma conduta a ser seguida. Este
comando é buscado na vontade humana, no valor, no mundo do ser.
A distinção entre uma norma jurídica e uma simples proposição não
jurídica é a sua força ativa. O poder de impor suas prescrições por meio de atos coativos
e aplicação de sanção, quando de seu desrespeito, seria o ponto de distinção entre as
normas jurídicas, sejam elas de estrutura ou de comportamento, e as outras proposições
não jurídicas.
Hans Kelsen17 apresenta como essência de uma norma jurídica sua
capacidade para descrever, mediante juízos hipotéticos, os valores pessoais eleitos como
17 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 04-215.
20
fundamentos de uma ordem social, e impô-los, mediante atos coativos destinados a
todos, vinculados tais valores às suas prescrições. A imposição se faz através de uma
coação e de uma sanção, prescrita para ser aplicada caso o fato condicionante não seja
respeitado.
A norma jurídica possui sempre uma imperatividade. Prescreve,
explícita ou implicitamente, o deve-ser, a conduta dos indivíduos, das autoridades e das
instituições na vida social. “É um princípio diretivo da conduta”.18
Paulo de Barros Carvalho19 descreve sinteticamente a teoria adotada
por Norberto Bobbio, em sua obra Studi per una Teoria Generale del Diritto. Nela,
segundo ele, a norma jurídica apresenta-se como uma espécie do gênero “proposição
prescritiva”, na forma de ação-tipo e força cogente, capaz de impor seus valores sociais
hipotéticos.
[...] Comandos ou ordens seriam as proposições prescritivas de sujeito ativo coletivo ou pessoal e de sujeito passivo geral ou individual, mas que tivessem como objeto sempre um comportamento determinado concretamente, singular, vale dizer, aquele que uma vez cumprido exaure a força imperativa do comando. São as ‘prescrições concretas’. Por outro lado, normas seriam todas as proposições prescritivas, de sujeito ativo coletivo ou pessoal e de sujeito passivo geral ou individual desde que tivessem como objetivo um ação-tipo, em que a força cogente se renove sempre que o sujeito passivo venha a encontrar-se na situação hipoteticamente prevista. A esse tipo de proposições prescritivas Bobbio denomina de ‘prescrições abstratas.20
Vários são os conceitos capazes de expressar a essência de uma norma
jurídica. Entre eles, salienta-se o que diz ser a norma jurídica uma “norma de direito,
isto é, norma de fazer o direito”.21 E o Direito, por sua vez, “é o conjunto de leis que
18 DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996., p. 89. 19 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 35. 20 BOBBIO, Norberto, 1970, apud CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 35. 21 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 27.
21
regulam a conduta dos homens”22 e do Estado. Tal conceito é suficiente para indicar o
elemento essencial de uma norma jurídica. A forma pela qual a norma jurídica é capaz
de impor suas prescrições é o fundamento de distinção entre elas e as simples
proposições naturais.
O Direito é o instrumento pelo qual os valores eleitos pela sociedade
são realizados. Para tanto, necessário se faz a utilização da força impositiva da norma
jurídica como meio coativo para a realização da conduta desejável.
A imperatividade, característica própria do Direito, está presente em
toda a norma jurídica, seja ela uma norma relacionada à organização e estruturação do
Estado, ou à regulação das relações sociais. Não é concebível uma norma jurídica sem
caráter imperativo, por ser elemento essencial da norma jurídica.23
A dualidade existente em uma norma jurídica (norma primária e
norma secundária) também pode ser encontrada em normas não jurídicas, tais como as
religiosas, as morais, as sociais, etc.24 Portanto, o que as diferencia é a força impositiva
existente nas normas jurídicas, capaz de criar um direito subjetivo, passível de ser
exigido como um dever jurídico. O elemento diferencial entre as normas jurídicas e as
não jurídicas está na imperatividade, característica das primeiras.
1.2 DIREITO SUBJETIVO E SEU DEVER JURÍDICO CORRESPONDENTE
O fato jurídico descrito em uma norma traz um direito subjetivo a seu
destinatário, demandando, em conseqüência, um dever jurídico, o qual, descumprido,
acarreta uma sanção. Esta é a estrutura de uma norma.
22 CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o direito. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. 4. ed., Belo Horizonte: Líder, 2005, p. 07. 23 DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 96. 24 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 65.
22
A relação jurídica, nascida da ocorrência da hipótese prescrita pela
norma, faz surgir dois fenômenos jurídicos: o direito subjetivo e o dever jurídico.
O direito subjetivo é a faculdade que tem o sujeito ativo da relação
jurídica de exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação prescrita pela
norma como conduta determinada.25
Da concretização da hipótese prevista na norma, nasce uma relação
jurídica capaz de atribuir direitos subjetivos e deveres jurídicos às pessoas de seus
destinatários. O sujeito ativo da relação jurídica é titular do direito subjetivo prescrito
pela norma, e o sujeito passivo é quem deve cumprir o dever jurídico descrito como
hipótese antecedente.
Dentro da estrutura de uma norma, o direito subjetivo é o antecedente
(hipótese) e o dever jurídico seu conseqüente (conseqüência), ambos ligados por meio
de uma relação jurídica. Em uma relação jurídica, o dever jurídico deve ser cumprido
por seu obrigado, e pode ser exigido pelo titular do direito subjetivo. Caso venha a ser
descumprido, acarreta uma antijuridicidade (hipótese), desencadeando uma sanção
(conseqüência).
A norma tem por finalidade disciplinar o comportamento humano.
Para tanto, cria direitos subjetivos e deveres jurídicos correlacionados perfeitamente,
formando uma relação jurídica.
A constituição de um direito subjetivo e de seu conseqüente dever
jurídico faz-se por meio da combinação harmoniosa de normas de natureza primária
com outras de natureza secundária.26
25 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 62. 26 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 64-65.
23
O direito subjetivo dá a seu titular a faculdade de exigir uma conduta
de outrem. Já o dever jurídico não deixa outra alternativa, senão o cumprimento desse
dever por seu destinatário.
Caso uma norma seja redigida de tal modo que a conseqüência da
ocorrência do fato jurídico possibilite a seu destinatário fazer ou deixar de fazer algo,
não será estabelecido um dever jurídico; portanto, tal norma não constituirá um direito
subjetivo passível de ser exigido por seu titular, não se instalando nela uma relação
jurídica.27
Para a constituição de uma relação jurídica voltada à criação de um
direito subjetivo e seu conseqüente dever jurídico, é necessário a configuração de uma
obrigação, um dever, a imposição de uma conduta a ser seguida por seu destinatário.
1.3. NORMA CONSTITUCIONAL COMO ESPÉCIE DE NORMA JURÍDICA
A norma jurídica constitucional possui a mesma estrutura sintática da
norma jurídica geral. Ambas apresentam em sua estrutura normas primárias e normas
secundárias, possibilitando a materialização de um direito subjetivo e seu conseqüente
dever jurídico.
Como espécie de norma jurídica, as constitucionais apresentam textos
com mecanismos de imposição de conduta por meio de atos coativos e aplicação de
sanções para os casos de desrespeito de suas prescrições.
A força ativa — característica das normas jurídicas — é observada nas
normas constitucionais quando impõe uma conduta a ser seguida, ou mesmo quando
direciona o legislador para a construção de um sistema de normas infraconstitucional.
27 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002,, p. 71-72.
24
As normas constitucionais são normas jurídicas por imporem as suas
prescrições de forma coativa. São normas jurídicas, pois possuem base para a
constituição de uma relação jurídica advinda de um fato jurídico hipotético.
A composição do ordenamento constitucional é feita por meio de
normas jurídicas, normas fundamentais de organização do Estado e da vida jurídica de
um país.28 São dotadas de poder impositivo, capaz de dirigir a conduta do Estado e da
sociedade, por meio de atos coativos, para atingir um determinado fim. As normas
constitucionais, assim como as jurídicas, possuem, para o caso de descumprimento de
suas prescrições, um mecanismo de sanção.
Na estrutura interna de cada uma das normas constitucionais é
possível verificar a existência de um fato jurídico e uma relação jurídica (norma
primária), a qual, desrespeitada acarreta uma antijuridicidade e sanção (norma
secundária). O fato jurídico reúne as atribuições de produção de uma norma inaugural
infraconstitucional — geradora de direitos e deveres — por parte do órgão do
legislativo. Assim, na relação jurídica vinculada a esta hipótese, ter-se-ia em um pólo o
legislativo e, no outro, os cidadãos, ambos com direitos e deveres.
O direito do legislativo está na produção de normas
infraconstitucionais; e seu dever, em produzi-las em conformidade com a Constituição.
Já para o cidadão, o dever está em cumprir as prescrições trazidas pela norma
infraconstitucional, e seu direito, na necessidade de que elas estejam de acordo com a
Constituição.
A partir do texto constitucional, é possível construir uma norma
composta por um direito subjetivo do cidadão e por um dever jurídico por parte do
28 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 29.
25
Poder Público. Nesta linha de estrutura, é possível verificar nas normas jurídicas a
prevalência de prescrições, as quais, se descumpridas, poderão acarretar sanções.
Como uma verdadeira norma jurídica, as constitucionais contêm um
mandamento, uma ordem, uma prescrição com poder impositivo, podendo ser buscada
sua aplicação junto ao Poder Judiciário, fato não verificado nas proposições de outras
espécies. Diante deste direito subjetivo, a sua inobservância por parte do Poder Público
pode deflagrar um processo de aplicação de mecanismos próprios de coação e sanção,
aptos a garantir sua imperatividade. 29
A estrutura organizacional de uma norma jurídica é formada por
prescrições que ditam comandos a serem cumpridos por seu destinatário e, caso
descumpridos ela possui meios de coação e sanção capazes de dar efetividade a suas
determinações.
Por paradoxal que possa parecer a afirmação seguinte, o texto
constitucional, fixado através de símbolos gráficos, não é decisivo. A norma não é o
texto, a norma é a interpretação do texto, e tal interpretação deve levar em conta os
valores eleitos pela sociedade. Veja-se, a respeito, o alerta de Lenio Luiz Streck :
“[...] O texto não existe em si mesmo. O texto como texto é inacessível, e isto é incontornável. O texto não segura, por si mesmo, a interpretação que lhe será dada. Do texto sairá, sempre, uma norma. A norma será sempre o produto da interpretação do texto.”30
Interpretar a Constituição, segundo este autor, pode não trazer o seu
verdadeiro sentido. Por tal motivo, a interpretação necessita de um relacionamento entre
a estrutura da norma e seus símbolos gramaticais, para se atingir a verdadeira finalidade
da Constituição. A efetividade da Constituição somente é atingida quando, do texto
constitucional, a interpretação, como uma luz sobre o caos, ilumina a norma.
29 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidade da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 78 30 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 310.
26
[...] a norma é sempre o produto da interpretação de um texto e que a norma não está contida no texto. Mas isto não significa que haja uma separação (ou ‘interpretação’) entre ambos (texto e norma). Com efeito – e permito-me insistir neste ponto –, do mesmo como não há equivalência entre texto e norma e entre vigência e validade, estes não subsistem separados um do outro, em face do que se denomina na fenomenologia hermenêutica de diferença ontológica. Na verdade, o texto não subsiste como texto; não há texto isolado da norma! O texto já aparece na ‘sua’ norma, produto da atribuição de sentido do intérprete, sendo que, para isto, como será demonstrado em seguida, não existe um processo de discricionariedade do intérprete, uma vez que a atribuição de sentido ex-surgirá de sua situação hermenêutica, da tradição em que está inserido, enfim, a partir de seus pré-juízos.31 (grifo do autor)
O texto de uma norma constitucional contém um sentido, um valor
pré-determinado, capaz de ser positivado diante da imperatividade presente nas normas
jurídicas, e isto o diferencia de qualquer outro escrito não jurídico. É possível extrair, do
texto constitucional, o direito subjetivo e os deveres jurídicos passíveis de serem
exigidos por seu titular. Portanto, são verdadeiras normas jurídicas e, como tal devem
ser tratadas.
A observação dos preceitos normativos de uma Constituição serve
como base para alcançar as finalidades de um Estado de Direito.
A Constituição, assim, é formada de normas jurídicas com força ativa
e poder de imposição de suas prescrições por meio de atos coativos e sanções,
objetivando atingir finalidades comuns, isto é, a positivação dos valores eleitos pela
sociedade como bens fundamentais.
1.4 ESTRUTURA NORMATIVA DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL.
Como dito anteriormente, o ordenamento jurídico é um sistema de
normas dispostas em uma seqüência hierárquica, onde aquelas de natureza inferior
somente terão validade quando estiverem em harmonia com as superiores.
31 MÜLLER, Friedrich,1999, apud STRECK, STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 311-312.
27
Esta distribuição escalonada forma uma pirâmide jurídica, existindo
em seu cume as normas constitucionais, saindo daí outras normas de hierarquia inferior,
até se chegar às normas criadas por particulares.32
A validade das normas inferiores estará sempre vinculada à sua
harmonia com aquelas situadas em órbitas hierarquicamente superiores. Caso esta regra
não venha a ser respeitada, a validade de tais normas, dentro do ordenamento jurídico,
estará comprometida.33 Qualquer forma de norma que venha a desrespeitar a hierarquia
estrutural do ordenamento jurídico, não poderá constituir efeitos jurídicos válidos, por
estar criando regras fora da pirâmide jurídica.34 As normas de hierarquia menor buscam
nas superiores os valores fundamentais para sua validade.35
Dentro do ordenamento jurídico existem outros sistemas normativos
menores, sendo um destes, o constitucional.
A Constituição assim é um [...] sistema de proposições normativas,
integrante de outro sistema de amplitude global que é o ordenamento jurídico vigente
[...]36.Como um sistema normativo, ela é formada tanto por normas de estrutura como
por normas de comportamento, e se dividem entre princípios e regras constitucionais.
Como sistema, a Constituição compõe-se de um conjunto de normas de
estrutura e organização de um Estado. É considerada, também, um sistema aberto,
devido à sua capacidade de absorção das realidades sociais vigentes em cada época,
capazes de promover a sua evolução. Canotilho elenca, de modo bastante claro, as
características constitucionais:
32 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 27. 33 Ibidem, p. 28. 34 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 28. 35 KELSEN, Hans, 1993, apud PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 55. 36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva: 2004, p. 141-142.
28
[...] o sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um sistema normativo aberto de regras e princípios. Este ponto de partida carece de descodificação: (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto (Caliess), traduzido na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema e regras e princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.37 ( grifos do autor)
Mesmo formando o ordenamento constitucional, os princípios e as
regras não são equivalentes, pois se alojam em patamares diferentes dentro do sistema
constitucional.
1.4.1 Distinção entre os princípios e as regras constitucionais
Os princípios e as regras não ocupam o mesmo grau de importância
dentro de uma Constituição. Os princípios, diante do nível axiológico que carregam,
estão em um grau diferenciado em relação às regras.
Por serem o alicerce, a base, as normas elementares de um
ordenamento jurídico, os princípios revelam um conjunto de preceitos axiológicos
maior que o das regras. Os comandos neles contidos servem para direcionar as condutas
sociais.
Vários autores, entre os quais Alexy38, Canotilho39, Mello40,
Carraza41, Bonavides42 e Grau43 desenvolvem a idéia de princípio como sendo o ponto
fundamental para a construção de um ordenamento constitucional.
37 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1145. 38 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997. 39 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002
29
Nas palavras de Karl Larenz44, os princípios representam um papel de
grande relevância para o ordenamento jurídico, por estabelecerem comandos
fundamentais auxiliadores dos intérpretes na aplicação de outras normas. Eles não
possuem capacidade de aplicação direta, pois ainda lhes falta o caráter formal de
proposição jurídica. Outra característica dos princípios é o seu caráter normativo, pois
direcionam as condutas a serem seguidas, porém sem força coativa direta. São dotados
de comandos imperativos, com menor intensidade em relação ao das regras, mas são
capazes de impor suas prescrições.
Um critério distintivo dos princípios em relação às regras também é a
função de fundamento normativo para a tomada de decisão, sendo essa qualidade
decorrente do modo hipotético de formulação da prescrição normativa.45 Eles, ao
contrário das regras, possuem um conteúdo axiológico explícito, mas, para a positivação
de tais valores, necessitam das regras.
Utilizando pensamentos de autores como Esser, Larenz, Canaris,
Dworkin e Axexy, Humberto Ávila pontua quatro aspectos para distinção entre
princípios e regras.
O primeiro é o critério do caráter hipotético-condicional, segundo o
qual as regras possuem uma hipótese e uma conseqüência direcionadas a uma decisão,
enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo legislador e
40 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002 41 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003 42 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004 43 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 9. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004 44 LARENZ, Karl. 1991. p. 23. apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 27 45 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 30.
30
aplicador do Direito para futuramente encontrar um comando normativo para o caso
concreto.46
Um segundo ponto abordado pelo autor é o critério do modo final de
aplicação. A distinção está no fato de que as regras são aplicadas de modo absoluto, e
os princípios, de uma forma mais gradual.47
Ávila aponta, em terceiro lugar, o relacionamento normativo, e a
distinção aqui se faz no sentido de que o critério de resolução dos conflitos entre regras
contrárias está na invalidação de uma delas, enquanto que, no caso de antinomia entre
princípios, a resolução se dá através da ponderação de valores existentes em cada um
deles.48
O quarto e ultimo critério é o fundamento axiológico, o qual considera
que os princípios são dotados de uma carga de valores maior do que o das regras; por tal
motivo, eles são considerados como fundamentos axiológicos para as decisões a serem
tomadas.49
Os princípios exercem uma superioridade sobre as regras, já que elas
necessitam, para serem positivadas, dos fundamentos neles contidos. Os princípios são,
assim, a base para a construção de um ordenamento jurídico, pois as normas de
hierarquia inferior, bem como as regras constitucionais, buscam neles o fundamento
para a sua composição.
Por serem dotados de uma abstração maior em relação às regras, os
princípios necessitam de uma argumentação mais intensa para precisar seu sentido e,
principalmente, para a solução de problemas propostos em cada caso, dando uma
46 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 30. 47 Ibidem, p.31. 48 ÁVILA, loco citato.. 49 ÁVILA, loco citato.
31
margem maior de entendimento, ao passo que as regras apenas são aplicadas aos casos
de acordo com suas prescrições.50
Os princípios são capazes de coexistirem independentemente de
prescreverem valores idênticos ou não. Em contrapartida, regras, quando divergentes,
excluem-se. Quando os valores componentes dos princípios entram em choque, há um
certo balanceamento para a resolução do conflito. São ponderados os valores em
conflitos e outros mais que possam relacionar-se, para aí então se chegar a uma
conclusão. As regras, por sua vez, não deixam espaço para qualquer outra solução. Se
houver regras conflitantes, necessariamente uma anulará a outra.
[...] em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto [sic] de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias.51 (grifos do autor).
Pode-se analisar os princípios exaltando os valores por eles
protegidos, sem, contudo, examinar os mecanismos necessários para a positivação
destes mesmos valores. Por tal motivo, sobressaem os princípios como verdadeiros
alicerces de um ordenamento jurídico.
Celso Antonio Bandeira de Mello conceitua assim princípio:
[...] por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.52
Para Geraldo Ataliba, princípios são:
50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1147. 51 Loc.cit. 52 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 807.
32
[...] as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.53
O que se pode extrair dos autores anteriormente citados, é que a idéia
de princípio está necessariamente relacionada com a idéia de origem, de início de um
estudo ou de alguma coisa. Para a ciência do direito, o estudo dos princípios guarda
especial importância, na medida em que eles figuram em todos os micro-sistemas
jurídicos.
Por serem os alicerces do ordenamento, os princípios se encontram no
topo da estrutura normativa, seguidos de perto pelas regras. As normas jurídicas são
proposições lógico-jurídicas capazes de prescrever condutas, permissões e poderes. Por
isso, elas prescrevem comandos reguladores das atividades do mundo real, do mundo do
ser. Os princípios, na mesma linha, prescrevem comandos direcionadores das atividades
do mundo do ser, estando presentes, como espécies de normas jurídicas, no mundo do
dever-ser. A inobservância dos comandos trazidos pelos princípios acarreta uma
antijuridicidade e, conseqüentemente, uma sanção.
Quando da positivação dos valores sociais por meio de princípios,
estes passam do mundo do ser para o mundo do dever-ser, adquirindo capacidade
coativa para impor certas condutas.
O Direito opera por meio de princípios ou regras, comandos a serem
seguidos. Neste ponto, os princípios aparecem com normas de estrutura e as regras
como normas de comportamento.
53 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 3ª tir. atualizado por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 34.
33
A partir do momento em que os princípios indicadores de valores
sociais passam a integrar a Constituição escrita, são capazes de realizar as prescrições
valorativas neles contidos por meio de sua força-ativa. Nesse sentido, ressalte-se o
posicionamento de Robert Alexy,54 para quem o princípio é uma espécie do gênero
norma, justamente por conter em sua essência uma certa força-ativa para impor suas
prescrições.
As regras são espécies normativas capazes de prescrever uma
obrigação, uma permissão ou até mesmo uma proibição mediante um comando a ser
seguido, uma conduta a ser realizada. Com relação aos princípios, esta forma de
prescrição não ocorre, posto apenas estabelecerem diretrizes a serem seguidas para
atingir uma determinada finalidade.
[...]Com efeito, os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido (state of affairs, Idealzustand), em virtude do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar tal estado de coisas.55
Os princípios dependem de outras normas para a positivação de suas
prescrições. Estabelecem uma forma de necessidade prática, na qual é prescrito um
estado ideal de coisas a serem realizadas somente se um determinado comando for
adotado e, isso, torna-os dependentes das regras. 56
As regras são verdadeiras normas mediatamente finalísticas. Normas
com finalidades pré-determinadas, para cuja concretização estão estabelecidos
mecanismos e condutas a serem seguidos. Em função desta pré-determinação, as regras
são menos dependentes de outras regras para a positivação de suas prescrições. Isso não
quer dizer que não necessitem de outras normas para a positivação de suas prescrições,
54 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p.21-40. 55 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 63-64. 56 Ibidem, p. 64.
34
mas apenas que possuem uma independência maior em relação aos princípios.57
Portanto, são verdadeiras normas cogentes.
Construir um sistema normativo exclusivamente composto por regras
nos levaria a um ordenamento de limitada racionalidade prática, por não deixar espaço
para a liberalidade e balanceamento entra os diversos valores componentes de um
ordenamento jurídico. Para evitar conflitos entre as regras, seria necessário uma
legislação exaustivamente completa, uma legislação capaz de fixar todos os pontos
divergentes passíveis de acarretar problemas de interpretação.
Por outro lado, construir um sistema formado exclusivamente por
princípios acarretaria um ordenamento sem muita precisão, vago, sem uma delimitação
precisa das condutas necessárias e aceitáveis. A imprecisão acabaria por acarretar uma
desordem nas relações sociais.
Por tal motivo, consoante o entendimento de Canotilho58, é necessário
que uma Constituição seja formada por princípios e regras, para que exista uma
harmonia no sistema.
1.4.2 Princípios e valores jurídicos componentes do ordenamento constitucional
Os valores extraídos do mundo do ser estão presentes na construção
das normas jurídicas. As normas jurídicas estão impregnadas por este componente
axiológico, seja com maior ou menor intensidade, a depender de sua graduação dentro
do ordenamento jurídico.
57 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 64. 58 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1148.
35
Existem enunciados normativos que possuem uma carga maior de
valor, como é o caso dos princípios. Por este motivo, como já visto, os princípios
acabam exercendo influência na construção das normas de nível inferior, projetando-se
também nas condutas a serem adotadas nas relações jurídicas.
Tanto os princípios quanto os valores exercem uma influência
marcante na condução das relações sociais, porém ambos não se confundem. Os
princípios possuem característica de norma jurídica de posição hierárquica privilegiada
e são capazes de promover limites objetivos. Os valores compõem a formação tanto das
normas de estrutura quanto das normas de comportamento, mas são considerados
independentemente da estrutura da norma.59 A fim de se tornar objetiva, a expressão dos
fundamentos dos valores requer objetos da experiência social, mas os valores não se
esgotam diante destes objetos.
[...] Ainda que o belo esteja presente numa obra de arte, sobrará esse valor estético para muitos outros objetos do mundo. Essa transcendência é própria às estimativas, de tal modo que o objeto em que o valor se manifesta não consegue contê-lo, aprisioná-lo, evitando sua expansão para os múltiplos setores da vida social.60
Já os princípios, por traçarem limites objetivos, demandam uma
menor complexidade na construção do seu sentido. O princípio da igualdade prescrito
pelo Art. 5º da Constituição Federal, de 1988, é um destes limites objetivos. A
compreensão de tal princípio é mais facilitada que a do valor igualdade.
Exemplificando: para reconhecer a observância às prescrições do princípio, basta
analisar o instrumento que introduziu norma no ordenamento jurídico e verificar se há
um tratamento igualitário a todos os destinatários da nova lei. Entretanto, para
compreensão do valor igualdade, é necessário maior abstração. Ressalte-se, ainda, que o
conteúdo do valor não se esgota diante da lei.
59 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 144. 60 Ibidem, p. 145.
36
Um outro aspecto que ajuda a diferenciar princípios e valores está na
constatação de que a violação das prescrições trazidas pelos princípios se torna mais
visível, ao passo que os valores não teriam a mesma absorção em uma relação jurídica.
Os valores sempre serão os mesmos. São construídos com a evolução
do processo histórico vivenciado por uma sociedade.61 Os princípios que neles se
fundamentam dependerão da maneira como os valores serão percebidos.62
Todo valor denota um desvalor. São captados de um mundo ideal e
vivenciados no mundo real.63 Para serem realizados, necessitam passar do mundo ideal
para o mundo real. O elo de ligação entre esses dois mundos se dá no momento em que
a esfera ideal penetra na esfera real, o que permite a sua construção.
Cada sociedade busca seus valores de maior importância e, para que
eles possam ser realizados e preservados, faz-se necessário o Direito. Uma vez
selecionados, os valores passam por um processo de positivação, para que possam fazer
parte integrante das normas, servindo de fundamento para a concretização de seus
objetivos. Os valores, diante deste processo de positivação, passam ao nível de valores
jurídicos,64 passíveis de, por intermédio das normas, exigirem condutas e
comportamentos para se atingir determinado fim.
O Direito é o instrumento para realizar os valores selecionados,
através de coação — para a imposição de determinada conduta — e de sanção —
quando da ocorrência de desvalores. Para tanto, há as prescrições jurídicas, ora
61 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 145. 62 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direto: uma crítica à verdade na ética e na ciência. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 170. 63 Ibidem, p. 173-174. 64 HARTMAM, Nicolai, 1949, p. 55-69, apud ADEODATO, opus citatum, p. 157-158.
37
indicando à sociedade e ao Estado as diretrizes para a positivação dos valores jurídicos,
ora indicando a conduta que possibilita a sua realização.65
Estes valores podem ser encontrados tanto em termos abstratos, como
na construção de modelos jurídicos de Estado e de Governo, os quais, expressa ou
implicitamente, possibilitarão a realização dos mesmos. Registrados em nível
constitucional, através de atos políticos, eles se alojam em posição privilegiada,
aguardando um processo de positivação para que possam realizar seus fins.66
Os valores jurídicos serão absorvidos das prescrições textualizadas
nos princípios e regras constitucionais. Os princípios estão textualizados expressamente,
ao passo que os valores devem ser absorvidos dos enunciados.
65 BASSOLI, Marlene Kempfer. Positivação de valores constitucionais. ARGUMENTUM – Revista de Direito , Marília, SP, Universidade de Marília (Unimar), v. 4, 2004, p. 166. 66 BASSOLI, Marlene Kempfer. Positivação de valores constitucionais. ARGUMENTUM – Revista de Direito. Marília, SP, Universidade de Marília (Unimar), v. 4, 2004, p. 167.
38
2. MODELOS DE ESTADO E DE GOVERNO ADOTADOS PELO BRASIL QUE POSSIBILITAM A POSITIVAÇÃO DE VALORES
O ato de elaboração de uma Constituição é responsabilidade do Poder
Constituinte Originário. É originário, pois inaugura um sistema normativo
(ordenamento constitucional), revogando a Constituição anterior e as normas
infraconstitucionais que com a nova ordem não se compatibilizam.
Por meio do Poder Constituinte Originário é inaugurada uma nova
estrutura jurídica a ser seguida pelo Estado e sua sociedade. Tal poder possui natureza
política com atributo de criar um diploma jurídico, a Constituição de um Estado.
No caso do Brasil, que adota a forma de governo republicana, o Poder
Constituinte é executado por representantes do povo, eleitos para o exercício de um
cargo político por um determinado período de tempo.
Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição que
atualmente é vivenciada no Brasil. Nela ficaram estabelecidas tanto a forma de Governo
quanto a de Estado, a serem adotadas e respeitadas por todos. Assim, conforme
prescrito pelo Art. 1º da Constituição e valorado em seu preâmbulo, foram adotados,
como modelo de Governo, a República e, como modelo de Estado, o Democrático.
Modo de expressar o exercício do Estado, num sentido político, para a
consecução de suas finalidades, as formas de governo são responsáveis também por
descreverem as situações jurídicas e sociais dos indivíduos em relação àquele; para isso,
necessitam de uma estrutura para embasar seus atos, a qual é conseguida com a forma
de Estado adotada.
As formas de Estado e de Governo, por serem responsáveis pela
regulação de todas as condutas de uma Nação, possuem reflexos em todas as relações
39
jurídicas e sociais. O ordenamento econômico possui seus modelos econômicos, e estes
são influenciados pelas formas de Estado e de Governo adotados pela Constituição.
2.1 REPÚBLICA E O GOVERNO REPUBLICANO
Contrariando os preceitos característicos da Monarquia —
Vitaliciedade, Hereditariedade e Irresponsabilidade —, a República surge como uma
forma de governo na qual os interesses coletivos devem imperar para a configuração de
um Estado igualitário.
Seu próprio nome já traz a idéia com que foi criada. República vem
res (coisa) publica (comum): coisa comum a todos. Governo de idéias comuns a todos.
A República vem para concretizar as aspirações democráticas de
governo por meio da participação popular. Traz ainda a idéia de limites ao poder do
Estado, garantindo a liberdade de todos.
Os elementos característicos da República contrapõem-se aos da
Monarquia, visto que o poder é exercido de forma temporária, eletiva e com
responsabilidade de seus governantes.67 Estes são os princípios que regem a filosofia
republicana.
A idéia de um governante com mandato fixo, eleito pelo povo para o
exercício de uma função política por um determinado período de tempo, preenche os
anseios de um Estado republicano, no qual o Poder deve ser exercido em nome do povo.
Um governo republicano prescreve aos exercentes de funções públicas
o dever de executar suas atribuições, como guardiões da coisa pública. Fundada no ideal
67 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora., 2004, p. 167.
40
de igualdade, na República os detentores do poder político o exercem em caráter
eletivo, transitório e com responsabilidade68, ao contrário da Monarquia.
A igualdade é ainda mais presente quando concretizado o terceiro
princípio republicano: a responsabilidade de seus governantes. Se todos são iguais
perante a lei, assim devem ser tratados, inclusive aqueles que exercem as funções
políticas.
A república surge como uma expressão democrática de governo
limitando o poder dos governantes e atribuindo-lhes responsabilidade, podendo, assim,
assegurar a todos a liberdade individual.69 Conclui-se que a república é uma forma de
governo na qual a chefia do Estado é exercida por uma pessoa — eleita pelo povo para
o desempenho de atribuições periódicas70 — que responde por seus atos, quando
praticados em descompasso com a legislação vigente.
Ao adotar o modelo de governo republicano, o Brasil é gerido,
portanto, por seus princípios e valores, como expressos na Constituição:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.71
Os princípios republicanos produzem reflexos em todos os
subsistemas do ordenamento constitucional. A Igualdade, em conjunto com os
princípios republicanos, dentro do sistema econômico constitucional, garante a todas as
68 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 48. 69 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 229. 70 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. rev. atual. por José Lindoso. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 215. 71 Constituição Federal brasileira disponível em http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em 01.04.2006
41
empresas a prática de suas atividades livres da intervenção estatal, mas também
assevera que nesta atuação deverá ser garantida condição de igualdade entre todos os
agentes, mesmo que para isso haja a necessidade de intervenção do Estado.
Numa república não é admitida a distinção entre pessoas, seja física
ou jurídica. Não se pode aceitar em uma república qualquer tipo de distinção para a
aplicação do direito. Todos são iguais e possuem os mesmos direitos e deveres perante
a lei.
A igualdade teve sua primeira positivação com a Carta Imperial de
1824, ao lado do princípio da legalidade, em seu inciso XIII, Art. 179: “A Lei será igual
para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos
de cada um”.72
O valor igualdade foi positivado no texto constitucional de 1988,
ficando à espera de sua realização. Incluído na Constituição, alcança o nível de norma
jurídica constitucional, na qual outras normas buscam fundamento para sua validade.
O Estado brasileiro teve sua formação estruturada com a Constituição
Federal. Assim, ao se analisar o teor da igualdade, deve-se começar pelo próprio texto
constitucional.
O preâmbulo da Constituição é o fundamento valorativo para a
formação do Estado brasileiro. Lá estão elencados inúmeros valores eleitos pela
sociedade para serem positivados pelas entidades competentes. A igualdade faz sua
primeira aparição neste que é o texto inaugural da Constituição: “[...] instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade[...].”73
72 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003, p. 11. 73 Preâmbulo da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. BRASIL. São Paulo: Saraiva, 2006.
42
Como se pode ver, a vontade da sociedade brasileira, seus anseios,
suas regras sociais, são expostos e positivados logo no texto inaugural da lei
fundamental, aí também se encontrando a igualdade.
Nos incisos III e IV do Art. 3º, a igualdade apresenta-se de uma forma
camuflada, voltando novamente a ser expressa sua prescrição no inciso V do Art. 4º.
A igualdade, prosseguindo em seu caminho, abre o capítulo destinado
aos direitos e deveres individuais e coletivos. O legislador constituinte quis dar à
igualdade, da mesma forma que o fez no preâmbulo, um papel de destaque. Por tal
motivo, colocou-a no caput do Art. 5ª, prescrevendo ser assegurado a todos o direito à
igualdade.
Fundamento da Constituição, derivado dos valores republicanos, a
igualdade firmou-se no direito constitucional moderno como direito público subjetivo a
um tratamento igualitário de todos os cidadãos pelo Estado.74
A igualdade é uma das preocupações da Constituição para a garantia
da sobrevivência da República instaurada no Brasil.
As atuações do Estado, em um sistema econômico, devem preservar
e realizar o valor igualdade, por ser ela, ao lado da liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento e justiça, fundamento do Estado brasileiro.
2.2 DEMOCRACIA E ESTADO DEMOCRÁTICO
A democracia surge como forma de se estruturar o Estado, voltada à
prevalência de um governo do povo em contraposição ao governo absolutista de um
74 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 3ª tir. atual. por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 159.
43
homem só. O seu significado valorativo funda-se no fato de ser o governo do povo
preferível ao governo de um ou de poucos. 75
Uma das chamadas regras do jogo democrático, segundo Norberto
Bobbio76, é que um Estado democrático deve inspirar-se na igualdade, de tal forma que
o poder político deva ser efetivamente exercido no sentido de ocasionar uma maior
distribuição entre os cidadãos.
São princípios fundamentais de um Estado democrático a supremacia
da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos. A vontade do
povo é representada por meio da participação popular no governo. No Brasil, a
participação popular é realizada por meio do sufrágio e do sistema eleitoral e partidário
prescritos pela Constituição de 1988.
A preservação da liberdade se dá pelo fato de as pessoas poderem
fazer tudo aquilo que não esteja proibido, podendo dispor de sua pessoa e de seus bens
sem qualquer interferência do Estado. 77
Já a igualdade traz como fundamento o tratamento eqüitativo de todos.
Mas o que seria igualdade? Tratar as pessoas como iguais? Dispensar
a todos o mesmo tratamento? Perguntas como estas fazem pensar se a igualdade deve
ser aplicada da mesma forma em todos os casos.
A Constituição Federal garante aos homens e mulheres o direito a um
tratamento igualitário. Entretanto, independente do sexo que têm, homens e mulheres
não são iguais em todos os aspectos.
75 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 31. 76 Ibidem, 2005, p. 38. 77 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 151.
44
A igualdade não tem como fundamento igualar as pessoas diante da
norma legal. Simplesmente prescreve comandos para que não sejam criadas leis em
desconformidade com o valor isonômico, evitando a promoção de desigualdades.
As pessoas não são iguais umas às outras.78 A formação de valores de
uma pessoa é diferente da de outra. Dentro de uma família, filhos criados sob os
mesmos valores se desenvolvem de forma diferente. Portanto, não se pode, por meio de
uma lei, nivelar as pessoas. Não é este o teor da igualdade.
Antes de ser um princípio, a igualdade é valor, elemento essência de
uma República voltada para a prevalência de um Estado Democrático de Direito. O
pensamento em torno da democracia traz a idéia de liberdade combinada com a de
igualdade.79
A função da igualdade é defender as pessoas contra qualquer fator
destinado a promover elementos ilegais de desigualdade. Ao criar a lei, o legislador
deve se ater a estes preceitos para evitar injustiças.
A norma jurídica deve ser apresentada à sociedade não como
instrumento promotor de privilégios ou perseguições. Pelo contrário, para garantir o
equilíbrio de toda a sociedade, deve dispor de comandos garantidores de um tratamento
eqüitativo para todos os cidadãos. Este, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello80
seria o conteúdo “político-ideológico” contido na igualdade e positivado por meio dos
enunciados constitucionais.
A proposta da igualdade não seria a de nivelar as pessoas diante de
uma norma legal, mas a de garantir a todos o direito a um tratamento que aproxime as
condições das pessoas, promovendo a realização de valores jurídicos.
78 KELSEN, Hans. A democracia. trad. Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 221. 79 Ibidem, p. 220. 80 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 10.
45
A igualdade consiste em conceder um tratamento igualitário ao iguais
e desigual aos desiguais. O caminho para se atingir, por meio da igualdade, a harmonia
social, não é o nivelamento dos cidadãos. Tratar pessoas diferentes nos mesmos termos
não concede dá, aos mais fracos, condições para se desenvolverem.
A igualdade é um direito destinado a assistir todas as pessoas. Desta
forma, as empresas, como pessoas jurídicas, também são beneficiadas por seu campo de
atuação.81
Nas palavras de Hans Kelsen, citadas por Celso Antônio Bandeira de
Mello, é possível extrair com clareza a essência de não ser a igualdade um simples
instrumento nivelador de pessoas.
[...] A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.82
A estruturação normativa de um Estado democrático deve preservar e
realizar a igualdade, não como meio de nivelar as pessoas, mas sim positivando valores
e prescrevendo comandos capazes de assegurar a eqüidade de condições.
2.2.1 Critérios para identificação do desrespeito à isonomia
Para conseguir entender a igualdade como meio de promoção de
eqüidade, e não como instrumento de nivelamento das pessoas, alguns elementos devem
ser observados.
81 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Batista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 192. 82 KELSEN, Hans apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 11. nota.
46
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Conteúdo Jurídico do
Princípio da Igualdade83, um pequeno livro no seu tamanho, mas gigante em seu
conteúdo, divide a igualdade sobre dois aspectos.
O primeiro diz respeito aos fatores de desigualdade.
Idealizar uma norma promotora de desigualdades, que concretize um
benefício a determinada pessoa, é um meio de provocar uma situação de ofensa à
isonomia. Exemplificando: uma lei que conceda determinado benefício tributário a
apenas aquelas empresas fabricantes de balas situados em uma determinada região do
município, quebra com os paradigmas da essência constitucional. A legislação tributária
garante a todos os contribuintes enquadrados dentro do universo de uma mesma
hipótese de incidência, o direito de receberem um tratamento igualitário.84 Tal fato de
discriminação é capaz de romper com os preceitos de uma República-democrática que
prescreve a igualdade como seu elemento essencial. Singularizar uma situação,
objetivando atingir uma pessoa, ou mesmo um número reduzido de pessoas, vicia a
igualdade, como nos exemplifica Luciano Amaro:
[...] Figure-se grotesca norma que concedesse benefício ao Presidente da República empossado com tantos anos de idade, portador de tal título universitário, agraciado com as comendas tais e quais e que ao longo de sua trajetória política houvesse exercido os cargos X e Y. Nela se demonstraria uma finalidade singularizadora absoluta; viciosa, portanto.85
Esta configuração prescritiva capaz de viciar a igualdade se torna
legítima — mesmo atingindo apenas uma pessoa — caso estabeleça elementos a serem
preenchidos, sem que se possa identificar previamente seu beneficiário86 ou, em outras
palavras, caso atinja sujeitos indeterminados. É o caso das regras componentes de um
83 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. 84 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 133. 85 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 25. 86 Ibidem, p. 25-26.
47
concurso. Ao atingir um certo número de pontos, terá o candidato o direito de ingressar
no cargo público referente a tal concurso público.
Olhando para tal prescrição, pode-se ter, erroneamente, a idéia de
ofensa à igualdade, posto deferir tratamento diferenciado a apenas aqueles capazes de
atingir um determinado objetivo. Mas, pelo contrário, não o é, justamente por não
identificar previamente um sujeito.
Concluindo, para ser isonômica, a norma não poderá oferecer meios
para a identificação prévia ou para a individualização antecipada de um sujeito.
Não é permitido à norma estabelecer critérios capazes de, por meios
diferençáveis, criar traços e aspectos de desigualdade, identificando um sujeito
previamente, para apenas ele ser atingido por sua prescrição. Como observado, o que
distingue desigualdade de igualdade, neste aspecto, é a questão da identificação prévia
do sujeito a ser atingido pela norma.
Para a prevalência dos efeitos da isonomia, devem ser tratadas
igualmente as pessoas encontradas em situações iguais; e desigualmente, as desiguais.
Não é admissível o estabelecimento de critérios de desigualdade que não guardem
relação com o próprio sujeito.
Um outro ponto de distinção entre a discriminação legal e aquela
promovida de forma a ofender a igualdade, reside na motivação dos critérios de
discrímen na adoção das normas.
Por sua própria natureza, as pessoas possuem elementos
diferenciadores. Por tal motivo, não é nivelando-as, por meio de uma norma, que se
atinge o fundamento essencial para se realizar a igualdade, mas sim, dando-lhes
condições igualitárias para que atinjam a eqüidade.
48
Em vários momentos é possível deparar-se com casos de desigualdade
legal. Num processo licitatório para compra de carne, por exemplo, somente é possível
a participação de empresas que tenham como finalidade comercial a venda de carnes.
As demais poderiam até pleitear a ofensa ao princípio da igualdade. Porém, o critério
utilizado promove uma desigualdade legal, justamente pelo fato de desferir um
tratamento igualitário aos iguais, e desigual, aos diferentes.
Em casos como este, deve ser analisado se o critério discriminatório
utilizado possui uma justificativa racional para a prescrição do tratamento jurídico
construído em função da desigualdade afirmada.87 Não guardando uma relação lógica
entre o critério de discrimen e sua justificativa, a conseqüência não será outra senão a
ofensa à igualdade.
No capítulo destinado à ordem econômica da atual Constituição
Federal, estes critérios são verificados nas prescrições dos Art.179, Art. 170, IX e Art.
146, d, as quais determinam ao Estado o dever de tratar de forma diferenciada as
microempresas e empresas de pequeno porte, pelo fato de possuírem elas elementos de
desigualdade estrutural capazes de prejudicá-las na concorrência direta com as grandes
empresas.
2.2.2 A convivência entre a liberdade e a igualdade
O sistema constitucional brasileiro possibilita a convivência
harmônica de todos os princípios democráticos.
Mesmo possuindo fundamentos antitéticos, pelo fato de um não
conseguir exercer a plenitude de seus fundamentos sem anular os do outro, a liberdade e
87 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 38.
49
a igualdade convivem harmonicamente graças aos mecanismos constitucionais que
possibilitam a realização de seus valores.
A liberdade não pode ser exercida sem anular a igualdade e, como
conseqüência, a igualdade não pode ser construída sem limitar a liberdade. Uma
sociedade liberal em sua plenitude é inevitavelmente desigual, assim como uma
sociedade igualitária é inevitavelmente não-liberal.88
Por tal motivo, os enunciados constitucionais possibilitam a utilização
de mecanismos limitadores tanto da liberdade, quanto da igualdade, justamente para
proporcionar uma convivência harmônica entre ambos os princípios.
É possível verificar tal convivência também no sistema econômico
constitucional. O Art. 170 prescreve ser a liberdade para atuar no mercado econômico
um de seus fundamentos. Por tal motivo, as empresas têm o direito de exercerem
livremente suas atividade sem a interferência do Estado. Porém, esta liberdade não pode
ser encarada em sua plenitude, pelo fato de existirem outros valores a serem
preservados pela Constituição. Assim, qualquer atividade empresarial exercida de forma
a prejudicar igualdade de condições entre os agentes econômicos deve ser coibida pelo
Estado. Sintetizando, é livre o exercício empresarial, mas deve ser preservada a
igualdade de condições entre os agentes econômicos, como meio de garantir a
convivência entre estes dois princípios democráticos.
2.3 MODELOS ECONÔMICOS DE ESTADO E SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO
As relações econômicas tiveram seu surgimento na Idade Média com
o desenvolvimento do comércio.
88 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 39.
50
Naquela época, o trabalho era exercido de forma a não privilegiar o
desenvolvimento econômico. Toda a produção era destinada apenas a satisfazer as
necessidades dos senhores feudais e da nobreza, que exerciam seu “Poder” com a
utilização da forma.89
Com o passar do tempo, a configuração deste Estado de não direito90
— no sentido de estado que não privilegia os direitos e garantias individuais — deu
início a conflitos entre os mais fracos e a nobreza. Os servos buscavam a satisfação de
seus direitos, outrora ofendidos pelas classes dominantes.
Nesse cenário, surge a figura do comerciante de mercadorias. Pessoa
desvinculada da terra, que promovia a venda de mercadorias como meio de patrocinar
suas necessidades.91. Tal movimento, no início com apenas alguns comerciantes, tomou
proporções substanciais com o passar do tempo, a ponto de influenciar a mentalidade
européia, que abandona o Feudalismo e entra numa fase de desenvolvimento. Com isso,
o comércio — antes obra dos muçulmanos — transforma a Europa na maior rota
comercial entre Oriente e Ocidente.92
Com toda esta evolução do comércio, surgiu a necessidade de uma
organização societária que estruturasse tal atividade. Nasceram, então, as Sociedades
dos Mercadores, voltadas a gerenciar aquela nova forma de riqueza do homem.
No Feudalismo a terra era a maior riqueza humana, porém ela
beneficiava apenas o clero e a nobreza. O comércio deu oportunidade às pessoas de
enriquecerem, de se desenvolverem, fazendo surgir daí uma nova classe social, a classe
média, que se distinguia do clero e da nobreza, entre outras características, pelo seu
89 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. trad. Waltensir Dutra. 21ª ed. Rio de Janeiro: Koogan, 1986. p. 02-03. 90 CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o direito. Trad.:Hiltomar Martins Oliveira. 4. ed. Belo Horizonte: Líder, 2005, 91 HUBERMAN, opus citatum,. p. 16-20. 92 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. trad. Waltensir Dutra. 21ª ed. Rio de Janeiro: Koogan, 1986.,p. 22.
51
modo de vida e pela forma de angariar riqueza, pois conseguiam-na por meio do
trabalho desempenhado com a compra e a venda de mercadorias.93
Nesta linha de evolução das relações econômicas o capitalismo teve
seu nascimento, fundado nos ideais de liberdade de atuação no mercado econômico,
propondo uma substituição da ordem jurídica até então instaurada, para uma ordem
natural de auto-regulação do mercado.94
No início de sua formação, o capitalismo entendia ser o mercado um
mecanismo auto-regulável, do qual saíam naturalmente todas as normas que regiam as
relações econômicas.95 Assim, no capitalismo inicial, a economia adaptava-se, de certa
forma, ao Direito.96 As relações econômicas não possuíam uma regulamentação jurídica
própria. Utilizavam-se dos institutos gerais de direito para dirimir possíveis conflitos.
O capitalismo produzia uma ordem natural, da qual provinham todos
os preceitos necessários para gerir as atividades econômicas, sem que houvesse a
necessidade de uma ordem normativa específica.
Mas com a evolução das relações econômicas, a concentração de
capital passou a ser presente nas atividades empresariais, promovendo monopólios e
práticas desleais de concorrência.97
Após a Segunda Guerra Mundial, os ideais capitalistas de auto-
regulação do mercado passaram a perder força, surgindo pensamentos — que se
tornaram realidade — em torno de uma regulamentação própria das atividades
93 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. trad. Waltensir Dutra. 21ª ed. Rio de Janeiro: Koogan, 1986. p. 26-30. 94 MOREIRA, Vital, 1994, p.75, apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 413. 95 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.413. 96 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.74. 97 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 414.
52
econômicas.98 O resultado foi que a economia passou a ser regida por um sistema
normativo específico, que evitava a ocorrência de atos capazes de realizar desvalores.
As constituições passaram a trazer expressas normas de conteúdo
econômico para a regulação do mercado, positivando a idéia de uma Constituição
econômica formal.99 Não se tratava de uma constituição autônoma, mas sim um
conjunto de normas incluído na Lei Fundamental do Estado. No Brasil, a primeira
Constituição a trazer normas destinadas à regulação das atividades econômicas foi a de
1934.100
Contemporaneamente, a Constituição de 1988 traz um capítulo com
normas destinadas a regular as atividades econômicas, públicas e privadas. Um sistema
de normas jurídicas que positivam valores por meio de prescrições que conduzem a
atividade dos particulares e do próprio Estado no mercado econômico.
O fato de prescrever comandos normativos para a regulação do
mercado, não quer significar que a Constituição de 1988 acolha plenamente os ideais
socialistas. O ordenamento econômico brasileiro é construído sobre uma forma
econômica capitalista, privilegiando a apropriação dos bens de produção pela iniciativa
privada e a liberdade de iniciativa.101
A regulamentação do mercado por meio de uma Constituição
econômica vem apenas para evitar abusos capazes de prejudicar a realização dos valores
protegidos no texto constitucional, como é o caso da igualdade.
Além de privilegiar a liberdade nas relações empresariais, o sistema
econômico brasileiro prescreve as maneiras como o Estado deve atuar no mercado
98 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 74. 99 “compreende somente normas de conteúdo econômico incluídas no texto constitucional.” (TAVARES, 2003, p.80). 100 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 766. 101 Ibidem, , p. 766.
53
econômico. A intervenção do Estado junto às atividades econômicas é necessária para a
manutenção da ordem e a harmonia da convivência pacífica. A forma como esta
intervenção será realizada vai depender das finalidades e dos modelos econômicos de
Estado adotados em cada país, se Social ou Liberal, isto é, se em maior ou menor
escala.
Para o pensamento liberal, o Estado deve intervir o mínimo possível,
deixando que o próprio mercado se auto-regule, harmonizando as relações econômicas.
O Estado tem o papel apenas de criação e aplicação de instrumentos capazes de garantir
aos cidadãos a possibilidade de alcançarem livremente os seus propósitos. Formado na
Europa, a partir do século XVII, o Liberalismo revolucionário passou a ter força
também em outros países, pregando a livre iniciativa como ponto fundamental para o
setor econômico.102
Com relação ao Estado Social, sua participação intervencionista seria
maior. O Estado teria não só o dever de criar instrumentos garantidores da livre
competição, mas também subsidiar as necessidades dos mais fracos.
De uma forma ou de outra, o Estado, tanto sob a óptica social, quanto
liberal, tem um importante papel de interventor na ordem econômica.
O Brasil adota preceitos tanto de ordem social, quanto liberal, com
relação às atividades econômicas, buscando a efetivação de um Estado de Direito. Em
seu título VII, a Constituição prescreve princípios e regras a serem seguidos pelos
agentes econômicos (após a promulgação daquele documento), com o fito de garantir a
positivação dos valores eleitos pela sociedade como regentes do Estado brasileiro.
A livre concorrência e livre iniciativa, bem como a obrigação
destinada ao Estado para dispensar às microempresas e empresas de pequeno porte um
102 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 130.
54
tratamento fiscal diferenciado, são a base para a positivação da igualdade nas relações
econômicas.
2.3.1 Os fundamentos e as finalidades do ordenamento econômico brasileiro
A Constituição Federal de 1988, no capitulo destinado à ordem
econômica, estabeleceu quais seriam as finalidades e os fundamentos a serem buscados
por meio das atividades econômicas. Para tanto, textualizou valores através de
princípios e regras, prescrevendo comandos impositivos de condutas a serem seguidos
por todos aqueles vinculados às relações econômicas.
As atuações — tanto dos particulares como do Estado — no mercado
econômico devem ter por finalidade o desenvolvimento da própria nação. Porém, o
desenvolvimento não deve vir desatrelado dos fundamentos constitucionais relativos à
ordem econômica.
Analisando as prescrições do Art. 170, pode-se perceber a preocupação com este
não rompimento com as bases fundamentais de um Estado de Direito. Ao iniciar a
leitura do capítulo destinado à ordem econômica, é possível notar a prevalência dos
mesmos fundamentos e finalidades contidos no Art. 1º da Constituição Federal103, onde
estão os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil104. Esta repetição
não foi um descuido do legislador. Sendo essas as prescrições basilares de um estado
democrático de direito, as relações econômicas não poderiam deixar de observá-las.
Assim, os fundamentos da ordem econômica devem ser analisados em
conjunto com os fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito adotado pela
103 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 126. 104 “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
55
sociedade brasileira. Portanto, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa
devem ser buscadas em todas as relações econômicas, por serem fundamentos da ordem
econômica. Tudo isso visando atingir os objetivos constitucionais, a dignidade da
pessoa humana.
Por se tratarem de princípios constitucionais, os objetivos e fundamentos
da ordem econômica, por si só, não possuem força substancial para imporem uma
ação.105 Portanto, para a efetividade de seus valores, necessário se faz a atuação de
outros comandos. Neste ponto entrariam em ação as regras constitucionais com sua
força de normas cogentes, determinando os comportamentos a serem seguidos pelos
agentes econômicos.
2.3.2 Estado de Direito
O conceito de Estado de Direito surge no cenário teórico por volta da
metade do século XIX, na Alemanha, e logo é incorporado à doutrina francesa, sendo
em ambos vinculado a uma idéia de hierarquia de regras jurídicas, objetivando
enquadrar e limitar o Estado às prescrições trazidas pelo Direito.106
Desde o início, tal expressão significou que o Estado, em suas
atividades, está adstrito a desenvolver apenas aquilo que esteja regulado ou autorizado
por lei, submetendo-se a um regime de direito. Nas suas relação com o indivíduo, da
mesma forma, o Estado deve obedecer às regras impostas pela ordem jurídica. A idéia
de Estado de Direito, em outras palavras, consubstancia-se no fato de ser o Estado
105 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 768. 106 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 86.
56
limitado por prescrições legais, prevalecendo a supremacia da lei sobre a
administração.107 O Estado fica, em suas atividades, limitado ao Direito.
Mas a concepção de Estado de Direito não pode ficar adstrita apenas
aos preceitos de um Estado Legal obediente às prescrições legais. Deve trazer em seu
conteúdo algo a mais. Um Estado de Direito deve observar também as garantias
fundamentais de uma sociedade, não ficando, assim, enquadrado simplesmente como
um dispositivo técnico de limitação de poder, dentro de um processo de produção da
norma jurídica.108
O Estado de Direito tem por objetivo defender o indivíduo dos abusos
no exercício do poder. Para tanto, deve ter acepções voltadas à finalidade do Estado, à
democracia e às liberdades individuais109, medindo cada uma delas de acordo com as
necessidades coletivas. Em outras palavras, Estado de Direito deve ser um Estado
completo em todos os sentidos, quais sejam: sociais, políticos e filosóficos. O Estado de
Direito traz algo mais em relação ao Estado Legal, não ficando apenas adstrito ao
comprimento da lei, mas sim, buscando desenvolver premissas sociais, políticas e
filosóficas.
Nestes termos, o Estado de Direito pode apresentar-se ora como
liberal, ora como social, sem perder sua fundamentação ideológica. Ainda é capaz de
abarcar ideologias democráticas, tudo voltado para satisfação dos interesses do povo.
Em relação aos fundamentos da ordem econômica adotada pela
Constituição de 1988, o Estado de Direito concede aos participantes das relações
empresariais mecanismos de adaptação a seus objetivos, tanto no sentido liberal,
107 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 87. 108 CHEVALLIER, Jacques, 1980, p.73, apud STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 86.; MORAIS, p. 88. 109 STRECK; MORAIS, opus citatum, p. 89.
57
garantindo a todos a liberdade de iniciativa, quanto no social, primando pela valorização
do trabalho humano. Mas, principalmente, no sentido democrático, quando prescreve,
como um de seus ideais, o valor igualdade.
2.3.3 Estado Liberal de Direito e seu papel na ordem econômica brasileira
Fazendo um culto exagerado ao individualismo, o Estado Liberal
centraliza seus objetivos no indivíduo. Enaltecer o individual é a acepção do liberalismo
clássico.
Trazendo objetivos contrários ao Absolutismo — sistema de governo
no qual um só homem representa o Estado, e este exerce domínio total sobre a iniciativa
privada —, o Liberalismo fundamentava-se na idéia de liberdade, onde qualquer forma
de restrição ao individual, mesmo que em favor do coletivo, era considerado ilegítimo.
Recebendo patrocínio ideológico das correntes burguesas, o Liberalismo preconizava a
intervenção mínima do Estado na vida social.110 Para o pensamento liberal, o Estado
era um fantasma que atormentava o indivíduo.111
O Estado Liberal, dentro de determinados contexto e condições sócio-
econômicas — Estado mínimo —, funda-se na proteção de todas as liberdades
individuais como forma de direitos e garantias intocáveis. Limita a atuação do Estado,
visando garantir a plenitude das liberdades humanas.
Em outras palavras, na concepção liberal, o Estado deve permitir que
as pessoas atuem livremente, sem qualquer tipo de intervenção. Ao Estado só é
110 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 278. 111 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 40.
58
permitido atuar em funções político de organização estrutural (Estado mínimo) 112, não
lhe cabendo a participação nas atividades particulares, nem mesmo para coibir atitudes
abusivas. Entretanto, tal atuação limitada do Estado, ao contrário de auxiliar o
desenvolvimento da sociedade, pode prejudicar grande massa da população, por tratar
de forma igual os desiguais. Como conseqüência, o poder econômico tende a concentra-
se nas mãos de poucos.
Nas palavras de Aderson de Menezas113, o Estado Liberal caracteriza-
se por uma atitude anti-humana, anti-social quando deixa de atuar limitando os direitos
individuais em nome da coletividade. Se não lhe é permitido interferir nas atividades
particulares, restando a ele apenas as organizações políticas, os abusos ocasionados,
principalmente pelos ideais capitalistas, podem trazer benefícios apenas para uma
minoria privilegiada por esta situação, em detrimento da grande maioria da população.
Esta idéia clássica do Liberalismo favorece a concentração de riqueza
nas mãos de poucos e a insatisfação econômica na maior parte da sociedade. A
liberdade plena do indivíduo, sem qualquer intervenção estatal, mesmo que em nome da
coletividade, reflete os ideais do Liberalismo clássico, mas não do Estado Liberal de
Direito. Isso porque, sendo o Estado de Direito uma acepção organizacional voltada a
positivar os ideais democráticos, as liberdades individuais e as finalidades do Estado, o
Estado Liberal de Direito deve conciliar tais ideais com suas premissas, de modo que a
satisfação das novas funções não implique em desequilíbrio das relações sociais.
Num Estado Liberal de Direito, deve-se preconizar a idéia de uma
limitação jurídico-legal negativa, através da qual garante-se aos indivíduos a não 112 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da Política. trad. Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 129. 113 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. rev. atual. por José Lindoso. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 125-126.
59
atuação do Estado para impedir ou constranger a livre iniciativa econômica. Assim, as
atuações do Estado devem ser voltadas a assegurar, por meio de instrumentos jurídicos,
o livre desenvolvimento individual, juntamente com as restrições impostas à sua
atuação.114
A Constituição Federal positiva valores liberais a serem realizados por
meio de instrumentos legais. É o caso do Art. 170, parágrafo único, no qual é
assegurado a todos os cidadãos o livre exercício de qualquer atividade econômica sem a
intervenção do Estado, garantindo, desse modo, a realização do valor liberdade.
2.3.4 Estado Social de Direito e seu papel na ordem econômica brasileira
Surgindo como um movimento contrário aos ideais liberais, o
pensamento social pregava a participação do Estado nas atividades privadas no sentido
de subsidiar as necessidades daqueles que não possuíam condições de se mandar com
seus próprios esforços.
Após a I Guerra Mundial, o Liberalismo puro passou a ser duramente
criticado e combatido, inclusive pela Igreja,115 devido ao fato de não ser capaz de
assegurar a todos uma existência digna, em conformidade com os ditames sociais.116
Com isso, o papel do Estado, que antes se limitava a atos políticos de organização
estrutural, passou a agregar maiores funções, intervindo em atividades anteriormente
mantidas com exclusividade pela iniciativa privada. Houve, concomitantemente, em
determinados locais, a assunção de responsabilidade social pelo Estado.117
114 STRECK; Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 91. 115 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 60. 116 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 115. 117 TAVARES, loco citato.
60
A primeira constituição a positivar os valores de um Estado Social foi
a do México, de 1917, na qual elaborou-se um capítulo destinado à ordem econômica
com um conteúdo que proporcionou um alargamento das atribuições do Estado na
economia.118 Ao contrário dos ideais capitalistas que pregavam uma intervenção
mínima, com este novo modelo passou o Estado a adquirir novas funções, intervindo
mais ativamente na atividade privada.
O modelo econômico social tem por finalidade a intervenção do
Estado na atividade privada, para impedir os abusos ocasionados pelo capitalismo e
garantir uma eqüidade nas relações sociais. Com isso, cria [...] situação de bem-estar
geral que garante o desenvolvimento da pessoa humana [...].119
Porém, da mesma forma que ocorreu com o Liberalismo puro que
exaltava o individuo isoladamente (e não como parte de um grupo social) , o Estado
Social, na sua plenitude, também não privilegiou o desenvolvimento completo da
sociedade.120 Pelo fato de enaltecer a sociedade como um todo, o Estado Social não
privilegia o desenvolvimento individual.
Contra o extremo do pensamento social, buscou-se um meio-termo
sereno e equilibrado. Um modelo capaz de proteger o coletivo, sem perder contato com
os direitos individuais. Foi daí que surgiu o Estado Social de Direito.
Este modelo não perde o contato com o modelo de produção
capitalista. Pelo contrário, formula com ele uma organização que protege o homem e a
sociedade, garantindo a liberdade, mas limitando-a em benefício da coletividade.121
118 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 61. 119 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 115. 120 STRECK; Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004,p. 91. 121 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004 2004, p. 184.
61
Reconhece e protege os direitos individuais enquanto estes não se chocarem com os
interesses coletivos, comuns a todos os indivíduos e ao próprio Estado.
No modelo de Estado Social de Direito, aparece a figura de um Estado
sujeito às prescrições normativas advindas do texto constitucional, mas sem se afastar
dos preceitos sociais protegidos pela Constituição.
A noção liberal pura de um Estado legalista e limitado dá espaço para
um outro modelo, o de um Estado que, além de respeitar a lei, utiliza os instrumentos
legais para realizar valores sociais garantidores do bem-estar coletivo.122
No texto constitucional brasileiro, é possível observar preceitos de um
Estado Social de Direito, visto que no sistema constitucional econômico, há comandos
destinados ao Estado para que utilize a lei como instrumento de proteção da
coletividade.
O Art. 179 da Constituição Federal traz determinação para que o
Estado, por meio de lei, destine um tratamento fiscal diferenciado às microempresas e
empresas de pequeno porte como meio de realização do valor igualdade. Esta prescrição
demonstra a existência de preceitos de ordem social capazes de garantir o
desenvolvimento de toda a coletividade.
2.3.5 Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência analisados sob a óptica de um modelo de Estado Liberal e de um Estado Social
A idéia de livre iniciativa privada, como termo de liberdade de
atuação dos particulares no mercado econômico, foi textualizada já na Carta Imperial,
na qual, em seu Art. 179, inciso XXIV, prescrevia: “[...] Nenhum gênero de trabalho, de
122 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004,; MORAIS, 2004, p. 92.
62
cultura, de indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos
costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos”.123
O fundamento da livre iniciativa não parou de ser buscado pelo
legislador como meio de regular e direcionar as relações econômicas para uma
economia liberal de mercado. Outros textos constitucionais brasileiros, seguindo a Carta
Imperial, também fizerem alusão à livre iniciativa, mas preferiram apenas direcionar a
leitura de suas prescrições no caminho de uma economia liberal, sem a intervenção do
Estado. São eles: o Art. 72, § 24, de nossa primeira Constituição republicana, de 1891; o
Art. 115 da Constituição de 1934; e o Art. 135 da Constituição de 1937.124
Até 1946, a expressão liberdade de iniciativa não havia ainda sido
textualizada em constituições. Era possível percebê-la apenas como a idéia de uma
relação de mercado livre das intervenções do Estado. A partir de então, a livre iniciativa
passou a ser incluída expressamente no texto constitucional. O Art. 145 da
Constituição, desse mesmo ano, trazia a prescrição: “A ordem econômica deve ser
organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de
iniciativa com a valorização do trabalho humano”. Estas mesmas prescrições vieram a
serem repetidas na Constituição de 1967.125
A livre iniciativa passou, então, de um entendimento feito pelo
intérprete constitucional para um comando expresso, em conformidade com um modelo
de Estado Liberal, no qual a liberdade era considerada o bem maior do cidadão. A
Constituição de 1967, bem com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, não só
123 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 245. 124 Ibidem, p. 246. 125 TAVARES, loco citato.
63
expressaram textualmente a liberdade de iniciativa, como também lhes deram um
tratamento privilegiado, o de um verdadeiro princípio da ordem econômica.126
Dando prosseguimento a esta evolução normativa da livre iniciativa
no Brasil, a Constituição de 1988, por consagrar um modelo de Estado Liberal de
Direito, colocou-a como um dos fundamentos da ordem econômica. O Art. 170 traz a
prescrição de ser a livre iniciativa um dos fundamentos da ordem econômica brasileira,
“[...] o princípio básico do liberalismo econômico”.127
A livre iniciativa adquire tal importância na Constituição de 1988 que,
conforme o Art.1º, inciso IV128, ela se torna um dos princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito.
Exercer uma atividade econômica sem a intervenção do Estado é a
regra para um modelo liberal de mercado. A intervenção do Estado nas relações
econômicas deve ser encarada apenas como um instrumento de controle tendente a
evitar abusos. A escolha brasileira por uma economia capitalista não admite a
intervenção do Estado fora dos casos nos quais possa haver uma quebra da harmonia de
mercado. A própria Constituição, em seu Art. 173, traz esta limitação às atividades
empresariais exercidas pelo Estado junto ao mercado econômico.
O significado de liberdade, extraído do capítulo destinado à ordem
econômica na Constituição de 1988, mostra a garantia de um direito a todo o cidadão de
exercer livremente uma atividade econômica, independente de autorização do Estado.
Em contrapartida, tem um significado negativo com relação ao Estado, posto não
126 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 183. 127 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 773. 128 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
64
permitir a sua intervenção fora dos casos previstos como forma de impedir atos
contrários às finalidades de um modelo de Estado Liberal de Direito.
O livre exercício de uma atividade econômica não deve ser encarado
de uma forma plena. As limitações à livre iniciativa devem ser utilizadas como forma de
barrar abusos do poder econômico. Para isso, o Estado tem o dever de intervir no
mercado econômico, garantindo a todos os agentes econômicos os mesmos direitos.
A liberdade deve ser conjugada em harmonia com os objetivos da
ordem econômica, isto é, garantindo a todos a realização da justiça social e do bem-
estar coletivo129, enaltecendo os ideais de um modelo social de economia. Atuar no
mercado é um direito de todos, mas as barreiras a este direito são necessárias justamente
para evitar abusos.
Complementando os ideais tanto do modelo liberal, fundado na
liberdade, quanto do social, com bases na isonomia, a livre iniciativa, conforme
prescrita pelo Art. 170 da Constituição, busca amparo nas bases da livre concorrência.
Tanto é assim, que Eros Roberto Grau130 prefere defini-las em conjunto.
Positivada no texto constitucional em seu Art. 170, IV, a livre
concorrência tem por fundamento básico a competição entre as empresas sem qualquer
interferência do Estado. Esta competição seria dotada de elementos naturais de auto-
regulação do mercado. Porém, a auto-regulação do mercado é uma realidade muitas
vezes não alcançada, devido à influência de empresas voltadas à pratica de atitudes
ofensivas à ordem econômica.
O monopólio é uma destas atitudes empresariais capazes de quebrar a
harmonia nas relações econômicas. Este afastamento artificial da competição entre as
empresas, não é — e nem deve ser — tolerado por uma livre concorrência fundada em
129 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 251 130 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 185.
65
um modelo de Estado Social de Direito. O pressuposto basilar nas relações econômicas
deve ser a competição sem qualquer influência abusiva do poderio econômico,
estabelecendo, por conseqüência, a igualdade nas relações empresariais.131
No Estado Social de Direito, o objetivo a ser alcançado com a livre
concorrência não é mais aquele do liberalismo tradicional — no qual a atuação das
empresas deve ser livre em todos os aspectos, deixando a natureza empresarial ditar as
regras —, mas sim o equilíbrio entre as grandes corporações e os pequenos
empresários.132 A livre concorrência, neste modelo, dá aos participantes do mercado
econômico o direito de competirem entre si, utilizando meios lícitos, observando,
acima de tudo, a igualdade entre todos.
Em um mercado livre, como o idealiza o modelo liberal de Estado, a
concentração econômica pode se tornar uma realidade. A atual Constituição reconhece a
existência do abuso do poder econômico, passível de ser realizado por algumas
empresas. Tanto é assim que, em seu Art. 173, § 4º, prescreve uma repressão estatal a
este tipo de ilícito. A livre concorrência visa proteger as relações de mercado contra as
grandes concentrações de capital133, utilizando a lei como instrumento de realização de
valores jurídicos, conforme os fundamentos de um Estado de Direito.
A intervenção do Estado vem como forma de assegurar a todos os
empresários oportunidades iguais nas relações econômicas, objetivando atingir um valor
maior, o equilíbrio e o desenvolvimento de toda a sociedade. A proteção do mercado
econômico deve ser realizada para impedir as atuações abusivas. Um mercado
totalmente livre somente seria admitido com ausência do fenômeno do abuso do poder
131 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 254. 132 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 129. 133 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores,2004, p. 775.
66
econômico.134 A livre concorrência é a regra, mas, para evitar os abusos econômicos, a
intervenção do Estado deve ser realizada, garantindo o equilíbrio de mercado.
Os reflexos desta proteção não são sentidos apenas pelas empresas
atuantes no mercado de capital. Com a livre concorrência, atinge-se, além da proteção
do mercado empresarial, a tutela do consumidor, pivô principal das relações de
consumo voltadas ao desenvolvimento econômico do Estado. 135
Como visto, o objetivo da livre concorrência é garantir o equilíbrio do
mercado empresarial, impedindo as grandes concentrações econômicas, trazendo
igualdade de condições para as competições entre os vários agentes atuantes neste
mercado. Atingir, porém, uma concorrência igualitária é muito difícil. Exigiria uma
homogeneidade entre as empresas, o que seria praticamente impossível em virtude da
natureza de suas atividades. Nenhuma empresa é igual a outra. Por isso, a dispensa de
um tratamento favorecido aos pequenos empresários, positivado por meio do Art. 179
da Constituição, vem como uma ferramenta importante para a realização da igualdade.
A livre concorrência deve ser encarada como uma liberdade
controlada, assegurando a todos o direito de participarem da ordem econômica sem a
intervenção do Estado. Mas, também, deve garantir uma competição em igualdade de
condições, evitando assim, os reflexos maléficos do abuso do poderio econômico.
2.4 AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
Desde seu surgimento até os dias atuais, as relações econômicas estão
em constante processo de evolução. Passaram da simples troca de mercadorias às
compras via Internet; da produção artesanal aos grandes grupos empresariais. Por tal
134 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 192. 135 TAVARES, , André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 257.
67
motivo, o Estado passou a ser mais presente na atividade privada, desenvolvendo uma
atuação ora maior, ora menor, nas relações econômicas, intervindo quando necessário
(Estado social), e deixando o particular livre para atuar quando não houver necessidade
de intervenção (Estado liberal), tudo dentro dos preceitos de um Estado de Direito.
Para o Estado liberal, a liberdade individual e o capitalismo devem ser
a tônica das relações econômicas, principalmente pelo fato de que as empresas
necessitam de liberdade de atuação para conseguirem um desenvolvimento, não sendo
preciso a intervenção do Estado para tanto. Com relação ao equilíbrio na atividade
privada, o Estado também não se faz necessário, pois o próprio mercado é capaz de se
auto-regular.
Já a atuação do Estado Social é norteada pela igualdade e pela
dignidade humana. Na busca pela justiça social, o Estado deve atuar garantindo as
necessidades da sociedade, mesmo que para isso haja um estrangulamento das
atividades privadas. O Estado deixa de ser um coadjuvante no mercado econômico para
atuar mais ativamente como um agente realizador, conduzindo e promovendo as
realizações econômicas.
Primando pelo modelo econômico capitalista, sem perder a base de
um Estado social, a Constituição Federal de 1988, prescreve em seu Título VII, quais
são as regras para as atividades no mercado econômico, sejam tais atividades
patrocinadas pelo Poder Público ou pelo particular.
O regime jurídico-econômico adotado pelo Estado brasileiro privilegia
não só os pensamentos liberais, como também os sociais. O Estado deve deixar o
particular agir com liberdade (liberal), assim como prescrito pelo Art. 170 da
Constituição Federal. Mas quando a atuação do particular vier a desrespeitar a função
social da propriedade, a livre concorrência, o meio ambiente e o consumidor, o Estado
68
não deve ficar passivo, esperando que o próprio mercado se auto-regule. Deve intervir,
regulando a atividade privada enaltecendo os primados da justiça social (social).
Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
deve fiscalizar a atuação dos particulares impedindo abusos, conforme prescrito pelo
Art. 174 da Constituição Federal. Também é dever do Estado, por meio de políticas
governamentais, planejar e incentivar o desenvolvimento das relações econômicas. Esta
intervenção indireta do Estado na ordem econômica serve para garantir o bem comum,
finalidade principal do Estado.
Dentro de uma economia capitalista como a brasileira, o Estado só
excepcionalmente pode intervir na ordem econômica. A atuação do Estado deve,
conforme pensamentos liberais, ficar adstrita às atividades públicas, deixando aos
particulares a atuação privada.
A atividade pública é aquela desempenhada pelo Estado, sob o regime
de direito público, buscando satisfazer o interesse coletivo. Nestas atividades, incluem-
se os serviços públicos, essenciais e necessárias, prestados de forma direta ou
indiretamente pelo Estado, nos exatos termos do Art. 175 da Constituição Federal.
Mesmo prestados sob o regime de concessão e permissão, não perdem a natureza
pública, pois a titularidade do serviço permanece com o Estado.
Quanto à atividade privada, ela deve ser desenvolvida por pessoas de
direito privado, observando o regime jurídico de direito privado e os princípios
reguladores da atividade econômica contidos no Art. 170 da Constituição Federal. Para
que o Estado atue no mercado econômico, intervindo diretamente na atividade privada,
deverá observar também tais prescrições.
Atuando na iniciativa privada, o Estado passa a exercer o papel de
agente produtivo por meio de suas empresa estatais. A intervenção do Estado, neste
69
sentido, ocorre quando este atua como agente econômico, utilizando entidades
descentralizadas,136 nos exatos termos prescritos pelo Art. 173 da Constituição Federal.
A participação do Estado diretamente no domínio econômico tem uma
área de atuação bem restrita. O Art. 173 da Constituição Federal prescreve ser direito do
Estado explorar uma atividade econômica, com exceção dos casos previstos na Lei
Fundamental,137 somente em razão de imperativos de segurança pública ou de relevante
interesse coletivo, conforme definido em Lei. Fora destes casos, a atuação direta do
Estado no domínio econômico não tem fundamento constitucional.
Para Eros Roberto Grau, a expressão “imperativos de segurança
pública” está ligada à defesa nacional.138 Para ele, só é plausível a utilização de uma
intervenção direta no mercado econômico, pelo Estado, quando houver ameaça à defesa
nacional
Com relação à expressão “relevante interesse coletivo”, outra
condição prescrita pelo Art. 173, da Constituição Federal, o Estado pode intervir
diretamente nas relações econômicas para impedir abusos capazes de causar grandes
seqüelas na sociedade. O interesse coletivo se sobrepõe ao particular139 com o objetivo
de garantir, neste caso, a ordem nas relações econômicas.
Tanto de forma direta, quanto indireta, a intervenção na ordem
econômica patrocinada pelo Estado deve vir sempre no sentido de garantir a ordem nas
relações entre os particulares, garantindo a prevalência dos fundamentos e finalidades
do regime jurídico-econômico.
136 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 95. 137 Em virtude de sua importância estratégica, algumas atividades devem ser exploradas com exclusividade. Estas atividades dizem respeito aos setores que constituem monopólio, como é o caso do petróleo e dos materiais radioativos, prescrito pelo Art. 177, e seus incisos, e Art. 21, XXIII, da Constituição Federal. 138 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 258. 139 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método , 2003, p. 245.
70
Analisando toda a ordem econômica brasileira, é possível distinguir
cinco formas de atuação do Estado na atividade econômica: como direcionador das
atividades econômicas (Art. 170); como explorador de atividades econômicas e
repressor de abusos econômicos (Art. 173); como fiscalizador, regulador e planejador
da ordem econômica (Art. 174); como prestador de serviço público (Art. 175); e como
monopolizador de atividades econômicas (Art. 177).
O Estado tem o papel de guardião das relações econômicas. Um
interventor vinculado à efetividade dos valores eleitos pela Constituição, visando uma
harmonização da ordem econômica. Em virtude da satisfação do interesse comum, há a
necessidade da interferência estatal nas atividades envolvendo os particulares.
Sendo a finalidade do Estado o bem comum, deve estabelecer critérios
de atuação da atividade privada, visando garantir a igualdade de condições entre os
agentes econômicos. Para tanto, o Estado, por meio de políticas governamentais, deve
destinar às microempresas e empresas de pequeno porte um tratamento fiscal
diferenciado, agindo de forma intervencionista na ordem econômica, conforme prescrito
pelo Art. 179 e Art. 170, IX, ambos da Constituição Federal.
2.4.1 A intervenção indireta do Estado na ordem econômica
Como agente normativo e regulador, o Estado tem o dever de
fiscalizar, incentivar e planejar as atividades econômicas. Esta atuação é conhecida
como uma forma indireta de intervenção.
71
Ao contrário da intervenção direta, na indireta o Estado não atua como
um agente econômico. Ele desenvolve uma atuação periférica, assumindo o papel de
agente normativo e regulador.140
Quando o Estado atua diretamente na ordem econômica, veste-se
como um empresário. Por tal motivo, deve respeitar os princípios e regras destinados à
atividade privada. Já com relação à intervenção indireta, por ser um instrumento de
preservação e positivação dos objetivos e finalidades da ordem econômica, o Estado
busca manter o respeito aos fundamentos constitucionais.
Na intervenção indireta, busca-se impedir o abuso econômico capaz
de ofender os princípios e regras constitucionais. Para isso, o Estado lança mão de sua
condição de agente normativo e fiscalizador do mercado econômico, nos termos do Art.
174 da Constituição Federal. Além de fiscalizar e regulamentar a ordem econômica, ao
Estado, como forma indireta de intervenção, cabe a função de incentivar e planejar as
atividades no mercado econômico. Visa, com estas atuações, à positivação dos valores
constitucionais.
Dentre as atividades intervencionistas do Estado, merece destaque a
de incentivo ao desenvolvimento do mercado econômico, visando garantir a positivação
de princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, desenvolvimento social,
livre iniciativa e livre concorrência.
José Afonso da Silva141 trata o incentivo do Estado como uma função
normativa e reguladora, voltada a promover a economia do país. Tal função, conhecida
anteriormente por “fomento”, traduz-se em proteção, estímulo, favorecimento e auxílio
aos mais necessitados, objetivando conceder condições para a concorrência igualitária.
140 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 423. 141 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.2004, p. 788.
72
Ao Estado, dentro desse papel, incumbe apoiar, estimular e favorecer
as microempresas e empresas de pequeno porte. O Art. 179, da Constituição Federal,
encerra comando impondo aos entes políticos o dever de promoverem, efetivamente,
políticas governamentais de incentivo a elas, como forma de garantir-lhes uma
concorrência em igualdade de condições com as grandes corporações empresariais.
A intervenção do Estado na ordem econômica deve ser exercida de
forma excepcional, somente para positivar os valores eleitos pela sociedade como
fundamentos de uma República-democrática de direito.
73
3. REGIME JURÍDICO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESA DE PEQUENO PORTE
O Direito sempre demonstrou uma preocupação com os pequenos
empresários. Mas foi o Direito italiano quem deu sua contribuição mais precisa por
meio da legislação, através da qual as pequenas empresas foram conceituadas de acordo
com o seu tamanho e capacidade de produção.142
Em países como o México, Irlanda, Alemanha, Suíça, Irã e
Austrália143, a definição de microempresa e empresa de pequeno porte está vinculada ao
número de empregos que elas fornecem. Já em outros países, como Uruguai e
Venezuela na América do Sul; Estados Unidos na América do Norte; Dinamarca,
Espanha e Itália na Europa; e Israel no Oriente Médio, esta conceituação, além do
número de empregos, analisa o faturamento anual das mesmas.144
No MERCOSUL, a Resolução GMC 90/93, alterada pela Resolução
GMC 59/98, estabelece critérios de qualificação destas empresas, tanto relacionados ao
seu faturamento anual, como ao número de empregos que são capazes de fornecer.145
No Brasil, coube à Lei nº 7.256, de 27 de novembro de 1984 definir as
características de uma microempresa. Porém, o alcance dessa Lei é maior, na medida
em que prevê para elas o direito a um tratamento diferenciado:
Lei nº 7.256, de 27 de novembro de 1984. Estatuto da microempresa. Art. 1º - À microempresa é assegurado tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, tributário,
142 PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. As micro e pequenas empresas como propulsoras do desenvolvimento econômico e social: contribuição para o incremento das atividades econômicas no âmbito do Mercosul. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, a. XL, n. 124. Out./Dez. 2001, p. 184. 143 Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior disponível em. http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/sdp/mpm/forpermanente/dadSegmento/defineMPE.PDF. acesso em: 04.09.2006 144 Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior disponível em. http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/sdp/mpm/forpermanente/dadSegmento/defineMPE.PDF. acesso em: 04.09.2006 145 Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior disponível em. http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/sdp/mpm/forpermanente/dadSegmento/defineMPE.PDF. acesso em: 04.09.2006
74
previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, de acordo com o disposto nesta Lei. Parágrafo único - O tratamento estabelecido nesta Lei não exclui outros benefícios que tenham sido ou vierem a ser concedidos às microempresas. Art. 2º - Consideram-se microempresas, para os fins desta Lei, as pessoas jurídicas e as firmas individuais que tiverem receita bruta anual igual ou inferior ao valor nominal de 10.000 (dez mil) Obrigações Reajustáveis do Tesoura Nacional - ORTN, tomando-se por referência o valor desses títulos no mês de janeiro do ano-base.
Observando as prescrições do § 1º do Art. 47 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias – ADCT146, na parte destinada à liquidação de débitos
decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras, é possível verificar
ser o tamanho de uma empresa e sua receita o ponto de partida para a caracterização
dessas entidades privadas.
Para André Ramos Tavares,147 esta solução para a conceituação das
micro e pequenas empresas seria a mais adequada. O tratamento diferenciado, além de
destinar-se a conferir condições igualitárias a todas as empresas participantes do
mercado econômico, visando garantir a livre concorrência, tem por fim patrocinar o
desenvolvimento. Buscar nos aspectos econômicos as características para identificar
uma microempresa e uma empresa de pequeno porte seria o único e mais realista fator
distintivo.
Analisando as legislações anteriormente citadas, percebe-se ser o
faturamento o único critério para distinguir as empresas quanto ao porte.
146 “Art. 47. Na liquidação dos débitos, inclusive suas renegociações e composições posteriores, ainda que ajuizados, decorrentes de quaisquer empréstimos concedidos por bancos e por instituições financeiras, não existirá correção monetária desde que o empréstimo tenha sido concedido: I – aos micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos no período de 28 de fevereiro de 1986 a 28 de fevereiro de 1987; § 1º. Consideram-se, para efeitos deste artigo, microempresa as pessoas jurídicas e as firmas individuais com receita anual de até dez mil Obrigações do Tesouro Nacional, e pequenas empresa as pessoas jurídicas e as firmas individuais com receita anual de até vinte e cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional.” 147 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 223.
75
O tamanho da empresa e seu faturamento são os pontos fundamentais
para a qualificação daquelas empresas abrigadas pelo tratamento fiscal diferenciado
prescrito pelos Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, da Constituição Federal de 1988.
Diante deste quadro, o legislador federal criou, por intermédio da Lei
nº 9317, de 05 de dezembro de 1996, o SIMPLES federal – Sistema Integrado de
Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte – trazendo o faturamento como base para a conceituação de uma microempresa e
de uma empresa de pequeno porte.
Para a Lei, são consideradas microempresas aquelas com faturamento
igual ou inferior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) no ano-calendário e,
empresas de pequeno porte aquelas com faturamento entre um mínimo de R$
120.000,00 (cento e vinte mil reais) e um máximo de R$ 720.000,00 (setecentos e vinte
mil reais) no ano-calendário, conforme prescrito no Art. 2º da Lei acima referida.
Em 1999, as microempresas e empresas de pequeno porte ganharam o
seu estatuto. Passaram então a serem regidas pela Lei 9.841, de 05 de outubro de 1999,
a qual, além de prever um tratamento diferenciado, em consonância com os
fundamentos da Constituição de 1988, também alterou o Art. 2º da Lei 9317, de 05 de
dezembro de 1996, com relação aos valores para a caracterização das microempresas e
empresas de pequeno porte, passando a figurar com a seguinte redação:
Art. 1° Nos termos dos Arts. 170 e 179 da Constituição Federal, é assegurado às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, em conformidade com o que dispõe esta Lei e a Lei n° 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. Parágrafo único. O tratamento jurídico simplificado e favorecido, estabelecido nesta Lei, visa facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e da empresa de pequeno porte, de modo a assegurar o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento econômico e social.
76
Art. 2° Para os efeitos desta Lei, ressalvado o disposto no art. 3°, considera-se: I - microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais); II - empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais).
Ao longo dos anos, a legislação que criou o regime jurídico das
microempresas e empresas de pequeno porte, bem como positiva o tratamento fiscal
diferenciado, foi alterada para coaduná-la às novas exigências do mercado econômico.
Com o objetivo de se atingir um número maior de pequenos
empresários, em 21 de novembro de 2005, o Governo Federal edita a Lei 11.196,
alterando o Art. 2º da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996, para aumentar o valor de
teto para a caracterização de uma empresa de pequeno porte de R$ 1.200.000,00 (um
milhão e duzentos mil reais) para R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil
reais).148
Assim, de acordo com essa Lei, hoje é considerada microempresa
aquela pessoa jurídica que tenha auferido receita bruta até R$ 240.000,00 (duzentos e
quarenta mil reais) em um ano-calendário e, empresa de pequeno porte aquela que tenha
auferido receita bruta entre R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e R$
2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) em um ano-calendário.
Analisando os fundamentos constitucionais, observa-se ser o único
requisito aceitável para a inscrição no regime fiscal simplificado, o tamanho de uma
148 “Art. 33. Os arts. 2º e 15 da Lei nº 9.317, de 15 de dezembro de 1996, passam a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 2º........................................... I – microempresa a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); II – empresa de pequeno porte a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).’”
77
empresa medido pelo seu faturamento. É o fator determinante para o status de micro ou
pequena empresa. Qualquer outro fator além incidiria em inconstitucionalidade.149
As empresas com margem de faturamento dentro dos limites trazidos
pelo Art. 2º, da Lei 9317/96, alterados pela Lei 11.196/05, devem ser abrangidas pelo
regime jurídico das microempresas e empresas de pequeno porte, passando a serem
assistidas pelo tratamento fiscal diferenciado instituído pelo sistema SIMPLES, posto
possuírem a mesma capacidade contributiva. Essas prescrições estão em plena
consonância com os comandos constitucionais inseridos no capítulo destinado à ordem
econômica, não havendo qualquer vício a ser invocado pelo operador do direito.150
Segundo os fundamentos constitucionais, para a caracterização das
pessoas jurídicas abrangidas pelo regime das microempresas e empresas de pequeno
porte, somente podem ser utilizados critérios numéricos. Qualquer outro critério dentro
do universo das microempresas e empresas de pequeno porte feriria a igualdade, por
tratar diferentemente entidades com a mesma capacidade econômica.
A Constituição, ao afirmar a existência de um direito subjetivo às
microempresas e empresas de pequeno porte, teve como intenção o equilíbrio nas
relações econômicas, dispensando uma proteção àquelas com menor capacidade de
competição. Esta também deveria ser a tônica da legislação infraconstitucional. Porém o
Governo Federal, quando da criação da Lei 9317, de 05 dezembro de 1996, não se ateve
com fidelidade aos valores eleitos pela Constituição.
A Lei 9317, de 05 de dezembro de 1996 cria barreiras dentro do
universo das microempresas e empresas de pequeno porte capazes de desigualá-las. Há
neste ponto, um descompasso entre a norma infraconstitucional e os valores passíveis de
positivação contidos no texto constitucional.
149 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método,2003, p. 223. 150 Ibidem, p. 227.
78
Por se tratar de uma disparidade entre normas de hierarquia diferentes,
deve-se optar pela de maior supremacia. No caso, a norma constitucional deverá
prevalecer sobre a lei infraconstitucional instituidora do regime jurídico diferenciado
das microempresas e pequenas empresas, pois, admitindo-se hipótese contrária,
estariam os princípios constitucionais fundamentais destinados a esvaziar-se
rapidamente em seu conteúdo.151 Qualquer restrição imposta sem o devido respeito à
Lei fundamental, acarreta uma ofensa aos fundamentos da Constituição, levando-a à
inconstitucionalidade.
3.1 TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO E OS OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal, como a lei fundamental do Estado brasileiro,
elegeu valores a serem concretizados por meio da positivação de suas normas. Fundado,
entre outros, nas premissas da livre iniciativa, da livre concorrência e de um tratamento
diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, o Estado brasileiro busca a
positivação de um valor maio. A igualdade, dentro das relações econômicas, deve ser a
tônica para se chegar a uma verdadeira Democracia.152
O princípio da igualdade, presente no caput do Art. 5º da
Constituição, prescreve um comando determinando que todos devem ser tratados iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, constituindo-se em verdadeira
garantia fundamental do cidadão.
Em matéria de relação econômica, a igualdade tem sua positivação
nos fundamentos do Art. 179 e Art. 170, IX da Constituição Federal de 1988, afirmando
151 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 232. 152 MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2002, p. 527.
79
ser de direito das microempresas e empresas de pequeno porte, um tratamento fiscal
diferenciado, visando conceder-lhes condições de competitividade em igualdade com as
grandes corporações.
Mas a igualdade a ser alcançada nas relações econômicas não diz
respeito a tratar todos como iguais, e sim colocar todas as empresas na mesma condição
de competitividade, concedendo benefícios às menores para que mantenham uma
competição justa com as grandes empresas.
As empresas distinguem-se de acordo com sua capacidade
empresarial. Por isso, para serem capazes de se desenvolver por seus próprios meios, as
microempresas e as empresas de pequeno porte devem receber um tratamento
diferenciado, justamente para equiparar as condições empresariais de todas as entidades
atuantes no mercado econômico.
O tratamento fiscal favorável às microempresas e empresas de
pequeno porte não pode ser tratado como um benefício concedido sem qualquer critério
lógico de discriminação. Mesmo porque, se assim o fosse, este benefício estaria em
contrariedade com a própria Constituição Federal. O tratamento diferenciado prescrito
pelos Art. 179 e Art.170, IX, da Constituição tem por fundamento o desenvolvimento de
todas as empresas inseridas nas relações econômicas.
Os critérios de diferenciação utilizados pela Constituição, para a
concessão do benefício fiscal às microempresas e empresas de pequeno porte, não
guardam relação com simples traços e circunstâncias peculiares de uma categoria de
indivíduos. São critérios racionais aplicados entre o elemento diferencial e o regime
dispensado àqueles inseridos num universo diferenciado.153
153 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 39.
80
Devido a seu faturamento, as microempresa e empresas de pequeno
porte não possuem condições econômicas para investimentos em equipamentos e
pesquisas como fazem as grandes empresas. Por tal motivo, há a necessidade de que o
Estado proteja estas entidades privadas até alcançarem um nível econômico seguro e
sustentável.
Nas relações econômicas, a desigualdade entre as grandes empresas e
as micro e pequenas empresas, é uma realidade capaz de retirar as segundas do mercado
empresarial. Existindo supedâneo objetivo de desequiparação entre as grandes
corporações e os pequenos empresários, passíveis de atribuir situações privilegiadas às
primeiras, não estendidas às segundas, ao Governo cabe adotar políticas
intervencionistas, para equilibrar o mercado, concedendo condições favoráveis às
microempresas e empresas de pequeno porte, objetivando mantê-las em
desenvolvimento. A discriminação promovida pelo Estado está embasada em reais
diferenças econômicas existentes entre uns e outros. Existe nesta situação fática, um
critério lógico e racional sustentável para a concessão de um benefício, não havendo
motivo para se falar em discriminação.154
O tratamento diferenciado poderia ser reconhecido como uma
verdadeira barreira aos ideais de um Estado Social, por criar às microempresas e
empresas de pequeno porte condições favoráveis não estendidas às demais empresas do
setor econômico. Mas, o tratamento favorecido revela, em seu fundamento, a
necessidade de uma proteção aos pequenos empreendimentos empresariais, pelo fato de
possuírem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas,
positivando aí sim, a livre concorrência155 e da igualdade.
154 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 43. 155 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 222.
81
A livre concorrência, como princípio fundamental da ordem
econômica, tende a garantir a todos uma atividade empresarial livre da intervenção do
Estado, conforme preceitos liberais, mas também traz fundamento para instituição de
comandos capazes de realizar o valor igualdade nas competições, prezando pelos
pensamentos sociais. O tratamento favorecido nada mais faz do que equilibrar o
mercado econômico concedendo condições justas de concorrência entre microempresas
e as empresas de pequeno porte de uma parte, e os grandes empresários de outra.
O legislador constituinte demonstrou uma grande preocupação com o
equilíbrio nas relações econômicas ao prescrever um tratamento diferenciado às
empresas de capital reduzido. O tratamento diferenciado referido pela Constituição
Federal denota um tratamento mais benéfico, menos burocrático, menos oneroso,
voltado a garantir um equilíbrio à ordem econômica. Seria uma intervenção indireta do
Estado nas relações econômicas, protegendo aquelas empresas com menor estrutura de
competição.
3.2 SISTEMA SIMPLES DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS FEDERAIS E SEUS BENEFÍCIOS
Nos termos do Art. 44 do Código Tributário Nacional, a base de
cálculo do Imposto de Renda, tanto para pessoa física como jurídica, é o montante real,
arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Para as empresas, a base de cálculo se concentra em seu lucro. A
tributação das empresas recai sobre o lucro real, presumido ou arbitrado.
Em geral, as empresas realizam suas declarações anuais de renda por
meio do lucro real. Esta forma garante às empresas serem tributadas sobre o acréscimo
real do patrimônio que auferiram em determinado período. O valor base para esta
82
tributação é o lucro líquido das empresas, obtido segundo escrituração contábil de todos
os custos e despesas dedutíveis da receita bruta; por isso, a obrigação de se escriturar os
livros contábeis.
A opção de declaração pelo lucro presumido pode ser utilizada,
conforme disposto pelo Art. 13 da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, pelas
empresas que tenham receita bruta total igual ou inferior a R$ 48.000.000,00 (quarenta
e oito milhões de reais) no ano-calendário anterior ao da opção, ou a R$ 4.000.000,00
(quatro milhões de reais), multiplicados pelo número de meses de atividade do ano-
calendário anterior, quando inferior a 12 meses.
O imposto, neste caso, é calculado aplicando-se, sobre a receita bruta,
um coeficiente legalmente definido conforme a natureza da atividade desenvolvida pela
empresa. Optando por esta forma de tributação, a empresa fica desobrigada de fazer a
escrituração contábil de todas suas transações.156 A declaração, tanto pelo lucro real,
como pelo presumido, é uma opção da empresa.
Pode-se optar pela declaração através do lucro arbitrado, quando da
ocorrência de algumas situações, como:
a) o contribuinte, sujeito à tributação com base no lucro real, não dispõe de escrituração
na forma das leis comerciais ou fiscais, ou deixa de elaborar as demonstrações
financeiras legalmente exigidas;
b) o contribuinte, sujeito à tributação com base no lucro presumido, deixa de cumprir as
obrigações acessórias relativas à sua determinação;
c) recusar-se o contribuinte a apresentar à autoridade da Administração tributária os
livros ou documentos de sua escrituração;
156 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 301.
83
d) a escrituração mantida pelo contribuinte contém vícios, erros ou deficiências que a
tornam imprestável para a determinação do lucro, real ou presumido;
e) o comissário ou representante de pessoa jurídica estrangeira deixa de fazer, em sua
escrituração contábil, a apuração de seu lucro separadamente do lucro do comitente ou
representado domiciliado no exterior; e,
f) o contribuinte espontaneamente opta por essa forma de cálculo do imposto.
De uma forma geral, a tributação por meio do lucro arbitrado deve ser
aplicada quando não for possível se identificar com exatidão os valores a serem
tributados. Por tal motivo, a utilização desta forma de tributação não é tão freqüente
quanto as anteriores.
Em todas as formas de tributação citadas acima, os tributos federais
são pagos individualmente, cada qual com sua base de cálculo e alíquotas especificadas
pela legislação atinente ao caso.
Tratando-se de microempresa e empresas de pequeno porte, a
Constituição Federal prescreve um Direito Subjetivo a um tratamento fiscal
diferenciado. Este tratamento tem por objetivo incentivar as microempresas e empresas
de pequeno porte a se desenvolverem no mercado econômico.
Em 1996, coadunando com os comandos constitucionais contidos nos
Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, foi criada a Lei 9.317, de 05 de dezembro com o
objetivo de se estabelecer o regime jurídico fiscal diferenciado para as microempresas e
empresa de pequeno porte. As microempresas e empresa de pequeno porte que optarem
pelo SIMPLES, conforme prescrito pelo Art. 3º da Lei 9.317, 05 de dezembro de 1996,
pagam, em parcelas mensais, um valor que engloba vários tributos federais, quais
sejam: o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, as contribuições para o PIS/PASEP, a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o
84
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e as Contribuições para a Seguridade Nacional (INSS) a cargo da
pessoa jurídica, conforme prescrito pelo Art. 3º da Lei 9.317/96. Também ficam
incluídas nesta unificação tributária, as contribuições destinadas ao SESC, SESI,
SENAI, SENAC, SEBRAE, Salário-Educação e contribuição sindical patronal.
Para se chegar ao valor de contribuição pelo SIMPLES, aplica-se
sobre a receita bruta mensal, alíquotas que variam de 3% a 12%, a depender do valor
auferido pela empresa, assim como prescrito pelo Art. 5º da Lei 9.317/96 alterada pela
Lei 11.307, de 09 de maio de 2006.
As empresas optantes pelo sistema SIMPLES são obrigadas, ainda, a
transferir para o fisco os valores retidos na fonte de Imposto de Renda e contribuição
para o INSS incidente sobre o salário de seus empregados.
A forma de pagamento de tributos instituída pelo sistema SIMPLES
promove uma redução significativa nos valores pagos pelas empresas. Esta redução dá
às microempresas e empresa de pequeno porte uma condição maior de manterem suas
atividades.
Uma outra vantagem concedida pelo sistema SIMPLES é a
desburocratização da contabilidade das empresas optantes. Conforme prescrito pelo Art.
7ª, § 1º, 195 ficam elas dispensadas de escriturar o Livro Caixa e Livro de Registro de
Inventário.
A tributação das microempresas e empresas de pequeno porte por
meio do sistema SIMPLES traz um benefício econômico de extrema importância para o
seu desenvolvimento.
85
3.3 RESTRIÇÕES À OPÇÃO PELO SISTEMA JURÍDICO DE TRIBUTAÇÃO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESA DE PEQUENO PORTE
Apesar de estabelecer um tratamento fiscal diferenciado às
microempresas e empresas de pequeno porte, a Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996
também impede algumas delas — em função de algumas características de sua
organização — de optarem pelo SIMPLES. Como exemplo, conforme prescrito pelo
Art. 9º, não pode optar por esse sistema a pessoa jurídica:
(...) IIII – constituída sob a forma de sociedade por ações; IV – cuja atividade seja banco comercial, banco de investimentos, banco de desenvolvimento, caixa econômica, sociedade de créditos, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedade corretora de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores imobiliários, empresa de arrendamento mercantil, cooperativas de créditos, empresas de seguros privados e de capitalização e entidade de previdência privada aberta; (...) XIII - que preste serviço profissional de corretor, representação comercial, despachante, ator, empresário, diretor ou produtor de espetáculo, cantor, músico, dançarino, médico, dentista, enfermeiro, veterinário, engenheiro, arquiteto, físico, químico, economista, contador, auditor, consultor, estatístico, administrador, programador, analista de sistema, advogado, psicólogo, professor, jornalista, publicitário, fisicultor, ou assemelhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida; (...) XV - que tenha débito inscrito em Dívida Ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa;
Em 2000, com a publicação da Lei 10.034/00 as empresas que
dedicavam suas atividades à exploração de creches, pré-escolas e estabelecimentos de
ensino fundamental, deixaram de fazer parte do rol de empresa excluídas do sistema
SIMPLES.
Alguns impedimentos prescritos pelo Art. 9º, da Lei 9.317 de 05 de
dezembro de 1996, ferem as prescrições constitucionais, pois promovem critérios de
86
descrimem não autorizados pela lei fundamental, o que torna estas barreiras
inconstitucionais.
A Constituição Federal, ao criar o direito das microempresas e
empresas de pequeno porte, a serem tratadas de uma forma diferenciada, teve como
intento a promoção de condições igualitárias a estas empresas em relação aos demais
agentes econômicos.
O sistema SIMPLES foi instituído para realizar os valores
republicano-democráticos prescritos positivados pelos Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146,
d, da Constituição Federal, promovendo a igualdade de condições entre todos os agentes
econômicos. Por dispensar uma tributação menos burocrática e mais branda às
microempresa e empresas de pequeno porte, a Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996
promove um incentivo a estas, auxiliando seu desenvolvimento.
O objetivo é dispensar tratamento diferenciado às microempresas e
empresas de pequeno porte, por não terem elas condições de competir com as grandes
empresas.
O sistema SIMPLES deveria ser um instrumento forte no caminho da
efetividade das normas constitucionais.
O Art. 2º da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996 é preciso em
especificar ser o faturamento da empresa o único critério, em conformidade com os
fundamentos constitucionais, necessário para a inscrição no regime fiscal simplificado.
Ali está a condição imposta pela Constituição. É o faturamento o fator determinante do
status de microempresas e empresa de pequeno porte.
Contudo, algumas das pessoas jurídicas caracterizadas como
microempresa e empresas de pequeno porte de acordo com seu faturamento, são
87
impedidas de optarem pelo sistema SIMPLES, em virtude das barreiras promovidas
pelo Governo.
Ao se analisar as prescrições do Art. 9º da Lei 9.317, de 05 de
dezembro de 1996, pode-se perceber a existência de diversos fatores de discriminação
dentro do universo das microempresas e empresas de pequeno porte não autorizados
pela Constituição.
Algumas das exclusões constantes da Lei apresentam uma relação
lógica entre os critérios de discrimem e sua justificativa. As sociedades por ação, as
instituições financeiras, as entidades que possuam sócios estrangeiros residentes no
exterior; filiais, sucursais, agências ou representantes, no Brasil, de pessoas jurídicas
com sede no exterior, pela própria estrutura em que estão envolvidas ou pela grande
movimentação de dinheiro a qual são capazes de realizar, não podem ser tratadas em
igualdades de condições com as demais microempresas e empresas de pequeno porte
não adstritas a estas atividades.
Outro caso de impedimento lógico, prescrito pelo Art. 9, XIII, da Lei
9.317, de 05 de dezembro de 1996, é o das sociedades civis de profissionais liberais
como os escritórios de advocacia. Estas sociedades não possuem caráter empresarial,
visto exercerem suas atividades relacionadas ao desenvolvimento intelectual.
Mas em relação a outras atividades, os critérios adotados para a
diferenciação dentro do universo dos pequenos empresários, por vezes podem
prejudicá-los em suas atividades empresariais.
Não se resguarda da devida observância aos valores constitucionais a
exclusão da opção pelo sistema SIMPLES de empresas:
a) cuja receita da venda de produtos advindos de importação seja superior a 50% de sua
receita bruta;
88
b) que realizem operação relativas a importação de produtos estrangeiros e exportação
de produtos nacionais;
c) de locação ou administração de imóveis;
d) de armazenamento e depósito de produtos de terceiros;
e) de prestação de serviço de vigilância, limpeza, conservação e locação de mão-de-
obra; e,
f) que tenham débitos inscritos em Divida Ativa da União ou do Instituto Nacional de
Seguro Social – INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa.
A impossibilidade da opção pelo sistema SIMPLES para algumas
empresas mostra-se inconstitucional, por ferir o princípio da igualdade, posto desferir
tratamento diferenciado a empresas com a mesma capacidade econômica.
3.4 O TRATAMENTO DIFERENCIADO E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A REALIZAÇÃO DE SEUS VALORES
A ligação existente entre a organização da vida social e as normas de
uma Constituição voltada à realização de seus valores depende da maneira como a carta
magna é interpretada por seus aplicadores.157
Conforme já visto, por ser a norma de maior valor dentro do
ordenamento jurídico, a interpretação do sistema deve se dar de cima para baixo, isto é,
da Constituição para as demais normas jurídicas. Este escalonamento normativo exigido
pelo ordenamento jurídico é fundamental para alcançar a positivação de suas
prescrições.
A Constituição somente atingirá a plena eficácia quando lhe for dado
o tratamento de norma superior, sendo interpretada dentro do contexto de normas
157 VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. trad. e pref. Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: 2004, p. 113.
89
jurídicas, isto é, a interpretação do texto constitucional deve ser realizada conjuntamente
com a dos textos normativos componentes do ordenamento jurídico, prevalecendo,
porém, a primeira. Lenio Luiz Strek alerta sobre esta necessidade para não deixar a
Constituição com o caráter de uma simples capa de sentidos a embasar outras normas:
[...] Na verdade, a construção das condições para a concretização da Constituição implica entender a Constituição como uma dimensão que banha todo o universo dos textos jurídicos, transformando-os em normas, ocorre sempre a partir de um ato aplicativo, que envolve toda a historicidade e a faticidade, enfim, a situação hermenêutica em que se encontra o jurista/intérprete.158 (grifo do autor)
Como integrante do ordenamento jurídico, a Constituição deve ser
tratada como parte deste todo: “[...] interpretar é aplicar, é concretizar, e isto se dá no
interior do círculo hermenêutico, onde já há sempre um sentido antecipado
(dependemos, pois, de nossa pré-compreensão, de nossos pré-juízos)”.159
Quando analisado o valor igualdade na Constituição, é possível
observar a vontade da sociedade em desferir um tratamento igualitário a todos.
Entretanto percebe-se haver uma distorção nas normas destinadas a positivar tal valor,
juntamente com o tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno
porte, em virtude da interpretação equivocada do texto constitucional. Isto acontece
justamente pelo fato de ser interpretado isoladamente o Art. 179, Art. 170, IX e Art.
146, d, da Constituição Federal. Lenio Luiz Strek trata estes fatores como os
causadores da atual “crise do Direito” e da “baixa efetividade da Constituição”.160
O Estado, por meio de atos de Governo, positivou sim um tratamento
diferenciado. Mas o fez apenas para algumas empresas e não para todas que, em virtude
158 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 321. 159 GADAMER, Hans-Georg apud STRECK, opus citatum, p.322. 160 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 323.
90
de seu faturamento, encontram-se no universo das microempresas e empresas de
pequeno porte.
A essência da Constituição é encontrada na positivação de suas
prescrições. Mas, para isso, é necessário promover sua interação a outras normas, no
sentido de atingir sua eficácia.
O Brasil adota um modelo político que atribui ao legislador a
prerrogativa típica de produzir normas abstratas e gerais capazes de conduzir à
realização dos valores indicados nos enunciados constitucionais. Fica o legislador
infraconstitucional com autonomia para a produção de normas. Mas esta liberdade
estará limitada à realização dos valores jurídicos positivados pelo texto constitucional.
Alguns dos valores jurídicos existentes no ordenamento constitucional
não foram realizados em nível de um direito subjetivo, pois se encontram em uma
norma de estrutura, dependendo da positivação de uma norma de comportamento, para
conseguirem a imposição de seus comandos. Outros valores já constam em normas
passíveis de representar um direito subjetivo, pois nelas seu titular pode exigir uma
conduta daquele que se apresenta como o obrigado pela realização do comando. Nelas,
a proposição jurídica tem estrutura sintática de fato jurídico e relação jurídica (direito
material) e antijuridicidade e sanção (direito processual).
É possível extrair do texto constituição de 1988 enunciados que
permitem a construção de proposições normativas direcionadas à realização de
determinados valores jurídicos.161 A igualdade seria uma destas percepções. Analisando
as prescrições contidas no Art. 179, da Constituição, é possível extrair norma jurídica
que delata uma obrigação do Estado a garantir às microempresas e empresas de pequeno
porte um tratamento fiscal diferenciado, realizando o valor jurídico da igualdade entre
161 BASSOLI, Marlene Kempfer. Positivação de valores constitucionais. ARGUMENTUM – Revista de Direito. Marília, SP, Universidade de Marília (Unimar), v. 4, 2004, p. 169.
91
empresas situadas dentro de um mesmo universo. Quando da criação da norma que
garante este tratamento (norma abstrata e geral) inicia-se, em nível infraconstitucional, o
processo de positivação do valor igualdade. Ao incluir-se uma microempresa ou
empresa de pequeno porte no sistema de tributação simplificado (norma individual e
concreta) é possível alcançar o nível de um valor realizado.
A Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996, para ter sua cumplicidade
com o texto constitucional, deve respeitá-lo. As restrições à opção pelo sistema
SIMPLES, constante na Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996, deixam de promover a
realização da igualdade entre as empresas situadas em um menos universo, os das
microempresas e empresas de pequeno porte. Portanto, suas barreiras devem ser
consideradas inconstitucionais.
92
4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO À OPÇÃO PEL O SISTEMA SIMPLES DE EMPRESAS DEVEDORAS – ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Ao analisar decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais
da terceira e quarta regiões, verifica-se haver uma cumplicidade dos entendimentos
acerca da possibilidade de uma microempresa, ou de uma empresa de pequeno porte,
serem enquadradas no regime SIMPLES, estando em débitos com o Fisco.
Mesmo com faturamento dentro dos limites legais qualificadores das
microempresas e empresas de pequeno porte, os colegiados destes tribunais negaram
judicialmente a inclusão dessas empresas no regime SIMPLES, sob o argumento de ser
um dos requisitos para a opção, conforme prescrito pelo inciso XV, do Art. 9º, da Lei
9.317, de 05 de dezembro de 1996, estar em dia com as obrigações tributárias ou, caso
em débito, que o mesmo esteja com sua exigibilidade suspensa, nos termos do Art. 151
do Código Tributário Nacional.
A maior parte das decisões encontradas nestes tribunais relaciona-se com a
impossibilidade de inclusão no regime SIMPLES de sociedades civis de profissionais
regulamentados. Para melhor embasar seu posicionamento, tanto o Tribunal Regional
Federal da quarta região, quanto o da terceira região, utilizam-se do entendimento
firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
1.643-1, promovida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) contra
o Presidente da República e o Congresso Nacional. Tal ação visava à declaração de
inconstitucionalidade do inciso XIII, do Art. 9º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro de
1996, aplicado às sociedades civis de profissionais regulamentados.
Vencidos os votos dos Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e do, então
Presidente, Ministro Marco Aurélio, o posicionamento firmado foi no sentido de que não
93
há ofensa à isonomia a exclusão das sociedades civis de profissionais regulamentados,
quando a lei:
Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.643-1 Relator: Min. Maurício Corrêa Requerente: Confederação Nacional das Profissões Liberais Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional D.J: 14.03.2003 Ementa: AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOAS JURÍDICAS IMPEDIDAS DE OPTAR PELO REGIME. CONSTITUCIONALIDADE. [...], por motivo extrafiscal, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do SIMPLES aquelas cujos sócios têm condições de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado [...]162 – (g.n)
Ao decidir sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.643-1, o
Supremo Tribunal Federal analisou apenas a constitucionalidade da exclusão do regime
SIMPLES das sociedades civis de profissionais regulamentados, ou seja, o STF
manifestou-se apenas em relação ao inciso XIII, não entrando no mérito — por não
estar sendo discutido naquela ação — do inciso XV, o qual impede a empresas com
débitos fiscais o acesso à tributação diferenciada.
A lei tributária pode promover tratamentos desiguais a situações
equivalentes com o objetivo de privilegiar ou desprivilegiar certas situações em
benefício do interesse geral. Objetivando desenvolver certas regiões do país, ou o
crescimento de certos setores da economia, a lei tributária, sendo utilizada em caráter
162 Supremo Tribunal Federal encontrado em
http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1643&origem=IT&cod_classe
=504 – acesso em 02.07.2006.
94
extrafiscal163, poderá discriminar pessoas que se encontrem em uma mesma situação,
pois trará maiores ganhos a toda coletividade.
Outro ponto acerca da exclusão das sociedades civis do regime
SIMPLES, este não analisado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, é o fato de
não possuírem elas uma estrutura organizacional para o desempenho de típicas
atividades empresariais.
O Art. 179 da Constituição prescreve um direito subjetivo apenas às
sociedades empresariais caracterizadas como microempresas e empresas de pequeno
porte. As sociedades civis de profissionais regulamentados, por não exercerem atividade
empresarial, não se caracterizam como uma sociedade empresária, portanto, não estão
abrangidas pelo tratamento fiscal diferenciado.
O Código Civil prescreve, no parágrafo único do Art. 966, que o
exercício de profissões intelectuais, de natureza científica, literal ou artística, não é
considerado atividade empresarial. Portanto, a exclusão das atividades profissionais
regulamentadas do sistema SIMPLES, prescrita pelo inciso XIII, do Art. 9º, da Lei
9.317, de 05 de dezembro de 1990, não está em confronto com a interpretação
constitucional acerca do tratamento fiscal diferenciado a ser dispensado às
microempresas e empresas de pequeno porte.
Mas a discussão aqui apresentada não diz respeito à exclusão das
sociedades civis de profissionais regulamentados, e sim ao impedimento à opção pelo
regime SIMPLES das empresas em débito com o fisco, conforme prescrito pelo inciso
XV, do Art. 9º, da Lei n. 9.317, de 05 de dezembro de 1996.
163Este foi o posicionamento adotado pelo relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.643-1, Ministro Maurício Corrêa. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1643&origem=IT&cod_classe=504> acesso em 02.07.2006
95
Ao proferirem suas decisões, relativamente à exclusão do regime
SIMPLES das empresas em débito com o fisco, tanto o Tribunal Regional Federal da
quarta região, quanto o Tribunal Regional Federal da terceira região, deixaram de
interpretar a norma que prescreve um tratamento fiscal diferenciado, de acordo com a
finalidade constitucional.
Não há utilização da lei tributária como instrumento extrafiscal
quando do impedimento da opção pelo regime SIMPLES das microempresas e
empresas de pequeno porte em débito com o fisco, mas sim uma forma indireta de
cobrança de tributos sem a utilização dos meios legais.
Em 04 de novembro de 2005, o Tribunal Regional Federal da terceira
região, ao decidir sobre o recurso de apelação interposto no Mandado de Segurança de
n. 2000.61.02.016995-5, entendeu ser legítima a exclusão da empresa do regime
SIMPLES pelo fato de constar em seu nome débitos fiscais cuja exigibilidade não
estava suspensa.
Tribunal Regional Federal da terceira região Apelação Mandade de Segurança n. 2000.61.02.016995-5/SP Relator: Juiz Carlos Muta D.J: 16.11.2005 Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - SIMPLES. OPÇÃO. VEDAÇÃO DO ARTIGO 9º, INCISO XIII, XV E XVI, DA LEI Nº 9.317/96. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
[...] encontra-se o ato de exclusão fundado no inciso XV do artigo 9º da Lei nº 9.317/96, ou seja, na existência de pendência fiscal da empresa, junto ao INSS, por débitos inscritos em dívida, com exigibilidade não suspensa: não comprovação pela impetrante da regularidade fiscal, dada a insuficiência da juntada de GRPS’s, que apenas comprovam o recolhimento expresso, mas não a plena quitação dos débitos fiscais, passível de prova mediante documento específico [...] (g.n) 164
164 Tribunal Regional Federal da terceira região. Disponível em <http://www.trf3.gov.br/juris/pesquisa/pesq-ledoc.php3?primeira_vez=sim&&>. Acesso em 02.08.2006.
96
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal Regional Federal da quarta região no
recurso de apelação interposto na Ação Ordinária de n. 2002.71.00.013783-3. No dia 28
de junho de 2006, o colegiado deste tribunal entendeu ser legítima a exclusão da
empresa:
Tribunal Regional Federal da quarta região Apelação Cível 2002.71.00.013783-3/RS Relator: Juiz Federal Artur César se Souza Requerente: Print Papel Editora Gráfica LTDA Requerido: União Federal( Fazenda Nacional) D.J: 28.06.2006 Ementa: TRIBUTÁRIO. SIMPLES. DÉBITOS INSCRITOS EM DÍVIDA ATIVA. EXCLUSÃO DO SIMPLES. NOTIFICAÇÃO DO CONTRIBUINTE ARTIGOS 12, 13 E 14, DA LEI Nº 9.317/96. ARTIGO 7º, I, DECRETO-LEI 70.235/72 E ARTIGO 2º DA LEI Nº 9.784/99. [...] em razão da existência de débitos no âmbito da Fazenda Nacional, hipótese prevista no rol das vedações do artigo 9º, XV, da Lei nº 9.317/96 [...]. (g.n.) 165
Ambas as decisões foram proferidas sem a devida interpretação
constitucional. Utilizaram-se apenas o texto da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996,
sem integrá-lo à Constituição.
O direito a um tratamento fiscal diferenciado deve ser aplicado a todas as
pessoas jurídicas enquadradas como microempresas e empresas de pequeno porte. O
fato de estar em débito com o fisco não a desqualifica como microempresa ou empresa
de pequeno porte, uma vez ser o seu faturamento o único critério lógico — e
constitucional — para seu enquadramento nestas categorias.
Forçar a empresa a pagar seus débitos fiscais, para que possa desfrutar
de um direito subjetivo prescrito por uma norma constitucional, configura-se como uma
forma de sanção política. É um meio coercitivo de cobrança de tributos não autorizado
por lei. Para Hugo de Brito Machado, sanção política consiste “[...] nas mais diversas
165Tribunal Regional Federal da quarta região. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/processos/pdf_IT2.php?numeroprocesso=200271000137833&datapublicacao=12/07/2006>. Acesso em 02.08.2006.
97
formas de restrições a direitos do contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao
pagamento de tributos [...]”.166
A Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980 já fornece ao Estado os
meios legais para a cobrança de tributos em atraso, não podendo a Lei 9.317, de 05 de
dezembro de 1996, ser utilizada para este fim. A exclusão do regime SIMPLES das
empresas em débito com o fisco mostra-se como uma forma coercitiva e ilegal de
cobrança de tributos de forma indireta.
As sanções políticas são formas indiretas de cobrança de tributos que
ofendem ao devido processo legal. “[...] configura cobrança sem o devido processo
legal, com grave violação de direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que
a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do
tributo é ou não legal [...]”.167
Além de ser uma forma indireta de cobrança de tributos não permitida
por lei, a exclusão das empresas em débito com o fisco fere a livre concorrência entre os
agentes econômicos. Excluída de um regime fiscal mais favorável, uma microempresa e
uma empresa de pequeno porte passam a competir com as grandes corporações
empresariais, porém, com uma estrutura inferior. A desigualdade existente entre as
grandes empresas e os pequenos empresários pode promover dificuldades estruturais
para a manutenção destas últimas no mercado econômico.
4.1. A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E OS PRINCÍPIOS
REPUBLICANOS E DEMOCRÁTICOS
Interpretar a Constituição significa buscar os valores formadores de
seu texto. Dar à Constituição o seu verdadeiro significado. Ficar preso aos escritos de
166 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário. 24ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 468. 167 Ibidem,. p. 469.
98
uma norma pode deixar o sentido, a finalidade para a qual foi criada, fora de seu alcance
real.
A Constituição não pode ser tratada como uma simples ferramenta à
disposição do intérprete. Ela é a constituinte e não uma ferramenta.168 Portanto, deve ser
tratada como tal, extraindo-se de seu texto a norma, nascida segundo valores jurídicos,
e não simplesmente analisando-se a gramática contida no artigo.
Toda e qualquer norma somente terá validade, podendo ser aplicada
ao fato concreto, se a Constituição, como documento supremo dentro de um
ordenamento jurídico, for respeitada. Este é um comando obrigatório para o legislador e
aplicador do direito.
O ato de interpretar o texto constitucional não deve se prender apenas
aos termos gramaticais, aos símbolos gráficos colocados no papel. Deve, sim, ser
retirada do texto a norma, utilizando os sentidos pessoais do homem. Para concretizar a
Constituição segundo os valores de sua formação, interpretá-la como a Lei Fundamental
é essencial. A hermenêutica constitucional tem função importante na solução de
conflitos, como os ocorridos nas relações econômicas. Mas não se pode apenas
interpretar uma norma constitucional isoladamente. Muitos outros aspectos,
pressupostos, elementos, princípios e critérios devem concorrer para a solução dos
conflitos.
Interpretar uma norma isoladamente, sem incluí-la no contexto
constitucional, pode não gerar os efeitos pretendidos pela lei fundamental. E isto tem
ocorrido com freqüência em questões ligadas à ordem econômica, onde os governos têm
se valido apenas de parte da Constituição para aplicá-la à realidade social.
168 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 319.
99
A positivação da igualdade, dentro da ordem econômica, é conseguida
por meio do respeito aos preceitos liberais e sociais de modelos econômicos de Estado
adotados pelo Brasil. Estes valores são realizados por meio de um comando para que o
Estado conceda um tratamento diferenciado às empresas sem condições de competir em
igualdade com as grandes corporações.
Na busca pela eficácia da lei fundamental, uma norma constitucional
não pode anular as prescrições de outra. Por isso, é importante a observância a todo o
texto constitucional na aplicação de uma de suas normas. Não se consegue a realização
dos valores constitucionais aplicando as prescrições destinadas a um tratamento
diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, sem coaduná-las aos
preceitos de liberdade e igualdade.
A pretensão de eficácia das normas constitucionais somente será
realizada se os valores de seu povo forem respeitados.
[...] Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.169
Os direitos constantes na Constituição de um Estado nascem das lutas
para a preservação da vontade geral. A luta deixa de ser um elemento estranho ao
Direito, para se tornar parte dele contra os ataques de injustiça impostos por uma
minoria.170 Os valores, comandos, prescrições que vigoram hoje, tiveram de ser
impostos pela luta àqueles que não os aceitavam171 como regras de supremacia máxima
de uma sociedade.
169 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 15. 170 JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. 2ª ed. Campinas: Russell, 2005, p. 8. 171 JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. 2ª ed. Campinas: Russell, 2005, p. 8.
100
O Direito não é um fim em si mesmo, mas instrumento de realização
da pacificação, da justiça e de determinados valores escolhidos como jurídicos. A
norma jurídica, portanto, pretende produzir algum efeito no mundo dos fatos; deseja
moldar a realidade, alterá-la em alguma medida172, para conseguir atingir o fim para o
qual foi criado.
O Estado, quando cria um tratamento diferenciado destinado aos
pequenos empresários, atua de forma indireta no mercado econômico. A Lei 9.317, de
05 de dezembro de 1996 posiciona-se como o instrumento do Governo federal para
positivação da igualdade e da livre concorrência, princípios estes protegidos pela
Constituição.
A criação de barreiras à opção pelo sistema SIMPLES, utilizando
critérios que não realizam o valor republicano da igualdade, prejudica a eficácia da
Constituição como Lei fundamental de um Estado Democrático de Direito, trazendo
como conseqüência, uma desarmonia e uma insegurança a toda sociedade.
4.2. O DESRESPEITO AOS FUNDAMENTOS REPUBLICANO-DEMOCRÁTICOS
BRASILEIROS
A capacidade de cada pessoa varia muito devido a vários fatores,
muitas vezes, externos à vontade humana. Em muitos casos, aquilo que pode provocar
um desequilíbrio emocional em uma pessoa, para outra pode servir de estímulo.173
No mercado econômico, estas ocorrências também são verificadas. Os
agentes econômicos atuantes no mercado empresarial possuem diferenças relacionadas
a sua estrutura, produção e, principalmente, faturamento. Por isso, há a necessidade de
172 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33-34. 173 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana – a teoria e a prática da igualdade. trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 425.
101
um tratamento diferenciado para cada tipo de situação dentro das relações privadas,
destinado a garantir condições igualitárias a todos.
A Constituição Federal positiva valores em seu texto destinados a
garantir um tratamento igualitário, promovendo, por meio de instrumentos normativos,
uma discriminação legal entre os agentes econômicos. Porém, a vinculação dos fatores
de discriminação deve estar relacionada aos interesses constitucionalmente
protegidos174, evitando a promoção de desigualdades não positivadas.
O texto constitucional, em várias passagens, garante direitos a seus
destinatários na tentativa de equilibrar as estruturas sociais, em conformidade com os
ideais de um modelo social de Estado. A prescrição trazida pelo Art. 179, Art. 170, IX e
Art. 146, d, nos quais as empresas qualificadas como microempresas e empresas de
pequeno porte, têm o direito a receberem um tratamento tributário diferenciado daquele
aplicado às demais empresas, serve para a promoção de um quadro de equilíbrio nas
competições dentro de um mercado econômico. Visa com isso, não só garantir a
liberdade de iniciativa, mas também realizar a igualdade.
A criação pelo Governo de uma lei destinada a promover um
tratamento fiscal diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, é uma
forma indireta de intervenção na ordem econômica, destinada a garantir a positivação
dos valores eleitos e protegidos pela Constituição. Em outras palavras, concede a elas
condições igualitárias no sentido de garantir uma concorrência justa, efetivando assim, o
valor isonômico.
A desigualdade de tratamentos entre empresas situadas em universos
diferentes, tendo como base o seu faturamento, demonstra uma correlação lógica e
racional entre os critérios de discriminação adotados e a isonomia positivada pelo texto
174 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 41.
102
constitucional. A desigualdade de tratamento, nestes moldes, expressa a concretização
de valores republicano-democráticos.
Não seria suficiente para a norma ater-se apenas a pressupostos fáticos
e racionais para o estabelecimento de desigualdades. Deve caminhar, principalmente,
sobre os fundamentos essenciais positivados na lei fundamental, pois, caso contrário,
ter-se-á uma incompatibilidade com o preceito igualitário.175
A restrição imposta pela Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996 às
pessoas jurídicas devedoras de tributos federais de optarem pelo sistema SIMPLES
promove uma ofensa às prescrições constitucionais, pois desfere um tratamento
diferenciado a empresas que se encontram em um mesmo universo, o das
microempresas e empresa de pequeno porte. Deixa a Lei de positivar os valores
constitucionais, por utilizar critérios de diferenciação que não levam em consideração o
faturamento das empresas, único critério aceito pela Constituição.176
A igualdade é a base de uma república-democrática. Por tal motivo, as
desigualdades legais devem vir expressas na lei de forma a garantir a não promoção de
fatores de injustiça, mas sim, de efetividade das heranças axiológicas trazidas pela
sociedade durante os vários anos de luta pela positivação dos direitos e garantias
fundamentais.177
Diante das prescrições constitucionais, é inadmissível discriminar
pessoas ou situações mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes.178
Por tal motivo, não se resguarda de constitucionalidade a criação de um regime
175 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 43. 176 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 233. 177 JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. trad. Ricardo Rodrigues Gama. 2ª ed. Campinas: Russell, 2005. p. 8. 178 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 29.
103
diferenciado que utilize como critério de discriminação o fato de a empresa ser
devedora de tributos federais, por se tratarem de elementos alheios à própria pessoa.
Quando o Governo trata empresas situadas em um mesmo universo —
devido a seu faturamento — de forma diferenciada, deixa de observar os fundamentos e
finalidades constitucionais destinados à ordem econômica.
Tanto o Tribunal Regional Federal da terceira região, quanto o da
quarta região, ao proferirem suas decisões com relação à inclusão, no regime SIMPLES,
de empresas em débito com o fisco, não analisaram os fundamentos constitucionais a
um tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte.
Verificaram apenas a gramática do Art. 179 da Constituição Federal combinada com o
texto do Art. 9º, da Lei 9.31, de 05 de dezembro de 1996, sem extrair dele a norma
constitucional. Tais decisões promovem o nivelamento de entidades empresariais que
possuem traços de desigualdades.
A liberdade de atuação no mercado econômico deve ser assistida pelo
Estado, o qual deve evitar abusos de qualquer ordem, conforme os preceitos de um
modelo liberal de Estado de Direito. A intervenção do Estado deve se restringir aos
casos específicos prescritos pela constituição. Qualquer abuso por parte do Estado
acarretará ofensa à Constituição.
O legislador infraconstitucional, quando da criação do sistema
SIMPLES, ultrapassou os limites prescritos pela Constituição ao estabelecer restrições
às empresas devedoras de tributos federais. Criou elementos de discriminação não
positivados pela Constituição, prejudicando a livre concorrência dentro das relações
econômicas.
104
As planilhas anexas179 demonstram a diferença de carga tributária
existente entre uma empresa enquadrada no regime SIMPLES e outra que realize o
pagamento dos tributos sob a forma de lucro real. Ambas, com faturamento mensal de
R$ 100.000,00 (cem mil reais), chegariam a um numerário anual de em torno de R$
1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), valor este que lhes daria o direito de
optar por uma tributação mais adequada à sua capacidade econômica (regime
SIMPLES), conforme prescrito pelo Art. 2º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996.
A planilha ainda considerou uma despesa mensal com folha de
pagamento em torno de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Em um ano, a empresa incluída
no regime SIMPLES pagaria, relativa a tributos federais, a quantia de R$ 84.400,00
(oitenta e quatro mil e quatrocentos reais), ou 7,03% de seu faturamento, conforme
demonstrado pelo anexo III (planilha contábil sistema SIMPLES). Já aquela que realiza
sua declaração sob a forma de lucro real, pagaria, referente aos mesmos tributos
federais, a quantia de aproximadamente R$ 476.280,00 (quatrocentos e setenta e seis
mil, duzentos e oitenta reais), ou 39,69% de seu faturamento, assim como demonstrado
pelo anexo I (planilha contábil Lucro Real).
É certo que os valores obtidos acima não consideraram as deduções do
custo de compra relativas ao PIS e a COFINS, que hoje são não cumulativos, assim
como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). As planilhas representam uma projeção hipotética de
valores calculados sob a égide da legislação que disciplina a matéria.
A diferença dos valores pagos por uma empresa optante pelo sistema
SIMPLES e por outra não optante, pode ser o diferencial entre a manutenção de suas
atividades no mercado econômico e seu fechamento.
179 As planilhas em anexo foram construídas pelo contador Silvio Barbosa, utilizando dados hipotéticos, para demonstrar a diferença existente entre os valores fiscais a que estão adstritas as empresas brasileiras em cada forma de tributação adotada pela legislação nacional.
105
As empresas em questão possuem a mesma capacidade contributiva,
mas, enquanto uma compete em um ambiente mais favorável a seu desenvolvimento, a
outra está adstrita a concorrer com as grandes corporações empresariais. Essa, também
fica em desvantagem com relação às empresas que possuem a mesma capacidade
contributiva e estrutural. Isso porque os valores pagos a título de tributos são acrescidos
ao preço do produto. Assim, por pagarem um valor muito maior que seus concorrentes
optantes pelo sistema SIMPLES, seu produto fica mais caro, diminuindo suas vendas.
A igualdade é um valor protegido pela Constituição. A criação de
barreiras à opção pelo regime SIMPLES Federal, utilizando elementos capazes de
diferenciar empresas com a mesma capacidade contributiva, prejudica a realização dos
valores constitucionais, trazendo como conseqüência uma desarmonia e uma
insegurança a toda sociedade.
4.3. OFENSA À IGUALDADE
Na formação de um Estado, necessário se faz a presença de três
elementos essenciais: povo, território e soberania. Sem a presença de todos estes
elementos, a formação do Estado se torna incompleta, passando este a ser chamado de
quase Estado, como é o caso do Canadá, onde não há o elemento soberania na plenitude
da palavra.180
Formado o Estado, o segundo passo é analisar a sua vontade. No caso
do Brasil, esta é representada pelo interesse da sociedade. Vontade republicana de
Nação igualitária, conforme positivado no Art. 5º da Constituição.
180 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 71-72.
106
O Brasil adotou a Democracia181 como forma estrutural da vontade
coletiva. A própria Constituição dá as balizas para o alinhamento do Estado voltado ao
interesse coletivo, trazendo em seu texto a base principiológica da Democracia:
supremacia da vontade popular, preservação da liberdade e igualdade de direitos.182
Complementando a formação do Estado brasileiro, tomou-se como
forma de governo o regime republicano, em que os exercentes de funções políticas
representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade,
eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente.183
Configura-se a vontade coletiva pelo Estado Democrático formado
sobre uma política republicana, na qual todo o poder emana do povo. Estes princípios
são desenvolvidos na Constituição com o objetivo de dar maior amparo à base político-
estrutural adotada pelo Brasil.
Não é admissível tratar a democracia como um simples instrumento de
governo.184 Ela é maior que isso. É a própria realização dos anseios de uma sociedade
justa.
A norma contida nos Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, da
Constituição Federal, prescreve uma conduta ao Estado. Ninguém tem o direito de
descumprir um preceito constitucional. Como toda norma jurídica, as constitucionais
também conservam os seus atributos essenciais, como a imperatividade. Portanto, elas
também contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não
apenas moral. “[...] Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de
181 PIOVESAN. Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 52. 182 DALLARI, Opus cit, ,p. 151. 183 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 01. 184 BOBBIO, Norberto. Entre duas repúblicas – as origens da democracia italiana. Brasília: Editora Unb, 2001. p. 35-37
107
coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhes a imperatividade, inclusive pelo
estabelecimento das conseqüências da insubmissão ao seu comando”.185
A lei infraconstitucional que ignorar esta determinação promove um
dano capital à base democrática. Ao descumprir a prescrição constitucional contida no
Art. 179, tratando diferentemente empresas situadas num mesmo universo, tal lei está
fadada à inconstitucionalidade.
4.4. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O DIREITO SUBJETIVO
Devido à sua capacidade econômica, as microempresas e empresas de
pequeno porte passam, muitas vezes, por dificuldades financeiras advindas de
desigualdades econômicas frente às grandes corporações.
Os Art. 179, Art. 170, IX e o Art. 146, d, da Constituição Federal,
prescrevem ser um direito — e não um benefício fiscal concedido pelo Governo — o
tratamento fiscal diferenciado destinado a qualquer empresa de pequeno porte ou
microempresa. Como benefício, o Governo abre mão de certa parcela de sua
arrecadação, podendo este se dar por meio de uma anistia, uma remissão ou mesmo uma
isenção, mas não pela forma de tratamento mais benéfico destinado aos pequenos
empreendedores.
O benefício fiscal, por ser uma renúncia de receitas, nasce por meio de
lei instituída através da competência tributária. Dá ao Governo o direito à manifestação
de vontade. Já o direito subjetivo a um tratamento diferenciado não deixa outra escolha
ao Governo senão cumprir suas determinações. Como uma norma cogente os Art. 179,
Art. 170, IX e o Art. 146, d, da Constituição Federal, criam um direito a seu titular,
passível de ser exigido seu cumprimento pelo Estado (norma primária) e o seu
185 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003. p.78.
108
descumprimento acarreta a ocorrência de uma antijuridicidade passível de sanção
(norma secundária).
Esta norma determina ao Estado um dever de agir, ou seja, de criar os
meios legais através de políticas públicas, tendentes a conceder um tratamento fiscal
diferenciado.
O tratamento diferenciado destinado às microempresas e empresas de
pequeno porte consiste em um direito subjetivo voltado a realizar valores jurídicos
constitucionais. Esta regra prescreve condutas a serem tomados pelo Governo federal no
sentido de realizar a igualdade.186
A condição de patrono da ordem econômica não deve ser encarada
apenas de forma repressiva — atuando o Estado no sentido de impedir a formação de
cartéis, fusões fraudulentas, monopólios comerciais —, mas também de forma
desenvolvimentista, através de ações estatais no sentido de regulamentar as
determinações constitucionais.
O direito à livre concorrência transfere ao Estado o dever de dar —
seja de forma direta ou indireta — a todos os participantes do mercado econômico
meios de concorrer em igualdade de condições, como é o caso do tratamento fiscal mais
benéfico destinado às microempresas e empresas de pequeno porte. O Estado tem o
dever de garantir não só o acesso dos empresários ao mercado econômico, mas também
a sua manutenção.
Ao aplicar o inciso XV, do Art. 9º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro
de 1996, impedindo a inclusão de empresa devedoras de tributos federais no sistema
SIMPLES, o Governo federal promove uma ofensa à igualdade, por criar barreiras
dificultosas a uma competição empresarial justa e equilibrada. Deixa algumas
186 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 10.
109
microempresas e empresas de pequeno porte adstritas a um tratamento tributário mais
oneroso, causando um dano a seu exercício comercial.
A impossibilidade de opção por um sistema de tributação mais
benéfico mostra-se inconstitucional, por ferir, entre outros, o princípio da igualdade,
pois desfere tratamento isonômico a empresas com traços de desigualdade em relação a
sua estrutura e faturamento. As microempresas ou empresas de pequeno porte não
conseguem competir em igualdade de condições com relação aos grandes empresários.
São muitas as diferenças entre as grandes corporações empresarias e os pequenos
empreendedores. Não há como comparar, por exemplo, suas capacidades contributivas.
Assim, conceder o direito a um tratamento fiscal diferenciado é a mais pura realização
da base democrática adotado pelo Brasil.
Os pequenos empresários enfrentam dificuldades para a manutenção
de seu negócio no mercado econômico. Barreiras com relação a créditos em bancos,
disponibilidade financeira para investimento e, principalmente, restrições impostas pelo
fisco, podem excluí-las de uma concorrência comercial justa e igualitária.
A criação de barreiras distintivas de empresas situadas dentro do
universo das microempresas e empresas de pequeno porte ofende o regime instituído
pela própria Constituição, cujo objetivo basilar é conferir maior viabilidade econômica
e gerencial aos pequenos empresários no sentido de concretizar os objetivos de um
Estado Democrático de Direito.
Todas as empresas que possuem margem de faturamento dentro dos
limites legais para a qualificação de microempresa e empresa de pequeno porte têm o
direito subjetivo a optarem por um sistema de tributação mais benéfico prescrito pelo
Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, da Constituição Federal.
110
As empresas de pequeno porte e microempresas, segundo os
fundamentos constitucionais, devem receber um tratamento diferenciado. Este Direito
não pode ser ignorado pelo Estado. As dificuldades suportadas pela maior parte dos
pequenos empresários são agravadas pela inobservância do Estado em relação à norma
constitucional que lhes prescreve um tratamento fiscal diferenciado.
Nos dizeres de Luiz Roberto Barroso “[...] as normas constitucionais
têm sempre eficácia jurídica, são imperativas e sua inobservância enseja aplicação
coativa”187, seja para quem for. As prescrições contidas no Art. 179, Art. 170, IX e Art.
146, d, da Constituição Federal são normas cogentes que contêm uma obrigação de agir
destinada ao ente tributante, não sendo permitido a ele atuar com discricionariedade.
4.5. OS REFLEXOS DO DESCUMPRIMENTO DE UMA NORMA CONSTITUCIONAL DESTINADA A EFETIVAR O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO DA IGUALDADE.
O desrespeito dos governos relativamente ao tratamento diferenciado
destinado às microempresas e empresas de pequeno porte, não só torna inconstitucional
sua atuação, como reflete-se danosamente no desenvolvimento das atividades
empresariais e da sociedade.
Na atual conjuntura político-econômica brasileira, a definição de
propriedade e sua função social têm um papel importante na tentativa de esclarecer
pontos duvidosos vertentes das relações sociais.
Países como o México188, que adotaram a pessoa humana como o bem
primordial de uma Nação, em conformidade com os preceitos de um Estado Social,
187 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003. p. 89. 188 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p.90-91.
111
passaram, em suas constituições, a entender o tema propriedade como algo passível de
oferecer benefício não só a seu proprietário, como também à sociedade.
Neste ponto, o Direito Econômico surgiu como o dilatador do
conceito de propriedade, incumbindo a esta, bem privado, ou público, a obrigação de
cumprimento de uma função social.
Do ponto de vista do Direito Civil, a destinação da propriedade
compete exclusivamente ao proprietário escolher, conforme prescrito pelo Art. 1228, do
Código Civil. Porém, observando a propriedade sob a ótica constitucional-econômica,
percebe-se a necessidade desta cumprir com sua função social189, a qual, caso não
aconteça, poderá acarretar o despojamento do bem das mãos de seu proprietário.
Este instituto busca seu fundamento basilar no direito de propriedade,
cujo conceito não se prende apenas a preceitos civilistas. Há ditames diversos em se
tratando de propriedade e sua função, com relação a um modelo de Estado Liberal ou
Estado Social.190 Mas, em um aspecto ambos concordam: a propriedade deve cumprir
sua função, qual seja, abarcar as necessidades não só de seu proprietário, como também
as de toda a sociedade, função esta embasada em conceitos axiológicos introduzidos
durante os anos de luta histórica do direito.
Ao referir-se à propriedade, geralmente tem-se a idéia da divisão
entre imóveis rurais e urbanos. Entretanto, o conceito de propriedade amplia-se quando
se considera a propriedade empresarial e se discute sua função social. A propriedade
deve abarcar também esses bens tendentes à produção de bens e serviços.
189 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III – função social da propriedade; 190 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores: 2004. p. 168.
112
Para André Ramos Tavares, o direito econômico teve uma
importância grande para esta nova conceituação de propriedade. “[ ] Parece uma
realidade que o poder econômico — seja representado pela detenção de propriedades
imóveis, de bens de produção, de tecnologia ou valor mobiliário — constitui um dos
pressupostos do poder político.”191 Se a propriedade empresarial é considerada bem de
produção, deve produzir para atingir sua função social.
A própria Constituição, em seu Art. 5º, inciso XXIII, traz
determinação expressa de que a propriedade deve atender à sua função social. Sendo a
produção, que produza; sendo a prestação de serviço, que assim o faça; sendo a moradia
sua função, dê-se a ela sua destinação. No caso dos bens empresariais, seja na produção
de bens ou na prestação de serviços, devem estes, entre outras atribuições, produzir
riquezas, criar empregos, desenvolver um ambiente de trabalho digno a seus
empregados, criar políticas de participação na administração da empresa, tudo visando
a auxiliar o desenvolvimento do Estado. Uma empresa, quando deixa de lado suas
obrigações com relação à função social, não atende a prescrição constitucional, visto ser
permitido pela Constituição Federal a constituição apenas de empresas com esta
finalidade, atendendo a prescrição contida no Art. 170, III.
Com a evolução do processo de globalização, a idéia de propriedade
não pode ficar adstrita apenas aos ditames privatistas, mas sim, com doses excessivas de
constitucionalidade e preceitos sociológicos. Não mais se apresenta a propriedade como
um direito individual. Deve ser protegida, impedindo o proprietário de ser despojado de
seu bem ilegalmente. Porém, esta proteção será exercida para aqueles que cumpram
com sua função social.
191 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 159.
113
Tratando-se de propriedade empresarial, este preceito não é diferente.
Deve atingir a satisfação de suas funções, nos exatos termos constitucionais.
Para se entender a propriedade empresarial e sua função social dentro
de uma compatibilização ideológica, necessário se faz compreender preceitos básicos de
política econômica.
A propriedade empresarial possui como finalidade “[...] assegurar a
todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]”, nos termos do Art.
170, caput da Constituição Federal.
Uma empresa somente poderá assegurar a existência digna das
pessoas envolvidas em sua produção, sejam direta ou indiretamente vinculadas, quando
promover o seu crescimento econômico. Por isso, pode-se dizer que o empresário deve
ser ambicioso, pois de sua ambição nasce o desenvolvimento social de uma Nação.
Aumentam-se os empregos, desenvolve-se o comércio, a urbanização; enfim, com a
ambição saudável de um empresário todos ganham, mesmo que de forma indireta.
Mas não se restringe a estes preceitos a função social da empresa.
Deve ela também promover políticas internas de relacionamento com seus funcionários,
como por exemplo, dar condições para o desenvolvimento seguro das atividades
empresariais, criar políticas de incentivos salariais, incentivar a educação de seus
empregados, bem como buscar a melhoria de sua saúde física e mental. As empresas
podem também desenvolver políticas externas com seus empregados, como o auxilio ao
gerenciamento familiar.
Promovendo o desenvolvimento empresarial de sua propriedade,
sendo ambicioso, estará o empresário cumprindo sua função social, transferindo, de
certo modo, a cada componente da sociedade uma parte da riqueza criada.
114
O caput do Art. 170 assegura a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça social. Nota-se o caráter distributivo prioritário. A iniciativa
empresarial não traz apenas lucro ao empresário, mas também promove a distribuição
de riquezas e o desenvolvimento do Estado.
A produção empresarial de bens ou serviços aborda a questão do ato
de produzir e do fato produção. Torna-se parte da política social, quando introduz
elementos sociais a seu conceito. Assim, o fato produtivo e o ato de produção
empresarial promovem a distribuição de riquezas, bem como o desenvolvimento do
Estado, trazendo a função social da empresa como vértice de um desenvolvimento
econômico.
Entretanto, esta função social desempenhada pelas empresas necessita
de amparo governamental. Políticas de incentivo fiscal devem ser adotadas com o
intuito de baratear os custos de produção e da prestação de serviços, deixando ao
empresário uma fatia maior do lucro pelo seu trabalho. Dispondo de um valor maior, o
empresário pode investir mais em seu negócio, proporcionando um desenvolvimento
mais consistente de sua atividade.
Este deve ser o objetivo das políticas governamentais. Promover não
só o ingresso de novas empresas no mercado econômico (modelo econômico de Estado
Liberal), mas, principalmente, garantir a permanência das já existentes (modelo
econômico de Estado Social).
Não basta só exigir dos empresários o cumprimento de sua função
social, é necessário também a participação do Governo neste processo.
A maioria das empresas de pequeno porte e microempresas do país
passam por dificuldades financeiras, devido à impossibilidade de exercerem um direito
que lhes foi outorgado pela Constituição, direito esse cerceado pelo inciso XV do Art.
115
9º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996. Cerca de 60% das microempresas e
empresas de pequeno porte encerram suas atividades em um prazo de cinco anos, sendo
que 31% não sobrevivem mais de um ano.192
Os Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, prescrevem ao Estado o dever
de dispor a estas empresas um tratamento fiscal, contábil e comercial diferenciado,
objetivando a positivação do valor republicano da igualdade. Cabe ao Governo, por
meio de políticas públicas, implementar tais prescrições. Estas determinações servem
para equilibrar o mercado econômico e conceder oportunidades iguais a todas os
agentes econômicos. O Estado passa a desempenhar um papel importante na ordem
econômica, o de regulador e normatizador das relações comerciais entre os particulares.
Uma lei criando os moldes de um tratamento fiscal mais favorável,
somente tem o condão de cumprir a determinação constitucional contida no Art. 179,
Art. 170, IX e Art. 146, d ̧da Constituição Federal, auxiliando o Estado no patronato da
ordem econômica.
O Estado tem o dever não só de garantir o livre acesso ao mercado
econômico às empresas, mas também o de garantir-lhes a permanência neste mercado,
por meio de políticas governamentais garantidoras da positivação da igualdade de
competição.
Todos os pequenos empresários têm direito a um tratamento
diferenciado. “[...] É de ser analisado que o legislador constituinte tencionou que fosse
192 SUZA, Marcos Moura e. Semana da Micro e Pequena na Fiesp debate leis e política de apoio para o setor. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Pesquisa apresentada em palestra na Semana da Micro e Pequena Empresa na FIESP. Disponível em <http://www.fiesp.com.br/noticia/secao2/index.asp?tipo=1&tit=Geral&id=5911&ss=250 –>. Acesso em 17.09.2006.
116
dispensado tratamento jurídico diferenciado para todas as microempresas e empresas de
pequeno porte, independentemente da atividade a que se dedicam”.193
A criação pelo Estado de elementos de discrimen, desvinculados dos
fundamentos constitucionais para atuar dentro do universo das microempresas e
empresas de pequeno porte, promove um desequilíbrio econômico em sua atividade,
posto colocá-las nas mesmas condições das grandes empresas, ocasionando dificuldades
financeiras promotoras de circunstâncias anormais, impedindo-as de cumprirem sua
função social.
O Direito Subjetivo a um tratamento fiscal diferenciado objetiva
privilegiar a base republicano-democrática adotada pelo Brasil, isto é, a igualdade. A
diferenciação legitimada pela Constituição serve como meio de positivação do princípio
da capacidade contributiva, posto ser o faturamento o único ponto diferencial
permitido.194 Qualquer outro critério adotado pelo Estado não seria é passível de
legitimação.
Não pode o Estado negar o tratamento diferenciado às empresas de
pequeno porte e microempresas, por se tratar de um Direito Subjetivo.
O crescimento da atividade empresarial só tende a facilitar e melhorar
as condições de desenvolvimento do país. As microempresas e empresas de pequeno
porte são responsáveis por 67% dos empregos formais existentes no estado de São
Paulo195 e cerca de 41% dos existentes no país.196
193 GUTIERREZ, Miguel Delgado, 2000, p. 358, apud TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 230. 194 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 231. 195 BOGUS, Milton. Semana da Micro e Pequena na Fiesp debate leis e política de apoio para o setor. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Disponível em <http://www.fiesp.com.br/noticia/secao2/index.asp?tipo=1&tit=Geral&id=5911&ss=250 > Acesso em 04.09.2006; 196 SKAF, Paulo. Entrevista na Câmara dos Deputados Federais. Federação das Industrias do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/noticias/secao2.index.asp?ss=139&id=7797 >. Acesso em 06.09.2006.
117
O pequeno empresário, podendo dispor de um tratamento fiscal mais
benéfico, terá condições de promover sua manutenção no mercado, auxiliando o
desenvolvimento do Estado, com a geração de empregos e a produção de riquezas.
André Ramos Tavares já traçou compreensão neste sentido quando
discorreu acerca do princípio da livre iniciativa ao dizer:
[...] ao promover a tutela de referido grupo de empresas, a Constituição está assegurando, indiretamente, a manutenção e ampliação do princípio da livre iniciativa, permitindo que novas empresas, ainda que com estrutura reduzida ou diminuída, possam aventurar-se em mercados já povoados por grandes empresas.197
Completa o autor, analisando o tema sob a óptica da livre
concorrência, dizendo ser importante a prevalência do tratamento diferenciado com o
objetivo de conceder as condições para que as microempresas e empresas de pequeno
porte, mesmo com uma estrutura menor, possam experimentar uma competição mais
justa diante das grandes corporações.198
A implementação destas prescrições depende de uma política
governamental intervencionista, utilizando os instrumentos legais como meio de
assegurar a igualdade entre todos os agentes econômicos, agindo como um verdadeiro
Estado Social de Direito.
Em um Estado como o brasileiro, as políticas públicas possuem um
importantíssimo papel, o de garantidoras dos direitos dos cidadãos. A igualdade entre
todos é um dos princípios fundamentais de todo o ordenamento constitucional. Prova
disso, ser ela repetida em vários capítulos da Constituição.
No pensamento conhecido de Aristóteles199, a igualdade tem como
fundamento tratar igual os iguais e desigual os desiguais. Este raciocínio pode ser
197 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 232. 198 Ibidem, p. 233. 199 ARISTÓTELES. A política. trad. Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
118
facilmente percebido dentro da ordem econômica quando da prescrição de um direito
subjetivo a um tratamento diferenciado às empresas de pequeno porte e às
microempresas.
Celso Antônio Bandeira de Mello alerta para o fato de não dever a lei
“[...] ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social
que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos.”200
Para se chegar a um grau de satisfação da igualdade, a Constituição
garantiu aos pequenos empresários o direito de participar de uma ordem econômica,
competindo dentro de suas capacidades, promovendo os meios necessários para a
positivação do princípio da livre concorrência.
O descumprimento das prescrições constitucionais destinadas a
desferir um tratamento fiscal mais benéfico às microempresas e empresas de pequeno
porte acarreta um abalo à estrutura republicano-democrática do Estado brasileiro.
Os reflexos danosos desta ofensa à Constituição não ficam adstritos
apenas ao pequeno empresário. A sociedade em geral, bem como, o próprio Estado,
sofre por via de conseqüência. Não conseguindo ter espaço para desempenhar a livre
concorrência, 31% das microempresas e empresas de pequeno porte encerram suas
atividades num prazo de um ano, gerando, entre outras conseqüências, o aumento do
desemprego e um retrocesso no desenvolvimento do País.
Para o Estado, o abalo vem na sua estrutura. Tanto os grandes
empresários, quanto os pequenos, participam de sua formação estrutural. Portanto, a
perda de um estabelecimento empresarial afeta a estrutura econômica do Estado
brasileiro. Segundo Paulo Skaf, presidente da FIESP (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), as microempresas e empresas de pequeno porte “[...] respondem
200 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 10.
119
por 99% das empresas formais do Estado [...]”201. Por todo o Brasil, pesquisa realizada
pelo IBGE no ano 2000, mostrou que elas representavam cerca de 98% do total de
empresas formais.202 Portanto, o encerramento precoce de suas atividades reflete-se
desfavoravelmente na formação do PIB (Produto Interno Bruto), afetando a estrutura do
Estado.
Para a sociedade, surge o desemprego. O desempregado não possui
disponibilidade financeira para comprar; portanto, deixa de adquirir bens produzidos
por outras empresas. Estas, por sua vez, tendem a diminuir sua produção visto não haver
consumo, deixando de contratar ou, até mesmo, demitindo funcionários para se
adequarem à necessidade do mercado. O ciclo vicioso se instaura: são mais
desempregados sem poder de compra, menos venda, mais desemprego. Percebe-se aí a
importância da manutenção, em termos do Estado de São Paulo (e do Brasil como um
todo) dessas 99% empresas formais. Percebe-se, aí, a importância de não obstaculizar-
lhes o acesso a um direito constitucional, o do tratamento diferenciado, qual seja, o
acesso ao sistema SIMPLES.
O descumprimento da prescrição constitucional não afeta somente a
estrutura democrática brasileira por ofensa à igualdade, mas também a organização
estrutural de uma sociedade.
A democracia foi instaurada no Brasil tendente a abarcar as
necessidades do povo. Por tal motivo, esta se baseia em um governo republicano.203
201SKAF, Paulo. Semana da Micro e Pequena na Fiesp debate leis e política de apoio para o setor. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Disponível em http://www.fiesp.com.br/noticias/secao2/index.asp?tipo=1&tit=Geral&id=5933&ss=250. Acesso em 04.09.2006. 202Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior. Disponível em <http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/sdp/proAcao/micEmpPequeno/micEmpPequeno.php>. Acesso em 04.09.2006. 203 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. p. 101-103 e KELSEN, Hans. A democracia. trad. Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla e Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes. p. 140.
120
Desrespeitar as prescrições constitucionais, bem como seus princípios, seja por ação ou
omissão, traz para o Estado uma instabilidade na estrutura democrática, e, um prejuízo à
segurança jurídica.
As competições no mercado econômico devem ser realizadas sem a
intervenção do Estado. Mas, quando existir uma disparidade entre os agentes atuantes
no mercado econômico, há a necessidade de uma intervenção estatal por meio de
políticas públicas, para se positivar a igualdade. Caso isso não ocorra não haverá uma
Democracia, mas sim uma forma de autoritarismo econômico.
121
CONCLUSÃO
Mandam as normas que uma dissertação tenha introdução,
desenvolvimento e conclusão. Após considerações iniciais, expõe-se o objetivo do
trabalho, o qual é desenvolvido através de etapas lógicas e, finalmente, chega-se a uma
conclusão. Fazendo-se analogia com uma encenação teatral, pode-se dizer que a
conclusão seria o desenlace após o momento do clímax, o momento no qual todas as
pontas se amarram, todos os nós são desatados, tudo é explicado para que se possa
descer a cortina e encerrar-se, sem quaisquer dúvidas, a questão levantada pelo texto.
Entretanto, continuando a analogia, algumas peças no momento
mesmo do clímax já contêm também o desenlace. Em outras palavras, o clímax é o
momento de esclarecimento, dos desatamentos dos nós ou da amarração das pontas.
Qualquer coisa que se diga após isso soa redundante.
Esta dissertação, de certa forma, construiu-se da mesma forma.
O conhecimento revisto foi se acumulando no sentido de levar à
conclusão que surgiu cristalina no capítulo anterior.
Pode-se dizer que o primeiro “ato” desta dissertação foi de
apresentação de “personagens”: o ordenamento jurídico constitucional e a positivação
de valores. Tais “personagens” foram discutidos minuciosamente, isto é, foram vistos e
analisados sob diversos aspectos de suas estruturas.
A composição do ordenamento jurídico, assim, é formada por dois
grandes conjuntos de normas, as normas de comportamento e normas de estrutura. As
primeiras estão diretamente ligadas às relações interpessoais, conduzindo as condutas
sociais por meio de comandos coativos. Já as de estrutura, relacionam-se com a criação
122
de novas normas, sendo que, para a positivação de suas prescrições, necessitam do
auxilio de outras normas, as de comportamento.
Ambas as normas — normas de estrutura e normas de comportamento
— possuem uma estrutura organizacional que possibilita a sua diferenciação em relação
às normas não jurídicas. Estas normas sempre prescrevem uma conduta hipotética a ser
seguida por seu destinatário, acarretando, por seu descumprimento, uma sanção como
conseqüência. Portanto, a estrutura da norma jurídica divide-se em duas: norma
primária (conduta hipotética) e norma secundária (sanção). Mas esta dualidade
normativa pode ser verificada também em proposições não jurídicas.
O componente pelo qual a norma jurídica é capaz de impor suas
prescrições é o fundamento de distinção entre elas e as simples proposições naturais. A
força impositiva da norma é o meio coativo utilizado pelo Direito para positivar seus
valores.
No segundo ato, uma das “protagonistas” desta dissertação, a
positivação de valores, aparece agora dentro dos modelos de Estado e de Governo
adotados pelo Brasil. Surge o Estado de Direito e seus fundamentos. O “drama” começa
a tomar forma. Como positivar o valor igualdade para seres desiguais é a grande questão
que se apresenta. A solução surge com um modelo econômico de Estado que concilia
valores liberais e sociais. Conclui-se, já nesta parte, que um tratamento isonômico não
positiva a igualdade; que é necessário tratar de forma igual os iguais, e de desigual, os
desiguais.
Então, surgem no terceiro “ato” as grandes “protagonistas” desta
dissertação: as microempresas e empresas de pequeno porte. Apesar de serem duas
entidades distintas, podem ser encaradas sob um mesmo ângulo. O “drama” complica-
se um pouco mais. Um tratamento diferenciado — o sistema SIMPLES de tributos
123
criado pela Lei 9.317 de 05 de dezembro de 1996 — possibilita-lhes “lutar” no mercado
econômico em igualdade de condições com as grandes empresas. Porém, a mesma Lei
que legitima a estas empresas tal tributação diferenciada, em consonância com os
valores e princípios econômico-constitucionais (igualdade e livre concorrência), corta,
para algumas delas, o acesso a este tratamento.
O único critério lógico de distinção das microempresas e empresas de
pequeno porte das demais empresas deve ser o seu faturamento. Qualquer outro critério
fere os fundamentos constitucionais prescritos pelo tratamento diferenciado contido nos
Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, da Constituição Federal.
Finalmente, no quarto e último “ato”, as questões todas apresentadas
anteriormente se enlaçam numa discussão lógica. Este “drama” detém-se num único
ponto: por que as microempresas e empresas de pequeno porte com débito fiscal,
empresas que se encaixam na prescrição do Art. 2º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro de
1996, vêem bloqueado seu direito subjetivo de acesso a um tratamento mais benéfico,
em termos de tributação? Como tal direito é assegurado pela Constituição, através do
Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, conclui-se, nesse momento de clímax, que a
limitação imposta pelo inciso XV, do Art. 9º, da Lei 9.317, de 05 de dezembro de 1996,
não tem amparo constitucional, portanto, é inconstitucional e deve ser cancelada.
A prevalência das prescrições desse inciso somente tendem a
colaborar com a triste estatística brasileira sobre as microempresas e empresas de
pequeno porte. Em menos de um ano, por falta de apoio e por desrespeito a seus
direitos, 31% das microempresas e empresas de pequeno porte cerram suas portas. E
piora a situação se analisado o fato de que 61% delas não conseguem sobreviver por
mais de cinco anos.
A ofensa aos fundamentos constitucionais não se prendem apenas ao
124
universo das microempresas e empresas de pequeno porte excluídas dos benefícios de
uma tributação diferenciada. A sociedade acaba por sentir os reflexos maléficos deste
desrespeito à Constituição.
Os atores deste trabalho representam 99% do total de empresas
formais do estado de São Paulo. São responsáveis por cerca de 67% dos empregos
existentes. Portanto, sem condições de manter suas atividades, acabam fechando as
portas, deixando de fornecer emprego, aumentando o desemprego.
O problema do desrespeito só tende a se agravar, quando analisado o
posicionamento dos Tribunais Regionais Federais da terceira e quarta regiões.
Elementos com função jurisdicional para decidir questões de ofensa à legislação,
deixam de proferir suas sentenças em consonância com os fundamentos constitucionais
prescritos pelo tratamento fiscal diferenciado.
As decisões desses colegiados não analisaram a estrutura normativa
prescrita pelo direito subjetivo contido no Art. 179, Art. 170, IX e Art. 146, d, da
Constituição Federal.
Qual o objetivo desta “peça-dissertação”? Que mensagens pretende o
autor passar com tal texto? Elas fluem facilmente. A Lei 9.317, de 05 de dezembro de
1996, que institui o sistema diferenciado de tributação para as microempresas e
empresas de pequeno porte – SIMPLES –, é legitimada no sentido em que possibilita,
através da tributação diferenciada, a positivação do valor igualdade para empresas
desiguais. Entretanto, ela precisa ser revista em relação a seu Art. 9º, principalmente no
que se refere ao inciso XV, por criar, tal inciso, fator de desigualdade entre empresas
iguais.
Qualquer coisa a mais é redundância.
Fecha-se a cortina desta dissertação.
125
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1994.
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
ARISTÓTELES. A política. trad. Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 3ª tir. atual. por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 38. ed. São Paulo: Globo, 1998.
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 6. ed. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004.
BASSOLI, Marlene Kempfer. Positivação de valores constitucionais. ARGUMENTUM – Revista de Direito. Marília, SP, Universidade de Marília (Unimar), v. 4, 2004.
BOBBIO, Norberto. Entre duas repúblicas: as origens da democracia italiana. Brasília: Unb, 2001.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. trad. Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2005.
126
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7.ed. São Paulo: Malheiros Editores: 2004.
BRASIL. Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2005.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Breve introdução ao direito econômico. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1993.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. O capital na ordem jurídico-econômica. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de direito. Caderno democrático nº 7. 1. ed. Lisboa: Gradiva, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o direito. trad. Hiltomar Martins Oliveira. 4. ed. Belo Horizonte: Líder, 2005.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA disponível em http://www.senado.gov.br
COOLEY, Thomas M. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. trad. e anot. por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell, 2002.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
FIESP – Federação das industrias do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.fiesp.com.br
127
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1997.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. trad. Waltensir Dutra. 21ª ed. Rio de Janeiro: Koogan, 1986.
JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. trad. Ricardo Rodrigues Gama. 2. ed. Campinas: Russell, 2005.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.
JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Disponível em: <http://www.jfpr.gov.br>.
KELSEN, Hans. A democracia. trad. Ivone Castilho Benedetti, Jeferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla e Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Batista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LASSALE, Ferdinand. O que é constituição. 2. ed. São Paulo: Editora Minelli, 2005.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. rev. atual. por José Lindoso. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade, igualdade: os três caminhos. atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2002.
Ministério do desenvolvimento, industria e comercio exterior. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br
PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. As micro e pequenas empresas como propulsoras do desenvolvimento econômico e social – contribuição para o incremento
128
das atividades econômicas no âmbito do Mercosul. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, a. XL, n. 124. Out./Dez. 2001, p. 184.
PESSOA, Roberto Santos. Curso de direito administrativo moderno. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.
PIOVESAN. Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2002.
PIOVESAN. Flávia Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
ROTHENBURG. Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social – ou princípios do direito político. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2006.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em <http://www.stf.gov.br>.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3.ª REGIÃO. Disponível em: <http://www.trf3.gov.br>.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4.ª REGIÃO. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br>.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. trad. e pref. Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: 2004.
129
ANEXO I – Planilha contábil Lucro Real EMPRESA ENQUADRADE NO LUCRO REAL
LEI 9430/96 E 9718/98 E RIR 99
MÊS FATURAMENTO CUSTO/DESPESA LUCRO/PREJUIZO
JAN 100.000,00 30.000,00 70.000,00
FEV 100.000,00 30.000,00 70.000,00
MAR 100.000,00 30.000,00 70.000,00
ABR 100.000,00 30.000,00 70.000,00
MAI 100.000,00 30.000,00 70.000,00
JUN 100.000,00 30.000,00 70.000,00
JUL 100.000,00 30.000,00 70.000,00
AGO 100.000,00 30.000,00 70.000,00
SET 100.000,00 30.000,00 70.000,00
OUT 100.000,00 30.000,00 70.000,00
NOV 100.000,00 30.000,00 70.000,00
DEZ 100.000,00 30.000,00 70.000,00
TOTAL 1.200.000,00 360.000,00 840.000,00
TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/ FATURAMENTO NO ANO
PIS S/FATURAMENTO 1,65% 19.800,00
COFINS S/FATURAMENTO 7,60% 91.200,00
TOTAL 9,25% 111.000,00
PERCENTUAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/FATURAMENTO 9, 25%
TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/LUCRO NO ANO
CSLL 9% 75.600,00
IRPJ 15% 126.000,00
AIR 10% 60.000,00
TOTAL 22% 261.600,00
PERCENTUAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES SOBRE O LUCRO 2 2%
TOTAL DAS CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES S/FOLHA PAGAMEN TO
CONTRIBUIÇÃO RECOLHER S/FOLHA PAGAMENTO 103.680,00
PERCENTUAL DAS CONTRIBUIÇÕES S/ FOLHA DE PAGAMENTO 8,64%
TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTES NA OPERAÇ ÃO 476.280,00
PERCENTUAL TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTE S
NA OPERAÇÃO TOTAL 39,69
SILVIO BARBOSA
CPF 061.832.218-30
1SP153060/o-7
130
ANEXO II – Planilha contábil Lucro Presumido
EMPRESA ENQUADRADE NO LUCRO PRESUMIDO
LEI 9718/98 E 10.637/02
MÊS FATURAMENTO CUSTO/DESPESA LUCRO/PREJUIZO
JAN 100.000,00 30.000,00 70.000,00
FEV 100.000,00 30.000,00 70.000,00
MAR 100.000,00 30.000,00 70.000,00
ABR 100.000,00 30.000,00 70.000,00
MAI 100.000,00 30.000,00 70.000,00
JUN 100.000,00 30.000,00 70.000,00
JUL 100.000,00 30.000,00 70.000,00
AGO 100.000,00 30.000,00 70.000,00
SET 100.000,00 30.000,00 70.000,00
OUT 100.000,00 30.000,00 70.000,00
NOV 100.000,00 30.000,00 70.000,00
DEZ 100.000,00 30.000,00 70.000,00
TOTAL 1.200.000,00 360.000,00 840.000,00
Obs:-
* Neste caso, não são considerados dedutivéis as de spesas/custo
TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/ FATURAMENTO NO ANO
PIS S/FATURAMENTO 0,65% 7.800,00
COFINS S/FATURAMENTO 3,00% 36.000,00
CSLL S/ FATURAMENTO 1,08% 12.960,00
IRPJ S/FATURAMENTO 1,20% 14.400,00
AIR S/FATURAMENTO 10,00% 96.000,00
TOTAL 167.160,00
PERCENTUAL TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES SOBRE FATU RAMENTO 13,93
TOTAL DAS CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES S/FOLHA PAGAMEN TO
CONTRIBUIÇÃO RECOLHER S/FOLHA PAGAMENTO 103.680,00
PERCENTUAL DAS CONTRIBUIÇÕES S/ FOLHA DE PAGAMENTO 8,64%
TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTES NA OPERAÇ ÃO 270.840,00
PERCENTUAL TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTE S
NA OPERAÇÃO TOTAL 14,02
SILVIO BARBOSA
CPF 061.832.218-30
1SP153060/o-7
131
ANEXO III – Planilha contábil sistema SIMPLES
EMPRESA ENQUADRADE NO SIMPLES FEDERAL- EPP
LEI 9317/96 E 11.196/2005
MÊS FATURAMENTO FAT.ACUMULADO % IMPOSTO A PAGAR
JAN 100.000,00 100.000,00 5,80% 5.800,00
FEV 100.000,00 200.000,00 5,80% 5.800,00
MAR 100.000,00 300.000,00 5,80% 5.800,00
ABR 100.000,00 400.000,00 6,20% 6.200,00
MAI 100.000,00 500.000,00 6,60% 6.600,00
JUN 100.000,00 600.000,00 6,60% 6.600,00
JUL 100.000,00 700.000,00 7,00% 7.000,00
AGO 100.000,00 800.000,00 7,40% 7.400,00
SET 100.000,00 900.000,00 7,80% 7.800,00
OUT 100.000,00 1.000.000,00 8,20% 8.200,00
NOV 100.000,00 1.100.000,00 8,60% 8.600,00
DEZ 100.000,00 1.200.000,00 8,60% 8.600,00
TOTAL 1.200.000,00 7,03% 84.400,00
Obs:-
* Neste caso, não são considerados dedutivéis as de spesas/custo
TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/ FATURAMENTO NO ANO
SIMPLES FEDERAL 7,03% 84.400,00
PERCENTUAL TOTAL DOS IMPOSTOS INCIDENTES S/FATURAMENTO 7,03%
TOTAL DAS CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES S/FOLHA PAGAMEN TO
não tem patronal e sim o retido do funcionário recolhido -
PERCENTUAL DAS CONTRIBUIÇÕES S/ FOLHA DE PAGAMENTO 0,00%
TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTES NA OPERAÇ ÃO 84.400,00
PERCENTUAL TOTAL CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS INCIDENTE S
NA OPERAÇÃO TOTAL 7,03%
SILVIO BARBOSA
CPF 061.832.218-30
1SP153060/o-7