a tributaÇÃo brasileira como obstÁculo a reduÇÃo …
TRANSCRIPT
1
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ANDRÉ RAMOS DA SILVA
A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA COMO OBSTÁCULO A REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES.
Palhoça
2018
2
ANDRÉ RAMOS DA SILVA
A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA COMO OBSTÁCULO A REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES.
Projeto de pesquisa apresentado ao
Curso de Ciências Econômicas em 2018, da
Universidade do Sul de Santa Catarina,
como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel.
Orientador: Prof. Santos, Rogério
Palhoça
2018
3
“A disposição para admirar e quase idolatrar os ricos e poderosos
– e para desprezar ou pelo menos negligenciar pessoas de
condição pobre ou miserável – é a grande causa, e a mais
universal, da corrupção dos nossos sentimentos morais.”
(SMITH, Adam, 1759)
4
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Evolução da Pobreza......................................................................................28
Gráfico 2: Evolução do Coeficiente Gini..........................................................................28
Gráfico 3: Carga Tributária no Brasil e países da OCDE................................................30
Gráfico 4: Carga Tributária por Base de Incidência........................................................31
Gráfico 5: Carga Tributária por Base de Incidência........................................................32
Gráfico 6: Carga Tributária sobre bens e serviços..........................................................34
Gráfico 7: Carga Tributária sobre Propriedade e Patrimônio..........................................36
Gráfico 8: Participação de Impostos sobre Propriedade e Serviços...............................38
Gráfico 9: Carga Tributária sobre Renda, Lucro e Ganhos de Capital............................39
Gráfico 10: Tributação s/ Lucros e Dividendos no Brasil e nos países da OCDE...........41
Gráfico 11: Montante de Rendimentos Tributáveis e Isentos Declarados......................42
Gráfico 12: Rendimentos Tributáveis e Isentos Declarados...........................................44
Gráfico 13: Proporção de Imposto de renda devido........................................................45
5
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: População brasileira e índices de desigualdade........................................24
Tabela 2: Declarantes do IRPF..................................................................................25
Tabela 3: Beneficiários do Programa Bolsa Família..................................................26
Tabela 4: Renda e Despesa familiar..........................................................................35
Tabela 5: Rendimentos declarados por faixa de renda – IRPF.................................43
Tabela 6: Rendimentos declarados por UF – IRPF...................................................46
Tabela 7: Deduções nas Declarações IRPF – 2016..................................................47
Tabela 8: Deduções com despesas médicas nas Declarações IRPF – 2016...........48
6
LISTA DE SIGLAS
CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
DRE – Demonstração do Resultado do Exercício
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JSCP – Juros sobre o Capital Próprio
IRPF – Imposto de Renda Pessoa Física
IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares
RFB – Receita Federal do Brasil
SEDS – Secretaria Especial de Desenvolvimento Social
STN – Secretaria do Tesouro Nacional
TD – Texto para Discussão
TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA 9-10
1.2 OBJETIVOS 11
1.2.1 Objetivo geral 11
1.2.2 Objetivos específicos 11
1.3 JUSTIFICATIVA 12
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 13-14
1.5 CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 15
2 REFERENCIAL TEÓRICO 16-25
3 DESENVOLVIMENTO 26-56
3.1 A DESIGUALDADE PERSISTENTE 26-34
3.2 UM SISTEMA TRIBUTÁRIO INJUSTO QUE CONTRIBUI PARA A
PERPETUAÇÃO DAS DESIGUALDADES 35-56
3.2.1 - A Carga Tributária 35-36
3.2.2 - O Peso da Tributação sobre o Consumo 37-40
3.2.3 - A Baixa Tributação sobre o Patrimônio 40-43
3.2.4 - Ausência ou Reduzida Progressividade na Tributação sobre
Rendas, Lucros e Ganhos de Capital 43-54
3.2.5 – Outros aspectos sobre a Tributação 54-56
4 CONCLUSÃO 57-58
REFERÊNCIAS 59-61
8
1 - INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão do Curso de Ciências Econômicas tem a finalidade
de dissertar e alertar o leitor sobre importância da Tributação Brasileira e colocá-la no
centro de uma discussão que deve estar focada na sua estruturação e em como isso
contribui na formação de um país que apresenta níveis alarmantes de desigualdade
social. Acompanhar esse comportamento auxilia no entendimento da trajetória da
desigualdade.
A tarefa consiste em demonstrar os impactos da estrutura tributária regressiva
vigente que não levam em consideração as fontes de renda, a proporcionalidade das
variações de renda das classes sociais e a capacidade contributiva de cada cidadão.
Causando assim grandes distorções na equidade e distribuição de renda, e gerando
grandes dificuldades e falta de oportunidades para os mais carentes e a manutenção de
privilégios dos mais abonados. O resultado dessa situação dramática são as diversas
anomalias econômicas e sociais existentes em nosso país.
9
EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA
Apesar de alguns avanços que tivemos nos últimos 20 anos, sobretudo na
redução da extrema pobreza, distribuição de renda e do acesso da população mais
desprovida a direitos e serviços essenciais através da maior formalização do trabalho,
valorização do salário mínimo e ampliação de políticas sociais redistributivas, o abismo
presente entre os mais ricos e os mais pobres nos coloca como uma das sociedades
mais desiguais do mundo. E esses altos níveis de iniquidade acarretam fenômenos
negativos preocupantes como crescimento da violência e criminalidade, precarização
do trabalho, desemprego, educação de baixa qualidade, desrespeito a diversidade,
entre outros.
Um agravante contemporâneo nas relações de desigualdade é a globalização
juntamente com um maior acesso a informação que trazem predominância dos padrões
de consumo que apresentam as benesses como se estas estivessem ao alcance de
todos quando na verdade estão distantes da realidade da grande maioria da população
em razão da grande concentração de renda e riqueza.
A desigualdade se apresenta em dimensões diferentes nos vários estratos
sociais e são observados com características que variam em função de gênero, faixa
etária, faixa de renda e região geográfica. Os fatores negativos sobrecarregam os mais
necessitados que são alijados e marginalizados, e usufruem pouco ou nada da riqueza
gerada pelo conjunto da sociedade, enquanto a pequena parcela que se encontra no
topo da pirâmide social se beneficia de forma desproporcional da produção de riquezas.
Estudos do IPEA como o TD 1460 – Determinantes da Queda na Desigualdade
de Renda no Brasil (2010) apontam que os 10% mais se apropriam de 43% da renda
nacional enquanto os 10% mais pobres se apropriam apenas de 1% desta mesma
renda, ou seja, a diferença de rendas nesses dois decis dos extremos da sociedade
brasileira chega a 43 vezes. Outra pesquisa mais recente, da Oxfam, intitulada “O
Brasil que nos une” (2017), divulgada há um ano nos revelou que apenas seis
brasileiros têm riqueza equivalente à metade da nossa população, ou seja, 100 milhões
de pessoas. E que os 5% mais ricos têm a mesma porção de renda dos outros 95%.
10
Esses dados apurados nas pesquisas demonstram nossa incapacidade de
desconcentrar riqueza e distribuir renda.
A alta desigualdade social e econômica existente no Brasil é a grande
responsável pelas mazelas da nossa sociedade. Essa situação oriunda de uma elevada
concentração de renda e riqueza tem em seu Sistema Tributário Regressivo o
instrumento mais relevante nessa deformidade estrutural.
Ainda que carga tributária brasileira (aproximadamente 33% do PIB de acordo
com estudo com o mesmo estudo da Oxfam de 2017) tenha certa paridade com os
padrões mundiais, a sua base de incidência não respeita os princípios de equidade,
eficiência e capacidade contributiva, e, portanto, evidencia a ausência de
progressividade tributária em um sistema que penaliza os mais pobres e privilegia os
mais ricos.
A falta de progressividade na cobrança de impostos ocorre devido à atuação não
efetiva e disfuncional do Estado na aplicação, controle, regulação e estabelecimento da
proporcionalidade dos impostos, que provoca níveis vultosos de concentração de renda
e patrimônio, e consequentemente, perda de produtividade e competitividade da nossa
economia. Esse desequilíbrio acontece, principalmente, por causa das condições e
estruturação inadequada da tributação brasileira que conta com grandes distorções e
que estão fora dos parâmetros mundiais observados, especialmente nos países que
compõem a OCDE.
Essa conjuntura de sociedade desigual mantida, entre outras, pela estrutura
tributária regressiva é compreendida pela inversão dos princípios da equidade na
tributação onde esta acomete com maior peso o consumo e com menor peso a renda e
o patrimônio. Os exemplos são diversos neste caso. Podemos citar a má distribuição de
impostos diretos e indiretos na carga tributária, a baixa tributação de patrimônio e
heranças, a ausência de tributação sobre lucros e dividendos de pessoa física, a
permissividade da legislação que facilita a elisão e evasão e a pouca progressividade
nas faixas superiores de Imposto de Renda.
11
Diante deste cenário, esse trabalho propõe a discussão deste enorme problema
nacional que é a desigualdade econômica e social e qual seria o impacto de uma
estrutura tributária regressiva nesse contexto abordado.
Nesse contexto o problema do trabalho apresentado se manifesta através da
seguinte questão: Qual o impacto de uma estrutura tributária regressiva na manutenção
das desigualdades no Brasil?
OBJETIVOS
Tomando como base o problema de pesquisa, apresentam-se, na seqüência, os
objetivos a serem alcançados no trabalho de conclusão de curso.
Objetivo geral
O objetivo geral do trabalho de conclusão de curso é demonstrar de que forma a
estrutura tributária regressiva impacta na perpetuação das desigualdades econômicas e
sociais brasileiras.
Objetivos específicos
De forma a atingir e complementar o objetivo geral apresenta-se alguns objetivos
específicos a serem alcançados no decorrer do trabalho:
▪ Apresentar os altos níveis de desigualdade existentes na
sociedade brasileira;
▪ Evidenciar como o sistema tributário brasileiro é injusto e
ineficiente;
▪ Revelar como a tributação contribui de forma significativa na
sustentação das desigualdades.
12
JUSTIFICATIVA
A realização desse trabalho é de interesse de toda a sociedade brasileira,
sobretudo pela proximidade das eleições. Esse é um debate fundamental no sentido de
estimular a reflexão para mudanças estruturais em nosso país a fim de definir soluções
permanentes para os nossos problemas. As medidas paliativas realizadas nos últimos
anos para atenuar as condições de desigualdade não são capazes de se manter de
modo efetivo e sustentado ao longo o tempo. Nesse contexto se insere a importância
do tema abordado que mostra a necessidade de reformas estruturais que garantam
progresso social e crescimento econômico de maneira sustentável. Assim sendo, o
diagnóstico da estrutura tributária regressiva como obstáculo a redução das
desigualdades é primordial para a solução do problema discorrido neste trabalho. A
pesquisa acadêmica serve como advertência para governo e sociedade no intuito de
provocar inquietação e indignação, assim como oferece à universidade, que é um
espaço de aprendizado, pesquisa e extensão, a oportunidade de construção de
alternativas que possam melhorar nossa coletividade.
13
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O propósito deste trabalho é estudar, descrever e relacionar as duas variáveis
apresentadas para o aprofundamento do assunto. Neste sentido a pesquisa descritiva
se torna a mais apropriada, pois estabelece correlações entre as variáveis e determina
as características do problema. Quanto à natureza da abordagem se faz necessário a
utilização de análises de caráter quantitativo e qualitativo já que o estudo pode ser
retratado por meio de dados estatísticos padronizados conjuntamente com a análise
indutiva e reflexiva dos fatos, tendo o cuidado de preservar os dados pesquisados,
assim como interpretá-los de forma adequada para seu desenvolvimento sob o aspecto
qualitativo. As características dos dois métodos de abordagem acabam sendo
complementares na construção do trabalho e conjugá-las de acordo com as
necessidades é a melhor maneira de potencializar o conhecimento científico conforme
explica Malhotra: “A pesquisa qualitativa proporciona uma melhor visão e compreensão
do contexto do problema, enquanto a pesquisa quantitativa procura quantificar os dados
e aplica alguma forma da análise estatística”. (Malhotra,2001, p.155)
Em se tratando do procedimento técnico da pesquisa utilizado, constatou-se que
a pesquisa bibliográfica é a mais apropriada para a elaboração e validação desta tarefa.
A pesquisa bibliográfica explica o tema com base em referências teóricas publicadas
em livros, artigos científicos, revistas especializadas etc. Tem o objetivo de colocar o
pesquisador em contato direto com tudo que já foi publicado sobre o assunto, buscando
conhecer e analisar conteúdos e proporcionar uma nova abordagem sobre o tema
discutido que podem levar a novas conclusões.
Em suma, todo trabalho científico, toda pesquisa, deve ter o apoio e o
embasamento na pesquisa bibliográfica, para que não se desperdice tempo com um
problema que já foi solucionado e possa chegar a conclusões inovadoras (LAKATOS &
MARCONI, 2001).
O levantamento de dados realizado abrange textos, artigos e publicadas em
livros e artigos disponibilizados pelo IPEA, Oxfam e FGV que serviram como base de
14
dados para a pesquisa e tem a função de situar este trabalho com o assunto dissertado
propiciando novas conclusões.
Toda a literatura disponível foi analisada e a amostra conta com texto e artigos
que foram selecionados a partir da leitura criteriosa considerando os mais variados
segmentos temáticos relacionados ao contexto desenvolvido neste trabalho, assim
como os níveis de interesse e importância para sua conclusão e demonstração dos
resultados obtidos.
Após o procedimento técnico para coleta, levantamento e execução de dados, é
necessária a interpretação dos mesmos para sintetizar resultados e obter respostas
para a situação problema do estudo. A estruturação sistemática dos instrumentos de
pesquisa foi orientada a partir dos desdobramentos das matérias embasadas no
referencial teórico do projeto.
A análise dos dados foi realizada de forma descritiva visando estabelecer uma
dimensão para o problema e ampliando o conhecimento para a elaboração do
referencial teórico. Desta forma, a análise de conteúdo foi utilizada por sua condição
sistemática e por possuir características e possibilidades que transitam entre a
objetividade da abordagem quantitativa e a subjetividade da abordagem qualitativa,
fornecendo através de fontes diversificadas as novas perspectivas, significados e
compreensões no contexto do processo de investigação dos fatos.
Segundo Bardin (1977), “A análise de conteúdo é caracterizada por um conjunto
de instrumentos metodológicos que se aplicam a conteúdos diversificados. Esta análise
através do tratamento dos dados, que são naturalmente advindos da natureza
qualitativa e quantitativa é considerada importante ferramenta para estudos sociais e
antropológicos, tanto para pequenos grupos quanto para amostras consideradas muitos
grandes”.
15
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
Atividades / Período
Agosto/2018 Setembro/2018 Outubro/2018 Novembro/2018 Dezembro/2018
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
Conclusão do projeto de pesquisa junto ao orientador de TCC
X X X X
Elaboração dos instrumentos para a coleta dos dados
X X X X
Coleta de dados
X X X X
Organização dos dados coletados
X X X X
Análise e interpretação dos dados
X X X X
Atividades / Período
Fevereiro/2019 Março/2109 Abril/2019 Maio/2019 Junho/2019
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
1ª S
2ª S
3ª S
4ª S
Redação da monografia
X X X X
Revisão 1 X X
Redação da monografia
X X X X
Revisão 2 X X
Conclusão da monografia
X X X X
Revisão final X X
Envio da versão final da monografia
X X
Quadro 1 – Cronograma de atividades
16
2 - REFERENCIAL TEÓRICO
Historicamente a desigualdade é o maior impedimento para nos tornamos um
país socialmente mais justo e economicamente mais competitivo. O elevado número de
pessoas que não contam com o mínimo necessário para viver com dignidade destoa do
reduzido número de pessoas que se apropriam da maior parte da renda e das riquezas
nacionais. Essa condição é incompatível com padrões internacionais de
desenvolvimento e acarreta menores possibilidades de mobilidade social, menores
oportunidades de geração de renda, e consequentemente, a manutenção da exclusão
social de grande parte da população. Para Carvalho “A desigualdade é a escravidão de
hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma sociedade democrática”.
(Carvalho, 2002, p.229).
Esse problema nos persegue desde que é possível mensurar os caminhos da
desigualdade e dados e estatísticas nos mostram que em períodos de governos
antidemocráticos e autoritários a desigualdade se acentuou de forma mais aguda.
Mesmo com crescimento mais robustos como no conhecido “milagre econômico” da
Ditadura Militar, a concentração de renda se exacerbou conforme relata Benjamin:
Entre 1946 e 1963 houve a mais expressiva e mais longa redução da
desigualdade já registrada entre nós. O golpe militar de 1964 a interrompeu,
dando início a um período de reconcentração. Essa tendência perdurou até
1992, quando os efeitos da Constituição de 1988 começaram a se fazer sentir.
(Benjamin, 2016, p.01)
A desigualdade no Brasil, ao longo do tempo, se apresenta em níveis alarmantes
e inaceitáveis, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que trouxe
ganhos sociais e redistributivos importantes que proporcionaram uma modesta queda
na trajetória das desigualdades. E como nossa Lei Fundamental determina valores de
igualdade, dignidade e cidadania, seus objetivos, entre outros, estão no
estabelecimento de uma sociedade livre, justa e solidária; na erradicação da pobreza; e
a redução das desigualdades sociais e regionais. Portanto, o combate às
17
desigualdades é o cumprimento das diretrizes de nossa Carta Magna como mostra a
Oxfam em seu relatório:
Combater as desigualdades é um fim em si mesmo. As diferenças
socioeconômicas existentes no País são inaceitáveis sob qualquer aspecto, e
não condizem com os ideais de igualdade e solidariedade sobre os quais nossa
Constituição Federal se apoia. (Georges, 2017, p.17).
Medidas pós 1988 contribuíram ligeiramente para uma redução moderada da
desigualdade na base da pirâmide social. O êxito do Plano Real foi fundamental para o
controle da inflação que pesa mais sobre poder compra dos mais pobres. O
aquecimento do mercado de trabalho e sua maior formalização juntamente com a
valorização do salário mínimo proporcionaram rendas mais adequadas à população. As
políticas de distribuição de renda promoveram mais acesso a condições mínimas de
sobrevivência. E a universalização de direitos sociais garantiu condições um pouco
mais adequadas de cidadania. De acordo com Calixtre:
O processo de redução da desigualdade observado na década de 2000 é
extraordinário e único na história do país. Esta redução é fundamentalmente um
fenômeno captado pela renda das pessoas, explicado por duas grandes forças:
a ampliação e estruturação do mercado de trabalho e a ampliação das políticas
sociais operadas pelo Estado. (Calixtre,2014, p.01)
Embora os níveis de desigualdade tenham se reduzido nos últimos 25 anos,
estudos mais recentes e aprimorados estão demonstrando que essa diminuição não foi
tão acentuada como haviam sido divulgados. Acesso a dados mais detalhados sobre a
renda e patrimônio dos mais ricos revelaram que a concentração de renda e riquezas
permanece em níveis preocupantes conforme conclui Souza, Medeiros e Castro em
seus estudos: “A concentração de renda entre os mais ricos é, de acordo com os dados
tributários, substancialmente maior do que a estimada pelos levantamentos
domiciliares, sem que tenha havido tendência de queda nos últimos anos”. (Souza;
Medeiros; Castro, 2014, p.27)
18
Como visto até aqui a desigualdade é um elemento central na causa dos nossos
problemas sociais. Mas em termos conceituais, quais as visões existentes sobre a
desigualdade e seus impactos no contexto brasileiro? Para Barros e Mendonça:
O crescimento médio de 3% no PIB per capita entre 1960 e 1990 não foi
igualmente distribuído e não beneficiou igualmente todos os segmentos da
população e, portanto, levou a um substancial aumento na desigualdade de
renda no período, não havendo melhora no bem-estar. (Barros;
Mendonça,1992, p.329)
Para Georges, no Relatório Brasil que nos une:
Após a proclamação da Constituição de 1988, o nosso país iniciou uma
trajetória geral de redução de desigualdades. Renda e serviços essenciais
passaram a ser mais equitativamente distribuídos na sociedade, especialmente
pela elevação do nível de vida dos estratos mais pobres da população e pela
progressiva consolidação de políticas públicas inclusivas. Por outro lado,
manteve-se estável a extrema concentração de renda e patrimônio no topo da
pirâmide social. (Georges, 2017, p.06)
De acordo com Soares:
As medidas de desigualdade de renda familiar per capita confirmam que a
trajetória de queda, iniciada em meados da década de 1990 assume
intensidade inequivocamente mais acentuada a partir de 2001, assim
permanecendo durante os anos subsequentes, até 2005. Um dos resultados
desse processo é que, nesse ano, a desigualdade alcançou seu menor nível
nas últimas três décadas. No entanto, apesar dos avanços, a concentração de
renda brasileira ainda é extremamente alta, encontrando-se o Brasil entre os
países com mais elevados níveis de desigualdade. (Soares, 2007, p.07)
19
Benjamin argumenta que:
Ao contrário do que diz a propaganda oficial, não houve alteração significativa
no perfil da distribuição de renda no Brasil na última década. Desde 2013 os
pequenos ganhos começaram a ser revertidos. Tudo indica que o ciclo de
distribuição sem reformas foi curto, superficial e incapaz de produzir ganhos
significativos e permanentes. A renda continua concentrada no topo da escala,
onde está o pequeno grupo dos mais ricos. (Benjamin, 2016, p.07)
Da mesma forma, Morgan diz que “A desigualdade total de renda e patrimônio no
Brasil parece ser muito resiliente à mudança, ao menos no médio prazo, principalmente
em razão da extrema concentração de renda e seus fluxos de renda”. (Morgan, 2017,
p.05)
Nesse sentido, Medeiros, Souza e Castro são mais específicos ao expor que:
Em comparação com dados tributários, as pesquisas domiciliares subestimam
tanto da renda média quanto o nível de concentração no topo, indicando que a
tendência de queda da desigualdade no Brasil nos últimos anos não seja tão
evidente. Estando dentro, na melhor das hipóteses, da estabilidade. (Medeiros;
Souza; Castro, 2014, p.26)
Com base nas diferentes abordagens conceituais sobre a desigualdade no
contexto histórico nacional, é possível notar semelhanças e diferenças nas reflexões
dos autores que se debruçam sobre esse tema. Todos concordam que o nível de
iniquidade ainda é extremamente alto e que ainda precisamos avançar muito para a
solução do problema. Alguns autores como Georges e Soares enxergam alguns
avanços nos últimos anos na direção de uma sociedade mais igualitária devido a
algumas medidas tomadas após a redemocratização e a promulgação da Constituição
Federal de 1988. Entretanto, outros autores como Benjamin, Morgan, Medeiros, Souza
e Castro não percebem essa redução das desigualdades através de seus estudos mais
abrangentes e que disponibilizam dados mais extensos para a determinação e
avaliação dos graus de concentração de riquezas no Brasil.
20
Mesmo considerando as eventuais divergências de abordagens e conceitos, é
um fato notório que a perpetuação das desigualdades é uma das principais causas das
nossas mazelas econômicas e sociais, e que o sistema tributário, estruturalmente
regressivo, é um dos grandes responsáveis por essa condição grave que vivenciamos,
enquanto sua finalidade deveria ser a de atenuar essa condição conforme destaca
Monteleone:
O tributo pode ser percebido como um instrumento de justiça social, que auxilia
o Estado a auferir os recursos necessários para a manutenção e equilíbrio
econômico, visando a compensar a falta de recursos dos cidadãos menos
afortunados. (Monteleone, 2012, p.01)
Mais recentemente Tavares (2017) expõe:
Ao analisar a sistemática econômica e tributária no Brasil sob os preceitos
constitucionais de reduzir as desigualdades e erradicar a pobreza, constatou-se
que as classes médias e pobres compostas por trabalhadores assalariados são
os que sofrem com os maiores pesos da carga tributária, enquanto os ricos são
beneficiados com cargas tributárias mais leves quando consideradas a
proporcionalidade dos seus patrimônios e rendas e acrescenta ainda, a
utilização da tributação, como mecanismo para equalização de direitos e a
implementação do meio termo entre a concentração de renda, oriunda do
individualismo excessivo, e a completa abstenção ao direito de propriedade em
prol da coletividade, como no socialismo, é fundamental para que os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil sejam implementados.
(Tavares, 2017, p. 217)
A partir dessa premissa podemos diagnosticar que a tributação sempre foi, ao
longo de nossa História, um mecanismo que contribui drasticamente para a situação
tratada e que sua mudança estrutural sempre foi colocada em dificuldade por
segmentos mais abonados da sociedade como mostra Varsano:
21
A principal crítica à tributação era a excessiva carga incidente sobre o setor
produtivo, tanto devido à cumulatividade do imposto de consumo como ao
progressivo aumento do imposto de renda de pessoas jurídicas. As alterações
introduzidas em 1962 na legislação do imposto de renda de pessoas físicas,
que visaram, principalmente, ampliar a tributação sobre os rendimentos de
capital, bem como criar formas de controle de sua evasão -- por exemplo,
exigindo a declaração de bens --, certamente aumentaram a indignação das
elites econômicas contra o sistema tributário vigente. (Varsano, 1996, p.08)
Neste mesmo sentido de reforçar o caráter histórico regressivo da nossa
tributação, Ávila e Conceição revelam que:
No Brasil, O governo João Goulart aumentou a alíquota máxima de imposto de
renda para 65% e propôs profundas alterações no sistema tributário brasileiro,
mas acabou sendo destituído de seu cargo. Os governos militares
subsequentes rechaçaram as propostas de Goulart, reduziram as alíquotas e as
faixas de tributação. No final da década de 1980, as alíquotas foram reduzidas
ainda mais. Já na década de 1990, o sistema clássico de tributação da renda do
capital foi abandonado, nesta medida, os dividendos passaram a não integrar a
base de cálculo do imposto de pessoas físicas. Nos governos petistas, houve
tentativas frustradas de ampliar a progressividade tributária no Brasil. (Ávila e
Conceição, 2017, p.03)
Da mesma maneira Lattieri afirma que:
Da segunda metade dos anos 60 até o final dos 80 foi expandida a tributação
sobre o valor agregado, reduzidos os tributos sobre comércio exterior,
fortalecida a administração tributária, mas deixada em plano secundário a
utilização da tributação de renda como instrumento de redução de
desigualdades. (Latirei, 2017, p.108)
22
Sob o aspecto da variação da carga tributária, esta não demonstra nenhum
ganho consistente na redução das desigualdades no decorrer dos anos,
independentemente de estar alta ou baixa conforme podemos verificar na conclusão de
Silveira e Passos:
A tributação brasileira subiu de um patamar de 15% nos anos 40 e 50 para 25%
nos anos 70 e 80, atingiu 30% no final da década de 90 e pulou para a faixa de
35% no último biênio 2008/09. As estimativas recentes apontam para uma
carga de 32,5% do PIB para 2016. Assim a carga tributária brasileira se
aproxima dos níveis médios registrados em países desenvolvidos e bem acima
dos observado em países emergentes. Em que pese a carga tributária ser um
tema sempre em relevo, a iniquidade de sua incidência e o retorno à sociedade
por meio de bens e serviços públicos não ganham proeminência no debate
nacional, dados que, em certa medida, a discussão está centrada na
porcentagem da carga tributária, escamoteando outros aspectos relevantes tais
como a progressividade ou regressividade do sistema e seus impactos sociais.
(Silveira; Passos, 2017, p.453)
A Oxfam reforça em seu relatório a persistência dessa condição:
Nosso sistema tributário reforça desigualdades. O efeito da tributação no Brasil
é, no geral, de aumentar a concentração da renda ou, no mínimo, não a alterar.
Trata-se de uma situação já resolvida na maioria dos países desenvolvidos
(onde a tributação, de fato, distribui renda), e que compõe barreira estrutural na
redução de desigualdades no Brasil. Apesar de nossa carga tributária bruta
girar em 33% do PIB – nível similar ao dos países da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ela é mal distribuída, de
modo que os mais pobres e a classe média pagam muito mais impostos
proporcionalmente que pessoas com rendas muito altas”. (Georges, 2017, p.44)
Consoante com o relatado acima no contexto histórico, alguns autores nos
últimos anos vêm contribuindo com suas novas pesquisas de modo satisfatório para o
aprofundamento e o entendimento desse objeto de estudo e seus impactos na ordem
23
social vigente. Baseados nesses novos levantamentos com dados que não tinham
ampla divulgação até períodos recentes Orair e Gobetti alertam:
Ao analisarem-se dados tributários, verifica-se elevado grau de concentração
de renda no topo da distribuição, baixa progressividade e violação dos
princípios da equidade horizontal e vertical. A principal razão dessas distorções
é a isenção de dividendos a acionistas, privilégio atípico nos países
desenvolvidos. (Orair; Gobetti, 2016, p.05)
Para Lattieri:
Os dados divulgados pela Receita Federal têm permitido a muitos
pesquisadores se embrenharem na estrutura de renda e riqueza dos brasileiros
e os resultados desses estudos têm demonstrado que aqui, assim como em
vários países, as pesquisas por amostra de domicílios subestimam a renda dos
mais ricos e, subdimensionando não somente a desigualdade de renda, mas
principalmente a desigualdade de riqueza. (Lattieri, 2017, p.110)
Segundo Medeiros, Souza e Castro:
Os levantamentos domiciliares normalmente utilizados para analisar a
distribuição de renda, no entanto, tendem a subestimar os rendimentos mais
elevados, seja por limitações inerentes à amostragem e aos desenhos dos
questionários, seja por omissão de respostas ou desconhecimento, por parte
dos respondentes, dos valores exatos dos seus rendimentos. Uma alternativa
para lidar com essa subestimação é analisar a desigualdade a partir de dados
tributários. (Medeiros; Souza; Castro, 2014, p.04)
Nesta mesma linha de pensamento que enfatiza a limitação de algumas
metodologias de pesquisas na mensuração da concentração de riquezas no Brasil,
Benjamin acrescenta:
24
A base de dados mais tradicional são as Pesquisas Nacionais por Amostra de
Domicílio (PNADs), do IBGE, bastante sérias, mas portadoras de uma grande
limitação: as entrevistas domiciliares praticamente só recolhem informações
sobre salários, aposentadorias e pensões, deixando de fora lucros, dividendos e
outros ganhos de capital, heranças, rendas resultantes de patrimônio,
investimentos financeiros e atividades afins, que nunca são citados. Os dados
das PNADs mostram, basicamente, o que ocorre no mundo do trabalho. Ao
subestimarem grandemente as rendas mais altas, essas pesquisas não
conseguem captar o comportamento da desigualdade como um todo. Pois em
um país com renda muito concentrada, como o Brasil, o que determina as
variações na desigualdade é o comportamento do topo da escala, onde está a
maior parte da renda nacional. A desigualdade que existe dentro dos 90% que
são pobres ou remediados tem pouca influência no resultado geral. Por isso as
PNADs não são o instrumento adequado para medir a chamada distribuição
funcional da renda, que separa trabalho e capital. (Benjamin, 2016, p. 02)
Fernandes, Campolina e Silveira afirmam que:
Percorrendo o panorama tributário brasileiro vis-à-vis a prática mundial, verifica-
se que o Imposto de Renda sobre a pessoa física (IRPF) apresenta um perfil
brando se comparado com outras administrações tributárias. Em sua estrutura,
utiliza faixas de isenção relativamente altas, combinadas com uma alíquota
marginal de 27,5%, o que restringe sua capacidade distributiva, colocando-a
abaixo da média dos países da OCDE. Para além dos rendimentos tributados
sob a estrutura de alíquotas progressivas, o IRPF é ainda mais leniente com as
rendas de capital, tributadas exclusivamente na fonte a alíquotas lineares ou
simplesmente isentas, como o caso notório da distribuição de lucros e
dividendos. (Fernandes; Campolina; Silveira, 2017, p.294)
Como podemos notar, essa percepção e abordagem tem tido a concordância de
diversos pesquisadores nos últimos tempos, porém, há alguns autores que enxergam
limitações nessas análises baseadas em dados tributários. Segundo Siqueira,
Nogueira, Souza e Luna:
25
Os estudos que apresentam evidência de significativa regressividade do
sistema tributário ignoram duas limitações cruciais das bases de dados
utilizadas: (1) subdeclaração dos rendimentos de famílias mais pobres, e (2)
subdeclaração do nível e da progressividade do imposto de renda pago pelas
famílias. (Siqueira; Nogueira; Souza e Luna, 2017, p. 501)
Diante desse referencial teórico podemos verificar que a desigualdade de renda
e riqueza é motivo de grande preocupação dos autores ao longo da nossa história
republicana.
Este assunto tem tanta importância que é atemporal e é discutido em todo o
mundo. Grandes pensadores, como Keynes (1936) em sua Teoria Geral, já alertava em
sua conclusão que os dois principais defeitos da sociedade econômica são a
incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual
distribuição da riqueza e das rendas. E que a tributação direta – impostos sobre renda e
heranças – estava conseguindo, na época, realizar considerável progresso na
diminuição das grandes desigualdades de renda e riqueza.
E mais recentemente, em um trabalho de pesquisa muito abrangente e muito
elogiado pela quantidade e qualidade de dados, Piketty (2013) demonstra que a
elevada concentração de renda observada no mundo é ameaça as nossas sociedades
democráticas e para os valores de justiça social sobre as quais elas se fundam. Diz
ainda que a principal força desestabilizadora está relacionada ao fato de que a taxa de
rendimento do capital provado pode ser mais forte e continuamente mais elevada do
que a taxa de crescimento da renda e produção, e assim, a desigualdade faz com que
os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápidos do que a
progressão da produção e dos salários. Essa condição exprime uma contradição lógica
fundamental. O empresário tende inevitavelmente a se transformar em um rentista e a
dominar cada vez mais aqueles que possuem sua força de trabalho. Uma vez
constituído, o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O
passado devora o futuro. E a desigualdade se perpetua sem os mecanismos
necessários para corrigir essas distorções econômicas e sociais.
26
3 - DESENVOLVIMENTO
3.1 - A DESIGUALDADE PERSISTENTE
A desigualdade é um problema mundial e pode se apresentar em diversas
dimensões. Pode estar inserida em âmbito racial, de gênero e regional, mas acima de
tudo e de modo mais abrangente se caracteriza pela diferenciação socioeconômica
entre os membros da sociedade demonstrando concentração de renda e patrimônio de
um lado e ausência de condições mínimas de vida e direitos essenciais do outro. E
quanto mais essa relação for extremada, mais surgem consequências perniciosas para
todo o conjunto da sociedade. E essa situação de disparidade entre classes sociais
vem se agravando através da acumulação de capital por parte de poucos indivíduos e
famílias que se perpetuam no topo da pirâmide social, e no sentido oposto, por muitos
que estão na base da pirâmide social e que vivem no processo de exclusão social
provocadas pela desigualdade em níveis alarmantes gerando indivíduos privilegiados
de um lado e marginalizados de outro. A Oxfam alerta para essa situação:
O 1% mais rico da população mundial possui a mesma riqueza que os outros
99%, e apenas oito bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre da
população no planeta. Por outro lado, a pobreza é realidade de mais de 700
milhões de pessoas no mundo. Trata-se de uma situação extrema. (Georges,
2017, p.11)
O resultado dessa condição é uma ordem social desequilibrada onde a produção
de riquezas é mal distribuída gerando vários distúrbios sociais que prejudicam toda a
população.
No Brasil esse cenário não é diferente, pelo contrário, nossos níveis de
desigualdade são ainda mais preocupantes como mostra último relatório da Oxfam
(2018) que nos coloca como 9º país mais desigual: No comparativo global, em matéria
de desigualdade de renda caímos, em 2017, da posição de 10º para 9º país mais
desigual do planeta. Em outro estudo a Oxfam afirma que:
27
Apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100
milhões de brasileiros mais pobres. E mais: os 5% mais ricos detêm a mesma
fatia de renda que os demais 95%. Por aqui, uma trabalhadora que ganha um
salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos
rendimentos de um super-rico em um único mês. (Georges, 2017, p.06)
Este mesmo estudo informa que somente seis brasileiros concentram a mesma
riqueza que os 100 milhões mais pobres, cerca de 50% da população brasileira. E que
ainda os 5% mais ricos possuem o mesmo tamanho de renda dos outros 95%.
Na mesma direção a ONU (2018), em seu Programa de Desenvolvimento
(PNUD), evidencia através do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) sob a
perspectiva da desigualdade, que apesar dos avanços nos últimos anos, o Brasil está
estagnado nos últimos anos e ainda permanece em uma posição desagradável no
ranking de desenvolvimento humano. No IDH ajustado à desigualdade – um método
que relativiza o desenvolvimento humano em função da diferença entre os mais e
menos abastados de um país – o Brasil é o 3º país da América do Sul que mais perde
no IDH devido ao ajuste realizado pela desigualdade, ficando atrás do Paraguai (25,5%)
e da Bolívia (25,8%). Em relação ao Coeficiente de Gini (2010-2017) – instrumento que
mede o grau de concentração de renda em determinado grupo e aponta a diferença
entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos – o Brasil possui o 9º pior valor
do mundo (51,3).
Essa mensuração da desigualdade pode ser realizada por várias métricas como
o Coeficiente Gini e o IDH citados acima. No caso brasileiro, esses dois índices
expressam claramente a desigualdade de renda regional do nosso país apesar dos
avanços alcançados nos últimos 30 anos.
Como podemos observar na tabela abaixo tanto o Coeficiente Gini (quanto
menor, melhor) quanto o IDH (quanto maior, melhor) mostram a situação do IDH pela
perspectiva da renda e a concentração de renda nos estados. As Unidades da
Federação do Norte e Nordeste têm uma situação mais dramática do que os demais
estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no que se refere à renda, e a sua
28
concentração. Podemos perceber que além de ter uma composição de renda inferior
medida pelo IDH Renda, os estados das regiões Norte e Nordeste possuem uma maior
concentração de renda indicada pelo índice Gini, isto é, há uma maior quantidade de
pessoas com rendimentos baixos em relação às demais regiões, assim como a
distância entre ricos e pobres também é superior. Essa condição de desequilíbrio
regional relativo às desigualdades de renda ocasiona não só problemas locais, mas
também problemas de subdesenvolvimento econômico e social, de integração nacional.
Tabela 1: População brasileira e índices de desigualdade
UF População % da população total Gini IDH Renda
Distrito Federal 2 974 703 1,40% 0,583 0,863
São Paulo 45 538 936 22,10% 0,541 0,789
Rio de Janeiro 17 159 960 8,10% 0,524 0,782
Santa Catarina 7 075 494 3,40% 0,429 0,773
Rio Grande do Sul 11 329 605 5,50% 0,486 0,769
Paraná 11 348 937 5,50% 0,485 0,749
Espírito Santo 3 972 388 1,90% 0,513 0,743
Goiás 6 921 161 3,20% 0,474 0,742
Mato Grosso do Sul 2 748 023 1,30% 0,481 0,740
Mato Grosso 3 441 998 1,60% 0,457 0,732
Minas Gerais 21 040 662 10,20% 0,504 0,730
Rondônia 1 757 589 0,90% 0,465 0,712
Roraima 576 568 0,20% 0,547 0,695
Amapá 829 494 0,40% 0,560 0,694
Tocantins 1 555 229 0,70% 0,498 0,690
Rio Grande do Norte 3 479 010 1,70% 0,558 0,678
Amazonas 4 080 611 1,90% 0,572 0,677
Pernambuco 9 496 294 4,60% 0,578 0,673
Sergipe 2 278 308 1,10% 0,572 0,672
Acre 869 265 0,40% 0,575 0,671
Bahia 14 812 617 7,40% 0,548 0,663
Paraíba 3 996 496 1,90% 0,540 0,656
Ceará 9 075 649 4,40% 0,553 0,651
Pará 8 513 497 4,00% 0,531 0,646
Alagoas 3 322 820 1,60% 0,528 0,641
Piauí 3 264 531 1,60% 0,546 0,635
Maranhão 7 035 055 3,40% 0,528 0,612
Elaboração própria - Fonte: IBGE e PNUD/2013
29
Outra forma de visualizarmos a enorme desigualdade presente em nossa
sociedade é nos debruçarmos nos dois extremos da pirâmide social através dos dados
do IRPF da Receita Federal para acompanhar os que se encontram no topo, ou seja, os
que detêm mais renda e riquezas, e os dados da Secretaria Especial de
Desenvolvimento Social acerca do Bolsa Família, que é o programa social de
distribuição de renda que atende a população em situação de pobreza ou extrema
pobreza, ou seja, os que estão na base da divisão de classes e que têm renda
insuficiente para se manter em condições dignas de sobrevivência. Este programa tem
a finalidade de atenuar as desigualdades existentes e atende àqueles, conforme a lei
10.836/2004 e suas posteriores alterações, que tenham renda inferior a R$70,00 per
capita em casos de extrema pobreza e não superior a R$120,00 per capita em caso de
pobreza.
Tabela 2: Declarantes do IRPF
Faixa de rendimentos(em milhares de R$) Número de declarantes
Até 31,6 7.246.648
De R$ 31,6 a R$ 52,8 7.605.675
De R$ 52,8 a R$ 105,6 7.421.683
De R$ 105,6 a R$ 211,2 3.562.146
De R$ 211,2 a R$ 422,4 1.488.251
De R$ 422,4 a R$ 844,8 479.377
De R$ 844,8 a R$ 1.690 128.933
Mais de R$ 1.690 67.934
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017(ano calendário 2016)
30
Como podemos constatar na tabela acima, apenas 67.934 pessoas, ou seja,
aproximadamente 0,033% da população brasileira têm rendimentos acima de
R$1.690.000,00. Enquanto isso, como pode ser averiguado na tabela abaixo, o número
de beneficiários do Bolsa Família é de aproximadamente 48 milhões de pessoas, ou
seja, 25% da população brasileira que vive em estado de exclusão socioeconômica
extrema.
Tabela 3: Beneficiários do Programa Bolsa Família
Região População % da população Beneficiários do BF % de Beneficiários do BF Gini IDH
Sudeste 87.711.946 42% 11.790.004 24,64% 0,5205 0,761
Sul 29.754.036 14% 3.507.829 7,33% 0,4666 0,7636
Centro Oeste 16.085.885 8% 2.636.293 5,51% 0,4987 0,7692
Norte 18.182.253 9% 5.638.003 11,78% 0,5354 0,6835
Nordeste 56.760.780 27% 24.282.477 50,74% 0,5501 0,6534
208.494.900 47.854.606
Elaboração própria - Fonte: IBGE e SEDS (2017)
Outra informação importante na tabela 3 destaca o grau de desigualdade
regional que podemos notar em nosso país. Mais de 50% da população do Nordeste,
que é a mais pobre do país, é atendida pelo programa de distribuição de renda mínima,
enquanto que as regiões Sudeste e Sul, que apresentam os maiores números de PIB e
PIB per capita, respectivamente, têm somente 24% e 13% dos beneficiários do
programa. Apesar de ser a região que gera mais riqueza, o Sudeste não ostenta os
melhores índices de desenvolvimento humano e concentração de renda, ou seja, não
necessariamente o crescimento econômico produz desenvolvimento econômico e
progresso social. Esses fatos demonstram a incapacidade da nossa sociedade em
promover um desenvolvimento equilibrado que possa garantir uma melhor distribuição
de riquezas e justiça social.
31
Outro aspecto que pode ser analisado é a discrepância de rendimentos dentro
das próprias faixas de declarantes do IRPF. Quem ganha, por exemplo, R$3.000,00 ao
mês está entre os 10% mais ricos e quem ganha R$5.000,00 está entre os 5% mais
ricos.
Se fizermos uma comparação do indivíduo que ganha R$3.000,00 e o
beneficiário do Bolsa Família que tem renda de R$120,00 veremos que a distância
entre rendimentos é de 25 vezes. Já se compararmos com um que ganha
R$1.690.000,00 na última faixa de declarantes e que corresponde a aproximadamente
R$141.000,00 mensais vamos perceber que o rendimento deste é 47 vezes maior do
que ganha R$3000,00. Ou seja, quem tem rendimento de pouco mais que três salários
mínimos e está entre os 10% mais ricos está mais próximo daquele beneficiário do
programa social que se encontra em situação de pobreza do que do abonado que está
dentro do 0,033%. A conclusão é que até mesmo no topo da pirâmide a concentração
de renda é muito alta. A diferença de renda entre os muito ricos e os “ricos” é
gigantesca.
Essa realidade apresentada não vai de encontro com o que preconiza a
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 3º que determina como objetivos
fundamentais da nação:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O não cumprimento dessas metas estabelecidas na consagração da
redemocratização nos revela que a captura política praticada pela elite econômica
corrompe as instituições democráticas com a finalidade de manutenção de privilégios e
conservação do status quo. Esse processo gera gestões públicas disfuncionais e
desequilíbrios econômicos e sociais que favorecem a concentração de renda e
32
patrimônio e, consequentemente, níveis alarmantes de desigualdade que alijam grande
parte da população a marginalização e à pobreza.
Mesmo tendo apresentado uma redução significativa nos índices de pobreza e
de desigualdade após a promulgação da nossa da Constituição Federal como pode ser
observado nos gráficos 1 e 2, as condições ainda existentes permanecem inaceitáveis
do ponto de vista de justiça social. A maior redistribuição de renda através de
programas sociais e a elevação da renda dos mais pobres proporcionada,
principalmente, pela política valorização do salário mínimo juntamente com a
estabilidade da inflação promovida pelo plano Real foram decisões governamentais que
colaboraram na direção para avanços na redução da pobreza e a mitigação, mesmo
que ínfima, das desigualdades.
Gráfico 1: Evolução da Pobreza
Elaboração própria - Fonte: IPEA (2017)
33
Gráfico 2: Evolução do Coeficiente Gini
Elaboração própria - Fonte: IPEA (2017)
No entanto essas medidas não foram suficientes para eliminar as grandes
distorções na apropriação dos recursos gerados e do crescimento econômico ao longo
do tempo. Morgan (2017) demonstra esse fato em levantando que destaca que entre
2001 e 2015 os 10% mais ricos se apropriaram de 61% do crescimento econômico,
enquanto a fatia dos 50% mais pobres foi de 18%. Na mesma direção Souza (2016)
afirma que neste mesmo período, a concentração de renda no 1% se manteve estável,
no patamar de 22 a 25%.
E essa pequena evolução pós 1988 tem sido comprometida pela crise
econômica dos últimos anos. A situação tem se agravado e muitos estão retornando
para abaixo da linha da pobreza. A política macroeconômica contracionista após 2015
34
sustentada pelo discurso da austeridade de fiscal com controle de gastos públicos tem
contribuído de maneira significativa para aumento das desigualdades e da
concentração de renda, comprometendo assim os avanços, principalmente os obtidos
na última década. A Oxfam, mais uma vez, sinaliza neste sentido: “o Brasil caminha a
passos largos para trás. Entre 2016 e 2017, os 40% mais pobres tiveram variação de
renda pior do que a média nacional.” (Georges, 2018, p.11)
O IBGE corrobora essa constatação em sua última Síntese de Indicadores
Sociais (2018) e aponta que de 2016 para 2017, 2 milhões de pessoas passaram para
baixo da linha de pobreza do Banco Mundial. O contingente de extremamente pobres
também cresceu em 2017, com 1,7 milhão de brasileiros a mais nesse grupo. No ano
passado, eram 15,2 milhões de pessoas, ou 7,4% da população.
35
3.2 – UM SISTEMA TRIBUTÁRIO INJUSTO QUE CONTRIBUI PARA A
PERPETURAÇÃO DAS DESIGUALDADES
3.2.1 - A Carga Tributária
O Sistema Tributário Brasileiro é uma estrutura de financiamento do Estado para
atender às demandas da sociedade, porém este não preserva a equidade e a
capacidade contributiva de cada contribuinte para estabelecer condições mínimas de
distribuição de renda e promoção de direitos básicos à população, principalmente a
mais carente. O que torna a tributação nacional injusta e ineficiente em suas funções.
No Brasil há uma eterna discussão sobre o peso da carga tributária e o discurso
hegemônico afirma ser uma das maiores do mundo. Esta afirmação é inverídica
conforme podemos observar no gráfico abaixo baseados em dados da OCDE.
Gráfico 3: Carga Tributária no Brasil e países da OCDE
Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB
36
Essa controvérsia na realidade esconde a real necessidade do debate sobre a
tributação, que não está propriamente em sua carga, e sim em sua base de incidência
que está majoritariamente fixada no consumo, quando a prática mundial está
justamente atribuída à renda e patrimônio, e na baixa e/ou nenhuma progressividade da
tributação nas rendas mais altas e em vultosos patrimônios como pode ser conferido
nos países da OCDE como apontam o gráfico abaixo:
Gráfico 4: Carga Tributária por Base de Incidência
Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB
37
3.2.2 - O Peso da Tributação sobre o Consumo
Pelo lado da composição tributária brasileira percebemos a assimetria de
incidência entre os impostos diretos e indiretos. A taxação sobre renda e patrimônio tem
proporção inversa a da taxação sobre o consumo e está na contramão da tendência
mundial.
Gráfico 5: Carga Tributária por Base de Incidência
Elaboração própria - Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB Esse cenário é categórico na demonstração do traço regressivo do sistema
tributário brasileiro, mas a situação é ainda mais grave se encararmos de forma mais
analítica.
A má distribuição de impostos diretos e indiretos é notória quando apuramos que
aproximadamente 48% da carga tributária recaem sobre o consumo e que apenas
38
20% recaem sobre a renda e 4% sobre o patrimônio. Se considerarmos a tributação
sobre a folha de pagamentos (26%) que acaba incidindo no consumidor final vamos
concluir que aproximadamente 75% da tributação brasileira se estendem a produção de
bens e serviços. Os impostos indiretos atingem a totalidade da população de forma
desproporcional e acaba pesando mais para as classes baixa e média da sociedade
desrespeitando os princípios de equidade e capacidade contributiva, além de gerar
perda de competitividade que pode comprometer o crescimento econômico sustentável.
Esse fato impõe uma composição tributária inadequada que termina por
penalizar os mais pobres, já que a taxação sobre o consumo não consegue distinguir os
princípios de equidade e de capacidade contributiva, pois indivíduos de classes sociais
distintas e com rendas variadas pagam a mesma proporção de imposto na aquisição de
bens e serviços. Além do caráter distorcido no que diz respeito à equidade, esse maior
peso da carga tributária sobre o consumo pode ser visto pelo ponto de vista
macroeconômico também. Nessa conjuntura, a arrecadação do Estado fica suscetível
aos ciclos econômicos e a elasticidade do crescimento da economia gerando
desequilíbrios fiscais que agravam ainda mais as condições de desigualdade, uma vez
que os governos perdem sua capacidade de investimento e consequentemente as
ferramentas que garantem uma melhor distribuição de renda e o planejamento e
execução de políticas públicas que assegurem o acesso a direitos sociais básicos.
Como podemos verificar no gráfico abaixo, o Brasil está em segundo lugar entre
os países da OCDE no que se refere a maior incidência de tributação sobre o consumo
(bens e serviços):
39
Gráfico 6: Carga Tributária sobre bens e serviços
Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB Ademais podemos inferir que as famílias de menor renda têm uma maior
propensão a consumir e pouca capacidade de poupança já que seus rendimentos
médios são muito baixos conforme podemos ver no quadro abaixo:
40
Tabela 4: Renda e Despesa familiar
Décimos
familiar per
capita
Despesa familiar de
Consumo
R$/mês
Renda Familiar
R$/mês
% da Renda destinada
ao consumoNº de famílias
1º 633 507 125 4.254.000
5º 1266 1571 80,6 5.472.000
10º 5756 10552 54,5 7.570.000 Elaboração própria - Fonte: POF 2008/2009(IBGE)
De acordo com dados acima obtidos na Pesquisa de Orçamentos Familiares do
IBGE podemos concluir que as famílias mais carentes (1º) disponibilizam a maior parte
ou toda a sua renda para o consumo e consequentemente são os mais prejudicados
pela estrutura regressiva da tributação que é composta predominantemente por
impostos indiretos sobre bens e serviços. Podemos perceber que quanto menor a
renda, maior é a despesa proporcional destinada ao consumo. E a faixa mais vulnerável
acaba por exceder a renda. O que sugere um endividamento dessas famílias.
3.2.3 - A Baixa Tributação sobre o Patrimônio
Outro fator que expõe a injustiça promovida pelo sistema tributário nacional é a
baixa taxação sobre patrimônio que beneficia poucos cidadãos que se encontram no
topo da pirâmide social. O valor baixo das alíquotas de impostos de transmissão de
bens e heranças; a falta de atualização dos valores venais na avaliação de impostos
sobre territórios urbanos e rurais assim como a ausência de progressividade do imposto
mediante a quantidade de bens imóveis por contribuinte; e a isenção de impostos em
alguns tipos de bens como embarcações e aeronaves favorecem a concentração de
renda e a manutenção das desigualdades.
41
Gráfico 7: Carga Tributária sobre Propriedade e Patrimônio
Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB
Conforme a Constituição Brasileira, a tributação sobre herança é regulamentada
e executada pelos entes da Federação e são estabelecidas por legislações específicas
em cada Estado que atribuem alíquotas fixas ou progressivas, porém, estas não
ultrapassam os 8%. Um percentual baixo comparado a outros países, sobretudo os
desenvolvidos. Em artigo publicado na Tax Foundation, Cole (2015) afirma que “Os
EUA têm a quarta maior taxa de imposto sobre heranças na OCDE, com 40%; a taxa
mais alta do mundo, 55%, está no Japão, seguida pela Coréia do Sul (50%) e pela
França (45%).” Em tabela informativa presente no mesmo artigo ainda há a Espanha
42
com 34% e Alemanha com 30%. Isto é, executamos alíquotas muito abaixo das
melhores práticas ocorridas em países mais desenvolvidos.
Os impostos sobre territórios urbanos e rurais também contribuem de forma
significativa para a injustiça e ineficiência do sistema tributário. A baixa incidência, a
desatualização dos valores venais das plantas que não se encontram consoantes com
a valorização de mercado dos imóveis e a falta de progressividade quando envolve
grandes quantidades de imóveis de um mesmo indivíduo são falhas identificadas neste
tributo de competência municipal. Afonso chama a atenção para a participação do IPTU
de maneira comparativa com o ISS que são dois tributos municipais: “Para a grande
parte dos municípios, o ISS (0,83% do PIB em 2012) é uma fonte de receita mais
importante que o IPTU (0,41% do PIB em 2012) que também arrecada menos que o
IPVA (0,60% do PIB em 2012)”. (Afonso, 2013, p.03) O Imposto sobre Veículos
Automotores (IPVA) que tem a regulamentação e execução de responsabilidade dos
Estados também é um tributo de baixíssima progressividade, pois além de ter alíquotas
módicas, a sua amplitude no que se refere aos bens onde incidem é restrita, já que
bens mais valiosos como, por exemplo, embarcações e aeronaves não são taxados.
No gráfico abaixo pode ser verificada essa deformação através de um
movimento comparativo que revela a regressividade da nossa tributação entre impostos
diretos e indiretos no âmbito regional. Dois impostos sobre a propriedade (IPTU e IPVA)
que praticamente ficam estáveis ao longo do tempo, principalmente a partir de meados
da década de 1990 e um imposto sobre serviços (ISS) que aumenta sua participação
percentual em relação ao PIB no mesmo período, sobretudo a partir de 2003. Também
pode ser visto abaixo a exígua participação do Imposto sobre Propriedade Rural (ITR)
que é regulamentado pela lei 9.393/1996, é de competência da União através da
Receita Federal e tem limites de isenção e alíquotas bem generosas para os
proprietários de territórios rurais, apesar de haver uma progressividade no que se refere
a produtividade da terra. Quanto maior a área de uso da propriedade, menor a alíquota
do imposto, o que pode inibir o acúmulo de terras improdutivas.
43
Gráfico 8: Participação de Impostos sobre Propriedade e Serviços
Elaboração própria - Fonte: Finanças do Brasil – Dados Contábeis dos Municípios – STN (2012)
3.2.4 - Ausência ou Reduzida Progressividade na Tributação sobre Rendas,
Lucros e Ganhos de Capital
Não obstante das evidências apresentadas até aqui, a distorção mais grave da
nossa estrutura tributária está na aplicação de impostos sobre a renda, lucro e ganhos
de capital. A forma inadequada como esses rendimentos são tributados não respeitam
os princípios de equidade, capacidade contributiva e justiça social. Neste contexto nos
encontramos completamente fora dos melhores padrões praticados pelo mundo,
especialmente nos países desenvolvidos. Abaixo podemos averiguar como a tributação
ocorre em países da OCDE e podemos identificar que os países que apresentam
44
melhores índices de desenvolvimento humano e baixos coeficientes de concentração
de renda são aqueles que taxam de forma mais intensa a renda. Ausência ou Reduzida
Progressividade na Tributação sobre Rendas, Lucros e Ganhos de Capital
Gráfico 9: Carga Tributária sobre Renda, Lucro e Ganhos de Capital
Fonte: Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2016 (Análise por Tributo e Bases de Incidência) – RFB
Uma das responsáveis por essa baixa progressividade na tributação dos lucros e
ganhos de capital no Brasil é a lei 9.249 de 1995, criada no contexto da globalização
financeira que preconizava a livre movimentação de capitais. Essa legislação instituiu
os Juros sobre Capital Próprio (JSCP) e a isenção de imposto de renda sobre
dividendos. O JSCP foi um instrumento criado pela lei para entrar na DRE como
despesa financeira e desta forma reduzir o lucro tributável, reduzindo assim a
arrecadação tanto do IRPJ quanto da CSLL. Já a isenção de dividendos foi justificada
45
pela possibilidade de atrair capitais e estimular investimentos, além de ser
equivocadamente considerada como bitributação de lucros. Esse ajuste de tributação
pesa de modo significativo na arrecadação do Governo, pois o JSCP é definido pela
empresa (com a limitação da TJLP do período sobre as contas do patrimônio líquido) e
pode reduzir consideravelmente a base do lucro tributável, além da ausência de
tributação sobre dividendos que eram taxados a 15%. Destarte, a capacidade fiscal do
Estado fica restringida e o torna disfuncional no cumprimento de suas atribuições no
planejamento e execução de políticas públicas voltadas à atenuação das desigualdades
econômicas e sociais. Nesta direção Tavares alerta:
O regime de tributação da distribuição de lucros, dividendos e juros sobre
capital próprio contempla a menor carga tributária sobre a distribuição de lucros
e dividendos já vivenciada na história do Brasil, o que denota um contrassenso
ao próprio modelo de Estado Democrático de Direito, de desiderato social, o
qual consubstancia os objetivos de buscar o meio termo entre os direitos
individuais e os direitos sociais. (Tavares, 2017, p.106)
Em seu relatório anual intitulado como Grandes Números da Declaração de IRPF
para o ano-calendário de 2016 é possível conferir que neste ano as pessoas físicas
declararam aproximadamente 844 bilhões em rendimentos isentos e não tributáveis dos
quais, cerca de 350 bilhões, oriundos de distribuição de lucros e dividendos. Se
considerarmos uma tributação conforme período anterior a lei citada acima teríamos
uma arrecadação de 52,5 bilhões. Se utilizássemos as faixas de alíquotas vigentes do
IRPF (até 27,5%) chegaríamos ao valor próximo de 77,5 bilhões. Conclusão, o Estado
brasileiro abre mão de um volume grande de recursos que poderiam auxiliar na
melhoria das condições de vida da população mais carente.
O panorama desse tipo de tributação no mundo pode ser analisado no gráfico
abaixo e constataremos que estamos completamente afastados da realidade praticada
nos países mais desenvolvidos do planeta.
46
Gráfico 10: Tributação s/ Lucros e Dividendos no Brasil e nos países da OCDE
Fonte: OCDE TaxDatabase (2018)
Ainda no Relatório Grandes Números da Declaração de IRPF para o ano-
calendário de 2016 há dados que demonstram condições regressivas da tributação na
esfera IRPF. Neste ano a Receita recebeu declarações de 28 milhões de brasileiros
com rendimentos totais de 2.745 bilhões, dos quais 844 bilhões de rendimentos isentos.
Ou seja, aproximadamente 31% dos rendimentos declarados não sofreram nenhum tipo
de taxação.
47
Gráfico 11: Montante de Rendimentos Tributáveis e Isentos Declarados
FONTE: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016
Quando estratificados por faixa de renda podemos comprovar que os limites de
isenção de rendimentos são estruturalmente regressivos. Desconsiderando a primeira
faixa que é a de menor renda onde seus rendimentos isentos têm, obviamente,
percentuais mais altos por não entrarem nas faixas de incidência por serem
trabalhadores informais e/ou beneficiários de programas sociais vemos que nas faixas
intermediárias onde se encontram a grande parte da classe média brasileira, o
percentual de rendimentos isentos sobre os rendimentos totais está de acordo com a
média geral dos rendimentos declarados, mas à medida que a faixa de renda vai se
elevando, os percentuais de rendimentos isentos também sobem chegando a uma
média de mais de 58% de proventos isentos. Na última faixa que conta com apenas
25.785 contribuintes com renda média anual de pouco mais de 11 milhões temos
alarmantes 68% de isenção conforme tabela abaixo. Ao comparar as últimas três faixas
com as três imediatamente anteriores observamos que há discrepância até mesmo nas
faixas superiores de renda, o que revela disparidades até mesmo no topo da pirâmide.
As três faixas que vão de 40 a 160 salários mínimos que contam com 611.130
contribuintes apresentam rendimento médio anual de aproximadamente 700 mil, ou
48
seja, quase 8 vezes menos que nas faixas superiores que mostram rendas médias de
mais de 5,5 milhões anuais. Fatos estes que evidenciam o sintoma da concentração de
renda em nossa sociedade, e de como a tributação atua de forma injusta na
perpetuação de privilégios e na manutenção da pobreza e desigualdades.
Tabela 5: Rendimentos declarados por faixa de renda – IRPF
Faixas de Salário Mínimo mensal Nº de declarantes Tributáveis Tribut. Exclus. Isentos % rendimentos isentos/rendimentos totais
Até 1/2 1.304.128 309 59 142 28%
De 1/2 a 1 588.273 5069 121 433 8%
De 1 a 2 1.360.094 17910 789 3253 15%
De 2 a 3 3.994.153 96860 35888 8352 6%
De 3 a 5 7.605.675 257553 20081 36317 12%
De 5 a 7 4.219.050 206201 18507 37994 14%
De 7 a 10 3.202.633 212317 21017 47966 17%
De 10 a 15 2.441.109 223343 24636 65210 21%
De 15 a 20 1.121.037 136708 17458 49816 24%
De 20 a 30 1.038.518 165629 24915 75726 28%
De 30 a 40 449.733 91659 16649 54971 34%
De 40 a 60 354.401 86116 20764 73347 41%
De 60 a 80 127.796 34733 12006 45991 50%
De 80 a 160 128.933 39635 20753 86009 59%
De 160 a 240 29.514 11650 9268 39322 65%
De 240 a 320 12.635 6229 5972 24547 67%
Mais de 320 25.785 28175 64740 194653 68%
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016(em bilhões)
O gráfico abaixo mostra de forma agrupada a composição dos
rendimentos declarados e é notória a conjuntura de que a classe mais pobre com 90%,
e a classe média, em torno de 77%, tem a maior carga de proventos tributáveis
enquanto os mais abonados que se encontram em faixas acima dos 40 salários
mínimos têm somente 43% da sua renda tributada.
49
Gráfico 12: Rendimentos Tributáveis e Isentos Declarados
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016
Ao checar a relação do imposto devido e rendimentos totais captamos a
disparidade entre as faixas de proventos mais altos e as intermediárias. Os rendimentos
isentos em maior proporção nas faixas mais altas e provindos de lucros e rendas de
capital fazem com que o imposto devido seja diluído e seu percentual seja
extremamente baixo em relação às faixas intermediárias que têm rendimentos
tributáveis em grande parte da sua composição de renda e são oriundos de renda do
trabalho. Isto é, o ônus efetivamente imposto aos mais ricos é irrisório se levado em
consideração as alíquotas vigentes do IRPF. Há uma evidente deformação no caráter
progressivo do tributo. Cerca de 40% dos 844 bilhões declarados como rendimentos
isentos são provenientes de declarantes cujo imposto de renda devido era inferior a
50
zero. Além de aproximadamente 45% dessa renda isenta ter sido recebida por
proprietários de empresas.
Gráfico 13: Proporção de Imposto de renda devido
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016
É possível também identificar as grandes desigualdades brasileiras se
encararmos a análise de dados regionais do Relatório da Receita Federal. É flagrante
que a grande concentração de renda se encontra nos Estados das regiões Sudeste e
Sul e no Distrito Federal. Aproximadamente 76% dos rendimentos declarados estão
nessas regiões. Além disso, nesses locais a média de rendimentos isentos é de 31%,
enquanto que a média nos estados do Norte e Nordeste, por exemplo, é de 20%. Só
51
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentram 60% das rendas isentas de
imposto de renda. Nos extremos da tabela visualizamos o estado mais pobre e o mais
rico do ponto de vista do Produto Interno Bruto. São Paulo apresenta um rendimento
médio de R$106.752,00 por declarante, enquanto Roraima denota R$77.850,00 por
declarante, porém a maior disparidade está entre o Distrito Federal e o Maranhão,
enquanto este teve rendimento médio de R$68.282,00, aquele teve um valor de
R$135.092,00, ou seja, quase o dobro. Se cruzarmos esses dados com os IDH’s dos
estados veremos que esses lugares onde há grande concentração de renda são os que
apresentam os melhores índices de desenvolvimento humano, isto é, a tributação
disfuncional de grandes proventos impede a prosperidade de regiões mais pobres e
eleva os níveis de desigualdade na sociedade.
Tabela 6: Rendimentos declarados por UF - IRPF
Estados Tributáveis Tribut. Exclusiva Isentos Rendimento Total % Isentos/Total % Total
Roraima 3,62 0,28 0,64 4,54 14% 0,17%
Acre 4,27 0,32 0,80 5,39 15% 0,20%
Amapá 4,82 0,41 0,61 5,84 10% 0,21%
Tocantins 7,96 1,04 2,16 11,16 19% 0,41%
Rondônia 9,85 0,95 3,60 14,40 25% 0,53%
Piauí 12,43 1,19 3,35 16,97 20% 0,62%
Alagoas 12,49 1,23 4,06 17,78 23% 0,65%
Sergipe 12,54 1,37 4,12 18,03 23% 0,66%
Paraíba 16,46 1,55 5,05 23,06 22% 0,84%
Amazonas 17,48 1,76 4,87 24,11 20% 0,88%
Rio Grande do Norte 17,94 1,87 5,60 25,41 22% 0,93%
Maranhão 19,08 1,60 4,77 25,45 19% 0,93%
Mato Grosso do Sul 21,49 2,42 10,10 34,01 30% 1,24%
Mato Grosso 24,51 2,92 12,53 39,96 31% 1,46%
Pará 31,59 2,85 7,64 42,08 18% 1,54%
Espírito Santo 28,37 3,75 13,53 45,65 30% 1,67%
Ceará 35,21 4,8 14,57 54,58 27% 1,99%
Pernambuco 42,12 5,47 16,88 64,47 26% 2,35%
Goiás 45,28 4,89 22,57 72,74 31% 2,65%
Bahia 60,43 7,32 23,50 91,25 26% 3,33%
Distrito Federal 64,8 7,72 23,33 95,85 24% 3,50%
Santa Catarina 63,07 10,22 34,88 108,17 32% 3,95%
Paraná 96,37 15,92 57,76 170,05 34% 6,21%
Rio Grande do Sul 109,39 21,76 58,21 189,36 31% 6,91%
Minas Gerais 142,64 21,42 70,45 234,51 30% 8,56%
Rio de Janeiro 199,44 38,03 107,52 344,99 31% 12,59%
São Paulo 514,97 117,27 328,23 960,47 34% 35,05%
Total 2740,28
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016(em bilhões)
52
Outro ângulo que pode ser abordado nessa temática do IRPF são as deduções
com despesas que ostentam um grande desvirtuamento da funcionalidade do Estado
na promoção de direitos garantindo os princípios de equidade. Em 2016 essas
deduções somaram 360 bilhões. Estas reduzem o volume de rendimentos tributáveis
colocando o Estado para financiar parte dessas despesas de forma indireta através do
não recolhimento de imposto de renda. Neste caso o Estado se comporta subsidiando
despesas médicas, educacionais, previdenciárias, ente outras. E como em toda relação
de incidência do IRPF, as deduções causam distorções de arrecadação nas diversas
faixas de renda apresentadas em seu Relatório anual.
Conforme a Tabela abaixo é incontestável dizer que os volumes médios de
despesas deduzidas dos rendimentos declarados são diretamente proporcionais aos
volumes de renda declarados. Quem tem maiores proventos desfruta de maiores
despesas deduzidas, ou seja, o Estado subsidia parte das despesas dos mais
abastados. Os contribuintes com mais de 320 salários mínimos tiveram uma dedução
média de R$232.421,94, enquanto que os com rendimentos de menos de um salário
mínimo tiveram uma dedução média de apenas 397,97. Uma lógica completamente
invertida na estrutura de uma tributação progressiva.
53
Tabela 7: Deduções nas Declarações IRPF - 2016
Faixas de Salário Mínimo mensal Nº de declarantes Deduções Totais Despesa média deduzida
Até 1/2 1.304.128 519000000 397,97
De 1/2 a 1 588.273 393000000 668,06
De 1 a 2 1.360.094 1342000000 986,70
De 2 a 3 3.994.153 5210000000 1304,41
De 3 a 5 7.605.675 37030000000 4868,73
De 5 a 7 4.219.050 33145000000 7856,03
De 7 a 10 3.202.633 33545000000 10474,19
De 10 a 15 2.441.109 34881000000 14289,00
De 15 a 20 1.121.037 22304000000 19895,86
De 20 a 30 1.038.518 27598000000 26574,41
De 30 a 40 449.733 15329000000 34084,67
De 40 a 60 354.401 14077000000 39720,54
De 60 a 80 127.796 5452000000 42661,74
De 80 a 160 128.933 5697000000 44185,74
De 160 a 240 29.514 1736000000 58819,54
De 240 a 320 12.635 1020000000 80728,14
Mais de 320 25.785 5993000000 232421,95
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016(em bilhões) Se especificar a pesquisa com apenas uma das variáveis que abarcam as
deduções, chegaremos a mais uma condição inquietante. As despesas médicas
deduzidas também seguem a mesma lógica das despesas totais deduzidas. Os mais
ricos são os que aportam as maiores deduções com despesas médicas, isto é, os que
têm possibilidade de pagar são os que recebem maiores benefícios do Governo nas
reduções de rendimentos tributáveis. Os contribuintes com mais de 320 salários
mínimos tiveram uma dedução média com despesas médicas de R$18.188,87,
enquanto que os com rendimentos de menos de um salário mínimo tiveram uma
dedução média com despesas médicas de apenas 73,61. A conclusão dessa realidade
é que o Estado Brasileiro deixa de arrecadar parte dos impostos dos mais ricos através
do grande volume de deduções e isso impacta diretamente nos gastos públicos e
consequentemente no financiamento da Saúde Pública para os mais carentes, que têm
54
pouca ou nenhuma dedução com despesas médicas. Mais uma vez o sistema tributário
brasileiro funcionando na razão contrária da progressividade.
Tabela 8: Deduções com despesas médicas nas Declarações IRPF - 2016
Faixas de Salário Mínimo mensal Nº de declarantes Despesas Médicas DeduzidasDespesas média deduzida(Médicas)
Até 1/2 1.304.128 96000000 73,61
De 1/2 a 1 588.273 52000000 88,39
De 1 a 2 1.360.094 239000000 175,72
De 2 a 3 3.994.153 885000000 221,57
De 3 a 5 7.605.675 8433000000 1108,78
De 5 a 7 4.219.050 9638000000 2284,40
De 7 a 10 3.202.633 10789000000 3368,79
De 10 a 15 2.441.109 11682000000 4785,53
De 15 a 20 1.121.037 7286000000 6499,34
De 20 a 30 1.038.518 8557000000 8239,63
De 30 a 40 449.733 4540000000 10094,88
De 40 a 60 354.401 3917000000 11052,45
De 60 a 80 127.796 1499000000 11729,63
De 80 a 160 128.933 1503000000 11657,22
De 160 a 240 29.514 394000000 13349,60
De 240 a 320 12.635 180000000 14246,14
Mais de 320 25.785 469000000 18188,87
Elaboração própria - Fonte: GRANDES NÚMEROS DIRPF 2017 - ANO-CALENDÁRIO 2016(em bilhões) 3.2.5 - Outros aspectos sobre a Tributação Dois aspectos relevantes nesse plano tributário que contribuem para
manutenção das desigualdades são a elisão e sonegação fiscal. Essas duas manobras,
uma legal e outra ilegal, cooperam profundamente para o agravamento das
desigualdades e suas implicações tão pejorativas para a sociedade brasileira.
A Elisão é um artifício contábil que encontra aberturas na legislação onde
pessoas físicas e jurídicas se beneficiam do pagamento reduzido de impostos para o
Fisco. Essa prática que evita o fato gerador, reduz ou retarda o pagamento faz o
contribuinte escapar da tributação. Esse exercício gera perdas de arrecadação e
55
consequentes impactos fiscais que irão comprometer a capacidade de atuação do
Estado perante a população. Essa situação conta com a complacência do poder público
que não exerce o devido controle tributário, além de adotar meios burocráticos e de
pouca celeridade na cobrança, assim como, na instituição de programas de
regularização fiscal paternais para contribuintes autuados e devedores.
Essa permissividade legislativa e administrativa afronta a justiça social e os
princípios de equidade e capacidade contributiva e deve ser combatida de maneira
incisiva através de fiscalização mais rigorosa e mudanças legais que atenuem seus
efeitos fiscais danosos. Nessa linha de raciocínio Neto cita: “A concepção sobre elisão,
extremamente individualista, adotada pela doutrina brasileira constitui uma negação à
ideia de justiça. De fato, ela se traduz em instrumento eficaz para a eliminação de
tributos das grandes empresas; não pode, entretanto, servir como elemento central da
ideia da segurança jurídica no direito tributário de qualquer país, uma vez que, como
assinala Typke ‘elisão da Lei Tributária é a ruptura da igualdade da tributação segundo
a capacidade contributiva através dos meios formais. Por isso o combate à elisão é
tarefa da legislação e da administração’.” (RIBEIRO, 2003 apud Neto, 2011, p.83)
A Sonegação Fiscal, outro mecanismo que prejudica a capacidade funcional do
Estado, possui um agravante adicional, pois se trata de uma prática fraudulenta e ilegal.
Estima-se que a sonegação tem um custo fiscal sete vezes maior do que a corrupção.
O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (2016) desenvolve um estudo com
atualização anual que divulga estimativas da sonegação no Brasil e os dados são
alarmantes. Há a estimativa de um indicador de sonegação de aproximadamente 27%
da arrecadação. Um valor que alcança mais de 9% do PIB e chega a soma de cerca de
570 bilhões para o ano de 2016. Para Melo e Oliveira:
56
A sonegação, sem sombra de dúvidas, provoca um rombo que causa efeitos
nefastos para toda a sociedade brasileira, tendo em vista que o governo tem
quase dez por cento de seu Produto Interno Bruto (PIB) a menos para fazer
investimentos. Além do mais, para financiar as enormes despesas do Estado e
atender as metas de superávit primário, todo o esforço arrecadatório do setor
público acaba por recair unicamente sobre os bons pagadores de tributos deste
País. (Melo; Oliveira, 2017, p.03)
A necessidade de um maior controle e fiscalização por parte do Estado nesses
casos é fundamental para corrigir esse descumprimento das obrigações tributárias, mas
a conscientização da população e o desenvolvimento de um senso coletivo também são
de grande importância no que se refere a essas práticas lesivas ao erário.
Esses valores vultosos que não são recolhidos pelos cofres públicos são
determinantes para a manutenção das desigualdades e para a concentração de renda,
pois esses recursos que deixam de ser arrecadados ficam essencialmente no topo da
pirâmide social onde a facilidade para o acesso a esses instrumentos de não
recolhimento e/ou diminuição de pagamentos de tributos é maior do que para classes
sociais mais pobres.
Existem outras abordagens no debate da estruturação do Sistema Tributário
Brasileiro para que este contribua de forma mais imperativa na redução das
desigualdades econômicas e sociais. A ausência da taxação sobre grandes fortunas
que está prevista na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi instituída e
regulamentada, e que tem certo apelo em alguns segmentos da sociedade, assim
como, a restrita taxação sobre movimentações e operações financeiras são alguns
exemplos, porém essas possibilidades não se fazem tão efetivas e eficazes na solução
do problema. As citadas nessa seção tendem a ser mais determinantes e influenciam
mais na dinâmica regressiva e desigual da Tributação, tal como, a resolução dessa
situação passa pela reorganização e reordenamento de toda a arquitetura do sistema.
57
4 - CONCLUSÃO
A produção desse trabalho foi fundamental para ampliar os conhecimentos
acerca do assunto abordado. Analisar e discorrer os aspectos relacionados aos
impactos promovidos pelo Sistema Tributário Brasileiro nas desigualdades tem bastante
relevância na identificação de problemas e distorções ocorridas e a partir disso
determinar o tipo de sociedade que queremos para o futuro.
As desigualdades atuais, em níveis preocupantes, são resultados, sobretudo, de
escolhas equivocadas na distribuição e composição da carga tributária que não respeita
princípios de equidade, capacidade contributiva e justiça social. Dessa forma, entender
as circunstâncias e variáveis, que nos levam a esse modelo tributário disfuncional,
ineficaz e não efetivo, é de grande importância para o desenvolvimento de novas
práticas que possam contribuir para mitigar as desigualdades e oportunizar uma
sociedade mais justa. Assim, evidencia-se a dimensão deste trabalho apresentado não
só para a comunidade acadêmica, mas também para as autoridades públicas e
sociedade em geral.
Partindo do objetivo de revelar os níveis das desigualdades brasileiras e de
como a tributação impacta negativamente neste sentido foi verificado que a carga
tributária total está compatível com a aplicada em países desenvolvidos, porém, a sua
estruturação está na contramão das melhores práticas. A má distribuição de impostos
diretos e indiretos na carga tributária, a baixa tributação de patrimônio e heranças, a
ausência de tributação sobre lucros e dividendos de pessoa física, a permissividade da
legislação que facilita a elisão, evasão e sonegação, e a pouca progressividade nas
faixas superiores de Imposto de Renda foram condições identificadas neste estudo que
favorecem a alta concentração de renda, a perpetuação das desigualdades e as
mazelas sociais geradas por essa situação desconfortante.
Foi observado ainda que as escolhas políticas e tributárias realizadas atingem
substancialmente os mais pobres que são estrangulados pela taxação sobre o
consumo; e a classe média que padece com o peso desproporcional da carga sobre a
58
renda do trabalho, enquanto que os mais ricos são beneficiados com cargas tributárias
leves sobre patrimônio e a renda, predominantemente as de capital. E desta forma, os
preceitos constitucionais de diminuição das desigualdades e erradicação da pobreza
não são cumpridos em sua integralidade.
Em razão disso, conclui- se que temos que buscar mudanças nesta estrutura
tributária para que se garantam os objetivos estabelecidos no Texto Constitucional de
1988 e que possamos proporcionar em uma sociedade justa em sua plenitude.
Para finalizar, a partir dos conteúdos produzidos neste estudo, é possível
reconhecer os diversos aspectos no âmbito tributário que influenciam de maneira
negativa na construção de uma sociedade justa e equânime. Entretanto, pesquisas
mais abrangente e/ou mais específicas podem contribuir de modo significativo para a
problemática debatida. Estudos sobre elisão, evasão e sonegação fiscal podem e
devem ser aprofundados, assim como o impacto de suas mudanças legislativas
permissivas. A possibilidade de criação e regulamentação de impostos mais
progressivos também é primordial nesta discussão que deve ser prioritária na
sociedade brasileira.
Todas essas medidas de mudanças servem como tentativa de reversão desse
cenário incômodo das desigualdades existentes e estabelecem a necessidade de
alteração dos conceitos de equidade e justiça que estão sendo empregado no Brasil, e
que não vão de encontro aos preceitos determinados pelo Estado Democrático de
Direitos.
59
REFERÊNCIAS
AFONSO, José R.; LUKIC, Melina R.; ORAIR, Rodrigo O.; SILVEIRA, Fernando G.
Coletânea Tributação e Desigualdade. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento,
2017.
AFONSO, José R. Desafios do IPTU. 5ª Reunião da Rede PNAFM. Florianópolis. Set.
2013.
BARDIN. Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Editora Simões,1977.
BARROS, Ricardo P.; MENDONÇA, Rosane. A Evolução do Bem-Estar e da
Desigualdade no Brasil desde 1960. Brasília: IPEA, 1992.
BARROS, Ricardo P.; MENDONÇA, Rosane; CARVALHO, Mirela; FRANCO, Samuel.
Determinantes da Queda na Desigualdade de Renda no Brasil. Brasília: IPEA, 2010.
BARROS, Ricardo P.; FOGUEL, Miguel N.; ULYSSEA, Gabriel. Coletânea
Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: IPEA,
2007.
BENJAMIN, César. Concentração de Renda: quase nada mudou. Boletim Conjuntura
Brasil, Brasília, Fundação João Mangabeira, 4, junho, 2016.
CALIXTRE, André Bojikian. Nas fronteiras de desigualdade brasileira: Reflexões
sobre as décadas de 1990 e 2000. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil,
2014
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo Caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
COLE, Alan. Imposto sobre Herança ao redor do mundo. Whashington D.C. Tax
Foundation. Março 2015. Disponível em:
<https://files.taxfoundation.org/legacy/docs/TaxFoundation_FF458.pdf>. Acesso em: 15
março 2019.
CONCEIÇÃO, João B.S. A Economia Política da Tributação no Brasil. 2017. 22f.
Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) – Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, São Leopoldo, 2017.
60
FERNANDES, Rodrigo C.; CAMPOLINA, Bernardo; SILVEIRA, Fernando G. Impacto
Distributivo do Imposto de Renda no Brasil. Belo Horizonte: Grupo Editorial
Letramento, 2017.
GEORGES, Rafael. Oxfam Brasil: O Brasil que nos une. São Paulo: Brief
Comunicação, 2017.
GEORGES, Rafael. Oxfam Brasil: País Estagnado. São Paulo: Brief Comunicação,
2018.
GOBETTI, Sérgio W.; ORAIR, Rodrigo O. Tributação e Distribuição de Renda no
Brasil: Novas Evidências a partir das declarações tributárias das pessoas físicas.
Brasília: IPEA, 2016.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos metodologia científica. 4.ed. São
Paulo: Atlas, 2001.
LATTIERI, Marcelo. Imposto de Renda das Pessoas Físicas no Brasil: A
Desigualdade Escancarada. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2017.
KEYNES, John M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda; Tradução de
Mário R. da Cruz; Revisão Técnica de Cláudio R. C.; São Paulo: Atlas, 1982.
MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
MEDEIROS, Marcelo; DE SOUZA, Pedro H.G.F.; DE CASTRO, Fábio Ávila. O topo da
distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e
comparação com pesquisas domiciliares, 2006-2012. Brasília: IPEA, 2014.
MELO, Tatiana F.O.; OLIVEIRA, Marcelo S. Controle Fiscal: Análise da Sonegação
na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro. Out.2017. Disponível em:
<https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos17/13325117.pdf>. Acesso em: 23 abril
2019
MONTELEONE, Fernanda. A Evolução das Obrigações Tributárias nas
Constituições Brasileiras e os reflexos no atual Regime Tributário de Energia
Elétrica. 54f. Monografia (Pós-Graduação Latu Sensu). Instituto Brasiliense de
Direito Público – IDP, 2012.
61
MORGAN, Marc. Desigualdade de Renda Crescimento e Tributação da elite no
Brasil: Novas Evidências reunindo Dados de Pesquisas Domiciliares e Fiscais.
Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2017.
NETO, Luís Flávio. Teorias do “Abuso” no Planejamento Tributário. 2011. 266f.
Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Universidade de São Paulo – USP, São
Paulo, 2011.
PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI; Tradução de Monica B. de Bolle.
1ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
SILVEIRA, Fernando G.; PASSOS, Luana. Impactos Distributivos da Tributação e do
Gasto Social – 2003 e 2008. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2017.
SIQUEIRA, Rozane B.; NOGUEIRA, José R. B.; SOUZA, Evaldo S.; LUNA, Carlos F. O
Sistema Tributário Brasileiro é Regressivo? Belo Horizonte: Grupo Editorial
Letramento, 2017.
TAVARES, Nathalia A.M. Desigualdades Sociais e Patrimoniais. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2017.
VARSANO, Ricardo. A Evolução do Sistema Tributário Brasileiro ao longo do
século: Anotações e Reflexões para futuras reformas. Rio de Janeiro: IPEA, 1996.