a variaÇÃo das vogais mÉdias pretÔnicas na … · michelle e marcellus, vocês são as partes...
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Ps-graduao em Letras
Patrcia Goulart Tondineli
A VARIAO DAS VOGAIS MDIAS PRETNICAS NA MESORREGIO DO
NORTE DE MINAS SOB A TICA DA TEORIA DOS SISTEMAS COMPLEXOS
Belo Horizonte
2015
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Patrcia Goulart Tondineli
A VARIAO DAS VOGAIS MDIAS PRETNICAS NA MESORREGIO DO
NORTE DE MINAS SOB A TICA DA TEORIA DOS SISTEMAS COMPLEXOS
Tese apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Letras da Pontifcia
Universidade Catlica de Minas Gerais como
qualificao para a obteno do ttulo de
Doutora em Lingustica e Lngua Portuguesa.
Orientador: Marco Antnio de Oliveira
Belo Horizonte
2015
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FICHA CATALOGRFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
Tondineli, Patrcia Goulart
T663v A variao das vogais mdias pretnicas na mesorregio do norte de Minas
sob a tica da Teoria dos Sistemas Complexos / Patrcia Goulart Tondineli,
Belo Horizonte, 2015.
389 f.: il.
Orientador: Marco Antnio de Oliveira
Tese (Doutorado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.
Programa de Ps-Graduao em Letras.
1. Lngua portuguesa Vogais - Minas Gerais, Norte. 2. Linguagem e
lnguas - Variao. 3. Mudanas lingsticas. 4. I. Oliveira, Marco Antnio de.
II. Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Programa de Ps-
Graduao em Letras. III. Ttulo.
CDU: 806.90-441
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Patrcia Goulart Tondineli
A VARIAO DAS VOGAIS MDIAS PRETNICAS NA MESORREGIO DO
NORTE DE MINAS SOB A TICA DA TEORIA DOS SISTEMAS COMPLEXOS
Tese apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Letras da Pontifcia
Universidade Catlica de Minas Gerais como
qualificao para a obteno do ttulo de
Doutora em Lingustica e Lngua Portuguesa.
_________________________________________________
Marco Antnio de Oliveira (Orientador) PUC Minas
_________________________________________________
Maria do Carmo Viegas UFMG
_________________________________________________
Seung Hwa Lee UFMG
_________________________________________________
Milton do Nascimento PUC Minas
_________________________________________________
Joo Henrique Rettore Totaro PUC Minas
_________________________________________________
Jos Olmpio de Magalhes UFMG (Suplente)
_________________________________________________
Arabie Bezri Hermont UFMG (Suplente)
Belo Horizonte, 18 de setembro de 2015
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Dedico este trabalho aos meus pais, Ana Lcia e Henrique,
cujo apoio sempre me foi fundamental e me faz querer sempre sonhar novos sonhos.
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AGRADECIMENTOS
Obrigada, Deus, por me fazer forte em meio a tantas adversidades e por me dar nimo para
concluir o que me propus a realizar.
Papai e mame, sem vocs, eu nada seria.
Andra, o seu exemplo sempre me inspirador. Irm querida, obrigada por me permitir dividir
minhas angstias e frustraes; mais do que isso, obrigada por sempre me fazer sorrir e olhar
para frente.
Michelle e Marcellus, vocs so as partes do meu todo. Obrigada por me compreenderem e por
entenderem todos os sacrifcios que tiveram de ser feitos durante esses quatro anos.
Vov Aurora, a sua guarda foi e fundamental. Obrigada por me abrigar e por compartilhar
comigo o seu espao.
Dani, a proporo da paz que me propiciou foi fundamental. Almas gmeas sempre, prima-
irm.
Marco Antnio, meu sempre e para sempre orientador, agradecimentos no cobrem todos os
atos, todas as palavras, todos os ensinamentos imprescindveis para a concretizao deste
trabalho.
Aos professores e funcionrios da PUC Minas, obrigada por todo o carinho e pela considerao.
Lee e Joo Henrique, agradeo profundamente pelas reflexes que fizeram sobre este trabalho
na minha qualificao. Tenham a certeza de que elas foram fundamentais nesta fase final.
Obrigada a todos os doadores de vogais de Bocaiva, Braslia de Minas, Janaba, Januria e
Montes Claros.
FAPEMIG, pela colaborao financeira.
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.
[...] as coisas que acontecem,
porque j estavam ficadas prontas,
noutro ar, no sabugo da unha;
e com efeito tudo grtis quando sucede,
no reles do momento.
(ROSA, 2001, p. 453)
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RESUMO
Esta pesquisa tem como tema a questo da variao lingustica das vogais mdias pretnicas na
mesorregio do Norte de Minas Gerais. Tendo em vista estudos realizados anteriormente sobre
o assunto, assim como na regio a ser estudada, verifica-se um complexo quadro dessas vogais.
Alm disso, tendo-os por base, vemos que no do conta de todos os fatos inerentes ao
comportamento das vogais mdias pretnicas. Assim sendo, este estudo prope-se a analisar o
falar de moradores da mesorregio do Norte de Minas Gerais para que, atravs da anlise das
ocorrncias, possamos, por meio da Teoria dos Sistemas Complexos, melhor visualizar a
variao existente na regio no que se refere ao comportamento do sistema voclico pretnico.
Para tanto, entrevistamos falantes nativos de Montes Claros, Bocaiva, Braslia de Minas,
Januria e Janaba com sexo, faixa etria e escolaridade diversificados. Aps a transcrio e a
anlise quantitativa das entrevistas, analisamos a ocorrncia das vogais mdias em posio
pretnica tendo-se em conta as variveis lingusticas: distncia da slaba tnica; tipo de slaba;
vogal da slaba anterior/seguinte; contexto fonolgico precedente e posterior; classe gramatical
e processo derivacional (prefixao). Tendo em mos os dados quantitativos, refletimos
qualitativamente acerca das situaes encontradas no comportamento das vogais mdias
pretnicas utilizando-nos, para tal, do que prope a teoria da complexidade. Os resultados
indicam que, na regio analisada, a produo das vogais mdias pretnicas ocorre
heterogeneamente, sendo sensvel ao par {indivduo-item lexical} e regio geogrfica, os
quais atuariam como atratores strange no sistema adaptativo complexo que a lngua.
Palavras-chave: Variao lingustica. Teoria dos Sistemas Complexos. Atratores strange.
Vogais mdias pretnicas. Mesorregio do Norte de Minas Gerais.
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ABSTRACT
This research has that theme the question about the linguistic variation of the midle pretonic
vowels in the northern mesoregion of Minas Gerais. Considering studies conducted previously
on the subject, as well as in the region studied, there is a complex panorama of these vowels.
In addition, having them as a based, we see that dont realize all the facts related to the
behaviour of midle pretonic vowels. Therefore, this study proposes to examine that talk of
residentes of the northern mesoregion of Minas Gerais so that, through the analysis of
occurrences, we can, by means of the Complex Systems Theory, better show the variation that
exists in the region in which the behavior of the pretonic vowel system. To this end, we
interviewed natives speakers of Montes Claros, Bocaiva, Braslia de Minas, Januria and
Janaba with sex, age group and grade of school diversified. Afther transcription and the
quantitative analysis of the interviews, we analyze the ocurrence of midle vowels in pretonic
position having regard to linguistic variables: distance of stress syllable; type of syllable; vowel
of the previous/next syllable; phonological context precedent, phonological context posterior;
gramatical class and derivational process (advance fixing). Having in hand the quantitative data,
we reflect qualitatively about the situations encountered in the behaviour of the midle pretonic
vowels using us, for this, that proposes the theory of complexity. This results indicate that, in
the region examined, the production of midle pretonic vowels occur heterogeneously, being
sensitive to the pair {individual-lexical item} and the geographical region, which would act as
strange attractors in complex adaptative system that is the language.
Palavras-chave: Linguistic variation. Complex Systems Theory. Strange attractor. Midle
pretonic vowels. Northern mesoregion of Minas Gerais.
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Variedades de latim e lnguas romnicas........................................................ 26
FIGURA 2 Alamento de /e, o/ finais ............................................................................... 38
FIGURA 3 Diviso dialetal do Brasil conforme Antenor Nascentes (1922) .................... 46
FIGURA 4 VC no tier temporal ........................................................................................ 71
FIGURA 5 Ciclo organizacional ..................................................................................... 102
FIGURA 6 Antiorganizao e organizao ..................................................................... 103
FIGURA 7 Regio Norte de Minas Gerais ...................................................................... 118
FIGURA 8 Microrregies do Norte de Minas ................................................................. 123
FIGURA 9 Microrregio de Bocaiva ............................................................................ 123
FIGURA 10 B-17 da Fora Area Americana, que fotografou o fenmeno em
Bocaiva ............................................................................................................................. 125
FIGURA 11 Microrregio de Janaba ............................................................................ 128
FIGURA 12 A estao de Janaba e o trem inaugural do prolongamento da linha at
Montes Claros, em setembro de 1947 ................................................................................ 130
FIGURA 13 Microrregio de Januria ............................................................................ 132
FIGURA 14 Igreja de Nossa Senhora do Rosrio, em Januria ...................................... 133
FIGURA 15 Microrregio de Montes Claros .................................................................. 136
FIGURA 16 O arraial de Formigas, com a capela e algumas casas ................................ 138
FIGURA 17 Matriz de Sant'Ana, em Braslia de Minas ................................................. 140
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LISTA GRFICOS
GRFICO 1 O comportamento das vogais mdias pretnicas na mesorregio do Norte
de Minas ............................................................................................................................. 164
GRFICO 2 O alamento das vogais mdias pretnicas na mesorregio do Norte de
Minas .................................................................................................................................. 165
GRFICO 3 O rebaixamento das vogais mdias pretnicas na mesorregio do Norte de
Minas .................................................................................................................................. 211
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Quadro evolutivo das vogais: do latim clssico ao vulgar ............................ 27
TABELA 2 Vogais tnicas nas lnguas romnicas ........................................................... 30
TABELA 3 Vogais de acento secundrio.......................................................................... 31
TABELA 4 Vogais postnicas .......................................................................................... 31
TABELA 5 Periodizao da lngua portuguesa ................................................................ 33
TABELA 6 Quadro tnico do galego-portugus ............................................................... 34
TABELA 7 Vogais subjacentes ......................................................................................... 38
TABELA 8 Vogais superficiais ......................................................................................... 39
TABELA 9 Estimativas do total de portugueses que entraram no Brasil desde o
sculo XVI ............................................................................................................................ 41
TABELA 10 Distribuio da pronncia das mdias pretnicas pelas regies
brasileiras .............................................................................................................................. 50
TABELA 11 Quadro das vogais tnicas orais do PB ........................................................ 53
TABELA 12 Propriedades segmentais das vogais do PB ................................................. 72
TABELA 13 Quadro comparativo da atonicidade das vogais mdias pretnicas ........... 150
TABELA 14 Descrio dos informantes da pesquisa ..................................................... 160
TABELA 15 Nocaute do grupo de fatores Tipo de slaba: alamento da vogal
pretnica (e) ........................................................................................................................ 166
TABELA 16 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior: alamento da
vogal pretnica (e) .............................................................................................................. 166
TABELA 17 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente: alamento da
vogal pretnica (e) .............................................................................................................. 167
TABELA 18 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/modo de
articulao: alamento da vogal pretnica (e) ................................................................... 168
TABELA 19 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/modo de
articulao: alamento da vogal pretnica (e) ................................................................... 168
TABELA 20 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/ponto de
articulao: alamento da vogal pretnica (e) ................................................................... 169
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TABELA 21 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/ponto de
articulao: alamento da vogal pretnica (e) ................................................................... 169
TABELA 22 Distncia da vogal mdia pretnica em relao slaba tnica (alamento
da vogal (e) pretnica) ........................................................................................................ 171
TABELA 23 Tipo de slaba (alamento da vogal (e) pretnica) .................................... 171
TABELA 24 Vogal da slaba seguinte (alamento da vogal (e) pretnica) .................... 172
TABELA 25 Vogal da slaba anterior (alamento da vogal (e) pretnica) .................... 174
TABELA 26 Contexto fonolgico precedente (alamento da vogal (e) pretnica) ........ 176
TABELA 27 Contexto fonolgico posterior/modo de articulao (alamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 176
TABELA 28 Contexto fonolgico precedente/modo de articulao (alamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 177
TABELA 29 Contexto fonolgico posterior/ponto de articulao (alamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 178
TABELA 30 Contexto fonolgico precedente/ponto de articulao (alamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 180
TABELA 31 Atonicidade da vogal mdia pretnica (alamento da vogal (e)
pretnica) ............................................................................................................................ 181
TABELA 32 Classe gramatical (alamento da vogal (e) pretnica) .............................. 181
TABELA 33 Processo derivacional (alamento da vogal (e) pretnica) ....................... 182
TABELA 34 Escolaridade (alamento da vogal (e) pretnica) ...................................... 183
TABELA 35 Indivduo (alamento da vogal (e) pretnica) ............................................ 183
TABELA 36 Contexto fonolgico posterior (alamento da vogal (e) pretnica) ........... 185
TABELA 37 Posio da vogal mdia pretnica no item lexical (alamento da vogal (e)
pretnica) ............................................................................................................................ 186
TABELA 38 Sexo do falante (alamento da vogal (e) pretnica) ................................... 186
TABELA 39 Faixa etria do falante (alamento da vogal (e) pretnica) ...................... 187
TABELA 40 Localidade (alamento da vogal (e) pretnica) ......................................... 187
TABELA 41 Nocaute do grupo de fatores Tipo de slaba: alamento da vogal
pretnica (o) ....................................................................................................................... 188
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TABELA 42 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba seguinte: alamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 189
TABELA 43 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba anterior: alamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 190
TABELA 44 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior: alamento
da vogal pretnica (o) ......................................................................................................... 190
TABELA 45 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/modo de
articulao: alamento da vogal pretnica (o) ................................................................... 191
TABELA 46 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/ponto de
articulao: alamento da vogal pretnica (o) ................................................................... 191
TABELA 47 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/ponto de
articulao: alamento da vogal pretnica (o) ................................................................... 192
TABELA 48 Nocaute do grupo de fatores Classe gramatical: alamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 192
TABELA 49 Distncia da vogal mdia pretnica em relao slaba tnica (alamento
da vogal (o) pretnica) ........................................................................................................ 193
TABELA 50 Tipo de slaba (alamento da vogal (o) pretnica) .................................... 194
TABELA 51 Vogal da slaba seguinte (alamento da vogal (o) pretnica) ................... 195
TABELA 52 Vogal da slaba anterior (alamento da vogal (o) pretnica) .................... 196
TABELA 53 Contexto fonolgico posterior (alamento da vogal (o) pretnica) ........... 198
TABELA 54 Contexto fonolgico posterior/modo de articulao (alamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 198
TABELA 55 Contexto fonolgico precedente/modo de articulao (alamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 200
TABELA 56 Contexto fonolgico posterior/ponto de articulao (alamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 201
TABELA 57 Contexto fonolgico precedente/ponto de articulao (alamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 202
TABELA 58 Atonicidade da vogal mdia pretnica (alamento da vogal (o)
pretnica) ............................................................................................................................ 203
TABELA 59 Classe gramatical (alamento da vogal (o) pretnica) .............................. 204
TABELA 60 Indivduo (alamento da vogal (o) pretnica) ............................................ 204
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TABELA 61 Contexto fonolgico precedente (alamento da vogal (o) pretnica) ........ 206
TABELA 62 Posio da vogal mdia pretnica no item lexical (alamento da vogal (o)
pretnica) ............................................................................................................................ 207
TABELA 63 Processo derivacional (alamento da vogal (o) pretnica) ....................... 208
TABELA 64 Sexo do falante (alamento da vogal (o) pretnica) .................................. 208
TABELA 65 Faixa etria do falante (alamento da vogal (o) pretnica) ...................... 209
TABELA 66 Escolaridade (alamento da vogal (o) pretnica) ...................................... 209
TABELA 67 Localidade (alamento da vogal (o) pretnica) ......................................... 210
TABELA 68 Nocaute do grupo de fatores Tipo de slaba: rebaixamento da vogal
pretnica (e) ........................................................................................................................ 212
TABELA 69 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba seguinte: rebaixamento da
vogal pretnica (e) .............................................................................................................. 212
TABELA 70 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba anterior: rebaixamento da
vogal pretnica (e) .............................................................................................................. 213
TABELA 71 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior: rebaixamento
da vogal pretnica (e) ......................................................................................................... 214
TABELA 72 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente: rebaixamento
da vogal pretnica (e) ......................................................................................................... 214
TABELA 73 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/modo de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (e) .............................................................. 215
TABELA 74 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/modo de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (e) .............................................................. 215
TABELA 75 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/ponto de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (e) .............................................................. 216
TABELA 76 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/ponto de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (e) .............................................................. 216
TABELA 77 Nocaute do grupo de fatores Classe gramatical: rebaixamento da vogal
pretnica (e) ........................................................................................................................ 217
TABELA 78 Nocaute do grupo de fatores Indivduo: rebaixamento da vogal
pretnica (e) ........................................................................................................................ 217
TABELA 79 Distncia da vogal mdia pretnica em relao slaba tnica
(rebaixamento da vogal (e) pretnica) ................................................................................ 219
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TABELA 80 Tipo de slaba (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ............................... 220
TABELA 81 Vogal da slaba seguinte (rebaixamento da vogal (e) pretnica) .............. 221
TABELA 82 Vogal da slaba anterior (rebaixamento da vogal (e) pretnica)............... 223
TABELA 83 Contexto fonolgico posterior/modo de articulao (rebaixamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 224
TABELA 84 Contexto fonolgico precedente/modo de articulao (rebaixamento da
vogal (e) pretnica) ............................................................................................................. 225
TABELA 85 Classe gramatical (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ......................... 226
TABELA 86 Faixa etria do falante (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ................. 226
TABELA 87 Escolaridade (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ................................. 227
TABELA 88 Localidade (rebaixamento da vogal (e) pretnica) .................................... 227
TABELA 89 Contexto fonolgico posterior (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ...... 228
TABELA 90 Contexto fonolgico precedente (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ... 229
TABELA 91 Contexto fonolgico posterior/ponto de articulao (rebaixamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 229
TABELA 92 Contexto fonolgico precedente/ponto de articulao (rebaixamento da
vogal (e) pretnica) ............................................................................................................. 230
TABELA 93 Atonicidade da vogal mdia pretnica (rebaixamento da vogal (e)
pretnica) ............................................................................................................................ 231
TABELA 94 Posio da vogal mdia pretnica no item lexical (rebaixamento da vogal
(e) pretnica)....................................................................................................................... 232
TABELA 95 Processo derivacional (rebaixamento da vogal (e) pretnica) .................. 232
TABELA 96 Sexo do falante (rebaixamento da vogal (e) pretnica) ............................. 233
TABELA 97 Nocaute do grupo de fatores Tipo de slaba: rebaixamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 234
TABELA 98 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba seguinte: rebaixamento da
vogal pretnica (o) .............................................................................................................. 234
TABELA 99 Nocaute do grupo de fatores Vogal da slaba anterior: rebaixamento da
vogal pretnica (o) .............................................................................................................. 235
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TABELA 100 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior: rebaixamento
da vogal pretnica (o) ......................................................................................................... 236
TABELA 101 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente: rebaixamento
da vogal pretnica (o) ......................................................................................................... 236
TABELA 102 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/modo de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (o) .............................................................. 237
TABELA 103 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/modo de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (o) .............................................................. 237
TABELA 104 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico posterior/ponto de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (o) .............................................................. 238
TABELA 105 Nocaute do grupo de fatores Contexto fonolgico precedente/ponto de
articulao: rebaixamento da vogal pretnica (o) .............................................................. 238
TABELA 106 Nocaute do grupo de fatores Classe gramatical: rebaixamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 239
TABELA 107 Nocaute do grupo de fatores Indivduo: rebaixaamento da vogal
pretnica (o) ........................................................................................................................ 239
TABELA 108 Distncia da vogal mdia pretnica em relao slaba tnica
(rebaixamento da vogal (o) pretnica)................................................................................ 241
TABELA 109 Tipo de slaba (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ............................. 242
TABELA 110 Vogal da slaba seguinte (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ............ 242
TABELA 111 Vogal da slaba anterior (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ............ 244
TABELA 112 Contexto fonolgico posterior (rebaixamento da vogal (o) pretnica) .... 245
TABELA 113 Contexto fonolgico precedente (rebaixamento da vogal (o)
pretnica) ............................................................................................................................ 245
TABELA 114 Contexto fonolgico posterior/modo de articulao (rebaixamento da
vogal (o) pretnica) ............................................................................................................ 246
TABELA 115 Contexto fonolgico precedente/modo de articulao (rebaixamento da
vogal (o) pretnica) ............................................................................................................ 247
TABELA 116 Contexto fonolgico posterior/ponto de articulao (rebaixamento da
vogal (o) pretnica) ............................................................................................................ 247
TABELA 117 Contexto fonolgico precedente/ponto de articulao (rebaixamento da
vogal (o) pretnica) ............................................................................................................ 248
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TABELA 118 Atonicidade da vogal mdia pretnica (rebaixamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 249
TABELA 119 Posio da vogal mdia pretnica no item lexical (rebaixamento da vogal
(o) pretnica) ...................................................................................................................... 250
TABELA 120 Classe gramatical (rebaixamento da vogal (o) pretnica)....................... 250
TABELA 121 Processo derivacional (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ................ 251
TABELA 122 Sexo do falante (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ........................... 252
TABELA 123 Faixa etria do falante (rebaixamento da vogal (o) pretnica) ............... 252
TABELA 124 Escolaridade (rebaixamento da vogal (o) pretnica) .............................. 253
TABELA 125 Localidade (rebaixamento da vogal (o) pretnica) .................................. 253
TABELA 126 Falantes da mesorregio do Norte de Minas ............................................ 268
TABELA 127 Comunidades analisadas .......................................................................... 272
TABELA 128 Teses e dissertaes sobre as vogais mdias pretnicas do PB ............... 294
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................................... 19
2 VOCALISMO DO PORTUGUS ................................................................................. 22
2.1 Vocalismo: do latim ao portugus ............................................................................... 23
2.2 O vocalismo do portugus arcaico e mdio ................................................................ 32
2.3 O vocalismo do PB ........................................................................................................ 41
2.4 Diferenciaes dialetais marcadas no interior do quadro das vogais ...................... 45
3 O COMPORTAMENTO DAS VOGAIS MDIAS EM POSIO PRETNICA NO
PORTUGUS DO BRASIL .............................................................................................. 53
3.1 Variao lingustica: algumas concepes .................................................................. 54
3.2 As vogais pretnicas no PB: algumas questes .......................................................... 62
3.3 Estudos sobre o comportamento das vogais mdias pretnicas (e, o) no PB .......... 63
3.4 Alguns trabalhos sobre a variao das vogais mdias pretnicas no Brasil ........... 86
4 LINGUAGEM: SISTEMA ADAPTATIVO COMPLEXO ......................................... 94
4.1 Linguagem como sistema ............................................................................................. 96
4.2 Linguagem como sistema adaptativo a organizao do sistema ........................... 99
4.3 Linguagem como sistema adaptativo complexo ....................................................... 106
4.4 Teoria da Complexidade e variao lingustica ....................................................... 110
5 MESORREGIO DO NORTE DE MINAS: COMUNIDADE DE PRTICA
LINGUSTICA ................................................................................................................. 116
5.1 A regio norte mineira ............................................................................................... 117
5.2 Bocaiva ...................................................................................................................... 123
5.3 Janaba ....................................................................................................................... 128
5.4 Januria ....................................................................................................................... 132
5.5 Montes Claros ............................................................................................................. 135
5.6 Braslia de Minas ........................................................................................................ 139
6 METODOLOGIA .......................................................................................................... 144
6.1 Variveis lingusticas independentes ........................................................................ 146
6.1.1 Distncia da vogal mdia pretnica em relao slaba tnica .............................. 146
6.1.2 Tipo de slaba ............................................................................................................ 147
6.1.3 Posio da vogal mdia pretnica no item lexical .................................................... 149
6.1.4 Atonicidade da vogal mdia pretnica ...................................................................... 150
6.1.5 Vogal da slaba seguinte e vogal da slaba anterior ................................................. 151
6.1.6 Contexto fonolgico posterior e precedente .............................................................. 152
6.1.7 Classe gramatical ...................................................................................................... 153
6.1.8 Processo derivacional (prefixao)........................................................................... 154
6.2 Variveis extralingusticas independentes................................................................ 155
6.2.1 Sexo do falante .......................................................................................................... 155
6.2.2 Faixa etria do falante .............................................................................................. 157
6.2.3 Escolaridade .............................................................................................................. 159
6.2.4 Indivduo .................................................................................................................... 160
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7 O COMPORTAMENTO DAS VOGAIS MDIAS PRETNICAS NA
MESORREGIO NORTE DE MINAS ......................................................................... 163
7.1 Alamento das vogais mdias em posio pretnica ............................................... 164
7.1.1 O alamento da vogal (e) em posio pretnica ....................................................... 165
7.1.2 O alamento da vogal (o) em posio pretnica ....................................................... 188 7.2 O rebaixamento das vogais mdias em posio pretnica ...................................... 210
7.2.1 O rebaixamento da vogal (e) em posio pretnica.................................................. 211
7.2.2 O rebaixamento da vogal (o) em posio pretnica ................................................. 233
7.3 As vogais mdias pretnicas na mesorregio Norte de Minas ............................... 254
8 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 278
REFERNCIAS ............................................................................................................... 283
ANEXO A Estudos sobre as vogais mdias pretnicas ............................................. 294
ANEXO B Vogal mdia pretnica (e): ocorrncias de manuteno, alamento e
rebaixamento ..................................................................................................................... 298
ANEXO C Vogal mdia pretnica (o): ocorrncias de manuteno, alamento e
rebaixamento .................................................................................................................... 353
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19
1 INTRODUO
Diversos processos fonolgicos do Portugus do Brasil tm suscitado grande nmero de
indagaes e, por conseguinte, uma produo cientfica crescente. Dois desses processos, objeto
deste estudo, so o rebaixamento e o alamento das vogais mdias em posio pretnica.
Tendo em vista que no Brasil o quadro dessas vogais no fixo, dependendo da regio
geogrfica em que esto inseridas, este trabalho objetivou investigar os aspectos que envolvem
a variao das vogais mdias pretnicas na mesorregio do Norte de Minas. Esta composta
por uma rea de 128.454,108 km2, a qual compartilhada por 1.614.971 habitantes, conforme
o Censo 2010, dividindo-se em sete microrregies: Bocaiva, Gro Mogol, Janaba, Januria,
Montes Claros, Pirapora e Salinas, dentre as quais analisamos dados relativos s de Bocaiva,
Janaba, Januria e Montes Claros. Inserida nesta microrregio, encontra-se Braslia de Minas,
localidade tambm investigada nesta pesquisa.
Para a nossa investigao, com o intuito de obtermos um novo olhar sobre o
comportamento do quadro voclico pretnico, tomamos a Teoria dos Sistemas Complexos
como base para as nossas interpretaes, que partem dos pesos relativos dados pelo
VARBRUL, programa que nos ofereceu o aporte metodolgico por meio do qual nos foi
possvel verificar o papel de aspectos lingusticos e extralingusticos.
De acordo com a teoria aqui utilizada, perceber a linguagem como um sistema
adaptativo complexo adequar-se aos fatos referentes variao lingustica de modo mais
eficaz para que haja compreenso sobre o comportamento do sistema pretnico, no nosso caso,
no s sobre o comportamento das suas partes constituintes, mas tambm sobre quais interaes
entre as partes seriam necessrias.
Assim, tomaremos a variao como um processo heterogneo que se habilitaria por
propriedades da Lngua-I, sob a influncia de atratores do tipo limit cycle, e emergiria
diferenciadamente na Lngua-E, a qual, por sua vez, sofreria o controle de atratores do tipo
strange, como a regio geogrfica e o par {indivduo-item lexical}.
Segundo expe Oliveira (2014), as questes referentes variao lingustica devem ser
vistas em consonncia ao que prope a Teoria dos Sistemas Complexos, tendo em mente que
h a interao entre a faculdade de linguagem, em seu sentido largo, e o contexto em que ela
se realiza; a variao lingustica seria, pois, uma condio sine qua non para as lnguas
existirem, sendo a consequncia de processos adaptativos contnuos.
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20
Para que pudssemos chegar questo da complexidade do sistema lingustico e, no
nosso caso, do quadro voclico pretnico, algumas questes tornaram-se necessrias de serem
expostas nesta tese. Assim, para que as nossas interpretaes fossem consistentes metodolgica
e teoricamente, dividimos este trabalho em seis Captulos, excetuando-se esta Introduo e as
Consideraes finais.
No Captulo 2, tratamos da evoluo do sistema voclico do portugus at chegar ao
brasileiro, com nfase no quadro das vogais mdias /e, o/ em posio pretnica, o nosso objeto
de estudo. Para que melhor pudssemos observar a evoluo do sistema de vogais,
subdividimos o Captulo em 4 subitens: (1) Vocalismo: do latim ao portugus, valendo-nos
de autores como Lausberg (1974); Ilari (2002); Mattoso Cmara Jr. (1976) e Willians (2001);
(2) O vocalismo do portugus arcaico e mdio, cujos autores que nos auxiliaram na
composio deste subitem foram, entre outros, Silva (2013a); Teyssier (2001) e Naro (1973);
(3) O vocalismo do PB, no qual temos Castilho (2002), Cmara Jr. (1976) e Teyssier (2001)
como aportes tericos, entre outros; e (4) Diferenciaes dialetais marcadas no interior do
quadro das vogais, item no qual nos utilizamos de todos os autores j citados.
Feita a exposio diacrnica do quadro voclico do portugus brasileiro, partimos, em
nosso Captulo 3, para a apresentao de trabalhos sobre os quais tecemos consideraes que
julgamos serem pertinentes para a nossa anlise, como Bisol (1981), Silva (1989) Bortoni,
Gomes e Malvar (1992), Viegas (2001) e Dias (2014), entre outros. Por meio da anlise de
trabalhos j realizados sobre o comportamento das vogais mdias pretnicas, pudemos verificar
que algumas questes se tornavam marcas registradas entre eles: a descrio dos fatos
lingusticos, a restrio do ambiente no qual ocorreria a variao das vogais mdias pretnicas
e resultados controversos dos esperados.
Tendo, assim, a noo de que as teorias por eles empregadas no dariam conta de olhar
mais detalhadamente os processos variveis de alamento e de rebaixamento das vogais mdias
pretnicas, em nosso quarto Captulo, apresentamos a nossa teoria base: a dos Sistemas
Adaptativos Complexos. Esse Captulo foi dividido em quatro subitens: (1) Linguagem como
sistema; (2) Linguagem como sistema adaptativo a organizao do sistema; (3) Linguagem
como sistema adaptativo complexo; (4) Teoria da complexidade e variao lingustica.
Para darmos consistncia a todos esses temas, valemo-nos de autores como Aguirre
(2007), Fleischer (2009), Holland (2008), Lewin (1994), Morin (2008a; 2008; 2011);
Nascimento (2009) e Oliveira (2011; 2014; 2015), entre outros.
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21
Realizado o percurso terico, partimos, no Captulo 5, para a apresentao da
mesorregio do Norte de Minas e das cinco localidades analisadas: Bocaiva, Braslia de Minas,
Janaba, Januria e Montes Claros. Juntamente com a descrio das comunidades pesquisadas,
neste mesmo Captulo, expusemos tambm algumas questes referentes hiptese de ser a
regio geogrfica um tipo de atrator strange, trazendo, para tal, as consideraes de Oliveira
(2014; 2015).
A seguir, no sexto Captulo, falamos sobre a nossa metodologia de pesquisa e expomos
cada um dos grupos de fatores levados em considerao neste estudo.
No Captulo 7, ento, procedemos com a anlise dos dados e a sua interpretao. Ainda
nesse Captulo, aps terem sido expostos os resultados de cada um dos grupos de fatores,
fazemos reflexes sobre eles tendo a Teoria dos Sistemas Complexos como carro-chefe.
Findas as consideraes, expomos a nossa concluso, as referncias bibliogrficas e os
anexos.
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22
2 VOCALISMO DO PORTUGUS
H uma expresso bem caracterstica da suavidade da nossa pronncia: a lngua do
Brasil denominada o portugus com acar. (Antenor Nascentes).
Neste Captulo, trataremos da evoluo do sistema voclico do portugus at chegar ao
brasileiro, com nfase no quadro das vogais mdias /e, o/ em posio pretnica, o nosso objeto
de estudo. Antes, porm, de focarmos no portugus brasileiro (doravante PB), fazem-se
necessrias algumas breves consideraes sobre o sistema voclico em geral e as diversas fases
pelas quais passou, desde o latim at os dias atuais.
Bart de Boer, em The origins of vowel system (2001), diz que os seres humanos possuem
um inventrio de 921 fonemas em 421 lnguas do mundo, sendo: 652, consoantes; 180, vogais;
e 89, ditongos. Diferentes lnguas optam por diferentes subconjuntos desses sons (sendo o mais
comum, no caso das vogais, aquele composto de cinco elementos, a saber: /, , , , /),
conforme as suas articulaes, que podem ser bsicas, elaboradas ou complexas, tornando-se,
assim, bvio que o homem possua condies para produzir todos eles.
Ainda de acordo com Boer (2001), esse subconjunto, ou seja, o sistema sonoro de uma
determinada lngua poderia mostrar caractersticas de regularidade baseadas em propriedades
inatas da capacidade humana de linguagem, atravs de traos binrios (como vogal nasal/vogal
no nasal; vogal baixa/vogal alta) para distinguir os sons. Esta capacidade distintiva,
entretanto, no basta como explicao de por que certos traos so adotados por uma lngua ou
por um dialeto em detrimento de outros.
Por exemplo, no caso do sistema voclico, o do PB difere daquele do portugus europeu
(doravante PE) nas posies tonas, sobretudo no que se refere s mdias pretnicas,
constituindo, pois, o sistema pretnico, do PB e do PE, em um dos traos que mais diferencia
as duas variedades:
Em slaba pretnica, o Brasil ignora, para as vogais escritas a, e e o, a oposio do
timbre aberto e fechado. Enquanto Portugal ope o // de cadeira ao /a/ de pdeira, o
// de pregar ao /e/ [//] de prgar, o /u/ de morar ao /o/ [//] de crar, o Brasil conhece apenas /A/, /E/ e /O/ [...]. (TEYSSIER, 2001, p. 102, grifos nossos)1.
1 Nas citaes feitas nesta tese, optamos pela manuteno das normas ortogrficas vigentes na data da publicao
da obra mencionada.
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23
Tambm Rosa Virgnia Mattos e Silva (2013a, p. 61) aponta como marca de dialetao
a variao existente nas mdias pretnicas [e] ~ []; [o] ~ [] , fato caracterstico do PB, j
que no portugus europeu atual as mdias pretnicas no se realizam como baixas. A presena
das vogais baixas em posio pretnica dota o PB de trao conservador, j que mantm o quadro
voclico do PE do sc. XVIII, como podemos ver nos subitens 2.2 e 2.3 deste Captulo.
Para dar conta dessa variao, passaremos, a seguir, a expor, sucintamente, a histria da
lngua portuguesa at chegar brasileira, focando principalmente em nosso objeto de estudo:
as vogais mdias (e, o) em posio pretnica.
2.1 Vocalismo: do latim ao portugus
O latim foi, por um longo perodo, a lngua oficial e representante do poder de Roma.
Lausberg (1974, p. 46) afirma que as lnguas romnicas se formaram e distriburam-se a partir
da romanizao da Itlia e do Imprio; entretanto, apresentam diferenas nas vrias partes
do Imprio, pelo substrato pr-romano, pela poca e pelo modo da romanizao. Essa
diferenciao atinge o pice no tempo dos Csares, e no fim da Antiguidade desintegra-se,
afinal e por completo, a unidade lingustica da lngua vulgar. Na interpretao de Heinrich
Lausberg (1974), a incorporao pelo Imprio Romano o marco da romanizao de uma
regio, podendo ser assim dividida:
Sc. III a. C.: Pennsula itlica, Siclia, Sardenha, Crsega, costa dmata, costa
oriental e meridional da Espanha.
Sc. II a. C.: Alta Itlia (Gallia Cisalpina), sul da Glia (provncia Narbonensis), a
maior parte da Pennsula Ibrica (com exceo do noroeste), Cartago.
Sc. I a. C.: Glia, Alpes e regio subalpina do norte (Raetia, Noricum), noroeste da
Pennsula Ibrica, Dalmcia, Msia (margem meridional do Danbio) com Dardnia.
Sc. I d. C.: Pannia, Britnia, Campos Decumatos.
Sc. II d. C.: Dcia (107 d. C.). (LAUSBERG, 1974, p. 47).
Mesmo que haja uma linha temporal de cinco sculos no processo de romanizao, as
diferenas na latinidade prpria das lnguas romnicas so menores do que as de ordem
cronolgica, pois a maior parte de tais diferenas deve ter sido nivelada pelo movimento de
intercmbio que inundava todo o Imprio no tempo dos Csares. (LAUSBERG, 1974, p. 47-
8).
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24
O latim , na verdade, a lngua dos dominadores; assim, durante o perodo do Imprio
Romano, a lngua latina escrita conservou certa fixidez2, embora fosse apenas aparente. Desse
modo, concomitantemente com a runa do Imprio Romano e da sua civilizao3, emergem,
rapidamente, as diferenas dialetais e histricas, advindas da variedade oral do latim (que
convivia com o latim chamado clssico ou literrio).
Na oralidade latina, coexistiam duas variedades: a culta e a das classes populares. Esta
ltima era a consequncia do trnsito e do resultante intercmbio advindo das conquistas
territoriais do Imprio Romano, sendo que essa lngua quotidiana do homem comum, do
soldado, do comerciante, do escravo, enfim, o chamado latim vulgar foi que desempenhou,
como o andar do tempo, um papel mais importante do que a lngua literria da camada superior
romana. (LAUSBERG, 1974, p. 48). Expe ainda esse autor:
Como poca decisiva para a consolidao das diferenas lingsticas regionais
anteriormente adquiridas, tem de se considerar os scs. VI-VIII, em que a formao
latina e o intercmbio inter-romnico (especialmente em conseqncia do incipiente
feudalismo e do parcelamento dos domnios por ele causado) alcanam um nvel mais
baixo e em que as falas regionais carecem praticamente de todas as correes ou
normas. Assim, a fala regional penetra, pouco a pouco, nos textos ento escritos em
latim literrio e estes fazem a transio para os mais antigos textos coerentes em lngua
romnica. (LAUSBERG, 1974, p. 54).
Conforme expe Ilari (2002, p. 61), e retomando o que j dissemos anteriormente, a
maior diferena entre o latim vulgar e o clssico4 no , pois, de ordem cronolgica nem relativa
forma escrita da lngua, mas sim social: o latim clssico pertencia a uma sociedade fechada,
conservadora e aristocrtica, cujo primeiro ncleo seria constitudo pelo patriciado; j o latim
vulgar associa-se a uma classe social aberta a todas as influncias que possui como ncleo
primitivo a plebe.
2 Pela ao dos gramticos, da literatura e da classe culta. 3 Com esse enfraquecimento, h o deslocamento do centro de gravidade cultural, econmico e, afinal, tambm
poltico-militar, da Itlia e de Roma para as diversas provncias que compunham o Imprio Romano, mudando,
consequentemente, a sua estrutura: Se a romanizao do Imprio e a sua mais antiga distribuio lingstica
tinham partido da Itlia, d-se agora uma reorganizao lingstica do Imprio sob influncia glica.
(LAUSBERG, 1974, p. 50). 4 Ilari (2002, p. 51-2) elenca trs razes pelas quais o latim (o do Imprio Romano) no se manteve como lngua
falada: (a) romanizao superficial, pela ausncia de grandes centros urbanos em regies como os Alpes e a
Albnia; (b) superioridade cultural dos vencidos, como foi no caso da Grcia, que no adotou o latim como
lngua oficial; e (c) superposio macia de populaes no romanas, seja pelas invases no territrio romano,
seja pela colonizao de outros continentes.
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25
Na interpretao de Mattoso Cmara Jr. (1976, p. 20), o latim vulgar seria a lngua
viva; j o latim clssico s poderia ser assim considerado a partir da influncia advinda do
latim vulgar, por meio da qual se imbua de maleabilidade e, consequentemente, dinamicidade:
Na realidade, o latim vulgar s se define como um contraste com a norma ideal do
latim clssico. No uma unidade lingstica em qualquer momento de sua histria.
Diversifica-se em dialetos sociais, e, diacronicamente, uma continuidade de
mudanas.
justo dizer que as lnguas romnicas provm do latim vulgar, no sentido relativo de
que resultaram de um latim dinmico, essencialmente de lngua oral, em processo de
perene evoluo. Elementos do latim clssico, que esto nas origens romnicas, so
os que se integram no processo evolutivo, fazendo-se vulgares. (CMARA JR.,
1976, p. 21).
J para Mauer Jr.:
[...] o latim vulgar, do qual promanaram, com o passar dos sculos, as lnguas
romnicas, no era simplesmente o latim falado de Roma, em oposio ao latim
literrio criado artificialmente por eruditos [...] era, ao contrrio sobretudo durante
a poca clssica o latim da plebe romana em seu sentido mais geral, isto , da grande
massa popular que de Roma e, depois, de outras regies da Itlia se espalhou pelas
provncias [...] ste latim simplificado e pobre, despido dos recursos mais
abundantes do sermo urbanus, que chega a constituir a koin do vasto imprio em
todo o Ocidente, desde o Tejo at o Danbio. Ao lado dle, como lngua oficial da
administrao e da cultura latina, persiste a lngua literria, estudada nas escolas de
Roma e das provncias, se bem que no uso coloquial, pouco a pouco, o velho latim
elegante da aristocracia v perdendo terreno em concorrncia com a lngua vulgar.
(MAUER JR., 1962, p. 138).
Sumarizando a evoluo da lngua latina, podemos assim deline-la, conforme exposto
na Figura 1.
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26
Figura 1 Variedades de latim e lnguas romnicas
lat. clss. lat. medieval
V d. C. XVI
escrito
culto
lat. arc. (s falado)
VI a. C. III a. C
falado sermo
urbanus5
VII d. C.
latim popular proto- lnguas
(s falado) romance romnicas6
VII d. C. VIII-XV d. C.
Fonte: ILARI, 2002
Aqui, interessa-nos, neste primeiro momento, o latim vulgar, sobre o qual falaremos a
seguir, expondo os aspectos fonolgicos que o diferem do latim clssico no que no refere ao
seu quadro voclico7, principalmente em relao s vogais mdias pretnicas.
Como expe Willians (2001, p. 17), a variao das vogais no latim clssico era
quantitativa, existindo dois fonemas, um longo e um breve, para cada timbre voclico,
compondo um quadro com dez vogais. J no latim vulgar, as vogais /a/, /i/ e /u/ perdem essa
oposio quantitativa (breve; longo), passando, assim, a oposio, a ser qualitativa (excetuando-
se /a/).
Em relao ao latim clssico e ao vulgar, pode-se assim sintetizar a evoluo das vogais:
5 Ou sermo quotidianus. Era a lngua usual da sociedade aristocrtica de Roma, que transparece nas Cartas de
Ccero, nas Stiras de Horcio [...] e tambm na comdia de Terncio e mesmo de Plauto. (MAUER JR., 1962,
p. 53). 6 [...] costuma-se entender que as lnguas romnicas nascem quando substituem o latim como lnguas escritas, na
redao de textos prticos, literrios ou de edificao religiosa; mas para comear a escrever conscientemente as
lnguas faladas de seu tempo, os letrados romnicos precisaram tomar conscincia de que o latim, tal como era
escrito, alm de no ter mais qualquer contacto com a lngua falada, tambm se havia distanciado
irremediavelmente dos modelos clssicos. (ILARI, 2002, p. 65). 7 Neste trabalho, priorizam-se os casos das vogais tonas, em especial, as pretnicas, mesmo que, para melhor
ilustrao, tambm se fale das vogais tnicas. Evolues para ditongos ou hiatos no entraram na exposio deste
trabalho, apenas quando so desfeitos no sentido de originar as pretnicas em estudo.
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27
Tabela 1 Quadro evolutivo das vogais: do latim clssico ao vulgar
Latim clssico Latim vulgar
// e // /a/
// e /ae/ // //, // e /oe/ /e/
// /i/
// //
// e // /o/
// /u/
/au/ /au/
Fonte: Adaptado de WILLIANS, 2001
Willians (2001, p. 25) diz que o desenvolvimento de um acento de intensidade (como
no latim da Itlia, da Glia e da Pennsula Ibrica) foi, provavelmente, a causa mais importante
para a diferenciao entre a modalidade clssica e a vulgar do latim:
Cr-se que o latim clssico sempre tivera um acento de intensidade e que um acento
de altura, que jamais afetou a linguagem popular, foi introduzido pelos meados do
sculo II a. C. entre as classes altamente bem educadas pelos professores gregos, que
pronunciavam o latim sua prpria maneira [...] Cinco ou seis sculos mais tarde, o
acento de intensidade da fala popular foi muito incrementado na boca dos godos
invasores, que acentuavam o latim com o acento de intensidade mais forte
caracterstico de sua prpria lngua. [...] A no ditongao do /e / e do /o/ e a lenta
formao do iode [...] e do /u/ portugus [...] so evidncias a mais do acento de
intensidade relativamente mais fraco [no que concerne formao e ao
desenvolvimento da lngua portuguesa]. (WILLIANS, 2001, p. 25-6, grifo nosso).
Ilari (2002, p. 73) pontua que, alm da implementao desse acento de intensidade, outro
fator relevante para a reorganizao do sistema voclico (latim clssico para latim vulgar) foi a
perda da oposio quantitativa, ou seja, da durao da emisso da vogal (longa ou breve), que
ocorreu de maneira diferenciada dentro do territrio romnico, fragmentando-o dialetalmente
em trs quadros voclicos:
1) Na regio que abrange a Ibria, a Glia, a Rcia e a Dalmcia (i) o a longo e o a
breve identificaram-se; (ii) o i breve identificou-se na pronncia com o e longo, ao
passo que (iii) o u breve tornou-se indistinto do o longo, do que resultou um sistema
de sete vogais.
2) Dos rearranjos acima, apenas os dois primeiros ocorreram na Dcia, ao passo que
o o longo e o u breve permaneceram distintos. Disso resultou um sistema de oito
vogais.
3) Finalmente, na Sardenha as vogais longas assimilaram-se s breves
correspondentes, resultando um sistema de cinco vogais apenas. (ILARI, 2002, p. 73).
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28
Para Ilari (2002, p. 73), essa distribuio nos permite inferir que houve tratamento
diferenciado ao sistema voclico latino, configurando-se como um primeiro grande
desmembramento de domnios lingsticos.
J Cmara Jr. (1976, p. 24) pontua que as tendncias evolutivas fonolgicas, assim
como as das outras reas (morfologia, sintaxe, lxico), pelo fato de o latim vulgar ser desatento
ortopia clssica, no encontraram maiores obstculos; assim, desenvolveram um processo
de mudana muitas vezes radical:
A predominncia da slaba tnica e do seu contraste com as slabas tonas, dentro do
vocbulo, rompeu o jogo delicado das quantidades das vogais, que de incio
alternavam numa oposio distintiva entre longas e breves (mlum ma, mlum
mau, etc.).
Alterou-se a silabao e a tipologia da slaba, e contraes e elises violentas
transformaram o volume fontico dos vocbulos. Tal foi o ponto de partida para a
remodelao do sistema de vogais e de consoantes, em diretrizes peculiares a cada
regio. (CMARA JR., 1976, p. 24-5, grifos nossos).
Com a reorganizao do timbre e a ecloso da tonicidade silbica, do ponto de vista
fonolgico, no latim vulgar, observa-se que o sistema voclico passa a se organizar em termos
de tonicidade (tnicas, pretnicas e postnicas), como no galego-portugus (de 1.200 d. C. a
aproximadamente 1.350 d. C.), etapa seguinte fase imperial (TEYSSIER, 2001, p. 09-11).
Nessa etapa, perodo romnico8, houve grande diversificao regional;
consequentemente, no final do primeiro milnio, a Romnia apresentava-se fragmentada numa
quantidade de dialetos de origem latina; alguns destes, por sua vez, projetados pelo prestgio
poltico, econmico ou cultural da regio em que eram falados, se impuseram aos dialetos
vizinhos, transformando-se com o tempo em lnguas nacionais9 (ILARI, 2002, p. 135).
Na interpretao de Mauer Jr. (1962, p. 189), houve, no latim, um perodo de relativa
homogeneidade, durante o qual estava restrito a uma pequena regio italiana, tendo Roma
8 O fim do perodo romance comum seria marcado pela ruptura entre a lngua falada e a escrita, atestada pela
primeira vez, de um modo claro, no Conclio de Tours (813), no qual se ordena que sejam traduzidas in rusticam
romanam linguam as homilias, afim de que todos possam entender o que se diz. (MAUER JR., 1962, p. 60). 9 [...] delimitar domnios dialetais na Romnia no o mesmo que responder quantas e quais so as lnguas
romnicas; esta pergunta recebeu algumas respostas hoje clssicas: Diez reconheceu seis lnguas (italiano e
romeno, francs e provenal, espanhol e catalo); Ascoli props que se reconhecessem como unidades parte o
franco-provenal, constitudo por dialetos do vale mdio do Rdano, e o rtico, falado em trs regies descontnuas
entre o sul da Sua e o norte da Itlia. Meyer-Lbke no reconheceu a individualidade do franco-provenal, mas
tratou como lnguas parte o sardo e o dalmtico (falado at o sculo passado na regio da stria); mais perto de
ns, Menndez Pidal defendeu a individualidade do catalo. As diferentes respostas dadas por esses autores
mostram sobretudo que os critrios em que se basearam no foram os mesmos; na verdade, com exceo de Ascoli,
eles procuraram considerar simultaneamente, e dando-lhes pesos diferentes, critrios literrios, culturais, polticos
e histricos. Isto mostra, por sua vez, que a pergunta quantas so as lnguas romnicas? ambgua [...] (ILARI,
2002, p. 158).
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29
como o seu centro, e um perodo de dialetao mais abundante, que coincide com a poca
imperial.
Para Mattoso Cmara Jr. (1976, p. 14), a Romnia compreendia: (1) as Glias (hoje,
a Frana e parte da Blgica); (2) a Ibria, ou pennsula ibrica ou hispnica; (3) a Lbia, ou
o litoral mediterrneo da frica; e (4), com soluo de continuidade, a Dcia, nos Balcs,
coincidente em parte com o que hoje a Romnia ou Rumnia. Dessas, interessa-nos a (2)
que, no sculo V, possua o latim como lngua nativa, considerando-se a evoluo que lhe
prpria e as variaes regionais. Assim descreve-o Cmara Jr:
O latim, com grandes traos da cultura romana, persistiu no pequeno reino dos Suevos,
que se estabeleceram no litoral atlntico, do Tejo para cima, e no grande imprio dos
Visigodos, que dominaram o resto da pennsula e afinal subjugaram os Suevos.
Quando, nos princpios do sc. VIII, se deu a ocupao islmica da pennsula ibrica,
por parte dos Mouros maometanos, vindos da frica mediterrnea, foi a lngua latina
que encontraram os invasores e que eles deixaram subsistir no seu imprio islmico-
hispnico, sob o domnio oficial rabe.
Esse latim j muito distanciado de suas origens e regionalmente diversificado,
continuou a evoluir na boca das populaes submetidas, ditas moarbicas. Ao mesmo
tempo, o latim hispnico se isolava nas regies do norte, onde se constitura um ncleo
de resistncia crist, que os Mouros no conseguiram aniquilar. O lento, mas
irresistvel trabalho da Reconquista crist, por meio da qual o domnio dos Cristos
do norte foi se estendendo para o sul, em detrimento do Imprio Islmico, trouxe
consigo a lngua latina dos Cristos, que ia se encontrando com o latim moarbico.
(CMARA JR., 1976, p. 16).
Foi dessa fuso que surgiu o romano, fruto de diversos falares regionais que resultou
em lnguas como o portugus, consolidado a partir da separao do condado de Portugal dos
reinos de Leo e de Castela, no sc. XI:
O portugus teve assim como centro lingstico a regio do Porto. Levado para o sul,
ao longo do Atlntico, medida que Portugal se expandia nessa direo, a encontrava
falares moarbicos, estruturalmente semelhantes a ele, e se enriquecia e modificava,
em conseqncia, como lngua nacional. Bem cedo, alis, o grande centro lingstico
passou a ser a cidade de Lisboa, s margens do Tejo, conquistada aos Mouros pelo
primeiro rei portugus, Afonso Henriques, e feita capital do reino. (CMARA JR.,
1976, p. 18).
Em relao s lnguas resultantes do romano, no quadro voclico apresentado a seguir
(Tabela 2), podemos visualizar a especializao de algumas dessas lnguas10.
10 Originalmente no tem importncia para o desenvolvimento das vogais o facto de estas se encontrarem em
posio livre [alongadas] ou travada [breves]. Este estado arcaico conservou-se no sardo, no ibero-romnico, no
provenal, nos dialetos do oeste da Itlia meridional (Lcio, Campnia, Calbria, Siclia) e no romnico dos Blcs
(com exceo do vegliota). (LAUSBERG, 1974, p. 114, grifos nossos).
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Tabela 2 Vogais tnicas nas lnguas romnicas
Quantidade do latim clssico /
Qualidade do latim vulgar i e a o u Portugus i e a o u Espanhol i e i a u o u
Catalo i e a o u Provenal i e a o (>u)
Fonte: Adaptado de LAUSBERG, 1974
Para Lausberg (1974), esse quadro voclico das lnguas romnicas resultante de
algumas condies, a saber: (a) a estrutura da palavra (posio da vogal na slaba, vogais em
hiato, palavras proparoxtonas e monossilbicas, som final e inicial); (b) harmonizao11 (a
distncia e por contato); (c) a influncia das consoantes vizinhas.
J em relao s vogais tonas, Lausberg (1974, p. 148) diz que, para a totalidade da
palavra, a sua importncia menor do que a das vogais tnicas; consequentemente, no so
tratadas na pronncia com tanto carinho como aquelas, as vogais tnicas. Por causa disso:
Tendem [...], em toda a Romnia para a reduo: primeiro por uma simplificao de
qualidade [...] e segundo por uma tendncia para abandonar a funo de slaba [...] e
por uma tendncia para enfraquecimento que leva ao esvaimento [...]. Na Romnia
ocidental a diferena de compresso respiratria entre a slaba tnica e as slabas
tonas foi ainda mais pronunciada, especialmente em fr., prov., it. do norte, reto-
romano, cat. (e menos em esp. e port.12). Isto teve por conseqncia uma reduo
ainda mais ampla das vogais tonas nestas lnguas [...]. (LAUSBERG, 1974, p. 148).
As vogais tonas, conforme expe Lausberg (1974), so de trs tipos:
1) Vogais de acento secundrio, ou seja, de palavras derivadas, sendo secundria a
vogal acentuada da palavra primitiva (conforme a Tabela 3).
11 A harmonizao mais antiga da Romnia a modificao da vogal tnica pela vogal final pertencente a outra
slaba (harmonizao distncia) [...]. Nas regies da Romnia em que as vogais finais ensurdeceram ou
confundiram cedo a sua qualidade [...], a vogal final geralmente no conseguiu manter a sua influncia sobre a
qualidade da vogal tnica. A harmonizao manifesta-se aqui unicamente num caso especial, a saber, quando a
vogal final se encontra em hiato com a vogal tnica, mantendo assim a sua antiga qualidade [...]. Em vez da
harmonizao a distncia existe, portanto, ainda a harmonizao por contacto [...]. Partindo daqui, tambm se
torna compreensvel a influncia correspondente que uma consoante ou semivogal imediatamente seguinte exerce
sobre a vogal tnica: tambm aqui se trata de harmonizao por contato [...]. Uma grande divulgao tem tambm
a harmonizao da vogal tnica mediante um - em hiato da slaba seguinte. (LAUSBERG, 1974, p. 128, grifos
do autor). 12 As abreviaes, por ordem de entrada: francs, provenal, italiano, catalo, espanhol e portugus.
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Tabela 3 Vogais de acento secundrio
Quantidade do latim clssico / au
Sistema do latim vulgar i e (i, ) o u au
Portugus i e [] a [] o [u] (u) u ou [o]
Espanhol i e a o (u) u o
Catalo i e [] a [] o [u] (u) u o [u]
Provenal i e a o [u] (u) au [u]
Francs i e [] a o [u] (u) o
Italiano i i (e) a o u o [u]
Fonte: Adaptado de LAUSBERG, 1974
As particularidades de cada lngua, em relao s vogais de acento secundrio (Tabela
3), apontadas por Lausberg (1974), so: (a) reduo da escala de qualidades; (b) harmonizao,
ou seja, assimilao da tona secundria tnica13; (c) a influncia das consoantes contguas;
(d) a influncia da estrutura da palavra (slaba aberta ou fechada, hiato14, som inicial e prefixos).
2) Vogais postnicas (nas palavras paroxtonas e nas proparoxtonas), conforme a
Tabela 4.
Tabela 4 - Vogais postnicas
Latim clssico /
Sistema do latim vulgar i+15 e a o u+
Portugus e [e] (-16)+ e [e] (-) a [] o
[u]
o [u]+
Espanhol e (-)+ e (-) a o
Catalo -+ - a [] -(o)
Provenal -+ - a -
Francs -+ - e [. -] -
Italiano (Toscana) i e a o
Italiano (do Sul) i+ e a o u+
Fonte: Adaptado de LAUSBERG, 1974
13 Em portugus, a assimilao para [] de i com acento secundrio est perfeitamente viva, de modo que tambm
emprstimos participam nela. A grafia mantm i: portanto no s vizinho [vzu] mas tambm divide [dvid], ministro [mnstru]. Dissimilao de dois o h em formosu esp. hermoso (mas port. formoso), [...] (LAUSBERG, 1974, p. 152). 14 Em portugus, h o fecho das vogais primrias e secundrias do hiato para os graus extremos [i, i, , , u, u];
exemplificando: legale leal [lial], moneta moeda [meda], medula milo. (LAUSBERG, 1974, p. 154). 15 O sinal (+) indica efeito metafnico sobre a vogal tnica. 16 O sinal (-) indica esvaimento.
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3) Vogais intertnicas17, cujo sistema nas diversas lnguas correspondente ao das
vogais postnicas apresentado na Tabela 4 deste trabalho. O seu tratamento
correspondente ao das vogais postnicas: as vogais intertnicas a, i em cntatre,
drmitriu tm aproximadamente a mesma compresso respiratria que as vogais
de cnta, drmi. (LAUSBERG, 1974, p. 161, grifos nossos).
Dado o quadro voclico do latim e das lnguas romnicas, nos prximos tpicos,
falaremos especificamente sobre o do portugus, do seu perodo arcaico ao da atualidade.
2.2 O vocalismo do portugus arcaico e mdio
Silva (2013a, p. 22) prope que os marcos do portugus arcaico sejam o Testamento de
Afonso II (1214) e a Notcia do Torto (1214-1216), alm das cantigas do Cancioneiro Medieval
Portugus (sc. XIII); e complementa:
Recentemente, Giuseppe Tavani prope que se recue para 1196 a data do mais antigo
texto potico uma cantiga de escrnio de Joam Soares de Paiva, identificada por seu
primeiro verso: Ora faz osto senhor de Navarra. Para Tavani (1988:41), os fatos
narrados no poema se situam naquela data e o ora (= agora) que inicia o poema
indcio de sua contemporaneidade em relao aos eventos histricos referidos.
(SILVA, 2013a, p. 22).
Na interpretao de Rosa Virgnia Mattos e Silva (2013a), apesar de bem demarcado o
incio do perodo arcaico do portugus, o seu trmino controverso, mesmo que se tenha o final
do sc. XV ou a primeira metade do sc. XVI como data mais provvel. Para que se possa
atestar tal fato, seria necessrio realizar uma investigao sistemtica da documentao
remanescente do portugus arcaico, confrontando-o com o portugus do sculo XVI (SILVA,
2013a, p. 23). Alm da questo cronolgica, outro ponto controverso a periodizao da
histria da lngua portuguesa, para a qual apresenta, tendo por base estudiosos diversos, um
quadro comparativo (Tabela 5).
17 Em sardo e it. (especialmente it. central) as vogais mantm-se quase por completo. Menos conservadores so,
na ordem citada, o rom, o port., o esp. Nos outros domnios [...] faz-se notar uma forte tendncia para a supresso
de vogais intertnicas [...]. A vogal com a maior sonoridade a [...] oferece, em geral, a maior resistncia.
(LAUSBERG, 1974, p. 161).
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Tabela 5 Periodizao da lngua portuguesa
poca Leite de
Vasconcelos
Silva Neto Pilar V. Cuesta Lindley Cintra
at sc. IX
(882)
pr-histrico pr-histrico
pr-literrio
pr-literrio at 1200
(1214-1216)
proto-
histrico
proto-
histrico
at
1385/1420
portugus
arcaico
trovadoresco
galego-
portugus
portugus
antigo
at 1536/
1550
portugus
comum
portugus
pr-clssico
portugus
mdio
at sc. XVIII portugus
moderno
portugus
moderno
moderno (sic)
portugus
clssico
portugus
clssico
at sc. XIX/XX portugus
moderno
portugus
moderno
Fonte: SILVA, 2013a
Deixando de lado a questo da periodizao da lngua portuguesa, passemos ao quadro
voclico do perodo arcaico, representado, graficamente, por cinco vogais: a, e, i, o e u.
Entretanto, quanto a essas vogais, existia uma variao em relao ao timbre com que eram
pronunciadas [e], [o] e [a] grande ou pequeno, conforme j atestavam Ferno de Oliveira
e Joo de Barros, em Grammatica da linguagem portuguesa (1536) e Grammatica da lngua
portuguesa (1540), respectivamente:
Assim, na primeira metade do sculo XVI, no dialeto padro de Lisboa se distinguiam
oito sons voclicos em posio acentuada. Numa anlise fonolgica moderna, pode-
se e o que afirmam Clarinda Maia (1986) e Paul Teyssier (1982) dizer que a
distino entre os dois timbres de a apenas fontica, j que o a pequeno (=
fechado) uma variante condicionada, pois ocorreria quando seguido de consoante
nasal e o a grande (= aberto) em qualquer outro contexto. (SILVA, 2013a, p. 50).
Se a diferena de timbre em relao vogal /a/ fontica, passa a ser fonolgica entre
as mdias anteriores /e/ e // e as posteriores /o/ e //; fato comprovado, por exemplo, no
vocbulo [fst], em oposio a [festo] (SILVA, 2013a, p. 51). Assim, em relao ao
desenvolvimento do quadro voclico tnico do latim para o galego-portugus18 (vide Tabela 5
Periodizao da lngua portuguesa), teramos:
18 Esclarece Teyssier (2001, p. 29) que, no galego-portugus, a tonicidade podia recair na ltima slaba (perdi),
na penltima (perde) e, muito raramente, na antepenltima (alvssara).
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Tabela 6 Quadro tnico do galego-portugus
Lat. Cl. Lat. Imp./Gal.-Port. Lat. Port.
// /i/ fcum figo
// /e/ stim sede
// actum azedo
/oe/ poenam pena
// // trram terra /ae/ caecum cego
// /a/19 amtum amado
// ltum lado
// // prtam porta
// /o/ amrem amor
// bccam boca
// /u/ prum puro
Fonte: SILVA, 2013a
Este quadro voclico, que era usado em grande parte da Romnia (latim imperial),
prprio da fase do galego-portugus e ainda vigora em grande parte dos dialetos atuais da lngua
portuguesa, o que faz com que a observao de ser o quadro voclico tnico do portugus
conservador seja verossmil. Por outro lado, no decorrer da histria da lngua portuguesa,
mudanas sonoras, como as de natureza assimilatria (metafonia e inflexes voclicas), so
decorrentes:
H evidncias seguras da atuao das regras de mudana de timbre20 quando elas
podem ficar representadas na grafia. o caso, por exemplo, da grafia isto por esto
(lat. psu-) ou tudo por todo (lat. ttu-). Nesses casos o timbre e ou o, de acordo com
o timo latino, conforme a regra geral, muda para i ou u por assimilao vogal final
que seria realizada como vogal alta posterior /u/. [...]
Mais difcil de determinar o momento em que se d a metafonia que muda o timbre
de // em /e/ (como em mtu > m/e/do) ou /e/ em // (como em monta > mo//da), ou // em /o/ (como em fcu > f/o/go), ou /o/ em // (como em formosa > form//sas),
j que a grafia no distingue o timbre das vogais mdias. (SILVA, 2013a, p. 53).
J em posio tona21, as vogais poderiam ocorrer graficamente iguais s tnicas;
entretanto, por serem mais frequentes e diversificadas, indicam flutuao maior, como seria
de se esperar, por razes fonticas [...], j que esto em posio de menor intensidade
articulatria (SILVA, 2013a, p. 54). Entretanto, diz a autora que sistematizar o quadro voclico
19 [...] se pode afirmar que o sistema com um /a/ aberto e outro /a/ fechado, prprio hoje ao portugus padro de
Portugal s se ter estabilizado para esse dialeto depois do sculo XVI [...] (SILVA, 2013, p. 52). 20 Inflexes voclicas. 21 /i, e, a, o/ eram os fonemas do galego-portugus em posio tona final; embora no incio do sculo XIV [...]
O sistema reduz-se [...] aos trs fonemas representados pelas letras -e, -a, -o. (TEYSSIER, 2001, p. 30).
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anterior ao sc. XVI um problema para o qual no existem seno inferncias. Em relao ao
quadro pretnico, mais especificamente, s vogais mdias /e, o/, prope a seguinte
correspondncia:
a) O // latino passa a /i/ no portugus.
b) O // latino passa a /u/ no portugus.
c) //, // e // passam a /e/ em portugus.
d) //, // e // passam a /o/ em portugus.
H, pois, a eliminao das oposies entre // e // e // e //; explica, assim, a autora
esse sistema pretnico composto, alm da baixa /a/22, por mais quatro vogais, /i, e, o, u/:
[...] pela documentao medieval, pode-se propor para a anterior uma realizao
mdia do tipo [e], com possvel alteamento, no s, mas principalmente, nos casos de
harmonizao voclica23, tambm para a posterior; seria realizao tambm mdia, do
tipo [o], com possvel alteamento condicionado. Para a variao mdia aberta/mdia
fechada, a grafia da documentao medieval no fornece pistas. (SILVA, 2013a, p.
61).
Quanto s vogais mdias abertas, Silva (2013a, p. 62) prope que sejam resultantes da
fuso de duas pretnicas, como no caso de preegar > pregar e coorar > corar, conforme
Teyssier. Assim, no sculo XVI, teramos um quadro pretnico composto de oito vogais: /i, e,
, a, , , o, u/.
Teyssier (2001, p. 33) tambm apresenta duas semivogais, /y/ (escrito i ou h): dormio,
dormho; e /w/ (escrito u): guarir, resguardo, quando, presentes no galego-portugus. J por
volta de 1530: O portugus, j separado do galego por uma fronteira poltica, torna-se a lngua
de um pas cuja capital [...] Lisboa. (TEYSSIER, 2001, p. 41).
A agora lngua portuguesa, por volta de 1800, em relao ao sistema voclico pretnico:
[...] j havia sofrido uma modificao importante no que se refere s vogais realizadas
como [e] e [o] em posio tona, tanto pretnica (meter, morar) como final (passe,
passo). Em lugar de [e], ter-se- uma vogal central fechada que transcrevemos por [];
22 Esta vogal possuiria duas possibilidades de realizao: aberta ou fechada. 23 Herculano de Carvalho ([1962] 1969: 94-5) salientou que j no sculo XVI, o portugus tinha uma regra que
levantava as vogais mdias diante da vogal alta tnica ou de um ditongo terminando em y ou . Oliveira (cap. 18) menciona alternncias do tipo somir, sumir, notando somente que algumas pessoas dizem a primeira enquanto
outras a segunda. (NARO, 1973, p. 17). J no sc. XVII, Nunez do Lio cita vistir, vestimenta vestido, gemer
gimido, com e > i somente diante de um seguimento tnico alto, enquanto que Pereira cita e > i em todo o
paradigma verbal. (NARO, 1973, p. 18).
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ex.: [mtr], [ps]; e, em vez de [o], ter-se- [u]; ex.: [murr], [psu]. esta
transformao que chamaremos reduo. (TEYSSIER, 2001, p. 69).
Entretanto, alerta para o fato de que tal reduo no vista graficamente, utilizando-se,
para isso, as letras e e o, mesmo que a pronncia seja [i] e [u], respectivamente. Ainda em
relao essa reduo, e passando ao quadro voclico das pretnicas, Teyssier (2001, p. 74)
diz tambm ocorrer em posio inicial de palavra, principalmente nos grupos en + consoante
(ex.: entrar, pronunciado intrar) e est- (ex.: estar, pronunciado istar).
Para Naro (1973, p. 38-39), essa reduo do [e] para [i] em posio inicial de palavra
aconteceria, at a metade do sculo XVII, em quatro situaes:
1) Em grupo constitudo por 10 palavras, no mximo, conforme expe Nunes (1945),
que assevera explicitamente que a mudana muito antiga, e cita formas como
idade < aetatem e irmo < germanum, que consistentemente mostram o i ortogrfico
mesmo nos documentos mais antigos (NARO, 1973, p. 38).
2) Se houver uma vogal alta na slaba seguinte24 (tnica, originalmente, ou que passou
a ser tona).
3) Se for originria de uma forma nasalizada ou for nasalizada.
4) [...] e- ortogrfico colocado diante de grupos comeando com s impuro como
vogal prottica, devendo ser distinguido do e de es- < ex-, como em [i]scola
(NARO, 1973, p. 39).
Segundo Teyssier, mesmo que a reduo das vogais mdias pretnicas /e, o/ seja
tendncia h muito tempo percebida na histria do portugus, passa a incidir sobre todas as
pretnicas, sendo de trs tipos:
a) Dissimilaes e dilaes: a seqncia -i-i passa a -e-i e a seqncia -u-u passa a o-
u (dissimilao); ex.: dizia > dezia, futuro > foturo; inversamente, a seqncia -e-i
passa a -i-i e a seqncia -o-u passa a -u-u (dilao); ex.: menino > minino, fremosura
> fremusura; b) Hesitaes morfolgicas nos paradigmas verbais: encontram-se
fogir-fugir e dormirei-durmirei em razo das alternncias voclicas regulares fujo-
foge e durmo-dorme; encontram-se poseste-puseste e fezera-fizera, por causa das
alternncias ps-pus e fez-fiz; c) Palavras particulares: certas palavras apresentam um
o e um e pretnico que passa, respectivamente, a u e a i; ex.: molher > mulher, logar
> lugar, melhor > milhor (que em seguida, por reao erudita, retorna a melhor).
(TEYSSIER, 2001, p. 74).
24 Por este fenmeno tambm ocorrer em outras slabas, no pode ser considerado exclusivo da posio inicial da
palavra (NARO, 1973).
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Alerta entretanto o autor para o fato de que no devemos considerar tal variao como
evoluo do sistema, ou seja, uma passagem de [e] a [i] e de [o] a [u]25, mesmo que isso ocorra
frequentemente em textos do sc. XVI, pois tal processo s aconteceu na segunda metade do
sc. XVIII. Mais especificamente: a passagem do [o] antigo para [u]26 consumada por volta
de 1800; j a do antigo [e] para []27 ([i]), seja derivado diretamente de [e] [e], ou tenha passado
por uma fase intermediria [i], como em posio final tona, seguro o fato de que o []
pretnico, to caracterstico da lngua contempornea de Portugal, surgiu no sculo XVIII,
provavelmente depois de 1750. (TEYSSIER, 2001, p. 76, grifo nosso).
Naro (1973, p. 10), corroborando tal afirmativa, exemplifica o uso de /i, u/, em
substituio ao de /e, o/, na fala grega ou cigana, da qual seria uma caracterstica.
Utilizando-se do Auto das Ciganas, de Gil Vicente, traz exemplos como fidalgos como
fidalguz, los deseos como luz deceuz, asno como aznu, seora como ciura, cera como cira,
nos quais podemos verificar tal substituio tanto em posio tona como em posio tnica.
J em 1799, eram os prprios portugueses que substituam e o por i u, ou pelo menos assim se
apresentava a situao para um gramtico francs annimo da poca, conforme a Maitre
portugais, ou nouvelle Grammaire portugaise et francoise, provavelmente por ser a pronncia
de /e, o/ bastante fechada (NARO, 1973, p. 11), e assim esquematiza o alamento dessas vogais:
25 A possibilidade de variao livre entre o o e o u torna-se muito improvvel em vista do fato de que ela
reduziria o vocalismo distintivo do dialeto descrito por Paspati de cinco a trs vogais, sem nenhuma compensao
em qualquer outra parte da lngua. A mudana lingstica deste tipo desconhecida e intuitivamente impossvel.
Note-se, alm disso, que Paspati no teve nenhum trabalho em descobrir quais vogais eram o e quais eram u, o
que no teria conseguido se o o e o u estivessem em variao livre em todas as posies. (NARO, 1973, p. 13). 26 [...] freqentemente surdo entre consoantes surdas. (TEYSSIER, 2001, p. 81). 27 A situao do [] [...] grave, pois a reduo atingiu um ponto tal que a sua prpria existncia corre perigo.
Ouve-se hoje pssoa (pessoa), diss (disse), pass (passe), forts (fortes), trez vezs (treze vezes), pessgu (pssego),
etc. Uma transformao do sistema fonolgico est, pois, ocorrendo, e entre as suas conseqncias ressalta a de
distanciar o portugus europeu do portugus falado no Brasil. (TEYSSIER, 2001, p. 81).
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Figura 2 Alamento de (e, o) finais
Espanhol alto
Portugus alto
Cigano mdio
Fonte: NARO, 1973
De acordo com a Figura 2, o alamento das mdias no cigano equivaleria ao mbito
fontico das variantes mais abertas das vogais altas do portugus [...] Ento, vemos que a lngua
do sculo XVI concorda com a etapa moderna com respeito realizao mais aberta das vogais
altas. (NARO, 1973, p. 13). Ainda no sc. XVI, h a distino de duas formas de /e/ e