a vereadora da acção social e saúde · 2013-03-06 · responder às evoluções sociais e às...

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1ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoPREFÁCIO

PREFÁCIOAs dinâmicas demográficas conhecem presentemente um ritmo de transformação acelerado que implica a constante monitorização das suas especificidades presentes e perspectivas de futuro. As rápidas evoluções da organização e das práticas nas sociedades actuais implicam que os agentes que nelas intervêm acompanhem, ou mesmo antecipem, a sua capacidade de resposta sob pena de se desfasarem dos contextos em que se inserem.

No que diz respeito ao conjunto dos munícipes e concidadãos matosinhenses que já viveram mais anos e que corresponde ao grupo da população que tem vindo a crescer mais aumentando o seu peso no conjunto da comunidade, percebe-se que é necessário compreender quais são as suas necessidades e expectativas para que o conjunto dos intervenientes estejam sempre à altura de responder às evoluções sociais e às novas respostas que estas exigem.

Como tenho vindo a defender, Matosinhos tem de ser um lugar para todas as pessoas, mais desenvolvido, mais dinâmico e mais próximo dos seus cidadãos e cidadãs, daí que tenha proposto para o mandato autárquico de 2005 a 2009 os objectivos de estar perto, valorizar e mobilizar as pessoas. Pelo o estudo que agora apresento – Envelhecer em Matosinhos: Panorama actual e cenários de futuro, constitui um instrumento técnico fundamental para a Autarquia redesenhar com os seus parceiros que integram a Rede Social de Matosinhos a Política Municipal que promova uma vivência da idade sénior, ao mesmo tempo que protegida, tão plena e participada quanto possível considerando que a idade sénior não é só presente mas também e sobretudo futuro.

A Vereadora da Acção Social e Saúde

Drª. Luisa Salgueiro

O Presidente da Câmara

Dr. Guilherme Pinto

2 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

3ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoÍNDICE

ÍNDICE03 I - INTRODUÇÃO05 II - ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO05 II.1. Intensidade e amplitude do fenómeno10 II.2. “Idoso” – uma categoria etária? 11 II.3. A (des)valorização das pessoas idosas numa sociedade envelhecida13 II.4. Vulnerabilidades19 II.5. Direitos das pessoas idosas20 II.6. Famílias e relações intra-familiares23 II.7. Envelhecimento activo24 II.8. Respostas institucionais na velhice29 III – AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS:

UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA35 IV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO41 V. VIVER A VELHICE EM MATOSINHOS – PANORAMA ACTUAL41 V.1. As pessoas idosas e condições de risco na velhice41 V.1.1. Do trabalho à reforma45 V.1.2. Stress financeiro48 V.1.3. Saúde e autonomia56 V.1.4. Sociabilidades, família e sentimentos de solidão59 V.1.5. Condições de habitabilidade62 V.1.6. Actividades quotidianas e apoio às famílias64 V.2. As pessoas idosas e o apoio institucional65 V.2.1. O perfil das pessoas com apoio institucional67 V.2.2. Situação de saúde69 V.2.3. Quotidianos e sentimentos de solidão71 V.2.4. A necessidade de apoio institucional73 V.2.5. Avaliação dos serviços79 VI. ENVELHECER – CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS79 VI.1. Quem são as pessoas em processo de envelhecimento?82 VI.2. Afastar a solidão, manter a actividade83 VI.3. Perspectivas para a reforma85 VI.4. Situação financeira: a emergência de desigualdades?87 VI.5. Saúde 88 VI.6. Perspectivas de apoio institucional91 VII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE 101 VIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE111 CONCLUSÃO115 BIBLIOGRAFIA119 ANEXO

4 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

“A Velhice”Olha estas velhas árvores, mais belasDo que as árvores moças, mais amigas,Tanto mais belas quanto mais antigas,Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o insecto, à sombra delasVivem, livres da fome e de fadigas:E em seus galhos abrigam-se as cantigasE os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!Envelheçamos rindo. EnvelheçamosComo as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,Agasalhando os pássaros nos ramos,Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

5ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoINTRODUÇÃO

I – IntroduçãoO Estudo “Envelhecer em Matosinhos – Panorama Actual e Cenários de Futuro” surge na sequência de uma necessidade identificada pelos actores da Rede Social local de maior conhecimento sobre a população idosa, suas condições de vida e expectativas face às respostas sociais.

No ano de 2006, realizaram-se, por iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, dois dias de trabalho, orientados por especialistas, com três workshops temáticos e um seminário, que reuniram todas as instituições sociais do Concelho com actuação na área do Envelhecimento, outros elementos das Comissões Sociais de Freguesia, bem como representantes locais dos organismos com competência nesta matéria, nomeadamente a Segurança Social e a Saúde.

As conclusões deste trabalho, resultantes de uma profícua discussão e reflexão, levaram à criação de uma nova estrutura da própria Rede Social: o Núcleo de Estudos sobre o Envelhecimento (NESE) que é composto pelo Núcleo Executivo da Rede Social; pela Câmara Municipal de Matosinhos, através da Divisão de Acção Social e Saúde; pelos representantes das diferentes IPSS’s, que prestam apoio à população idosa no Concelho; pela Universidade Sénior; pelos voluntários do Conselho de Zona Misto de Matosinhos da Sociedade de São Vicente de Paulo; por pessoas consideradas individualmente – Prof. Júlia Príncipe, D. Maria Emília Polónia e Dr. Soares Oliveira – e, finalmente, pelo CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social, através da assessoria.

Conduziram, ainda, à introdução de uma nova linha estratégica sobre o Envelhecimento, no Plano de Desenvolvimento Social do Concelho, cujos objectivos foram assim definidos:

Evitar a institucionalização das pessoas idosas, diversificando as respostas sociais a elas •dirigidas;

Qualificar a intervenção das instituições de apoio às pessoas idosas;•

Criar medidas de recuperação do parque habitacional ocupado por pessoas idosas;•

Aumentar a capacidade de apoiar as medidas com base em diagnóstico actualizado e •participado sobre o envelhecimento.

Durante o seu primeiro ano de existência, o NESE identificou lacunas no conhecimento sobre a realidade do envelhecimento no Concelho. Independentemente de todo o know-how acumulado sobre a matéria; independentemente do conhecimento já produzido, e apropriado, sobre o envelhecimento, em termos gerais, é certo que este se trata de um fenómeno heterogéneo por excelência ao qual dinâmicas locais conferem especificidades e no qual o vivido pelos sujeitos empresta contornos distintos à realidade.

6 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoINTRODUÇÃO

É nesta perspectiva que os estudos de base territorial devem ser equacionados, como elementos essenciais para a compreensão da grande diversidade e heterogeneidade de que se compõe o envelhecimento; como elementos indispensáveis à fundamentação de uma intervenção mais dirigida às reais necessidades das pessoas e às suas expectativas. E foi graças ao bom acolhimento desta ideia por parte da Câmara Municipal de Matosinhos que o mesmo teve condições para se concretizar.

Este estudo foi, assim, produzido no âmbito do NESE e nele discutido, sendo, por isso, o produto de uma participação activa dos parceiros locais, que ainda no dia 12 de Setembro, congregando diversos profissionais de Instituições Públicas, responsáveis por Instituições Particulares de Solidariedade Social do Concelho, elementos das suas equipas técnicas e utentes, se reuniram para comentar, dar sugestões e contributos para um Plano Gerontológico a criar a partir da investigação produzida.

Se é da inteira responsabilidade das autoras o que está escrito neste documento importa ressaltar os contributos de todas e todos que nas discussões participaram e, sobretudo, de quem realizou os relatos de vida que, certamente, humanizam o documento. Estes relatos, que compõem o último capítulo deste estudo, foram, pois, recolhidos por: Dra. Luísa Mendes, da ADEIMA (Associação para o Desenvolvimento Integrado de Matosinhos), pela Dra. Cristina Santos, do Centro Social de Custóias, pela Professora Júlia Príncipe e pela Dra. Luísa Pereira do CIVAS – Centro de Infância, Velhice e Acção Social.

Nele procurou-se romper com a categoria da idade, definida a partir dos 65 anos, como parâmetro de análise do envelhecimento. Com efeito, quando se pretende entender a velhice como um processo e perceber quais as tendências do envelhecimento em termos de futuro teremos que recuar a gerações anteriores. Foi o que fizemos considerando, assim, para análise, as pessoas a partir dos 50 anos de idade. No entanto, e porque um dos objectivos era também perceber o impacto da institucionalização, por um lado, e as razões que levaram a recorrer ao apoio institucional, o estudo considerou, também, um grupo de utentes das instituições sociais do Concelho, constituindo-se, assim, no fundo, duas amostras distintas, como mais adiante se fará referência.

O que é a velhice? É provavelmente uma interrogação que continuaremos a fazer porque os seus conteúdos se irão alterando com o tempo, tal como pretendemos demonstrar. É também, certamente, uma interrogação que a todos importa porque estamos, cada um e cada uma, em percursos de envelhecimento.

Envelhecimento que nos remete, inequivocamente, para o valor, para o lugar de cada indivíduo, homens e mulheres, nas nossas sociedades, seja qual for a idade. Valorizar as pessoas ditas idosas é, pois, um objectivo implícito deste trabalho, até porque uma sociedade constituída por pessoas mais velhas, pode ser uma sociedade geradora de novas oportunidades aos mais diversos níveis, nomeadamente económico, com a emergência de novas profissões e novos postos de trabalho ou com o surgimento de novos produtos dirigidos a novas necessidades de consumo; pode, e deve ser, uma sociedade geradora de novos padrões de exigência, quer em termos dos serviços sociais prestados, quer em termos urbanísticos.

Pretendeu-se, pois, favorecer uma compreensão do fenómeno que facilite um envelhecimento activo por parte de todos/as, uma intervenção social de qualidade e um sentimento de que se pode ser importante e sentir-se bem em qualquer idade. Tal como é referido num artigo de Maria de Lurdes Quaresma: “Alguém num dia em que fazia 75 anos respondia à pergunta “se se considerava velho, adulto ou jovem”; “ (...) estou-me nas tintas. Não estou descontente com a minha data de nascimento”” (Quaresma, 2006).

7ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

1 Segundo a classificação das Nações Unidas as Regiões mais desenvolvidas compreendem a Europa, a América do Norte, a Austrália/Nova Zelândia e o Japão; as Regiões menos desenvolvidas compreendem todas as regiões de África, a Ásia (excepto Japão), a América Latina e as Caraíbas (mais Melanésia, Micronésia e Polinésia).

II – Envelhecimento: Discussão e EnquadramentoII.1. Intensidade e amplitude do fenómeno

“A sociedade contemporânea viu surgir dois fenómenos radicalmente novos: a juventude, que intercala a infância e a idade adulta; e essas duas (por vezes três) décadas que separam a cessação da actividade profissional do momento em que insuficiências físicas e mentais suprimem a autonomia do indivíduo e fazem dele um velho” (Ariés e Duby, 1991).

A velhice é, pois, uma construção das sociedades em que, pela melhoria das condições de vida, em geral, se alargou o período de tempo entre a cessação de actividade e a morte.

O envelhecimento demográfico, entendido como o aumento do número de pessoas (em termos absolutos e relativos) com mais de 65 anos de idade é, hoje, um fenómeno incontornável e que se tem vindo a intensificar das sociedades actuais.

Segundo os resultados divulgados na II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em 1950, as pessoas idosas representavam 8.2% da população mundial, valor que se viu aumentado em dez pontos percentuais no ano 2000. Em 2050 espera-se que, os actuais 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos se transformem em 2000 milhões, o equivalente a cerca de 21% da população mundial. Se tal acontecer, nesse ano, haverá no mundo tantos idosos como jovens.

Actualmente, mais acentuado nas regiões mais desenvolvidas, torna-se evidente que o envelhecimento populacional é uma tendência futura que, embora a ritmos diferenciados, a médio ou longo prazo, se generalizará a todas as regiões do mundo, inclusivamente às regiões menos desenvolvidas1, embora estas apresentem, ainda, taxas de crescimento das pessoas idosas relativamente baixas.

De acordo com os dados do Eurostat, um em cada três cidadãos da União Europeia tem mais de 50 anos, e um em cada cinco ultrapassou os 60 anos. A cumprirem-se as estimativas, na Europa, a percentagem de pessoas com mais de 60 anos, em 2050, poderá chegar aos 37%, face aos 20% actuais (Machado, 2003).

Parte integrante da Europa nesta dinâmica, Portugal assiste à mesma tendência de crescimento, quer em termos absolutos, quer relativos, das pessoas com 65 anos ou mais. O gráfico seguinte é revelador do aumento do peso da população idosa no conjunto da população portuguesa: de uma percentagem de 8% em 1960, as pessoas idosas representam, em 2007, 17.4%, prevendo-se que, em 2050, passem a significar 32% da população residente.

8 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

Evolução da população com 65 ou mais anos em Portugal, 1960 - 2050 (%)

O aumento da esperança de vida é um dos factores fortemente associados ao envelhecimento demográfico, entendida, desta forma, como um dos indicadores do desenvolvimento das sociedades e respectivas condições de vida e de saúde.

Em 2006, a esperança de vida à nascença da população portuguesa era de 78 anos, sendo mais elevada para as mulheres (cerca de 82 anos) do que para os homens (75 anos).

Esperança de vida à nascença (anos) por sexo, em Portugal, em 1981 e 2006

Isto corresponde a um aumento significativo já que em 1981, a esperança de vida situava-se nos 68 anos para os homens e nos 75 anos para as mulheres.

O aumento da esperança de vida associado a baixas taxas de fecundidade têm ditado um futuro inevitável de “duplo envelhecimento” das pirâmides demográficas, que se expressa num aumento do número de pessoas mais velhas e no decréscimo do número de jovens gerando-se aquilo que alguns autores designam de “inversão demográfica” ou “desequilíbrio intergeracional” (Fernandes, 2001).

7278

6875 75

82

0

20

40

60

80

100

2006

1981

Total Homens Mulheres

Fonte: INE, Indicadores Demográficos, 1981 e 2006

0

10

20

30

40

1960 1981 1991 2001 2010 2020 2030 2040 20502007

811,6

1416

2024

2932

1817,4

0

Fonte: INE, Estimativas Anuais da População Residente, 1960-2050

9ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

O quadro abaixo apresentado ilustra bem este cenário na União Europeia. Assim, podemos ver que, para 2001, a percentagem de crianças e jovens e de pessoas idosas na Europa dos 15 conhece valores muito aproximados (16.7% e 16.4%, respectivamente). Alemanha, Bélgica, Grécia, Espanha e Suécia são países onde a percentagem de pessoas idosas ultrapassa o valor médio da União Europeia, para além disso, Alemanha, Grécia e Espanha, aos quais acrescem a Itália e Portugal, são já países em que a inversão demográfica se verificou de forma inequívoca. São também estes os países, para além da Áustria, que apresentavam índices de fecundidade mais baixos.

População jovem, população idosa e índice sintético de fecundidade na União Europeia e respectivos Países, 2001 (%)

Centrando-nos em Portugal, e numa perspectiva evolutiva, podemos constatar que, entre 1991 e 2007, a proporção de jovens (0-14 anos) no total da população residente diminuiu de 20% para 15.3%, enquanto o número de pessoas idosas (65 ou mais anos) aumentou de 13.6% para 17.4%. Se considerarmos os últimos 47 anos, verifica-se que a proporção de pessoas com 65 ou mais anos aumentou consideravelmente, passando de 8% em 1960, para 17.4% em 2007; inversamente, a população jovem assumiu um decréscimo acentuado: em 1960 situava-se nos 29.1%, representando actualmente menos 13.7 pontos percentuais (15.3%).

Estes números expressam, bem, a tendência para um duplo envelhecimento da população portuguesa, com um estreitamento da pirâmide etária na sua base e um alargamento das faixas correspondentes às idades mais avançadas.

Índice SintéticoPaíses 0-14 Anos 65+ Anos de Fecundidade

Bélgica 17,6 16,9 1,65

Dinamarca 18,6 14,8 1,74

Alemanha 15,5 16,6 1,29

Grécia 15,2 17,3* 1,29

Espanha 14,7 16,9 1,25

França 18,8 16,1 1,90

Irlanda 21,5 11,2 1,98

Itália 14,4 18,2 1,24

Luxemburgo 19,0 13,9 1,70

Holanda 18,6 13,6 1,69

Áustria 16,6 15,4 1,29

Portugal 16,0 16,4 1,42

Finlândia 18,1 15,0 1,73

Suécia 18,4 17,2 1,57

Reino Unido 18,9 15,6 1,63

U.E. 15 16,7 16,4 1,47

* Dados de 1999Fonte: EuroStat (2004), Anuário Estatístico de Portugal (2002) e Estatísticas Demográficas (2002)

10 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

2 Relação existente entre o número de pessoas idosas e o de jovens, definido como a relação entre a população com 65 ou mais anos e a população entre 0-14 anos.

A análise do Índice de Envelhecimento2 completa o cenário acima traçado. Se em 1991, por cada 100 jovens existiam 68 pessoas idosas, em 2001 o número de idosos ultrapassou o de jovens, sendo que, em 2007, assiste-se ao agravamento da situação, passando a existir 113 idosos por cada 100 jovens.

As projecções apontam para que, em 2050, o índice de envelhecimento atinja, em Portugal, 243 idosos por cada 100 jovens, passando a população com 80 ou mais anos a representar mais de 5% da população total.

Para além dos elementos avançados, importa referir que o processo de envelhecimento é acompanhado de um aumento expressivo de uma “nova geração de pessoas muito idosas”, na medida em que a população com 75 ou mais anos reforçou a sua posição representando, em 2007, 45.7% da população idosa (mais de 64 anos). No mesmo ano, a população com 80 e mais anos significava 24% do total da população idosa residente, ou seja, 4.2% da população total.

O envelhecimento populacional assume uma dimensão essencialmente feminina. Pela sua maior esperança de vida, e devido à sobremortalidade entre a população masculina, as mulheres representavam, em 2007, em Portugal, 58.2% da população com 65 ou mais anos. Olhando de outro modo, 19.7% das mulheres tinham mais de 64 anos e 5.3% mais de 79 anos; para os homens estas percentagens eram 15% e 3%, respectivamente.

Face a este cenário, facilmente se concluirá que, ao invés das gerações se sucederem, é cada vez mais provável que coexistam, permitindo aos avós, e em particular às avós e bisavós, conhecerem e conviverem durante mais tempo com os filhos, netos e/ou bisnetos o que constitui uma grande oportunidade de desenvolvimento pessoal e, simultaneamente, um enorme desafio social.

II.2. “Idoso” – uma categoria etária?

A velhice pode ser definida como uma etapa da vida, ou melhor, como uma “sucessão de etapas de contornos pouco precisos e conteúdos multiformes” (Quaresma, 2006). A entrada na reforma, a passagem para uma condição de viuvez, a degradação física de forma perceptível e inibidora de autonomia, são fases estruturantes do ciclo de vida dos indivíduos que não são coincidentes no tempo e que, de facto, contêm realidades distintas em função do sexo, da idade cronológica dos indivíduos, do seu nível de instrução, da sua capacidade económica, mas que por si só, ou de forma conjugada, podem definir a entrada na velhice.

Das identificadas é, sem dúvida, a passagem à reforma, a etapa mais marcante já que se associa à posse de um novo estatuto social. Mesmo quando se considera as pessoas idosas, única e exclusivamente como um grupo etário dos 65 e mais anos, se encara, afinal, um limite definido socialmente que atribui às pessoas, desta idade, papéis e estatutos distintos – o de reformado ou pensionista. E, ao “passar à categoria de reformado, o «jovem velho» encontra as condições para adquirir as propriedades que são socialmente imputadas à velhice, perde o estatuto social atribuído a partir do trabalho profissional – a reforma é também uma forma de exclusão social – e adquire o estatuto desvalorizado de «reformado»” (Fernandes, 2001).

Segundo Remi Lenoir (cit. in Fernandes, 1997), o surgimento das primeiras reformas resultou, por um lado da necessidade de renovar a classe operária, substituindo aqueles que vão perdendo a força para trabalhar e, por outro lado, de ser preciso evitar a generalização de situações de

11ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

pobreza extrema e abandono a que ficavam sujeitos os trabalhadores que atingiam certa idade e iam perdendo faculdades. Hoje, porém, envelhece-se precocemente para o mercado de trabalho e as situações de reforma têm múltiplas causas e podem ser atribuídas antes dos limites legais para o efeito, por razões que ultrapassam questões de saúde dos indivíduos: podem, nomeadamente, ser antecipadas na sequência de reestruturações empresariais; podem resultar de factores como o desemprego... Estamos, pois, perante uma nova categoria de discriminação (o “etarismo”) que tem um papel relevante nas novas condições de funcionamento do mercado de trabalho para quem os indivíduos a partir dos 40 anos são velhos, face aos “novos paradigmas da organização das empresas, dos mercados e da produção” (Centeno, 2006).

Por outro lado, e na sequência da melhoria das condições de vida e do aumento da esperança de vida, os indivíduos dispõem de mais anos para viver e, em geral, também cada vez mais as pessoas ditas idosas vivem de forma mais saudável, com mais autonomia, com mais meios económicos.

Uma perspectiva holística do conceito de envelhecimento activo obriga mesmo a pensar num prolongamento da participação das pessoas no emprego, para o qual o mercado não está, de todo, preparado.

Vive-se, pois, um tempo em que idade biológica e idade social estão dessincronizadas (Quaresma, 2006), isto é, um tempo em que é patente um desfasamento ente a idade da reforma e aquele em que a velhice se torna biologicamente perceptível, levando alguns autores a afirmar que “a noção de envelhecimento demográfico, ao ser construída sobre uma categoria de idade fixa, contribui para mascarar a evolução real da idade, em termos da qualidade dos anos vividos e conquistados à morte” (Fernandes, 1997). E se “ a idade de entrada na reforma já não serve como “ «ponto de entrada» para a velhice (…) já não serve para definir o idoso” (Bruto da Costa, 1993), o que, sem abandonar a perspectiva etária, deve servir para melhor procurar e compreender as heterogeneidades que podemos encontrar dentro da pretensa homogeneidade criada pela consideração de uma classe de idade.

Muitas têm sido as designações associadas ao processo de envelhecimento. Velhos; terceira idade, que devido ao aumento da esperança de vida rapidamente ficou desajustada, levando alguns autores a falar já na quarta idade, para se referirem às pessoas com mais de 75 anos; pessoas de idade (que seremos todos nós!); idosos; pessoas mais velhas… – são algumas das expressões utilizadas, algumas com carácter mais estigmatizante do que outras, para identificar um grupo de pessoas que, como já se referiu, se caracterizam, essencialmente, por uma grande diversidade e heterogeneidade de situações cuja principal clivagem é, de facto, a variável género.

Conscientes destes factos, e da dessincronização da idade social e biológica, embora não isentos de críticas, optamos por designar pessoas idosas, às pessoas com 65 e mais anos, procurando-se ao longo do estudo identificar as diversidades, quer em termos das diferentes faixas etárias que compõem este grande grupo, quer em termos de sexo.

II.3. A (des)valorização das pessoas idosas numa sociedade envelhecida

O envelhecimento demográfico da população transporta consigo alguns paradoxos, sendo a desvalorização social da velhice um dos mais significativos, conferindo-lhe uma dimensão própria. Na realidade, num momento em que as sociedades se transformam no sentido de um aumento significativo do número de idosos e de uma redução expressiva do número de jovens, ser velho

12 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

é desvalorizado. “Os velhos são tão numerosos que já não interessam a ninguém: é a escassez, bem o sabemos, que cria o valor” (Ariés e Duby, 1991).

Com efeito, o envelhecimento da população coloca vários desafios às sociedades actuais e ao seu próprio sistema de valores, na medida em que, o respeito pelos mais velhos se situa, pela primeira vez na história da humanidade, no quadro da “sua quase proliferação” (Ariés e Duby, 1991).

Outrora os mais velhos eram considerados como fonte de sabedoria, conhecimento e de experiência acumulada e a velhice entendida mais como uma promoção do que como uma decadência. “Nas civilizações orais os velhos são os depositários da memória colectiva e quando a esperança de vida é breve, o mero facto de se ter sobrevivido suscita admiração e respeito” (Ariés e Duby, 1991). Este prestígio atribuído aos mais velhos não conseguiu, porém, sobreviver ao ritmo crescente das inovações tecnológicas e às mudanças nos sistemas de valores que têm marcado as sociedades actuais. As transformações são tantas, e tão rápidas, que a actualização leva a melhor sobre a experiência. A pessoa idosa a quem se recorria, e cuja opinião era sobejamente respeitada, deixa de ser contemporânea da sua própria história e assume um lugar secundário, até porque passa a ser caracterizada pela ausência de produtividade e de consumo.

De valor em si mesmo, a pessoa idosa é percebida, agora, como um problema social, como uma carga, como uma pessoa dependente e incapaz de decidir por si, “incapaz não necessariamente pelo estado das suas faculdades, mas incapaz porque lhe foi retirada a legitimidade social para o fazer” (Pereira cit. in Ribeirinho, 2005).

Associada a esta desvalorização da pessoa idosa estará, também, em nosso entender, uma forte valorização de uma beleza jovem. “Em diversas épocas históricas estabeleceu-se uma ligação estreita entre o Belo e o Bom. Mas se julgarmos tendo por base a nossa experiência diária, tenderemos a definir como bom aquilo que não somente nos agrada, mas também que gostaríamos de possuir” (Eco, 2004). Buscamos, pois, para nós, aquilo que é bom e belo, e se nos dias de hoje os ideais de beleza se caracterizam por um “politeísmo”, também é certo que os mesmos se encontram associados a uma juventude que se pretende eternizar, num medo persistente pelo envelhecimento.

Mas também neste domínio o envelhecimento das sociedades pode ser vista como uma oportunidade. Oportunidade porque abre novos debates, inclusivamente em termos estéticos, alterando preconceitos e ideias estabelecidas a este nível – lembrem-se as recentes campanhas publicitárias de uma marca de produtos cosméticos onde surgem imagens de rostos e corpos de mulheres envelhecidas e com rugas, sendo estas apresentadas de forma positiva e em ruptura com a tradicional abordagem. Oportunidade, porque geradora de novos produtos (estéticos, dietéticos, financeiros…), novos serviços (de apoio social, de saúde, lazer…), novos postos de trabalho associados a estes serviços, novas áreas de conhecimento, de investigação e desenvolvimento.

“O envelhecimento é, somente, um processo de mutação social ao qual as nossas sociedades devem e podem adaptar-se, de maneira a maximizar as vantagens e a minimizar os inconvenientes (….). O futuro não pertence unicamente às pessoas idosas, o que seria contrário à própria ideia de integração das gerações. Mas também não se construirá sem elas, o que é uma oportunidade a não negligenciar” (Loriaux cit. in Quaresma, 2006)

13ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

3 Adaptado - Bruto da Costa, et. al. (2008)

II.4. Vulnerabilidades

Apesar das reconhecidas evoluções ao nível das condições de vida da população é sobejamente conhecida a vulnerabilidade da população idosa, em Portugal, face às situações de pobreza. Se considerarmos o universo das pessoas idosas pensionistas, podem ser assinalados dois perfis de pobreza. Por um lado, deparamo-nos com situações de reprodução continuada de uma pobreza tradicional. Neste quadro, os indivíduos sempre tiveram baixos rendimentos e a passagem para a reforma, ou a condição de pensionista, surge enquanto prolongamento de uma já existente precariedade económica, cuja única alteração se situa ao nível da principal fonte dos rendimentos. Por outro lado, deparamo-nos com situações de empobrecimento que surgem precisamente na passagem à condição de pensionista. Esta mudança de estatuto poderá representar uma quebra no rendimento que anteriormente se dispunha e levar à condição de pobreza.

O gráfico abaixo representado dá conta da distribuição e incidência da pobreza, em Portugal, em 2004, tendo em conta as diferentes faixas etárias, tornando visível que, embora as pessoas idosas representem 23.6% da população pobre, são um grupo com elevada vulnerabilidade à pobreza, particularmente acentuada entre os muito idosos. Com efeito, 23.7% das pessoas com idades entre os 65 e os 74 anos são pobres; essa percentagem sobe para 35.6% nos maiores de 74 anos.

Pobreza, por Grupo Etário (2004)3 - %

Tendo em conta os dados do Inquérito aos Orçamentos Familiares 2005/2006, foi possível apurar que, quer nos agregados com apenas uma pessoa, quer com duas pessoas, os rendimentos são substancialmente mais baixos quando se trata de uma pessoa idosa. Quer isto dizer que, do total do rendimento médio anual do conjunto dos agregados (100%), um idoso sozinho recebe, por ano, 42% desse total, ou seja, menos 22 p.p. face a um adulto não idoso. De igual modo, os agregados compostos por dois adultos não idosos têm um rendimento anual médio acima do registado para o conjunto dos agregados (113%) enquanto que, por exemplo, um casal idoso obtém apenas 69%.

<17 18-24 25-34 35-54 55-64 65-74 75 +

21,2

8,710,5

24,8

11,1 11 12,6

0

10

20

30

40

23,819,3

14,318,6

35,6

23,720,8

Incidência

Distribuição

14 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

4 Bruto da Costa, et al. (2008)5 O grau de severidade de pobreza é medido pela distância entre o valor das pensões face à linha de pobreza, sendo que quanto

maior a distância entre o rendimento auferido e o valor da linha de pobreza, mais severa é a situação de pobreza.

Rendimento líquido anual médio em agregados sem crianças/jovens dependentes-%

Se a pobreza monetária tem uma tão grande incidência na população idosa; se os recursos financeiros são recursos fundamentais para aceder aos padrões de vida, costumes e actividades disponíveis numa dada sociedade, não será difícil perceber as implicações que uma tal situação terá ao nível da exclusão das pessoas idosas por relação a tais padrões de vida.

Como refere Bruto da Costa (1993), estas situações de exclusão conduzem a um “afastamento progressivo e cada vez mais grave das pessoas do «estilo de vida» corrente na sociedade a que pertencem e dos sistemas sociais que a integram. A exclusão social das pessoas idosas implica, muitas vezes, que estas passem por estados de privação e carências múltiplas – relacionais, afectivas, psicológicas, de convivência, que resultam principalmente da sua idade”.

Reconhecendo-se a importância das pensões enquanto principal fonte de rendimento das pessoas idosas, importará perceber o real contributo destas transferências sociais nas condições de vida das pessoas idosas.

Analisando a evolução das pensões (mínima e social) face ao limiar de pobreza, situado a 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente4 , importa salientar a distância a que se encontram da linha de pobreza. Desta forma, o maior grau de severidade de pobreza5 está, de facto, associado aos valores baixos das pensões, sobretudo da pensão social, cujas prestações se situam muito abaixo da linha de pobreza.

Apesar das evoluções positivas no valor das pensões (social e mínima), continuam a manter-se sistematicamente abaixo da linha de pobreza. A título ilustrativo, em 1995, a pensão social situava-se nos 87,29€ mensais (1222.06€/ano), encontrando-se a linha de pobreza nos 190,12€ mensais (2661,77€/ano). A última informação disponibilizada para o valor da linha de pobreza reporta-se ao ano de 2004 correspondendo ao valor mensal de 296,2€ (4146,4€/ano); nesse mesmo ano, o valor da pensão social situava-se nos 151,84€ mensais (2125,76/ano). Em 2008, o valor da pensão social corresponde a 181,91€ mensais o que, não havendo valor de referência para esse ano, nos leva, contudo, a afirmar que é um valor abaixo da linha de pobreza definida para o ano de 2004. Neste ponto, torna-se indispensável referir o Complemento Solidário para Idosos (CSI), medida em relação à qual se reconhece potencial na redução da pobreza entre a população idosa, pois ela

42

64 69

113

1 adulto idoso

2 adultos idosos

2 adultos não idosos

1 adulto não idoso

0

20

40

60

80

100

120

Rendimento médio total = 100

%

Fonte INE – Destaque de 31 de Março de 2008 – Orçamentos Familiares 2005/2006.

15ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

é uma prestação de carácter diferencial que permite aproximar os recursos dos pensionistas com pensão de velhice e de sobrevivência (ou equiparada), à linha de pobreza.

Evolução das pensões (social e mínima) face à linha de pobreza,1995-2005, Portugal (valor absoluto anual)

Claro que, tal como já se afirmou, também aqui, como noutros aspectos, a velhice está longe de ser uma categoria homogénea e as heterogeneidades das suas vivências têm, como é evidente, os seus reflexos na capacidade financeira que uns têm e que outros e outras nunca tiveram. Note-se que “44% dos pobres em pobreza persistente são pensionistas” (Bruto da Costa, et. al, 2008), o que significa que entre estas pessoas estão, certamente, muitas com curtas carreiras contributivas e mesmo, em particular entre mulheres, uma total ausência de carreira profissional, o que as atira para pensões com montantes mínimos. Isto significa que as dificuldades económicas que afectam uma boa parte das pessoas idosas de hoje reflectem a precariedade de rendimentos e as desigualdades da distribuição da riqueza de outras décadas.

A saúde como “um stock que se deprecia ao longo do tempo” (Perista, et. al, 2000) é uma noção que se vai tornando mais clara à medida que a idade avança e, por isso mesmo, a saúde se torna um bem tão precioso e uma das maiores aspirações das pessoas idosas (vd. Quaresma e Graça, 2006 a).

1995 1996 1997 1998 1999 2000 20040

1000

2000

3000

4000

5000

6000

Pensão Social

Pensão Mínima*

Salário MínimoLinha de pobreza**

Fonte: MTSS/CNP; ICOR 2004* Pensão mínima do regime geral – menos de 15 anos de carreira contributiva** Não existem dados para 2001, 2002, 2003, 2006, 2007 e 2008

16 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

População Residente no Continente, com 65 e mais anos que tem, ou já teve, doença crónica, por tipo de doença crónica e sexo – 2005/2006 (%)6

65-74 75-84 85 ou mais H M H M H M

Fonte: INSA/INE – 4º Inquérito Nacional de Saúde (2005-2006)

Tal como se pode verificar, e de acordo com os dados do Inquérito Nacional de Saúde (2005 – 2006), as doenças com maior incidência entre as pessoas idosas são a tensão arterial alta, a dor crónica, o reumático que, embora como maior incidência nas mulheres (em particular a dor crónica) afectam homens e mulheres. Seguem-se a diabetes e a pedra nos rins que atingem ambos os sexos quase de igual modo. Estas doenças prevalecem ao longo dos anos com uma incidência relativamente semelhante.

Existem doenças que afectam mais especificamente mulheres, são elas a osteoporose, a depressão e a ansiedade crónica. Se a osteoporose se faz sentir ao longo da vida, a depressão e a ansiedade crónica fazem-se sentir particular no grupo dos 65 aos 74 anos. Com efeito, já a Organização Mundial de Saúde tinha alertado para o facto de a depressão constituir a doença mais frequente entre as mulheres com proporções bastante significativas em idades avançadas (cfr. INE, 2002).

Nos homens, e em particular na faixa etária dos 75 aos 84 anos, são os acidentes vasculares cerebrais e os enfartes do miocárdio que assumem maior expressão.

Entre as principais causas de morte, em 2005 (Estatísticas da Saúde, 2005), os tumores têm maior incidência, sendo que entre os 65-74 anos se registam 32.2% de casos, enquanto que entre as faixas com 75 ou mais anos essa percentagem é de 15%. Já óbitos ocorridos devido a doenças do aparelho circulatório afectam sobretudo as pessoas mais idosas com 41% de casos, baixando para 29% entre os 65-74 anos. Outras das causas de morte, recaem sobre as doenças do aparelho respiratório com 7.9%, no caso das pessoas com 65-74 anos, e 13.1% no caso das pessoas mais velhas.

No Inquérito Nacional de Saúde (1995/1996) dá-se conta de que uma parte das pessoas idosas carece de cuidados na sequência de limitações a vários níveis (levantar da cama, caminhar, descer escadas, execução de higiene pessoal…) (vd. Perista, et. al, 2000). Por outro lado, a perda de capacidade agrava-se com a idade, especialmente a partir dos 75 anos, nomeadamente ao nível da

6 As percentagens não totalizam 100% na medida uma pessoa pode ser afectada por mais do que uma doença.

65-74 75-84 85 ou mais H M H M H M

Diabetes 17,9% 17,7% 17,9% 17,6% 11,8% 9,1%

Asma 5,9% 8,6% 5,8% 7,8% 5,6% 7,3%

Tensão arterial alta 46,5% 56,5% 43,6% 56,8% 33,8% 47,9%

Dor crónica 26,6% 36,5% 27,0% 40,1% 17,8% 35,7%

Doença reumática 32,9% 48,3% 40,6% 52,3% 37,3% 54,0%

Osteoporose 3,7% 30,0% 3,9% 27,2% 8,6% 28,1%

Acidente vascular cerebral 6,6% 3,5% 10,8% 5,3% 5,4% 12,2%

Depressão 7,1% 16,2% 4,8% 10,7% 1,5% 8,4%

Enfarte do miocárdio 5,4% 2,8% 10,8% 4,0% 5,2% 3,3%

Tumor maligno/ Cancro 4,0% 4,7% 7,5% 4,8% 5,0% 6,1%

Insuficiência renal 3,4% 2,8% 5,1% 3,7% 5,1% 5,0%

Ansiedade crónica 3,6% 10,9% 4,4% 9,7% 3,6% 4,1%

Pedra nos rins 12,8% 12,2% 12,1% 8,5% 6,8% 6,5%

Ferida crónica 3,2% 3,6% 2,5% 4,2% 2,3% 2,7%

Enfisema, Bronquite crónica 8,5% 8,0% 12,5% 10,2% 9,8% 10,8%

17ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

locomoção e mobilidade. No Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006 mantém-se esta mesma situação com as incapacidades associadas à permanência na cama e de longa duração a terem um peso maior nas mulheres, em particular com idades superiores a 75 anos.

O avanço da idade traz, pois, consigo um risco de deterioração do estado de saúde, por isso as pessoas idosas são um dos grupos que mais recorre aos serviços de saúde e as despesas com a saúde constituem, para elas, uma parte considerável do orçamento mensal.

Mas, para além de uma certa depreciação física e biológica que o envelhecimento implicará, importará estabelecer a fronteira entre o que se considera saudável e patológico, limite que, na população idosa, se torna nebuloso, “seja porque se confunde, enfatizando, o processo biológico do envelhecimento como patologia; seja porque, numa outra perspectiva se “naturaliza” a patologia, entendendo-a como inerente a esse mesmo processo” (Perista, et. al, 2000).

Tal como em qualquer outro grupo etário, a saúde, enquanto bem/produto, pode ser aumentado através do investimento certo que depende fortemente dos recursos socio-económicos: rendimentos; acesso à informação; hábitos e dietas alimentares…

Um estudo realizado no Canadá, em 1978, apontava para a existência de uma relação entre a esperança de vida (com e sem incapacidade) e o rendimento (Robine in Fernandes, 2001), revelando que nos escalões mais baixos de rendimento, a esperança de vida sem incapacidade situava-se nos 50 anos, ao passo que nos escalões mais elevados a fasquia subia até aos 64 anos. No fundo, e sobretudo, “são diferenças significativas que remetem para a complexidade das estruturas sociais onde os recursos económicos e culturais se distribuem de forma desigual colocando os indivíduos em diferentes posições face à velhice e face à morte” (Fernandes, 2001).

O acesso aos recursos económicos e culturais está fortemente associado ao nível de instrução dos indivíduos e, em Portugal, apesar das evoluções positivas nesta matéria, constata-se, ainda, uma grande presença dos níveis de instruções mais baixos entre a população idosa. Segundo os dados do Recenseamento Geral da População de 2001, constata-se que 9% da população idosa não tinha qualquer grau de instrução, sendo que a proporção de mulheres é, aqui, superior à dos homens, 67.5% e 32.5%, respectivamente; saliente-se, ainda, que, apenas 0.5% atingiu, no máximo, o 2º ciclo do ensino básico.

“É, hoje, amplamente reconhecida como desejável (…) a manutenção da pessoa idosa no seu meio habitual de vida durante tanto tempo quanto possível. Este tipo de orientação política (…) coloca, no entanto a questão básica da adequação do ambiente residencial das pessoas idosas às necessidades destas em termos do estado de conservação dos alojamentos, do seu nível de dotação em equipamentos básicos e de conforto da existência de barreiras arquitectónicas, etc.” (Perista, et. al, 2000).

Embora a informação disponível em Portugal, a este nível, não seja abundante, sabe-se, com disparidades evidentes entre meios rurais e urbanos, da tendência para a população idosa ocupar um parque habitacional mais antigo – num estudo realizado pelo INE, em 1995 dava-se conta de que a população idosa habitava maioritariamente em edifícios construídos antes de 1970. Veja-se, aliás, o que acontece nos centros antigos das grandes cidades – que, devido às limitações económicas dos seus inquilinos (e por vezes também dos seus idosos proprietários), ou por processos de pura especulação imobiliária, facilmente se apresenta como um parque habitacional degradado e sem grandes condições de acessibilidade, habitabilidade e conforto. Esta consciência traduz-se em preocupação política com a criação do Programa Conforto Habitacional para Pessoas Idosas (PCHI), que visa, essencialmente, o melhoramento das condições básicas de habitabilidade e mobilidade de pessoas idosas.

18 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

Apesar de escassos e não actualizados, os indicadores disponíveis reflectem más condições de habitabilidade para a população idosa. “Em 1995, 1,5% dos agregados domésticos privados com idosos não possuíam quaisquer infra-estruturas básicas nos seus alojamentos, tais como, água canalizada, electricidade, instalações sanitárias ou sistema de esgotos. Considerando os diversos tipos de agregados com idosos, e segundo a mesma fonte, verifica-se que os idosos sós revelam ainda piores condições: 2,8% não possuíam cozinha; 15,1% não possuíam água canalizada; 4,6% não tinham electricidade; 18,3% e 18,6% não dispunham de instalações sanitárias e sistema de esgotos, respectivamente. De referir ainda que, deste tipo de agregados, 3,1% viviam sem quaisquer infra-estruturas básicas nos seus alojamentos” (INE, 2002).

Pela debilidade física, pela dependência, não necessariamente financeira, mas tantas vezes afectiva e emocional, as pessoas idosas são alvo de situações de violência.

Tornado crime público em 2000, a violência doméstica assume uma maior visibilidade. No entanto, a violência contra as pessoas idosas não acontece única e exclusivamente na esfera doméstica podendo acontecer, também, em espaços institucionais, questão que, apesar de tudo se mantém mais oculta.

Em 1997, um estudo de Nelson Lourenço, baseado numa amostra representativa de mulheres portuguesas revelava a incidência de actos violência sobre 33% de mulheres com 65 e mais anos.

Dados que constam num relatório produzido pelo CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social –, no âmbito do Projecto DAPHNE “Breaking the Taboo” revelam que, segundo a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e a APAV – Associação de Apoio à Vítima – a prevalência da violência doméstica contra as pessoas idosas oscila entre os 5% e os 8%. As diferentes entidades referem um aumento dos números de situações de violência doméstica que são reportados embora eles permaneçam, certamente, um pálido reflexo da realidade: em 2000 a APAV recebeu 290 casos; em 2005 foram apresentados 346.

Num artigo de jornal de Agosto de 2008 (Diário de Notícias, 5 de Agosto de 2008) dá-se conta de que a APAV registou, no ano de 2007, 656 casos de violência contra idosos. Nesse mesmo artigo refere-se que a Linha do Cidadão Idoso recebeu, ao longo de 2007, 3 202 chamadas, das quais 111 são relativas a negligência e 171 a maus-tratos, os quais, de acordo com a mesma fonte, são mais frequentes em instituições.

O que se torna particularmente gravoso na violência contra as pessoas idosas e, em particular no caso das mulheres, é que estas são situações que se repetem num ciclo de vida: na infância com maus-tratos por parte dos pais; na vida adulta maltratadas por maridos. Desta dura realidade dão bem conta alguns dos relatos de vida apresentados na última parte de estudo.

Contudo, e apesar destas e outras vulnerabilidades, o envelhecimento não pode, nem deve ser encarado como um aspecto negativo das sociedades actuais. Viver até mais tarde não é o problema. O problema reside na incapacidade das sociedades em lidar com essa realidade que tantos desafios e oportunidades coloca e apresenta.

19ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

II.5. Direitos das Pessoas Idosas

A Constituição da República Portuguesa (no seu artigo 72º) consagra que “as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem ou superem o isolamento ou a marginalização social”. No entanto, segundo Paula Guimarães, este artigo revela uma desactualização face aos conceitos utilizados e baseia-se na “percepção de uma inferioridade das pessoas idosas no contexto social e numa necessidade de uma intervenção paliativa por parte do Estado”, resultando num papel passivo da própria pessoa idosa que fica sujeita a uma obrigação social da família, da comunidade e do Estado (Guimarães, 2000).

Por outro lado, embora a Constituição da República Portuguesa reserve o seu artigo 67º à família e, em particular, à promoção e criação de uma política de terceira idade, não clarifica “o seu âmbito e quais as prestações destinadas a apoiar a família na sua tarefa de assegurar o acompanhamento que os seus elementos mais idosos necessitam” (Guimarães, 2000), sendo também inexistente um enquadramento legal específico que contemple e salvaguarde a situação do idoso em contexto familiar (e noutros) à semelhança do que existe para os mais novos, com a Lei da Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Se a esfera familiar pode ser considerada como a primeira instância de enquadramento das pessoas idosas é certo que, como os dados da violência doméstica já mencionados anteriormente dão conta, a família não é única e exclusivamente um lugar de afectividades e confortos. Decorrente da incapacidade em lidar com situações de maior dependência; da coexistência de responsabilidades noutras esferas (laboral, doméstica, pessoal) surge, muitas vezes, o desgaste físico, psicológico e emocional de quem presta cuidados, o que pode favorecer a deterioração das relações familiares e afectar, mesmo, a qualidade dos cuidados prestados às pessoas idosas.

Neste quadro, onde fica a vontade própria da pessoa idosa, das suas preferências e necessidades? Como fica o respeito pelos bens e património das pessoas idosas, quando a família tantas vezes assume a sua administração sem consultar os próprios, ou quando, por necessidade de agradar ou por pressão as próprias pessoas se “deserdam” em vida ficando, por vezes, numa situação de grande dependência financeira?

Quer seja por vontade da própria pessoa, ou por incapacidade da família, ou ainda pela ausência de laços familiares, o recurso a apoios formais acaba por ser uma realidade para uma parte da população idosa.

Também a este nível, o NESE (Núcleo de Estudos sobre o Envelhecimento) do Concelho de Matosinhos produziu alguma reflexão, colocando algumas questões. O Acolhimento Familiar, por exemplo, medida recentemente mediatizada através de uma reportagem televisiva, conduz a um evidente questionamento quanto à motivação das famílias que se candidatam para a prestação deste serviço. Pode questionar-se, ainda, o acompanhamento da resposta e o seu impacto na própria família de acolhimento e suas relações, para não falar no impacto na própria pessoa, tardiamente enquadrada noutro contexto familiar (que desejou?).

Para a jurista Paula Guimarães, a prioridade deveria ser ao nível da criação das condições necessárias às famílias naturais para que as pessoas idosas pudessem receber os cuidados necessários, no seu próprio espaço. Note-se que as famílias de acolhimento são retribuídas monetariamente, pelos serviços prestados, enquanto que as únicas compensações existentes para as famílias naturais são as deduções dos encargos com lares (“relativos aos sujeitos passivos, ascendentes e colaterais até ao 3º grau”) em sede de IRS (cfr. Guimarães, 2000).

20 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

E as instituições, como se comportam elas perante doações ou despojamento total de bens por parte de potenciais utentes com o objectivo de facilitar a entrada em equipamento, particularmente em lar? Como se pode evitar o não aliciamento das instituições, facilitado certamente por problemas de financiamento, que levam à priorização de certas situações, em detrimento de outras, potencialmente mais gravosas mas sem recursos? Como ficam, nestes casos, protegidos os direitos das pessoas: de quem se despoja e de quem não tem para se despojar e fica sem a resposta de que necessita?

Os Lares destinados a pessoas idosas são um dos equipamentos que mais utentes abrangem. Apesar de ter já mais de uma dezena de anos um estudo levado a cabo pela DECO, em 1995, e referenciado em Perista et al. (2000), mantêm alguma actualidade quando refere a existência de lares com instalações em condições de conservação deficitárias e inadequadas; condições de segurança insuficientes; inexistência de actividades lúdicas; pouco pessoal e com falta de qualificação, mensalidades excessivamente elevadas tendo em conta os serviços prestados.

Foi este panorama que, aliás, levou a que a Segurança Social estabelecesse um conjunto de critérios de qualidade para o funcionamento das instituições, aos mais diversos níveis (instalações, pessoal, processo dos utentes…), que certamente conduzirá a melhores serviços e a melhores resultados, exigindo-se, contudo, um grande esforço por parte das instituições.

Para além dos já referidos maus tratos infligidos às pessoas idosas em lares, tal como registado na Linha do Cidadão Idoso, cabe colocar a questão de que, até que ponto, serviços de baixa qualidade, muitas vezes em relação com o preço pago, revelam respeito pelas pessoas utilizadoras dos mesmos, cujo poder e capacidade reivindicativa são, com frequência, reduzidos.

Para Maria José Hespanha os deficits ao nível da verificação de um conjunto de direitos das pessoas idosas radicam, precisamente, na sua incapacidade de reivindicação e na sua fraca representação política: “apesar do seu significativo peso eleitoral, os idosos nem são devidamente representados na esfera política, nem conseguem traduzir a sua expressão numérica em instrumento de pressão política. A distância ao poder constitui, assim, o principal handicap da população idosa para ver reconhecidos os seus direitos” (Hespanha, 2000).

II.6. Famílias e relações intra-familiares

Apesar do aumento registado em todos os países europeus ao nível dos serviços para idosos, o apoio informal, no seio das famílias, continua a desempenhar em papel muito importante. De acordo com dados do Eurobarómetro (in European Commission, 1999) 2/3 dos cuidados aos idosos são prestados na família (vd. José e Karin Wall, 2006).

Os cuidados a pessoas idosas, mulheres e homens, no quadro da família, processam-se hoje num contexto de profundas transformações por relação às gerações anteriores.

O aumento das taxas de divórcio, por exemplo, que em Portugal, no ano de 2006, se situavam nos 2.2‰ tem consequências, não só na composição das famílias, como a capacidade de “investimento e disponibilidade relativamente aos cuidados a prestar aos seus ascendentes idosos” (Perista, et. al, 2000).

Entendidas como as principais prestadoras de cuidados aos seus parentes idosos, são as mulheres que mais se sujeitam às maiores pressões decorrentes das alterações nas estruturas familiares, nomeadamente na sequência de situações de divórcio. Para além de eventuais dificuldades

21ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

económicas, são confrontadas, por um lado, com a assumpção de novos papéis (o estar só no “governo da casa”, na tomada de decisões…) e, por outro lado, com “a persistência de papéis mais tradicionais, bem explícita na responsabilização pelo acompanhamento aos familiares idosos” (Perista, et. al, 2000).

Tudo isto acontece em paralelo com uma crescente participação da mulher no mercado de trabalho (em Portugal, no ano de 2007, a taxa de actividade feminina (com 15 ou mais anos) era de 30.5%), o que significa, na maior parte dos casos, e num contexto em que a repartição das tarefas domésticas e dos cuidados a familiares, entre homens e mulheres, está longe de ser equilibrada, uma carga acrescida para as mulheres. Dados do 4º Inquérito Europeu às Condições de Trabalho (2005), revelam que as mulheres ocupam semanalmente 25h24m a realizar actividades associadas à vida familiar (trabalho não pago), enquanto que para os homens essas horas se ficam nas 9h24m. Quanto ao tempo dado ao trabalho pago era de 43h30 para os homens e 41h06m para as mulheres7.

Com efeito, e apesar de todas as evoluções positivas reveladas a este nível entre as gerações mais novas, continua a persistir um “fraco envolvimento e desresponsabilização adstrita ao tradicional papel masculino no espaço doméstico, onde se inscrevem os cuidados aos parentes dependentes” (Perista, et. al, 2000) e sobretudo em relação aos idosos que, em muitas situações, se tratam de familiares indirectos, como sejam sogros ou sogras.

Por outro lado, no sistema de protecção às pessoas trabalhadoras os benefícios são sobretudo orientados para quem presta cuidados a familiares em linha descendente (cfr. José e Karin Wall, 2006).

Muitas vezes as famílias são culpabilizadas e acusadas de se retirarem daquilo que são as suas responsabilidades para com os mais velhos, mas, na maior parte dos casos, tais observações partem da ignorância dos contextos sociais em que tal ocorre e das pressões que se fazem sentir sobre quem cuida, a diversos níveis; partem do esquecimento das exigências que, em geral, cuidar de uma pessoa idosa significa.

A autora Ann V. Salvage (cit. in Perista, et. al, 2000) alerta precisamente para o facto das necessidades das prestadoras destes serviços não serem, normalmente, tidas em conta, pelo facto dessa prestação ser considerada como um dever. Ainda que dever, importa não ignorar que cuidar de uma pessoa idosa, em particular em situações de dependência “pode traduzir-se num trabalho árduo e exigente, tanto do ponto de vista físico, como afectivo, requerendo uma disponibilidade considerável de tempo e energia” ( José e Karin Wall, 2006) e implicando, também, necessidade de apoios específicos aos cuidadores. Sendo as mulheres as principais prestadoras de cuidados não podemos esquecer o facto de, em muitos casos, serem também elas pessoas idosas, o que colocará ainda outros problemas adicionais.

Claro que o nível de investimento que é necessário nos cuidados a pessoas idosas dependerá fortemente do seu grau de autonomia. Se numas situações fará sentido falar em “trabalho árduo e exigente”, noutras situações, os cuidados poderão apenas implicar apoio a nível afectivo (necessário em qualquer idade da vida) e, noutras ainda, algumas acções de supervisão em determinados momentos da vida quotidiana.

Num trabalho realizado por José e Karin Wall (vd. José e Karin Wall, 2006) foi construída uma tipologia de prestação de cuidados a pessoas idosas dependentes, no seio da família. Essa tipologia aponta para dois grandes perfis: o perfil familiar e o perfil misto.

No perfil familiar, os cuidados prestados são centralizados na família da pessoa dependente e não é

7 Fonte: Cálculos próprios, com base em European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 4ª Inquérito Europeu às Condições de Trabalho, 2005.

22 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

usado qualquer recurso no exterior da rede de parentesco. No perfil misto, e tal como a designação o indica, conjuga-se os recursos da família, com recurso prestados por agentes externos.

No perfil familiar, e quando se trata de situações em que os cuidados são prestados a pessoas com elevada dependência, torna-se, na opinião das autoras, um modelo pouco adequado, tanto à prestadora (fala-se no feminino dado o facto de, na grande maioria dos casos, quem cuida serem as mulheres) pela razões anteriormente evocadas, como à própria pessoa idosa que fica dependente de uma disponibilidade que, no caso de deixar de existir, inclusivamente por razões de saúde, a pode pôr em risco. Em casos menos exigentes, em que o que é necessário é apenas uma supervisão torna-se mais frequente uma rotatividade entre os elementos da família e uma maior partilha das responsabilidades a este nível, havendo, pois, menos riscos tanto para quem cuida como para quem recebe os cuidados.

Mas as relações familiares entre as pessoas idosas e os restantes elementos da família, em particular os seus descendentes, não se resumem apenas à prestação de cuidados dos segundos para com os primeiros.

Entre 1991 e 2001, o número de famílias compostas por idosos subiu de 30.8% para 32.3%, sendo que 27.2% são famílias unipessoais. Pode ainda acrescentar-se que, em 2001 cerca de 51% das famílias unipessoais eram compostas por pessoas idosas (em 1991 essa percentagem representava 55%), sendo que, em 39.5% dos casos, corresponde ao sexo feminino. Isto, expressa que é “menos frequente a coabitação dos pais idosos com os seus filhos adultos e, em contrapartida, maior a proporção de idosos que vivem sós” (Fernandes, 2001).

Apesar desse aumento de pessoas idosas a viverem sozinhas e do predomínio da famílias compostas apenas pelo casal, as relações intra-familiares continuam a ter lugar, ainda que com intensidades variadas, mesmo depois dos filhos constituírem novos núcleos familiares e saírem de casa. Estes laços familiares serão certamente facilitados pela proximidade física que “ (…), viabiliza os contactos e o estabelecimento de práticas comuns quotidianas que podem fortalecer a solidariedade e até mesmo promovê-la” (Fernandes, 1997) ou são dificultados pela distância que separa a residência de pais e filhos, levando a que, em zonas de forte emigração das gerações mais novas, a população idosa reforce sentimentos de solidão e isolamento.

“De modo geral, as trocas intergeracionais concretizam-se em torno do domínio afectivo, da ajuda doméstica e financeira, da guarda das crianças e dos cuidados gerais em caso de doença ou incapacidade. «Dá-se» e «recebe-se» tempo de convívio e atenção, serviços de vária ordem e, talvez o que mais facilmente se consegue contabilizar, ajudas financeiras e presentes” (Fernandes, 2001).

No que toca às transferências económicas e financeiras estas ocorrem principalmente de avós para netos, e de pais idosos para os/as seus/suas filhos/as, ainda que os primeiros apresentem rendimentos, em muitos casos, inferiores. Já no que se refere à troca de serviços, esta ocorre em ambos os sentidos, sendo, como é evidente, serviços de natureza diferente (Fernandes, 2001).

As redes de entreajuda que podemos encontrar em boa parte das famílias não envolve todos os elementos, sendo mais acentuadas em linha directa e estabelecendo uma maior afinidade entre as mulheres. Esta «matrilinearidade» das entreajudas familiares é uma das características das relações de parentesco das sociedades ocidentais (Fernandes, 1997) e, mais uma vez, a mulher assume um papel de relevo neste circuito de trocas.

Nos casos em que existe coabitação, considerada como a forma mais intensa de solidariedade (Fernandes, 1997), de pais idosos com os filhos adultos já casados, é porque está reunida uma

23ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

de duas condições: pode tratar-se de uma solidariedade dependente, na qual os familiares idosos dependem das ajudas dos seus filhos; ou de uma solidariedade dominante, na qual são os filhos que dependem economicamente das ajudas dos pais, como é, aliás, o caso de, pelo menos, um dos relatos de vida que se apresentam neste trabalho.

Apesar de todas as transformações as famílias constituem-se, assim, ainda, como palco principal de trocas e solidariedades entre diferentes gerações. “Os modos de se relacionarem os membros da família adequam-se às novas situações vividas (novo lar que se constitui, a casa que é necessário adquirir) e tomam outras formas, mas que pretendem sempre contribuir para garantir que não se quebrem os laços e permaneça a solidariedade” (Fernandes, 1997).

II.7. Envelhecimento Activo “Os idosos do século XXI serão em maior número e mais velhos (porque viverão mais tempo), mas terão maior rendimento, mais saúde, mais instrução, melhores condições habitacionais, serão mais activos (profissionalmente e civicamente), mais conscientes dos direitos, mais disponíveis para usufruir da cultura e do lazer” (Machado, 2003a).

Com efeito, o aumento da esperança de vida, a melhoria, em geral, das condições de vida e de saúde levam a que as pessoas tenham outras expectativas relativamente à sua “velhice” e que não se resignem a desempenhar papéis subalternos na sociedade.

Essa consciência surge também a nível político, onde face à nova realidade demográfica e social surge a necessidade de “mobilizar plenamente o potencial das pessoas de todas as idades”, numa lógica de que qualquer resposta adequada ao envelhecimento deve ter em conta todas as idades e não apenas considerar as pessoas idosas de hoje: “Uma boa adaptação ao envelhecimento da população abrange pessoas de todas as idades e uma abordagem ao longo da vida pode contribuir para o desenvolvimento de respostas políticas adequadas que considerem as questões específicas da idade e do género relacionadas com esse envelhecimento. Esta abordagem resulta na implementação de políticas e práticas a favor de um envelhecimento activo” (COM, 2002 - 143 final).

O envelhecimento activo assenta na identificação dos factores que intervêm positivamente no processo de envelhecimento do indivíduo. Estudos realizados revelam uma relação forte entre uma boa situação de saúde e o desenvolvimento de uma actividade de participação social (ou económica) (vd. Walker cit in Quaresma, 2006). Reforça-se, assim, uma nova perspectiva face ao envelhecimento, assente numa promoção da qualidade de vida das pessoas mais velhas, promovendo a sua autonomia, independência e valorização das competências.

O envelhecimento activo, noção que tem a sua origem na Organização Mundial de Saúde, é, pois, “a capacidade das pessoas que avançam em idade terem uma vida produtiva na sociedade e na economia. O que quer dizer que possam determinar a forma como repartem o tempo entre as actividades de aprendizagem, o trabalho, o lazer e os cuidados a outros” (OCDE cit. in Quaresma, 2006).

O conceito de envelhecimento activo lança, pois, as bases para a eliminação das diferentes formas de exclusão pela idade e para a necessidade de transversalizar as orientações que lhe estão subjacentes aos mais diferentes níveis, bem como para a criação de uma política de envelhecimento de carácter integrado.

A implementação do conceito de envelhecimento activo, nas suas múltiplas dimensões, requer vontade política; requer a mobilização dos vários actores sociais a nível central e local –

24 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

responsáveis autárquicos e diferentes parceiros sociais. Cada concelho pode, e deve, encetar as suas próprias diligências, nesse sentido, nomeadamente através dos Planos de Desenvolvimento Social e, no âmbito destes, de criação de Planos Gerontológicos Locais, à semelhança do que já existe noutros países.

O envelhecimento activo também requer, por outro lado, vontade individual assente na ideia que a idade não tem que ser um factor limitador por si só. Viver mais e melhor depende, também, de cada um e cada uma de nós, em qualquer idade e enquanto elementos actuantes da sociedade.

II.8. Respostas institucionais na velhice

Compreender as respostas institucionais ao envelhecimento é algo de fundamental no processo de compreensão do fenómeno em si mesmo, na medida em que ao ultrapassar a esfera privada, a velhice emergiu também como categoria de acção política.

Ao reunir em si um vasto, complexo e diversificado conjunto de situações, com fortes repercussões em diferentes domínios sociais, o fenómeno do envelhecimento obriga, actualmente, a novas interrogações, a novas perspectivas de análise, a novas percepções do que é o envelhecimento e a velhice que devem orientar novas linhas de actuação política.

Se até ao final da década de 60, os problemas da população idosa não tinham sido objecto de uma política social específica, cabendo à família a responsabilidade de prover sustento aos seus ascendentes, a partir de meados da década de 70, após as mudanças políticas ocorridas a 25 Abril de 1974, a nova Constituição da República no seu artigo 63º consagra o direito à segurança social e explicita, pela primeira vez, a obrigatoriedade de definição de uma política referente à população idosa (Quaresma, 1988) – «O Estado promoverá uma política da Terceira Idade que garanta a segurança económica das pessoas idosas e a política da Terceira Idade deverá ainda proporcionar condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social das pessoas e lhes ofereçam as oportunidade de criarem e desenvolverem formas de realização pessoal através de uma participação activa na vida da comunidade».8

O reconhecimento, legitimado socialmente, e consagrado na Constituição da República, da necessidade de intervir com políticas sociais de velhice, enquanto um “conjunto de intervenções públicas que estruturam, de forma explicita ou implícita, as relações entre a velhice e a sociedade” (vd. Guillemard in Fernandes, 1997), repercutiu-se na implementação de suportes formais de apoio à população idosa.

É a partir da década de 80 que começa a ser notório o desenvolvimento de respostas sociais alternativas a uma institucionalização permanente e em massa (nos chamados asilos) que, até então, se constituía, praticamente, como a única resposta disponível. Começa, então, a considerar-se que “a integração dos indivíduos num universo que lhes é estranho e cuja dimensão não permite na maior parte das vezes um tratamento individualizado, acaba por contribuir para um reforço do isolamento social das pessoas idosas, originado pelo afastamento do seu meio social de pertença” (Casanova, et. al, 2001).

Reconhecidas as lacunas existentes, a década de 90 é identificada como marco fundamental na política de equipamentos e serviços destinados à população idosa, enquanto reflexo de mudanças de actuação política, que tende a privilegiar a permanência da pessoa idosa no seu quadro de vida habitual.

8 Artigo 63.º da Constituição da República de 1976.

25ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

Este quadro de políticas privilegia um desenvolvimento equilibrado das respostas sociais, na sua multiplicação e diversificação, atendendo à heterogeneidade que caracteriza as gerações idosas e tendo em conta o respeito pelos direitos de cidadania e pela individualidade das pessoas idosas.

Contudo, pode questionar-se até que ponto medidas dirigidas às pessoas idosas que assentam, sobretudo, numa óptica de construção de equipamentos (ainda que diversificados) podem gerar efeitos perversos. Para alguns autores (de que é exemplo, Anne-Marie Guilemard), é falaciosa a ideia de que a existência de serviços dirigidas às pessoas idosas resulte necessariamente em reais benefícios sociais, ou em maior capacidade de inclusão, na medida em que as pessoas idosas continuam a ser socialmente desvalorizadas e, por outro lado, os suportes formais que têm surgido ao longo dos últimos anos, não são acompanhados por uma correspondente melhoria do nível de vida das pessoas, como o demonstram as persistentes taxas de pobreza entre a população idosa.

Questiona-se, portanto, se não serão eles próprios [suportes formais] geradores de novas exclusões e dependências sociais. Disto é manifestação a deferência com que, sobretudo em meios pequenos, as pessoas idosas tratam, e se referem às direcções das instituições sociais, e a sua quase incapacidade para a crítica (construtiva) e para a exigência da qualidade de serviços que, sendo de direito, continuam a ser encarados por uns (instituições), e por outros (utentes), como um resultado da caridade e bondade de terceiros a quem devem estar agradecidos/as.

Como afirma Heloísa Perista, deve-se estar atento “ao risco de converter a pessoa idosa em receptora passiva de serviços em virtude da sua idade, numa rede de trocas não recíproca, na qual qualquer problema físico ou psíquico é, por vezes, abusivamente, rotulado de “dependência”” (Heloísa, 2000a).

No quadro dos suportes formais de velhice, podem distinguir-se, em traços largos, dois grandes tipos de respostas institucionais:

O apoio institucional de assistência diária permanente, representado aqui pelos Lares/•residências e, mais recentemente, pelas famílias de acolhimento.

O apoio institucional parcial, que reúne um conjunto de serviços locais, permitindo à pessoa •idosa a permanência em sua casa. Falamos dos Centros de Convívio e de Dia e dos Serviços de Apoio Domiciliário.

Historicamente, a origem dos lares remonta aos denominados asilos e hospícios, destinados a albergar mendigos, indigentes e idosos. A imagem negativa a eles associada ainda hoje se reflecte, de certa forma, nos actuais equipamentos. Independentemente, porém, das imagens, existe uma diferença substancial entre aquilo que está escrito, como normas orientadoras do funcionamento dos equipamentos, e o seu funcionamento efectivo.

Segundo a Direcção Geral de Acção Social (1996)9, os lares deverão assegurar as necessidades básicas, habitacionais, sociais e psicológicas, através de serviços permanentes e adequados à problemática biopsicossocial das pessoas idosas, incentivando as relações familiares e garantindo uma vida confortável, um ambiente calmo e humanizado, de forma a contribuir para a estabilização ou retardamento do processo de envelhecimento.

Sabemos, no entanto, que estas condições nem sempre são verificadas, seja por uma atitude de desrespeito por parte de quem gere e/ou dirige estes equipamentos; seja pela incapacidade da Segurança Social em desenvolver uma acção fiscalizadora e, simultaneamente, fomentadora da qualidade dos serviços; seja por uma questão de escassez das respostas do sector público, e do privado solidário; seja, ainda, da conjugação de todos estes factores, o que é certo é que se tem

9 Guião Técnico, n.º 3, disponível em www.seg-social.pt

26 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

assistido ao surgimento de lares privados, com fins lucrativos, a funcionarem, em muito casos, clandestinamente e sem condições, e de equipamentos (da rede privada, ou até mesmo da rede solidária) que não garantem a satisfação plena das necessidades dos/as utentes. O que é mais perverso é que, com frequência, os serviços locais da Segurança Social se vêem obrigados a apoiar financeiramente pessoas para internamento em lares onde, de facto, as condições definidas não são observadas.

Na sequência da tomada de consciência dos limites deste tipo de resposta surge a diversificação dos suportes formais e um consenso, cada vez maior, em torno da preocupação em manter as pessoas idosas no seu meio social, contribuindo para o seu equilíbrio e bem-estar. Neste sentido, actualmente, os lares devem constituir uma alternativa essencialmente dirigida às pessoas idosas dependentes, ou em situação de risco de perda de autonomia.

As respostas sociais que prestam apoio institucional de forma parcial, para além de proporcionarem condições mais favoráveis à permanência da pessoa na sua casa, vêm dar resposta, quer à satisfação de necessidades básicas (alimentação, higiene e saúde), bem como ajuda na prevenção do isolamento e solidão, através da dinamização de actividades lúdicas e culturais (Casanova et. al, 2001).

O Apoio Domiciliário é a resposta social mais recente e a actual aposta política mais forte em termos de expansão. Os Serviços de Apoio Domiciliário constituem-se um conjunto de serviços mínimos diversificados prestados na casa da pessoa idosa. Este tipo de resposta contempla a higiene e conforto pessoal, higiene do habitáculo, confecção de alimentos ou fornecimento de alimentação confeccionada, tratamento de roupas, bem como prestação de cuidados de saúde de ordem física e psicossocial.

No entanto, também aqui se colocam algumas limitações em termos práticos, pois seja por dificuldades de organização dos serviços ou como estratégia de poupança de recursos por parte das instituições; seja por limitações financeiras dos utentes, ou por uma contenção extrema (ou subvalorização) das suas necessidades; seja, ainda, porque por vezes a pressão é grande e há a tendência para responder a mais solicitações do que os recursos humanos disponíveis permitem, predomina no Apoio Domiciliário o fornecimento de refeições10, podendo correr-se o risco de este serviço perder a sua perspectiva mais abrangente e integrada impedindo, assim, uma reposta eficaz e global aos problemas das pessoas e vir a desenvolver uma imagem demasiado associada a “serviços de catering”.

Os Serviços de Apoio Domiciliário só farão sentido como uma prestação de cuidados personalizada, se permitirem ir ao encontro das necessidades da pessoa idosa, estimulando a autonomia e a liberdade de escolha do/a utente. Este tipo de Serviços possibilita, ainda, manter a pessoa idosa integrada na sua rede familiar e social, promovendo o seu equilíbrio e bem-estar emocional.

Encontrando-se em crescimento, parece importante referir que a garantia de sucesso deste tipo de resposta passa inevitavelmente pela promoção profissional das ajudantes familiares, peças indispensáveis na garantia de qualidade.

O crescimento das ofertas de equipamentos e serviços, à escala nacional, é observável sobretudo entre 1991 e 1996, e essencialmente no que respeita aos Centros de Dia e Apoio Domiciliário. Este aumento de oferta de equipamentos para as pessoas idosas faz-se, em grande medida, através das organizações particulares sem fins-lucrativos (95%), apoiadas financeiramente pelo Estado,

10 No estudo sobre as instituições do Concelho de Matosinhos (2007) constatou-se que do conjunto de serviços disponibilizados pelo Serviço de Apoio Domiciliários (SAD), o fornecimento de refeições era aquele que apresentava maior taxa de utilização, abrangendo 85% dos/as utentes.

27ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

mediante protocolos de cooperação, sendo que as entidades com fins-lucrativos representam apenas 5% do total, com uma oferta muito centrada em Lares para idosos, em que funcionam como valência exclusiva (vd. Casanova, et. al, 2001).

Em 1998, a quando da realização da primeira Carta Social de Rede de Serviços e Equipamentos, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade – Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento – identifica-se como respostas sociais para pessoas idosas com maior relevância três tipos de equipamentos: os Lares e Centros de Dia, com a preponderância de 30% cada, e o Apoio Domiciliário com 27% do total das valências. As restantes valências apresentavam um peso diminuto: Centros de Convívio com 9%, Acolhimento Familiar com 3% e Residências com 1%.

Em termos absolutos isto significa que, em 1998, existiam, em Portugal Continental, 1181 Lares de Idosos; 1341 Centros de Dia e 1288 Serviços de Apoio Domiciliário.

O Lar é a resposta que, no conjunto, teve, entre 1998 e 2006, uma evolução mais contida (27%), seguida do Centro de Dia (40.4%).

O Serviço de Apoio Domiciliário, ao ter sido considerado como uma prioridade nos últimos anos, é, de facto, a resposta social que assume um crescimento bastante acentuado. Assim, do ano de 1998 para 2006, surgiram 973 novas respostas, o que representa um crescimento de aproximadamente 80%. A representação gráfica que se apresenta reflecte essa mesma evolução.

Evolução do número de respostas sociais para a população idosa, por tipologia11

O gráfico abaixo representado permite identificar a distribuição das respostas sociais de apoio à população idosa a nível distrital. Da sua leitura facilmente concluímos que Lisboa é o distrito que aglomera, de longe, o maior número de respostas sociais (718), seguindo-se do distrito da Guarda e Coimbra, com 465 e 432 respostas sociais, respectivamente. O distrito do Porto surge em quarto posição detendo 424 respostas sociais na área da Terceira Idade, das quais 61 estão localizadas no Concelho de Matosinhos.

0

500

1000

1500

2000

2500

Centro Dia

S. Apoio Domiciliário

Lar Idosos

1998 2000 2006

1181 13

41

1288 14

07 1542

1581

1509

1883

2261

11 Carta Social 1998, 2000 e 2006, disponiveis em: www.cartasocial.pt

28 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoII- ENVELHECIMENTO: DISCUSSÃO E ENQUADRAMENTO

Distribuição das respostas sociais de apoio à população idosa, por distrito (n.º)

Com o objectivo de melhorar a cobertura da rede de equipamentos e serviços foi criado o Programa PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais.

Sem se pretender um grande desenvolvimento importa, porém, referir que, nos últimos três anos, foi introduzido um conjunto de medidas, as quais visam, nuns casos, minimizar as carências económicas de uma boa parte da população idosa e, noutras, melhorar as condições de vida e de acesso a cuidados, nomeadamente de saúde. Assim, salienta-se a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, o Programa Conforto Habitacional para Pessoas Idosas e o Complemento Solidário para Idosos.

AveiroBeja

BragaBragança

Castelo BrancoCoimbra

ÉvoraFaro

GuardaLeiria

LisboaPortalegre

PortoSantarém

SetúbalViana do Castelo

Vila RealViseu

0 100 200 300 400 500 600 700 800

310170

140270

334424

186718

294465

176216

432318

234379

156331

718

29ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

III – As Pessoas Idosas no Concelho de Matosinhos: Uma Abordagem Sócio-Demográfica

Há quem afirme que o século XX foi o “século da modernização demográfica portuguesa” (Rosa e Vieira cit. in Palmeirão, 2008), na medida em que foi “o desequilíbrio entre os níveis da natalidade e mortalidade que mudaram a dinâmica populacional e inibiram o crescimento natural das populações” (Palmeirão, 2008).

Inserido na Região Norte, o Concelho de Matosinhos não fica alheio às dinâmicas demográficas que, como já se referiu, se caracterizam por um “duplo envelhecimento”. Contudo, importa não ignorar que, apesar da manifesta tendência para o envelhecimento, a evolução demográfica do Concelho e da Região espelha a heterogeneidade do fenómeno em termos geográficos.

É na década de 80 que se começa a verificar, em Portugal, um aumento mais acentuado da percentagem de pessoas idosas e uma diminuição da proporção de jovens. Este processo teve início no sul e no interior do País, em concelhos fortemente marcados por uma ruralidade e por uma emigração dos mais jovens, quer para o estrangeiro, quer para um litoral urbano, onde os grandes centros se assumem como pólos de atracção de uma população jovem em idade activa.

Heterogénea, caracterizada pela presença de concelhos rurais em paralelo com a co-existência da segunda grande área urbana do País, a Região Norte entra no século XXI com a mais baixa proporção de pessoas idosas, por comparação com as restantes Regiões: em 2007, 15.3% da população residente tinha 65 ou mais anos, 2.1 p.p. abaixo da percentagem registada para o total do País.

Nesse mesmo ano, no Concelho de Matosinhos, viviam 24 554 pessoas com mais de 64 anos, o que significa 14.5% da população residente. Se esta percentagem é mais baixa do que aquela que se regista para o mesmo ano, na Região Norte no seu conjunto (15.3%), no Grande Porto (15%) e no País (17.4%), ela não deixa, contudo, de ser o resultado de um envelhecimento demográfico continuado, tal como se pode verificar no gráfico seguinte.

30 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

Evolução da Percentagem de Pessoa Idosas no total da População Residente – Matosinhos, Grande Porto e Portugal (%)

Com efeito, ao longo das últimas décadas, o aumento da população idosa no Concelho tem sido evidente. Se considerarmos o período 1991 e 2007 esse aumento foi de aproximadamente 75%.

Por outro lado, tal como se tem verificado em geral, também em Matosinhos o aumento do número de idosos tem sido acompanhado de um decréscimo do número de crianças e jovens. Em 2007, enquanto a percentagem das pessoas com 65 e mais era 14.5%, o peso dos jovens era já muito próximo desta (15.1%). Considerando os dados relativos a 1991 e 2001, é perceptível o processo de “duplo envelhecimento” com a compressão da base e o alargamento do topo da pirâmide etária do Concelho.

Pirâmide etária do Concelho de Matosinhos, 1991 e 2001

0

5

10

15

20

25

1991 1995 1998 2000 2005 2006 20072001

910,2 11,1

12,914,1 14,513,9

12,3

13,614,7 15,2

16,4 17,3 17,417,116,5

Matosinhos

Portugal

Grande Porto

10,612,3

13,5 14,7 1514,511,7

13,1

Fonte: INE: Estatísticas Territoriais, 1991-2007

0%1% 1%3% 3%4% 4%5%

0-4

5-9

10-14

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

65-69

70-74

75-79

80-84

85 e +

5%2% 2%

Homens 2001 1991 Mulheres

Fonte: Carta Educativa do Concelho de Matosinhos

31ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

A evolução da pirâmide etária da população do Concelho de Matosinhos expressa bem a “responsabilidade” do declínio da natalidade e, como tal, de uma “não renovação das gerações” no processo de envelhecimento demográfico: “O principal factor natural responsável pelo envelhecimento demográfico das populações humanas foi o declínio da natalidade observado a partir dos anos setenta – altura em que a generalidade dos países desenvolvidos deixaram de renovar as gerações” (cit. Nazareth, in Fernandes, 1997).

Também o Concelho de Matosinhos tem vindo a assistir a um decréscimo de nascimentos, atingindo os 10‰ em 2007, o que significa que, nesse ano, nasceram 10 crianças por cada 1000 habitantes. Ainda assim, apresenta valores referentes à taxa bruta de natalidade superiores aos registados, quer para Portugal, quer para outras Regiões, nomeadamente a Região Norte, onde se insere. Esta situação particular pode ser explicada pelo facto de Matosinhos ser um concelho do litoral, parte integrante do Grande Porto e, por si próprio, ter sido capaz de gerar uma dinâmica de criação de emprego, atraindo e fixando uma população jovem; beneficia, por outro lado, da capacidade atractiva do Porto.

Apesar disso, o índice de envelhecimento registado no Concelho revela que o número de pessoas idosas, por cada 100 jovens, tem vindo a aumentar: em 2007 havia 96 idosos por cada 100 jovens, enquanto que, em 2000, a proporção era de 76 pessoas idosas para 100 jovens.

Índice de Envelhecimento12 e Juventude13 no Concelho de Matosinhos

Projecções da população residente, feitas pelo INE num horizonte temporal até 2050, e tendo em conta as diferentes regiões, revelam que, no que toca à região Norte, o número de idosos por cada 100 jovens poderá atingir os 255, nesse ano, tendo em conta os resultados do cenário base.14

0

40

80

120

160

200

240

2000 2001 2002 2003 2005 2006 20072004

75,9 79 81,7 83,8 92,5 96,089,687

126,6 130,2 122,3 119,3108,1 104,2111,6114,9

Índice Envelhecimento

Índice Juventude

Fonte: INE – Estatísticas Territoriais; Cálculos próprios com base em INE – Anuário Estatístico da Região Norte, 2004.

12 Índice de Envelhecimento: Relação entre a população idosa e a população jovem, definida habitualmente como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos (expressa habitualmente por 100 (10^2) pessoas dos 0 aos 14 anos) (INE; Conceitos).

13 Índice de Juventude: Relação entre a população jovem e a população idosa, definida habitualmente como o quociente entre o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos e o número de pessoas com 65 ou mais anos (expressa habitualmente por 100 (10^2) pessoas com 65 ou mais anos) (INE; Conceitos).

14 “O cenário base (considerado, nesta data, e com base na informação demográfica disponível, o mais plausível), assente na conjugação de uma ligeira recuperação do Índice Sintético de Fecundidade (…), com um aumento da esperança de vida à nascença (…) e com saldos migratórios positivos (ou seja, o número de entradas ser superior às saídas) ao longo de todo o período. (…) A validade das projecções depende sempre da verificação ou não das hipóteses que lhes estão subjacentes” INE; 2003.

32 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

Outro aspecto em que Matosinhos se enquadra nas tendências gerais, diz respeito ao facto de o envelhecimento assumir uma face essencialmente feminina.

Em 2007, 58.1% do total de pessoas idosas do Concelho eram mulheres. Considerando dois grupos etários distintos, verificamos que a superioridade numérica das mulheres é ainda maior na faixa dos 75 e mais anos, na qual representam 63%.

Pessoas idosas no Concelho de Matosinhos,nos grupos etários de 65-74 anos e 75 e mais, por sexo (%)

Como sabemos, associado ao processo de envelhecimento da população e à sua feminização está o aumento da esperança de vida à nascença e uma maior longevidade por parte da mulheres.

As alterações a nível demográfico têm, implicações a vários níveis, nomeadamente ao nível das estruturas familiares.

Tendo apenas por base dados censitários, verificamos que, no Concelho de Matosinhos, são cada vez mais as famílias com pessoas idosas. Em 1991, as pessoas idosas estavam presentes em 21.7% das famílias residentes no Concelho; em 2001, essa percentagem era de 25.1%.

Entre as famílias com pessoas idosas é também cada vez maior o número de famílias unipessoais, o que dá conta do aumento de situações de pessoas idosas a viverem sós. Em 2001, 16.3% das pessoas idosas do Concelho viviam sós. A comparação por sexo revela, uma vez mais, a forte presença das mulheres entre a população idosa e a sua maior tendência para a não renovação de laços matrimoniais após a viuvez e, em geral, uma maior capacidade para viverem sozinhas. Assim, enquanto 22.6% das mulheres com 65 e mais anos viviam sós, no caso dos homens essa percentagem era de 7.2%. A nível nacional, essas percentagens eram de 28.8% e 9.4%, respectivamente.

0

20

40

60

80

45,4

54,6

37

63

65-74 anos 75 + anos

Mulheres

Homens

Fonte: INE – Anuário Estatístico da Região Norte, 2007.

33ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

Famílias clássicas segundo a sua dimensão, com pessoas com 65 e mais anos,no Concelho de Matosinhos, 1991 e 2001 (n.º)

Olhando de uma outra forma, cerca de 23% (9 317) do total de famílias com pessoas idosas correspondem a situações de pessoas idosas que vivem sozinhas, situações essas que em relação ao total de famílias residentes significam 5.8%. Em 1991, estas mesmas percentagens eram, respectivamente, 20% e 4.3%.

O crescimento do número de pessoas idosas no Concelho deu origem a um aumento do número de pensionista. Em 2006, a Segurança Social registava um número para Matosinhos de 40 585 pensionistas (28 524 em 1991), dos quais 4 748 eram pensionistas por invalidez; 10 345 recebiam pensão de sobrevivência; 25 492 eram pensionistas por velhice. À partida, os valores mais baixos das pensões irão situar-se entre os pensionistas por invalidez e de sobrevivência que correspondem a 37% do total de pensionistas.

A generalização e democratização do acesso ao sistema de ensino, que se veio a verificar no País após o 25 de Abril, não se reflecte, ainda, na população idosa que é caracterizada por baixos níveis de instrução. No Concelho de Matosinhos tal torna-se bem visível, nomeadamente nas mulheres.

Em 2001, do total de população feminina com mais de 65 anos, 53.4% não tinha qualquer nível de ensino, o que significa que saíram da escola sem terem concluído, sequer, o 1º ano do ensino básico (à época, a 4ª classe); por outro lado, apenas 1.5% atingiu (e concluiu) o ensino superior. Quanto aos homens, as percentagens respectivas são: 23.9% e 3.5%. Mais de metade dos homens (51.5%) concluiu o ensino primário.

A evolução verificada entre, 1991 e 2001, não deixa, contudo, de ser positiva revelando um acréscimo da taxa de escolarização15 das pessoas idosas do Concelho, que passa de 47.1% para 58.6%, o que revela uma tendência para “os novos idosos” serem progressivamente mais escolarizados.

6976

9317

2992

5052

115 1510

2000

4000

6000

8000

10000

20011991

1 pessoa 2 pessoas 3 ou + pessoas

Fonte: INE: Recenseamento Geral da População e da Habitação, 1991 e 2001.

15 Por população escolarizada entende-se todas/os aquelas/es que completaram um qualquer grau de ensino.

34 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIII- AS PESSOAS IDOSAS NO CONCELHO DE MATOSINHOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-DEMOGRÁFICA

População com 65 e mais anos, residente em Matosinhos,segundo o nível de instrução e por sexo, 2001 (%)

O tipo de participação no mercado de trabalho, vai influenciar fortemente as condições de acesso ao direito a uma prestação substitutiva dos rendimentos. Os números do desemprego registado no Centro de Emprego de Matosinhos, por parte de pessoas com mais de 55 anos, revelam que, por um lado, a idade se deve constituir como factor de discriminação e que, por outro, as saídas precoces do mercado de trabalho podem continuar a significar prejuízos nas carreiras contributivas e, com a passagem à reforma, pensões mais baixas e mais dificuldades financeiras na velhice.

No final do ano de 2007, registou-se a inscrição de 1685 pessoas com 55 e mais anos, no Centro de Emprego de Matosinhos, o que correspondia a 23.3% do total de pessoas inscritas. Os homens estavam, aqui, em maior percentagem (56.3%). Destas pessoas, apenas 17 voltaram a ser colocadas no mercado de trabalho, o que significa 2.8% do total de pessoas colocadas e 1% das pessoas com 55 e mais anos inscritas no Centro de Emprego.

S/ nível ensino 1º ciclo 2º ciclo 3º ciclo Secundário Ens. Médio Ens. Superior0

10

20

30

40

50

60

HomensMulheres

53,4

23,9

33,3

51,5

3,9 5,9 4,27,8

2,25,5

1,3 1,7 1,5 3,5

Fonte: INE: Recenseamento Geral da População e da Habitação, 2001.

35ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

IV. Instrumentos e Metodologia de Estudo O estudo “Envelhecer em Matosinhos: Panorama Actual e Cenários de Futuro” baseia-se, essencialmente, na informação recolhida através de um inquérito por questionário, cuja aplicação decorreu entre Janeiro de 2008 e meados de Fevereiro do mesmo ano. O estudo centrou-se no Concelho de Matosinhos e abrangeu uma amostra global de 400 pessoas, divididas em dois universos distintos, cada um composto por 200 pessoas: um primeiro constituído por pessoas que têm algum tipo de apoio institucional – Centro de Convívio, Centro de Dia, Lar e Serviço de Apoio Domiciliário; o segundo, composto por pessoas que vivem no seu quadro social habitual sem qualquer tipo de apoio institucional.

Para a construção da amostra foram utilizados diferentes procedimentos tendo em conta os universos considerados. No que diz respeito à população com apoio institucional, procedeu-se à elaboração de uma listagem de todas as entidades do Concelho, e respectivas respostas sociais dirigidas a pessoas idosas, identificando o número total de utentes em cada uma16. Através desta informação, calculou-se o número de pessoas a inquirir em cada uma das instituições, e para cada resposta social, respeitando-se a sua proporcionalidade e garantindo-se, assim, a representatividade da amostra. O gráfico seguinte dá conta dos desvios existentes entre a amostra prevista e a amostra final, os quais são mínimos, tal como se pode verificar.

Pessoas com apoio institucional – amostra prevista e a amostra final

C. Convívio C. Dia Lar SAD Total

83

37 32 32

81

3748 47

200 197

0

50

100

150

200

Amostra inicial

Amostra final

16 O número total de utentes, por resposta social, que serviu de base à definição da presente amostra, foi obtido junto das diversas instituições que prestam apoio à população idosa no Concelho de Matosinhos. O número total de utentes na altura da construção da amostra era de 2697 utentes.

36 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

Assim, foram inquiridas nos Centros de Convívio 81 pessoas das 83 inicialmente previstas. No Centro de Dia e no Lar foi inquirida a totalidade das pessoas, 37 e 32, respectivamente. Finalmente, no Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) foi inquirida menos uma pessoa do que previsto, 47 de 48 pessoas. De um total previsto de 200 inquéritos foram realizados 197.

Os inquéritos foram feitos nas instituições tendo-se, para tal, contado com a prestimosa colaboração, quer das suas Direcções, quer das técnicas responsáveis, para identificar as pessoas a inquirir, na medida em que nem todos os utentes reuniam condições, quer psicológicas, quer físicas ou funcionais, nomeadamente nas valências Lar e Apoio Domiciliário, para responder às questões pretendidas.

Relativamente à população sem apoio institucional, privilegiou-se um processo de amostragem estratificada, em função de quatro variáveis: idade (igual ou superior a 50 anos), sexo, nível de ensino e freguesia de residência, tendo-se como base os números do Recenseamento Geral da População de 2001. Deste modo, definiu-se uma amostra com uma dimensão igual a 205 pessoas.

Pessoas com 50 e mais anos sem apoio institucional – amostra previstae a amostra final, segundo as freguesias de residência (n.º)

No total, foram aplicados 203 inquéritos, menos dois do que previsto, havendo, também aqui, desvios mínimos em relação ao número de pessoas a inquirir em cada uma das freguesias, estando, pois, garantida a sua representatividade.

Resultado da vontade de um conjunto de actores locais, expressa na constituição do Núcleo de Estudos sobre o Envelhecimento (NESE), estrutura da Rede Social de Matosinhos, o estudo, conduzido por uma equipa do CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social –, contou com a participação activa do NESE, na construção do questionário, na facilitação do processo de inquirição, na discussão dos primeiros resultados, bem como a recolha de relatos de histórias de pessoas individualmente consideradas que, no final, ilustram e humanizam este trabalho.

Quem foram, então, as pessoas entrevistadas?

À semelhança do que se verifica para a população residente, também a população inquirida reflecte a já identificada feminização do envelhecimento.

0

10

20

30

40

Amostra inicial

Amostra �nal

Custóias

19 18

1311

18 17

24

3734

14 1410 10

323129 30

23

1113

Guifões Lavra L. Balio L. Palmeira Matosinhos Pera�ta Sta. CruzBispo

S. M. Infesta Sra. Hora

37ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

População residente no Concelho de Matosinhos com 50 ou mais anos (2001) e população inquirida com e sem apoio institucional, segundo o sexo (%)

Como se pode verificar, a percentagem de homens (44.8%) e de mulheres (55.2%) inquiridas sem apoio institucional é muito semelhante à percentagem que ambos os sexos atinge no total da população residente. A proporção de mulheres no grupo de pessoas com apoio institucional é, contudo, bastante mais acentuada o que, porém, está também de acordo com os dados disponíveis. Com efeito, segundo a caracterização dos/as utentes das instituições do Concelho de Matosinhos, feita no âmbito do estudo sobre as instituições sociais (2007), aproximadamente 62% dos/as utentes são mulheres e 38% são homens, situação que, uma vez mais, se garante na amostra.

Seguindo a distribuição da população residente pelas diferentes freguesias, aquelas com maior número de pessoas entrevistadas foram Matosinhos, Senhora da Hora e São Mamede Infesta. Contrariamente, as freguesias Santa Cruz do Bispo e Lavra foram aquelas onde se inquiriu um menor número de pessoas.

População residente no Concelho de Matosinhos,com 50 ou mais anos (2001) e população inquirida, por Freguesia (%)

54,8

45,2

55,2

44,8

69,5

30,5

0

20

40

60

80

Masculino

Feminino

Populaçãoresidente

Pop. inquiridasem apoioinstitucional

Pop. inquiridacom apoioinstitucional

0

5

10

15

20

População inquirida

População residente

Custóias

10,8 9,9

64,7

9,3 9,810,7

17,118,3

7,4 7,3

3,7 3,6

15,114,915,9

13,8

10,3

5,65,8

Guifões Lavra L. Balio L. Palmeira Matosinhos Pera�ta Sta. CruzBispo

S. M. Infesta Sra. Hora

38 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

A maior percentagem (34%) da população entrevistada habita na sua freguesia há, pelo menos, 55 anos e, 60% reside aí há mais de 39 anos o que é, por certo, factor revelador de um forte enraizamento, de um acentuado sentimento de pertença face ao local de residência. Com efeito, os principais motivos evocados pelas pessoas para justificarem a sua permanência na freguesia de residência apontam para o facto da sua vida, e a da sua família, se terem desenvolvido e criado naquele local: “cresci aqui”, “vim para aqui quando casei”.

São as freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira aquelas que têm uma população com maior tempo de permanência. Contrariamente, as freguesias de Lavra e Leça do Balio têm a população, cujo tempo de residência é o mais curto. As pessoas que estão na freguesia há menos tempo (menos de 10 anos), deslocaram-se a esta freguesia por questões de alojamento (39%) ou para ingressar no Lar (24.4%).

Tempo de permanência na freguesia de residência da população inquirida

Na população considerada para o estudo, observa-se uma percentagem elevada de pessoas muito idosas (75 ou mais anos), assumindo 40% do total. Aqui há uma diferença considerável entre o grupo de pessoas com e sem apoio institucional. Como seria de esperar, é no grupo de pessoas que beneficiam de alguma reposta social que é mais elevada a percentagem de pessoas com 75 e mais anos (61%) e, entre estas as mulheres.

Entre a população inquirida sem apoio institucional as percentagens dos diferentes grupos etários considerados aproximam-se muito, tal como se pode verificar no gráfico seguinte.

10,5%34,2%

17,6%

12,5%

26,0%

55 + anos

40-54 anos

10-24 anos

<10 anos

25-39 anos

39ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

População residente no Concelho de Matosinhos, com 50 ou mais anos (2001) e população inquirida, segundo o grupo etário (%)

O estado civil mais comum entre os elementos entrevistados é o de casado (56.2%); segue-se a condição de viuvez, representado em cerca de 36% da população. Ao analisar-se a composição do agregado familiar, não se pode deixar de referir que mais de metade das pessoas viúvas vivem sozinhas e que perto de 70% (67.2%) tem idade igual ou superior a 75 anos.

Quanto ao nível de escolaridade, estamos, claramente, perante uma população pouco qualificada, cenário que se assemelha à realidade da população com 50 e mais anos residente no Concelho, e da própria população portuguesa, em geral, na medida em que o baixo nível de escolaridade continua a ser uma das suas características estruturais.

Na amostra considerada, 45% das pessoas têm, no máximo, o 1º ciclo de escolaridade e 33.8% não tem qualquer grau de ensino formal. Se se considerar as variáveis idade e sexo, constata-se, mais uma vez, que estas são, sobretudo, pessoas muito idosas e do sexo feminino (73.6%).

População residente no Concelho de Matosinhos, com 50 ou mais anos (2001) e população inquirida, segundo o nível de escolaridade

Pop. residente Pop. inquirida sem apoio institucional

Pop. inquirida com apoio institucional

Pop. total inquirida

58,6

25,7

15,8

53,7

27,1

19,2

7,6

31

61,4

31 29

40

0

15

30

45

60

65-74 anos50-64 anos

75+ anos

1º cicloSem nível de ensino formal

3º ciclo2º ciclo

0% 20% 40% 60% 80% 100%

População inquirida

População residente

33,8 45,1 5,5 5,8 4,5 14,3

26,2 46,2 6,5 8,4 5,21,6 5,8

Ens. secundário

Ens. superiorEns. médio

40 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoIV. INSTRUMENTOS E METODOLOGIA DE ESTUDO

Também a este nível a amostra se aproxima bastante das características do universo de partida na medida em que, considerando as pessoas com 50 e mais anos residentes no Concelho, são 46% as que têm o 1º ciclo e 27% as que não alcançaram nenhum nível de ensino.

Quando se tem em conta a actividade profissional da população inquirida, reconhece-se que existe uma relação entre a sua anterior/actual profissão e o nível de escolaridade. Com efeito, quanto mais baixo for o nível de escolaridade, menos qualificada foi ou é a profissão: mais de metade das pessoas que não sabem ler e/ou escrever, enquadram-se na categoria de trabalhadores não qualificados. As pessoas que sabem ler e/ou escrever, embora não tenham um grau de ensino formal, e aquelas que têm, no máximo, o ensino primário (4º ano) estiveram/estão enquadradas, sobretudo, no sector industrial, na categoria de operários, artífices e trabalhadores similares.

Inversamente, as categorias profissionais mais qualificadas são as que detêm menor número de pessoas (apenas 9), representando 5% da população total, cujo grau de habilitações corresponde, no mínimo, ao 12º ano. As profissões intelectuais e científicas são a única categoria, cuja totalidade dos trabalhadores tiveram/têm o ensino superior.

População inquirida nas diferentes categorias profissionais,segundo o nível de escolaridade completo (%)

Aproximadamente 78% das pessoas entrevistadas exerceram uma actividade profissional, maioritariamente, enquanto trabalhadoras por conta de outrem. Destas, 95% têm, actualmente, como principal fonte de rendimento uma pensão ou reforma.

0 20 40 60 80 100

4,5

21,4

25

25 56,3

3,1

18,2

50

21,4

50

12,5

7,4

20

50

50

42,9

4,1

18,4

11

25

22,7

14,3

7,9

26,5

36,8

41,1

20

7,1

6,3

2

6,6

10,4

10

7,1

25

53,1

28,9

25,8

25

4,5

Agricultores/pesca

Operadores instalações/montagem

Trabalhadores não qualificados

Operários, artifíces ou similares

Profissionais nível intermédio

Quadros superiores/dirigentes

Pessoal dos serviços/vendedores

Pessoal administrativo

Profissões intelectuais/científicas

Não sabe ler/escrever

Sabe ler/escrever sem ensino

Ens. primário (4º ano)

Ens. preparatório (6ºano)

Ens. secundário unificado (antigo 5ºano)

11º ano (antigo 7º ano)

Ens. secundário (12º ano)

Curso médio

Curso superior

41ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

V. Viver a Velhice em Matosinhos – Panorama Actual

“Nunca deixei de encarar a minha vida adulta e o envelhecimento como uma espécie de comédia”

(Hermann Hess, “O Elogio da Velhice”)

V.1. As pessoas idosas e condições de risco na velhice

Tal como já foi referido no capítulo inicial, o envelhecimento demográfico é, sem dúvida, uma das expressões da existência de melhores condições de vida e constitui-se como um dos mais importantes desafios das sociedades actuais. Desafio que, como tal, é feito de novas e diversas expectativas e exigências tornadas riscos quando não verificadas. Particularmente em sociedades, como a portuguesa, onde persistem elevadas taxas de pobreza as quais assumem mais intensidade nos grupos etários mais velhos, e onde, nomeadamente, o sistema de protecção social e de saúde, bem como as políticas de habitação, manifestam elementos que funcionam como factores de exclusão social, envelhecer pode transportar consigo um conjunto de dimensões de risco, para as próprias pessoas e para a sociedade que se revela, afinal, pouco preparada para rentabilizar as potencialidades e as oportunidades que este processo significa.

Neste capítulo, onde nos debruçaremos, essencialmente, sobre os riscos associados ao envelhecimento, foram consideradas as pessoas entrevistadas com 65 e mais anos que constituem um conjunto de 272 pessoas.

V.1.1. Do trabalho à reforma A passagem à reforma é uma das etapas mais marcantes no ciclo de vida dos indivíduos e, embora esta não seja mais critério único para a definição do conceito de “ pessoa idosa”, é certo que com a reforma se adquire uma nova posição social e, com ela, um factor de risco para a inserção social.

Ser reformado ou pensionista é, pois, o estatuto de 96.3% das pessoas entrevistadas com 65 e mais anos, associado à sua principal fonte de rendimento.

A grande maioria destas pessoas (93.5%, o que corresponde a 246 indivíduos), pensionistas e reformadas, exerceu anteriormente uma actividade profissional remunerada e há umas poucas que ainda conciliam o exercício de uma profissão com a reforma.

42 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Pessoas entrevistadas com 65 ou mais anos,segundo o exercício de actividade remunerada (n.º)

Todas as pessoas que nunca exerceram uma actividade remunerada são mulheres. São sobretudo mulheres com idades acima dos 75 anos e com baixa escolaridade que, em 55.6% dos casos não vai além da antiga 4ª classe. São mulheres de uma geração em que a participação feminina no mercado era muito inferior à actual, cabendo quase exclusivamente aos homens a garantia do sustento da casa e às mulheres a execução das lides domésticas e dos cuidados das crianças e pessoas dependentes. Não será, por isso, de estranhar que, para muitas mulheres mais velhas, o trabalho doméstico seja o único que alguma vez tenham tido, tendo sido esse o seu contributo para a economia familiar traduzido em esforço, tempo e capacidade de organização. Enquanto trabalho não pago, o trabalho doméstico tem sido minimizado e menosprezado ignorando-se, assim, o seu próprio valor económico e reflectindo-se, certamente, no valor do montante das pensões que estas mulheres recebem.

Olhando as pessoas entrevistadas com um passado profissional17 deparamo-nos, por um lado, com uma desqualificação generalizada, o que certamente se irá reflectir nos montantes das pensões, e, por outro, com algumas diferenças entre mulheres e homens. Alguns dos relatos de vida ajudam a comprovar esta ideia.

Note-se que são inexpressivas as percentagens de homens e de mulheres cuja actividade profissional exercida se inclui nas categorias profissionais mais qualificadas (quadros superiores da administração pública; dirigentes e quadros superiores de empresas; especialistas de profissões intelectuais e científica); salientando-se a presença de operários/as e artificies, dos operários/as de instalação e máquinas de montagem, bem como a categoria de trabalhadores/as não qualificados/as.

246

6 18

0

50

100

150

200

250

300

ExerceJá exerceu

Nunca exerceu

17 Fala-se no passado embora se incluam, aqui, as 6 pessoas que ainda exercem uma actividade profissional.

43ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Pessoas entrevistadas com 65 ou mais anos,segundo a actividade profissional anterior (%)

Fazendo uma análise por sexo, pode verificar-se que as mulheres se concentram em duas grandes categorias profissionais que reforçam a ideia da sua maior desqualificação profissional: elas foram, sobretudo, operárias (36.1%) e trabalhadoras não qualificadas (34.8%), onde a indústria das conservas deve ter tido um forte potencial de absorção.

Quanto aos homens, se é verdade que as categorias mais desqualificadas abrangem, também aqui, mais de metade (mais concretamente 60%) da população, é certo que entre eles se regista a presença de outra categoria de operários (operários de instalações e máquinas de montagem), a fazer lembrar presença, em Matosinhos, das chamadas indústrias pesadas que em muito contribuíram para um mercado de trabalho segregado, na medida em que se destinavam maioritariamente a uma população do sexo masculino. Por outro lado, se considerarmos, em conjunto, as duas categorias mais qualificadas (dirigentes e quadros superiores; especialistas de profissões intelectuais e científicas) elas atingem os 3.4% e os técnicos profissionais de nível intermédio e o pessoal administrativo abrangem, respectivamente, 9.1% e 8% da população masculina.

A grande maioria destas pessoas (84.6%) trabalhava por conta de outrem e apenas 10.1% foram trabalhadores por conta própria, sem outras pessoas ao serviço; 4% exerceram uma actividade enquanto patrões.

A assumpção da condição de pessoa reformada não constituiu, para alguns (34.4%, ou seja, 88 pessoas), uma passagem imediata entre o exercício de uma actividade profissional e a reforma aos 65 anos. Estes indivíduos passaram, assim, por “estatutos intermédios”: desempregado (33.3%); alguém com baixa médica (18.5%); ou ainda de doméstica (45.7%), o que é uma evidência de como hoje se é velho mais cedo para o mercado de trabalho e, por outro lado, de como as mulheres estão menos protegidas e enquadradas no sistema de protecção social e assumem, também mais facilmente, a condição de doméstica que, pelas suas responsabilidades familiares permanentes, provavelmente nunca perderam.

Mulheres Homens

0,6 0,6

5,2

12,9

5,2

36,1

4,5

34,8

1,1 2,3

8 9,112,5

6,8

31,8

14,813,6

0

10

20

30

40

Pessoal dos serviços/vendedores

Pessoal administrativo

Espec. Pro�ssões intelectuais/científicas

Directores e quadros superiores

Operários. artifices Trab. da agricultura/pesca

Técnicos/profissionais de nível intermédio

Oper. de instalação e máquinas de montagem

Trab. não qualificados

44 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Passando, ou não, directamente para a reforma, só 34.7% das pessoas o fizeram com 65 ou mais anos; 41.9% reformou-se entre os 55 e os 64 anos; 23.5% antes dos 55 anos, sendo que desses 8.6% não tinha mais que 45 anos.

Atentando a uma análise de género, podemos referir que, do total de pessoas que passou à reforma antes dos 55 anos, 86.5% são mulheres e fizeram-no essencialmente por motivos de saúde.

Independentemente da idade, as condições de saúde surgem no topo da lista dos motivos que conduziram à reforma (46.9%), logo seguida da idade (40.7%), o que significa que, provavelmente, mesmo com 65 e mais anos, algumas pessoas continuariam a trabalhar se a saúde o tivesse permitido. Os casos de reforma associada a motivos de saúde são muito superiores nas mulheres (56.9% por comparação com os 29.5% entre os homens).

Motivos relacionados com decisões empresariais representam um total de 5.8%, desta feita com uma maior percentagem para os homens do que para as mulheres.

A forma como a saúde determinou o caminho para a reforma, entre este grupo, é pretexto para se recordar como condições de trabalho e condições de saúde se encontram associadas e como estes dois factores têm, por sua vez, implicações na própria satisfação que as pessoas retiram da sua actividade profissional e de como a ausência da mesma se reflecte, circularmente, no modo como é percepcionado o estado de saúde.

Mas a passagem à reforma é, por excelência, um tempo de mudança. Altera-se a fonte de rendimento e a forma de o obter; altera-se, sobretudo, um ritmo de vida anteriormente marcado pelo trabalho.

Para além disso, a passagem à reforma implica o refazer e a reconstrução dos laços sociais e o repensar-se face à família, aos amigos, à sociedade.

Para as pessoas questionadas, a apreciação feita sobre a adaptação à reforma é, maioritariamente, positiva: para 41.8% das/os respondentes a adaptação foi boa ou bastante boa. Não se deve, contudo, descurar os cerca de 20% para quem essa adaptação foi difícil, complicada e até mesmo muito negativa.

Apreciação da adaptação à reforma nas pessoas com 65 ou mais anos (%)

11,7

30,1

1,3

38,9

18

0

10

20

30

40

50

Bastante boa

Boa Normal/razoável

Difícil/complicada

Bastante má

45ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Apesar desta boa capacidade de adaptação revelada, as alterações resultantes da entrada na reforma são inevitáveis.

De acordo com as opiniões recolhidas, para perto de 50% das pessoas a maior disponibilidade de tempo constituiu-se como a alteração mais significativa da passagem à reforma. No entanto, este não é um aspecto percepcionado necessariamente como algo positivo. Com efeito, mais tempo disponível pode gerar um sentimento de inutilidade onde “não há nada para fazer” e aumentar a desmotivação e a noção de solidão: “passo tanto tempo sozinha”. No entanto, pode também associar-se uma dimensão positiva já que, para algumas pessoas, esta é uma oportunidade “para viver uma nova dimensão da vida, com maior disponibilidade de tempo”, tal como referiram algumas das pessoas entrevistadas.

São as mulheres que fazem uma apreciação mais positiva desta nova disponibilidade já que no seu “orçamento de tempo” sempre houve lugar (apertado) para as tarefas domésticas e para a família, lugar que se alarga, certamente, com a saída do mercado de trabalho.

O segundo maior impacto situou-se ao nível dos rendimentos (12.1%), ou seja, a uma maior restrição financeira dado os valores das reformas. Embora haja a noção de que “agora se está melhor do que há alguns anos atrás”, pois “ não há tanta pobreza”, a passagem à reforma, e a velhice, continuam a estar associadas a “pouca qualidade de vida, devido à perda do poder de compra” e a grandes dificuldades para “viver com dignidade”.

Finalmente, e para 10%, a passagem à reforma provocou, ou está associada, a uma maior debilidade física, seja porque já existiam problemas de saúde que impeliram as pessoas para a reforma, como anteriormente se referiu, seja porque essa maior debilidade poderá estar, também, associada a uma diminuição da actividade física e a uma depreciação da própria imagem pessoal.

V.1.2. Stress financeiro

É conhecida, e já foi referida em capítulo anterior, a vulnerabilidade das pessoas idosas, em Portugal, a situações de pobreza. Entre esta população muitos pensionistas com curtas carreiras contributivas ou, em particular, mulheres, com uma quase ausência de descontos para a Segurança Social, são atirados para pensões de valores mínimos. Neste sentido, não é de estranhar que, em 2004, em Portugal, mais de metade (51%) dos reformados fossem pobres (cfr. Bruto da Costa, et. al, 2008).

No presente estudo, embora não tenhamos informação directa sobre o valor dos rendimentos dos agregados familiares, nem dos próprios entrevistados, sabemos que, para 70% existem dificuldades em que o dinheiro chegue até ao fim do mês e, para alguns (7.4%), isso é algo que raramente ou nunca acontece. Apesar de tudo, a situação das pessoas idosas no Concelho parece ser mais favorável do que a da população idosa em Portugal, já que no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR - 2004) para 51.2% das pessoas reformadas são muitas as dificuldades de gestão do seu orçamento mensal.18

18 Informação disponibilizada no relatório de progresso “Pobreza e exclusão social em Portugal” – CESIS.

46 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Existência de dificuldades em que o dinheiro chegue até ao fim do mêsnas pessoas com 65 e mais anos, segundo o sexo (%)

Quando questionadas sobre os seus principais gastos mensais, 80.9% das pessoas inquiridas não hesita em referir a medicação. Para além desta despesa que surge no topo da lista, 67.3% refere a alimentação e 62.1% aponta as despesas com a habitação.

A identificação destes três tipos de despesas, como sendo aquelas para as quais é canalizada a maior parte dos rendimentos disponíveis, está de acordo com os dados a nível nacional recolhidos pelo Inquérito aos Orçamentos Familiares 2005/2006, que revela ainda que os agregados com idosos têm despesas menos diversificadas e, como tal, menos gastos por exemplo, em transportes e lazer.

Não obstante as dificuldades de gestão do orçamento, 72.2% das pessoas afirmam nunca recorrer financeiramente a terceiros para solicitar ajuda face às despesas, nomeadamente, com a medicação, enquanto despesa mais significativa. Apenas 15,9% referem pedir às vezes ajuda económica para a aquisição de medicamentos; quem o faz sempre representa 3%.

Considerando mulheres e homens, são as primeiras que, em maior percentagem, solicitam apoio, provavelmente por serem elas também que se encontram, objectivamente, em piores condições financeiras, ou porque são igualmente as mulheres que mais facilmente identificam a necessidade de ajuda e partem à sua procura. Para a grande maioria a ajuda é solicitada a filhos e filhas (82.8%).

Sim, s/dificuldades

29,9 29,6 30,4

52,4 52 53,3

10,310,1 10,94,8 4,5 5,4

2,6 3,9

Sim, mas c/dificuldades

Nem sempre Raramente Nunca0

15

30

45

60

Mulheres

Total

Homens

47ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Necessidade de ajuda económica para despesas com medicação, segundo o sexo (%)

Ao pedido de autoavaliação da sua situação económica, a maioria das pessoas entrevistadas classificou-a como remediada (67.8%), podendo esta ser entendida como uma situação que, não sendo confortável, permite suportar os gastos considerados obrigatórios e indispensáveis. Cerca de 19.5% considera-se numa situação financeira boa/muito boa. Na situação inversa estão 12.7% de pessoas que avaliam a sua situação com má/muito má.

Auto-avaliação da situação económica actual (65 ou mais anos)

Olhando para um passado próximo (10 anos atrás) a percepção que 45.6% das pessoas idosas têm da evolução da sua qualidade de vida é a de que piorou. As razões mais evocadas para tal são: o agravamento da situação de saúde (46.3%), referido em particular pelas mulheres; e diminuição da capacidade económica (38.8%), apontada, sobretudo, pelos homens.

19

8,4

9,9

7869,3

2,23,4

9,9

Nunca

Raramente

Às vezes

Sempre

0 10 20 30 40 50 60 70 80

HomensMulheres

19,5

67,8

12,7

0

20

40

60

80

Boa/Muito boa

Remediada Má/muito má

48 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Principais razões da melhoria ou pioria da qualidade de vida face há 10 anos atrás, entre a população com 65 ou mais anos (%)

Entre os 21.3% de pessoas, que se pronunciou por uma melhoria da sua qualidade de vida, de há 10 anos a esta parte, jogaram a favor a própria melhoria das condições económicas (40.7%); a passagem à reforma (18.5%) e razões de ordem familiar (20.4%), onde se inclui a morte do cônjuge, cuja evocação é feita exclusivamente por mulheres, e deve ser entendido no contexto de situações de violência doméstica, das quais dão conta alguns dos relatos de estórias de vida feitos no final do documento: “Ele era muito mau, bateu nos filhos e em mim, ficava zangado quando me via a falar com alguém, não queria que eu falasse com as pessoas…” (Ana).

V.1.3. Saúde e autonomia

Tal como disse uma das pessoas entrevistadas “a saúde é uma preocupação dos idosos”, porque a ausência dela pode significar “não ter forças para levar uma vida normal”.

Embora não se pretenda fazer qualquer tipo de associação directa entre doença e velhice, a verdade é que em termos biológicos o avanço da idade pode ser considerado um factor de risco para o surgimento de problemas de saúde já que as naturais transformações fisiológicas que ocorrem podem estar associadas, em alguns casos, a doenças crónicas. Algumas doenças podem também provocar, em determinados níveis evolutivos, dificuldades acrescidas no desempenho de determinadas tarefas diárias ou, até mesmo, incapacidade total.

Por isso mesmo, não é de admirar que a população idosa seja uma das principais utilizadoras dos serviços de saúde.

No caso concreto das pessoas inquiridas para este estudo, 90.4% toma algum tipo de medicação. Por outro lado, são 31% as pessoas que vão a uma consulta médica pelo menos uma vez por mês.

As consultas médicas estão sobretudo associadas a um • controle de rotina (45%) e a uma vigilância para medicação e realização de exames médicos.

As mulheres são quem mais medicação tomam (93.3% contra 84.9%) e quem mais frequenta •os serviços de saúde para aceder a receitas ou exames médicos.

Situaçãoreforma

Condiçãosaúde

Situaçãoeconómica

Morte docônjuge

Outra razãofamiliar

Outras razões0

10

20

30

40

50

PioriaMelhoria

18,5

13

4

44,840,7 40,8

3,77,2

16,7

2,4

7,5

0,8

49ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Estes dados estão de acordo com o Inquérito Nacional de Saúde de 1998/99 (vd. Quaresma e Gil, 2004), bem como a informação recolhida através da pesquisa empírica que deu origem ao estudo “(Re)inventar solidariedades. O Local como eixo dinamizador do apoio às pessoas idosas. Que inovação possível?” (Perista, et. al, 2000) que atestam uma maior utilização por das mulheres, e em particular das mulheres idosas, dos cuidados de saúde primários, curativos e de reabilitação “emergindo a procura dos cuidadvos de saúde (em geral) como uma prática feminizada” (Quaresma e Gil, 2004).

A informação recolhida através do questionário, revela uma coerência entre a frequência das idas ao médico e a apreciação que cada pessoa faz do seu próprio estado de saúde. Ou seja, para uma autoavaliação negativa do estado de saúde mais frequentes são as idas ao médico.

O Centro de Saúde é a principal resposta (64.3%) para os problemas que surgem entre a população entrevistada. As consultas externas em meio hospitalar recolhem apenas 11% de respostas, o mesmo valor que o recurso ao médico de particular.

A apreciação da qualidade dos serviços de saúde, independentemente do tipo de serviços utilizados, é genericamente positiva: 71% referem os serviços como bons ou muito bons.

Apreciação, por parte das pessoas com 65 e mais anos,da qualidade dos serviços de saúde prestados (%)

Apesar da frequente morosidade no que toca à marcação de consultas no âmbito Serviço Nacional de Saúde, e tendo em conta apenas o Centro de Saúde e o Hospital, cerca de metade das/os respondentes (49.3%) refere ter sido assistido/a em consulta médica sempre que precisou. Uma percentagem considerável (44.3%) refere que, na maioria das vezes, consegue uma consulta na altura em que realmente precisa.

Tomando individualmente cada serviço, o Hospital recolhe a maior percentagem em termos de eficácia nos atendimentos com 60% de pessoas a afirmarem que conseguiram sempre ser assistidos quando precisavam, sendo que o serviço de urgências deve, aqui, funcionar como um elemento positivo nesta apreciação. Essa percentagem desce para 47.4% no que diz respeito ao Centro de Saúde.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Má/muito má

BoaMuito boa

Razoável

22,7 48,3 26,4 2,6

50 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Tendo em conta o último ano, à data da aplicação do presente inquérito, apenas 18.9% das pessoas inquiridas referem ter estado internadas, sendo que 89.6% estiveram em Hospitais públicos. Não causará admiração verificar que a percentagem de pessoas internadas seja directamente proporcional à idade das mesmas, ou seja, à medida em que aumenta a idade aumenta a percentagem de pessoas já internadas.

Em termos de género, as respostas obtidas revelam que, no geral, são os homens que mais internamentos tiveram no último ano (20.7% contra 18% de mulheres), O que é conforme a situação a nível nacional, tendo em conta dados de 200519 (41% contra 34.3% de mulheres).

Estabelecendo uma relação entre os internamentos registados e a apreciação do estado de saúde verificamos que:

Das pessoas que estiveram internadas, no último ano, 54.9% avaliam a sua condição de saúde •como má ou muito má;

47% têm problemas de mobilidade, sendo que 25.5% • não conseguem sair da cama por problemas de saúde.

Na sequência das razões que conduziram ao internamento, perto de 70% precisaram de apoio após a alta hospitalar. Essa necessidade traduziu-se em vigilância médica; cuidados continuados e tratamentos específicos. A família (37.1%) e a equipa da instituição onde esteve internada (34.3%) foram as respostas mais apontadas por estas pessoas.

Prestadores de apoio na sequência de situações de internamento (%)

A depreciação biológica inerente ao processo de envelhecimento conduz, por vezes, a uma naturalização da doença entre as pessoas mais velhas e a falta de saúde leva, mesmo a algumas definições do que é ser idoso ou idosa, quer por parte da sociedade em geral, quer por parte dos próprios. “Ser idoso é muito triste, porque quando se está doente não se consegue fazer nada”; “É uma pessoa com limitações de saúde e com muitos gastos/despesas de medicamentos que tem poucos apoios”.

No contexto do presente estudo procurou-se apurar como avaliam as pessoas o seu estado de saúde e que, eventuais, cuidados preventivos adoptam com vista a melhorar a sua qualidade de vida e a evitar situações de doença.

Desta avaliação ressalta-se, como aspecto positivo, tendo em conta de que se está a falar de uma população com 65 e mais anos, que 23% considera o seu estado de saúde bom ou muito bom e 43.4% como razoável. Com menos 10 p.p. (33.4%) surgem as situações mais difíceis que se referem à saúde como má ou muito má.

Vizinhos/amigos

Familiares

Equipa da instituição

Equipas externas

Posto médico

0 10 20 30 40

2,9

37,1

17,1

9

34,3

19 Os dados são relativos ao Continente, para a população com 65 ou mais anos – Elementos Estatísticos: Saúde 2005.

51ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Apreciação, por parte das pessoas com 65 ou mais anos da sua situação de saúde (%)

Estas apreciações surgem sempre por comparação com o passado ou com situações vividas por outros que estão próximos. No caso concreto das pessoas inquiridas, quem considera que o seu estado de saúde está mal ou muito mal tende a considerar-se pior (53.9%) por comparação a outras pessoas. Pelo contrário, das pessoas que se consideram mais saudáveis (bem ou muito bem), 50.8% acham que o seu estado de saúde é idêntico ao de outras pessoas e 46% considera que está melhor.

Ter cuidados com a saúde é uma forma de, por um lado, prevenir o aparecimento de possíveis problemas e, por outro lado, ajudar na minimização de estados de doença já existentes. A prevenção será tanto mais eficaz quanto mais cedo cada uma/um se aperceber da sua importância e dos benefícios que daí poderão advir. Em relação a esta matéria, as pessoas inquiridas referem, na sua maioria, ter cuidados especiais com a sua saúde (85.3%), o que pode significar uma atitude preventiva ou terapêutica na sequência de diagnósticos médicos que apontam para essas mesmas necessidades. A comparação por género revela um equilíbrio entre homens e mulheres relativamente a esta preocupação.

Os cuidados com a alimentação surgem no topo da lista dos cuidados com a saúde (92.5%), sendo que nas mulheres esta é uma preocupação ainda maior do que para a população no seu conjunto (95%). A consciencialização da importância do exercício físico e de um estilo de vida activo, como estratégia para uma melhor qualidade de vida está também presente. Mas se a prática de exercício físico é um cuidado partilhado, por homens (27.6%) e mulheres (27.8%), a necessidade de manter uma ocupação é sobretudo uma preocupação das mulheres (25.2% contra 17.1% por parte dos homens), donde se pode inferir que nesta “ocupação” estão contidos o suporte à família e a realização de tarefas da esfera doméstica, tornando-se visíveis a manutenção, em idades mais avançadas, dos papéis sociais de género que homens e mulheres assumem ao longo das suas vidas.

Subjacente às questões de saúde está a autonomia dos indivíduos. A autonomia será, por ventura, umas das condições consideradas essenciais para a manutenção de uma melhor qualidade de vida. Se entendermos a autonomia como a capacidade que cada indivíduo dispõe para realizar os actos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas da vida quotidiana, percebemos o receio que causa a sua eventual perda.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Má/muito má

Boa/muito boaRazoável

23,2 43,4 33,4

52 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Cada vez mais as pessoas idosas mantêm a sua autonomia até mais tarde, o que significa uma nova realidade, e uma nova oportunidade, nos processos de envelhecimento. Tal como disse uma das pessoas entrevistadas: “Eu sou uma idosa feliz porque tenho capacidade para muita coisa”.

Uma das condições de autonomia é, sem dúvida, a mobilidade física medida, aqui, na capacidade de se deslocar dentro e fora do domicílio. No estudo, concluiu-se que 77% do total de pessoas inquiridas não têm qualquer limitação a este nível. Já cerca de 14% necessitam de apoio para sair de casa. As situações mais graves correspondem aos 9.3% daquelas que não saem de casa, entre as quais se conta 7% pessoas acamadas.

Analisando esta questão em termos de mulheres e homens, é possível apurar que os homens têm, proporcionalmente, uma maior mobilidade física do que as mulheres. Ou seja, 83.5% dos homens não têm problemas de mobilidade, sendo que essa percentagem nas mulheres fica-se pelos 73.6%, ao que não será alheio o facto de as mulheres apresentarem idades mais avançadas.

Com efeito, quando associamos a variável idade a esta leitura, os resultados vêm, uma vez mais, confirmar outros estudos realizados (vd. Perista, et. al, 2000; vd Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006). Ou seja, tal como seria de esperar, a capacidade de mobilidade revela uma tendência para diminuir com o avanço dos anos: entre os 65 e os 74 anos, 92.9% das pessoas inquiridas não tem limitações de mobilidade; essa percentagem baixa para 69.4% nas idades entre os 75 e os 84 anos e atinge os 52.8% nas pessoas com 85 anos e mais. No Inquérito Nacional de Saúde 1998/99, o grupo dos 75-84 anos surge, mesmo, como o grupo de risco para a “instalação” das situações de grande dificuldade face à mobilidade (vd. Quaresma e Gil, 2004)

Entre as pessoas com mobilidade reduzida, ou mesmo em imobilidade total, encontram-se duas situações: aquelas que são mais recentes e que, à data do processo de inquirição ainda não tinham perfazido um ano (15.5%); e as que já se prolongam no tempo e que duram há pelo menos 1 ano (84.5%), sendo a situação mais frequente, tal como se pode ver no gráfico seguinte, as que permanecem entre um e quatro anos.

Duração das situações de mobilidade reduzida ou de imobilidade total (%)

Do total de pessoas com 65 ou mais anos, cerca de 30% já sentiu necessidade de recorrer a ajudas técnicas20. Destas pessoas, 58% apresentam problemas de mobilidade parcial ou imobilidade total. No seu conjunto, 7 em cada 10 pessoas (71.7%) já necessitaram e solicitaram, pelo menos, um tipo

0% 20% 40% 60% 80% 100%

5-9 anos

10 ou mais anos

< 1 ano

1-4 anos

15,5 55,2 22,4 6,9

20 Deve entender-se por ajudas técnicas todos os tipos de apoio que permitam ou facilitem a mobilidade da pessoa.

53ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

de apoio: canadianas (47.4%); andarilhos/bengalas (28.9%); camas articuladas (28.9%) e cadeiras de rodas convencionais (21.1%). Outros pedidos como cadeiras eléctricas (2.6%) e cadeiras sanitárias (2.6%) foram também solicitadas.

Tipo de ajudas técnicas mais necessitadas pelas pessoas com 65 ou mais anos com mobilidade reduzida ou imobilidade total21 (% cumulativas)

Quanto à obtenção da referida ajuda, convém realçar que o apoio veio, sobretudo, de familiares (31.4%) ou as próprias pessoas adquiriram o material necessário (28.6%). Não nos é, contudo, possível apurar, se o recurso a familiares e a aquisição de material por parte da própria pessoa surgiram como hipóteses imediatas, ou como resultado de uma eventual dificuldade em obtê-lo através de entidades de apoio social.

Entre as entidades que mais ajudas disponibilizaram contam-se as Juntas de Freguesia (11.4%), o Hospital (8.6%) e o Centro de Saúde (5.7%).

Outra forma de olhar a situação de saúde, e a autonomia das pessoas idosas, é através da sua capacidade de execução das tarefas mais básicas da sua vida diária, bem como na concretização de algumas funções fisiológicas.

É ao nível da alimentação que se regista uma maior autonomia, com mais de 90% das pessoas a alimentar-se sem qualquer necessidade de ajuda. Segue-se a capacidade de realizar as funções fisiológicas de micção e defecção (82%), e a possibilidade de subir e descer da cama sem necessitar de qualquer ajuda (80%), sendo esta última percentagem semelhante à dos que afirmaram não necessitar de ajuda para a realização da higiene pessoal. Embora não se possa estabelecer uma relação directa entre estas questões e as enunciadas no Inquérito Nacional de Saúde, verifica-se, para aquelas em que a correspondência é possível, que as percentagens, que no presente questionário dão conta de situações de autonomia, são mais baixas do que as reveladas pelo Inquérito Nacional (1998/99).

28,9

47,4

28,9

21,1

Andarilho/bengala

Cama articulada

Cadeira rodasconvencional

Canadianas0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

21 Nas questões relativas aos pedidos de apoio para ajudas técnicas não foram contabilizadas as pessoas que se encontram em Lar.

54 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Capacidade de concretização de tarefas básicas de vida e de funções fisiológicas,por parte das pessoas com 65 e mais anos (%)

Do total de pessoas entrevistadas, com 65 ou mais anos, 36.3% apresenta dificuldades na concretização de tarefas e funções básicas. Destas, 38.4% sente dificuldade a um nível; 14.1% a dois níveis; 19.2% a três níveis; 13.1% a quatro níveis e, finalmente, 15.2% correspondem a casos cujas limitações se situam ao nível de todas as funções e tarefas, o que poderá significar situações graves ao nível de autonomia.

Assim, colocam-se, pois, entre as pessoas idosas entrevistadas, limitações quantitativa e qualitativamente importantes ao nível da locomoção e da autonomia na vida quotidiana, que se manifestam na necessidade de apoios constantes para a execução das suas rotinas diárias (auxílio a levantar da cama, descer escada, vestir, higiene pessoal…) advindo daí, não só implicações físicas mas certamente um impacto psicológico que chamam a atenção para a importância de um trabalho ao nível dos cuidados de reabilitação e de apoio psicológico que possam minimizar, ao máximo, os danos causados na qualidade de vida destas pessoas.

Procurando caracterizar as pessoas com limitações na autonomia da sua vida quotidiana, verifica-se que estamos perante uma população muito idosa (75 ou mais anos) e do sexo feminino (83.3% mulheres e 16.7% homens), reforçando a ideia de que uma maior longevidade das mulheres transporta consigo o risco da existência de mais problemas de saúde e de uma menor qualidade de vida. No entanto, esta desvantagem, traduzida aqui num défice de saúde, será ainda mais preocupante se tivermos em consideração a retaguarda familiar de mulheres e homens.

Enquanto que a maior parte destas mulheres é viúva (67.5%), no caso dos homens a situação conjugal mais frequente é a de casado (63.6%). Neste quadro, não é de estranhar que aproximadamente 37.9% de mulheres viva sozinha, mais 19 p.p. em relação aos homens. Inversamente, os homens estão enquadrados maioritariamente, em famílias nucleares com (14.3%) ou sem filhos (42.9%), contra 3% e 24.2%, respectivamente no caso das mulheres.

Deslocação**0%

20%

40%

60%

80%

100%

7791,9

79,8 82,2

167,4

11,4

70,7

8,83,3 5,5

14,4 14

80,4

Necessidade parcial de ajuda

Executa normalmente

Necessidade total de ajuda

Alimentação Higiene Micção /Defecção

Transferência*

* Transferência: capacidade de subir ou descer da cama;

** Deslocação no interior e no exterior do domicílio.

55ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Com efeito, quando questionados sobre quem lhes presta apoio ou ajuda, verifica-se no caso das mulheres, e na sequência da elevada percentagem de viúvas, que 59.1% recebe ajuda dos respectivos descendentes, certamente do sexo feminino; o cônjuge presta ajuda em apenas 9.1% dos casos.

Quanto aos homens, o auxilio recebido vem, essencialmente, por parte dos/as filhos/as (47.6%) e do cônjuge (33.3%).

Nos homens é inexistente o apoio institucional e, para as mulheres, ele cifra-se em menos de 10%.

Prestadores de apoio/ajuda em caso de necessidades, segundo o sexo (%)

Assim, uma boa parte dos cuidados prestados às pessoas idosas em situação de dependência (mais ou menos prolongada, mais ou menos grave), é prestada no seio das famílias, e por mulheres também elas idosas, o que continua a manter actual a questão colocada por Alan Walker (1992) “Who cares for the carers? ” o que significa que “uma análise da situação do idoso, nomeadamente em contexto familiar, não pode ser desligada da problemática das pessoas prestadoras de cuidados informais” (Perista, et. al, 2000a) e das suas reais condições (físicas, psicológicas e afectivas) para a concretização de tais cuidados com qualidade para a pessoa que deles necessita.

Esta tem sido, aliás, uma preocupação que alimentou algumas discussões no NESE de Matosinhos, onde algumas instituições são quotidianamente confrontadas com o esgotamento de alguns familiares que procuram manter as pessoas idosas no seu domicílio e que, muitas vezes, são confrontadas, não só com as suas próprias limitações físicas, mas também com um desconhecimento de procedimentos que poderiam ajudar a uma minimização dos esforços, impondo-se, assim, algumas acções de apoio às cuidadoras, sobretudo às que são também elas pessoas idosas.

Mulheres Homens

59,1

9,1 9 7,64,5 6 4,5

47,6

33,3

9,64,8 4,8

0

10

20

30

40

50

60

70

Técnicas/auxiliares

Cônjuge

Filhos

Outros familiares

Outras pessoas

Amigos/vizinhos

Outras situações

56 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

V.1.4. Sociabilidades, família e sentimentos de solidão

A solidão é um sentimento muito associado ao envelhecimento e frequentemente referido pelas pessoas entrevistadas para definirem a sua condição: “Ser idoso é ser alguém que está só. É muito triste”; “Ser idoso é viver na solidão e não ter ninguém que possa ajudar”.

“A velhice é, de facto, uma etapa especialmente intensa de perda de papéis ao longo dos anos, de forma progressiva” (Garcia cit. in Rodrigues, 2008): a reforma acontece; os/as filhos/as saem de casa; a viuvez rompe com anos de vida a dois. Tudo isto dá forma a um sentimento de solidão, independentemente de as pessoas em questão estarem ou não efectivamente sós. No entanto, essa solidão tão presente tem também um lado objectivo que se traduz no facto de serem cada vez mais as pessoas idosas que vivem sozinhas.

Com efeito, o número de pessoas idosas a viverem sós tem vindo a aumentar ao longo dos anos, sendo a percentagem de mulheres, nesta situação, bastante superior à dos homens. Como já se referiu anteriormente, em Portugal, em 2006, do total de mulheres com 65 ou mais anos, 28.8% viviam sozinhas, enquanto essa percentagem era de 9.4% entre os homens (INE, Destaque, 27 de Setembro de 2007).

Os dados obtidos através da amostra deste estudo vem corroborar esta tendência. Apesar de a maior percentagem de pessoas idosas entrevistadas viver em casal, com ou sem filhos (44.4%), a percentagem de pessoas a viverem sós era de 30.3%, valor muito acima do registado para o total de população do Concelho de Matosinhos em 2001, onde esta percentagem era de 16.3%.

Uma vez mais, é entre as mulheres que esta situação assume maior expressão: 39.7% face a 12.9% entre os homens. Este é, certamente, um reflexo do facto de serem as mulheres que tendem a permanecer sozinhas, quer na viuvez, quer após o divórcio, enquanto que no caso dos homens haverá maior propensão para o estabelecimento de novos laços conjugais.

Composição do agregado familiar das pessoas com 65 e mais anos, segundo o sexo (%)

Quando atentamos às faixas etárias concluímos que, mais de metade das mulheres que vivem sozinhas têm idades acima dos 75 anos (67.8%), ao que está associado uma maior longevidade das

Sozinho/a

30,4

12,9

39,7

8,3

16,5

3,8

36,1

54,1

26,3

6,63,5

8,3

18,613

21,8

Com cônjuge e filhos/as

Com cônjuge s/ filhos/as

Com filhos/as Outra situação0

10

20

30

40

50

60

Homens

Total

Mulheres

57ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

mulheres por relação aos homens. Poderemos, pois, dizer que, em Matosinhos, tal como no País, em geral, viver só é, sobretudo, uma realidade de mulheres muito idosas.

Tendo em conta que a vivência quotidiana das famílias actuais é marcada pela separação de gerações em termos habitacionais, por uma forte presença de homens e mulheres no mercado de trabalho e pelas distâncias casa-trabalho-casa, esta é uma realidade que impedirá, ou dificultará, uma presença mais efectiva de filhos e filhas junto dos seus idosos.

A perda da qualidade de saúde, a mobilidade que vai diminuindo com o passar dos anos, são, entre outros factores, favoráveis ao surgimento de sentimentos de isolamento e solidão. Mesmo que seja mantida uma convivência, mais ou menos regular, com vizinhos ou amigos, a verdade é que o sentimento de solidão acaba por atingir muitas pessoas, naquilo que podemos designar de “solidão acompanhada”: rodeadas de pessoas mas profundamente sós.

Tal como disse uma idosa num dos grupos de discussão que antecedeu à publicação do estudo “no Lar tenho 200 pessoas à minha volta e sinto-me só”

As pessoas auscultadas neste estudo pronunciaram-se sobre esta questão e foi possível verificar que a solidão afecta, de facto, uma parte considerável das mesmas. O gráfico à frente representado dá conta de que 68% das pessoas idosas se sentem só, sendo que 18.8% assume que este sentimento é vivido muitas vezes.

Este sentimento é vivenciado de forma mais intensa pelo sexo feminino (55.1% face a 34.9% dos homens).

Existência de sentimento de solidão por parte das pessoas com 65 e mais anos (%)

Considerando para a análise a composição do agregado familiar, verifica-se que são, sobretudo, as mulheres que vivem sozinhas que expressam maior sentimento de solidão: 45.2% afirma sentir-se só muitas vezes, mais 28.5 p.p. do que os homens. Tal situação poderá estar relacionada com o facto de os homens mais facilmente tecerem relações de convívio fora de casa, enquanto que as mulheres, pelo menos as desta idade, terem confinado as suas relações ao espaço doméstico e à família, até porque a “rua é para os homens”.

Total Homens Mulheres0

10

20

30

40

50

18,4

29,5

7

20,1

32

46,5

24,7

30,4

20,924,1

27,9

18,6

Nunca

Algumas vezesRaramente

Muitas vezes

58 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Tanto os homens como as mulheres que vivem sós são, na sua grande maioria, pessoas viúvas o que, tal como se referiu anteriormente, constitui um factor importante na génese de tais sentimentos de solidão. Como afirmou um idoso “em casais com 50 anos de vida em comum, a viuvez é um corte tremendo”.

Estes estados de solidão poderão, eventualmente, ser colmatados através de contactos regulares com familiares ou pessoas amigas.

Das pessoas que vivem sós, 69.9% refere que convive semanalmente com a família, e 32.9% fazem-no mesmo duas ou mais vezes por semana. Existem, contudo, 13.7% pessoas idosas cujos contactos com a família não chegam sequer a ser mensais.

Para as restantes pessoas, ou seja, para quem não vive só, mantém-se a mesma tendência relativamente à frequência de convívio com familiares. Isto é, a maioria (73.6%) convive semanalmente com a família, sendo que em 43.7% dos casos esse contacto é feito duas ou mais vezes por semana.

Quanto aos contactos com vizinhos e pessoas amigas, estes parecem ser mais regulares, por comparação ao que acontece com a família. Nomeadamente para as pessoas que vivem sós, 64.4% têm um convívio frequente com vizinhos e pessoas amigas (duas ou mais vezes por semana).

Ao estabelecermos uma relação entre o sentimento de solidão e os contactos mantidos, quer com a família, quer com vizinhos e pessoas amigas, verificamos que esse sentimento tende, de facto, a ser menor quando os contactos são mais regulares. Dos que nunca se sentem sós, 74.1% mantêm um contacto semanal com a família, sendo que 46.8% o fazem duas ou mais vezes por semana. Para aquelas pessoas que se sentem muitas vezes sós essas percentagens baixam para 57.7% e 24.4%, respectivamente. Os contactos com os vizinhos reflectem a mesma tendência, ou seja, maior contacto, menor sentimento de solidão.

Isto significará que, mais importante do que a coabitação familiar, surge a manutenção de laços afectivos, de redes de apoio e de solidariedade, quer com a família, quer com outras pessoas.

Conscientes disso e, ainda que se possam sentir sós, a privacidade e autonomia na gestão da sua própria vida parecem ser valores a preservar para estas pessoas. Assim, para a maioria das pessoas idosas inquiridas (67.1%) a situação ideal será a de manter um contacto regular com as suas famílias, como aliás acontece na maioria dos casos, permanecendo nas suas próprias casas, valorizando-se, assim, aquilo que algumas autoras designam como “intimidade à distância” (cfr. Quaresma e Gil, 2004)

Entre as cerca de 20% que prefeririam (ou preferem) coabitar com familiares, há um predomínio de mulheres, sobretudo com idades entre os 75-84 anos e viúvas (65%). A análise da composição do agregado familiar permite verificar que as pessoas que enunciam como situação ideal em termos de contacto com a família seria viver com a família na mesma casa, 26.1% vive só, sendo que as restantes estão na situação desejada. Destas, 6 em cada 10 confessam sentir-se sós muitas vezes. Debilidades face à autonomia (33.3% têm algum tipo de limitação física ou funcional) e um descontentamento face ao seu estado de saúde, percepcionado como mau em 41.7% dos casos. A toma regular de medicação (91.7%) e o facto de esta ser o principal gasto mensal (66.7%) podem contribuir para esta percepção negativa.

Tais percepções não reflectem, contudo, uma avaliação negativa do relacionamento mantido com a família. Pelo contrário, mais de metade das pessoas avalia a relação com a família como boa ou muito boa.

Inversamente, as pessoas que preferem viver com a família, e estão de facto nessa situação (20.6%), distanciam-se das restantes pelo facto de contrariarem a tendência de solidão, entre estas, mais de metade – 64.7% – nunca, ou raramente, se sentem sós.

59ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Apesar das limitações reais, e das imagens que se têm vindo a construir em torno das relações famílias - pessoas idosas, a verdade é que continuam a ser as famílias o principal recurso das pessoas idosas, em caso de necessidade, tal como aliás se verificou no capítulo anterior.

Quem vive só recorre, sobretudo, aos descendentes (61.6%), enquanto que as pessoas que vivem maritalmente, para além do recurso a filhos ou filhas (49.4%), recorrem também ao cônjuge (34.5%) quando precisam de auxílio, sabendo-se, porém, que esta é, essencialmente, uma figura feminina e que a direcção dos cuidados é, sobretudo da mulher para com o seu marido.

O maior, ou menor, recurso às famílias, em caso de necessidade, poderá ter subjacente o tipo de relacionamento existente entre estas e as pessoas idosas.

No caso das 272 pessoas idosas entrevistadas, a avaliação que fazem da relação que têm com a sua família é maioritariamente positiva: 51.9% refere ter uma boa relação familiar; 32.6% refere que essa relação é muito boa. Apesar das perspectivas maioritariamente positivas, 4.1% pronunciaram-se por relações más ou muito más.

Avaliação da relação familiar por parte das pessoas com 65 e mais anos (%)

Das pessoas idosas que referem ter um relacionamento mau ou muito mau, 40% refere a falta de preocupação de que são alvo por parte dos seus familiares; 20% acusam a existência de conflitos e as restantes apontam (em iguais percentagens) o reduzido número de visitas; o facto de os familiares se aproximarem apenas para “pedir dinheiro”. Metade destas pessoas tem idades situadas no escalão etário mais baixo (65-74 anos), são pessoas muito pouco escolarizadas – 90% têm, no máximo, o 1º ciclo (4º ano). O sentimento de solidão revela uma percentagem bem mais elevada, nestas pessoas, por comparação a quem refere manter boas ou muito boas relações familiares (90% contra 42.8%).

V.1.5. Condições de habitabilidade22

As condições de habitabilidade da população idosa constituem-se, como se disse inicialmente, como uma dimensão relevante para a compreensão do fenómeno do envelhecimento, na medida em que, tais condições, podem determinar a permanência da pessoa idosa no seu domicílio e a sua qualidade de vida.

32,6

51,9

0,8

11,3

%

3,3

0

10

20

30

40

50

60

Muito boa Boa Razoável Má Muito má

22 As respostas das pessoas a residir em Lar reportam-se à sua última habitação.

60 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

No que se refere, em concreto, às pessoas inquiridas podemos afirmar que, para a grande maioria, estão garantidas boas condições na sua habitação, já que as mesmas são dotadas das infra-estruturas e equipamentos básicos. Por outro lado, verifica-se, ainda, que, e ao contrário do que seria de esperar tendo em conta a tendência para as pessoas mais idosas ocuparem um parque habitacional mais antigo, as percentagens encontradas no questionário que esteve subjacente a este estudo não se afastam das obtidas pelo Inquérito aos Orçamentos Familiares (2005/2006) para a Região Norte.

Equipamentos e infra-estruturas nas habitações das pessoas com 65 e mais anos,por comparação com a população residente na Região Norte (2005/2006) – %

Apesar das percentagens relativas à posse de um conjunto de infra-estruturas e de equipamentos básicos excederem sempre os 90%, à excepção da máquina de lavar roupa, não deixa de ser importante ressaltar os números que evidenciam claramente condições de habitabilidade abaixo dos padrões mínimos de conforto, para a população inquirida, e que, pela sua expressão numérica, poderão facilmente ser resolvidos. Com efeito, os casos mais gravosos parecem ser aqueles em que estão ausentes a água canalizada e os esgotos: estão nesta situação 7 das pessoas que residem actualmente nas suas habitações, respectivamente, o equivalente a 3% do total.

Comparando as pessoas que residem actualmente nas suas casas e aquelas que estão em lar, verifica-se que, neste último grupo, todas as percentagens (à excepção da correspondente à electricidade) que revelam a ausência de equipamentos domésticos e de infra-estruturas são mais elevadas, denotando, pois, piores condições de habitabilidade e conforto.

Inquérito R. Norte

Cozinha 100 -

Luz 99.6 99.7

Frigorífico 99.3 99.1

Televisão 98.2 98.8

Água canalizada 97 97.8

Esgotos 96.3 96.8

Telefone/telemóvel 93.4 63/80.7

Rádio 91.1 92.1

Casa de banho interior 90.8 94.2

Máquina de lavar roupa 88.2 88.2

Fonte: Orçamentos Familiares 2005/2006, Destaque de 31 de Março de 2008.

61ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Ausência de equipamentos e infra-estruturas, segundo o lugar de residência (%)

Baseadas numa observação meramente subjectiva, 72.2% das pessoas entrevistadas avaliam como bom (50%) e o muito bom (22.2%) o estado de conservação das suas habitações. As pessoas que consideram o estado de conservação da sua habitação como mau correspondem a uma percentagem diminuta - 7.5%.

Do total de pessoas que avalia as suas condições habitacionais como razoáveis ou más, mais de metade (56.9%) refere como principal problema as infiltrações e/ou humidade. O segundo problema mais referido pelas/os respondentes diz respeito ao mau estado de chãos e paredes. O fraco isolamento térmico, que resulta em habitações demasiado frias, ou demasiado quentes, é o terceiro problema mais apontado.

São as pessoas mais velhas que fazem uma apreciação mais negativa face ao estado de conservação das suas habitações. A maior percentagem de apreciações negativas vem das pessoas com idades entre os 75 e os 84 anos (35.9%) e com mais de 85 anos (25%).

O mau estado de conservação torna, muitas vezes, difícil a vivência nas habitações pelos mais variados motivos, na maior parte das vezes cumulativos. Do total de pessoas que afirma ter dificuldades em viver, actualmente, nas suas casas, os principais motivos apontados são:

31.6% Habitação degradada/em risco de ruir;•

31.6% Existência de escadas;•

15.8% Casa isolada; •

26.3% Acessos difíceis/dificuldades de mobilidades (transportes, ruas sem pavimento);•

21.1% Habitação muito pequena;•

21.1% Habitação muito húmida.•

Estas dificuldades resultam do facto de, em muitos casos, a população idosa residir em habitações bastante antigas, sem uma manutenção regular, onde o não assumir das responsabilidades na manutenção de condições condignas, por quem de direito, faz perdurar, no tempo,

Reside na habitação Reside em Lar

2,9 0,4 2,98,3

12,910

66,3

52,1

3,29,7

16,116,125,8

72,2

83,9

0

20

40

60

80

100

WC exterior (tem)

WC interior

Máquina de lavar roupaElectricidade

Água canalizada

Esgotos/fossa Máquina de lavar loiça

Aquecimento/lareira

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situações de precariedade habitacional que são motivo acrescido, ainda que não exclusivo, de institucionalização, sobretudo nos casos em que as autonomias diminuem.

Independentemente das condições habitacionais a saída de casa para uma instituição será sempre um processo doloroso, ainda que seja opção (possível) da pessoa idosa. “Há muita resistência dos idosos em irem para um Lar”, afirmou uma dessas pessoas. Com efeito, se pensarmos a casa como um lugar onde se construiu a vida, onde se criaram e alimentaram afectos, facilmente se percebe como as pessoas se confundem com o espaço, se entende esta simbiose presente nas palavras do poeta onde “a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas” (Álvaro de Campos, “Aniversário”).

V.1.6. Actividades quotidianas e apoio às famílias23

O modo como estas pessoas vivem o seu dia-a-dia e as actividades que realizam são indicadores importantes que dão conta da sua maior, ou menor, autonomia e inserção social. Para quem não tem nenhuma actividade profissional, como é o caso de 96.3% das pessoas com mais de 64 anos que foram entrevistadas, a disponibilidade de tempo é considerada um ganho, sobretudo por comparação com uma vida anterior de trabalho fora de casa e, neste sentido, pode ser usada de múltiplas formas.

As actividades que ocupam os quotidianos das pessoas entrevistadas são principalmente: ver televisão e/ou ouvir rádio; a conversa e o convívio com pessoas amigas e vizinhos; a realização de tarefas domésticas, seguidas da realização de actividades manuais. Estas são, pois, actividades que, na sua maioria, se podem realizar em casa e, à excepção do convívio com pessoas amigas ou vizinhas, podem não implicar o estabelecimento de relações com outras pessoas. Os passeios e a ocupação em acções de voluntariado ou actividades dirigidas à comunidade são também referidos, embora com percentagens muito baixas.

Saliente-se que 14.1% das pessoas referem não fazer nada. Estas são, sobretudo, mulheres (64.7%), com idades superiores a 75 anos (82.4%; 20.6% ultrapassam os 85 anos), que em 91.% dos casos apresentam baixos níveis de escolaridade (41% não vão além do ensino primário; 50% não possui qualquer grau de ensino). Por outro lado, apresentam um estado de saúde mau ou muito mau (55.9%).

Como seria de esperar, entre mulheres e homens existem algumas diferenças ao nível das ocupações diárias. Para as mulheres o dia-a-dia é habitualmente passado com trabalhos domésticos (58.3%). Quanto aos homens, o convívio vem em primeiro lugar (48.2%), e a prática de exercício físico, embora numa percentagem muito baixa, está também mais presente nos homens do que nas mulheres (4.7% contra 1.3%).

Reproduzem-se, assim, nas idades mais avançadas, uma cultura em que os papéis sociais de género estão bem demarcados e revela-se que as mulheres, mesmo idosas e reformadas, mantêm no seu “orçamento tempo” um importante lugar para as tarefas associadas à lida doméstica.

Entendidas como pessoas dependentes, como alguém que está a cargo de outros, as pessoas idosas dão, também elas, um contributo importante para as suas famílias. Com efeito, 29% das pessoas idosas entrevistas referem que prestam ajuda à família no seu dia-a-dia. Dos tipos de ajudas mencionadas, as lides domésticas, o apoio nos cuidados às crianças e a ajuda financeira são os que apresentam a maior percentagem de resposta, como se pode ver no gráfico seguinte.

23 No grupo de questões não foram tidas em conta as pessoas inseridas em Lar.

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Ajuda prestada pelas pessoas idosas à família (%)

As ajudas financeiras merecem alguns reparos particulares. De filhos e filhas é esperada a garantia do bem-estar das pessoas idosas, assegurando os seus direitos e respeitando a sua vontade. Em alguns casos, porém, as famílias, como que descurando esses pressupostos, assumem direitos sucessórios antecipados, o que se pode traduzir em situações de alguma usurpação indevida de bens (financeiros e outros) ainda em vida da pessoa idosa. Estes abusos são mais comum em pessoas que já não se encontram em pleno uso das suas faculdades cognitivas e que se encontram em instituições de apoio. Sem se pretender entrar numa linha acusatória da família, até porque ela continua a ser o grande suporte das pessoas idosas, nem fazer uma generalização, também abusiva, dos apoios financeiros enunciados pelas pessoas idosas entrevistadas parece importante equacionar estas questões porque elas se mantêm, de certa forma, ocultas e dissimuladas não deixando de ser um modo de violência para com as pessoas idosas, ainda que algumas possam dar o seu consentimento (constrangido).

A ajuda financeira prestada pelas pessoas entrevistadas é dada, sobretudo, por mulheres (56% face a 44% de homens). No geral, as idades destas pessoas situam-se nos 65-74 anos e a situação financeira é em, 45.8% das respostas, considerada como boa ou muito boa.

Existem, contudo, 12% que consideram má a sua situação económica, podendo, precisamente estes casos denotarem o tal abuso por parte de familiares e, simultaneamente, algum sacrifício por parte das pessoas idosas. O equilíbrio entre quem dá, e quem recebe, nestes casos, denota uma clara pendência para as pessoas idosas, como dando provavelmente mais do aquilo que recebem.

Pessoas entrevistadas (65 ou mais anos),que prestam apoio à família por tipo de agregado familiar

Ajuda nas lides domésticas

Leva/traz ascrianças da escola

Toma contadas crianças

Ajuda financeira

Cuidadossaúde/acomp.

Conf. refeições Faz recados

29,9

10,3

17,2

28,7

5,7 4,6 3,4

0

10

20

30

40

8

28

84

16

36

0

10

20

30

40

Nuclear c/�lhos

Nuclear s/�lhos

Sozinho/a Famíliaalargada

Monoparental

Outra situação

64 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Para quem presta algum tipo de apoio à família a convivência com os familiares é frequente – 72% refere ter um contacto semanal ou diário com os mesmos – até porque aqui se destacam as situações em que as pessoas idosas se enquadram em famílias com mais do que um núcleo familiar (36%), apesar de ainda haver 16% que vivem sós. Note-se, ainda, que 8% correspondem a famílias monoparentais, isto é de pessoas idosas que vivem com filhos ou filhas adultas/os.

Vem, a este propósito, lembrar a estória da Dª Otília que vive só com um filho com problemas de toxicodependência a quem apoia financeiramente: “ele tem os seus vícios, se eu não ajudo alguma coisa ele pode dar num homem ladrão e eu não queria. Está-me a custar um bocado, mas… (…) Agora ele anda doente de um pé e não quer ir à “Caixa”. Os comprimidos que ele toma para dormir são meus.”

V.2. As Pessoas idosas e o apoio institucional

Garantir um conjunto de direitos sociais à população idosa e, nomeadamente, o apoio institucional é uma obrigação do Estado, nomeadamente através do sistema de Segurança Social, que através de acordos com as Instituições Particulares de Segurança Social e as Misericórdias, tem criado e alargado uma rede de equipamentos e serviços da chamada “rede solidária”.

O recurso ao apoio institucional constitui-se como a realidade de muitas pessoas idosas. Na procura de soluções para situações que precisam de apoio, a vontade das pessoas idosas deve ser respeitada, e a manutenção nos seus próprios espaços habitacionais, pelo máximo tempo possível, deve ser tida em consideração, sempre que tal seja possível. Neste estudo, direccionado também às aspirações das pessoas idosas, foram avaliados os serviços prestados por parte daqueles e daquelas que já recorrem ao apoio institucional e procurou-se perceber quais as condições que, no caso das pessoas idosas em Matosinhos, conduzem ao recurso do apoio formal. Esta é a orientação do presente capítulo.

Num estudo recente – “Necessidades Sociais e Institucionais das Respostas Sociais do Concelho de Matosinhos”24 – que abrangeu todas as instituições sociais do Concelho de Matosinhos que prestam apoio nas diferentes áreas, contabilizou-se um total de 2 916 pessoas apoiadas pelas 24 instituições e 61 equipamentos dirigidos às pessoas idosas. Destas, 1 066 frequentavam o Centro de Convívio (36.6%); 495 eram utentes do Centro de Dia (17%); 645 recebiam Apoio Domiciliário (22%); 710 residiam em Lar (24.3%), tal como se pode verificar no gráfico seguinte.

Número de utentes nas diferentes respostas sociaisna área do apoio a pessoas idosas24

1066

495

710645

Convívio Lar SADDia0

200

400

600

800

1000

1200

24 Fonte: CESIS (2007), “Necessidades Sociais e Institucionais das Respostas Sociais do Concelho de Matosinhos”, documento policopiado, C.M.M., CESIS.

65ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Como anteriormente se referiu, foi entrevistado, no presente estudo, um total de 197 pessoas que recebem apoio institucional. Para garantir a representatividade da amostra, a população entrevistada procurou seguir a mesma distribuição da população residente no Concelho com apoio institucional. Na amostra encontram-se, porém, alguns desvios que decorrem, sobretudo, do facto de uma menor representatividade das pessoas em Lares (16.3%) e alguma sobre-representação das pessoas que frequentam Centros de Convívio (41.1%).

Pessoas entrevistadas, por tipo de Resposta Social

De um modo geral, como se verá adiante, as pessoas que procuram o apoio institucional são, sobretudo, do sexo feminino. São pessoas, na sua maioria, viúvas e que vivem sozinhas. Sendo respostas sociais dirigidas às pessoas idosas, a quase totalidade das pessoas têm 65 ou mais anos, embora as pessoas muito idosas (75 ou mais anos) tenham um peso bastante elevado.

O presente capítulo, ao cingir a sua análise na população com apoio institucional, procura, essencialmente, perceber que factores fundamentam a procura desse apoio e como as pessoas avaliam os serviços disponibilizados.

V.2.1. O perfil das pessoas com apoio institucional

No último Recenseamento Geral da População (2001) em instituições como os Lares de idosos viviam proporcionalmente mais mulheres do que homens, o que será um indicador da “feminização” das situações de maior necessidade de apoio, precarização e fragilidade (Quaresma e Gil, 2004)

Também em Matosinhos, e tal como já foi enunciado, se verifica que 68.9% das pessoas entrevistadas, com apoio institucional, são do sexo feminino. Esta predominância das mulheres é visível em todos os equipamentos, com maior incidência nos Lares e nos Centros de Dia, em que 75% e 81%, respectivamente, da população utente é do sexo feminino.

41,1%

23,9%

16,3% 18,9%

Lar

C. ConvívioC. Dia

SAD

66 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Distribuição de utentes entrevistadospelas diferentes respostas sociais, segundo o sexo (%)

Como seria de esperar, e contrariamente ao que se verifica entre a população entrevistada sem apoio institucional, a maior parte das pessoas que utiliza algum tipo de apoio formal é muito idosa: 61% tem 75 ou mais anos; 30.6% situa-se entre os 65 e 74 anos. As pessoas com menos de 65 anos, embora estejam presentes como utentes de todo o tipo de equipamentos e serviços, têm uma expressão residual, mas já ultrapassam os 10% nos Centros de Dia e rondam essa percentagem nos Centros de Convívio.

O Lar e o Serviço de Apoio Domiciliário são as respostas sociais que acolhem maior número de pessoas muito idosas, com 87.5% e 80%, respectivamente, o que faz adivinhar, situações de maior solidão e isolamento, por um lado, e de maior fragilidade face à saúde, e até mesmo de dependência, por outro, nas idades mais avançadas, como aliás ficou demonstrado na análise do capítulo anterior.

Pessoas entrevistadas com apoio institucional,por grupo etário e tipo de resposta social (%)

Lar

10,3

75

24,6

81,1

2518,9

64,6 62,2

37,835,4

C. Dia C. Convívio SAD

Homens

Mulheres

0

20

40

60

80

100

C. Dia C. Convívio Lar SAD

10,821,6

67,6

9,8

53,7

36,6

3,19,4

87,5

6,713,3

80

0

20

40

60

80

100

65-74 anos

50-64 anos

75+ anos

67ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

A condição de viuvez é predominante entre as pessoas com apoio institucional (49%) e, muito particularmente, entre mulheres com idades compreendidas entre 75 e 84 anos (54.2%).

As respostas sociais Lar e Centro de Dia são aquelas que maior número de pessoas viúvas acolhe, 75% e 70%, respectivamente.

Considerando a composição do agregado familiar25, pode acrescentar-se que, do grupo em análise, 31.1% das pessoas vivem sozinhas e 45% vive com o cônjuge.

Situação oposta é verificada ao analisar-se a situação conjugal e a composição do agregado familiar da população sem apoio institucional: mais de metade da população inquirida é casada (65%); 61% integra-se em famílias nucleares com ou sem filhos. As pessoas sem apoio institucional, a viverem sozinhas, totalizam cerca de 16%. Donde se pode depreender que o enquadramento familiar faz diminuir a necessidade de apoio institucional.

Tipologia do agregado familiar, segundo o tipo de população (%)

V.2.2. Situação de saúde

É na população mais envelhecida, e entre quem utiliza algum tipo de apoio institucional, que o agravamento do estado de saúde é sentido de forma mais acentuada.

Ou seja, as pessoas com apoio institucional são aquelas que consideram o seu estado de saúde como mais frágil: 39.3%, face a 14.2% das pessoas que não têm qualquer tipo de apoio institucional. A esta apreciação não é, certamente, indiferente a existência de dificuldades em desempenhar actividades diárias, quer por problemas de saúde (54.5%), quer, de acordo com as opiniões expressas, na sequência da própria idade. Note-se que 62.3% das pessoas das pessoas com apoio institucional que consideram o seu estado de saúde como mau ou muito mau têm 75 ou mais anos.

Curiosamente, entre a população que não beneficia de nenhum apoio institucional, e que considera a sua condição de saúde como má ou muito má (14.2%), apenas 17.2% afirma ter algum tipo de limitação na sua vida diária.

Nuclear c/filhos

Nuclear s/filhos

Sozinho/a Famíliaextensa

Famíliaalargada

Monoparental Outra situação0

10

20

30

40

Sem apoio institucionalCom apoio institucional

8,5

27,4

35,833,8

31,5

15,4

1,8 2

1410,5

7,3 7,5

1,23,5

25 A este respeito foram apenas inquiridas as pessoas com apoio institucional nas valências Centro de Dia, Centro de Convívio e Serviços de Apoio Domiciliário.

68 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Ao nível institucional, no conjunto dos diferentes equipamentos e serviços, são os/as utentes do Serviço de Apoio Domiciliário aqueles/as que têm uma percepção mais negativa da sua saúde (68.9%) seguidos/as dos/as utentes residentes em Lar, embora com um valor bastante inferior (37.5%). Recorde-se que são também estes que apresentam idades mais avançadas.

Por outro lado, o Centro de Convívio, também pelas suas próprias características, é a resposta com maior percentagem de utentes que avaliam de forma positiva a sua condição de saúde.

Percepção da condição de saúde, segundo o tipo de equipamento / serviço (%)

Complementarmente são as/os utentes do Serviço de Apoio Domiciliário que mais referem (75% dos casos) ter algum tipo de limitação física ou funcional, sendo esta, aliás, uma das razões que fundamentam a existência do próprio serviço. Seguidamente surgem os/as utentes do Centro de Dia e do Lar, com 29.7% e 28.1%, respectivamente.

Segundo as pessoas entrevistadas, a compra de medicação é a principal despesa mensal, atingindo, em particular, a população com apoio institucional (57.7%). No caso da população entrevistadas sem apoios formais, a medicação segue atrás da alimentação, ocupando a segunda posição, com 22.5%.

Principais despesas mensais, segundo o tipo de população (%)

Lar C. Dia C. Convívio SAD

21,9

40,6 37,5

13,5

51,4

35,130,5

43,9

25,6

11,1

20

68,9

0

20

40

60

80

RazoávelBoa/muito boa

Má/muito má

0

20

40

60

Alimentação Medicação Pagamento habitaçãoe/ou equipamento

Outra situaçãoDespesas (água/luz/gás)

21,4

57,7

6,612,2

2

43,6

22,5 20,112,3

1,5

Pop. sem apoio Institucional

Pop. com apoio Institucional

69ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

A medicação absorve a maior parte do orçamento das pessoas entrevistadas com apoio institucional, em particular, daquelas que são apoiadas pelo Serviço de Apoio Domiciliário e das que frequentam o Centro de Dia, o que se pode constituir como indicador de alguma fragilidade na saúde dos utentes deste tipo de equipamento, cuja avaliação negativa do seu próprio estado de saúde já se encontrava perto da apresentada pelas/os utentes dos lares, como se pôde constatar anteriormente.

No caso do Lar, embora 53% das pessoas afirmem que é na medicação onde gastam mais dinheiro, é importante referir que é o pagamento da sua estada no equipamento que ocupa o topo das despesas mensais, para 40% das pessoas.

Principais despesas mensais, segundo o tipo de equipamento / serviço (%)

V.2.3. Quotidianos e sentimentos de solidão

Uma primeira análise permite, desde já, ressaltar a existência de interacções frequentes com familiares e amigos ou vizinhos, contrariando, assim, a imagem geral da pessoa idosa, institucionalizada, abandonada.

Apesar de, como se referiu anteriormente, cerca de um terço das pessoas com apoio institucional viverem sozinhas, e 36% viverem apenas com o cônjuge, aproximadamente 70% afirma conviver com familiares (que não aqueles com quem coabitam), pelo menos uma vez por semana. A diferença entre estas, e a população sem apoio institucional, é de menos três pontos percentuais.

No entanto, são as pessoas com apoio institucional que apresentam maior percentagem (17.2% face a 9.4%) de situações em que os contactos com familiares são reduzidos (nunca, ou menos de uma vez por mês), o que por si só pode justificar a necessidade de existência do apoio formal e, de certa forma, ajuda a acentuar uma imagem, algo perversa, de que este tipo de estruturas são “para os que já não têm ninguém…”, muito embora se possa, igualmente, questionar o papel que as instituições têm desempenhado na promoção da interacção das famílias na vida da instituição que acolhe o/a parente idoso/a. Relembre-se que, o estudo sobre as instituições do Concelho de

C. Convívio C. Dia Lar SAD0

20

40

60

80

40,243,9

8,53,7

10,8

73

2,7

13,5

40,6

53,1

6,3 6,7 6,7

73,3

11,1

Pagamento habitação/equipamento

MedicaçãoDespesas (água/luz/gás)

Alimentação

70 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Matosinhos (CESIS, 2007), referia que “a participação das famílias na actividade das respostas sociais nas quais os/as seus/suas idosos/as se encontram integrados/as é diminuta. O Lar é, apesar de tudo, a resposta onde a participação é um pouco mais elevada (36.4% das instituições), situando-se em torno dos 28% relativamente ao Centro de Dia e ao Centro de Convívio”.

O referido estudo acrescenta, ainda, que “mais de 80% das instituições com Centro de Dia e todas as instituições com Lar que afirmam a não participação relacionam-na com a alegada falta de interesse dos familiares (…). No entanto, são as instituições com Centro de Convívio (44.4%) aquelas que reconhecem não haver, da sua parte, uma solicitação à participação dos familiares de utentes”.

Destas pessoas para quem os contactos com a família são muito restritos, 77% frequenta Centros de Convívio ou de Dia e 23% utiliza os serviços de Apoio Domiciliário26.

Apesar de para 70% das pessoas com apoio institucional, o contacto com familiares, amigos ou vizinhos ser, mais ou menos, regular a verdade é que, também 70% afirmaram sentir-se só, sendo que 25% assume que este sentimento de solidão surge muitas vezes. Neste sentido, é compreensível o facto de a procura de companhia ser um dos principais motivos salientados pelas pessoas que frequentam Centros de Convívio ou Centros de Dia, totalizando 80% dos casos: “Aqui sempre nos vamos vendo uns aos outros, conversamos sobre a vida e também nos divertimos”.

Entre a população com apoio institucional torna-se mais explícito que o sentimento de solidão se associa a uma idade avançada, onde se acumulam perdas: a morte de amigos e familiares e com frequência a morte do cônjuge, atirando o homem, mas sobretudo a mulher, para uma condição de viuvez que impõe mais silêncios, mais isolamento e menos partilha - 76.2% são mulheres com mais de 75 anos; 65% são viúvas e vivem sozinhas. Concorre ainda uma mais fragilidade na saúde por comparação a outros tempos.

Jogar às cartas; ver televisão ou ouvir rádio; executar tarefas domésticas; realizar algum tipo de actividades manuais ou simplesmente não fazer nada preenche o quotidiano da população com apoio institucional, pouco se revelando aqui a dinâmica e a riqueza das instituições que prestam apoio.

Como ocupa, habitualmente, o seu dia-a-dia

Com apoio Institucional Sem apoio Institucional

1,8

44,5

25,7

12,26,7

48,2

61,6

7,3

17,1

9,7

32,5

53,7

24,1

3337,4

27,6

20,7

11,47,4

0

20

40

60

Ler

Passear

Trab. domésticos

Act. pro�ssional

Act. manuais

Ver TV/ouvir rádio

Outras actividades

Não fazer nada

Conversar/jogar cartas

Prestar auxílio à família

12,8

26 Saliente-se que , a este respeito, as pessoas residentes em Lar não foram questionadas

71ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

O dia-a-dia da população sem apoio institucional é preenchido de forma mais diversificada, salientando-se a presença significativa da actividade profissional que faz parte do quotidiano de 33% das pessoas. Neste grupo também se dá mais importância à leitura (12.8% face a 6.7%).

A prestação de ajuda à família é também um ponto de distanciamento entre estes dois sub-grupos: 20.7% das pessoas sem apoio institucional (mais 13.4 p.p. do que a população com apoio) afirma ocupar o seu quotidiano a ajudar a família, essencialmente, nas tarefas domésticas (54.1%) e a tomar conta das crianças e/ou levá-las à escola (43.2%). Por outro lado, são menos as pessoas que afirmam não fazer nada no seu dia-a-dia (7.3%, menos 9.7 p.p. do que a população com apoio institucional).

Da população com apoio institucional, que afirma não fazer nada no seu dia-a-dia, 53.6% recebe Apoio Domiciliário. São, tendencialmente, pessoas com 75 ou mais anos (73%) e maioritariamente do sexo feminino; cerca de nove em cada dez pessoas têm limitações ao nível de mobilidade: em 60% dos casos, são pessoas acamadas; 20% corresponde a situações cuja mobilidade se restringe ao quarto e/ou casa.

Apesar disso, o quadro que aqui se relata do quotidiano destas pessoas deve merecer alguma atenção por parte das instituições, seus dirigentes e pessoal técnico, na medida em que revela uma imagem pouco dinâmica da vida destas pessoas que, para além das possíveis questões de saúde e limitações em termos de mobilidade, devem ser valorizadas e consideradas, numa perspectiva de envelhecimento activo que não se deve confinar aos mais autónomos, fomentando cisões entre “velhos activos” e “velhos dependentes”.

V.2.4. A necessidade de apoio institucional

Apesar da avaliação das condições habitacionais ser genericamente positiva - a maioria das pessoas (70.7%) com apoio institucional considera o estado de conservação da sua habitação como bom ou muito bom - há que salientar dois aspectos importantes:

entre as pessoas com apoio institucional são mais aquelas que se referiram ao estado de •conservação da habitação como mau ou muito mau;

é também neste sub-grupo que é, em maior número (19% face a 8%), referido as dificuldades •quotidianas na sequência das condições de habitabilidade ou sua localização.

72 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Tipo de dificuldades na habitação, sentidas pela população com apoio institucional (%)

Tal como se pode verificar no gráfico anterior, as dificuldades sentidas decorrem particularmente do estado de degradação ou ruína da habitação e das dificuldades ao nível das acessibilidades (casas sem elevador e outros acessos difíceis). Note-se, ainda, que 20% refere as dimensões reduzidas da habitação, elemento que condicionará a presença das pessoas idosas junto de outros elementos da família.

São as pessoas a residir em Lar para quem estas dificuldades se manifestam de forma mais acentuada: das pessoas que afirmaram ter uma casa degradada ou em risco de ruir, 36.4% reside actualmente em Lar. O isolamento físico das residências, com as concomitantes dificuldades de comunicação com o meio envolvente, foram os problemas maioritariamente referidos pelas pessoas que estão em Lar (27.8%), juntamente com acessos difíceis que impossibilitavam a sua normal mobilidade (22.2%) ou podiam constituir risco de acidente. A habitação degradada ou muito pequena foram outros aspectos salientados, 22.2% e 16.7%, respectivamente. A falta de privacidade, assim como a ausência de elevador foram problemas apontados apenas por duas pessoas, totalizando 11.2%.

Sem ser o factor determinante para o recurso ao apoio institucional, pelo menos para cerca de 20% das pessoas entrevistadas para quem, as más condições de habitabilidade prejudicam o seu dia-a-dia, essas condições, ao diminuírem a sua qualidade de vida e o relacionamento com o mundo exterior, terão, certamente, pesado na decisão de saída de casa e entrada no Lar. Para duas pessoas essa foi, aliás, a razão única para a sua institucionalização.

Mas para a maioria delas (51.6%) o principal motivo evocado, para se recorrer ao Lar, foi o da necessidade de assistência permanente que se juntarmos com o facto de a família não conseguir assegurar os cuidados necessários (12.9%), abrange cerca de 65% das pessoas. No caso do Centro de Dia e do Centro de Convívio, 8 em cada 10 pessoas procuram estes serviços, essencialmente, pela companhia e o convívio com as outras pessoas. Por outro lado, para 80% das pessoas, o Serviço de Apoio Domiciliário é solicitado quando há um agravamento de problemas de saúde.

31,4

22,9

28,6 28,6

17,120

0

10

20

30

40

Outras situações

Outros acessos difíceis

Muito pequena

Isolamento (dif. comunicação)

Hab. degradada/risco ruir

Hab. sem elevador

73ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Podemos, pois, dizer que a população que recorre a estes serviços, sendo sobretudo uma população muito idosa, fá-lo pelo cruzamento de dois factores fundamentais:

Necessidade de apoio na saúde, factor inevitavelmente associado à variável idade. De facto, •a presença de limitações físicas ou funcionais, ao dificultarem, ou mesmo impossibilitarem, o desempenho das tarefas diárias (higiene, alimentação, etc.), obriga, muitas vezes, à necessidade de ajuda externa, encontrada no apoio institucional.

Sociabilidade. A informação recolhida não permite concluir a existência de um afastamento •entre as pessoas com apoio institucional e as suas famílias. No entanto, parece-nos concludente que a população com apoio institucional sente-se, globalmente, mais sozinha, daí a necessidade de convivência com outras pessoas e, subsequentemente, a procura de serviços como os Centros de Dia e de Convívio.

Assim, e cada vez mais, as instituições devem estar preparadas para satisfazer as necessidades de uma população mais envelhecida, carecendo de cuidados de saúde em vários domínios. Devem estar preparadas para fomentar as autonomias e, simultaneamente, desenvolver actividades que promovam o convívio e continuem a estimular cognitivamente a população. Devem estar preparadas para a escuta e para o estabelecimento de relações de afectividade entre profissionais e utentes que procuram, nas instituições, minimizar os efeitos de um sentimento de solidão gerado pelas perdas que a idade vai proporcionando.

V.2.5. Avaliação dos serviços

A avaliação dos serviços, por parte dos utentes, deve ser uma prática fundamental por parte das instituições - nos recentes manuais de qualidade, produzidos pela Segurança Social, ela é um dos critérios obrigatórios. Ainda que importante, uma avaliação da satisfação só terá, porém, um interesse real se for produzida de modo a que se constitua, efectivamente, como um elemento de participação dos utentes (e famílias) e as suas sugestões ou recomendações forem incorporadas no modo de funcionamento das instituições. Por outro lado, uma avaliação de satisfação obriga a utentes participativos, exigentes e críticos, ainda que necessariamente construtivos, que muitas vezes são considerados como um problema para as instituições que continuam a melhor lidar com a passividade.

Finalmente, uma avaliação da satisfação não pode deixar de ser considerada como apenas um dos elementos de avaliação e ser incorporada numa perspectiva mais alargada que considere a identificação dos resultados obtidos com a intervenção realizada junto dos utentes. Só com esta perspectiva se poderão identificar os reais benefícios do apoio institucional junto das pessoas que serve; só assim, as instituições se poderão renovar, atendendo cada vez mais às necessidades das pessoas, famílias e comunidade, e passarem a ser projectos temporários em lugar do carácter definitivo que tantas vezes assumem, criando-se a ideia de que “só se sai quando se morrer”.

Começando com o Serviço de Apoio Domiciliário, verifica-se que a maior parte das pessoas entrevistadas recebe estes serviços todos os dias úteis (78.3%) e ao fim-de-semana (65.2%), facto ao qual não são alheias as dificuldades de mobilidade que uma boa parte destas pessoas apresenta, em que 41% é mesmo acamada. Os serviços mais prestados são o fornecimento de refeições (58.7%) e os cuidados/higiene pessoais (73.9%), sendo que estes são, inequivocamente, os que mais facilmente estão associados à imagem que as pessoas têm do apoio domiciliário e, por outro lado, às necessidades mais facilmente identificadas pelas próprias.

74 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Tipo de serviços prestados no Apoio Domiciliário

A avaliação dos serviços, medida através do nível de satisfação é, de facto, bastante positiva: em cada dez pessoas, sete sentem-se bastante satisfeitas com o apoio que recebem, justificando-se essa satisfação pela qualidade dos serviços prestados e pelo desempenho do pessoal.

Apesar de tudo, 30% refere a sua insatisfação, relacionada com: fraca qualidade dos serviços prestados – “só cá vêm deixar a marmita” - ; horários de funcionamento restritos; preços elevados; má qualidade da alimentação; reduzido leque de serviços disponibilizados por algumas instituições.

As sugestões de melhoria estão em concordância com as fragilidades identificadas. Isto é, destaca-se, como forma de melhorar a prestação dos serviços de apoio domiciliário a necessidade de um horário mais alargado; a melhoria da qualidade da alimentação (na qual se faz referência ao facto de a alimentação chegar fria ao/à destinatário/a; a existência de um leque mais diversificado de serviços.

A este propósito importa trazer alguma reflexão produzida no âmbito do NESE, segundo a qual as instituições mais abertas e dinâmicas, mais atentas e preocupadas com as necessidades da comunidade, podem estar a perder qualidade ao nível dos serviços que prestam, e a correrem o risco de um menor investimento na relação com as/os utentes, na sequência do facto de serem elas (e quase sempre as mesmas) a responderem às situações de emergência, às necessidades identificadas pela rede de parceria.

Por outro lado, e no que diz respeito à recomendada diversificação de serviços, este pode, e deve ser um caminho a seguir pelas instituições com serviços de Apoio Domiciliário. Noutros concelhos, instituições deste tipo começam a ter a capacidade para “oferecer” serviços de apoio psicológico e de reabilitação a vários níveis. Esta abertura, de extraordinária importância porque permite ir em busca de resposta para os problemas de pessoas mais velhas e mais dependentes, numa perspectiva de autonomização (ou de minimização de problemas) e de melhoria da qualidade de vida a diversos níveis, esbarra, por outro lado, numa concepção do Apoio Domiciliário como um serviço de “respostas básicas”, quase como um serviço de refeições ao domicílio; esbarra, ainda, com concepções da saúde e de velhice como de inevitável depreciação onde “já não há nada a fazer”. A importância da enunciação dos obstáculos vem, apenas, no sentido da identificação das estratégias necessária para a sua remoção atempada.

58,7

73,9

6,5

19,6

0

20

40

60

80

Tratamento de Roupa

Limpeza do Habitáculo

Cuidados/Higiene Pessoais

Fornecimento de Refeições

75ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Considerando em conjunto, Centros de Dia e de Convívio, verifica-se que quase metade das pessoas (45.8%) que os frequentam fazem-no todos os dias e algumas pessoas chegam mesmo a alargar a utilização ao fim-de-semana (37.3%).

Apesar da sua orientação de origem não ser essa, começam a surgir nos Centros de Dia e de Convívio pessoas com limitações de ordem física ou funcional, ainda que não se traduzam em situações de grande gravidade. Essa razão, associada à ausência de retaguarda familiar em alguns utentes, conduziu à abertura de alguns Centros de Dia durante os fins-de-semana, para ser possível o fornecimento de, pelos menos o almoço.

Com efeito, entre as pessoas entrevistadas que frequentam Centros de Dia ou de Convívio, 13.6% apresentam já algumas limitações físicas ou funcionais, o que sendo uma percentagem inferior à verificada noutros serviços, será provavelmente superior ao que se registava há uns anos atrás.

Procurando, em primeiro lugar, convívio com outras pessoas, não é de estranhar que a taxa de participação nas actividades promovidas nas instituições seja de 80%. A música, a dança, a ginástica, as festas e as excursões são, actualmente, as actividades com maior adesão, porque também as mais presentes nas instituições, aquelas que “maiores tradições” têm e, talvez, as de mais imediatas e de fácil adesão por parte de uma população pouco escolarizada.

Tipo de actividades participadas pelos/as utentes (%)

Em termos de satisfação, a maior parte (75%) afirma estar bastante satisfeita, sobretudo pelo desempenho do pessoal (51.3%), bem como pelo ambiente e o relacionamento entre os/as outros/as utentes (42.6%), cerca de 23% assume estar razoavelmente satisfeito. A insatisfação por parte de 2 pessoas (1.7%) deve-se, essencialmente, à qualidade dos serviços prestados e ao preço praticado.

Para uma melhoria deste tipo de resposta social sugere-se, sobretudo, a melhoria das instalações (49.9%), quer para promover melhor conforto/tornar o ambiente mais humanizado, quer para facilitar a mobilidade dentro do edifício, e uma diversificação de actividades realizadas (31.8%).

A necessidade de assistência permanente (51.6%), a procura de convívio com outras pessoas (16.1%) e o facto de a família não conseguir assegurar os cuidados necessários (12.9%) são os principais factores que condicionaram a necessidade de ingresso no Lar. Esta decisão foi, para metade das pessoas entrevistadas, uma decisão própria, ainda que apoiada pela família.

19,4

9,7

6,5

41,9

40,9

51,6

35,5

46,2

Trabalhos Manuais

Teatro/Expressão Artística

Música/Dança

Jogos/Jogar às Cartas

Ginástica

Festas/Convívios

Excursões

Outras Actividades

0 10 20 30 40 50 60

76 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Factores que condicionaram a ida para o Lar (%)

Interrogadas sobre as condições de que necessitariam para terem permanecido em casa, 53.3% das pessoas identificaram a necessidade de assistência permanente em termos de saúde, o que revela importância deste tipo de apoio associado aos serviços de apoio domiciliário, numa lógica integrada. A necessidade de estar acompanhado em casa e de ter ajuda no desempenho das tarefas diárias, foram outros aspectos considerados como indispensáveis para a permanência na habitação, o que leva a colocar a interrogação de que, até que ponto é que algumas destas situações não teriam encontrado solução no apoio domiciliário.

Ao contrário daquilo que se verifica nos Centros de Dia e de Convívio, nesta resposta social verifica-se uma taxa de não participação nas actividades muito elevada (45%).

Note-se que aqui é mais elevada a percentagem de pessoas com limitações ao nível da mobilidade (cerca de 30%). No entanto, e apesar de um pouco mais de 50% ter evocado a necessidade de ter uma assistência permanente na saúde, o que é certo é que 70% não revelou limitações objectivas ao nível da realização das tarefas básicas do seu quotidiano (saída da cama; higiene; deslocação; alimentação) nem nas funções fisiológicas (como a micção e defecção).

Do cruzamento destas informações parece, pois, transparecer algum desinteresse ou falta de motivação para um envolvimento nas actividades propostas pelas instituições. Algumas representantes de instituições no NESE afirmam que, com frequência, a imagem que as/os utentes têm do Lar é a de um “hotel” onde tudo deve aparecer feito. Algumas destas pessoas tendo tido, provavelmente, um passado de dificuldades fizeram do Lar um investimento (em certos casos a concretização do estatuto de associado/a e o pagamento de cotas às instituições faz-se precocemente, antes da necessidade de internamento de manifestar, com o objectivo de se obter lugar). Esse investimento torna-se, agora, a garantia de que querem ser servidos (como nunca foram), retirando-se de um papel mais activo de participação, quer seja no seu envolvimento em actividades várias, quer seja na sua própria dinamização que, aliás, muitas instituições não parecem fomentar.

Para além disso, pode sempre colocar-se a interrogação de, até que ponto, as actividades desenvolvidas correspondem às expectativas e gostos das/os utentes e de que forma é que estas são efectivamente estimuladas para a participação. De qualquer modo, embora com uma adesão diminuta, a ginástica (29%), a presença em festas (29%), a ida a excursões (22.6%) e os jogos de cartas (22.6%) são as actividades que recebem maior número de participantes.

6,4

12,9

6,5

6,5

51,6

16,1

Outras razões

Família não consegue assegurar cuidados

Desadequação do alojamento

Procura convívio

Necessidade de assistência permanente

Desinteresse da família

0 10 20 30 40 50 60

77ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoV. VIVER VELHICE EM MATOSINHOS - PANORAMA ACTUAL

Cerca de 70% dos/as utentes do Lar afirmam estar bastante satisfeitos com o equipamento. Uma vez mais, a qualidade dos serviços prestados e do pessoal a eles afecto são os aspectos que mais pesam na ponderação positiva. Contrariamente, duas pessoas revelam insatisfação com este equipamento: o preço é o único elemento apontado como negativo.

Principal razão da satisfação – Lar (%)

Os aspectos a melhorar, segundo as pessoas entrevistadas, passam, essencialmente, por uma maior privacidade e por uma melhor qualidade na alimentação, elemento muito valorizado pelas pessoas idosas. Melhores condições de conforto é, igualmente, um ponto focado por duas pessoas.

20,7

58,6

3,4 3,43,4

10,3

0

20

40

60

Qualidadepessoal

Qualidadeserviços

Qualidadeinstalações

Relaçãoentre utentes

Existência de privacidade

Outra

78 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

79ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

VI. Envelhecer – Cenários de Futuro em Matosinhos“Serei velho quando for. Mais nada”. (Álvaro de Campos, “Aniversário”)

Este capítulo surge, tal como se disse no início, da necessidade de se entender a velhice como um processo e de se conhecer quais as tendências do fenómeno do envelhecimento para o futuro. Neste sentido, o estudo fez recuar a baliza etária com que normalmente se define a condição de idoso e considerou as pessoas a partir dos 50 anos de idade.

O envelhecimento é um processo que tem início quando nascemos, e apesar do medo da deterioração física e da morte nos acompanhar é certo que nos começamos a preocupar com a nossa própria velhice apenas a partir de uma “certa idade” – quando os filhos saem de casa, quando as perspectivas de reforma se aproximam, quando olhamos em redor e damos conta das perdas que já nos aconteceram, daqueles/as amigos/as e familiares que já partiram, quando olhamos o espelho e são visíveis os sinais do tempo e das vivências.

Enquanto fenómeno que ultrapassa, em muito, uma dimensão biológica, mas que se constitui também enquanto uma construção social, as realidades que o envelhecimento encerra em si mesmo vão evoluindo, e com isso vão evoluindo, também, as expectativas e percepções face à velhice.

Conhecer, pois, quem serão, que projectos têm e que necessidades apresentam as pessoas que se aproximam da velhice é um elemento importante para se promover um envelhecimento activo e se preparar novas respostas, mais adequadas às novas expectativas e necessidades.

VI.1. Quem são as pessoas em processo de envelhecimento?

Do total de pessoas entrevistadas, 128 têm idades compreendidas entre os 50 e os 64 anos. Tal como no total da população residente, neste grupo, há um equilíbrio entre os dois sexos que se perde nos maiores de 64 anos: 54.7% são mulheres e 45.3% homens. Aqui predominam as pessoas casadas (71.1%) e a situação de viuvez é ainda reduzida (11.7%).

Comparando com o grupo de pessoas ditas idosas (65 ou mais anos), as que constituem o centro de análise deste capítulo são, maioritariamente, escolarizadas. A percentagem de pessoas que não sabem ler nem escrever e que apesar de terem frequentado a escola não concluíram nenhum grau de ensino, é substancialmente inferior por comparação aos maiores de 64 anos (11.1% contra 44.3%, respectivamente). Apesar de prevalecer, em termos percentuais, o ensino primário (51%), são evidentes as maiores percentagens que correspondem às pessoas que acederam a níveis de

80 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

ensino para além do 1º ciclo do ensino básico. Ressalte-se, nomeadamente, que a percentagem de pessoas licenciadas é, na população de 50-64 anos, de 8.7%, enquanto que, entre as pessoas idosas tal percentagem se ficava nos 2.2%.

Nível de Instrução, dos grupos etários 50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Entre as pessoas do grupo 50-64 anos predominam as que ainda exercem um trabalho remunerado – cerca de 45% das pessoas têm como fonte de rendimento uma actividade profissional – embora já se faça sentir a presença de pensionistas (41%), indicando-se uma continuada precocidade na passagem à reforma, provavelmente mais acentuada em períodos de crise no mercado de trabalho, como aquele que se vive actualmente.

A comparação entre as actividades profissionais desempenhadas pelos dois grupos etários em questão revela que profissões mais qualificadas, como sejam quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresa e especialistas das profissões intelectuais e científicas, bem como os técnicos e profissionais de nível intermédio e o pessoal administrativo se encontram em maior número nas pessoas entre os 50-64 anos.

Por outro lado, se os operários e os trabalhadores não qualificados totalizam cerca de 49% da população entre 50-64 anos27, este é um grupo profissionalmente mais heterogéneo e tendencialmente mais qualificado.

Não sabeler nemescrever

Sabe ler/escreversem grau de ensino formal

Ensino primário

Ensino preparatório

Ensino sec.unificado

11º ano Ensino sec.complementar

Curso superior0

10

20

30

40

50

60

65 + anos

50-64 anos

4

18,5

7,1

25,8

50,8

42,4

7,94,4

11,9

3 2,4 0,4

7,11,8

8,72,2

27 Percentagem que no outro grupo representava cerca de 61%.

81ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

Actividade profissional (anterior/actual) dos grupos etários50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Considerando o enquadramento familiar, no grupo etário dos mais novos, são muito menos as pessoas que vivem sós (recorde-se que também são menos as situações de viuvez), por comparação com o que acontece na faixa dos 65 e mais anos (8% face a 30.3%, respectivamente).

E se as percentagens referentes aos agregados familiares compostos por “marido e mulher”28 se aproximam nos dois grupos, já o viver com o cônjuge e os filhos29 é uma situação bem mais frequente entre os que têm 50-64 anos (39.8%, perante 8.3%), o que significa que estas pessoas cujos filhos e filhas certamente, ainda, não saíram de casa dos pais, revelando-se aqui o seu papel acrescido, face a outras situações no seio da família.

Composição do agregado familiar, segundo o grupo etário (%)

Pessoal dos serviços/vendedores

Pessoal administrativo

Trab. da agricultura/pesca

Espec. Profissões intelectuais/científicas

Directores e quadros superiores

Técnicos/profissionais de nível intermédio

Operários. artifices

Oper. de instalação e máquinas de montagem

Trab. não qualificados

50-64 anos 65 e + anos

5,7 4,17,4

15,6

8,2

3,3

24,6

6,6

24,6

0,8 1,6 2,86,8

13,7

5,6

34,1

8

26,5

0

5

10

15

20

25

30

35

40

50-64 anos 65 + anos

8

34,439,8

7,2 7,23,2

30,3

36,9

8,3 7

15,4

1,20,80

10

20

30

40

50

Monoparental

Nuclear sem �lhos

Sozinha/o

Nuclear com �lhos

Família alargada

Família extensa

Outra situação

28 No gráfico designado como “família nuclear sem filhos”.29 No gráfico designado como “família nuclear com filhos”.

82 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

À semelhança do que acontece com a população idosa, também entre o grupo dos 50 aos 64 anos, a convivência familiar é, na maior parte dos casos, de periodicidade semanal (69.1%), onde se incluem os contactos diários (38.1%).

Mais do que a frequência do convívio com familiares importará saber a qualidade das relações que lhe está subjacente. Também aqui a grande maioria das pessoas dá conta de uma boa (54.4%) ou muito boa (32%) relação familiar, sendo que estas percentagens são ligeiramente superiores (mais 1.9 p.p.) do que as apresentadas no grupo dos 65 ou mais anos. Há, pois, neste grupo, uma tendência para melhores relacionamentos familiares apoiados, certamente, por níveis de instrução mais elevados e por melhores condições de vida, em geral. Veja-se que, apenas 1.6% das pessoas avaliam as suas relações familiares como más (0.8%) ou muito más (0.8%), enquanto que para as/os mais idosas/os essas percentagens correspondem a 3.3% e 0.8%, respectivamente.

Ao convívio com a família acresce o relacionamento com a vizinhança e este é um convívio [quase] diário (duas ou mais vezes por semana) que abrange os 49.2% das pessoas entrevistadas.

VI.2. Afastar a solidão, manter a actividade

Tal como se pode verificar no gráfico em baixo as pessoas com 50-64 anos evidenciam, em menor número aquele sentimento de solidão que tanto se aponta como elemento de processo de envelhecimento. Se considerarmos os dois grupos presentes no gráfico, cerca de 19% das pessoas com 65 ou mais anos afirmaram sentir-se só muitas vezes. Essa percentagem é de 10% no grupo mais novo. A análise por género, permite, ainda, sublinhar o facto de serem as mulheres que experienciam de forma mais frequente (muitas vezes) um sentimento de solidão (21.3% face a 7.1% dos homens). Uma melhor situação de saúde, uma forte presença na actividade profissional e um papel activo no agregado familiar onde os filhos e filhas ainda estão muito presentes são, certamente, factores de protecção dos sentimentos de solidão.

Experiência do sentimento de solidão, nos grupos etários50-64 anos e 65 ou mais anos

Muitas vezes

10,3

18,8

24,6

29,6 29,4

19,6

41

32,135,7

50-64 anos

Algumas vezes Raramente Nunca

65 + anos

0

10

20

30

40

83ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

De facto, a vida quotidiana destas pessoas (50-64 anos) divide-se entre os trabalhos domésticos (52.4%) e a actividade profissional (42.9%), sendo que esta última encontra uma percentagem bastante inferior (6.2%) no grupo dos 65 ou mais anos, o que está em consonância com uma maior presença de pessoas reformadas nesta faixa etária.

Actividades quotidianas, nos grupos etários 50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Para além dos tempos afectos à casa, à família e à profissão constata-se que o grupo de pessoas mais novas tem um quotidiano mais activo e ocupado. Por outro lado, um maior nível de instrução revela também aqui uma percentagem de pessoas que se ocupa mais com leitura e menos com televisão ou rádio.

VI.3. Perspectivas para a reforma

A passagem à reforma é uma expectativa das pessoas de 50 e mais anos que se encontram a trabalhar, e a idade com que esperam vir a fazê-lo é, para 70.4% dos homens e 53.8% das mulheres, aos 65 anos. As restantes pessoas têm a perspectiva de que a reforma venha mais cedo do que os 65 anos, o que é contrário às actuais orientações da Segurança Social, no sentido de carreiras profissionais mais prolongadas, muito embora sejam conhecidas as dificuldades de inserção de trabalhadores/as mais velhos/as, sobretudo quando caem no desemprego, levando alguns autores a afirmarem que “atrasar a idade da reforma é trocar pensões de reforma por subsídios de desemprego” (Teodora Cardoso cit. in Centeno, 2006).

Por outro lado, as expectativas diferenciadas de homens e mulheres estão de acordo com os dados disponíveis, que apontam no sentido de que “o processo de saída das mulheres do mercado de trabalho inicia-se entre os 45 – 49 anos, dez anos mais cedo do que os homens”. Esta saída precoce está, certamente, associada a problemas de desemprego que mais facilmente afectam as mulheres; às maiores obrigações familiares destas; e à maior facilidade com que encontram estatuto alternativo nas actividades domésticas e nos cuidados à família (vd. Quaresma e Gil, 2004).

A situação das pessoas que já estão reformadas comprova esta ideia. Cerca de 54% das mulheres entrevistadas com idades entre os 50-64 anos já se encontram na reforma, essa percentagem é de 46% para os homens. A grande maioria das pessoas agora reformadas (77.1%), passou do trabalho para a reforma, mas as percentagens que dão conta desta realidade são superiores nos homens (81.8% face a 73.1% das mulheres), o que significa que para elas é mais frequente a existência

VI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

Actividades Grupo etário 50 a 64 anos 65 ou mais anos

Trabalhos domésticos 52.4% 48.1%Actividade profissional 42.9% 6.2%Conversar/conviver/jogar às cartas 31% 49%Ver TV/Ouvir rádio 29.4% 49.%Passear 23.8% 23.7%Prestar apoio à família/amigos 23.8% 10%Actividades manuais (tricot, renda, bricolage…) 17.5% 25.7%Ler 15.1% 7.5%Não fazer nada 7.1% 14.1%

84 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

de “períodos intermédios” entre o trabalho e a reforma os quais podem assumir a forma de desemprego.

No grupo das pessoas com idades compreendidas entre os 50-64 anos, entretanto já reformadas, os principais factores que contribuíram para a reforma precoce foram os problemas de saúde ou prendem-se com questões inerentes à própria empresa (reestruturações, falências…), apontados por 48.6% e 17% das pessoas.

Os motivos familiares, muitas vezes associados a casos de assistência às pessoas mais velhas ou às crianças foram evocados por 12.8% das pessoas, todas elas do sexo feminino, o que transparece a valorização dos papéis de entreajuda familiar, como factor de abandono precoce da actividade profissional por parte das mulheres.

Para quem aguarda a reforma, esta está associada à ideia de uma vida diferente (88.7%), traduzida em maior disponibilidade de tempo (87.2%), possibilidade para desenvolver interesse por outras actividades (42.6%), bem como mais hipóteses de maior convívio com outras pessoas (19.1%). Tal como afirmou uma das pessoas entrevistadas, este é o “ tempo para desfrutar da companhia dos filhos e netos. Viver cada dia como se fosse o último”.

Principais projectos para a reforma das pessoas com 50-64 anos (%)

A reforma está, pois, associada a uma ideia positiva de realização de projectos pessoais, sendo que “passar mais tempo com a família” surge no topo das prioridades.

Viajar, é outro dos projectos que congrega uma percentagem importante ao que se segue a prática de desporto e as actividades de índole cultural, podendo-se aglutinar aqui a participação em Universidade Sénior, e o tempo para a leitura. O desejo de desenvolver acções de voluntariado foi ainda frisado por 11.1%.

Assim, tal como refere Ester Vaz, os projectos associados a um tempo de reforma em que se permite o desfrute da velhice “são idealizados com actividades de gozo, de afectividade, de relações inter-geracionais solidárias, na presença da família, numa convicção/esperança de vida autónoma e independente senão até à morte, pelo menos até muito próximo dela” (Vaz cit. in Jacob, 2008).

53,7

33,3

16,7 14,811,1 9,3 9,3 7,4

0

10

20

30

40

50

60

Voluntariado

Desenvolvimento actividades culturais

Universidade SéniorNão fazer nadaLer

ViajarMais tempo /família

Praticar desporto

85ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

Adaptação à Situação de Reforma, dos grupos etários50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Apesar dos projectos para o tempo de reforma serem genericamente positivos, e tendencialmente valorizantes, para quem já está reformado a adaptação a esta nova realidade revela, contudo, algumas dificuldades, numericamente mais expressivas entre as pessoas com idades entre os 50 e os 64 anos, do que entre as mais velhas. Com efeito, tal como se pode verificar no gráfico anterior, do grupo mais novo, 33% avaliou a sua adaptação à reforma como difícil ou bastante má, percentagem que é de 19% entre as pessoas com mais de 64 anos.

Passar à reforma encerra, em si, um novo estatuto e inicia-se uma nova fase da vida, para a qual é necessário uma adaptação. Como refere Ana Alexandre Fernandes, é esta a passagem que ainda “baliza o envelhecimento mais do que a perda dos pais, o nascimento do primeiro neto ou mesmo a viuvez” (Fernandes, 1997). Tal como em outros domínios da nossa vida, aquela adaptação passa por diferentes estágios, tornando-se progressivamente mais aceite à medida que se vai avançando no tempo, e é, provavelmente, mais difícil quanto mais novo/a se é, pois implica, nuns casos, uma maior descoincidência entre a tal idade social e a idade biológica e, noutros, terá subjacente situações e saúde mais graves que ditarão mais dificuldades.

VI.4. Situação financeira: a emergência de desigualdades?

O modo como as pessoas avaliam a situação financeira revela um cenário mais polarizado entre as pessoas com idades compreendidas entre os 50 e os 64 anos.

Neste grupo verifica-se que a percentagem das pessoas que não têm dificuldades na gestão do orçamento mensal (37.8%) é superior à registada no grupo com 65 ou mais anos. A maior participação no mercado será, certamente, um factor protector.

Por outro lado, é também aqui que é maior a percentagem para quem, raramente ou nunca, consegue que o dinheiro chegue até ao fim do mês (7% e 4.7%, respectivamente). Entre estas pessoas estão indivíduos que, embora trabalhem, exercem profissões pouco qualificadas; estão pessoas beneficiárias do Rendimento Social de Inserção (35.7%); estão, ainda, pessoas que têm a

Bastante boa Boa Normal/razoável

Difícil/complicada

Bastante má

12,5

30,135,4

38,9

11,7

18,8

29,2

18

4,21,3

0

10

20

30

40

50

< 65 anos

65 e + anos

86 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

ajuda da família como única fonte de rendimento (14.3%). Serão, também, estas que viverão uma velhice mais difícil do ponto de vista financeiro, numa precariedade continuada. Emerge, assim, uma população idosa com rendimentos desiguais, o que está em consonância com o aumento das desigualdades na população portuguesa, em geral.

Duração do dinheiro até final do mês, nos grupos etários50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

No grupo de pessoas mais novas, a medicação não é, ainda, a despesa mais mencionada, como acontece entre as que têm mais de 64 anos, sendo esse lugar ocupado pela alimentação. A isto não é, certamente, alheio o facto de estas pessoas se inserirem, em maior número, em agregados familiares onde os/as filhos/as estão presentes e, como tal, em famílias de maiores dimensões.

Principais despesas mensais, nos grupos etários 50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Sim, sem problemas

Sim, mas c/dificuldades

Nem sempre Raramente Nunca

37,5

52,4

10,9 10,3

29,9%

39,8

7 4,8 4,7 2,6

0

10

20

30

40

50

60

50-64 anos

65 e + anos

0

20

40

60

Alimentação Medicação OutrasPagamentohabitação

19,2

40

12,26,7

40

59,3

13,39,2

50-64 anos

65 ou mais anos

87ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

Quando questionadas sobre a sua qualidade de vida face aos 10 anos anteriores, a resposta é coincidente entre os grupos etários. Ambos partilham, da percepção de que a sua qualidade de vida diminuiu face aos 10 anos transactos (cerca de 40% cada). No entanto, enquanto que a população 50-64 anos aponta, sobretudo razões económicas (63.6%) para tal situação, as pessoas com mais de 64 anos, além das razões económicas (38.8%) salientam a deterioração da saúde (46.3%).

Contrariamente, de entre as pessoas que consideram que a sua qualidade de vida melhorou face aos 10 anos antecedentes (cerca de 20%), curiosamente o grupo dos mais novos aponta, igualmente, as razões económicas (69%). Relativamente às pessoas com mais de 64 anos, as razões económicas (40.7%) e a passagem à reforma (18.5%) parecem ser os principais factores que contribuíram para a melhoria da sua qualidade de vida.

Principais razões evocadas para a melhoria/pioria da qualidade de vidaface aos 10 anos anteriores (%)

VI.5. Saúde

Tal como seria de esperar, o estado de saúde das pessoas entre os 50 e os 64 anos é apreciado pelas próprias de um modo mais positivo, por comparação à população mais envelhecida, revelando-se, assim, o avanço da idade como um factor de risco ao surgimento ou agravamento de determinadas doenças.

Os dados apurados dizem que cerca de 43% das pessoas com idades entre os 50 e os 64 anos afirmam sentir-se muito bem ou bem em termos de saúde; essa percentagem é de 23.2% nas pessoas acima dos 64 anos. Por outro lado, aqueles que se sentem pior (mal ou muito mal) representam apenas 11.7%, por comparação aos 33.4% do segundo grupo.

Melhorou Piorou 50-64 anos 65+ anos 50-64 anos 65+ anos

Situação de reforma 7 18.5 0 4.1Condição de saúde 3.4 13 23.6 46.3Situação económica 69 40.7 63.6 38.8Morte cônjuge 0 3.7 1.8 7.4Outras razões familiares 13.8 16.6 9.1 2.5Outra situação 6.8 7.5 1.8 3.3

88 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

Avaliação da condição de saúde, nos grupos etários 50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Os homens avaliam, globalmente, o seu estado de saúde mais favoravelmente do que as mulheres, independentemente do grupo etário. Questões de natureza subjectiva, referentes ao modo como uns e outros encaram a doença e a conseguem (ou não) expressar, estão subjacentes a estas diferenças, até porque são as mulheres (95.7%, face a 93.1% nos homens) que apresentam menos limitações ao nível da autonomia e mobilidade, no grupo dos 50-64 anos, o que pode revelar situações menos graves de saúde entre a população feminina, uma detecção mais precoce da doença (recorde-se que são também as mulheres que mais frequentam os serviços de saúde), uma maior adesão aos tratamentos bem como uma maior capacidade de adaptação e de resistência na fragilidade podem contribuir para este quadro.

Os cuidados com a saúde são relevantes, entre a população inquirida, obtendo-se resultados elevados nos dois grandes grupos etários considerados: 80.5% para as pessoas com idades compreendidas entre 50 e os 64 anos; 85.3% para as pessoas com 65 ou mais anos.

Os cuidados com a saúde mais mencionados pela população entre os 50 e os 64 anos continuam a ser ao nível da alimentação (91.3%), ainda que registando uma ligeira desvantagem face à população mais envelhecida, onde esses cuidados se fazem sentir de forma mais acentuada. Mais presente entre os mais novos está a prática de exercício físico (44.7% contra 27.8%) e outros comportamentos preventivos face a certos riscos: deixar de fumar, deixar de beber, etc.

VI.6. Perspectivas de Apoio Institucional

No que se refere ao apoio institucional apenas 17 (13.3%) pessoas com idades entre os 50 e os 64 anos refere beneficiar já do apoio institucional de uma das instituições do Concelho de Matosinhos.

Das pessoas que utilizam algum equipamento, destaca-se o Centro de Convívio (52.9%), o Centro de Dia (23.5%) e o Apoio Domiciliário (17.6%). Apenas uma pessoa está em Lar.

Quem não utiliza qualquer equipamento (111 pessoas, ou seja, 86.7%) pôde referir que tipo de serviço gostaria de ter à sua disposição na eventualidade de vir a precisar. Ao pronunciarem-se apontam no sentido de uma diversidade de serviços. Por outro lado, apesar do Lar ser o equipamento identificado

50-64 anos 65 e + anos

42,745,2

12,1

23,6

43,5

33

0

10

20

30

40

50

RazoávelBoa ou muito boa

Má ou muito má

89ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVI. ENVELHECER - CENÁRIOS DE FUTURO EM MATOSINHOS

em maior percentagem, para 51.1% das pessoas a expectativa é a de vir a ter qualquer tipo de apoio que as mantenha no seu domicílio.

Tipo de serviço/resposta social que gostaria de ter à disposição,nos grupos etários 50-64 anos e 65 ou mais anos (%)

Comparando os dois grupos inquiridos verificamos que o Lar é o equipamento percentualmente mais referido. O Apoio Domiciliário surge logo de seguida, também para ambos os grupos, com uma ligeira vantagem para as/os mais velhas/os. De salientar que também para 45.7% dos que têm 65 ou mais anos, a expectativa é a de se manterem em casa.

Curiosamente, são as pessoas com 65 ou mais anos que mais referem não vir a precisar de qualquer tipo de apoio institucional. Considerando a composição dos seus agregados familiares, verificamos que nenhuma destas pessoas vive só: as pessoas que não vivem com o cônjuge, estão a viver com os filhos ou filhas (50%). O apoio familiar parece ser, neste caso, um elemento que contribui para o optimismo demonstrado neste grupo face ao futuro.

A maior diferença entre estes dois grupos regista-se ao nível da Universidade da Terceira Idade, referida em maior percentagem pelas pessoas entre os 50 e os 64 anos, o que é corrente com os níveis de instrução mais elevados.

As circunstâncias que esperam vir a utilizar os serviços mencionados prendem-se com os problemas de saúde e com situações de invalidez (ambos com 38.2%). A solidão recolhe cerca de 22.5%.

De acordo com as respostas obtidas, o Lar servirá para responder a situações de invalidez (67.5%). Já o Centro de Dia (50%) e o Apoio Domiciliário (79.2%) são referidos, em particular, para responder a problemas de saúde. O Centro de Convívio (87.5%) e a Universidade Sénior (71.4%) seriam mais necessários para contrariar estados de solidão.

50-64 anos 65 e + anos

8,9

39,6

7,9 8,9 8,9

23,8

2

19,3

34,9

7,2 7,2

1,2 1,2

28,9

0

15

30

45

Centro Dia

Lar

Não vou precisar

Centro Convívio

Univ. 3ª idade

Apoio Domiciliário

Ficar com os/as �lhos/as

90 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

91ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

VII. Percepções sobre a Velhice“O que eu sou hoje é terem vendido a casa, é terem morrido todos, é estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…”(Álvaro de Campos, “Aniversário”).

Este estudo pretendeu ser também um espaço para que as pessoas entrevistadas pudessem, de alguma forma, dar conta das suas opiniões relativamente à situação das pessoas mais velhas no Concelho de Matosinhos e na sociedade portuguesa, em geral. Esse espaço passou, igualmente, pela auscultação das percepções sobre o que é ser homem ou mulher idosa; sobre a forma como as pessoas idosas são olhadas e consideradas.

Estes aspectos são de grande importância porque deles pode depender a capacidade de aceitação de uma sociedade de certas medidas de políticas dirigidas ao envelhecimento, numa perspectiva de envelhecimento activo; pode depender a capacidade de concretização das mesmas a nível local.

Apesar de um discurso (académico, mas também cada vez mais político) de valorização social e económico da velhice, a pessoa idosa passou de valor em si mesmo, para ser percebida, essencialmente como um problema social, como uma carga, como uma pessoa dependente e incapaz de decidir por si. Esta imagem condicionará não só o desenho das medidas, mas o próprio funcionamento das instituições a nível local e as expectativas que as pessoas alimentam em relação aos serviços que podem ser prestados e às actividades que podem ser desenvolvidas.

Ser pessoa idosa nos dias de hoje é…

E de facto, essa carga negativa, associada ao envelhecimento, está extraordinariamente presente nas pessoas entrevistas, quer nas que já têm 65 e mais anos, quer naquelas cujas idades se situam entre os 50 e os 64 anos, poucos sendo os aspectos positivos associados a esta etapa da vida.

Para os mais pessimistas, ser idosa/o está, sobretudo, associado a sentimentos de tristeza, solidão, a um estado de saúde debilitado e de dependência, bem como a grandes dificuldades de natureza geral não especificadas. A partir das opiniões das pessoas inquiridas neste estudo, percebemos que estes três factores se encontram associados entre si, pois objectivamente a condição de ser idoso comporta, em particular nas idades mais avançadas, o risco de uma saúde mais frágil que pode levar a situações de dependência face a terceiros, e de perdas de familiares e amigos que podem repercutir-se em sentimentos de tristeza e solidão.

92 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

Percepções sobre o que é ser idosa/o (% de casos)

Tal como é possível verificar pelo gráfico acima representado, existem algumas diferenças nos dois grupos de idade que se situam, sobretudo, na incidência das opiniões positivas. Com efeito, é no grupo dos 50-64 anos, que em maior número são mencionados factores de natureza positiva - 17% no total, face aos 8% de opiniões de natureza positiva no grupo dos 65 anos e mais. Este será, talvez, um reflexo de níveis de instrução mais elevados entre os mais jovens, melhores níveis de saúde e expectativas mais positivas face ao futuro, o que, em si mesmo contém um importante potencial de mudança nas concepções sobre e nas atitudes face ao envelhecimento.

As opiniões positivas focam a pessoa idosa como portadora de experiência de vida, daí advindo um conjunto de mais valias. Por outro lado, há também quem refira que mais do que uma questão de idade há uma questão de espírito que permite ver o envelhecimento como uma conquista pessoal, como uma alegria por se ter atingindo uma determinada meta.

Outros aspectos negativos

Experiência de vida

Alegria/bem-estar

50-64 anos 65 e + anos

26,9

22,5

7,510,1

7,5

14,5

6,6 5,7 4,8

25

15 14

20

1411

1 25

0

5

10

15

20

25

30

Dependência face a terceiros

Saúde debilitada

Tristeza/solidão

Necessidade de apoio/atenção

Outros aspectos positivos

Fase difícil

93ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

65 e mais anos•��É�complicado�porque�é�preciso�pedir�ajuda.�É�

difícil estar dependente dos outros;•���É�precisar�fazer�as�coisas�e�não�conseguir.�É�ter�de�

pedir ajuda;•�É�estar�limitada�aos�cuidados�dos�outros;•��É�estar�debilitada�fisicamente�e�dependente�de�

terceiros;•���A�autonomia�vai�diminuindo.�Complicações�de�

saúde. Esquecimento. Diminuição das capacidades;•�Dependência�de�terceiros;•���É�triste.�Deixa-se�de�ter�algumas�capacidades,�

como andar, sair de casa…;•���É�triste.�Não�se�pode�trabalhar,�não�se�pode�sair�

sozinho, não se pode fazer nada.

65 e mais anos•�É�triste�porque�não�temos�saúde;•�É�muito�triste.�Fica-se�sozinho�e�dependente;•��É�triste.�Sobretudo�quando�não�têm�ninguém�que�

tome conta deles;•�É�triste�porque�não�podemos�fazer�nada;•�É�uma�tristeza,�temos�muitas�limitações;•�É�querer�fazer�a�vida�e�não�poder.•�É�difícil�estar�só;•�Difícil.�Não�há�apoios;•��Difícil�porque�temos�pouco�dinheiro�face�às�

despesas.

Menos de 65 anos•�É�estar�sujeito�à�vontade�das�outras�pessoas;•��É�muito�difícil�e�complicado,�principalmente�se�a�

pessoa ficar dependente e sem autonomia;•��É�uma�pessoa�que�depende�das�outras�a�maioria�

das vezes;•��É�não�ter�a�mesma�força.�Sentimo-nos�

dependentes;•�É�depender�das�outras�pessoas;•�É�muito�complicado.�Implica�ser�dependente;•�É�ter�as�capacidades�reduzidas;•�É�uma�pessoa�com�pouca�mobilidade;•�Ter�mais�de�65�anos�e�ser�dependente.

Menos de 65 anos•��A�partir�de�uma�certa�idade�as�pessoas�tornam-

-se mais tristes. Ser idoso é ser menos capaz, é estar dependente dos outros;

•��É�melancolia,�é�depressão,�é�passar�dificuldades�ou ter medo de as passar;

•�É�uma�pessoa�só;•��É�viver�com�poucas�condições.�Passar�muito�

tempo sozinho;•�Existe�desmotivação�e�tristeza;•��Viver�na�solidão�e�não�ter�ninguém�que�possa�

ajudar;•�Debilidade�física�e�mental.�Mobilidade�reduzida;•�É�muito�triste;•��É�ser�sozinho.�É�igual�a�solidão,�falta�de�atenção�

dos outros.

Dependência, Perda de Autonomia

Disseram…

Sentimento de Tristeza, Solidão, Saúde Debilitada

94 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

65 e mais anos•��É�ficar�à�espera�que�a�morte�chegue.�Até�lá�vamos�

vivendo;•��Precisam�de�carinho,�atenção.�A�falta�de�agilidade�

não ajuda e os filhos não têm paciência;•�É�uma�pessoa�que�a�família�trata�mal;•��Deviam�ter�sempre�o�apoio�da�família�mas�não�

têm;•�É�aborrecido.�Já�não�há�nada�que�fazer;•��As�pessoas�idosas�querem�trabalhar,�fazer�as�

tarefas de casa e não conseguem;•�É�mau�porque�perdemos�muita�coisa;•�É�muito�mau�porque�a�assistência�é�muito�má;•��É�ser�mais�triste�porque�a�pessoa�está�a�ver�os�

dias a aproximarem-se do fim;•�Inútil;•�Vê-se�muitos�idosos�abandonados.�Hoje�ninguém�

quer saber…principalmente se os idosos não tiverem dinheiro.

65 e mais anos•�É�um�privilégio;•�A�gente�já�tem�muitos�anos.�É�ter�boa�disposição;•��Acumular�de�muita�experiência�de�vida�e�de�

muitas competências que poderão ser uma mais valia para os mais novos;

•��Ainda�tem�muito�para�dar.�Pessoa�com�muita�sabedoria;

•��É�alguém�que�já�contribuiu�muito�para�o�desenvolvimento do nosso país;

•�É�bom�se�se�tiver�saúde;•��É-se�feliz�se�não�se�estiver�doente.�Eu�sou�uma�

idosa feliz porque tenho capacidade para muita coisa;

•�É�já�ter�vivido;

Menos de 65 anos•�É�um�terror.�Vivem�mal�e�são�mal�tratadas;•��É�um�mundo�de�preocupação�constante�porque�não�

existem estruturas sociais;•��É�viver�mal,�com�poucas�condições�económicas�e�

poucos apoios sociais, poucas respostas ao nível da saúde;

•�Se�vive�sozinho�e�não�tem�apoios�é�muito�difícil;•��É�complicado.�As�pessoas�idosas,�algumas�não�têm�

apoio, as famílias não querem saber;•�Significa�o�fim�da�vida.�A�idade�não�perdoa;•��Posta�de�parte.�A�vida�dos�filhos�também�é�

complicada;•�Pessoa�que�necessita�de�muitos�cuidados.

Menos de 65 anos

•��A�idade�não�é�um�trauma.�É�um�envelhecimento�natural e acho que deve merecer a atenção das entidades autárquicas e do estado para serem tratados com dignidade;

•�Coisa�boa;

•��Desde�que�hajam�boas�palavras�e�conforto�é�bom�ser idoso;

•�É�alguém�com�muita�experiência�de�vida;

•��É�tempo�para�desfrutar�da�companhia�dos�filhos�e�dos netos. Viver cada dia como se fosse o último;

•��Para�mim�até�é�bom�porque�já�sofri�muito�e�agora�é�que estou a gozar a vida;

•�São�pessoas�activas;

Outros Aspectos Negativos

Opiniões favoráveis

Disseram…

95ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

•��É�melhor�do�que�há�uns�anos�atrás.�Não�há�tanta�pobreza;

•��É�muito�bom�chegar�a�uma�determinada�idade�desde que se esteja bem;

•��É�alguém�com�que�os�mais�novos�podem�sempre�contar;

•�É�uma�pessoa�com�experiência�e�sabedoria;•��Eu�ainda�penso�que�não�sou�velho.�A�idade�para�

mim não conta. Tenho ânimo;•�Feliz�de�aqui�chegar;•�O�importante�é�ter�saúde;•��Ser�idoso�é�uma�alegria�porque�atingimos�uma�

idade maravilhosa.

•���As�pessoas�idosas�não�se�vêem�pela�idade,�mas�sim pelo espírito;

•��Se�se�estiver�bem�economicamente�pode�levar�uma�boa vida. (…);

•��Temos�mais�tempo�e�não�temos�de�trabalhar.�É�bom. Temos mais tempo para nós;

•��Se�não�tiver�problemas�de�saúde�é�uma�vida�normal.

A sociedade encara as pessoas idosas como…

A forma como as pessoas idosas são encaradas pela sociedade em geral, e à semelhança do que acontece na questão anterior, não recolhe opiniões muito positivas. Em ambos os grupos etários, a maioria das pessoas afirma que as pessoas idosas não são bem consideradas pela população em geral, embora esta seja uma opinião mais expressiva nos que ainda não têm 65 anos – 75.4%, face aos 71.5% das pessoas com 65 e mais anos - o que se pode constituir como um indicador de uma maior exigência por parte das próprias pessoas em processo de envelhecimento.

65 e mais anos•�A�sociedade�em�geral�trata�mal�os�idosos;•��A�sociedade�abandona�muito�os�idosos,�tal�como�os�

filhos e outros familiares;•�A�sociedade�coloca�à�parte�as�pessoas�idosas;•��A�sociedade�vê�mal�as�pessoas�idosas.�Não�lhes�dá�

atenção, nem carinho;•��Muito�mal.�São�terríveis.�As�pessoas�novas�

desprezam. Têm vergonha dos idosos. Tenho saudades do tempo antigo, das pessoas antigas;

•�Como�um�farrapo;•�Como�cidadãos�de�segunda;•�Com�pena.�São�vistas�como�inválidas;•�Encara�mal.�Devia�dar�mais�amor�e�carinho.

Menos de 65 anos•��A�maior�parte�é�esquecida�pela�sociedade�e�ficam�

a viver sozinhos e abandonados pela família. Não existem leis que protejam os mais velhos;

•��A�maioria�encara�como�inútil.�Pessoas�incapacitadas. O idoso é um peso que requer cuidados;

•�A�sociedade�desvaloriza�as�pessoas�idosas;•�A�sociedade�não�dá�apoios�suficientes;•��Devia�encarar�melhor.�Muitos�acabam�

abandonados nos hospitais. Muitos filhos deviam ser penalizados porque o abandono é uma forma de maus-tratos;

•�Com�desprezo.

Opiniões desfavoráveis

Disseram…

96 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

Assim, e tal como se pode ler nas frase transcritas, essa forma essencialmente negativa como a sociedade encara as pessoas idosas está associada a atitudes de exclusão (abandono, vergonha, desprezo) e de desvalorização dos mais velhos que se traduzem em desamor, desrespeito, falta de tempo e na ausência do apoio necessário, quer por parte da família, quer por parte da sociedade em geral.

No fundo, estas opiniões desfavoráveis transmitem muito a ideia de que estas são, também elas, pessoas que perderam um certo sentimento de pertença, acentuando-se a noção de estorvo e de uma necessidade quase constante de: “arruma-te, velha”.

Apesar de tudo, há quem transmita a consciência de uma evolução positiva seja pelo aumento e diversificação do apoio institucional, seja pela tomada de consciência da necessidade de uma valorização de quem é mais velho, quanto mais não seja na sequência do próprio envelhecimento demográfico.

•��Muito�mal.�Até�os�filhos.�O�pessoal�dos�serviços�não�tem paciência;

•�Não�querem�saber�de�nós;•�Como�pessoas�sem�grande�utilidade;•�Não�gostam�dos�idosos.�Tratam-nos�mal;•��Muitos�não�respeitam.�O�idoso�trabalhou�muito�

para abrir caminho aos mais novos;•�Não�os�trata�bem.�São�abandonados,�não�há�respeito, carinho;•�Não�querem�saber�de�nós�para�nada;•�Não�apoia�o�suficiente;•��Não�encara�bem.�A�sociedade�promete�muito�mas�

não faz nada pelos idosos;•�Muito�mal.�“Arruma-te,�velha”;•��A�sociedade�ainda�encara�as�pessoas�idosas�como�

um “móvel velho”, como um estorvo.

•�Com�pouco�carinho�e�falta�de�sensibilidade;•�A�sociedade�encara�as�pessoas�idosas�como�um�fardo;•�Mal,�com�desdém;•�Maltratam�e�não�respeitam�os�velhos;•�Se�puderem�empurram�os�velhos�para�um�canto;•��Vêem�muito�mal�a�terceira�idade.�Os�jovens�não�

respeitam os idosos;•��Muito�mal.�Existe�falta�de�respeito,�falta�de�

apoio, de motivação. A sociedade não estimula as pessoas idosas. (…);

•�Vê�como�alguém�dependente;•�Com�indiferença;•�Mal.�Ninguém�tem�tempo�para�os�velhos;•��Há�quem�ache�que�são�pessoas�que�estão�a�

incomodar. Devia haver mais respeito;•��Muitas�vezes�como�um�estorvo.�São�esquecidos,�

postos de parte;•�Servem�somente�para�atrapalhar�os�filhos;•�Há�pessoas�muito�más�que�tratam�mal�os�idosos.

97ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

Para melhorar as condições de vida das pessoas idosas seria preciso…

Na sequência das opiniões expressas relativamente à forma como as pessoas idosas são encaradas pelas demais, surgem sugestões que, na opinião das/os inquiridas/os, melhorariam as condições de vida daquelas pessoas. As principais melhorias apontadas são sobretudo ao nível dos equipamentos, não só no que se refere ao aumento do número de respostas, como também na melhoria das instalações e dos serviços prestados, em concordância com as respostas dadas noutras questões do questionário.

65 e mais anos•�A�sociedade�apoia�os�idosos;•�Acho�que�já�dão�mais�atenção;•�Agora�olha-se�melhor�do�que�antigamente;•�De�um�modo�geral�têm�vindo�a�apoiar�os�idosos;•�Cuida�bem;•�Faz�o�que�pode;•��Encara�bem.�Existem�os�centros�de�apoio�para�

passar o tempo. As pessoas são simpáticas e a alimentação é boa;

•�A�mim,�nunca�ninguém�me�chamou�velha;•�Ultimamente�encara�melhor.�Há�mais�apoios;•��Aqui�no�Centro�tratam-nos�muito�bem.�Falam�

bem connosco;•��Acho�que�os�idosos�têm�muita�gente�que�olha�por�

eles;•�Actualmente,�com�mais�respeito;•�Já�foi�pior.�Não�tenho�razões�de�queixa;•��Melhor,�porque�antigamente�não�havia�Centros�

de Dia;•��Não�me�posso�queixar.�O�pessoal�do�Centro�

de Dia é muito bom, as pessoas são muito simpáticas e fazem um bocadinho de companhia. Os meus filhos e netos vêm cá muitas vezes;

•�Sempre�fui�respeitado.

Menos de 65 anos•��Acho�que�a�sociedade�dá�mais�atenção�aos�idosos�

do que antigamente;•�Acho�que�encara�bem�porque�tem�instituições;•�Encara�bem;•��Está-se�a�fazer�muito�por�eles,�constroem-se�lares,�

existem passeios. O país nesse aspecto tem andado bem;

•��Estão�a�ter�mais�cuidado.�Quando�a�família�não�quer saber o que nos safa são as instituições;

•��Está�melhor�mas�antes�eram�ignoradas.�Actualmente há um maior interesse nos idosos;

•��Há�mudanças�no�sentido�de�dar�mais�apoio�aos�idosos;

•��Hoje�está�com�muita�atenção�à�terceira�idade,�principalmente em Matosinhos;

•�Mostra�preocupação�com�os�idosos;•��Como�elementos�com�experiência�de�vida.�

A tendência da evolução da sociedade, o envelhecimento, leva a que os idosos sejam mais valorizados;

•��Sinto�que�as�coisas�estão�a�melhorar,�pois�os�jovens�estão cada vez mais a contribuir na ajuda às pessoas idosas;

•�Tenta�resolver�as�principais�carências.

Opiniões favoráveis

Disseram…

98 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

Como melhorar as condições de vida das pessoas idosas (% de casos)

As diferenças relativamente aos dois grupos revelam que as pessoas mais velhas apontam mais para a necessidade de criação de lares, e para a melhoria, ou criação, de serviços e equipamentos, sem se especificar quais. Segue-se, depois, a necessidade de mais apoio económico, sentida, certamente, como consequência do baixo valor das pensões que ainda hoje são panorama generalizado.

As duas primeiras condições são também referidas pelas pessoas com idades entre os 50 e os 64 anos, sendo, no entanto, inversa a ordem de prioridades. A necessidade de criação de mais Centros de Dia ou de Convívio e haver mais actividades, nomeadamente desportivas e culturais, surgem quase a par, denotando-se, deste ponto de vista, uma vontade destas pessoas se manterem activas e ocupadas.

Por último, cabe notar que, em ambos os grupos, se aponta uma diversidade de condições que devem, certamente, ser tidas em conta na formulação de um plano dirigido ao envelhecimento, a nível local.

50-64 anos 65 + anos

27,2

14,6

5,8

15,5

38,8

7,85,8

1,9 2,9 3,9

34,1

6,18,4 7,5

24,3

8,4 9,3

1,9 1,93,7

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Apoio económico

Mais actividades

Mais/melhores equipamentos/serviços

Centro de convívio/dia

Lares

Apoio domiciliário Voluntariado

Ajuda na habitação

Melhores serviços de saúde

Outros apoios

A CMM tem feito um bom trabalho

12,617,3

99ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVII. PERCEPÇÕES SOBRE A VELHICE

No fundo, as pessoas entrevistadas apontam para linhas de actuação que vão no sentido de mais recursos e serviços que favoreçam um envelhecimento activo; que as mantenham no seu domicílio (independentemente da necessidade de Lares para atender a situações específicas); que tenham em atenção as pessoas com problemas de saúde e limitações de autonomia; que promovam o convívio e estimulem um sentimento de pertença e utilidade social; que minimizem as dificuldades económicas.

O envelhecimento da população é um fenómeno que tende a persistir e com o qual as sociedades vão ter que lidar no futuro. Encontrar a melhor forma de actuar perante o fenómeno é uma responsabilidade do Estado, das diversas instituições/entidades actuantes e até nossa enquanto indivíduos, de forma a garantir a satisfação das necessidades, dos direitos daquelas/es que foram e, ainda são, indivíduos actuantes, tendo sempre em conta que aquela será a nossa realidade um dia.

“Definitivamente, o que se pretende é fazer nascer uma consciência mais esclarecida e estreitar vínculos de cooperação capazes de melhorar a vida das pessoas. Nesse pressuposto, faz sentido pensarmos a educação intergeracional, enquanto processo de capacitação de pessoas para o pleno exercício da sua civilidade, de eliminação dos preconceitos por razões de idade e contra o medo do nosso envelhecimento” (Palmeirão, 2008).

65 e mais anos•�Mais�transportes�públicos;•��Gostava�de�ter�uma�piscina�de�água�quente�como�

existe em Espinho;•�Apoio�jurídico.�Mais�informação�;•�Espaços�de�fisioterapia.�Hospital�de�Retaguarda;•��Mais�auxilio�no�domicílio�para�pessoas�menos�

capazes;•��Criação�de�estruturas�para�combater�o�

isolamento desta população;•��Dar�prioridade�às�pessoas�sozinhas�ajudando-as�

a resolver problemas do quotidiano;•��Deviam�existir�pessoas�pagas�pelo�Estado�para�

virem a casa fazer companhia. Passa-se muito tempo sem falar com alguém;

•�Apoios�para�combater.

Menos de 65 anos•�Uma�piscina.�Mais�actividades�para�idosos;•�Reduzir�os�preços�do�lar;•�Mais�apoio�e�carinho;•�Mais�informação;•�Mais�policiamento;•��Pessoas�especializadas�que�os�acompanhassem,�

para não estarem tanto tempo sozinhos;•��Não�dar�tanto�RSI�a�pessoas�que�podem�

trabalhar e as pessoas idosas que trabalharam toda a vida não têm dinheiro para comprar medicamentos.

Disseram…

100 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

101ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

30 Os nomes utilizados nestas estórias são fictícios.

VIII. Relatos de estórias com idade30

AnaTem 80 anos e nasceu em Cinfães do Douro no seio de uma família com 7 filhos, em que a mãe trabalhava de servente na Agricultura e o pai como Pedreiro. Actualmente, vive em Custóias com uma neta e respectivo companheiro e duas bisnetas. É divorciada.

Percurso escolar e profissional

Dª Ana frequentou a escola até aos 9 anos, mas recorda a escola como uma experiência negativa por causa da professora bater nos alunos com uma cana e palmatória. Em criança tinha muitas dores de cabeça que às vezes lhe causavam falta de visão durante 3 dias. Devido a este problema de saúde, uma vez não teve a possibilidade de realizar os “trabalhos de casa” e a professora bateu-lhe muito. Face a este comportamento da professora, a mãe tirou-a da escola.

Foi, então, trabalhar para outra aldeia, para casa de uma senhora onde realizava serviços domésticos. Refere que visitava de vez em quando a casa dos pais e que, para isso, atravessava o rio de barco. Tinha 9 anos de idade e esteve naquela casa durante um ano.

Aos 10 anos foi trabalhar para um lavrador da sua aldeia: cultivava a terra; cuidava dos animais; cortava o mato na floresta; guardava os animais no monte. “Era pesado”.

Aos 17 anos foi trabalhar para o Porto como empregada doméstica interna, tendo exercido essa actividade até aos 30 anos, idade com que se casou.

Pouco tempo antes de se separar, foi trabalhar para uma empresa que comercializava aves e aí trabalhou como empregada de limpeza.

Reformou-se com 65 anos e ainda trabalhou após a reforma.

Casamento e divórcio/viuvez

Diz que foi infeliz no seu casamento, o marido maltratava-a (psicológica e fisicamente) e aos filhos. “Ele era muito mau, bateu nos filhos e em mim, ficava zangado quando me via a falar com alguém, não queria que eu falasse com as pessoas...”.

Até que um dia arranjou outra mulher e abandonou a casa, levando-lhe todo o dinheiro que estava depositado no banco. Após 5 anos foi decretado o divórcio por tribunal. O apoio financeiro que recebeu foi apenas para o filho mais novo.

102 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

O seu casamento durou cerca de 13 anos e deu-lhe 7 filhos, 13 netos e 3 bisnetos.

Reforma e envelhecimento

A passagem è reforma, que associa ao envelhecimento foi um momento triste: passou a sentir-se inútil. Tem saudades da juventude e dos melhores anos da sua vida, até casar. Enquanto foi solteira trabalhou muito, mas convivia muito e não lhe faltava nada. “Tive uma boa juventude e fui feliz”.

À medida que envelhece sente que os seus problemas de saúde se acentuam e que lhe causam dificuldades ou impedem-na de realizar actividades que gostava de realizar. “O trabalho era a minha distracção”.

Tem muitas dores nos joelhos, incham-lhe as pernas e pés. Tem problemas de visão acentuados. Só vê do olho esquerdo, que tem apenas uma capacidade de visão de 30%.

Apoios financeiros

Recebe 360€ por mês da pensão através da Caixa Geral de Aposentações. Considera que este valor é suficiente para viver e pagar as suas despesas.

Como vive com a neta não tem grandes despesas na alimentação e habitação, mas ela também sempre vai ajudando, não só esta neta mas as outras, assim como as filhas, emprestado ou dando dinheiro.

Em termos de protecção social usufrui de reforma pelo sistema da Segurança Social e de pensão de sobrevivência.

Vivem num T3, onde tem um quarto só para si com casa de banho.

Redes de Sociabilidades

Dª Ana tem facilidade em estabelecer relacionamento com outras pessoas: interage diariamente com a família e colegas do Centro de Dia. De vez em quando fala com os vizinhos.

Tem um bom ambiente familiar e gosta muito de viver com a neta.

Os seus filhos são seus amigos e visitam-na com regularidade, mas não vê os seus irmãos há muito tempo.

Frequenta a valência de Centro de Dia, desde Abril de 2008, e está contente com este apoio, porque “tenho companhia durante o dia”. Antes de estar integrada nesta valência sentia-se só pois a sua família tem dificuldade em estar com ela, devido às obrigações profissionais e escolares.

No Centro de Dia estabelece facilmente relacionamento e faz amigos.

Em termos de participação social não participa em qualquer actividade de voluntariado, não é sócia de qualquer instituição, nem participa em actividades religiosas.

103ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

MárioReside na freguesia de Leça do Balio, onde vive só. Tem 68 anos e é divorciado.

Família de origem

Sr. Mário considera que teve uma vida difícil na sua infância.

O seu pai era carpinteiro e a sua mãe era operária fabril. O seu pai faleceu quando tinha 1 ano de idade e a sua mãe voltou a casar, tendo do segundo casamento duas filhas.

Percurso escolar e profissional

Foi para a escola com 7 anos e concluiu a 4ª classe, com 11 anos. Aos 12 anos foi trabalhar para o comércio, numa loja de roupa na Senhora da Hora.

Aos 14 anos, devido a problemas de relacionamento com a sua mãe (ela quis impor-lhe que fosse trabalhar para a EFANOR e ele recusou devido a querer continuar a trabalhar no comércio), foi viver para casa da avó, “numa casa muito velha”.

Estudou à noite, numa escola comercial, onde concluiu o 7º ano de escolaridade, tendo interrompido devido ao acréscimo de responsabilidade que começou a ter no emprego.

Do seu ordenado retirava metade para dar à mãe que vivia com dificuldade económica.

Aos 18 anos foi trabalhar para outra loja, sendo que ao longo da sua vida manteve a profissão de empregado no comércio.

Assumiu o cargo de gerente numa loja que, naquela altura, facturava 60 mil contos ano, chegando a facturar 600 contos aos sábados. O patrão, ao fim do ano, dava-lhe uma percentagem sobre o lucro alcançado. A partir de um determinado momento o patrão colocou-lhe a condição de que só lhe atribuiria percentagem, se ele atingisse um determinado valor de facturação.

Devido ao stress e dificuldade em atingir os objectivos estabelecidos pela entidade patronal, começou a ter problemas de saúde mental, a ponto de ter medo de ir trabalhar. “Tinha medo de sair de casa e de ir para a loja”.

Esteve internado no Hospital Magalhães Lemos durante 6 meses e frequentou o serviço de terapia ocupacional durante 5 anos.

Reformou-se com 52 anos devido a problemas de saúde mental: tinha uma neurose fóbica diagnosticada.

Casamento e divórcio/viuvez

Sr. Mário divorciou-se por mútuo consentimento aos 60 anos de idade. O divórcio surge na sequência do seu problema de saúde. “Ela tinha dificuldade em lidar com os problemas de saúde mental”.

Após o divórcio foi viver para casa da mãe que, nessa altura, tinha 84 anos. Apesar da idade, a mãe continuava a ser uma pessoa autoritária e obrigava-o a acatar as regras impostas por ela. Aí residiu por mais 8 anos. Saiu devido a conflitos originados pela sua irmã e sobrinha que viviam no rés-do-chão.

104 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

Reforma e envelhecimento

A reforma foi, para ele, uma situação boa pois ficou liberto do stress do trabalho.

Para o Sr. Mário, o envelhecimento significa perda de capacidades físicas e cognitivas, que nota que se vão acentuando à medida que a idade vai evoluindo.

Refere sentir-se debilitado a nível físico por não ter a resistência que tinha. Devido aos seus problemas de saúde mental tem acompanhamento da especialidade de Psiquiatria no Hospital de Magalhães Lemos.

As suas principais dificuldades são na saúde, tendo por três vezes tentado o suicídio. Tem doença de Parkinson que lhe origina limitações a nível físico.

Apoios financeiros

Recebe uma reforma de 400€ que considera baixa, mas não tem dificuldades financeiras, porque é suficiente para as suas despesas.

Usufrui gratuitamente de uma habitação, um T0 com boas condições de salubridade.

A filha dá-lhe apoio na alimentação ao fim de semana e trata-lhe da higiene da sua roupa.

Redes de Sociabilidades

Gosta de viver só.

Tem uma boa relação com a filha e com o genro, a até com a ex-mulher.

Não tem dificuldade em estabelecer comunicação com as outras pessoas apesar de ter um problema de gaguez.

Fala com os vizinhos, que já lhe demonstraram receptividade em dar-lhe apoio no que ele necessitar. Tem algumas pessoas amigas em quem confia para desabafar sobre os seus problemas.

Há uns anos atrás foi fundador da Cooperativa de Habitação “Juntos Venceremos”, e actualmente é sócio do CATI, com o intuito de vir a ser integrado no Lar.

Refere que ao longo da sua vida empenhou-se na sua formação cultural e pessoal e gosta de ir ver exposições culturais.

Actividade Política

Teve também uma actividade política. Com 19 anos integrou-se no “Grupo Jovens Livres”, ligado ao Partido Comunista, tendo assumido no grupo o cargo de dirigente.

Devido à sua ligação ao Partido Comunista foi preso pela PIDE aos 21 anos. Esteve preso durante um ano, tendo sido muito maltratado pelos guardas. Após o 25 de Abril integrou-se novamente no Partido Comunista.

Foi membro da Assembleia de uma Junta de Freguesia do Concelho. Estabeleceu contacto pessoal com Álvaro Cunhal e Ilda Figueiredo.

IsauraÉ viúva. Tem 82 anos e reside na freguesia de Custóias, com uma filha.

105ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

Família de origem

Dª Isaura é natural de Vale de Telhas, concelho de Mirandela.

Os seus pais tiveram 2 filhas.

Tinham campos e toda a família trabalhava no cultivo da terra.

O seu pai emigrou para o Brasil e para França quando ela era ainda bebé.

Por isso, só conheceu o seu pai quando tinha 12 anos. Lembra-se do momento em que ele apareceu e que ao apresentar-se pediu para ela lhe beijar a mão. Ela recusou: “nunca o tinha visto em casa!”.

Diz que o pai era mau e exercia maus-tratos físicos sobre a mulher e as filhas: “ele trouxe um chicote e batia com ele na minha mãe, (...) quando ele batia na mãe, eu e a minha irmã íamos acudi-la e ele agredia-nos“. Lembra-se ainda de outro episódio, em que tinha combinado com as amigas festejar o Carnaval e por ter pintado os lábios o pai já não a deixou participar.

“Sofri muito por causa do meu pai, quando ia à missa, nas orações, pedia que «se tiver que casar, que Deus me dê um bom homem»”.

Deus atendeu o seu pedido, pois o seu marido era boa pessoa, seu amigo e nunca lhe bateu: “Mas se me maltratasse eu o teria deixado”.

Percurso escolar e profissional

Foi para a escola com 7 anos e fez a 3ª classe. Saiu da escola aos 10 anos e até à idade de casar ajudou a mãe nas tarefas domésticas e do campo. “Não passei fome”.

Mais tarde, já casada, emigrou para Angola, onde abriram um café. Aí, auxiliava o marido no negócio atendendo diariamente os clientes com a ajuda da filha, enquanto o marido ia com o camião buscar a mercadoria.

Tinham bens imóveis: habitação própria; lojas e uma casa que arrendaram. Considera que viveu muito bem em Angola.

Veio para Portugal aquando da Revolução de 25 de Abril. Compraram uma casa antiga no Bairro do Barreiro, em Valpaços, que reconstruíram. O seu marido comprou uma fazenda perto do Buçaco onde ocupavam o tempo a cultivar a terra.

Casamento e viuvez

O casamento veio aos 27 anos e teve dois filhos e uma filha.

O que veio a ser seu marido foi apresentado pelo cunhado e no início “não gostava dele, mas depois …”.

Casaram em Mirandela e foi viver com ele para Angola, onde o seu marido era já proprietário de um café e de uma loja.

O marido morreu tinha Dª Isaura tinha 58 anos, faleceu com cancro no estômago.

Reforma e envelhecimento

Reformou-se com 60 anos e gostou.

106 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

Para Dª Isaura envelhecer significa tristeza porque sabe que vai morrer. Pensa muito na morte, sente que o tempo que tem de vida é cada vez mais curto.

Tem vários problemas de saúde: doença osteo-articular, vertigens, hipertensão, insónia, problemas de estômago e colesterol elevado. Já fez duas cirurgias. Os problemas de saúde originam-lhe dificuldade na realização de algumas actividades da vida diária: tem dificuldade em deslocar-se sozinha à rua e necessita do apoio de uma bengala para andar, e da ajuda para tomar banho.

As suas principais dificuldades são ao nível da saúde e das finanças.

Apoios financeiros

Tem uma pensão de 236.47€ por mês, “gostava de ter uma reforma maior, esta é insuficiente para as despesas”. Às vezes, num mês, tem uma despesa superior a 100,00€ em medicação.

Fez a partilha dos seus bens pelos filhos, mas apesar disso um dos filhos é pouco receptivo a dar-lhe apoio financeiro.

Redes de Sociabilidades

Dª Isaura tem facilidade em estabelecer relacionamento com outras pessoas, gosta muito de conversar.

Os filhos, residentes no Canadá e Valpaços, telefonam de vez em quando.

A Dª Isaura tem um bom ambiente familiar, gosta de viver com a filha e ela “trata-me muito bem”.

Frequenta a valência de Centro de Dia, desde Fevereiro de 2008, e está satisfeita por usufruir deste serviço devido a ter companhia. A filha é enfermeira e não tem disponibilidade de estar com ela durante o dia. No Centro estabelece um bom relacionamento com as outras pessoas e gosta imenso de conversar.

OtíliaTem 82 anos e é viúva. Vive com um filho na freguesia de Custóias.

Família de origem

Na sua infância passou fome. O pai foi para a Guerra (1ª Guerra) em França, deixou a mãe em Portugal com 5 filhos. Enquanto o pai andou na guerra não podia enviar dinheiro, tendo ela e sua família passado fome.

Percurso escolar e profissional

A Dª Otília fez a 3ª classe com 9 anos e só veio a concluir a 4ª classe com 28 anos, na escola da Senhora da Hora.

Foi servir com 10 anos para uma casa de agricultores e não gostou do trabalho que fazia: cultivava; carregava cestos de estrume à cabeça para terrenos onde não ia o carro dos bois; auxiliava na moagem dos cereais em moinhos de água “no�Inverno�ia�para�o�moinho�do�rio�Gato�e�no�Verão�ia�para o moinho no rio Ave moer a farinha”.

Aos 15 anos devido a ter saudades da família e da sua terra, foi viver novamente com a mãe e ajudou-a até aos 19 anos na confecção de chapéus de palha, uma actividade artesanal. Os chapéus eram vendidos a feirantes da Povoa do Lanhoso e de Braga. Gostou de fazer chapéus de palha e

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empenhava-se para que estes fossem perfeitos “eu era uma artista em chapéus, os meus chapéus eram mais perfeitos do que os da minha mãe, os meus vendiam-se bem e ela queria que fizesse uma jornada deles.”

Aos 23 anos foi que a trabalhar para uma empresa fabril no Norte, onde fazia o turno da noite.

Deixou este trabalho com 33 anos para cuidar dos filhos. Nunca mais exerceu qualquer actividade profissional remunerada, tendo-se dedicado à realização dos serviços domésticos e à assistência da família. Nos momentos livres fazia crochet, para ela, e para pessoas que lhe pediam.

Casamento e divórcio/viuvez

Aos 17 anos foi pedida em casamento e casou com 19 anos. Nessa altura viu partir a mãe e os irmãos para a França para se reunirem com o pai.

Com 20 anos teve o 1º filho que morreu logo após o nascimento. Ficou novamente grávida aos 21 anos teve 1 filho e logo aos 22 anos nasceu a filha mais nova que o marido não chegou a conhecer pois faleceu antes do nascimento da filha, devido a tuberculose na laringe.

Sozinha com dois filhos resolveu emigrar para França, para casa dos pais onde apenas permaneceu três meses, inconformada com os maus-tratos que o pai dava à mãe: “...eu via-o a bater na minha mãe e ficava revoltada com aquela situação. Eu não discutia com ele porque lhe tinha respeito, uma vez a minha mãe estava magoada de ele lhe dar uma coça e ele vota-nos cá fora, fecha-nos a porta e vai-lhe tornar a bater, e eu dei um murro na janela que estava baixinha e entrei para dentro e peguei num ferro e disse: ‘ó pai deixe a minha mãe, se não eu perco a minha cabeça! ‘ Se ele não parasse eu dava-lhe com o ferro, eu era magrita mas tinha força. A partir daí ele deixou de bater na minha mãe e pagou-me a viagem de regresso a Portugal”.

Após pouco tempo de chegar a Portugal a sua mãe faleceu na sequência da diabetes. O seu pai morreu também, logo em seguida na mina onde trabalhava. Estão os dois enterrados em França.

Aos 30 anos voltou a casar com um homem 16 anos mais velho, viúvo e com duas filhas. Dessa relação, teve mais um filho e uma filha.

O seu segundo marido era estivador.

Era seu amigo e dava-lhe dinheiro suficiente para a despesa da casa. Foi feliz nos dois casamentos - “eu nunca levei uma sapatada de um homem” e impedia que batesse nos filhos. Um dia, quando o segundo marido ia bater na sua filha mais velha, disse-lhe: “bates nos meus filhos quando eu bater nos teus!”.

Davam-se bem e passeavam muito. A morte do marido foi um acontecimento traumatizante: morreu de repente com 77 anos devido a problemas pulmonares originados pelo facto de fumar muito. Já passaram 22 anos, mas continua a ter muitas saudades dele.

Reforma e envelhecimento

Reformou-se por invalidez com 36 anos devido a um quisto no cérebro. A passagem à reforma foi algo de positivo pois permitiu-lhe usufruir de dinheiro para as suas despesas.

Mas o envelhecimento, encara-o com muita tristeza. Sente-se triste por precisar da ajuda de outras pessoas para realização de tarefas que não consegue executar, nomeadamente cozinhar, limpar a casa, tomar banho. Para andar necessita do apoio da bengala.

108 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

Encara muito mal a velhice, dado que só pensa na morte “...não peço anos ou meses de vida, eu todas as noites peço um dia de vida”.

A situação de saúde é débil. Já fez duas cirurgias (ao estômago e à vesícula), tem diabetes, incontinência urinária para além de um quisto no cérebro que precisa de ser constantemente vigiado.

Apoios financeiros

A habitação em que reside é velha mas “para os anos que eu devo durar, posso bem continuar a morar lá”.

Tem uma grande despesa com medicação, cuecas fralda e pensos, sendo a sua reforma às vezes insuficiente para fazer face a estas despesas.

O filho, que reside consigo, tem problemas de toxicodependência e alcoolismo (actualmente a fazer tratamento com metadona no CAT), e exige dinheiro diariamente à mãe.

Dª Otília dá-lhe apoio o financeiro possível: “ele tem esses vícios, se eu não ajudo alguma coisa ele pode dar um homem ladrão e eu não queria. Está-me a custar um bocado mas...”. Preocupa-se com ele porque não faz uma alimentação equilibrada e não consulta o médico: ”agora ele anda doente do pé e não quer ir à “Caixa”. Os comprimidos que ele toma para dormir são meus”.

Tem apoio da filha mais velha que vai todos os dias para lhe prestar assistência e ao fim-de-semana, quando não está no Centro de Dia leva-lhe sopas. Mas a Dª Otília tem que pagar todo o apoio que recebe. Paga a sopa que a sua filha lhe leva ao fim-de-semana (cerca de 20,00€ por mês).

Redes de Sociabilidades

Gosta muito de conversar. Todos os dias fala com algum vizinho, tem uma boa relação com os vizinhos.

Quando esteve doente todos os dias tinha visitas dos vizinhos e de pessoas amigas.

O filho mais velho cortou relações com a mãe há muitos anos, por causa do irmão mais novo residir com ela. Da filha mais velha que vai lá todos os dias, a Dª Otília tem algumas queixas porque diz que ela lhe grita muito. A filha mais nova visita-a de 15 em 15 dias.

O filho mais novo enveredou pelo consumo da droga há mais de 25 anos e foi viver com a mãe, há cerca de 24 anos, o marido ainda era vivo.

Queixa-se que o filho lhe chama nomes: “neste sábado á noite chamou-me corna,... Eu disse-lhe que não sabia o que quer dizer isso e chamei-lhe corno.” Refere ainda que ele trata mal qualquer pessoa, inclusive a mãe: “você para mim não me é nada” e agride verbalmente a irmã mais velha.

Diz que gostava de ter melhor atenção por parte dos seus filhos e que necessita de carinho.

Tem apenas uma irmã viva, que reside em França e com quem não fala há mais de 15 anos, visto ter perdido o contacto com ela, mas gostava muito revê-la. As filhas do seu marido são suas amigas e ás vezes fala com elas.

Gosta de frequentar o Centro do Dia porque usufrui do apoio em alimentação adequada aos seus problemas de saúde, gosta da camaradagem, tem conforto dos colegas e das funcionárias.

Não vai à igreja devido à dificuldade que tem em andar, mas todas as semanas recebe a visita de um membro da igreja católica que lhe dá a comunhão. Durante 20 anos foi Evangélica, mas deixou essa

109ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

igreja porque nenhum membro evangélico foi visitá-la ao Hospital, quando foi operada “só recebi visitas de pessoas católicas e devido a esta situação resolvi mudar de religião”.

IsabelTem 93 anos, é viúva e vive sozinha.

Família de origem

Dª Isabel viveu uma infância curta, interrompida pela necessidade de trabalhar cedo devido às dificuldades económicas que a família vivia.

Os episódios mais relevantes foram vividos na Quinta dos “Brasileiros”, localizada em Santa Margarida, concelho de Lousada, local onde a sua mãe trabalhava.

Era uma criança adorada por todos, em especial pelos seus senhorios, donos da Quinta, que a acolhiam em sua casa com muito carinho.

Recorda-se, de passear pela Quinta descalça, enquanto observava a mãe a colher o milho. Tinha o hábito de ir à vinha para comer uvas, ou à figueira apanhar figos. Lembra-se de assistir a grandes saraus na sala de visitas, sentada no sofá, deliciada com os vestidos das senhoras que iam visitar os seus senhorios. Brincava imensas vezes com o papagaio que havia no salão, considerava-o seu amigo, pois era divertido e fazia-a rir imenso. À noite jantava na mesa grande da cozinha, juntamente com os funcionários da Quinta. Adorava comer arroz com feijão acompanhado com o vinho da casa. Ao serão, esmigalhava bacalhau para cear.

Percurso escolar e profissional

Não frequentou a escola primária e nunca teve a oportunidade de ter amigos da sua idade para brincar. Relacionava-se com gente adulta que trabalhava juntamente com a sua mãe na Quinta dos “Brasileiros”.

Aos dez anos de idade Dª Isabel, foi viver com a irmã mais velha para Matosinhos, onde trabalhou como aprendiza de costureira com uma senhora que tinha um atelier de costura perto da Igreja de Matosinhos. Foi um período muito importante da sua vida, pois descobriu a sua vocação de costureira.

Casamento e divórcio/viuvez

Casou-se aos 17 anos de idade, tendo conhecido o marido aos doze, na padaria onde ele trabalhava. Para além de trabalhar na padaria, o marido de Dª Isabel organizava bailes no orfeão de Matosinhos.

Nos primeiros dois anos do casamento tentou engravidar, mas sem sucesso e julgou ter algum problema de fertilidade. Mais tarde conseguiu engravidar do seu primeiro filho, o que foi o melhor momento da sua vida. Três anos mais tarde engravidou do segundo filho. Actualmente tem ainda três netos e quatro bisnetos.

Depois do nascimento do primeiro filho, Dª Isabel desconfiava que o seu marido a enganava, pois estava sempre ausente durante o fim-de-semana. Um dia tomou coragem e foi com o bebé ao colo, e uma amiga, ao orfeão de Matosinhos. O porteiro não a queria deixar entrar por ter um bebé ao colo, ao que ela respondeu que o marido era o organizador do baile e que, como tal, tinha todo o direito de entrar. O porteiro vacilou, mas lá a deixou passar. Quando entrou no salão viu o marido

110 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoVIII. RELATOS DE ESTÓRIAS COM IDADE

a dançar com outra pessoa, aproximou-se dele com muita calma e disse-lhe: ” Se queres dançar pega no teu filho ao colo e dança com ele.” Virou-lhe as costas e foi embora.

Reforma e envelhecimento

Para Dª Isabel a passagem à reforma foi um período um pouco difícil, pois sentia falta da rotina que tinha e do convívio com as colegas de trabalho. No entanto, em casa, continuaria a exercer a actividade de costureira, o que amenizou um pouco o seu estado de alma.

A fase de envelhecimento foi um pouco tensa.

A partir dos 60 anos de idade sentiu-se mal, pois não conseguia fazer as actividades com a mesma perfeição que há uns anos atrás. Confessou ao seu filho mais novo que não duraria mais de 1 ano.

Actualmente não sofre de nenhuma doença grave, mantendo-se bastante lúcida e com uma excelente memória.

Apoios financeiros

A nível financeiro vive com algumas dificuldades, mas o seu filho mais novo ajuda-a sempre que pode na compra dos medicamentos, alimentação e roupa.

Vive numa pequena casa em mau estado de conservação.

111ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoCONCLUSÂO

ConclusãoEm termos demográficos, Matosinhos segue a tendência do País no que diz respeito a um acentuado “duplo envelhecimento”, espelho do desequilíbrio entre taxas de natalidade e de mortalidade.

Na sequência de melhores condições de vida e de saúde, os indivíduos dispõem hoje de mais anos para viverem, o que se traduz num aumento expressivo do número de pessoas mais velhas que, de bem “escasso”, se vêem agora num quadro da sua “quase proliferação” (Áries, 1991).

Em 2007, viviam no Concelho de Matosinhos cerca de 24 500 pessoas com mais de 64 anos, o que significa 14.5% da população residente. Se esta percentagem é mais baixa do que aquela que se regista, no mesmo ano, tanto no Grande Porto, como na Região Norte e no País, ela é o resultado de um envelhecimento demográfico continuado ao longo dos últimos anos, que não dá indícios de desaceleração.

Associado ao envelhecimento está a feminização da população idosa e, em particular, a muito idosa (75 e mais anos), como consequência de uma maior esperança de vida das mulheres: em 2007, 58% das pessoas idosas do Concelho eram mulheres.

O estudo revela bem a pluralidade das condições e das situações vividas pelas pessoas idosas que resultam de percursos diferentes, contextos distintos, mas também de atitudes e comportamentos diversos face à vida e ao próprio envelhecimento. Longe de ser uma realidade homogénea, o envelhecimento traduz-se na existência de pessoas mais velhas em plena actividade, mas também de pessoas com uma autonomia muito limitada e de saúde frágil, o que aponta no sentido inequívoco de uma cada vez maior diversificação de serviços, de modo a se ir ao encontro de um número cada vez maior de pessoas e de melhor se ajustar as respostas a diferentes expectativas e necessidades.

Embora a reforma não defina já a condição de “idoso”, ela continua a ser uma das etapas mais marcantes do ciclo de vida dos indivíduos. Ela significa, por excelência, um tempo de mudança: altera-se o rendimento e a forma de o obter; alteram-se ritmos de vida e formas de organização do quotidiano; reconstroem-se laços; adquire-se novo estatuto.

A grande maioria das pessoas entrevistadas fez uma apreciação positiva da sua adaptação à reforma, em particular as mulheres para quem será mais fácil encontrar ocupação na família e nela nova referência para a definição de um novo estatuto.

Para quem se afirmou por uma adaptação positiva, e para aqueles/as com idades compreendidas entre os 50-64 anos para quem a reforma ainda não aconteceu, esta é entendida como uma oportunidade para a realização de projectos pessoais: passar mais tempo com a família surge como prioridade, a que se segue a vontade de participação em actividades culturais.

Por outro lado, as dificuldades associadas à reforma são, sobretudo, uma maior debilidade física (que em boa parte dos casos se constitui como razão para se reformarem) e um aumento das debilidades financeiras.

Por comparação com outros indicadores de âmbito nacional, as pessoas idosas residentes em Matosinhos verbalizam, em menor número, dificuldades de gestão do seu orçamento familiar. De qualquer modo, 70% afirma ter alguma dificuldade em que o dinheiro chegue ao fim do mês, e cerca de 13% afirmou que a sua situação financeira é “má ou muito má”. A condição

112 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoCONCLUSÂO

económica destas pessoas não é alheia a percursos profissionais de precariedade e aos baixos níveis de escolaridade tão presentes entre a população entrevistada. Esta é, no entanto, uma característica que se altera na população dos 50-64 anos que se revela mais qualificada escolar e profissionalmente e, como tal, com maior capacidade financeira. As condições económicas deste grupo etário mais novo, onde 45% da população está ainda a trabalhar, introduz uma ruptura no grupo, dando lugar à emergência de maiores desigualdades, do que as existentes nos mais velhos, algo que, eventualmente, o sistema de protecção social não terá condições para corrigir.

A saúde - o “não ter forças para levar uma vida normal”- é uma preocupação maior das pessoas idosas, sendo que as mais novas revelam comportamentos mais preventivos face a um conjunto de factores de risco (alimentação; exercício físico; consumo de tabaco). 36.3% das pessoas com mais de 64 anos, apresenta pelo menos uma dificuldade que limita a sua autonomia física diária. Nestas situações é a família o grande suporte. Seis em cada dez dos casos de dependência, ou de outras necessidades, é na família que se encontra o apoio o que, considerando o enquadramento familiar destas pessoas, significa que uma boa parte dos cuidados é prestado por mulheres também elas idosas, o que continua a manter actual a questão colocada por Alan Walker (1992)”quem cuida dos cuidadores?”, o que significa que “uma análise da situação do idoso, nomeadamente em contexto familiar, não pode ser desligada da problemática das pessoas prestadoras de cuidados informais” (Perista, 2000) e das reais condições (físicas, psicológicas e afectivas) para a concretização de tais cuidados à pessoa que deles necessita.

Esta é uma preocupação de profissionais da área que são frequentemente confrontadas/os com o esgotamento das famílias que procuram manter as pessoas idosas no seu domicílio e que, muitas vezes, têm que lidar não só com as suas limitações físicas, mas também com um desconhecimento das estratégias que poderiam ser accionadas com vista a uma minimização dos esforços. Acções de apoio dirigidas às cuidadoras/es informais impõem-se, assim, no plano de intervenção estruturado para o envelhecimento.

Cerca de um terço das/os entrevistados/as, com mais de 64 anos, vive só. Essa percentagem atinge aproximadamente 40% nas mulheres; apenas 13% entre a população masculina. Estes elementos reforçam a ideia de que o envelhecimento, e uma vida só, é uma realidade no feminino. Apesar de tudo, e em geral, é explicitado que os contactos regulares com as famílias são frequentes e a grande maioria das pessoas entrevistadas avalia positivamente as suas relações familiares.

Mesmo que mantida uma convivência regular com a família, amigos e vizinhos, o sentimento de solidão está presente em grande parte das pessoas entrevistadas, configurando-se uma “solidão acompanhada”, muito fomentada pelo acumular de perdas que as pessoas que têm o privilégio de terem vidas mais longas experimentam: a saída dos filhos de casa; a perda de familiares; a viuvez; o surgimento de algumas limitações físicas; a raiva de, tal como diz o poeta de “não trazer o passado na algibeira”. Todos estes são aspectos que dão corpo a um sentimento de solidão:

“O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio” (Álvaro Campo, “Aniversário”).

Ainda que sós, a privacidade e autonomia na gestão da sua própria vida são, para estas pessoas, valores a preservar. Assim, para a maioria das pessoas inquiridas, a situação ideal será a de manter um contacto regular com as famílias, valorizando-se, assim, uma “intimidade à distância”.

113ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoCONCLUSÂO

Para além do apoio que recebem as pessoas idosas são, elas próprias, uma mais valia prestando ajuda a vários níveis. Cerca de 30% ajuda as suas famílias no seu dia-a-dia, cuidando das crianças, ajudando nas lides domésticas, fazendo recados e, até, apoiando financeiramente.

Os indicadores das condições de habitabilidade revelam que a grande maioria vive dentro dos padrões mínimos de conforto. Os casos mais graves apontam para a possibilidade de resolução tendo em conta a sua expressão numérica e, também, a natureza das situações. Comparando as pessoas que residem nas suas casas, com aquelas que estão em lar, são estas últimas que revelam piores condições de habitabilidade e de conforto, o que ainda que não tendo sido explicitado, pelas próprias, nos leva a crer que este pode ter sido um factor de institucionalização. Daí decorre que o investimento em medidas de reabilitação habitacional se constitua como uma medida de prevenção da saída de casa e entrada no lar, com toda a ruptura que isso significa.

Necessidade de apoio na doença e de sociabilidade afiguram-se como os dois factores fundamentais que leva as pessoas a recorrer, em geral, aos serviços.

São cerca de três mil pessoas que usam os serviços das diferentes instituições do Concelho. Trata-se de uma população altamente feminizada e tendencialmente muito idosa, sobretudo as dos lares e serviço de apoio domiciliário. Na sua maioria faz-se uma avaliação muito positiva dos serviços prestados pelas instituições que frequentam, sugerindo-se, no entanto, uma maior dinâmica de participação dos utentes dentro das instituições e uma maior capacidade, por parte destas, “para ouvirem”.

As imagens das pessoas idosas face ao envelhecimento oscilam entre uma perspectiva negativa “A maioria dos idosos são maltratados. Chegam a uma certa idade e ficam sozinhos (…). Ser idoso é ser deixado de lado” e uma perspectiva positiva e dignificante “Ser idoso é uma alegria porque atingimos uma idade maravilhosa”. São as pessoas mais novas que mais associam a velhice a aspectos positivos o que se constitui como um indicador de uma mudança no sentido de uma maior valorização social das pessoas idosas. No entanto, cabe referir que, com frequência, as percepções negativas do envelhecimento dizem respeito à situação dos outros que não aos próprios.

Numa sociedade onde o envelhecimento demográfico é um processo sem retorno há que entender a presença das pessoas idosas como um desafio e uma oportunidade. Olhando para a realidade do Concelho de Matosinhos basta considerar as instituições existentes que se lhes dirigem para perceber o potencial desta realidade, nomeadamente, para a criação de emprego e para o surgimento de novas actividades profissionais.

Uma sociedade envelhecida constitui, também, um desafio para uma melhor compreensão do envelhecimento como um fenómeno que diz respeito a todas as gerações, a todo o ciclo da vida humana e a todas as dimensões da vida social (onde se inclui a própria dimensão económica).

Numa sociedade envelhecida há mais oportunidades para um desenvolvimento pessoal na medida em que o avanço da idade significa uma conquista de maturidade e que “à medida que conquistamos maturidade tornamo-nos mais jovens” (Hermann Hess, “O Elogio da Velhice”).

ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

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118 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro

119ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de FuturoANEXO

AnexoMapa das Respostas Sociais na área do Apoio a Pessoas Idosas, existentes no Concelho de Matosinhos, por Freguesia

Terceira idade

Lavra

Pera�ta

Leça Palmeira

MatosinhosSrª da Hora

Guifões

Custoias

Leça do Balio

S.M. Infesta

Stª Cruz do Bispo

Centro de ConvivioCentro de DiaLar ResidencialSADADI

120 ENVELHECER EM MATOSINHOS Panorama Actual e Cenários de Futuro