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Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa
Processo nº : 201203333727
Requerente : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
Requerido : EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA e Outros.
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS ajuizou a
presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em desfavor de
PAULO RASSI, EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA e VALMIR DE SOUSA PEREIRA,
todos já qualificados nos autos, por suposta prática de atos ilegais, requerendo a
condenação dos requeridos nas sanções previstas na Lei nº 8.429/92.
Narrou o autor que o Município de Goiânia, por meio de sua
Secretaria de Saúde, firmou com a empresa EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA o
contrato de prestação de serviços nº 030/06 cujo objeto era "(...) a contratação de
empresa especializada em serviços de limpeza e higienização, limpeza de materiais
médico-hospitalares e desinfecção de artigos e superfície em unidades assistenciais de
saúde, pelo período de 12 (doze) meses", contrato este que seria viciado pois celebrado
pelo Secretário de Saúde, e não pelo Prefeito de Goiânia, em inobservância das
atribuições dos cargos públicos, prescritas no artigo 115, XIII, da Lei Orgânica do
Município de Goiânia.
Aduziu o Ministério Público que o objeto do contrato nº 030/06 seria
ilícito pois, no mesmo ano, a Administração publicou edital de abertura de concurso
público para a contratação de cinquenta servidores para o cargo de Auxiliar de Apoio
Administrativo I - Serviços de Higiene e Limpeza (Edital nº 001 de 29.11.2006), razão pela
qual não seria justificável a contratação de empresa para prestar serviços de natureza
idêntica às atribuições dos cargos a serem providos.
Epigrafou o autor que referido contrato sofreu vários aditivos ao
longo dos anos, sendo que o primeiro deles repactuou os valores iniciais de
contraprestação do ente público à empresa prestadora dos serviços de higiene e limpeza,
considerando o teor da Convenção Coletiva de Trabalho dos trabalhadores das empresas
de limpeza e conservação, o que onerou em R$ 533.812,32 (Quinhentos e Trinta e Três
Mil Oitocentos e Doze Reais e Trinta e Dois Centavos), perfazendo o montante global de
R$ 7.474.612,30 (Sete Milhões Quatrocentos e Setenta e Quatro Mil Seiscentos e Doze
Reais e Trinta Centavos).
O segundo aditivo ao contrato nº 030/06, pelo que narrou o
Ministério Público, padece de vício de nulidade, uma vez que teria havido um acréscimo
contratual da ordem de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor global do contrato,
considerado o primeiro reajuste, além de inexistir qualquer motivação idônea justificadora
da alteração do ajuste.
Obtemperou o Ministério Público que o reajuste no contrato nº
030/06 (2º aditivo), no importe de R$ 1.868.653,07 (Um Milhão Oitocentos e Sessenta e
Oito Mil Seiscentos e Cinquenta e Três Reais e Sete Centavos) teve o único objetivo de
favorecer a empresa contratada, que possuía estreitas ligações com o primeiro requerido,
não havendo nenhum acréscimo de serviço justificador de uma alteração contratual de tal
monta, pelo que entende o autor ser necessária a condenação dos requeridos ao
ressarcimento ao erário do valor acima referido.
Vociferou o proponente da ação que a violação das disposições
contantes do artigo 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, decorreu da
própria celebração do contrato, porque o seu objeto deveria ter sido executado por
servidores concursados, razão pela qual pleiteou a responsabilização dos requeridos
pelos danos causados ao erário, com a consequente devolução dos valores aos cofres
públicos, a ser resguardada através do bloqueio liminar dos bens que compõem seu
patrimônio, e a condenação nas sanções previstas no art. 12 e incisos II e III da Lei de
Improbidade Administrativa.
Ao emendar a petição inicial, fls. 646/649 dos autos, acrescentou o
Ministério Público que em 24 de fevereiro de 2006 o Município de Goiânia, por meio da
Secretaria de Saúde, firmou com a ré EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA o contrato de
prestação de serviços nº 002/06, cujo objeto era "(...) a prestação de serviços de limpeza
e higienização, limpeza de materiais médico-hospitalares e desinfecção de artigos e
superfície, por um período de seis meses, nas unidades de saúde da contratante",
novamente irregular diante da incapacidade representativa do Secretário de Saúde,
complementando a argumentação de que os serviços foram prestados por terceiros,
contudo, existiam servidores nomeados para cargos efetivos de mesmas atribuições
laborais.
Complementou o autor que, em relação ao aditivo contratual nº
002/06 (entabulado em 24 de fevereiro de 2006), o ajuste somente se concretizou para
dar suposta aparência de legalidade à despesa que efetivamente se iniciou em 26 de
julho de 2005. Aduziu que, considerando a data do primeiro empenho e a da efetiva
celebração contratual, o prazo de 180 dias, previsto no artigo 24, IV, da Lei de Licitações
foi desrespeitado, sendo que a efetivação de pagamento, sem contrato, configura ato de
improbidade administrativa, nos termos da LIA.
A inicial veio acompanhada de documentos.
Regularmente notificados a apresentarem defesa preliminar, os
requeridos manifestaram-se às fls. 1.231/1.240 e 1.258/1.270 dos autos.
O requerido PAULO RASSI alegou possuir, na qualidade de
Secretário de Saúde, competência para a celebração do contrato nº 030/06, de seus
aditivos e do contrato nº 002/06, diante das disposições constantes do artigo 18, inciso X,
da Lei Federal nº 8.080/90, porque a competência privativa do Prefeito Municipal admite
delegação e, ainda, que a Lei Municipal nº 7.047/91 atribuiu ao Secretário de Saúde o
encargo de administrar as verbas oriundas do Fundo Municipal de Saúde.
O requerido acima aludido argumentou que os serviços de limpeza
médico-hospitalares não são serviços comuns de limpeza, de sorte que as atribuições não
podem ser exercidas pelos servidores do cargo de Auxiliar de Apoio Administrativo, dada
à especificidade do objeto do contrato e da necessidade de contratação de mão de obra
especializada no trato dos dejetos hospitalares, razão pela qual não houve violação da
regra constitucional do concurso público.
Ressaltou, ainda, não existir contrato verbal entre a Administração
Pública e a empresa prestadora dos serviços contratados por meio do contrato nº 002/06,
pelo fato de o contrato inicial ter origem no Procedimento Administrativo nº 26898218,
datado de julho de 2005, que foi julgado legal pelo Tribunal de Contas dos Municípios do
Estado de Goiás, concluindo que inexistiu dolo em sua conduta, razão pela qual não teria
se configurado qualquer ato de improbidade administrativa, por inexistência de lesão ao
Erário.
Por fim, afirmou o primeiro requerido que os contratos investigados
atenderam ao Interesse Público, vinculado à eficiência na prestação dos serviços da área
de Saúde, no âmbito do Município de Goiânia, razão pela qual pugnou pela rejeição da
petição inicial, ou pelo julgamento de improcedência da ação, em caso de recebimento da
inicial.
Os requeridos EVOLU SERVIC AMBIENTAL e VALMIR DE SOUSA
PEREIRA argumentaram, em sua defesa, que o objeto dos contratos reclamou o emprego
de mão de obra especializada, não contemplada dentro das atribuições do cargo de
Auxiliar de Apoio Administrativo, e que vários aprovados no concurso desistiram da posse,
fato esse que, por si só, justificava a contratação, dada à urgência na execução dos
serviços.
Quanto ao 2º aditivo, aduziram que encartou a previsão de um
aumento contratual na ordem de 25% (vinte e cinco por cento) do valor do contrato
originário e que a majoração não chegou a ser implementada, pois foi firmado termo de
ajuste posterior, retirando do texto o aditivo investigado (fls. 113, 418 dos autos), de tal
sorte que o contrato foi prorrogado sem acréscimo financeiro para o ente público
municipal, afirmando, ainda, não ter decorrido da conduta enriquecimento ilícito, diante da
regular prestação dos serviços de limpeza e higienização, requerendo o julgamento no
sentido do reconhecimento da improcedência da ação.
A petição inicial foi recebida, fls. 1.282/1.295, tendo o pedido de
indisponibilidade dos bens dos requeridos sido indeferido, pelas razões ali expostas.
Citados, os demandados apresentaram contestações.
A empresa EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA e o requerido Valmir
de Sousa Pereira contestaram a ação, fls. 1.311/1.323, alegando ausência de dolo,
inexistência de dano ao erário, e a legalidade do contrato e de seus aditivos,
argumentando, em conclusão, que não houve enriquecimento ilícito ou fraude.
À contestação encartada às fls. 1.338/1.357, o requerido PAULO
RASSI defendeu que a competência para celebrar convênios com entidades públicas e
contratos com entidades privadas para a realização de objetivos de interesse do
Município de Goiânia é privativa do Prefeito e não exclusiva, admitindo delegação, nos
termos do parágrafo primeiro dos incisos XIII, XXIV e XXVI da Lei Orgânica do Município
de Goiânia, ressaltando que a lei nº 7.047/91, outorgou delegação do Chefe do Poder
Executivo ao Secretário Municipal de Saúde para gerir o Fundo Municipal de Saúde.
A defesa do requerido destacou, em complemento, que denúncia
similar ao objeto da presente ação civil pública, por suposta irregularidade no contrato
firmado com a empresa EVOLU SERVICE, foi levada ao conhecimento do Ministério
Público, originando a abertura de processo administrativo de investigação preliminar nº
018/2011 (201200003230), havendo conclusão no sentido da inexistência de ato de
improbidade ou lesão ao Erário, razão pela qual o feito foi arquivado, doc. de fls.
1.359/1.361.
Intimadas as partes a se manifestarem sobre o interesse na
produção de outras provas, requereu o Ministério Público o julgamento do processo no
estado em que se encontra, silentes os requeridos.
É o relatório. Passo a fundamentar e decido.
O feito admite julgamento antecipado, nos moldes do artigo 17, § 8º,
da Lei nº 8.429/92, sendo que a prova documental constante dos autos é suficiente ao
deslinde da questão posta em juízo.
Ademais, a questão versada na lide é de fato e de direito, mas não
reclamou produção de prova em audiência (art. 330, I, do CPC), uma vez que as partes
não apresentaram requerimento nesse sentido, depois de proferido o despacho saneador
(fls. 1.391) e fixado o prazo de dez dias para manifestação.
Não há preliminar a ser enfrentada por este juízo.
Passo à análise do mérito da presente ação de improbidade
administrativa.
O art. 37, § 4º da Constituição Federal dispõe que os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda de
função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário.
Percebe-se claramente preocupação constitucional quanto à prática do ato de
improbidade, considerado como a "violação aos princípios regentes da atividade
estatal"[1], pelo próprio agente público, que aciona os mecanismos estatais de punição.
[1] EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 6ª edição, 2011, pg. 54.
O Ministério Público tenta amoldar os fatos narrados na inicial aos
ditames dos artigos 10, caput, e incisos I, V, VIII e XII e 11, caput, e inciso I, da Lei nº
8.429/92:
"Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje a perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens
ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º desta lei;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço
por preço superior ao de mercado;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo
indevidamente;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto na regra de competência".
Analisando os fatos narrados na petição inicial, considerando o
conjunto probatório, observo que as condutas dos requeridos (celebração do contrato nº
030/06 e de seus aditivos) não gerou qualquer dano ao Erário Público.
A apontada nulidade do contrato nº 030/06, em razão da falta de
atribuição do Secretário de Saúde do Município de Goiânia, para representar o ente
público na celebração de contratos, não restou configurada. Não obstante a existência da
norma constante do artigo 115, XIII, da Lei Orgânica do Município de Goiânia, que prevê
ser competência privativa do Prefeito celebrar contratos com entidades privadas, é
possível inferir que a competência do Secretário de Saúde decorre das normas
constantes do artigo 18, inciso X, da Lei Federal nº 8.080/90, que regula a prestação de
serviços da área de Saúde dentro do Sistema Único de Saúde, e do artigo 9º, da Lei
Municipal nº 7.047/91, que criou o Fundo Municipal de Saúde.
Vale lembrar que a competência privativa admite delegação, a qual
foi prevista na própria Lei nº 8.080/90, para facilitar a gestão do Sistema Único de Saúde,
uma vez que o Secretário de Saúde responde, pessoalmente, pelos atos que praticar, no
exercício dessa competência. Ademais, a delegação do Chefe do Executivo ao Secretário
de Saúde do Município de Goiânia decorreu da Lei nº 7.047/91, outorgando-lhe poderes
para gerir o Fundo Municipal de Saúde, celebrar contratos e convênios e ordenar
despesas.
Exigir que o chefe do Poder Executivo celebre cada contrato na área
de Saúde, que reclama urgência no atendimento dos pleitos dos administrados, é
formalismo exacerbado, que torna difícil o cumprimento da meta do melhor atendimento,
dentro do menor tempo possível e com a máxima eficiência, inserta no artigos artigos 196
e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil.
No que tange à alegação de que houve contratação da requerida
para fornecer trabalhadores (área de limpeza e higienização de materiais hospitalares)
para ocuparem cargos que deveriam ser providos por meio de concurso, entendo não ter
havido ilegalidade.
O serviço contratado era para limpeza de hospitais e unidades de
saúde mantidas pelo poder municipal, serviço este que exige mão de obra especializada,
uma vez que não se cuida apenas de limpeza comum, do dia a dia de uma repartição,
mas de um serviço que exige cuidado e práticas especializadas, a fim de que seja evitada
infecções hospitalares ou contaminações, devido ao fato de que tal serviço lida com
dejetos hospitalares, em sua maioria contaminados.
Saliento que em outro procedimento investigatório similar ao que
instruiu a presente ação (procedimento administrativo nº 018/2011_ 201200003230/MP), o
próprio Ministério Público procedeu ao seu arquivamento, deixando de propor nova ação
civil pública, por concluir não haver, na referida prática, presença de ato de improbidade
ou qualquer tipo de lesão ao Erário (fls. 1360/1361)
Transcrevo, por oportuno, trecho da manifestação do representante
ministerial (doc. de fls. 1.360/1.361):
"Trata-se de representação elaborada por Silvani Neide Fernandes da
Silva, a qual noticia possível ato de improbidade administrativa praticado
pelo Secretário Municipal de Saúde de Goiânia, que estaria preterindo a
contratação de candidatos aprovados em devido concurso público. A
representante noticia que a SMS renovou contrato com a empresa EVOLU
SERVICE, que fornece mão-de-obra terceirizada, pelo processo
administrativo nº 40848410, com finalidade de contratar funcionários que
exercessem atividades de limpeza e higienização, mesmo havendo
concurso vigente (Edital nº 01/2006). (...) Diante do exposto, vê-se que não há presença de ato de improbidade administrativa ou qualquer
tipo de lesão ao erário, posto que todas as possíveis irregularidades foram explicadas e comprovadas. Assim sendo, não resta ao Parquet
outra alternativa senão PROMOVER O ARQUIVAMENTO do presente
procedimento, nos moldes preconizados pelo art. 9º, caput, da Lei
7.347/85 e do art. 24, caput, da Resolução nº 09/2010 do Conselho
Nacional do Ministério Público. Nos termos do art. 24, § 3º, da Resolução nº 09/2010 do CNMP, comuniquem-se a representante e
representada, enviando-lhes cópia do presente despacho. Remetam-se os
autos, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério
Público (art. 9º, § 1º, da LACP e art. 10, § 1º, da Res. Nº 23/2007 do
CNMP). Goiânia, 07 de fevereiro de 2013. Fernando Aurvalle Krebs.
Promotor de Justiça)". Negritei.
Ademais, verifica-se que trata-se de atividade-meio, em que é plenamente possível a
contratação de terceirizados.
Outro ponto que merece destaque é o fato de que os aprovados no concurso
mencionado, segundo informações dos autos, a despeito de convocados não tomaram
posse no tempo esperado, e em razão de este ser um serviço de extrema importância,
uma vez que a limpeza das unidades de saúde geridas por este município é
imprescindível a fim de evitar proliferação de doenças e infecções, foi necessária a
contratação da empresa ora requerida.
Como se pode concluir, a alegada ilicitude do objeto do contrato nº 030/06, por suposta
violação às normas que exigem a contratação de servidores, através de concurso público,
também não restou demonstrada ao meu juízo.
A especificidade do objeto do contrato (limpeza de materiais médico-
hospitalares e do próprio ambiente dos nosocômios) autorizava a contratação de empresa
especializada na prestação de serviços dessa natureza.
Não merece repreensão a prestação de serviços públicos por
terceiros em si, mas sim eventuais desvios e malversações do Dinheiro Público, de modo
que o problema não está no método, mas sim na finalidade a ser alcançada.
Sobre o tema, o ilustre professor e autor José dos Santos Carvalho
Filho, ensina:
"Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza, ou pelo fato de
assim dispor o ordenamento jurídico, comportam ser executados pelo
Estado ou por particulares colaboradores. Como exemplo, os serviços de
transporte coletivo, energia elétrica, sistema de telefonia etc. Alguns
serviços, embora delegáveis, são prestados pelo próprio Estado, mas o
fato se deve a determinada diretriz política e administrativa que pretenda
implementar, o que não impede que, em outro momento, sejam executados
por terceiros"1.
As atribuições dos servidores do quadro de Assistentes de Apoio Administrativo Limpeza e
Higienização, indubitavelmente, são distintas do objeto do contrato nº 030/06, dada à
especialização da mão de obra necessária ao trato com os produtos médico-hospitalares,
considerada a insalubridade da função e a especialíssima cautela sanitária.
Assim, não há que se falar em improbidade administrativa no tocante a questão da
contratação de terceirizados quando da existência de concurso público.
Quanto a alegação de enriquecimento ilícito, as provas carreadas aos presentes autos
sugerem que os requeridos Paulo Rassi, Evolu Servic Ambiental LTDA e Valmir de Sousa
Pereira não praticaram dolosamente ato de improbidade administrativa, não tendo se
enriquecido ilicitamente em razão da celebração do contrato nº 030/06 e de seus dois
aditivos.
Percebo da análise do acervo probatório que os serviços
contratados foram efetivamente prestados pela empresa Evolu Servic Ambiental LTDA ao
Município de Goiânia, com fornecimento de materiais e de serviços, nestes incluída a mão
de obra qualificada no trato com os dejetos hospitalares.
O objeto do contrato nº 030/06 está assim discriminado:
" Constitui objeto do presente contrato a contratação de empresa
especializada em serviços de limpeza e higienização, limpeza de materiais
médico-hospitalares e desinfecção de artigos e superfície em unidades
assistenciais de saúde, pelo período de 12 (doze) meses, a prestação
destes serviços estará submetida tecnicamente à Coordenação Municipal
de Controle de Infecção nos Estabelecimentos de Saúde (COMCIES),
segundo a Portaria 2616 MS de 12 de maio de 1998, por ordem de serviço
1
a ser emitida pelo Secretário Municipal de Saúde, conforme exigências
contidas neste contrato".
A especialidade dos serviços foi prevista no ajuste, nos seguintes
termos:
"Limpeza e/ou desinfecção de Áreas Críticas, Semi-Críticas e Não Críticas
de todos os setores das unidades, contemplando pisos, paredes, teto,
portais, janelas, vidraças, persianas, inclusive as localizadas em andar
superior, espelhos, mobiliários em geral (ex: camas, macas, armários,
mesas de cabeceira, cadeiras, mochos, escadinhas, suportes de soro,
bancadas, mesa secretária e outros similares), equipamentos, aparelhos
mais simples, desde que haja treinamento específico (ex: equipamentos
odontológicos, cadeiras, refletores odontológicos, berços aquecidos, ar
condicionado de parede ou central e outros similares), limpeza interna das
ambulâncias, calhas e luminárias, câmara fria de serviço de nutrição e
dietética, carrinhos para transporte de material de limpeza, abrigo de lixo,
contêineres de lixo, áreas externas".
Constato, ainda, da mera análise do contrato nº 030/06, que a empresa contratada se
obrigou a fornecer ao Município todo o material de limpeza necessário à execução dos
serviços, como caixa para perfurocortante tipo descartex, aspirador de pó e de líquidos,
hidrojato, dentre outros, sendo que a avença desobrigou a Administração em relação ao
fornecimento de material para essa finalidade, durante o tempo de vigência do contrato, o
que efetivamente ocorreu, não havendo qualquer questionamento do Ministério Público
quanto a este ponto. Assim, não há que se falar em enriquecimento ilícito.
O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás analisou o
contrato nº 030/06, conforme se depreende da leitura da decisão de fls. 62/65, adotada no
processo nº 16733/08, com o seguinte teor:
"Referido ato foi precedido de licitação na modalidade de Pregão
Presencial nº 059/2006. O edital datado de 21.06.2006 foi publicado no
Diário Oficial do Município e em jornal de circulação local, conforme a
exigência do art. 4º, inciso I, da Lei nº 10.520/02. A publicação se deu em
06.06.2006, obedecendo o prazo estabelecido no art. 4º, inciso V, da Lei nº
10.520/02. O Edital se fez acompanhar da minuta do contrato a ser
firmado, conforme consta às fls. 71/81, obedecendo ao disposto no art. 4º,
III, da Lei nº 10.520/02. O Edital contém as exigências previstas no artigo
40, da Lei nº 8.666/93. Após o credenciamento, foram entregues os
envelopes de propostas de preços, sendo iniciado o procedimento de
lances, sagrando-se vencedora a empresa contratada. Quanto ao
procedimento licitatório realizado não foram encontradas irregularidades.
Quanto aos contratos realizados não foram encontradas irregularidades.
Quanto à documentação juntada não foram encontradas falhas. Assim
sendo, considerando finalmente que nada foi constatado de irregular nas
contratações ora analisadas, o Egrégio Tribunal de Contas do Municípios,
pelos membros integrantes de sua Segunda Câmara, determinar o registro
do mencionado ato (LE), a fim de que surta os efeitos de direito".
Assim, nos termos acima narrados entendo que não há que se falar
em qualquer devolução de valores recebidos pelos requeridos, uma vez que todos os
serviços contratados foram efetivamente prestados. Este é o entendimento pacificado do
Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HORAS EXTRAS
PAGAS ILEGALMENTE. RESSARCIMENTO. NÃO-CABIMENTO.
SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. 1. Conforme narra o próprio
Ministério Público no especial, sua pretensão recursal diz respeito à
devolução do que foi pago ilegalmente a servidora a título de hora extras,
como permitido pela parte recorrida. A origem constatou que os serviços
foram efetivamente prestados e afastou a necessidade de devolução dos
valores mencionados em razão da boa-fé da beneficiária. 2. Esta Corte
Superior possui entendimento consolidado no sentido de que, em matéria
de improbidade administrativa no âmbito da contratação ou prestação
ilegais de serviços, é indevida a devolução das quantias percebidas caso
tenha ocorrido a contraprestação. Precedentes. 3. Daí porque não é
possível acolher a pretensão recursal, mas não em razão da
desnecessidade de configuração do elemento subjetivo, e sim porque o
ressarcimento estaria condicionado a um prejuízo suportado pelo erário
que inocorre na espécie. 4. Recurso especial não provido.(STJ - REsp:
927905 MG 2007/0033945-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, Data de Julgamento: 02/09/2010, T2 - SEGUNDA TURMA,
Data de Publicação: DJe 04/10/2010)
Cumpre salientar, também, que o primeiro aditivo implementado ao
contrato nº 030/06 foi relativo ao atendimento às deliberações contidas na Convenção
Coletiva de Trabalho, no sentido de aumentar o piso dos trabalhadores das empresas de
asseio e conservação, gerando um acréscimo no valor total do contrato na ordem de R$
533.812,32 (Quinhentos e Trinta e Três Mil Oitocentos e Doze Reais e Trinta e Dois
Centavos).
Tal repactuação atendeu, sem dúvidas, ao equilíbrio da relação
contratual entre a Administração e o particular, viabilizando a própria prestação do serviço
(continuidade), diante da superveniente oneração do custo do serviço prestado em razão
do acordo sindical trabalhista.
O valor global do contrato nº 030/06 atingiu o montante de R$
7.474.612,30 (Sete Milhões Quatrocentos e Setenta e Quatro Mil Seiscentos e Doze
Reais e Trinta Centavos), em razão do primeiro aditivo.
O segundo aditivo contratual, objeto da investigação do Ministério
Público, teria gerado um acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), sobre o valor global
citado, após o primeiro aditivo, impactando a Despesa Pública em R$ 1.868.653,07 (Um
Milhão Oitocentos e Sessenta e Oito Mil Seiscentos e Cinquenta e Três Reais e Sete
Centavos), sendo esse o valor do prejuízo ao Erário, que a presente ação visa ressarcir
aos cofres públicos.
Apesar de ter sido celebrado o ajuste, observa-se dos documentos
juntados aos autos que o próprio Município de Goiânia, através da Auditoria Geral
(Despacho nº 2270/08), acostado às fls. 415/416, identificou a ausência de motivação
idônea para o pretendido aumento de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor global
do contrato nº 030/06, determinando o retorno dos autos à Secretaria de Saúde para a
retificação da cláusula contratual relativa ao preço dos serviços.
O Secretário de Saúde cumpriu a determinação do Auditor Geral e
redigiu a errata ao segundo aditivo contratual (fls. 418/419), mantendo o encargo
financeiro do contrato, por mais doze meses, no mesmo valor anterior de R$ 7.474.612,30
(Sete Milhões Quatrocentos e Setenta e Quatro Mil Seiscentos e Doze Reais e Trinta
Centavos), de modo que a própria Administração Pública procedeu à revisão de ofício de
seu ato.
Em razão dessa revisão do contrato administrativo (segundo aditivo),
a nota de empenho de fls. 389 no valor de R$ 1.868.653,07 (Um Milhão Oitocentos e
Sessenta e Oito Mil Seiscentos e Cinquenta e Três Reais e Sete Centavos) tornou-se sem
efeito. Assim, tendo o Secretário de Saúde revisto o ato praticado, corrigindo, de ofício, o
valor do contrato, extirpando da avença o aumento de 25% (vinte e cinco por cento) sobre
o valor global do contrato nº 030/06, não há que se falar em enriquecimento ilícito, em
prejuízo ao Erário e em prática de ato de improbidade administrativa, porque os fatos
narrados não configuram improbidades, sob tal ótica.
Quanto ao fato imputado aos requeridos, através do requerimento de
emenda à petição inicial, fls. 646/649, acerca da dispensa irregular de licitação para a
contratação de empresa de prestação de serviços, observo que há nos autos decisão do
Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás que revisou decisão anterior que
julgou ilegal o contrato nº 002/06, sendo o ato considerado legal, em grau de recurso.
Transcrevo trecho da decisão encartada às fls. 1.242/1.245:
"Segundo esclareceu o Sr. Paulo Rassi, Secretário Municipal de Saúde, a
efetivação e continuidade dos serviços de limpeza e higienização
realizados pela empresa EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA, se deu em
razão do fato de que o Município de Goiânia realizou o concurso público
nº001/06, devidamente encaminhado e registrado nesta Corte de Contas
consoante Resolução RS nº 00243/08, entretanto os concursados
admitidos para os cargos de limpeza e higienização não demonstraram
interesse em assumir os respectivos cargos. Diante da necessidade de
promover a limpeza e a higienização das Unidades de Saúde, aliado à
demora dos concursados em tomar posse, a Secretaria se viu obrigada a
realizar a contratação de forma emergencial e sem as formalidades
determinadas pela Lei de Licitações. Considerando que o processo de
dispensa de licitação encontra-se de acordo com a determinação do art.
26, parágrafo único, da Lei 8.666/93, uma vez que o valor da contratação
de prestação de serviços está devidamente justificado, em face da inclusão
de 03 (três) propostas de preços, às fls. 17/22 (processo original). Esta
relatoria verificou que apesar da utilização do instituto de Renovação do
Prazo, a despeito da prorrogação do contrato, o resultado, na prática, é
considerado o mesmo, dado ao caráter emergencial dos serviços. Embora
a douta Procuradoria Geral de Contas tenha ainda apontado a falha acerca
de que o contrato nº 002/06 foi celebrado em 24.02.2006, com efeito
retroativo a 27.10.2005, após o início da prestação dos serviços, esta
Relatoria, apoiada nos princípios da razoabilidade e da continuidade
dos serviços públicos, entende que a falha foi motivada pela
urgência e emergência na contratação e continuidade dos serviços,
conforme esclarecido pelo recorrente, e, portanto, não macula o
procedimento realizado, mas recomenda-se a advertência da
autoridade administrativa para a necessidade do planejamento
necessário quando da prorrogação dos contratos de serviços de
natureza continuada. Ademais, é oportuno observar que, mesmo que
esta Corte de Contas julgasse ilegal o contrato em apreço, a
Secretaria Municipal de Saúde estaria obrigada a pagar pelos
serviços executados, sob pena de incorrer em locupletamento ilícito.
Isto posto, RESOLVE: O Egrégio Tribunal de Contas dos Municípios,
pelos membros integrantes de seu Colegiado, à vista das
considerações retro, conhecer do presente recurso e DAR-LHE
provimento, REFORMANDO, de consequência a decisão contida no
RS nº 06669/07, no sentido de considerar LEGAL o contrato
reanalisado. Tribunal de Contas dos Municípios, aos 02 de julho de
2008". grifei.
As razões adotas pela Corte de Contas dos Municípios do Estado de
Goiás, ao aferir a legalidade do Contrato nº 002/06, afiguram-se suficientes à elisão da
prática de ato de improbidade relativamente ao prejuízo ao Erário e de enriquecimento
ilícito por parte dos requeridos.
A dispensa de licitação não se deu de modo contrário às normas
constantes da Lei de Licitações, dado o caráter emergencial da contratação, conforme
decidiu o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás.
Assim dispõe o inciso IV do art. 24 da lei nº 8.666/93:
"Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando
caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar
prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços,
equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os
bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e
para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo
máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos,
contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a
prorrogação dos respectivos contratos;"
Não revelando os autos a ocorrência de atos ímprobos por parte dos
réus ou de prejuízo ao erário, é imperioso que o pedido de condenação por prática das
condutas descritas no artigo 10, caput, I, V, VIII e XII, da LIA seja julgado improcedente.
Corroborando o posicionamento ora esposado, trago à colação, o
seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
"EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
CONEXÃO. INOCORRÊNCIA. CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES.
RESPALDO EM LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO
ERÁRIO. (...) Demonstrado, nos autos, que a contratação de servidores
sem concurso público não causou prejuízo ao erário e encontrava respaldo
na Lei Municipal nº 1.610/95, que sequer teve questionada sua
constitucionalidade, não há indícios para se imputar conduta ímproba ao
agente contratante, que agiu em consonância com o que lhe autorizava o
ordenamento legal vigente à época. APELAÇÃO CÍVEL N°
1.0313.07.211421-5/001 - COMARCA DE IPATINGA - TJMG".
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, sobre o tema, já
ementou o seguinte:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
PREENCHIMENTO PELO AGENTE PÚBLICO DE NOTAS FISCAIS. AUSÊNCIA
DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DOLO OU CULPA. I - O ato de
improbidade administrativa, relacionado a lesão ao erário (art. 10 da Lei nº
8.429/92), exige sua efetiva comprovação, além da demonstração de dolo
ou culpa. II -No caso, constatando-se que o autor da ação civil pública por
ato de improbidade administrativa, não comprovou o prejuízo ao erário e o
dolo ou culpa do réu, a improcedência do pedido inicial é medida
impositiva, vez que a Lei de Improbidade Administrativa pretende punir o
gestor público que age com desonestidade, má-fé, utilizando-se da função
pública para obter vantagens ilícitas e imorais para si ou para terceiros,
inocorrentes na hipótese dos autos. Relator. Kisleu Dias Maciel Filho. DJ
660 de 14.09.10".
Destarte, não restaram comprovados os atos ímprobos por parte dos
réus Paulo Rassi, EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA e Valmir de Sousa Pereira, no que
se refere às condutas descritas no artigo 10, caput, I, V, VIII e XI, da LIA, uma vez que as
provas carreadas aos autos asseguram a este juízo que os contratos administrativos
firmados entre as partes são legais, não tendo causado prejuízo ao Erário ou
enriquecimento ilícito.
O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás entendeu
serem legais os contratos investigados e seus aditivos, extraindo-se da prova carreada
aos autos que não restou demonstrado que o dolo tenha motivado as condutas narradas,
razão pela qual o arquivamento do feito é medida que se impõe, em razão de as ações
glosadas não se subsumirem ao tipo descrito no artigo 10, da Lei de Improbidade
Administrativa.
Não obstante, situação diferente ocorre da análise do tipo descrito
no artigo 11 da LIA, que ora transcrevo:
"Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições, e notadamente:".
O princípio constitucional da legalidade (art. 11, caput, da Lei nº
8.429/92), foi violado, diante da omissão do então Secretário de Saúde Paulo Rassi em
celebrar o contrato, permitindo que a prestação de serviços pela empresa Evolu Servic
Ambiental LTDA fosse efetivada sem o necessário instrumento contratual.
Para a apuração do fato, na esfera penal (notitia criminis), foi
instaurado o Inquérito Policial nº 167/2007, onde foram colhidos depoimentos pela
autoridade policial, que passo a transcrever:
"(...) Que, o contrato com a Empresa Evolu terminou no dia 26 de
outubro de 2005 como estava aguardando o desfecho do processo
licitatório, a empresa continuou prestando o serviço, sem o contrato formal; que, em fevereiro de 2006, sem a conclusão do processo
licitatório, o Secretário se viu obrigado a formalizar novo processo de dispensa de licitação, por mais cento e oitenta dias, retroagindo os
efeitos desse contrato a 27 de outubro de 2005. (...)" Reginaldo Ferreira
Melo, Diretor Administrativo da Secretaria Municipal de Saúde, fls. 698/699;
(...) Que, sócio e representa a empresa EVOLU SERVIC AMBIENTAL
LTDA (...) que, em maio de 2005, a empresa recebeu da Secretaria de
Saúde um convite para oferecer uma proposta de preço para executar
empresa e higienização de todas as unidades de saúde vinculada àquela
secretaria (...) que foi chamado a celebrar um contrato com a Secretaria
Municipal de Saúde para prestar serviços durante noventa dias, pelo preço
de R$ 895.054,53 (Oitocentos e Noventa e Cinco Mil e Cinquenta e Quatro
Reais e Cinquenta e Três Centavos); que foi informado que a contratação
era de caráter de urgência, por isso se deu por noventa dias e que a
Secretaria estava aguardando a conclusão de um processo licitatório; que
quando venceu o contrato o Secretário pediu para dar continuidade na
execução dos serviços esperando que a licitação fosse concluída
rapidamente. Que, chegou a pensar em notificar o contratante até porque
não poderia abandonar o serviço por ser de urgência, mas foi pedido que a
sua empresa desse continuidade (....)." Valmir de Sousa Pereira, fls.
700/701.
A prestação do serviço iniciou-se em 27 de outubro de 2005 e a
celebração do contrato somente ocorreu em 24 de fevereiro de 2006, retroagindo até a
data do início da prestação do seviço (27 de outubro de 2005), lapso temporal esse em
que a situação anômala (realização de despesa sem o atendimento das formalidades
legais) se perpetuou.
O relatório de empenhos de fls. 662 e 914 dos autos comprova a
efetivação da Despesa no dia 24 de fevereiro de 2006 com a empresa contratada, o que
corrobora os depoimentos acima transcritos, comprobatórios do ato de improbidade, por
ofensa ao princípio da legalidade (ausência de contrato administrativo).
Nesse ponto, a decisão do Tribunal de Contas dos Municípios do
Estado de Goiás não encontra amparo, ao meu sentir, no ordenamento jurídico,
considerado o princípio da legalidade.
A mora na celebração do contrato não é justificável, mesmo diante
da urgência na prestação dos serviços públicos de natureza emergencial, pois o Estado
dispõe de instrumental apropriado ao atendimento dos regramentos legais que envolvem
a Despesa Pública.
A lei de licitações (Lei 8.666/93) estabelece que:
Art. 60. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração,
salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas
aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido
no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.
Assim, referida Lei estabelece a regra, necessidade de celebração
de contrato, e a exceção acima transcrita, na qual o contrato em análise não se enquadra,
tendo havido nítido desrespeito ao determinado e lei, e de consequência clara violação do
princípio da leglidade.
O tipo do artigo 11, da LIA não exige, para a subsunção do fato à
norma, a presença de dolo específico (vontade em atingir um objetivo especial vedado
pela lei), reclamando, tão somente, a demonstração do dolo genérico (vontade em
praticar conduta contrária ao ordenamento jurídico), valendo lembrar que a Administração
Pública somente pode praticar os atos que a lei autoriza, de modo expresso.
Nesse sentido:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. CONFIGURAÇÃO DO
DOLO GENÉRICO. PRESCINDIBILIDADE DE DANO AO ERÁRIO.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. A caracterização do ato de
improbidade por ofensa a princípios da administração pública exige a
demonstração do dolo lato sensu ou genérico. Precedentes. 2. O ilícito
previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a
jurisprudência desta Corte. 3. É inadmissível o recurso especial quanto a
questão não decidida pelo Tribunal de origem, dada a ausência de
prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. Agravo regimental
não provido. (STJ - AgRg no AgRg no REsp: 1279658 SP 2011/0176367-5,
Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 25/06/2013, T2 -
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2013)" negritei.
Seguindo a mesma diretriz, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de Goiás, assentou o seguinte entendimento:
"APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE DECISÃO PRELIMINAR. IRREGULARIDADE
MANDADO DE CITAÇÃO. (...) ART. 11, CAPUT, E INCISO I, DA LEI FEDERAL N.
8.429/1992. PREJUÍZO AO ERÁRIO OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO
AGENTE. ARTIGO 10, INCISO X, DA LEI N. 8.429/92. DANO AO ERÁRIO. NÃO
COMPROVAÇÃO. (...) I - (...) IV- O elemento subjetivo, necessário à
configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art.
11 da Lei n. 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente
contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença
de dolo específico, do prejuízo ao erário e nem mesmo do enriquecimento
ilícito. Precedentes do STJ. V- (...) APELAÇÕES CONHECIDAS E
PARCIALMENTE PROVIDAS. (TJGO, APELACAO CIVEL 242098-
72.1999.8.09.0083, Rel. DES. WALTER CARLOS LEMES, 3A CAMARA
CIVEL, julgado em 05/11/2013, DJe 1425 de 12/11/2013)" negritei.
Os requeridos Evolu Servic Ambiental LTDA e Valmir de Sousa
Pereira concorreram para a prática do ato de improbidade tipificado no artigo 11, caput, da
Lei de Improbidade Administrativa, agregando sua conduta (prestação de serviços, com o
consequente recebimento de verbas públicas) à omissão do administrador público (não
celebração do contrato).
Eis a redação do artigo 3º, da LIA:
"Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele
que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática
do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta".
Dessa forma, as sanções previstas no artigo 12, III, da LIA são aplicáveis a todos os
requeridos, sob a perspectiva da violação do princípio da legalidade que rege a
Administração Pública, porque o então Secretário Municipal de Saúde que não poderia
autorizar a realização da Despesa Pública e os demais demandados não poderiam
receber verbas públicas, antes da formalização do contrato administrativo.
Ao teor do exposto, com arrimo no artigo 269, I, do Código de
Processo Civil Brasileiro, JULGO, PARCIALMENTE, PROCEDENTES OS PEDIDOS, para condenar os requeridos PAULO RASSI, EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA e
VALMIR DE SOUSA PEREIRA, nas sanções previstas no artigo 12, III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de atos de improbidade administrativa tipificados no artigo 11, caput, da referida lei.
Com fundamento no parágrafo único do artigo 12 da LIA, passo à
fixação das sanções previstas no inciso III, do referido artigo.
Para o cumprimento do mister, sigo a orientação pretoriana contida
no Resp 1086994/SP. 2ª Turma, STJ. Dje de 12.03.2014. Rel. Ministro Herman Benjamin.
Relativamente ao requerido PAULO RASSI, aplico as sanções de
suspensão dos direitos políticos, por 03 (três) anos, multa civil no valor de R$
50.000,00 (Cinquenta Mil Reais) e de proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos, uma vez que o dano é de pequena extensão, por se limitar à não celebração do
contrato, no prazo especificado na fundamentação desta sentença.
Reverto a multa civil aplicada ao demandado Paulo Rassi em favor
do Município de Goiânia (pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito _ausência de contrato
administrativo).
Descabida a sanção de ressarcimento integral do dano, uma vez
que este ato (omissão na celebração do contrato) não causou prejuízo ao erário ou
enriquecimento ilícito do agente público.
Deixo de aplicar a sanção de perda da função pública, uma vez que
o requerido Paulo Rassi não exerce mais a função de Secretário de Saúde do Município
de Goiânia.
Relativamente à requerida EVOLU SERVIC AMBIENTAL LTDA
aplico as sanções de multa civil, que fixo em R$ 100.000,00 (Cem Mil Reais), e de
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três anos), uma vez que o dano
é de pequena extensão, por se limitar à prestação de serviços e recebimento de verbas
públicas sem celebração do contrato com a Administração, durante o prazo especificado
na fundamentação da presente sentença.
Reverto a multa civil aplicada à demandada Evolu Servic Ambiental
LTDA em favor do Município de Goiânia (pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito_ ausência de
contrato administrativo).
Não comportáveis as demais sanções previstas na LIA.
Descabida a sanção de ressarcimento integral do dano, uma vez
que este ato (prestação de serviços e recebimento de verbas públicas sem celebração do
contrato) não causou prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente público, que
se omitiu nas atribuições de seu cargo (Secretário de Saúde).
A perda da função pública é reservada ao agente público.
A suspensão dos direitos políticos limita-se ao cidadão, pessoa
física, com capacidade eleitoral ativa e/ou passiva.
Relativamente ao requerido VALMIR DE SOUSA PEREIRA aplico as
sanções de suspensão dos direitos políticos, por 03 (três) anos, multa civil na
quantia de R$ 30.000,00 (Trinta Mil Reais) e de proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de três anos, uma vez que o dano é de pequena extensão, por se limitar em
representar a empresa Evolu Servic Ambiental LTDA, durante o período de tempo em que
a pessoa jurídica prestou serviços e recebeu verbas públicas sem celebração do contrato
com a Administração.
Reverto a multa civil aplicada ao demandado Valmir de Sousa
Pereira em favor do Município de Goiânia (pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito_ ausência
de contrato administrativo).
Não comportáveis as outras sanções estatuídas na LIA.
Descabida a sanção de ressarcimento integral do dano, uma vez
que este ato (representação de pessoa jurídica na prestação de serviços, com o
consequente recebimento de verbas públicas sem celebração do contrato) não causou
prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente público que se omitiu nas
atribuições de seu cargo (Secretário de Saúde).
A perda da função pública é reservada ao agente público.
Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais, pro
rata.
Procedo, de ofício, à correção do valor da causa, para fins de cálculo
das referidas custas.
Não houve reconhecimento de prejuízo ao erário, de modo que esse
paradigma não pode orientar a definição do conteúdo econômico da ação (art. 258, do
CPC).
Entendo adequado fixar o valor da causa em patamar equivalente à
soma das multas civis aplicadas aos requeridos, que perfaz a cifra de R$ 180.000,00
(Cento e Oitenta Mil Reais), que integrará o patrimônio do Município de Goiânia, pessoa
jurídica prejudicada em face da não celebração do contrato administrativo.
Observe-se a necessidade do trânsito em julgado da sentença ora
prolatada, para a execução da sanção de perda dos direitos políticos contra os requeridos
aos quais foi aplicada (art. 20, da LIA).
Transitada em julgado, adote a escrivania as seguintes providências: "a) proceda-se à inserção do comando judicial condenatório no Cadastro Nacional de
Improbidade Administrativa do Conselho Nacional de Justiça; b) oficie-se ao Tribunal Regional
Eleitoral para a efetivação da sanção política (registro da suspensão dos direitos políticos); c)
oficie-se ao Poder Público, nas esferas Federal, Estadual e Municipal acerca da proibição de
contratar com a Administração e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; d)
remetam-se os autos à Contadoria Judicial para o cálculo das custas processuais, observado o
necessário rateio entre os requeridos, em igual proporção; e) retifique-se a etiqueta protocolar,
alterando o valor da causa".
Havendo recurso, proceda-se à nova conclusão dos autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cumpra-se.
Goiânia, 29 de julho de 2014.
NATHÁLIA BUENO ARANTES DA COSTA
Juíza em substituição
1ª Vara da Fazenda Pública Municipal
e de Registros PúblicosCARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 323 e 324.