acesso a justiça democratização da tutela jurisdicional
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
ACESSO JUSTIA.
INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE DEMOCRATIZAO DA
TUTELA JURISDICIONAL
So Paulo
2007
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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
ACESSO JUSTIA.
INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE DEMOCRATIZAO DA
TUTELA JURISDICIONAL
Dissertao apresentada Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para a obteno do ttulo de
Mestre em Direito Poltico e Econmico.
Orientadora: Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano
So Paulo2007
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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
ACESSO JUSTIA.
INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE DEMOCRATIZAO DA
TUTELA JURISDICIONAL
Dissertao apresentada Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Direito Poltico e Econmico.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Dirco Torrecillas RamosUniversidade de So Paulo
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AGRADECIMENTOS
fora suprema sempre benevolente com meu destino.
Aos Professores Monica Herman Salem Caggiano e Cludio Lembo pelo incentivo e
conhecimento proporcionado.
minha famlia lvaro, Guilherme e Carolina pelo apoio na conquista deste objetivo,
pelo carinho e pacincia nas horas de ausncia.
Aos meus pais Silvio e Llian, sem os quais jamais teria esta oportunidade.
Aos meus scios Evandro, Fernando e Leonardo que cruzaram minha vida e
ajudaram a mudar meu destino, cada qual sua maneira.
Aos meus amigos de profisso nas pessoas de Selma e Marcos, fiis companheiros
nesta caminhada.
Universidade Presbiteriana Mackenzie e seus funcionrios.
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Veni, vidi, vici.
Jlio Csar.
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RESUMO
No Brasil, um grande contingente de brasileiros, na verdade toda a populao entre
uma extremamente minoritria elite scio-econmica, a qual pode custear comrecursos prprios eficientes servios advocatcios, e uma majoritria e colossal
massa popular, que pode recorrer assistncia judiciria pblica, est excludo do
acesso justia, pois se, por um lado, no dispe do recurso ao amparo judicirio
da Defensoria Pblica (por ter renda mensal que atinge em torno de trs salrios
mnimos), por outro, mediante a renda com que conta fica impossibilitado de arcar
particularmente com o amparo do Judicirio de que venha a necessitar. Entretanto,
o acesso justia constitui direito assegurado pela Constituio Federal de 1988.
Enfatizamos aqui primeiramente o acesso ao advogado como condio sine qua
nonpara o efetivo acesso justia e, para viabilizar o satisfatrio atendimento desse
enorme nmero de brasileiros que se acha margem do amparo da justia (e,
conseqentemente, o cumprimento da garantia constitucional), propomos o recurso
ao chamado terceiro setor sob a superviso ou regulamentao da prpria
Defensoria Pblica.
Entendemos, nesse esprito, que a devida incluso da totalidade dos brasileiros na
esfera do amparo judicirio possibilitada pela associao do Estado com o terceiro
setor, atendendo de fato a um direito constitucional, converter indivduos em
cidados e concretizar a real democratizao da Justia.
Palavras-chave: Acesso justia. Terceiro setor e seu papel. Instrumentos de
cooperao para o acesso justia. Democratizao do acesso justia. O
convnio como mecanismo assecuratrio do acesso justia. Garantias para a
tutela jurisdicional.
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ABSTRACT
In Brazil, a quite expressive number of people - as a matter of fact all the population
between the socioeconomic elite, which is able to pay the charges of competentlawyers with its own resources, and a huge popular bulk which relies on the public
judicial assistance does not have access to judicial support. It happens because of
their monthly income (around three minimum salaries); due to their income they do
not have the right for public assistance and on the other side no money enough for a
private service. However, the admittance to justice is a guaranteed right in the
Constitution of 1988.
First, we emphasize the access to a lawyer as sine qua non condition to make
possible that all Brazilians would have a satisfactory customer support (and
consequently, to fulfill the constitutional guarantee), we propose the resource so-
called third sector under the supervision or regulation of the Public Defender itself.
We then understand that the inclusion of all Brazilian people in the range of the
judicial support, which is made possible by the association between the State and
the third sector, fulfilling the constitutional right, will turn individuals into citizens andwill establish a real democratization of justice.
Key words: Access to justice. Third sector and its role in Society. Instruments of
cooperation to make possible the access to justice. Access to justice and its
democratic access. The agreement between the Third Sector and the Government
as a mechanism to assure the access to justice. Guarantees for the jurisdictional
protection.
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SUMRIO
1 INTRODUO ...............................................................................................102 DEMOCRACIA E DIREITO DE AO ...........................................................21
2.1 DA DEMOCRACIA......................................................................................21
2.1.1 Conceitos. Elementos ...........................................................................24
2.1.2 Princpios. Tipos ...................................................................................30
2.1.3 A Democracia poltica e outras democracias .....................................33
2.1.4 Liberdade e igualdade, pressupostos da democracia.......................40
3 O DIREITO DE AO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ............................443.1 A DOUTRINA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......................................44
3.2 DIREITO DE AO DIREITO FUNDAMENTAL......................................50
3.3 DIREITO DE AO UM DIREITO PBLICO SUBJETIVO......................53
3.4 DIREITO DE AO - EVOLUO DA DOUTRINA NO BRASIL ...............58
4 DO ACESSO JUSTIA ..............................................................................61
4.1 EVOLUO HISTRICA............................................................................61
4.2 DO ACESSO JUSTIA NAS CONSTITUIES BRASILEIRAS............634.2.1 A frmula constitucional.......................................................................67
4.2.2 O Poder Judicirio e a funo do advogado ...................................71
4.2.3 Da advocacia e da Defensoria Pblica ................................................76
4.2.4 A Assistncia Judiciria no Estado de So Paulo..............................78
5 FATORES DE OBSTRUO DO JUDICIRIO .............................................83
5.1 CUSTAS JUDICIAIS ...................................................................................83
5.2 POSSIBILIDADE DAS PARTES.................................................................845.3 COMPLEXIDADE DA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS.................86
6 TCNICAS DE EFETIVAO DO EXERCCIO DO DIREITO TUTELA
JURISDICIONAL.......................................................................................................88
6.1 TRATAMENTO LEGAL E AS SOLUES DETECTADAS NO DIREITO
COMPARADO........................................................................................................90
6.1.1 Assistncia judiciria gratuita..............................................................91
6.1.2 Sistemajudicare.......................................................................................94
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6.1.3 Sistema de advocacia assalariada pelo Estado - Escritrios de
Vizinhana ........................................................................................................96
6.1.4 Sistema hbrido .........................................................................................98
6.1.5 Representao dos interesses difusos ...............................................99
6.1.6 Prestao dos servios jurdicos de forma alternativa..101
6.2 TRATAMENTO LEGAL E AS SOLUES ADOTADAS NO PANORAMA DO
DIREITO BRASILEIRO ........................................................................................106
6.2.1 Juizados Especiais .............................................................................107
6.2.2 Reforma processual ............................................................................109
6.2.3 Conciliao e arbitragem extrajudicial ..............................................111
6.2.4 Assistncia judiciria gratuita. Defensoria Pblica .............................117
7 DOS CONVNIOS COM O TERCEIRO SETOR MECANISMO APTO A
INCREMENTAR A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO CIDADANIA120
7.1 TERCEIRO SETOR..................................................................................120
7.1.1 Origem e conceito ...............................................................................121
7.1.2 Caractersticas principais...................................................................131
7.2 TRATAMENTO LEGAL LEGISLAO ESPECIAL...139
7.2.1 Associaes.........................................................................................146
7.2.2 Fundaes ...........................................................................................148
8 FORMAS DE INTERAO ENTRE O TERCEIRO SETOR E O PODER
PBLICO ................................................................................................................153
8.1 CONVNIOS ............................................................................................154
8.2 PARCERIAS .............................................................................................158
8.3 CONTRATOS ...........................................................................................161
9 MODELO ALTERNATIVO DE ASSISTNCIA JURDICA EM CONVNIO
COM O TERCEIRO SETOR ...................................................................................166
10 CONCLUSO...............................................................................................171
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................176
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1 INTRODUO
A promulgao da Constituio de 1988 coroa o incio de uma nova fase
para a Nao, a transio do Brasil para o Estado Social de Direito, momento
propcio para as prticas democrticas.
A democracia estabelece uma conexo com o desenvolvimento humano,
e conseqentemente, com os direitos humanos, constituindo o acesso justia um
dos direitos essenciais que dever ser garantido a todos de forma igualitria e
efetiva.
Os instrumentos garantidores da verdadeira cidadania, entre eles o
acesso justia, so e sempre sero, objeto de preocupao dos nossos
pensadores, especialmente aqueles que se dedicam ao estudo da operao do
Direito no seio da sociedade.1
O tema deste trabalho pretende demonstrar que o acesso justiacertamente est inserido no bloco que o Professor Cludio Lembo denomina Direito
Incluso Social, posto que o ferramental jurdico que viabiliza o correto pleito dos
direitos da pessoa nada mais do que o pleno reconhecimento da insero social
do cidado em uma sociedade que pretende ser justa, igualitria e verdadeiramente
democrtica.
O acesso justia constitui a porta de entrada para a participao nosbens e servios de uma sociedade. Somente com os direitos e garantias individuais
e coletivos resguardados juridicamente que haver a possibilidade de incluso
1 Se quer viver com mnima segurana social, uma sociedade no pode admitir em seu interior multides deexcludos, condenados inao, pela mera ocorrncia de condies adversas em suas origens e existncias. A
partir desta constatao, captada todos os dias em qualquer grande cidade do continente, os juristas devemelaborar um novo elenco de direitos, que podero se abrigar sob o amplo ttulo comum de Direito InclusoSocial. LEMBO, Cludio. O futuro da liberdade. So Paulo : Edies Loyola, 1999, p. 11.
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social efetiva. Qualquer tentativa sem o respaldo da justia naufragar, visto que
no perdurar no tempo ou no ser respeitada.2
O acesso justia3 se revela, certamente, como um dos pilares da
democracia e elemento essencial proteo dos direitos humanos.
A problemtica inicia-se com a falta de conhecimento, da parte dos
indivduos, de seus direitos e continua com as dificuldades que encontram no
exerccio do inalienvel direito de ao, meio pelo qual o cidado4 poder proteger
seus direitos. cedio que no h prtica de cidadania sem o conhecimento prvio
dos direitos fundamentais do homem, exercendo o advogado papel fundamental naconduo do indivduo ao acesso justia e conhecimento de seus direitos.5
O profissional da advocacia constitui o instrumento que materializa o
direito de ao, de modo que o acesso justia ser uma realidade a partir da
garantia do acesso ao advogado.
O efetivo exerccio do direito conduzir o indivduo cidadania, condioque somente ser alcanada com o pleno acesso justia6, representando o
2 A excluso refere-se marginalizao de determinados indivduos ou segmentos sociais em relao aosbenefcios gerados pelo desenvolvimento. Transformar estes indivduos em participantes da sociedade implicaseu reconhecimento como sujeitos de direitos e com possibilidades efetivas de reclam-los, caso sejamdesrespeitados. LIVIANU, Roberto (Coord.). Justia, cidadania e democracia. So Paulo: Imprensa Oficial doEstado; Ministrio Pblico Democrtico, 2006, p.147.
3 Cappelletti descreve que acesso justia o direito ao acesso proteo judicial, que significaessencialmente o direito formal do indivduo agravado de propor ou contestar uma ao. O sistema jurdico
possui duas finalidades bsicas, meio pelo qual o indivduo exige seus direitos e, atravs do Estado, buscaresolv-los. O acesso justia pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental o mais bsico dosdireitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio que pretende garantir , e no apenas proclamaros direitos de todos. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso Justia . Traduo de Ellen Gracie Northfleet. PortoAlegre: Fabris, 1988.
4 Entendemos no mbito do tema deste trabalho o cidadono s como o indivduo-membro da sociedade quevotae pode ser votado, mas aquele informado, ciente, atuante no meio social em que desempenha seu papel.
5 Segundo Guilhermo ODonnell o desenvolvimento humano converge no sentido da declarao dos direitoshumanos, restando portanto natural que as conquistas humanas sejam garantidas e exigveis. ODONNEL,Guilhermo; IAZZETA, Osvaldo; CULLEL, Jorge Vargas (Comp.) Democracia, desarrollo humano y ciudadana:reflexiones sobre la callidad de la democracia en America Latina. 1 ed. Rosario: Homo Sapiens, 2003, p.31
6
A expresso acesso justia reconhecidamente de difcil definio, mas serve para determinar duasfinalidades bsicas do sistema jurdico o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ouresolver seus litgios sob os auspcios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessvel a todos;segundo ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.(...) Sem dvida, uma premissabsica ser a de que a justia social, tal como desejada por nossas sociedades modernas , pressupe o acesso
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advogado o elo entre o cidado e a justia. A democratizao do acesso ao
profissional da advocacia levar democratizao do acesso justia e ao pleno
exerccio da cidadania.
Tendo em vista que o sistema de acesso ao advogado proporcionado
pela Defensoria Pblica do Estado insuficiente frente demanda que se impe,
ser apontada neste estudo, uma forma alternativa de acesso a esse profissional,
estabelecendo o elo entre o indivduo e o exerccio dos direitos.
O Brasil, na atualidade, vive uma democracia, e como tal, exige que os
direitos sejam tutelados. O princpio da proteo judiciria, direito fundamental doacesso justia, encontra-se resguardado no artigo 5 XXXV da Constituio
Federal.
O sistema jurdico prov basicamente o meio pelo qual o indivduo exige
seus direitos e busca resolv-los atravs do Estado.
No presente estudo, ter-se- por foco o direito constitucional ao acesso justia, um dos pilares da democracia e elemento essencial proteo dos direitos
humanos.7
Por outro lado, ainda que em menor grau que no passado,
baixa a conscientizao da populao tanto sobre seus
direitos como sobre os canais institucionais disponveis
para soluo de seus litgios.8
Ser apontado como elemento de conduo justia o advogado e
indicada a forma alternativa de acesso a esse profissional, que se entende ser a
conexo entre o indivduo e o exerccio dos direitos.
efetivo. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso Justia. Traduo de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris,1988, p. 8.
7 Assim, num Estado Democrtico de Direito o acesso Justia elevado condio de direito fundamental do
cidado, devendo a prestao jurisdicional ser imparcial, clere e eficiente. CAGGIANO, Monica Herman Salem(org). Reflexes em Direito Poltico e Econmico. Paulo do Amaral Souza. So Paulo: Editora Mackenzie, 2002,p. 271.
8 SADEK, Maria Tereza (Org). Acesso Justia. So Paulo: Fundao Konrad Adenauer, 2001, p. 7.
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A democracia representa terreno frtil para garantir o acesso tutela
jurisdicional. Estabelece uma importante ligao com o desenvolvimento humano, e
consequentemente, com os direitos humanos, constituindo o acesso justia9 um
dos direitos essenciais que dever ser garantido a todos de forma igualitria e
efetiva10. Por outro lado, para que os direitos no se tornem meramente formais, a
democracia requer um sistema jurdico que resguarde e exija o cumprimento deles.
O direito de ao um direito constitucionalmente garantido. Sua
natureza, segundo concepo da maioria da doutrina, a de um direito pblico
subjetivo11, cujo sujeito passivo o Estado ou os entes pblicos.12
Ser por intermdio do direito de ao que o indivduo ativar o poder
judicirio na defesa dos interesses individuais ou coletivos.
Ante a natureza subjetiva da ao, notamos que a prestao jurisdicional
dever ser provocada pelo indivduo, uma vez que o Estado inerte. Somente aps
a provocao que este cumpre sua obrigao de prestar a jurisdio.
O indivduo tem o direito subjetivo de provocar o Estado, e, segundo
Jellinek, o poder da vontade dirigido para um bem ou interesse e tutelado pelo
ordenamento jurdico. (Jellinek, 1912, Sistema dei Diritti Pubblici Subbiettivi, p. 49).13
9 Acesso justia no sentido de acesso ao judicirio, poder do Estado incumbido de proteger os direitos egarantias individuais ou no.
10
Lo que sigue es, entonces, teora democrtica com intencin comparativa. Como tal, incluye una discusinterica de algunos aspectos de la democracia y sus conexiones com el desarrollo humano y los derechoshumanos. ODONNEL, Guilhermo; IAZZETA, Osvaldo; CULLEL, Jorge Vargas (Comp.) Democracia, desarrollohumano y ciudadana: reflexiones sobre la callidad de la democracia en America Latina. 1 ed. Rosario: HomoSapiens, 2003, p. 28.
11 A ilustre Professora Ada Pellegrini bem elucida o tema no Captulo I do Ttulo I de sua obra As garantiasconstitucionais do direito de ao, onde demonstra que por fora das vigorosas construes germnicas, nametade do sculo passado, a orientao publicista do processo veio caracterizar o direito de ao comoautnomo, independente do direito material a que visa instrumentalmente proteger, dando ensejo evoluohistrica do conceito de ao como direito pblico subjetivo. GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantiasconstitucionais de ao. So Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1973.
12 A nica diferena entre os direitos pblicos subjetivos e os privados consiste no sujeito passivo, quenaqueles representado pelo Estado ou pelos entes pblicos. GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias
constitucionais de ao. So Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1973, p. 51.13 Apud GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais de ao. So Paulo : Ed. Revista dosTribunais, 1973, p. 47 nota 8.
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O direito de ao tem natureza pblica e subjetiva: subjetiva porque cabe
ao indivduo a deciso de provocar a prestao jurisdicional e pblica porque o
Estado quem tem a obrigao de prestar a jurisdio.
Os ensinamentos supracitados apontam que o direito de ao
concepo subjetiva, constituindo um direito prestao jurisdicional devida pelo
Estado. Ademais, a possibilidade de acionar o aparelho judicirio constitui um direito
cvico.
O princpio da isonomia, ou seja, da igualdade perante a lei, est
relacionado ao direito de ao, cujo princpio est associado democracia. Somenteos Estados que visam pratica da democracia apresentam campo frtil para o
efetivo exerccio do direito de ao.
Conseqncia lgica do princpio da igualdade jurdica a garantia da
assistncia judiciria integral14, pois o advogado quem proporcionar efetividade
ao exerccio do direito de ao; ele que constituir o vnculo entre o indivduo e o
judicirio, e normalmente entre a pessoa humana e a informao dos direitos edeveres.
de se reiterar que, o advogado constitui o veculo que materializa o
direito de ao, de modo que o acesso justia ser uma realidade a partir da
garantia da assistncia judiciria integral.
O advogado, elemento essencial administrao da justia, representa amola propulsora do judicirio; proporciona acesso justia e transforma o direito
meramente formal em direito efetivo. Pode-se dizer, ento, que no existe nem
acesso justia e nem justia sem advogado.
Neste ponto chama-se ateno para o fato de que a classe social mais
elevada no enfrenta barreiras quanto ao acesso justia, sejam elas em
14 Necessidade do Estado ir alm da iseno dos custos com o judicirio, o equilbrio financeiro entre as partes relevante, mas incapaz de igualar a capacidade de litigar das partes.
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decorrncia de aspectos financeiros ou quanto disponibilidade de acesso a
advogados.
Desta feita restam sem acesso justia as classes menos favorecidas,
tanto sob o aspecto financeiro, quanto intelectual.
No caso brasileiro, apenas os indivduos prximos da penria financeira
podem contar com o atendimento da Defensoria Pblica; os demais acabam
desamparados pelo ordenamento de assistncia jurdica.
A prestao de assistncia judiciria no apresenta excelncia, em razode sua limitao estrutural, e atende apenas s demandas individuais mnimas.
Contudo, resta mesmo assim, uma faceta de acesso justia.
No caso dos indivduos assalariados, que constituem a classe mdia
baixa15, sequer esse atendimento mnimo ocorre, ficando essa faixa econmica
praticamente alijada do direito de ao. Tal fato se d em razo dessa parcela da
sociedade se encontrar excluda da faixa de atendimento da assistncia pblica16
.Mas mesmo excluda, no possui condies de arcar com a demanda, o que
dificulta, sobremaneira, o acesso justia.
Por conta do exposto, para que o indivduo tenha um acesso mnimo
justia, este dever estar situado num dos extremos scio-econmicos da
sociedade, o que exclui do atendimento do sistema judicirio grande parcela da
populao brasileira.
Na nsia de atender a essa demanda verifica-se constituir caminho
seguro o modelo alternativo proposto neste estudo, batizado inicialmente de
convnio de assistncia jurdica, ou simplesmente, convnio jurdico com o
terceiro setor.
15 Tomemos por referncia trs salrios mnimos, hoje (junho/07) no importe de R$ 1.110,00 (um mil e cento e
dez reais).16 Parmetro definido no Manual do Advogado Inscrito no Convnio PGE/OAB-SP para triagem do beneficirioda assistncia judiciria, que via de regra dever atender aqueles que recebam abaixo da faixa salarial de 3(trs) a 4 (quatro) salrios mnimos.
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O modelo de convnio jurdico com o terceiro setor no s atenderia a
grande massa da populao desamparada pela assistncia judiciria gratuita, como
tambm poderia, tanto sob o aspecto qualitativo quanto quantitativo, incrementar o
atendimento daqueles que fazem jus prestao advocatcia gratuita.
A prestao de servios de assistncia judiciria migraria da Defensoria
Pblica para as entidades do terceiro setor, por intermdio do estabelecimento de
convnios entre as partes, restando Defensoria o papel de ente regulador e
fiscalizador da efetiva prestao dos servios, e s entidades, o papel de executoras
da prestao de assistncia e provedores econmicos, retirando, assim, do Estado,
o nus financeiro e administrativo da assistncia judiciria.
O convnio jurdico aponta o caminho da soluo para democratizar o
acesso justia, tendo em vista que poder proporcionar s classes sociais
excludas a oportunidade de acessar a justia. Fica patente que a implantao
desse sistema favorece a socializao dos direitos.
Quanto ao custeio de tal convnio, a soluo financeira poder serestabelecida por intermdio de 3 (trs) sistemas distintos, conforme detalharemos
ao longo do estudo. De momento, o indicaremos de forma sucinta.
Quanto s formas de custeio do convnio, constituem opes: 1) custeio
integral pelo Estado17; 2) custeio diludo entre os membros componentes de um
determinado grupo social que participa da entidade; 3) custeio suprido por doaes
ou patrocnio advindo de terceiros, tal como a iniciativa privada.
Importante salientar que o modelo proposto retira do Estado a funo de
gerenciar e prestar o atendimento judicirio gratuito fornecido aos grupos sociais
excludos, passando esta responsabilidade s entidades do terceiro setor.
Aponta-se as entidades do terceiro setor como os entes que melhor
desempenhariam o papel de fornecedores da prestao jurdica porque constituem
17 Como exemplo, citamos o convnio estabelecido entre a Procuradoria Geral do Estado e a Ordem dosAdvogados do Brasil Seco So Paulo.
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entidades sem fins lucrativos, com condies plenas para administrar a prestao
dos servios, de forma a no permitir que esta seja mercantilizada ou
desqualificada.
Assim, no se perderia de vista a excelncia da prestao dos servios
jurdicos, bem como se elevaria a qualidade do trabalho, o grau de atendimento e se
caminharia para a socializao dos direitos, fato que no ocorre no modelo atual
adotado na assistncia judiciria gratuita fornecida pelo Estado.
O modelo proposto preenche ainda outra lacuna do sistema atual, que diz
respeito defesa dos direitos difusos e coletivos, que passariam a ser, inclusive,realizados com especializao por grupo social representado pela entidade.
O modelo de convnio jurdico, que se entende constituir a melhor
soluo, o sistema pelo qual o custo diludo entre os vrios indivduos de um
mesmo grupo social, representado pela entidade do terceiro setor, onde cada um
contribui com um pouco a fim de que o conjunto tenha fora poltica e financeira
para cuidar dos casos individuais e coletivos deste grupo social de forma maiseficaz.
A importncia do sistema de convnio jurdico verificada, ao se
debruar nas solues para dar acesso justia em pases como a Sucia, a
Inglaterra, os Estados Unidos e outros mais. Esse modelo constitui uma das
solues mais satisfatrias para a melhoria do acesso justia, ainda que, no
passado, tenha sofrido severas crticas por parte de suas associaes de classe deadvogados. Contudo, com o passar do tempo, essas associaes perceberam a
importncia do trabalho realizado por esses convnios, e mais, o quanto tornaram a
justia acessvel.18
Em nosso ordenamento jurdico e principalmente por parte da Ordem dos
Advogados do Brasil, esse sistema de convnio ainda no se encontra
18 Informaes coletadas no Projeto de Florena. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso Justia . Traduo de EllenGracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
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regulamentado, embora haja possibilidade jurdica de realiz-lo (Lei Complementar
n 988/2006, artigos 7 2 e 19 XIII). Ressalta-se que tal fato dever mudar em
curto lapso temporal, tendo em vista a onda mundial no sentido dos convnios, que
j comprovaram constituir a melhor soluo para aqueles que realmente tm
dificuldade para acessar a justia.
Os argumentos trazidos especialmente pela Ordem dos Advogados do
Brasil, para obstar o atendimento por via do convnio jurdico, so inconsistentes e
no constituem verdadeiros entraves adoo do sistema, pois conforme
demonstraremos, essas crticas em geral so improcedentes. Essa afirmao feita
em razo desse modelo existir desde a dcada de 70 em pases consideradosmodelos de atendimento e acesso justia. A presente argumentao ser
embasada em solues j testadas e aprovadas em outros pases, como a Sucia.
A Ordem dos Advogados do Brasil, Seco So Paulo, administra
atualmente um convnio jurdico custeado de forma integral pelo Estado, cuja
prestao de servios exclusivamente direcionada aos menos favorecidos19,
conforme um dos modelos citados anteriormente. A presente proposta feita nosentido de alargar a assistncia judiciria, atendendo a uma parcela maior da
populao, bem como, resguardando os interesses coletivos de forma eficaz. A
prestao dos servios jurdicos seria, ento, realizada pelas entidades do terceiro
setor por intermdio da assinatura de convnio com a Defensoria Pblica, que teria
por funo regulamentar e fiscalizar a entidade bem como o servio por ela
prestado.
A crtica que se faz ao modelo de convnio firmado, de forma exclusiva,
com a Ordem dos Advogados do Brasil, Seco So Paulo, e Procuradoria do Geral
do Estado de So Paulo, realizada em razo do gerenciamento atual ser falho sob
diversos aspectos, sendo que entre eles enumera-se: 1) a vigilncia da qualidade
dos servios prestados; 2) a remunerao paga aos advogados que muito inferior
e incompatvel com o volume de trabalho; 3) o atendimento dado apenas em
19 Parmetro definido no Manual do Advogado Inscrito no Convnio PGE/OAB-SP para triagem do beneficirioda assistncia judiciria, que via de regra dever atender aqueles que recebam abaixo da faixa salarial de 3(trs) a 4 (quatro) salrios mnimos.
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casos de interesse individual, restando as demandas coletivas sem guarida; 4) a
resistncia em questionar os interesses governamentais a favor da coletividade
tendo em vista que o Estado quem financia o sistema.
de se ressaltar neste ponto as vantagens do gerenciamento realizado
pelo terceiro setor na prestao dos servios jurdicos: 1) independncia poltica e
financeira da entidade em relao ao Estado; 2) efetivao de uma vigilncia mais
prxima da qualidade dos servios; 3) melhoria das condies de trabalho e de
salrio do advogado; 4) maior especializao por assunto; 5) aquisio de expertise
de ajuizamento de escala e defesa dos interesses difusos e coletivos; 6) fora
poltica para que a pessoa exija seus direitos do Estado; 7) desenvolvimento decapacidade poltica para influenciar a lei em seu nascedouro, com vistas ao real
atendimento das necessidades do grupo social representado.
A entidade do terceiro setor adquire as vantagens de litigante
organizacional20, tornando-se com isso altamente capacitada e especializada (artigo
5 XXI CF).
Visto que a entidade do terceiro setor no possui foco no lucro financeiro,
no permitir que a prestao do servio jurdico se torne um meio de negcio
empresarial puro, evitando com isso a mercantilizao da advocacia, aviltamento
dos honorrios ou a decadncia da qualidade do atendimento prestado, fatos estes
todos temidos e criticados pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Outro fator relevante que no pode ser esquecido nesta discusso aposio importante que as entidades do terceiro setor desfrutam na interface entre
os interesses da sociedade e do Estado, constituindo esses convnios mais um
servio a ser intermediado pelo terceiro setor.
Vivemos uma democracia, fundada numa Constituio progressista,
comprometida com os valores da dignidade humana e justia social, igualdade e
solidariedade, liberdade e segurana, desenvolvimento e bem-estar. Contudo, a
20 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso Justia. Traduo de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
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concretizao dessas bases constitucionais somente ser possvel mediante o
efetivo exerccio do direito e da cidadania.
O caminho a ser percorrido para que se concretize o efetivo exerccio do
direito e da cidadania o pleno acesso justia, constituindo o advogado o elo
entre o cidado e a justia. A democratizao do acesso ao profissional da
advocacia levar a democratizao do acesso justia, ou democracia
jurisdicional.
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2 DEMOCRACIA E DIREITO DE AO
2.1 DA DEMOCRACIA
A democracia dinmica, est sempre em transformao. A democracia
dos antigos era direta e a moderna representativa.21 O exemplo mais expressivo da
democracia direta dos gregos antigos (Atenas), os criadores da prpria
democracia. Na Assemblia Popular, os cidados atenienses (homens detentores
de um certo padro mnimo de riqueza, excluindo mulheres, escravos, metecos
[estrangeiros residentes] e estrangeiros visitantes) discutiam e deliberavam sobre
todos os problemas do Estado e assuntos comuns em geral da sociedade
ateniense.
A democracia representativa um fenmeno moderno, historicamente
vinculado Guerra de Independncia norte-americana e, mormente, Revoluo
Francesa e Assemblia Constituinte instaurada no desfecho dessa revoluo(1789-1791), isso embora a concepo moderna de Estado remonte ao sculo XVI
com Maquiavel. Os mais importantes tericos da democracia moderna foram os
iluministas franceses (Montesquieu, Rousseau, Voltaire). Entretanto, a prtica oficial
democrtica moderna tem como pioneiros (com a diferena de uns poucos anos
adiante dos franceses) os norte-americanos, com seu primeiro Presidente tomando
posse em 1789 (George Washington). A Declarao de Independncia de 4 de
julho de 1776 e a Constituio original dos Estados Unidos (composta de umprembulo e sete artigos) foi ratificada em 17 de setembro de 1787. Outros grandes
homens atuantes na Guerra de Independncia norte-americana e/ou na instalao e
consolidao institucional da democracia moderna representativa foram Thomas
Jefferson, Benjamin Franklin (tambm cientista, inventor e autor dos princpios que
permitiram o uso da eletricidade) e o inglsThomas Paine.
21 A democracia um processo dinmico inerente a uma sociedade abertae ativa, oferecendo aos cidados apossibilidade de desenvolvimento integral e de liberdade de participao crtica no processo poltico emcondies de igualdade econmica, poltica e social. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucionale Teoria da Constituio. 7 ed. Coimbra: Edies Almedina, 2003, p. 289.
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Existe diferena entre a democracia ideal, como concebida e a
democracia real, na qual efetivamente vivemos, constituindo elemento essencial a
visibilidade ou transparncia do poder.
Norberto Bobbio considera como definio mnima de democracia a
oposio a todas as formas de governos autocrticos, caracterizada por um
conjunto de regras (primrias ou fundamentais) que estabelecem quem est
autorizado a tomar as decises coletivas e mediante quais procedimentos, com
previso e facilitao da participao, a mais ampla possvel, dos interessados.22
O processo de democratizao prev o alargamento do direito ao voto, asdecises sendo tomadas pela maioria daqueles aos quais compete a deciso a ser
tomada.
O Estado liberal pressuposto do Estado democrtico. No h
democracia sem regras. O poder cria direitos e o ordenamento jurdico limita o
poder. O equilbrio desta balana garantir a democracia.
O pensador Norberto Bobbio entende que os protagonistas da vida
poltica numa sociedade democrtica so os grupos e no os indivduos. O povo
dividido de fato em grupos contrapostos e correntes, com relativa autonomia diante
do governo central.23
O princpio inspirador da democracia a liberdade, liberdade enquanto
capacidade de participar da produo de leis de aplicao coletiva que contudo,incluam e no sacrifiquem os anseios da individualidade. A democracia moderna
nasceu como mtodo de legitimao e de controle das decises polticas e do
Governo.
22 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Traduo de Marco Aurlio Nogueira, 8 edio, So Paulo: Paze Terra, 2000, p. 30.
23Ibid.
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A funo do ordenamento jurdico promover o controle dos governantes
e a proteo dos governados contra aqueles, sendo a justia que, em ltima
instncia, resguardar a democracia.
O Estado de Direito garante o Estado democrtico. fato que sem a
existncia das leis e da justia, atuando como Poder Judicirio, no h como
resguardar a democracia.
Nesse cenrio, a educao do indivduo constitui importante componente
para o fortalecimento da democracia. O indivduo sem educao, e portanto, sem
formao cidad, no possui condies de identificar dentro da coletividade aspessoas que melhor representariam os desejos dessa coletividade.
Norberto Bobbio aponta como obstculos democracia: 1) a tecnocracia.
As sociedades atuais so mais complexas, consequentemente seus problemas so
mais complexos, exigindo assim tcnicos para a soluo das questes; contudo a
democracia se baseia, dentre outras coisas, na possibilidade da participao de
qualquer indivduo como representante do grupo, e a tecnocracia impede aparticipao indistinta; 2) O segundo obstculo democracia o crescimento do
aparato burocrtico. Com o crescimento da sociedade e de seus problemas, o
Estado ampliou-se para fazer frente s novas necessidades sociais. Menciona-se
ainda a passagem do Estado liberal para o Estado social; no primeiro somente eram
garantidos os direitos individuais; j no segundo existe o alargamento das garantias,
devendo o Estado nessas condies prestar inmeros outros servios visando a
atender as novas exigncias sociais. O inchao do Estado levou-o burocratizao;3) O baixo rendimento do sistema democrtico constitui entrave democracia; a
chamada ingovernabilidade. A democracia tem uma sociedade civil livre, pensante
e que exige atitudes imediatas do governante. Contudo a resposta s questes
chega de forma lenta e burocrtica.24
24 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Traduo de Marco Aurlio Nogueira. 8 edio. So Paulo: Paze Terra, 2000.
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Francis Fukuyama divide o movimento de criao e implementao da
democracia em quatro etapas: a) a ideolgica, que instantnea e produz
revolues; b) a institucional, de mdio prazo, que requer imaginao e consenso; c)
a de mobilizao da sociedade civil, mais complexa; d) a cultural, a da cultura
democrtica, a mais difcil, de mais longo prazo, mas a nica capaz de assegurar
estabilidade.25
No obstante as dificuldades internas enfrentadas pela democracia pode-
se afirmar ser a melhor forma de organizao social. As regras formais da
democracia introduziram tcnicas de convivncia, destinadas a resolver os conflitos
sociais sem o emprego da violncia; A democracia assegura a renovao gradualda sociedade atravs do livre debate das idias, da mudana das mentalidades e do
modo de viver; a democracia campo frtil para a fraternidade entre os indivduos e
desloca o confronto armado para o Judicirio, reprimindo assim a violncia fsica.
Para que a democracia no perea, a segurana jurdica tem que ser
resguardada, constituindo o advogado elemento indispensvel vigilncia e
cobrana da segurana jurdica. A confiana na prestao jurisdicional leva manuteno da democracia, enquanto o descrdito na justia ante os olhos do povo
conduzir a sociedade justia realizada pelas prprias mos, instituindo uma
revoluo, o caos social ou uma ditadura.
2.1.1 Conceitos. Elementos
Giovanni Sartori inquieta-se com a definio de democracia. Levanta
inicialmente a questo de que uma definio pode ser estipulativa ou lxica. Na
primeira, o orador anuncia seu entendimento com relao ao assunto, estipula o
conceito; na segunda, o orador explica como a palavra geralmente usada, isto , o
que as pessoas em geral querem dizer ao empreg-la.
25 Apud FALCO Joaquim. Democracia, Direito e Terceiro Setor. 2 ed., Rio de Janeiro: Editora FundaoGetlio Vargas, 2006, p. 61/62.
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No caso especfico de democracia, Giovanni Sartori diz que todos os
termos que entram significativamente na(s) definio(es) de democracia foram
modelados pela experincia e refletem o que aprendemos enquanto
experimentadores ao longo da histria. Argumentativamente, h muitas democracias
possveis, isto , logicamente concebveis; mas no h muitas historicamente
possveis.26
Para Giovanni Sartori o significado central do termo democracia no
estipulativo ou arbitrrio. Dadas as razes e derivaes histricas, palavras como
democracia so relatos sintticos que pretendem transmitir idias sobre a forma
pela qual devemos nos comportar com base em experincias vividas anteriormente.
Norberto Bobbio relata que na teoria contempornea da democracia
confluem trs grandes tradies do pensamento poltico:27
1. A teoria clssica, divulgada como teoria aristotlica, das trs formas de
governo, segundo a qual a democracia, como governo dos muitos, de todos os
cidados, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, sedistingue da monarquia, como governo de um s, e da aristocracia, como governo
de poucos.
2. A teoria medieval, de origem romana, apoiada na soberania popular,
na base da qual h a contraposio de uma concepo ascendente a uma
concepo descendente da soberania, em que o poder supremo deriva do povo e
se torna representativo ou deriva do Prncipe e se transmite por delegao dosuperior para o inferior.
3. A teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o
Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas
histricas de governo so essencialmente duas: a monarquia e a repblica; a antiga
democracia nada mais que uma forma de repblica (a outra sendo a aristocracia).
26 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Vol II As questes Clssicas. Traduo de Dinah deAbreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 18.
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Da a origem do intercmbio caracterstico do perodo pr-revolucionrio entre ideais
democrticos e ideais republicanos e o governo genuinamente popular ser chamado
de repblica, em lugar de democracia.
A democracia uma forma de governo do Estado.
Nenhuma comunidade poltica, portanto, pode tornar-se
democraticamente consolidada a no ser que ela seja,
antes de mais nada, um Estado. (...) Para que uma
democracia venha a se consolidar, primeiramente deve
haver condies para o desenvolvimento de uma
sociedade civil livre e ativa. Em segundo lugar, deve haver
uma sociedade poltica relativamente autnoma e
valorizada. Terceiro, deve haver o Estado de direito paraassegurar as garantias legais relativas s liberdades dos
cidados e vida associativa independente. Quarto, deve
existir uma burocracia estatal que possa ser utilizada pelo
novo governo democrtico. E por ltimo, deve haver uma
sociedade econmica institucionalizada.28
Juan J. Linz define, de forma simplificada, democracia como uma forma
de governo da vida em uma polis, na qual os cidados possuem direitos que so
assegurados e protegidos.29
O autor supracitado afirma que a ideologia da democracia se ampara no
compromisso intelectual com a cidadania e com as normas e procedimentos da
contestao. H respeito pelos direitos das minorias e est presente o Estado de
direito e a valorizao da individualidade.
Outras caractersticas da democracia segundo Juan J Linz so aparticipao do povo, que ocorre por meio de organizaes autonomamente
geradas na sociedade civil e pela competio de partidos polticos na sociedade
27 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio Poltico. 12 ed. TraduoCarmem C. Varriale. et.al. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2004, p. 319.28 LINZ, Juan J. A transio e consolidao da democracia a experincia do sul da Europa e da Amrica doSul. Juan J. Linz, Alfred Stepan; Traduo de Patrcia de Queiroz Carvalho Zimbres. So Paulo: Paz e Terra,1999, p. 25.
29 LINZ, Juan J. A transio e consolidao da democracia a experincia do sul da Europa e da Amrica doSul. Juan J. Linz, Alfred Stepan; Traduo de Patrcia de Queiroz Carvalho Zimbres. So Paulo: Paz e Terra,1999, p. 29.
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poltica garantidos por um sistema de leis, a alta participao dos cidados e os
esforos difusos por parte do regime para induzir boa cidadania.30
Segundo Simone Goyard-Fabre, o termo democracia, por sua
etimologia, designa o poder do povo, e assim, podia ser definida, stricto sensu, no
incio. Hoje as democracias so regimes nos quais, a vontade do povo a fonte do
poder.31
Para Arend Lijphart a definio mais bsica e literal de democracia o
governo pelo povo ou, no caso da democracia representativa, o governo pelos
representantes do povo e, tambm, com base na famosa frase de AbrahamLincoln, segundo a qual democracia significa governo no apenas pelo povo, mas
tambm parao povo, ou seja: governo de acordo com a preferncia popular.32
A democracia um regime de governo voltado para a preferncia
popular, a deciso do governo sendo embasada em dois modelos, majoritrio ou
consensual. A importncia do modelo adotado revela-se na medida em que imprima
a caracterstica governamental. O governo de consenso, a princpio, maisdemocrtico do que o majoritrio e abrange garantias para uma parcela maior de
grupos sociais.33
O governo de consenso tende a evitar abusos, assegurando a
inafastabilidade do Poder Judicirio e o acesso justia.
Segundo Arend Lijphart, no modelo democrtico majoritrio o governo pela maioria, o poder poltico concentrado nas mos de uma pequena maioria, h
30Idem ibidem.
31 GOYARD-FABRE, Simone. O que democracia: a genealogia filosfica de uma grande aventura humana.Traduo de Cludia Berliner. So Paulo: Martins Fontes, 2003.
32 LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo deRoberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 17.
33 O sistema de grupos de interesse tpico da democracia majoritria um pluralismo competitivo e no-
coordenado entre grupos independentes, em contraste com o sistema do corporativismo caracterstico domodelo consensual, que coordenado e orientado para o acordo. LIJPHART, Arend. Modelos de democracia:desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo de Roberto Franco. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 2003, p. 197.
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concentrao do poder, governos unipartidrios de uma maioria simples, governos
estveis e com administrao eficaz; este modelo exclusivo, competitivo e
combativo e apresenta predomnio do Poder Executivo. J no modelo consensual, a
vontade do maior nmero de pessoas, ocorre a tentativa de compartilhar,
dispersar e limitar o poder de vrias maneiras e esse modelo caracteriza-se pela
abrangncia, negociao e concesso, governos de coalizes multipartidrias,
busca a distribuio do poder e relao mais equilibrada entre Poder Executivo e
Legislativo.34
O modelo majoritrio de democracia caracteriza-se pelo sistema
bipartidrio. O benefcio deste sistema que oferece aos eleitores uma claraescolha entre dois conjuntos alternativos de diretrizes pblicas e a influncia
partidria moderada, em razo da disputa eleitoral dos eleitores indecisos
localizados no centro do espectro poltico. Por essa razo seus propugnadores
sustentam diretrizes moderadas e centristas.35
O sistema bipartidrio, segundo a escola americana de pensadores, pode
conduzir moderao do pensamento partidrio, ou, segundo a escola britnica, competio partidria, no sentido de idias opostas.
O modelo consensual multipartidrio, seu governo de coalizo,
normalmente frgil e de vida curta com gabinetes instveis, em razo da dificuldade
de satisfazer a todos os grupos divergentes que formam a maioria. Tal fragilidade
conturba a implementao de polticas pblicas; em contrapartida, garante a
democracia poltica.
Robert A. Dahl (1971:3) em seu livro Polyarchyaponta oito critrios, com
apoio dos cientistas polticos, para definir e avaliar a democracia:36
1. o direito ao voto;
34Idem ibidem
35 LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo de
Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 86.36ApudLIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduode Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 69.
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2. o direito a ser eleito;
3. o direito dos lderes polticos de competirem por apoio e votos;
4. eleies livres e honestas;
5. liberdade de reunio;
6. liberdade de expresso;
7. fontes alternativas de informao;
8. instituies capazes de fazer com que as medidas do governo
dependam do voto e de outras manifestaes da vontade popular.
O modelo de democracia adotado poder influenciar as garantias
constitucionais, permitindo que o indivduo tenha um maior ou menor acesso justia.
No modelo consensual puro, a Constituio rgida e
protegida pela reviso judicial37. O modelo majoritrio puro
caracteriza-se por uma constituio flexvel e pela ausncia
de reviso judicial.38
Arend Lijphart comenta que a democracia majoritria melhor no itemefetividade do governo; j a democracia consensual melhor no quesito da
representatividade dos interesses das minorias e dos grupos sociais de forma mais
precisa, representando o povo e seus interesses de maneira mais inclusiva.39
O pesquisador supracitado refere-se importncia e influncia do
modelo democrtico adotado, no momento que demonstra que a democracia de
consenso voltada cidadania e incluso social, tem maior probabilidade deconstituir um estado de bem-estar, obtm resultado mais expressivo quanto
proteo do meio ambiente e mais generosa em sua assistncia econmica s
naes em desenvolvimento.
37 O remdio normalmente proposto dar aos tribunais, ou a um tribunal especial constitucional, o poder dareviso judicial- isto , o poder de testar a constitucionalidade das leis aprovadas pela legislatura nacional.LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo deRoberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 254.
38 LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo de
Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 247.39 LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padres de governo de 36 pases. Traduo deRoberto Franco. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 311.
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O modelo democrtico de consenso terreno frtil para as garantias das
liberdades individuais e, portanto, do efetivo exerccio do acesso justia.
2.1.2 Princpios. Tipos
Na viso de Guilhermo ODonnell a democracia guarda conexo com o
desenvolvimento humano e os direitos humanos. O desenvolvimento humano e os
direitos humanos esto embasados no indivduo como agente.40
O desenvolvimento humano clama por direitos elementares a serem
alcanados pelos indivduos, tal como viver uma vida boa e saudvel, ser
socialmente reconhecido e desfrutar de uma vida decente e respeitvel.
A conquista dos direitos elementares pode servir de base para medir
tanto o desenvolvimento humano quanto o desenvolvimento da democracia.
O progresso do homem converge para a declarao dos direitos
humanos, restando natural que estas conquistas sejam proclamadas, e, portanto,
passem a ser garantidas e exigveis.
Enquanto o desenvolvimento humano se concentra no contexto social, os
direitos humanos se concentram na lei e na preservao do indivduo face aagresso do Estado.
O problema que se apresenta definir, ou ao menos, delimitar quais so
os direitos humanos mnimos e bsicos, aplicveis a todo e qualquer indivduo.
40 ODONNELL, Guilhermo; IAZZETTA, Osvaldo; CULLEL, Jorge Vargas (Comp.) Democracia, desarrollohumano y ciudadana: reflexiones sobre la calidad de la democracia en America Latina. 1 ed. Rosrio : HomoSapiens, 2003, p. 28.
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O Estado Democrtico de Direito busca fixar em seu ordenamento
jurdico as garantias individuais mnimas que devero ser aplicveis a todo
indivduo.
No dizer de Guilhermo ODonnell, o Estado apresenta trs dimenses,
sendo elas: 1) um conjunto de rgos responsveis pela proteo do bem comum e
do interesse pblico; 2) um sistema legal que rege as relaes sociais; 3) uma forma
de identificao coletiva dos habitantes de um determinado espao geogrfico.41
Assinala-se que nem todo Estado apresenta todas as dimenses, alguns sequer as
tendo medianamente.
Ainda, seguindo os ensinamentos de ODonnell, o regime de um Estado
determinado pela forma como o governante chega ao poder, pelas instituies que
conduzem o governante ao governo e pelos recursos e estratgias empregados
para governar.
Democracia constitui um regime de governo. O Estado que se encontra
sob a gide do regime democrtico tem seus principais cargos do governoacessados por intermdio de eleies livres e so garantidas as liberdades polticas
a todos sem exceo, tais como, liberdade de expresso, de associao e de
informao.
Norberto Bobbio entende por definio mnima de democracia a
atribuio a um nmero elevado de cidados do direito de participar direta ou
indiretamente da tomada de decises coletivas, a existncia de regras deprocedimento como o da maioria e, por final, preciso que aqueles que so
chamados a decidir ou a eleger os que devero decidir sejam colocados diante de
alternativas reais e postos em condio de escolher entre uma e outra. Para tanto,
necessrio garantir os direitos de liberdade, de opinio, de expresso das prprias
opinies, de reunio, de associao, dentre outros.42
41ODONNELL, Guilhermo; IAZZETTA, Osvaldo; CULLEL, Jorge Vargas (Comp.) Democracia, desarrollo
humano y ciudadana: reflexiones sobre la calidad de la democracia en America Latina. 1 ed. Rosrio : HomoSapiens, 2003, p. 34.
42 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Traduo de Marco Aurlio Nogueira So Paulo: Paz e Terra,2000, p. 32.
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O regime democrtico a principal fonte de legitimao das polticas
pblicas e consequentemente, de forma agregada, da credibilidade do Estado e de
seu governo. Supe-se que diante de eleies livres, a vontade da maioria esteja
representada.
Em um regime democrtico as eleies so livres, competitivas,
igualitrias, decisivas e inclusivas. Tal regime no nega a representao s
minorias. a vontade da maioria respeitando-se a vontade da minoria. Aqueles que
votam so os mesmos que podem ser votados. o conceito original de cidado.
Eleies livres e honestas so os componentes centrais do regime
democrtico, pois ser por intermdio da eleio que o governante ser conduzido
ao governo.
Aps essa digresso pelos conceitos de Estado, regime de governo e
democracia, cumpre apontar que o Estado tem duas funes primordiais: a primeira
delimitar geograficamente os portadores de direitos e obrigaes da cidadaniapoltica, e a segunda compor um sistema legal que sancione e respalde esses
direitos e obrigaes em bases universais.43
A garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana exige a
preservao do regime democrtico44, razo pela qual condio necessria da
democracia a presena de um sistema jurdico que resguarde e exija o cumprimento
dos direitos, pois sem esse instrumento jurdico os direitos se tornaro meramenteformais.
Manoel Gonalves Ferreira Filho ensina que so vrios os tipos de
democracia que a doutrina distingue. Ou, em outras palavras, vrios so os
43 ODONNELL, Guilhermo; IAZZETTA, Osvaldo; CULLEL, Jorge Vargas (Comp.) Democracia, desarrollo
humano y ciudadana: reflexiones sobre la calidad de la democracia en America Latina. 1 ed. Rosrio : HomoSapiens, 2003, p. 50-51.
44 LEMBO, Cludio. O futuro da liberdade. So Paulo: Edies Loyola, 1999.
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sistemas pelos quais se procura realizar o ideal de fazer coincidir, no mximo
possvel, os governantes e os governados. Isto para que todo ser humano continue
livre no Estado, sujeitando-se a um poder de que tambm participe.45
Quanto aos tipos, Manoel Gonalves Ferreira Filho define que desses
tipos dois podem ser ditos puros: a chamada democracia direta e a denominada
democracia indireta. Outro tipo o misto como a designao sugere: democracia
semidireta. Este ltimo, no entanto, pode ser considerado modalidade da
democracia indireta, especialmente da democracia representativa.46
2.1.3 A Democracia poltica e outras democracias
A democracia pode ser vista no sentido social e econmico, ou no sentido
poltico.
Giovanni Sartori adverte que a frmula da democracia liberal pressupeigualdade atravs da liberdade, por meio da liberdade; no liberdade por meio da
igualdade. 47
Pois bem, a democracia poltica inaugura o captulo de Sartori que cuida
dos diferentes padres de democracia, a qual o autor acopla a denominao de
democracia liberal.48
O liberalismo reivindica a liberdade e a democracia a igualdade. Assim, a
democracia liberal combina liberdade e igualdade.
45 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. 29 ed., rev. e atual. So Paulo:Saraiva, 2002, p. 80.
46 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. 29 ed., rev. e atual. So Paulo:Saraiva, 2002, p. 81.
47 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah
de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 173.48 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinahde Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994.
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Seguindo os estudos de Giovanni Sartori, a igualdade liberal pretende
promover atravs da liberdade a aristocracia do mrito. Croce afirma que o
liberalismo luta por uma democracia qualitativa. (tica e Poltica, p. 288-89)49
A democracia preocupa-se com a coeso social e a
uniformidade distributiva, o liberalismo estima a
proeminncia e a espontaneidade. (...) o liberalismo gira
em torno do indivduo e a democracia, em torno da
sociedade.50
Giovanni Sartori aponta que o liberalismo a tcnica de limitar o poder doEstado. J a democracia a insero do poder popular no Estado.
Enquanto o liberal se preocupa com a formado Estado, o democrata est
basicamente interessado no contedodas normas que emanam do Estado.51
Essa democracia carrega uma interao entre o componente liberal e o
componente democrtico, onde o primeiro ocupa-se com a poltica, com a iniciativaindividual e com o Estado, enquanto o segundo componente preocupa-se com o
bem-estar, a igualdade e a coeso social.52
Rousseau arquiteta a democracia totalitria ao apresentar sua cidade
ideal: encontrar uma forma de associao que defenda e proteja todo membro seu,
e onde o indivduo, embora em unssono com todos os outros, obedea somente a
si mesmo e continue livre como antes.53
Talmon, ao comentar a democracia totalitria conclui que:
49ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 167.
50 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinahde Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 168.
51Ibid. p. 168-169.
52
Ibid.. p. 170.53ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo : Editora tica, 1994, p. 250.
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A democracia totalitria logo evoluiu para uma forma de
coero e centralizao, no por rejeitar os valores do
individualismo liberal do sculo XVIII, mas por ter tido
originalmente uma atitude perfeccionista demais em
relao a eles (...) O homem no devia apenas ser liberadodas restries. Todas as tradies existentes, as
instituies estabelecidas e os arranjos sociais deviam ser
derrubados e refeitos, com o nico propsito de assegurar
ao homem a totalidade de seus direitos e liberdades, e
libera-lo de toda dependncia. 54
Para Rousseau, a legislao deve ter por objetivo a liberdade e a
igualdade, porque no h liberdade sem igualdade.
Novo conceito de democracia surge com o socialismo.
Nos dizeres de Norberto Bobbio, a democracia elemento integrante e
necessrio ao socialismo. Integrante porque denota o reforo da base popular no
Estado, necessrio porque sem esse reforo no seria jamais alcanada a profunda
transformao da sociedade pela qual o socialismo clama.55
O filsofo do direito Norberto Bobbio observa que a democracia no
constitui base para o socialismo porque o socialismo pretende a revoluo das
relaes econmicas, busca a emancipao social e no o desenvolvimento das
relaes polticas, como pretende a democracia.
O processo de democratizao do Estado na doutrina socialista
entendido de forma diferente da doutrina liberal. Para o socialismo o sufrgiouniversal o ponto de partida da democratizao, enquanto para o liberalismo o
ponto de chegada do processo democrtico, segundo entendimento de Norberto
Bobbio.56
54ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, nota 5, p. 291.
55 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de poltica. 12.ed. TraduoCarmem C. Varriale. et. al; coord. trad. Joo Ferreira; rev. geral Joo Ferreira e Lus Guerreiro Pinto Caais
Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2004, p.324.56 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de poltica. 12.ed. TraduoCarmem C. Varriale. et. al; coord. trad. Joo Ferreira; rev. geral Joo Ferreira e Lus Guerreiro Pinto CaaisBraslia: Editora Universidade de Braslia, 2004, p. 325.
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Marx apresenta a democracia social, verso mais extrema de uma
sociedade pura e simplesmente libertria. No Manifesto Comunista, define
democracia como uma associao onde o livre desenvolvimento de cada um a
condio do livre desenvolvimento de todos.57
Marx pretende com o comunismo o restabelecimento da liberdade plena e
verdadeira que resulta do fim de toda a alienao.58 O foco principal do comunismo
no a poltica, estando esta fadada extino natural no decurso do
desenvolvimento socialista e transio para o comunismo.
quando (...) as distines de classe desaparecerem, e toda
a produo estiver concentrada nas mos dos indivduos
associados, o poder pblico perder seu carter poltico.59
A democracia comunista desenhada por Marx era uma democracia sem
Estado, autogovernante e sem coero, sem estruturas verticais, sem poder
concentrado, sem conflito. Remonta sociedade comunitria primitiva.
Giovanni Sartori comenta que a boa sociedade marxiana uma
comunidade espontaneamente harmoniosa instituda pela plenitude econmica.
Politicamente falando, a liberdade total alcanada (pelo comunismo) com o
desaparecimento da poltica. Economicamente falando, a liberdade total
alcanada (pelo comunismo) com a liberao de todas as restries econmicas e
isso equivale a dizer que a soluo est no desaparecimento da economia.60
Aps 1945 surge uma nova forma democrtica: a democracia popular,
aplicada aos pases do leste europeu sob controle sovitico.
57ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 252.
58 Interpretao de Giovanni Sartori. Ibid. p. 253.
59
ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 253.
60Ibidp. 257.
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As sociedades do leste europeu viviam sob o regime ditatorial tanto
quanto o Estado Dirigente; no entanto, como democracias populares, diferiam do
Estado Dirigente no sentido de que no impunham o unipartidarismo.
A permisso multipartidria pode ser entendida, segundo Giovanni
Sartori, por dois motivos, a saber, primeiro porque a tomada violenta e
revolucionria do poder dos pases ocupados era desnecessria e taticamente
pouco recomendvel. Outro motivo se assenta no fato de que muitos pases do leste
europeu tiveram em seu passado uma experincia liberal democrtica.
A tolerncia de partidos-satlites pelo partido dominante era do interesse
do Estado Dirigente, pois erigia uma aparncia de democracia.
A partir de 1948 no foi mais permitido aos partidos secundrios
competir, de forma a fazer oposio ao partido do Governo; O multipartidarismo era
apenas de fachada.
No dizer de Sartori, na teoria sovitica a democracia popular inferior
ao socialismo, assim como o socialismo, por sua vez, inferior ao comunismo
(quando plenamente realizado). 61
Os pases comunistas se consideram ditaduras democrticas em razo
de serem ditaduras do proletariado. Segundo Engels e Lnin, uma ditadura do
proletariado quando no uma ditadura do Estado.
O que torna a ditadura do proletariado democrtica , na
verdade, o seguinte: uma ditadura externa, empregando a
violncia contra a minoria dos antigos opressores, uma
democracia interna para a maioria, para o prprio
proletariado.62
61 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah
de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 274.62 Interpretao de Giovanni Sartori a respeito do entendimento de Lenin sobre democracia do proletariado.SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah deAbreu Azevedo. So Paulo : Editora tica, 1994, p. 275.
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Na realidade o que acabou por ocorrer no Estado Dirigente (Rssia) e no
leste europeu, foi a instalao de uma ditadura pura e simples, com uma estrutura
de governo que permitia o poder absoluto.
Por outro lado, o Professor Joaquim Falco nos apresenta a teoria da
democracia participativa proporcionada pelo terceiro setor. O terceiro setor promove
a participao voluntria e organizada dos cidados no Estado.
Atuar no terceiro setor na concepo de Joaquim Falco trabalhar na
res publica; participar direta ou indiretamente do processo de deciso da polis; o
exerccio pleno da cidadania, uma forma de consolidar e expandir a democracia.63
A democracia embasada em freios e contrapesos. Sob essa tica
importante a existncia do terceiro setor como forma de presso ao oligoplio
partidrio.
Os partidos polticos e o governo se ocupam com as grandes questes,
assuntos relacionados com o interesse da maioria. J o terceiro setor faz o caminho
inverso. o equilbrio entre o interesse da maioria versusminoria que possibilitaruma efetiva democracia ou, ao menos, uma democracia de melhor qualidade.
Na viso de Joaquim Falco, o cenrio atual aponta para a coexistncia
da democracia representativa proporcionada pelos partidos polticos com a
democracia participativa promovida pelo terceiro setor.
O fato de um pas ter adotado o modelo democrtico no o transforma deplano num Estado composto de cidados participantes, livres e iguais.
A democracia representativa, na viso de Joaquim Falco, resolveu a
priori o problema da igualdade poltica. Contudo no deu cabo da desigualdade
econmica, educacional e cultural. A democracia s se justifica e se legitima quando
soluciona os problemas da convivncia social.
63 FALCO, Joaquim. Democracia, Direito e Terceiro Setor. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas. 2ed., 2006.
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Para Joaquim Falco, a democracia encontra-se em transformao
constituindo objetivo inicial o de romper com o monoplio eleitoral, ampliando as
formas de representao popular na gesto do Estado, abrindo espao para a
atuao da sociedade civil e do terceiro setor.64]
O cidado, individualmente, o agente direto da democracia
representativa e o terceiro setor o agente principal dessa nova democracia
participativa.65
Bertrand Russell afirma que a definio ocidental de democracia consiste
na regra da maioria, faz valer o poder do povo. Para os comunistas, a democraciaconsiste nos interesses da maioria, aquela que proporciona benefcios ao povo.66
Giovanni Sartori conclui que democracia a nica que se verificou existir
at agora compreende tanto o poder do povo quanto os benefcios para o povo,
isto , as duas pontas do dilema de Russell.67
64 Existem duas vises bsicas da histria da democracia: a viso seqencial e a viso concomitante. Aseqencial divide a histria da democracia em perodos sucessivos. Primeiro teria sido o perodo da democraciadireta, todos os cidados reunidos e votando nas praas de Atenas, na Grcia. Seguiu-se o segundo perodo, ademocracia representativa, o crescimento demogrfico e a complexidade da vida social proibindo que cidadosparticipassem diretamente das decises pblicas. Elegeram ento representantes profissionais eespecializados: polticos e funcionrios pblicos. Estaramos agora entrando no terceiro perodo, o dademocracia participativa, onde os cidados atravs de mltiplas e difusas entidades da sociedade civil, dasociedade civil organizada como se diz, encontram novo canal, mais amplo, para participar do processodecisrio da sua polis. Para Joaquim Falco a democracia brasileira concomitante pois contempla a
democracia direta (plebiscito e referendo), a democracia representativa (eleies e constituio de umparlamento) e a democracia participativa (audincias pblicas, conselhos, iniciativas legislativas populares etc),ou seja, a democracia no Brasil o resultado da articulao entre a democracia direta, a representativa e aparticipativa. FALCO, Joaquim. Democracia, Direito e Terceiro Setor, Rio de Janeiro: Editora Fundao GetlioVargas. 2 ed., 2006, p. 59.
65 A democracia representativa nunca teve tanto sucesso e nunca foi to insuficiente em lidar com osproblemas comunitrios, nacionais e globais. A soluo no conter a demanda social por democracia, mas aocontrrio. Trata-se de aumentar a oferta. Inventar novos tipos de democracia. Praticar uma democraciaconcomitante: direta, representativa e participativa ao mesmo tempo. Para tanto necessrio romper com omonoplio hoje detido pela representao eleitoral como sendo a nica legtima. Ao romper este monoplio,surge como ator principal, no apenas o eleitor, mas a sociedade civil. FALCO, Joaquim. Democracia, Direitoe Terceiro Setor. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas. 2 ed., 2006, p. 66.
66
Apud SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 280.
67Ibidp. 283.
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2.1.4 Liberdade e igualdade, pressupostos da democracia.
O foco da discusso aqui empreendida de liberdade diz respeito
liberdade poltica, no envolvendo especulaes sobre a natureza da liberdade de
forma genrica e filosfica. Isso, entretanto, no significa que dispensaremos o
recurso filosofia poltica.
Hobbes afirma que o indivduo ocidental quando reclama liberdade
significa que clama pela ausncia de impedimentos externos, pela eliminao de
restries externas, pelo abrandamento de relaes de coero. A liberdade poltica tipicamente liberdade em relao a, no liberdade para(Leviathan, Captulo 14 e
21).68
Giovanni Sartori traz como primeiro esclarecimento com relao ao
assunto, que a liberdade poltica no do tipo psicolgico, intelectual, moral, social,
econmico ou legal. Pressupe estas liberdades e as promove, mas no idntica a
elas.69
O pensador supracitado, a partir da frase sou livre, separa a liberdade
em trs estgios: 1) tenho a possibilidade de, que corresponde liberdade de
permisso, esfera interna da liberdade; 2) posso, liberdade que representa
capacidade e corresponde esfera externa da liberdade; 3) tenho o poder de, a
liberdade de condio.
Certos tipos de liberdade destinam-se basicamente a criarcondies que permitam a liberdade. A liberdade poltica deste
tipo e, muito frequentemente, tambm a liberdade jurdica e a
liberdade econmica.70
68ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 64.
69 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah
de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 60.70 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinahde Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 62.
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A liberdade poltica cria situaes e condies para que a liberdade exista
de fato. O efetivo acesso justia, enquanto liberdade poltica, que segundo a
classificao de Giovanni Sartori, corresponderia liberdade do posso, garantir as
demais liberdades do indivduo.
Segundo Giovanni Sartori temos liberdade poltica, isto , temos um
cidado livre na medida em que so criadas condies que possibilitem ao seu
poder menor resistir ao poder maior que, caso contrrio, domin-lo-ia ou, de
qualquer forma, poderia domin-lo com facilidade. (...) liberdade em relao a
porque liberdade parao mais fraco.71
Encontra-se nessa frase o esprito da democracia, governo do povo para
o povo. O indivduo goza de liberdade na medida em que tem capacidade de impor
sua vontade ao Estado e o impede de tiraniz-lo.72
Giovanni Sartori, aproveitando as idias de liberdade de Clinton Rossiter,
afirma que a liberdade completa implica em cinco traos diferentes, nomeadamente,
a independncia, a privacidade, a capacidade, a oportunidade e o poder;representando as trs ltimas liberdades (capacidade, oportunidade e poder)
condies para se ter como conseqncia as duas primeiras (independncia e
privacidade).73
71 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinahde Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 65.
72 Segundo a concepo liberal do Estado no pode existir Democracia seno onde forem reconhecidos algunsdireitos fundamentais de liberdade que tornam possvel uma participao poltica guiada por uma determinaoda vontade autnoma de cada indivduo. BOBBIO, Norberto.; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.Dicionrio de Poltica. Traduo Carmem C. Varriale. et. al ; coord. trad. Joo Ferreira; rev geral Joo Ferreira eLus Guerreiro Pinto Caais. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 12 ed., 2004, p. 324.
73 Privacidade escolher sem ser pressionado, voltando-se tranquilamente para si mesmo; capacidade , entre
outras coisas, uma ampliao das opes existentes; oportunidade a entrada no leque de alternativas entre asquais escolher; e poder , no contexto da liberdade, a condio equalizadora, a condio que contribui para umaliberdade igual de escolha efetiva. SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II Asquestes clssicas. Traduo Dinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 69.
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As liberdades condicionantes correspondem ao direito subjetivo de ao
do indivduo e o acesso efetivo justia garantir, consequentemente, as demais
liberdades.74
Giovanni Sartori alerta para o fato de que o problema da liberdade poltica
est na existncia de leis que contenham o poder, fato que explica a relao
existente entre a liberdade poltica e a liberdade jurdica. A liberdade sob os
auspcios da lei pode ser entendida de trs formas: a forma grega, que j uma
interpretao legislativa, a forma romana, que se assemelha ao poder legal ingls e
a forma liberal, que o constitucionalismo.
Alis, esse pensamento detectado, ainda, no olhar de Locke. Afirmava
esse filsofo que onde no h leis, no h liberdade. (Rights of man, parte II, cap 3,
ltimo pargrafo)75
Nossas liberdades so asseguradas por uma noo de
legalidade que constitui um limite e uma restrio aos
princpios democrticos puros. Kelsen, entre outros,
compreendeu isso muito claramente ao observar que umademocracia sem a autolimitao representada pelo
princpio da legalidade destri a si mesma.76
Seguindo o pensamento de Giovanni Sartori, a liberdade em relao a
advm do postulado da igualdade. Ningum tem o direito de mandar em mim a
afirmao de que somos iguais em poder.
exatamente porque a fora das circunstncias sempre
tende a destruir a igualdade que a fora da legislao
sempre deve tender a mant-la (Rousseau)77
74 A capacidade de dirigir nossa prpria vida tem muito pouca utilidade se formos impedidos de exerc-la.SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah deAbreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 67.
75ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 70.
76 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah
de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 74.77ApudSARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. TraduoDinah de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 107.
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A igualdade um dos pilares da democracia. Os indivduos devem ser
tratados de forma igualitria e a legislao que assegurar este tratamento. A
isonomia carrega consigo a idia de justia.
Ao longo da histria a igualdade sofreu uma progresso. Giovanni Sartori
classifica a igualdade em quatro tipos: a igualdade jurdico-poltica; a igualdade
social; a igualdade de oportunidade e a igualdade econmica.78
A interpretao dessa igualdade, segundo critrios de justia, que
igualdade jurdico-poltica representa os mesmos direitos legais e polticos para
todos, isto , o poder legalizado de resistir ao poder poltico. A igualdade socialatribui a mesma importncia social a todos e o poder de resistir discriminao
social. A igualdade de oportunidade nos proporciona as mesmas oportunidades de
ascenso e o poder de fazer valer os prprios mritos. A igualdade econmica
busca uma capacidade inicial adequada, para todos conquistarem a mesma
qualificao e posio social dos demais. a excluso do poder econmico.79
O regime democrtico assenta na igualdade a garantia do sufrgiouniversal, elemento indispensvel a sua existncia. A igualdade d sustentao ao
direito ao voto, ao direito de ser eleito e ao direito dos lderes polticos de
competirem por apoio e votos.
A este ponto oportuno citar a advertncia de Giovanni Sartori de que a
participao igual no significa participao livre. necessrio que alm da
igualdade de participao haja a liberdade de escolha, do contrrio deixaremos deter uma democracia.
A democracia, para apresentar-se completa, necessita de igualdade e
liberdade.
78 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II As questes clssicas. Traduo Dinah
de Abreu Azevedo. So Paulo: Editora tica, 1994, p. 117.
79Ibid., p. 118.
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3 O DIREITO DE AO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Norberto Bobbio entende que quando os direitos do homem so
considerados unicamente como direitos naturais, a nica defesa possvel contra a
sua violao pelo Estado um direito igualmente natural, o chamado direito de
resistncia. Mais tarde, nas Constituies que reconheceram a proteo jurdica de
alguns desses direitos, o direito natural de resistncia transformou-se no direito
positivo de promover uma ao judicial contra os prprios rgos do Estado. 80
3.1 A DOUTRINA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Fbio Konder Comparato, baseado na doutrina jurdica germnica
(Grundrechte), afirma que os direitos fundamentais so os direitos humanos
reconhecidos pelas autoridades s quais se atribui o poder poltico de editar normas.
So os direitos humanos positivados nas Constituies, nas leis e nos tratadosinternacionais.81
As expresses direito do homem e direitos fundamentais
so frequentemente utilizadas como sinnimas. Segundo
sua origem e significado poderamos distingui-las da
seguinte maneira: direitos do homem so direitos vlidos
para todos os povos e em todos os tempos (dimenso
jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais so os
direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e
limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem
arrancariam da prpria natureza humana e da o seu
carter inviolvel, intemporal e universal; os direitos
fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes
numa ordem jurdica concreta.82
80 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho, apresentao Celso Lafer. NovaEd., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 51.
81
COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. 3 ed. rev e ampl. So Paulo:Saraiva, 2003, p. 57.
82 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio.7 ed.Coimbra: EdiesAlmedina, 2003, p. 393.
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O reconhecimento dos direitos humanos, por intermdio das leis, que
traz segurana s relaes sociais.
Canotilho considera que os direitos do homem somente podem ser
considerados direitos fundamentais caso estejam previstos constitucionalmente, do
contrrio sero considerados meramente esperanas, aspiraes, ideais, impulsos
ou at mesmo por vezes retrica poltica.83
Para Canotilho a importncia da constitucionalizao dos direitos do
homem d-se em razo da conseqente proteo dos controles constitucionais.
Uma vez que o direito passou a ser previsto constitucionalmente e com statusdefundamental, ser compreendido, interpretado e aplicado como normas jurdicas
vinculativas.84
Os direitos do homem, e portanto, os direitos fundamentais so
desejveis, devendo ser perseguidos e alcanados.85
O fundamento dos direitos do homem deveria ser absoluto, irresistvel nomundo das aes. Contudo, falar em fundamento absoluto no passa de uma iluso
alimentada durante os sculos, perodo em que prevaleceu o pensamento
jusnaturalista; Essa iluso no cabe mais nos