acoesa afirmativas nas universidades brasileiras

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    AES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: Perfil dos alunos queingressaram pelo sistema de cotas para negros na UFMA, em So Luis.

    Jakeline Farias Diniz1

    RESUMOO objeto de estudo deste trabalho centra-se naelaborao de um perfil scio-econmico parcial dosestudantes ingressos pelo sistema de cotas para negrosna Universidade Federal do Maranho em 2007, anoinicial da experincia cotista na referida universidade.Possuindo como pressupostos a insero precarizada nonegro na sociedade de classes como um dos fatoresperpetuadores do preconceito e discriminao racial nasociedade brasileira, juntamente com o reconhecimentoda questo racial no Brasil como pauta reivindicatriapara a elaborao de Polticas Pblicas especficas depromoo da igualdade racial, busca-se a delimitaocrtica do programa sob a tica dos discentes envolvidos.Palavras-chave: Negro - Cotas. Discriminao racial.Questo racial. Aes afirmativas. Perfil scio-econmico.

    ABSTRACTThe object of this paper focuses on the development of asocio-economic part of the student tickets by the quotasystem for blacks in the Federal University of Maranhoin 2007, year he began to experience shareholder at thatuniversity. Taking for granted the precarious insertion inthe black in the class society as a factor perpetrators ofprejudice and racial discrimination in Brazilian society,along with recognition of the racial issue in Brazil asvindicatory agenda for the development of specific publicpolicies to promote racial equality seeks to critique the

    program's definition of Affirmative Action from theperspective of the students involved.Keywords:Black Quotas. Racial discrimination. Racialissues. Affirmative action. Socio-economic profile

    1Estudante de Ps-graduao. Universidade Federal do Maranho (UFMA)[email protected]

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    I- INTRODUO

    Voc no pega uma pessoa que durante anos foi tolhida por correntes, aliberta, a pe na linha de partida de uma corrida e ento diz voc est livrepara competir com os outros e ainda acredita que est sendo totalmenteimparcial. No justo o bastante, neste caso, abrir as portas, ouoportunidades. Todos os cidados devem estar dispostos a trabalhar paraque esta igualdade funcione... Ns buscamos a completa igualdade, nocomo direito ou uma teoria, mas como um fato e um resultado (JOHNSONapud SARMENTO, 2008, p. 165).

    O debate sobre Aes Afirmativas na sociedade brasileira nos remete a

    uma caracterstica premente dos tempos atuais, qual seja a busca pelo respeito s

    diferenas. A preocupao com a temtica no cenrio contemporneo brasileiro a

    partir da dcada de 90, colocando na agenda governamental a democratizao do

    acesso aos bens pblicos a parcelas visivelmente excludas ao longo dos sculos nos

    incita a analisar como esta Poltica Pblica de corte social comeou a se configurar

    dentro da sociedade, principalmente no que diz respeito ao seu entendimento

    enquanto tal e como isto entendido pelos segmentos-alvo desta poltica.

    A questo tnico-racial como pauta para discusso de polticas visando

    insero de segmentos sociais historicamente excludos destes bens, servios e

    oportunidades sociais fruto de amplas mobilizaes e lutas travadas no seio da

    sociedade civil organizada a exemplo do Movimento Negro, que como a maioria das

    lutas travadas na garantia de direitos (a exemplo dos direitos da criana e do

    adolescente), emergiu com mais intensidade no processo da redemocratizao social

    brasileira (dcadas de 80/90), onde h um redimensionamento do Estado no campo

    das polticas sociais. De acordo com Jaccoud (2008), a elaborao da Constituio de

    88 colocava como princpios de enfrentamento da chamada dvida social brasileira o

    combate pobreza e a promoo da democracia, onde os direitos sociais e a

    participao poltica democrtica garantiriam, inter alia, o acesso das camadas

    subalternas aos benefcios do desenvolvimento econmico nacional.

    Estas breves consideraes sobre a relevncia deste tema dentro do cenrio

    poltico brasileiro se situam como sntese da trajetria scio-histrica de espoliao da

    populao negra e de seu reconhecimento enquanto sujeitos sociais, onde a questo

    da discriminao, juntamente com o debate do acesso educacional superior atravsdas aes afirmativas, demonstra o quo importante a desmistificao da

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    democracia racial e da ausncia de preconceito racial no Brasil, juntamente com a

    revelao das discrepncias existentes entre o segmento universitrio e a real

    populao excludente no processo de afunilamento da Educao, segmento este que

    no representa a grande maioria da sociedade.

    O presente artigo fruto de uma elaborao monogrfica realizada em

    2010, na qual demonstra o levantamento do perfil socioeconmico parcial dos

    discentes que conquistaram vagas na modalidade de Cotas para negros em 2007, ano

    inicial da experincia, bem como a coleta de depoimentos dos alunos envolvidos pela

    pesquisa, delimitando as ticas de anlise sobre o entendimento da poltica, o nvel de

    satisfao com o curso, discriminao acadmica e construo identitria (recortetnico-racial e percepo enquanto sujeitos sociais).

    II PERFIL DOS DISCENTES COTISTAS: entre a questo da raa e da classe

    2.1- Condio socioeconmica;

    O universo de anlise indicou inicialmente 27 alunos; contudo no

    levantamento da regularidade acadmica dos mesmos no segundo semestre de 2009,perodo da coleta de dados e entrevistas, este universo reduziu-se a 22 discentes

    entrevistados. Dentro dos cursos de graduao da UFMA escolhidos pelo corte

    amostral em cada centro, sendo um o mais concorrido e o outro menos concorrido no

    sistema de cotas para negros, o nico centro com defasagem foi o Centro de Cincias

    Humanas (CCH), onde o curso de Filosofia Licenciatura no obteve representatividade

    devido falta de regularidade acadmica do nico discente aprovado2.

    Considerando a renda familiar mensal dos entrevistados por curso, obtm-

    se o seguinte grfico, com o quantitativo de entrevistados por curso representadospelos nmeros, aliados escala dos rendimentos (representados por cores). A

    condio scio-econmica mdia dos alunos cotejados pela pesquisa nos ajudar a

    fornecer subsdios para a compreenso da dinmica de acesso ao Ensino Superior

    pblico por via das cotas, onde as repercusses desta condio fazem-se sentir nos

    2 De acordo com a coordenao do curso, a discente est matriculada em duas disciplinas;

    contudo, aps o contato para a elaborao da entrevista, os colegas de sala da discente e aprpria discente colocaram que ela faz outro curso em instituio privada de ensino, emdetrimento do curso de graduao escolhido dentro da UFMA.

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    que trancou o curso temporariamente por no ter como se manter, haja vista o custo

    de manuteno do curso.

    [...] eu no consegui transferir o curso para Caxias (cidade natal), seconseguisse seria somente para o ano que vem porque a grade curricular extensa e resolvi voltar, apesar das dificuldades. Eu procurei me informar, naassistncia estudantil (no caso, o NAE ncleo de assistncia estudantil)sobre algum tipo de bolsa, da eles me disseram que tinha que ter horas pradedicar e o curso no permite que eu tenha estas horas (Depoimentodiscente curso de Cincias Biolgicas).

    2.2 - Discriminao acadmica;

    Grfico 2 Discente que sofreram discriminao acadmica

    Cerca de 71% dos entrevistados colocam que no sofreram discriminao

    racial por ser aluno cotista dentro da universidade, apesar do reconhecimento integral

    deles de que h preconceito racial fora da universidade, de forma indireta.

    No sofri nenhum comportamento adverso no. Eu acho normal, o curso bem misturado e tem bastante pessoas da minha cor, ao contrrio de outrocursos em que voc observa a distino (medicina, odonto..) (Depoimentodiscente curso Cincias Biolgicas).

    No, aqui na UFMA no, mas eu observo de fora sim quando eu estou com aminha namorada. O fato dela ser branca o pessoal fica olhando(Depoimento curso Cincias Imobilirias).

    Quando eu fiz o vestibular, com todo o debate, achava que existiadiscriminao, com a formao de panelinhas, etc; depois que eu entrei issono ocorreu, j que todos so iguais e se h discriminao mais pessoal(eu nunca vi e sofri) e no por conta das cotas (Depoimento discente cursoMedicina).

    Entretanto os poucos casos relatados de presena de discriminao racial

    dentro da universidade impactam pelos detalhes, seja com relao ao comportamento

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    de outros discentes, seja pela postura do prprio curso e de suas entidades de

    composio (departamento e coordenao) em face aos alunos cotistas.

    Diretamente pra mim no, mas eu j presenciei com outros colegas algumassituaes. Agora j diminuiu um pouco por estarmos no 5 perodo, masquando eu entrei tinha mais piadinhas, existia uma cobrana maior para queos cotistas dessem uma resposta, tivessem um rendimento maior nosestudos e na minha sala a maior parte dos melhore alunos so cotistas, tantonegros como de escola pblica (Depoimento discente curso Medicina).

    Uma vez tinha um campeonato dentro do curso e o cara se alterou e elefalou que era como se a gente no tivesse feito vestibular, tipo discriminandoo sistema de cotas em geral, acham que mais fcil, no sei (Depoimentodiscente curso Medicina).

    Embora o curso tenha alguns professores preconceituosos de maneiraclaramente discriminatria em suas opinies, onde algumas pessoas docorpo docente disseram que o curso caiu de nvel por conta das cotas.Relacionam o sistema de cotas com a OAB sendo que os alunos cotistasnunca fizeram tal prova, eles atribuem o fracasso na OAB por conta dosistema de cotas (que o nvel dos alunos caram, que era incompatvel). Eufico triste mas tento no ligar, pois fao meu esforo, corro atrs, enquantoessas pessoas tem essa mentalidade atrasada. No s porque se passa nosistema de cotas que o nvel abaixa, sempre mantenho o meu esforo(Depoimento discente curso Direito Noturno).

    Apreende-se com estas palavras, de uma forma superficial, em que condies

    se sucedeu o processo de implementao do sistema de cotas dentro da Universidade

    Federal do Maranho; os discentes e suas representaes, os departamentos e

    coordenaes de curso, em sua autonomia resguardada, decidiam seus

    posicionamentos, a serem considerados no Conselho universitrio, garantindo uma

    hegemonia favorvel sem necessariamente pressupor uma homogeneidade de

    opinies. Contudo o corpo docente de alguns cursos mostrou-se disparatado, em seu

    papel fundamental na construo do conhecimento acadmico, ao colocar a

    dissidncia com a poltica cotista em face dos discentes, culpabilizando-os, em vez de

    motiv-los ao entendimento da poltica em si e construir estratgias de enfrentamentojunto a estes alunos.

    2.3 Procedncia escolar e entendimento da poltica de cotas;

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    Grfico 3- Instituio de Ensino (Fundamental e Mdio) dos discentes entrevistados

    Aproximadamente, 57% dos alunos entrevistados vieram do sistema

    privado de Ensino Bsico (nvel fundamental e mdio), independentemente dos cursos

    de maior e menor concorrncia. A realidade educacional de preparo para o ingresso

    ao Ensino Superior dos alunos entrevistados deu-se de forma satisfatria, apesar de

    80 % dos alunos (17 no montante geral) terem prestado vestibular mais de uma vezpara insero no Ensino superior pblico.

    Apesar do acesso ao Ensino Superior por via das cotas ter ocorrido na

    maioria pesquisada em proveito de alunos do ensino privado, podendo pressupor um

    predomnio de uma viso elitista por parte dos discentes, no que tange ao

    entendimento da questo racial, em contraste com este dado situa-se um depoimento

    elucidativo no entendimento crtico da repercusso das cotas na sociedade brasileira.

    [...] O elitismo dos cursos universitrios (como Direito), por ter filhos de magistrado,

    mdicos, e j o restante dos alunos que no de posies altas so boa parte passadospor cotas (seja de escolas pblicas e negros); da o questionamento das cotas retirarvagas para democratizar o acesso (cortar o bolo e a fatia da das elites comeou adiminuir, da as crticas) (Depoimento discente curso Direito Noturno).

    Estas palavras nos remetem a interpretao do sistema de cotas guisa

    dos seus partidrios, que a partir dos estudos aferidores da dinmica da situao do

    negro na sociedade brasileira, principalmente com os dados do IBGE e IPEA a partir

    de 1995, relatam a desigualdade estrutural existente entre este segmento e os demais

    existentes na populao, que como assevera Guimares (2008, p. 125),

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    [...] apontam para a importncia da Educao como fator explicativo para adesigualdade de renda entre brancos e negros, em geral, e para o fato deque tal desigualdade se acentua justamente nos estratos de maiorescolaridade, deixando aparente a discriminao como fator explicativo [...]quando se trata de defender aes afirmativas ou a reserva de vagas paraestudantes negros, pobres ou oriundos de escola pblica de nvel mdio, aargumentao totalmente encapsulada pelo sentimento de justia social.

    A diversidade de opinies a respeito da Educao como mecanismo de

    alterao das estruturas sociais de um pas muita, inclusive eivada de crticas com

    relao oferta do Ensino Bsico Pblico como ineficiente para a garantia de uma

    qualificao adequada para o acesso ao Ensino Superior, tambm pblico. Quando se

    indagava os alunos a respeito do sistema de cotas, do que eles achavam do processode aprovao e de forma isso foi benfico no acesso ao curso, alguns discentes

    apontavam a questo da reforma pela base da educao, no pelo alto do sistema

    como propunha as cotas segundo eles.

    [...] eu no concordo porque quando tu faz cotas para negros quer dizer queque eles sejam menos inteligentes, isso acaba sendo preconceituoso. Nocaso se fosse fazer pela educao seria melhor, se fosse escola pblica ouprivada [...] eu defendo a reforma pela base do ensino pblico, preparar osalunos para passar no vestibular , j que na privada isto obrigao [...] euvejo as cotas como um sintoma da educao precria, como se tratasse aquesto da educao como algo sintomtico, pois somente isso no irresolver o seu problema, j que melhorar a educao pela base mais difcil;eles fazem isso [cotas] porque politicamente melhor, s pra melhorarndices (Depoimento discente curso Medicina).

    Outros discentes ilustram a contradio que h no sistema de cotas dentro

    do perodo analisado, em beneficio de camadas sociais abastardas, onde segundo

    eles as condies sociais de preparo destas pessoas so favorveis no acesso ao

    ensino superior, no necessitando da seleo pelas vagas por cotas raciais.

    [...] Se for por conta de justia [mrito], a cota injusta porque ela privilegiaum grupo, mas se for considerar a situao econmica (igualdade social), extremamente necessrio uma poltica dessas. Por cotas raciais melhorpois a competio de um aluno negro de escola pblica e um branco deescola pblica encontra desvantagens por ser negro (que estatisticamentetem uma renda melhor). Uma falha: negros oriundos de escolas privadas nodeveriam usufruir da poltica de cotas porque se o objetivo for igualdadesocial, isto no teria sentido (Depoimento discente curso Cincias daComputao).

    [...] o esforo, o aprendizado, no est relacionado com a cor da pele mascom a estrutura socioeconmica, a realidade que a pessoa vive, infelizmente,pois sabemos de pessoas que poderiam brilhar, mas no esto por contadisso (Depoimento discente curso Direito noturno).

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    O paralelismo entre cor e estratificao social acaba sendo reforado no

    decorrer dos depoimentos, quando se coloca a validade das cotas sociais em

    detrimento das raciais na democratizao das vagas para alunos negros. A proposta

    mais aceita no meio pesquisado se encontra na nfase da procedncia escolar para

    as cotas, apesar de alguns admitirem que poderiam ter passado em reserva de vagas

    universal, mas optaram pelas cotas por conta da concorrncia.

    Eu no sou a favor das cotas, apesar de eu ter me beneficiado delas. Achoque isso no benfico para a sociedade [...] (Depoimento discente cursoPsicologia).

    Fui beneficiado, mas no que isso seja benfico para a instituio, pois retirei

    a vaga de muita gente que queria estar aqui (Depoimento discente cursoPsicologia).

    Sabemos que a maioria da classe desprivilegiada composta pela suamaioria de origem negra e que a maioria so marginalizados (pobreza donegro) e da a maioria so ingressos de escolas pblicas (Depoimentodiscente curso Direito Noturno).

    Eu sou a favor da retirada de cotas por conta do fator da pele no dizerformao acadmica, que j pro pessoal de escola pblica mais desleal. Eupercebo que nas escolas privadas h poucos negros, mas pelas condiesde ensino e sociais ele consegue passar. J aluno negro de escola pblica, ofator de acesso tem que estar na escola pblica, j que boa parte dos alunosest em escola pblica (Depoimento discente curso Cincias Imobilirias).

    Estas ilustraes nos servem de subsidio para a relao existente entre

    questo racial e pobreza, raa e classe, que na considerao de Munanga (1996, p.

    216), numa sociedade como a nossa, as questes de raa e de classe mantm entre

    si uma certa dialtica. Mas no vejo como acelerar a mobilidade social do negro sem

    atacar as razes profundas que bloqueiam esta mobilidade, isto , a discriminao

    racial. O reconhecimento do processo de subalternizao do negro, que o leva a

    ocupar tais posies especialmente na estrutura educacional, nos incita ao

    questionamento anteriormente trabalhado sobre a adoo de polticas especificas de

    promoo da igualdade racial, sob o risco de se reduzir a luta social (mais abrangente,

    em sua situao de explorao), pela luta das minorias (objetivos mais especficos).

    Neste ponto, Domingues (2005, p. 203-204) coloca uma informao importante.

    [...] no se pode desconhecer que o mundo negro no seu conjunto vive uma situaoespecifica, sofrendo discriminao baseada na cor. problemas exclusivos devemcorresponder dispositivos particulares. O primeiro passo do negro assumir suanegritude. Ele sofre, discriminado, devido cor de sua pele que os outro vem e nopor conta da sua condio de classe. Antes de o trabalhador africano e o afrodescendente assumirem a bandeira do socialismo e do fim da explorao de classe, necessrio que aprendam a pensar como negros.

    III CONCLUSO

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    Diante dos eixos expostos tanto pelos grficos como pelos depoimentos

    emblemticos que ilustram a dinmica de acesso ao ensino superior sob a tica de

    seus principais sujeitos, uma vez que os alunos so parte integrante e sntese deste

    processo de desenho e da concretizao da poltica, as principais contribuies dos

    discentes ora relatadas demonstram a radicalidade das cotas, ocultada sob o manto

    da promoo da igualdade racial, uma de suas partes constitutivas.

    Esta hiptese pressupe o seguinte: o sistema de cotas antittico na

    medida em que se desvela o questionamento do funil educacional e de sua

    precarizao, colocando em xeque a garantia da igualdade dentro de um sistema que

    por sua natureza excludente, ao mesmo tempo em que um mecanismo de

    aprofundamento da democracia em nossa sociedade. A defesa de uma pluralidade

    tnico-racial nas principais esferas da vida social deve ser acompanhada de um

    entendimento que, dentro do sistema capitalista, no tem como haver igualdadeplena

    de condies, liberdadede escolha, sem fatores que o condicionam e ausncia de

    excluses, buscando a fraternidade.

    A Educao entendida pelos alunos entrevistados como a mediao

    necessria para se compreender a dinmica da excluso social como um todo, onde

    os negros por sua situao historicamente condicionada, precisam romper duas

    barreiras para o exerccio pleno de sua autonomia enquanto sujeitos: a da raa, num

    primeiro momento, na defesa de sua condio humana integral, sem diferenciaes.

    Eu tive acesso antes da universidade a muita coisa que outros que passarampelas cotas no tiveram (boa educao, formao), da as cotas seremimportantes e necessrias para garantir o acesso para aqueles que notiveram o que eu tive. Entretanto, o novo critrio utilizado (procednciaescolar) no consegue abarcar a totalidade da populao negra porque no

    existem s negros na escola pblica (Depoimento discente curso Psicologia).

    A segunda barreira, a de classe, depende de sua articulao com

    processos de luta social existentes, buscando a radicalizao da democracia e a

    socializao da riqueza como pilares fundantes de uma sociabilidade emancipatria.

    Esta luta tambm passa pela defesa de uma educao pblica, laica, gratuita e

    condizente com a estrutura social e racial de nossa sociedade.

    Se atravs da extenso da escolaridade, num pas com grandes desnveis de

    renda, em que uma pequena minoria detm a quase totalidade da riqueza e amaioria vive em condies miserveis, se pudesse educar todo o povo, onico resultado que se obteria por esse meio, mantidas as regras econmicas

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    do capitalismo, seria ter-se transformado tal povo num muito bem-educadopovo pobre. A Educao pode fazer muito bem pelo homem, todavia no temnenhum efeito automtico na mudana da real condio de vida das classestrabalhadoras (ROSSI, 1980, p. 70).

    [...] a Educao o principal e o mais importante a ser discutido porque pormeio dele que um pas adquire desenvolvimento. O Brasil, apesar de secolocar bem economicamente, a Educao no est condizendo com o perfilque to estimado, se o aluno no tem boa educao porque osprofessores no dispem de uma boa formao, remunerao, etc.. e asrelaes sociais influem muito na Educao, pois na universidade esseambiente faz com que te motive ao estudo e nas escolas pblicas isto noacontece (Depoimento discente curso Psicologia).

    Neste dilema da poltica de cotas, enquanto uma poltica pblica de recorte

    social que encarna como as demais polticas sociais, uma mediao no confrontocapital/trabalho, a democratizao do ensino superior tem que ser vista sob seu

    aspecto progressista: como um meio de socializao da riqueza, como garantia de

    equidade e como um dos principais mecanismos de alargamento da democracia,

    potencializando a capacidade de autonomia e de mobilizao das classes subalternas.

    A democracia soberania popular, construo de uma comunidadeparticipativa, igualdade. Temos aqui determinados valores que ocapitalismo demonstrou claramente que no capaz de realizar. Umaverdadeira democracia um processo que implica no s modificaespolticas, mas econmicas e sociais [...] A democracia s realizar seu valoruniversal no Brasil se essas grandes massas de excludos foremincorporadas ao processo social como autnticos protagonistas. S podehaver democracia para as grandes massas da populao se elas foremcapazes de se organizar, de expressar seus anseios, e de obter efetivamenteconquistas sociais, culturais e polticas no quadro de uma institucionalidadeem permanente expanso. Assim, a democratizao um valor universal,sobretudo porque um permanente desafio. Nunca poderemos chegar a umponto que nos permita dizer que a democracia est acabada. A democracia um processo que devemos conceber como em permanente construo(COUTINHO, 2008, p.151-153).

    REFERNCIAS

    COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e

    socialismo.So Paulo: Cortez, 2008.

    DOMINGUES, Petrnio. Movimento da negritude: uma breve reconstruo histrica.Revista frica/Centro de Estudos Africanos, So Paulo, n. 24/26. p.193-210, 2005.

    GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. Novas inflexes ideolgicas no estudo do

    racimo no Brasil. In: FERES JNIOR, Joo; ZONINSEIN, Jonas. Aes Afirmativas

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    no ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: Ed.UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ,2008.

    JACCOUD, Luciana. O combate ao Racismo e desigualdade: o desafio das polticaspblicas de promoo da igualdade racial. In: THEODORO, Mrio (Org.). As polticaspblicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos aps a Abolio. Braslia:IPEA, 2008.

    MUNANGA, Kabengele. O anti-racismo no Brasil. In: MUNANGA, Kabengele.Estratgias e polticas de combate Discriminao racial. So Paulo: EstaoCincia, 1996.

    ROSSI, Wagner G. Capitalismo e Educao: contribuio ao estudo crtico da

    economia da educao capitalista.2. ed. So Paulo: Ed. Moraes, 1980.SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes. O negro e a igualdade no DireitoConstitucional brasileiro: discriminao de facto, teoria do impacto desproporcional eAes afirmativas. In: FERES JNIOR, Joo; ZONINSEIN, Jonas. Aes Afirmativasno ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ,2008.