acp - contra aÉcio neves da cunha - acao_de_interdicao_da_cadeia_publica_de_muriae[1]
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE
DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE
MURIAÉ – MG
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS, pelos Promotores de Justiça em exercício
na Comarca de Muriaé, no uso de suas atribuições legais,
legitimado pelo art. 120, incisos II e III, da Constituição do
Estado de Minas Gerais; art. 25, incisos IV, alínea “a”, e VI, e
art. 27, incisos I e II, da Lei 8.625/93; art. 66, incisos IV, VI,
alínea “a”, e VIII, da Lei Complementar Estadual 34/94 e art.
5º da Lei 7.347/85, vem, com base no Inquérito Civil
001/2007 – 1ª e 4ª Promotorias de Justiça de Muriaé
(Curadorias da Infância e Juventude, Execução Penal e
Direitos Humanos), cujo teor passa a fazer parte integrante
desta petição, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE LIMINAR em face do ESTADO DE
MINAS GERAIS – Pessoa Jurídica de Direito Público Interno
– que deverá ser citado na pessoa de seu representante legal,
o Ex.mo Sr. Governador AÉCIO NEVES DA CUNHA, com
endereço na Praça da Liberdade, s/n, Bairro Funcionários,
CEP 30140-912, Belo Horizonte – MG, consoante art. 12,
inciso I, do Código de Processo Civil, pelos fatos e
fundamentos a seguir expostos:
DOS FATOS
As Promotorias de Justiça com atribuição nas
Curadorias da Infância e Juventude, Execução Penal e
Direitos Humanos instauraram Inquérito Civil, visando a
apurar as precárias condições de funcionamento da Cadeia
Pública de Muriaé, decorrente de superlotação, falta de
segurança, ausência de condições de higiene, bem como
acautelamento indevido de adolescentes, ocasionando risco à
população carcerária e circunvizinha, haja vista que o
referido estabelecimento prisional encontra-se localizado em
um bairro residencial.
A Cadeia Pública de Muriaé – MG, situada na
Rua José de Freitas Lima, n. 2, Bairro Safira, nesta cidade,
subordinada à Secretaria de Defesa Social do Estado de
Minas Gerais, vem sujeitando os detentos a condições
degradantes, mormente por estar em precário estado de
conservação. Construído em 1981, o estabelecimento
recebeu uma reforma no ano de 1999, sem que houvesse,
todavia, aumento efetivo de sua capacidade.
O referido imóvel – com mais de 25 anos de
uso, situado em área residencial, erguido em alvenaria,
abriga a sede da Cadeia Pública, bem como da Delegacia de
Polícia da Comarca de Muriaé – MG, sendo flagrantemente
insatisfatória a infra-estrutura do local.
Conforme relatório de vistoria realizado pelo 2º
Pelotão do Corpo de Bombeiros de Muriaé, a edificação não
conta com sistema de proteção por extintores de incêndio,
não tendo sido apresentado o PSCIP – Processo de
Segurança contra Incêndio e Pânico. Além disso, existe
fiação elétrica exposta por todo o prédio.
Observa-se, portanto, o iminente risco
existente na Cadeia Pública de Muriaé – MG, haja vista que,
na hipótese de eventual incêndio – que facilmente pode
acontecer, grande é a chance de ocorrerem mortes por
asfixia, já que o mencionado estabelecimento prisional não
possui sequer extintores para combater o fogo, valendo
ressaltar que a situação vem se agravando com o decorrer do
tempo.
Inobstante a edificação não possuir condições
de oferecer um mínimo de dignidade aos detentos, bem como
segurança aos vizinhos e à comunidade muriaense como um
todo, o estabelecimento continua em funcionamento e, pior
que isso, superlotado.
Conforme informação prestada pelo Diretor da
Cadeia Pública local, a população carcerária é de
aproximadamente 140 homens, incluindo adolescentes
infratores, ocasionando uma situação absolutamente
insustentável, seja do ponto de vista dos recolhidos, seja em
consideração à segurança da comunidade local.
Vale ressaltar que as irregularidades não se
limitam à superlotação, abrangendo também as condições de
aeração, higiene e segurança da carceragem.
A falta de segurança, inclusive, pôde ser
facilmente verificada por meio das fugas que ocorreram há
alguns meses, havendo constante ameaça à segurança dos
vizinhos do estabelecimento prisional, bem como dos
funcionários da Delegacia de Polícia local, que estão
expostos a toda sorte de riscos, vez que ocupam o mesmo
prédio onde se situa a Cadeia Pública.
Conforme salientado alhures, a possibilidade
de ocorrerem curtos circuitos e incêndios é grande, em
virtude das péssimas condições das ligações elétricas do
imóvel. Na hipótese de ocorrer um incêndio, todos os que ali
estiverem estarão correndo risco. Não haverá tempo, nem
condições para que sejam abertas as celas a fim de que
possam sair.
Como se pode observar, a Cadeia Pública de
Muriaé encontra-se em total desacordo com as disposições
do art. 88, parágrafo único, “a” e “b”, bem como do art. 92,
ambos da Lei de Execução Penal, valendo ressaltar que os
referidos dispositivos legais estabeleceram requisitos
mínimos de salubridade ambiental, condições sanitárias e
tamanho das celas.
Também não se olvide que, na Cadeia Pública
de Muriaé, condenados cuja sentença já transitou em julgado
dividem cela com presos, o que fere o disposto no art. 84 da
LEP.
DA SITUAÇÃO DOS MENORES
ACAUTELADOS/INTERNADOS
A Cadeia Pública de Muriaé registra, hoje, a
lotação de 18 menores, cumprindo medida sócio-educativa
ou acautelados provisoriamente. Nas celas em que estão, não
existem maiores, entretanto, tais dependências estão no
mesmo espaço físico das celas destinadas aos maiores.
Tal número, porém, não expressa a real
necessidade de vagas. Existem muitos outros menores que
respondem a procedimentos em trâmite nesta Comarca que
estão acautelados/internados nas Cadeias Públicas de
Eugenópolis e de Miradouro.
As celas em que estão ‘depositados’ os
menores, tal qual as que são destinadas aos maiores, não
possuem instalações adequadas. O pessoal que faz o
atendimento aos menores são os abnegados funcionários da
Polícia Civil que acumulam as funções inerentes aos
respectivos cargos e a de prestar atendimento aos menores,
sem ter qualquer qualificação para o desempenho desse
mister.
Como prova do narrado, tem-se que a situação
caótica dos adolescentes em conflito com a lei,
desafortunadamente, gerou um bárbaro crime. Em 14 de
fevereiro de 2008, um adolescente acautelado
provisoriamente foi assassinado por outro, que cumpria
medida sócio-educativa de internação.
Isso significa que os adolescentes em conflito
com a lei não estão sendo atendidos da forma preconizada no
Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja proposta
ressocializadora e educativa vem sendo olvidada. É
impossível reinserir o jovem na comunidade, depositando-o
na cadeia pública e condenando-o ao confinamento e ao ócio
improdutivo e gerador de mazelas.
Eis a situação que oprime os adolescentes em
conflito com a lei e todo o aparato da Curadoria da Infância e
da Adolescência, do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente da Comarca de
Muriaé e da comunidade.
DA INADMISSÍVEL DEGRADAÇÃO HUMANA
Como se pode verificar das vistorias realizadas,
os presos/acautelados/internados da Cadeia Pública de
Muriaé são submetidos a uma inadmissível degradação
humana ocasionada pela omissão do Estado.
Diante disso, a posição do Ministério Público é
clara: se por um lado exerce seu mister promovendo as ações
penais e procurando defender a sociedade daqueles que
atentam contra os bens juridicamente protegidos, por outro,
também zela pelo cumprimento escorreito da lei e da
execução penal. Por isso, não pode o Parquet compactuar
com a degradação humana dos detentos.
Frise-se que a questão vem sendo debatida há
tempos sem adoção de qualquer medida satisfatória por
parte do Estado, urgindo a adoção de uma solução para o
problema.
Acrescente-se que sequer há possibilidade de
descanso para os detentos, pois o número de acomodações é
insuficiente. Nos dias de calor (muito freqüentes em Muriaé)
é insuportável a aglomeração de várias pessoas em uma
mesma cela.
O verdadeiro caos imperante na Cadeia Pública
de Muriaé, ao arrepio de garantias individuais previstas na
Constituição Federal, em Tratados Internacionais e na
própria Lei de Execução Penal, suprime o status dignitatis
dos detentos.
Trata-se de verdadeiro depósito de seres
humanos, aglutinados e amontoados, sem critérios objetivos
de separação, sem um mínimo de dignidade. A
superpopulação criou uma situação carcerária desumana
para aqueles que, já privados da liberdade, acabam sendo
privados de outros direitos inerentes à vida.
O estado de deterioração do prédio (fétido,
imundo, com mofo, gerando perigo de curtos-circuitos e
incêndios, facilitando a proliferação de doenças), a
ocorrência de excesso populacional, a falta de acomodações
e condições de higiene são circunstâncias que, agrupadas,
levam o ser humano ao desespero, só havendo duas saídas
sob a óptica subjetiva do detento: eliminar o excesso
populacional, por meio de homicídios contra os mais fracos,
ou a fuga, valendo ressaltar que algumas mortes já
ocorreram dentro das celas da Cadeia Pública de Muriaé,
uma delas bem recentemente.
DO PÂNICO E INSEGURANÇA DA COMUNIDADE
As aterrorizantes informações apresentadas
conduzem a uma lamentável e inevitável conclusão: a
situação da Cadeia Pública de Muriaé gera pânico, temor,
degradação, insegurança e desgraça não somente aos
detentos, mas também à comunidade como um todo,
principalmente aos vizinhos do citado estabelecimento
prisional.
Toda a população muriaense está exposta a
sério risco. Na hipótese de ocorrerem fugas e rebeliões,
qualquer pessoa é colocada em estado de pânico e risco, pois
sempre existe a possibilidade de reféns, de invasões a
domicílios, roubos, agressões, além de mortes (dada a
possibilidade de haver disparos de arma de fogo). Não se
pode, outrossim, olvidar que a Cadeia Pública de Muriaé
situa-se em área central da cidade, em rua com inúmeras
residências, onde diversas pessoas – inclusive crianças e
adolescentes, transitam diariamente.
CONCLUSÃO DOS FATOS APRESENTADOS
Dos fatos apresentados, conclui-se, com
extrema facilidade, que a deterioração da Cadeia Pública
local, aliada à desumana situação a que estão submetidos os
encarcerados, gera situação de perigo à população como um
todo.
Não há dúvida de que o imóvel é totalmente
inadequado, valendo ressaltar que somente a construção de
um novo prédio poderá garantir o respeito às regras e
parâmetros estabelecidos na Lei de Execução Penal. Busca-
se por meio da presente ação, portanto, a completa
desativação da Cadeia Pública local.
DO DIREITO
É indiscutível que a atual conjuntura da Cadeia
Pública de Muriaé expõe os detentos não só a risco de morte,
mas também a tratamento desumano, tornando a prisão
absolutamente cruel. Nega-se, aos encarcerados, o mínimo
de dignidade, havendo verdadeira afronta a dispositivos e
garantias constitucionais, a saber:
Art. 1º, III, da CF:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º, caput, da CF:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
Art. 5º, III, da CF :
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Art. 5º, XLVII, “e”, da CF :
XLVIII- não haverá penas:[...]e) cruéis.
Art. 5º, XLVIII, da CF:
XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
Art. 5º, XLIX, da CF:
XLIX – é assegurado aos presos/acautelados/internados o respeito à integridade física e moral.
Não bastasse o desprezo às garantias básicas e
essenciais do cidadão preso, e da própria pessoa humana,
previstas como direitos sagrados na Lei Maior, constata-se
que a situação em que os detentos se encontram também
colide frontalmente com inúmeras outras determinações
legais, notadamente no que diz respeito à adequação do
estabelecimento prisional.
De fato, a Lei 7.210/84 (LEP) estabelece:
Art. 102. A cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.
Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no art. 88 e seu parágrafo único desta Lei.
Por seu turno, o art. 88 da LEP estabelece que:
O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:a)salubridade do ambiente pela concorrência dos
fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b)área mínima de seis metros quadrados.
E não é só. Além de direitos e garantias
constitucionais e legais, o Estado também afronta acordos
internacionais relativos a direitos humanos dos quais o Brasil
é signatário. Observe-se:
Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art. V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano, ou degradante.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos:
Art. 10.
1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.
2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não condenadas.
Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Art. 16.
1. “Cada Estado-parte se comprometerá a proibir, em qualquer território sob sua jurisdição, outros atos que constituam tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida no artigo 1º, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Aplicar-se-ão, em particular, as obrigações mencionadas nos artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Convenção Americana dos Direitos Humanos:
Art. 5º Direito à integridade pessoal
1.Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2.Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos, ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.[...]
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.
Convém lembrar que, de acordo com o § 2º do
art. 5º da Carta Magna:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Por outro lado, como dito alhures, os fatos aqui
narrados não afrontam unicamente direitos a garantias dos
cidadãos presos/acautelados/internados, mas da comunidade
como um todo, principalmente dos mais próximos ao
estabelecimento prisional, sendo-lhes negados os sagrados
direitos à incolumidade física, tranqüilidade e segurança.
A esse respeito, afora o já transcrito art. 5º,
caput, da CF, outros dispositivos merecem lembrança:
Art. 6º da CF:
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 144 da CF:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos :[...]
Art. 227 da CF :
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 5º do ECA:
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 17 do ECA:
O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica, e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18 do ECA:
É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Assim, verifica-se que os fatos trazidos à tona
infringem direitos e garantais constitucionais e legais não só
dos presos/acautelados/internados, como também da
coletividade.
DO CABIMENTO DA AÇÃO E DA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A presente ação tem amparo na Lei Federal
7.347/85, que introduziu em nosso direito a ação civil
pública, para a proteção dos chamados interesses difusos,
legitimando o Ministério Público para a propositura.
Com o advento da Constituição Federal de
1988, foram alargadas as hipóteses de cabimento da ação
civil pública, sendo incluídos, por exemplo, os interesses
coletivos (CF, art. 129, III).
Mais recentemente, o Código de Defesa do
Consumidor, em seus artigos 81 a 110, além de disciplinar os
conceitos de interesses difusos e coletivos, incluiu os
interesses individuais homogêneos no rol daqueles
protegidos pela ação civil pública e, acrescentando um inciso
ao art. 1º da Lei 7.347/85, colocou sob o manto do instituto a
defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.
Indubitável, portanto, a legitimidade do
Ministério Público para a propositura da presente ação,
valendo ressaltar que a temática enfocada não diz respeito
apenas ao interesse individual dos
presos/acautelados/internados recolhidos na Cadeia Pública
local.
Em verdade, no atual estado em que se
encontra o citado estabelecimento prisional, qualquer pessoa
que venha a ser presa virá a sofrer o mesmo desrespeito aos
seus direitos constitucionais. E não se olvide que qualquer
um está sujeito a ser preso.
Na hipótese de rebelião/fuga, inúmeros
policiais, civis e militares, irão se ferir. Os fugitivos ou
rebelados podem fazer qualquer pessoa refém.
Daí porque o interesse em fazer cumprir as
normas citadas é verdadeiramente difuso, cujos sujeitos
interessados não são individualizáveis. In casu, a intenção
não é apenas resgatar os direitos e garantias constitucionais
dos presos/acautelados/internados, mas, primordialmente, da
população da Comarca de Muriaé.
O Estado tem o dever de garantir a segurança
pública e não pode gerar indesejável insegurança difusa com
a omissão na tomada das pertinentes medidas contra o caos
estabelecido na Cadeia Pública de Muriaé.
Cabe, pois, afirmar que qualquer garantia
individual, limite para a ação ou omissão estatal, impõe-se
como interesse difuso, ínsito a toda sociedade, pois dela
depende a dignidade de cada um de seus membros.
Mencione-se, ainda, o risco de proliferação de
doenças, que não se restringe aos
presos/acautelados/internados, mas também aos visitantes
da Cadeia, funcionários e moradores da vizinhança, todos
igualmente sujeitos a contaminação.
Ressalte-se que, ainda que os interesses sob
análise sejam considerados individuais homogêneos, não há
como lhes negar a natureza indisponível. Ou outra qualidade
poderia ser atribuída ao direito à vida, à saúde, à dignidade,
à incolumidade física e à segurança?
Como demonstrado linhas acima, a
legitimidade do Ministério Público permanece ainda que se
tenha em vista a tutela de interesses individuais
homogêneos, desde que eles sejam qualificados pela
indisponibilidade, como no presente caso.
DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO
Conforme dispõe o art. 2º da Lei 7.347/85, as
ações civis públicas devem ser propostas no foro do local
onde ocorre o dano. Logo, a presente ação deve ser
processada e julgada nesta comarca, local onde ocorre o
dano decorrente da omissão estatal.
DO PEDIDO LIMINAR
A Lei 7.347/85, que regula a matéria
procedimental da ação civil pública, em seu artigo 12, prevê
a hipótese de medida liminar, face a eventual necessidade de
tutela assecuratória instrumental ao objeto da tutela
jurisdicional principal, de cunho cognitivo, garantindo a
efetividade desta.
A tutela liminar subordina-se ainda, na espécie,
aos requisitos previstos no artigo 798 do CPC, consagrados
na doutrina como sendo o periculum in mora e o fumus boni
juris.
Humberto Theodoro Júnior, como sua
reconhecida autoridade, ensina que:
A doutrina resume as condições ou requisitos da tutela cautelar em: um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do “periculum in mora”, risco este que deve ser objetivamente apurável; a plausividade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança: “fumus boni juris”.1
In casu, o fumus boni iuris advém da relevância
do fundamento do pedido, bem como da plausibilidade de
ocorrência dos fatos alegados, havendo flagrante desrespeito
às normas vigentes.
Por seu turno, o periculum in mora
consubstancia-se pelo risco iminente de frustração da tutela
jurisdicional principal, caso ela não seja assegurada de 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. Pág. 73. Ed. Universitária de Direito.
imediato, valendo ressaltar que eventual demora no
deferimento dos pedidos formulados pelo Parquet poderá
ocasionar inúmeras tragédias, e muitas vidas poderão ser
ceifadas. Evitar-se uma única morte que seja, evidentemente,
já constitui justificativa plausível para a concessão da
pretendida liminar.
Como se pode observar, o deferimento da
liminar é medida que se impõe, haja vista que, conforme
restou demonstrado, a Cadeia Pública de Muriaé não possui
condições de segurança, higiene e aeração. Além do mais,
desde a construção do imóvel (que se deu em 1981) até a
presente data, a população da comarca cresceu
aproximadamente 50% (cinqüenta por cento).
Concomitantemente, houve um expressivo aumento do
número de ocorrências policiais, mormente por crimes
violentos e correlatos ao tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes. Está claro, portanto, que a Cadeia Pública de
Muriaé não atende às atuais necessidades da comarca.
Algumas hipóteses podem ser sucintamente
levantadas para demonstrar a imperatividade da medida:
1. fuga em massa, colocando em risco a vida e
a saúde dos fugitivos, dos policiais que
deverão recapturá-los, das pessoas que
podem ser tomadas como reféns, e da
população em geral;
2. risco de epidemia em virtude da falta de
condições de higiene, podendo atingir os
presos/acautelados/internados, funcionários
e os visitantes;
3. perigo de invasão das residências e de
outros estabelecimentos vizinhos em caso de
fuga;
4. rebelião interna com danificação ou
destruição do prédio;
5. incêndios em decorrência de péssimas
condições elétricas, agravadas pela
superlotação;
6. perigo da prática de atos de violência entre
os presos/acautelados/internados, em busca
de espaço nas celas, dentre outras
hipóteses.
Notório que não se deve aguardar a ocorrência
de uma tragédia maior para só então tomar-se uma
providência. Tal atitude redundaria, inegavelmente, em
verdadeira desgraça, além de acarretar sério desprestígio às
autoridades constituídas.
Deve-se, ao contrário, agir preventivamente, de
modo a evitar um mal maior. Os eventos listados acima não
se tratam de ocorrências imaginárias ou improváveis. Muito
pelo contrário, são previsíveis e iminentes.
O Estado, omisso, age de maneira
absolutamente irresponsável, expondo a risco um
contingente indeterminado de pessoas. Essa situação não
pode perdurar sequer por mais um único dia, sob pena de
danos irreversíveis.
Consoante o já mencionado art. 12 da Lei
7.347/85, é cabível a concessão de medida liminar, com ou
sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil
pública, sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar.
Requer-se, pois, dado o caráter emergencial da
hipótese em testilha, a concessão de medida liminar,
consistente na expedição de ordem para interdição da Cadeia
Pública de Muriaé, independentemente da audiência do réu,
a despeito do art. 2º da Lei 8.437/92, uma vez que, repise-se
a exaustão, eventual demora no deferimento do pleito poderá
gerar danos irreparáveis.
DOS PEDIDOS
Ex positis, o Ministério Público requer a
concessão da medida liminar, nos termos do art. 12 da Lei
7.347/85, a fim de que:
a) seja determinado ao requerido, no prazo
improrrogável de dez dias, que leve a efeito
obrigação de fazer consistente na
transferência dos
presos/acautelados/internados provisórios e
condenados que estão recolhidos na Cadeia
Pública local e são provenientes de outras
comarcas, sob pena de multa diária no valor
de R$30.000,00 (trinta mil reais), corrigida
pelo índice oficial em vigor, a ser revertida
em favor do Fundo Penitenciário Estadual
criado pela Lei 11.402/94;
b) seja determinado que o requerido leve a
efeito obrigação de fazer, consistente em
manter, na Cadeia Pública local, tão
somente os presos/acautelados/internados
provisórios desta comarca, abstendo-se de
remover presos/acautelados/internados de
outras cidades para Muriaé, e em designar
funcionários em número adequado e com
capacidade para efetivamente trabalharem
no local, sob pena de multa diária de
R$10.000,00 (dez mil reais) por preso de
outra comarca, corrigida pelo índice oficial
em vigor, a ser revertida em favor do Fundo
Penitenciário Estadual criado pela Lei
11.402/94;
Requer o Parquet, outrossim:
a) seja o requerido citado, na pessoa do seu
representante legal, para responder aos
termos da presente ação, sob pena de
revelia;
b) seja dado ciência da propositura da
presente ação, por meio do
encaminhamento de cópia desta petição e
das peças de informação que a instruem,
aos Poderes Executivo e Legislativo desta
comarca, bem como ao Delegado Regional
de Polícia Civil e à Secretaria de Defesa
Social de Minas Gerais.
c) a procedência dos pedidos a fim de que o
requerido, sem prejuízo das demais
cominações legais: c.1) seja condenado à
obrigação de fazer consistente em construir,
dentro do prazo de um ano, uma nova
Cadeia na cidade de Muriaé – MG, sede da
comarca, a fim de garantir, aos detentos,
adequadas condições de higiene, aeração,
saúde e segurança, nos exatos termos do
que dispõem os arts. 1º, III, e 5º, III, da
Constituição da República, c/c os arts. 88 e
104 da Lei 7.210/84, sob pena de multa
diária de R$50.000 (cinqüenta mil reais),
corrigida pelo índice oficial em vigor, a ser
revertida em favor do Fundo Penitenciário
Estadual criado pela Lei 11.402/94; c.2) seja
condenado à obrigação de fazer consistente
em desativar a Cadeia Pública local, com
imediata transferência dos detentos ali
recolhidos; c.3) seja condenado à obrigação
de não fazer, consistente em se abster de
utilizar as dependências do estabelecimento
prisional local acima de sua capacidade e
em desacordo com o que determinam os
arts. 1º, III e 5º, III, da Constituição da
República c/c os arts. 88, 102 e 104 da Lei
7.210/84, sob pena de multa diária de
R$10.000,00 (dez mil reais) por preso
excedente, corrigida pelo índice oficial em
vigor, a ser revertida em favor do Fundo
Penitenciário Estadual criado pela Lei
11.402/94.
DAS PROVAS
Para tanto, o Ministério Público pretende
provar o alegado por todos os meios de prova legalmente
admitidos, especialmente juntada de documentos e perícias,
bem como oitava de testemunhas.
DO VALOR DA CAUSA
Em atenção ao disposto no art. 282, V, do CPC,
dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais), para efeitos
meramente fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Muriaé, 27 de fevereiro de 2008.
Silvia Altaf da Rocha Lima Cedrola
Jackeliny Ferreira Rangel
4ª Promotora de Justiça 1ª
Promotora de Justiça
Fábio Rodrigues Lauriano José Gustavo
Guimarães da Silva
5º Promotor de Justiça 6º
Promotor de Justiça
Paulo Emílio Coimbra do Nascimento Cristian
Dayvson Evangelista
2º Promotor de Justiça Estagiário do MP (Portaria 134/2006)
Rol de testemunhas:
1. Luiz Carlos dos Santos (Delegado de Polícia);
2. Alessandro Amaro da Matta (Delegado de Polícia);
3. José Carlos Bolsoni Rodrigues (Delegado de Polícia);
4. Fernando Nassar Rocha (Delegado de Polícia)
5. Bruno Salles Mattos (Delegado de Polícia);
6. André Luiz da Silva (Agente da Polícia Civil);
7. Kelson Carlos da Silva (Agente da Polícia Civil).