actas das primeiras jornadas do património judaico da beira interior
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Os municípios de Belmonte e Trancoso realizaram em Junho de 2005, as PrimeirasJornadas do Património Judaico da Beira Interior. A vasta herança cultural da presençade comunidades judaicas nestas duas localidades durante vários séculos, (e dacomunidade viva, ainda hoje existente na de Belmonte) motivou estas autarquias aconvidarem investigadores nacionais e espanhóis a debaterem temas incluídos nasdiferentes áreas do saber, tais como: sociedade, mentalidades e quotidianos; e/ouarquitectura, arqueologia e valorização do património judaico. Os testemunhosmateriais, imateriais e documentais desenvolvidos durante estes dois dias enriquecerama História dos judeus e cristãos-novos da Beira Interior de Portugal. Orgulhamo-nos determos contribuído para a preservação, promoção e divulgação do Património Judaicoda região sabendo que iniciámos um evento para ter continuidade, convidando outrasautarquias a participar na sua longevidade.TRANSCRIPT
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(…) «Porque é realmente da esperança que aqui, sobretudo, se fala, a de todos aqueles que, ao
longo da História, mas especificamente nestes últimos dois mil anos, investiram o seu ser,
corpo, alma e espírito, na expectativa-certeza de dias melhores (…). in António Carlos
Carvalho, obra: Prisioneiros da Esperança.
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Actas das Primeiras Jornadas
do Património Judaico da
Beira Interior
TRANCOSO E BELMONTE2008
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COMISSÃO DE HONRA
R eitora da Universidade A berta de Lis boa
Vice - R eitor da Universidade de Lisboa
Governadora Civil da Guarda
Presidente do (ex)IPPAR
Presidente da Câmara Municipal de Trancoso
Presidente da Câmara Municipal de Belmonte
Presidente da R egião de Turismo da Serra da Estrela
Presidente da Comunidade Judaica de Belmonte
R abi da Comunidade Judaica de Lisboa
R abi da Comunidade Judaica de Belmonte
Director da Delegação do IPPAR de Castelo Branco
Presidente da Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”da Universidade de
Lisboa
Presidente da Associação Portuguesa de Estudos Judaicos
Presidente do Centro de Estudos Judaicos da Universidade da Beira Interior
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Doutor Adriano Vasco R odrigues
Prof. Doutor António Marques de Almeida
Prof. Doutora Maria Antonieta Garcia
Prof. Doutora Maria José Ferro Tavares
Prof. Doutor Santiago Palomero
COMISSÃO EXECUTIVA
Dr. ª Carla Alexandra Gaspar Santos
Dr. ª Paula Monteiro
Dr. ª Júlia R ito
Dr. ª Elisabete R obalo
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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Índice
NOTA INTRODUTÓR IA.......................................................................................................................... 6
A COMUNA JUDAICA DA VILA DE CASTELO BRANCO [1381-1496].......................................... 7
EL PROYECTO MUSEOGR ÁFICO DEL MUSEO SEFAR DÍ DE TOLEDO. ...............................30
JUDAÍSMO E AR QUITECTURA VERNÁCULA CIVIL NA BEIRA INTER IOR
QUINHENTISTA ..................................................................................................................................... 55
JUDIAR IA DE BELMONTE – AVALIAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE PROCESSOS DE
REABILITAÇÃO. ................................................................................................................................... 80
MARCAS CRUCIFORMES DE AGUIAR DA BEIRA........................................................................ 91
MEDELIM - A RUA DA JUDIAR IA ................................................................................................... 100
MEMÓR IAS GRAVADAS NA PEDRA – UM PATR IMÓNIO A CONHECER NO CONCELHO
DE TRANCOSO ..................................................................................................................................... 108
OS JUDEUS DE TRANCOSO: ENTRE A LEI DE MOISÉS E O BAPTISMO..............................131
UMA LÓGICA PER IFÉR ICA PARA OS CENTROS: OS MENDES/BENVENISTE ENTRE A
BEIRA INTER IOR E ISTAMBUL ...................................................................................................... 161
UM MOTIM NO FUNDÃO EM 1580 .................................................................................................. 171
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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NOTA INTRODUTÓR IA1
Os municípios de Belmonte e Trancoso realizaram em Junho de 2005, as Primeiras
Jornadas do Património Judaico da Beira Interior. A vasta herança cultural da presença
de comunidades judaicas nestas duas localidades durante vários séculos, (e da
comunidade viva, ainda ho je existente na de Belmonte) motivou estas autarquias a
convidarem investigadores nacionais e espanhóis a debaterem temas incluídos nas
diferentes áreas do saber, tais como: sociedade, mentalidades e quotidianos; e/ou
arquitectura, arqueologia e valorização do património judaico. Os testemunhos
materiais, imateriais e documentais desenvolvidos durante estes dois dias enriqueceram
a História dos judeus e cristãos-novos da Beira Interior de Portugal. Orgulhamo-nos de
termos contribuído para a preservação, promoção e divulgação do Património Judaico
da região sabendo que iniciámos um evento para ter continuidade, convidando outras
autarquias a participar na sua longevidade.
Trancoso’s and Belmonte’s Town Hall develop 2005 June, the First Beira Interior
Jewish Heritage Meeting. The large cultural heritage of the presence of the Jewish
Communities in this cities for centuries (and the living community, still in Belmonte)
cause this municipalities to invite national and spanish scholars to debate several
sub jects in the different areas of k nowledge, such as: society, mentalities and quotidian.;
and/or architecture, archaeology and jewish heritage highlighting. The material,
immaterial and documental testimonies’ develop during these two days improve the
Jewish Histor y and New-Christians of Portugal Beira Interior. We proud to contribute
for the preservation, promotion and divulgation of Jewish Heritage of this region,
k nowing that we started an event to continue, inviting other municipalities to undertak e
this pro ject in the future.
O Presidente da Câmara Municipal de Trancoso O Presidente da Câmara Municipal de Belmonte
(Júlio José Saraiva Sarmento) (Amândio Manuel Ferreira Melo)
1 Todos os artigos publicados neste sítio são da exclusiva responsabilidade de cada autor. Existiram outras comunicações
apresentadas neste evento, no entanto por motivos pessoais, profissionais ou outros, relativos aos autores não chegaram para publicação.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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A COMUNA JUDAICA DA VILA DE CASTELO BRANCO
[1381-1496](LAÇOS ANCESTRAIS DE FERNANDO PESSOA À BEIRA BAIXA)
Eng. Manuel da Silva Castelo Branco
CAPÍTULO I
Introdução. Evolução da comuna judaica em Castelo Branco. Em demanda da localiza-
-ção da sua judiaria nesta vila (1381-1496)
Há muitos anos que me dedico nos tempos livres à investigação histórica sobre “coisas”
da Beira Baixa e, em particular, de Castelo Branco. Publiquei alguns trabalhos de entre
os quais recordo N otas e Documentos para a História dos J udeus e C rist ã os N ovos de
C astelo Branco.2 Talvez por esse motivo em (2004), o Arq.to José da Conceição Afonso,
Director da Delegação do IPPAR de Castelo Branco, convidou-me, bem como à Prof. ª
Dr. ª Maria Adelaide Salvado, para uma visita ao prédio n.º 94 da R ua de Santa Maria,
integrado na área do Programa Polis da cidade e onde se haviam encontrado sinais
muito curiosos.
Fachada principal do edifício da R ua de Santa Maria, nº94.
2 Cf. Castelo Branco, Manuel “Notas e Documentos para a História dos Judeus e Cristãos Novos de Castelo Branco”, E studos de C astelo Branco, n.º10, 1963, pp.5-37.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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Com efeito, no piso inferior do edifício (em obras de beneficiação e com acesso pela
R ua de Santa Maria) vimos uma pequena sala rectangular, dividida em tr ês naves por
dez colunas de pedra, dispostas duas a duas. Nas paredes interiores da sala, com reboco
à vista, achavam-se gravados pentagramas. Os mesmos sinais estavam dispersos pelas
paredes exteriores do edifício, dando para o quintal.
Ora, a estrela de cinco pontas, designada geralmente por pentagrama, era reconhecida
entre outras coisas pela estrela ou selo de Salomão e utilizada nas tradições mágicas e
nos rituais árabes e judaicos.3 Por tal motivo, surgiu a ideia de que o local teria
pertencido à judiaria de Castelo Branco (1381-1496) ou seria, mais tarde, o ponto de
encontro para pr áticas mosaicas dos cristãos-novos.
Procurarei esclarecer este caso, por forma sucinta, recorrendo a elementos de diversas
fontes:
1) Eu já visitara aquela casa, cerca de 35 anos atr ás, por volta de 1969, quando residia
em Castelo Branco, sendo professor da Escola Comercial e Industrial. Um dia, o meu
ilustre Amigo Coronel Vasco da Costa Salema informou-me de que o Dr. António
Tavares Carriço (então médico na cidade) lhe dissera que na referida casa da R ua de
Santa Maria, onde morara com seu pai, o Dr. António Lobato Carriço, se achava uma
pedra de armas cu ja proveniência desconhecia. Tal facto despertou-me a curiosidade e
obtida a devida autorização formou-se um grupo de amigos, entre os quais recordo o
C.el Salema, M.e Salles Viana, Dr.s José Lopes Dias, António de A brunhosa e Luís Pinto
Garcia. E lá fomos à descoberta do “tesouro”. Encontr ámos a pedra deitada no
pavimento da carvoaria dando para o quintal e, portanto, ao lado da referida sala das
Colunas e, num breve exame, verificámos tratar-se de um brasão com as armas dos
PESSOAS e AMOR INS.4
3 Para um esclarecimento mais preciso do sentido do termo pentagrama cf. Cox, Simon, C ódigo Da V inci Descodificado, Publicações Europa-América, 10. ª edição, Lisboa, 2005, pp.145-46.
4 Afinal, o Dr. António Lobato Carriço era casado com D. Branca da Cunha Tavares, filha do C.el médico R afael de Sousa Tavares e D. Maria Cândida Leite da Cunha, ambos com ascendentes ligados aos Tavares Pessoa de Amorim.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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Ora, tinha conhecimento da existência em Castelo Branco, a partir da segunda metade
do séc. XVIII, de uma família descendente de cristãos-novos e com estes apelidos. Mais
precisamente, a do Sargento-mor José Pessoa Tavares de Amorim, cavaleiro da Ordem
de Cristo, fidalgo de cota de armas, negociante de grosso trato e “uma das pessoas mais
ricas da província da Beira”,5 mas cu jas moradas eram na R ua do Pina. R eceando que a
pedra de armas sofresse qualquer percalço, sugeri ao Dr. A brunhosa para a colocar na
frontaria de uma casa desta R ua na qual, presumivelmente, havia vivido aquela família e
de que ele era então proprietário. Assim aconteceu e deste modo, enriqueceu-se o
património artístico da cidade ficando perpetuada a memória daquela família na terra
onde vivera e prosperara.6
2) Por outro lado, soube mais tarde que na casa da R ua de Santa Maria e, certamente, na
sala das Colunas tinha existido um oratório particular,7 pertencente a Gregório Tavares
Pessoa de Amorim,8 neto do referido Sargento-mor e natural de Castelo Branco onde
exerceu diversos cargos entre os quais o de Presidente da Câmara Municipal,9 de que
tomou posse na sessão de 27.1.1836.10
5 Castelo Branco, Manuel da Silva, “O Amor e a Morte nos Antigos R egistos Paroquiais Albicastrenses, C adernos de C ultura, M edicina na Beira I nterior , n.º7, 1993, pp.24 e 25.
6 Investigações posteriores levaram à conclusão de que a morada do antigo Sargento-mor situava-se um pouco mais acima na mesma rua, conforme me informou o meu amigo Dr. Leonel Azevedo.
7 ANTT, C âmara E clesiá stica de C astelo Branco, Diversos, Mç.2063.
8 ASCB, Rol de C onfessados da F reguesia de S . M iguel da S é, 1839. Devo esta informação à gentileza da Dr.a Maria Adelaide Salvado que a meu pedido consultou o dito rol do Arquivo da Sé.
9 A estas famílias estava ligado o notável poeta Fernando Pessoa, como veremos no Cap. III, §4, n.12.
10 Martins, Padre Anacleto P. S., C apítulos I néditos da História de C astelo Branco, Ed. do Autor, Braga, 1981, p.79.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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Tardoz do edifício da R ua de Santa Maria nº94, com acesso à sala das colunas.
3) Outros motivos me levaram a não considerar credível a ideia de a sala das Colunas
ter pertencido à comuna dos judeus de Castelo Branco. Ve jamos os principais locais
“suspeitos” de estarem integrados na respectiva judiaria.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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Planta da malha urbana de Castelo Branco onde se localizam as ruas “suspeitas” de terem pertencido à
judiaria.
a) R ua Nova
Com esta designação aparece ainda em muitas povoações a artéria que a certa altura
marcou uma nova expansão urbanística; noutras corresponde efectivamente à antiga
judiaria, recinto fechado e reservado exclusivamente aos judeus que, após a sua
expulsão e conversão forçada em cristãos-novos, se abriu pela primeira vez a todas as
classes sociais. Tal facto não sucedeu nesta vila conforme constatei ao encontrar o
“Tombo com os bens da Ordem de Cristo em Castelo Branco e no seu termo”, datado de
1408.11 Nele são referidas, entre muitas outras coisas, duas adegas, mas separadamente:
uma na Judiaria e a outra na R ua Nova. Aliás, esta R ua Nova é muito antiga, pois já se
11 Castelo Branco, Manuel da Silva, “O Tombo mais Antigo com os Bens da Ordem de Cristo em Castelo Branco e no seu Termo (1408)” Raia, n.º18, 2002, pp.51-62.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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acha mencionada no inquérito aos usos e costumes dos Templários, feito em Castelo
Branco, a 8.4.1314.12
b) R ua dos Peleteiros
Num instrumento de escambo de duas casas, datado de 5 de Junho de 1480, vai
demarcada uma delas na R ua dos Peleteiros e tendo nas traseiras a judiaria (vide Adenda
Documental ). Também nesta rua existe um portado quinhentista com uma tesoura
esculpida no ornato superior e como veremos, na vila de Castelo Branco, viveram
muitos judeus que exerceram a profissão de alfaiates (vide Adenda Documental ).
Portado quinhentista na R ua dos Peleteiros, nº42.
c) R ua da Misericórdia
Nela existe uma casa (a n.º12) com o portal ogival idêntico aos portais góticos da
sinagoga de Castelo de Vide. Por isso, há alguns anos que pensava investigar melhor o
caso. No entanto, o Dr. Leonel Azevedo esclareceu-me que por cima do encontro
esquerdo encontra-se ainda a Mezuzah. Nesse orifício eram introduzidos rolos de
pergaminho com vários preceitos e ordenações atribuídos, na generalidade, a Moisés
12 Castelo Branco, Manuel da Silva, “Subsídios para o Estudo da Toponímia Albicastrense no Séc. XVI”, I Parte, Adufe, n.º2, 1985, pp.16 e 17. Neste estudo, na p.17 foi referido também que, em 1431, a Câmara Municipal funcionava na R ua Nova: este facto atesta de maneira quase incontestável que, na data citada, este topónimo estava fora da jurisdição da comuna.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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como hagiógrafo (do Pentateuco) e como legislador, os quais faziam parte da Torah.
Este seria, pois, com grande probabilidade, o portal de serventia da sinagoga.13
Portal da antiga sinagoga (?)
M ezuzah “entupida” na ombreira esquerda do portal da sinagoga.
d) R ua d’Ega
Nesta artéria informou-me também o Dr. Leonel Azevedo (que participou recentemente
em trabalhos do Programa Polis nesta cidade) existir ali um portado em cu ja ombreira
direita se acha gravada a Menorah (candelabro de sete braços), embora já muito
desgastada pela erosão e, por consequência, pouco visível. Ega é um topónimo que,
segundo Joseph M. Piel, deriva do nome próprio Egas. No entanto, o R ev.do Cónego
Tarcísio Alves, considerando provável que ali estivesse localizada a judiaria, procura
dar-lhe outro significado, dizendo “T alvez possamos descobrir na palavra E ga uma
reminiscência do tributo da «judarega». Habitariam naquela rua todas as pessoas
13 Aliás, em trabalho elaborado por Azevedo, Leonel & Conceição, José, M apa de Arquitectura deC astelo Branco, Ed. Argumentum, Lisboa, 2002, já vem referenciada esta casa como sendo a antiga sinagoga, com data provável dos sécs. XIII ou XIV.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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abrangidas por tal imposto e daí nos veio o nome de Rua d ’E ga ou Rua da
J udarega.”14.
M enorah na ombreira direita do portado da R ua d`Ega, nº10.
e) R ua do Caquelé
O R ev.do Cónego Tarcísio Alves, no artigo supracitado, dá-nos uma explicação
engenhosa e surpreendente para a origem do nome deste topónimo. Diz-nos ele: J unto à
J udiaria ficava o «almocak ué» ou cemitério dos judeus. E ste ficaria entre as Ruas do
M uro e C aquelé. N a verdade, a decomposiçã o da palavra almocak ué (cemitério) d á-
nos tr ê s elementos curiosos: al (o); mons (monte, campo); k ak ué (mortos). Da evoluçã o
do último elemento ter á vindo «C aquelé», nome que ainda ho je existe numa das ruas
daquela zona. Também menciona a casa da R ua da Misericórdia acima referida, ao
afirmar o seguinte: M ais tarde a judiaria estendeu-se ao longo da rua da M isericórdia
onde se encontra uma casa cu ja fachada parece indicar a velha sinagoga. Ele acaba
por concluir que seria muito provável que a judiaria ficasse entre a R ua d’Ega a
Travessa do Muro e a R ua do Caquelé (vide Planta).
Como é evidente, embora fornecendo elementos interessantes e pertinentes para a
localização e reconstituição do tecido urbano da judiaria de Castelo Branco, verificamos
a necessidade de ainda se pesquisar melhor e mais atentamente, quer no que diz respeito
14 Alves, Tarcísio, “A Judiaria de Castelo Branco” Reconquista (22.12.1973).
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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aos vestígios arquitectónicos e arqueológicos capazes de abrir caminho a novos
esclarecimentos, quer no que diz respeito à con jugação desses elementos com a
documentação existente e, porventura, outra que se venha a descobrir. No Cap. II
apresentarei uma relação cronológica dos documentos consultados e que nos dão uma
imagem da sua evolução enquanto comunidade.
CAPÍTULO II
As mais antigas refer ências documentais, respeitantes à comuna judaica da vila de
Castelo Branco
1 – A primeira é certamente a carta de foral que lhe foi concedida, em 1213, pelo M.e
templário D. Pedro Alvito e o seu Convento, a fim de se poder restaurar e povoar a dita
vila, dando-lhe para o efeito os foros de Elvas. E, entre eles, na versão do R ev.do Padre
Dr. José R ibeiro Cardoso aparece o seguinte: estatuímos e perpetuamente
estabelecemos que todo aquele que apreender alguma coisa a mercadores ou via jantes
crist ã os, mouros ou j udeus , nã o sendo (o espoliado) fiador ou devedor, pague o
agressor 60 soldos ao fisco e substitua em dobro ao dono a coisa apreendida e, além
disso, por ter violado a imunidade municipal, pague 100 morabitinos, sendo metade
para o M estre e metade para o concelho.15
2 – Carta de El-R ei D. Fernando, dada em Lis boa a 15.12.1381, em que concede o
arr endamento das sisas gerais de Castelo Branco e seu termo, a um judeu chamado
Azequirim, que as arr ematara por mais 100 libras em cada ano do que o seu antecessor
A braão Amado. O mesmo Azequirim e A braão de Malina, obtiveram ainda do R ei
Formoso, carta de arr endamento das sisas gerais de Sarzedas e Sobr eira Formosa. Eram
estes judeus morador es em Castelo Branco, onde pr esumimos a existência de uma
comuna judaica organizada segundo as normas pr escritas por D. Pedro I. Com ef eito,
este R ei or denara que em todas as terras onde o número de judeus chegasse a dez,
deviam viver num sector privado, a judiaria, constituindo uma comunidade com
administração es pecial e su jeita a severas r estrições.16
15 Car doso, José R ibeiro, C astelo Branco e o seu Alfoz, Ed. Autor, 1953, pp.63 e 64.
16 ANTT, C hancelaria de D. F ernando, Liv.3, fl.1v.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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3 – Carta de mercê a Lopo Vasques de Castelo Branco, Comendador de S. Vicente de
Beira, dos dir eitos r eais dos judeus na vila de Castelo Branco (dada em Alenquer, a
11.9.1384, por D. João – ainda Mestr e de Avis, mas também já R egedor e Def ensor do
R eino).17 Esta carta ser-lhe-ia confirmada, a 16 de A bril de 1385, na cidade de Coimbra,
onde se cele braram as Cortes que aclamaram r ei D. João I.18
Os dir eitos r eais dos judeus consistiam nas r endas e impostos que tinham de pagar aos
monarcas todos os anos. Seriam designados também pelos dir eitos do serviço novo e do
serviço velho dos judeus que, na maioria das vezes, os R eis concediam a alguns dos
seus servidor es. Assim, em Castelo Branco temos notícia, além do anterior, dos
seguintes:
3a – Álvaro Pais Sapata a quem D. Duarte f ez mercê dos dir eitos do serviço r eal e
serviço novo em atenção aos que ele havia pr estado a seu pai D. João I, por carta dada
em Santarém em 13.11.1443 e confirmada por D. Afonso V em Lis boa a 9.4.1449.19
3 b – Martim Vasques Vilela, Alcaide do castelo de Óbidos e C. O. C., a quem D. João I
f ez mercê dos dir eitos r eais dos judeus de Castelo Branco (Lis boa, 13.1.1393).20
3c e 3d – Galiote Per eira, Alcaide de Castelo Mendo, fidalgo da Casa R eal e do
Conselho de D. Afonso V, que lhe f ez mercê das r endas do serviço velho e novo dos
judeus. Mas por acor do com D. Martinho de Ataíde, Conde de Atouguia, r enunciou em
proveito deste à cobrança da mercê, por carta dada em Elvas a 8.6.1464.21
3e – D. João de Ataíde, filho do anterior D. Martinho, após a r enúncia de seu pai,
r ece beu carta da r enda do serviço velho e novo dos judeus, f eita em Sintra a 5.8.1488.22
4 – Instr umento f eito em Castelo Branco a 19.12.1386 por Vasco Clemente, tabelião de
El-R ei naquela vila, em que D. Juça e D. Crara, judeus, compram a Diogo Gonçalves,
17 ANTT, C hancelaria de D. J oã o I , Liv.1, fl.38v.
18 ANTT, C hancelaria de D. J oã o I , Liv.1, fl.126.
19 ANTT, C hancelaria de D. A fonso V, Liv.19, fl.15.
20 ANTT, C hancelaria de D. J oã o I , Liv.2, fl.71.
21 ANTT, C hancelaria de D. A fonso V, Liv.8, fl.127v.º.
22 ANTT, C hancelaria de D. J oã o II , Liv.14, fl.6.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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escudeiro, e a sua mulher Maria Lopes (todos morador es na vila) a metade de uma casa
que estes possuíam na R ua do Cavaleiro.23
5 – No seu testamento f eito em Castelo Branco a 3.7.1397, por Afonso Anes, tabelião
de El-R ei na dita vila, Maria Afonso, mãe do Mestr e de Avis (D. Fr ei Fernando
R odrigues de Sequeira), r ef er e-se às eiras que deixava a Afonso Per es, clérigo, para
pagamento de um anal de missas cantadas, na igr e ja de Santa Maria do Castelo, por sua
alma, de seus pais, marido, filhos e avós. Estas eiras comprara ela a D. Juça, judeu, já
citado no documento anterior.24
6 – No ANTT encontramos inúmeros documentos (em es pecial nas Chancelarias
R égias) que nos permitem avaliar a evolução e composição populacional da comuna
judaica de Castelo Branco, desde D. Afonso V até D. Manuel I – por exemplo, os
nomes, laços familiar es e as profissões que exerciam, etc. Estas notícias são obtidas,
sobr etudo, a partir das cartas de contrato, das quais extraímos a lista r elativa ao ano de
1455 (vide Adenda Documental ).
7 – Carta de D. Afonso V concedendo à comuna dos judeus de Castelo Branco
autorização para se acr escentar mais uma r ua à sua judiaria, em virtude de ela ser muito
pequena e já ter em ocu pado uma r ua pequena e travessa sem permissão régia (dada em
Lis boa, 10.10.1473).25
8 – Instr umento de escambo citado antes (em 3 b)) como fonte de localização da
judiaria nas traseiras da R ua dos Peleteiros, (Castelo Branco, 5.6.1480; ve ja-se a
Adenda Documental ).
9 – Carta régia de aforamento, a Mose Molfo, de umas casas existentes na judiaria de
Castelo Branco (Lis boa, 13.12.1491).26
10 – Em Março de 1496, no inquérito f eito sobr e o valor dos bens r eais cobrados na
Comarca da Beira, consta que a comuna da vila de Castelo Branco com a de S. Vicente,
r endia por ano 23 mil r eais.27
23 ANTT, Ordem de Avis, n.º512.
24 ANTT, Ordem de Avis, n.º608.
25 ANTT, C hancelaria de D. A fonso V, Liv.33, fl.279.
26 ANTT, Livro I da Beira, fls.141-142v (O leitor inter essado pode consultar este documento na íntegra no artigo citado na nota de rodapé n.º1).
27 R au, Virgínia, “Para a História da População Portuguesa nos Sécs. XV e XVI”, Do T empo e da História, n.º1, Lis boa, 1965, pp.42 e 43.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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11 – Carta régia de mercê a Martim Anes, de umas casas na judiaria de Castelo Branco,
pertencentes ao judeu Aar ão e a sua mulher Malzato (Montemor-o- Novo, 12.3.1496).28
12 – Caderno dos bens próprios de El-R ei no almoxarifado da Guar da até 26.4.1498.
Neste documento pode ler-se um rol dos bens existentes na judiaria de Castelo Branco,
acabada de extinguir, que estão em processo de avaliação e aforamento. Entr e eles
r ef erimos os seguintes:
Umas casas que foram de Salomão Machoro avaliadas em 4.667 r eais, aforadas a Mose
Molfo.
Fachada da provável sinagoga albicastr ense na R ua da Misericór dia, nº12.
Item seedas na sinoga que sam fora pella causa dos judeus.29
Item uns potes que foram de raby Salomão avaliados em 580 r eais.
Item as casas e quintal de Salomão Çoleima avaliados em 21.000 r eais.
Item em casa de A fonso de Pa yva30 dois potes avaliados em 100 r eais.
Umas casas que foram da Lavrandeira, avaliadas em 4.666 r eais31
28 ANTT, Livro I da Beira, fls.202-202v (ver a nota 25 su pra).
29 Estas sedas bem podiam ser, justamente, o tecido que cobria a arca onde, nas sinagogas, se guar davam os rolos de pergaminho que compõem a Torah. (Cf. T ora, tradução e introdução de Luís Filipe Sarmento, S porpr ess, Mem Martins, 2003, p.9)
30 Afonso de Paiva, companheiro de Pêro da Covilhã na céle br e procura do r eino de Pr estes João, era natural de Castelo Branco onde fora escrivão do serviço r eal e novo que pagavam os judeus em cada ano,
por carta dada em Santarém em 13.12.1482 (Cf. ANTT, C hancelaria de D. J oã o II , LIv.6, fl.141v.º.)
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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13 – Aforamento de umas casas a Afonso Gomes, na R ua Nova, em Castelo Branco.32
14 – Mercê de umas casas na antiga R ua da Judiaria de Castelo Branco a Marcos da
Gaya, f eita em Lis boa a 8.10.1513.33
CAPÍTULO III
Laços ancestrais do poeta Fernando Pessoa à Beira Baixa
No capítulo I r ef erimos que Fernando Pessoa, uma das figuras marcantes do nosso país
como poeta e pensador, pertencia também à família de Gr egório Tavar es Pessoa de
Amorim (nascido em Castelo Branco a 23 de Março de 1806), descendente de uma
larga geração de cristãos-novos da Beira Baixa.
Curiosamente cele bra-se ho je (13 de Junho de 2005) o 117.º aniver sário do seu
nascimento, ocorrido em 1888. Por este motivo r esolvi apr esentar aqui um br eve
esquema sobr e a sua ascendência que, por vezes, tem sido estudada apr essadamente.
31 ANTT, C olecçã o de F ragmentos do C orpo C ronológico, Núcleo Antigo, n.933.
32 ANTT, Livro I da Beira, fls.73 e 74 (ver a nota 25 su pra).
33 ANTT, Livro III da Beira, fl.44 (ver a nota 25 su pra).
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
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§1
Castelo Branco vista tirada do NE por Duarte de Armas em 1509 (LF)
1. Pedro da Cunha, x. v., alcaide-mor do castelo de Alfaiates, almoxarif e de Pinhel,
escudeiro-fidalgo da casa de D. Manuel I (c.r. de 8.12.1519) que lhe foi confirmada por
D. João III (c. r. de 8.11.1527), etc. Morou em Alfaiates e casou com Brites do
Mercado, x. n., filha de Luís do Mercado, cavaleiro-fidalgo da Casa R eal (c. r.
12.2.1514), tendo entr e outros:
2. R odrigo da Cunha, que segue.
2. R odrigo da Cunha, ½ x. n., natural de Alfaiates, f eitor da alf ândega de Almeida,
onde morou, etc. Pr eso pelo S. O., ab jurou das suas culpas no A. F. cele brado em
Lis boa a 28.11.1621. Casou a primeira vez em Castelo Branco com Maria Henriques, x.
n., tendo entr e outros:
3. Beatriz da Cunha, que segue.
3. Beatriz da Cunha, x. n., natural de Alfaiates, foi pr esa pelo S. O. e ab jurou no A. F.
em Lis boa, a 28.11.1621, sendo já casada com Miguel Henriques Falcão, x. n., do
Alcaide, onde viveram de suas fazendas, tendo entr e outros:
4. Juliana da Cunha, que segue.
Actas das Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior
21
4. Juliana da Cunha, x. n., baptizada a 28.4.1604 no Alcaide, onde casou com
Martinho de Oliveira, x. v., pagador geral da gente de guerra no partido de Penamacor,
tendo entr e outros:
5. Custódio da Cunha de Oliveira, que segue.
5. Custódio da Cunha de Oliveira, x. n., nascido no Alcaide a 25.8.1632, sear eir o,
tratante de lãs e estanqueir o do ta baco. Mor ou no Fundão e em Montemor -o-Velho,
onde casou com Madalena Pessoa de Gouveia, da nobr e f amília dos Pessoas e Amorins
daquela vila. Foi pr eso pelo S. O. e a b jur ou de suas culpas no A. F. cele brado em
Lisboa a 13.5.1669, tendo entr e outr os:
6. Sancho Pessoa da Cunha e Amorim, que segue.
6. Manuel da Cunha Pessoa, que segue no §4.
6. Sancho Pessoa da Cunha e Amorim, x. n., natural de Montemor -o-Velho. Foi
Cadete do R egimento de Dragões de Aveir o e, de pois, mer cador . Pr eso pelo S. O. em
2.11.1704. Casou pela 3. ª vez no Fundão a 20.8.1703, com Branca Nunes Tavar es, x. n.
daquele lugar que, pr esa pelo S. O., a b jur ou no A. F. de 6.12.1704, em Lisboa. Tiveram
entr e outr os:
7. Ga briel Tavar es Pessoa de Amorim, que segue.
7. R osa Maria Pessoa, x. n., nasceu no Fundão a 3.5.1712 e foi
pr esa pelo S. O. a 28.1.1733. Casou com o seu primo Diogo da
Cunha que segue no §4.
7. Gabriel Tavares Pessoa de Amorim, x. n., f oi pr eso pelo S. O. em 1746. Grande
negociante da praça de Lisboa e no Fundão, casou com Leonor Per eira da Silva, de
Penamacor , tendo entr e outr os:
8. Gas par Pessoa Tavar es de Amorim, que segue.
8. Gr egório Tavar es Pessoa de Amorim, que segue no §2.
8. José Pessoa Tavar es de Amorim, que segue no §3.
8. Gaspar Pessoa Tavares de Amorim, nasceu no Fundão a 30.1.1740. Grande
negociante da praça de Lisboa e instituidor de um vínculo de 60 contos de r éis de ca pital
investido em um padr ão da R eal Fazenda. Foi cavaleir o da O. C. e cavaleir o- f idalgo de
cota de ar mas (um escudo par tido em pala: I – PESSOA; II – AMOR IM, Lisboa 26.6.1795,
tendo por dif er ença uma brica de prata com trifólio ver de). Viveu em Lisboa, onde
casou com D. Ana Joaquina Guerra e Sousa e deles descendem, entr e outr os, os
Viscondes da Var gem da Or dem.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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§2
8. Gregório Tavares Pessoa de Amorim, f ilho de Ga briel Tavar es Pessoa de Amorim,
nasceu no Fundão e f oi pr o prietário em Castelo Branco. Viveu em Torr es Novas, onde
exer ceu os car gos de Monteir o-mor e Ca pitão-mor de Or denanças. Foi cavaleir o da O.
C. e f idalgo de cota de ar mas (as mesmas de seu ir mão Gas par e tendo por dif er ença
uma brica de our o com um G de negr o, Lisboa, 30.1.1796). Casou 2. ª vez com D.
Francisca Angélica da Silva, tendo entr e outr os:
9. D. Leonor Mar garida Pessoa, natural de Torr es Novas e casada
com seu primo Joaquim Pessoa de Amorim n.9 do §3.
§3
8. José Pessoa Tavares de Amorim, natural do Fundão, mas morador na R ua do Pina
em Castelo Branco, onde f oi Ca pitão e Sar gento-mor das Or denanças e f aleceu a
10.5.1815. Foi cavaleir o da O. C. e f idalgo de cota de ar mas (semelhantes às dos
ir mãos, mas tendo por dif er ença uma brica de prata com um J de negr o, Lisboa
27.2.1797). Casou na Covilhã, a 11.4.1773 com sua prima D. Leonor Per eira da Silva,
tendo entr e outr os:
9. Joaquim Pessoa de Amorim, que segue:
9. Joaquim Pessoa de Amorim, nasceu em Castelo Branco e ali f aleceu a 4.6.1811.
Casou em Torr es Novas, a 19.4.1803, com sua prima co-ir mã, D. Leonor Mar garida
Pessoa, n.9, §2, tendo entr e outr os:
10. Gr egório Pessoa Tavar es de Amorim, que segue.
10. Gregório Pessoa Tavares de Amorim, nasceu em Castelo Branco a 23.3.1806,
sendo ba ptizado a 10 de A bril no Oratório dos avós pater nos e tendo sido padrinhos de
ba ptismo os avós mater nos. Fr equentou a Univer sidade de Coimbra, mas não ter minou
o cur so. Viveu em Castelo Branco no n.º94 da R ua de Santa Maria e exer ceu entr e
outr os car gos o de Pr esidente da Câmara Munici pal (1836), etc.
§4
6. Manuel da Cunha Pessoa, x. n., natural de Montemor -o-Velho. Casou 2. ª vez com
Ana Nunes, sua prima, tendo entr e outr os:
7. Diogo da Cunha, que segue.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
23
7. Diogo da Cunha, x. n., nasceu no Fundão a 15.1.1709. Exer ceu a pr of issão de
fundidor e f oi pr eso pelo S. O. a 2.3.1746. Casou com sua prima co-ir mã, R osa Maria
Pessoa, n.7, §1, tendo entr e outr os:
8. Gas par Pessoa da Cunha, que segue.
8. Gaspar Pessoa da Cunha, natural do Fundão, viveu também em Ser pa, casado com
a segunda mulher Per pétua Constança, tendo entr e outr os:
9. Daniel Pessoa e Cunha, que segue.
9. Daniel Pessoa e Cunha, nasceu em Ser pa, onde f oi ba ptizado a 5.8.1780, na Igr e ja
do Salvador . Tir ou o cur so de medicina na Univer sidade de Coimbra (1805) e viveu em
Tavira. Casou com D. Joana Xavier Per eira, f ilha do Ca pitão de ar tilharia, no Algarve,
José António Per eira de Araú jo e Sousa, f idalgo de cota de ar mas ( brasão esquar telado
de PEREIRA, CAMISÃO, SOUSA e ARAÚJO, por car ta de 2.12.1799) e de D. Bár bara
Joaquina de Sequeira Mimoso, todos de Far o. Tiveram entr e outr os:
10. Joaquim António de Araú jo, que segue.
10. Joaquim António de Araú jo, nasceu em Tavira a 15.2.1813 e seguiu a carr eira de
ar mas atingindo o posto de general. Casou em Lisboa com D. Dionísia R osa Estr ela de
Sea bra, tendo:
11. Joaquim de Sea bra Pessoa, que segue.
11. Joaquim de Seabra Pessoa, nasceu e f aleceu em Lisboa (1850-1893), tendo casado
com D. Maria Madalena Pinheir o Nogueira, f ilha do Conselheir o Dr . António Nogueira.
Tiveram:
12. FERNANDO ANTÓNIO NOGUEIRA PESSOA, nascido em Lisboa a 13.6.1888, na
f r eguesia dos Már tir es, e f alecido na mesma cidade a 30.11.1935, f r eguesia de S. Isa bel.
Neste esquema genealógico a pr esentou-se, por f or ma muito sumária,34 a ligação de
Fer nando Pessoa com alguns ramos da sua f amília da Beira Baixa (oriunda do Alcaide,
Castelo Branco, Covilhã, Fundão, Idanha-a- Nova, Penamacor , etc.), e tendo por início
Pedr o da Cunha, n.1. Em seguida, f ar emos a leitura da pedra de ar mas desta f amília
existente em Castelo Branco, como já r ef erimos no Ca p. I, p.2.
34 Estou ela borando um por menorizado tra balho sobr e a ascendência de Fer nando Pessoa tendo início em Pedr o da Cunha, n.1, e com o estudo de todos os ramos que dele pr ovieram.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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Pedra de ar mas (de Pessoa e Amorim), na R ua do Pina, nº8 (pr oveniente da R ua de Santa Maria,
nº94).
Es pécie – Pedra de ar mas (i.e. com um brasão de ar mas escul pido)
Localização – Cidade de Castelo Branco. Actualmente e desde 1969, encimando a
entrada da casa com o n.8 da R ua do Pina para onde f oi transf erido (do n.º94 da R ua de
Santa Maria como se r elatou no Ca p. I, 1), p.2).
Época – Finais do século XVIII ou começos do XIX.
Lição Her áldica
Classif icação – Her áldica de f amília
Com posição do Con junto:
- escudo f rancês, com suas corr eias
- elmo com paquif e, vir ol e timbr e
Leitura: Escudo par tido em pala (I e II)
I – As ar mas dos Pessoas, que são em cam po azul seis cr escentes de
our o, com as pontas para cima; or la ou bor dadura de negr o, dividida por uma cotica de
our o e carr egada de oito estr elas de cinco raios ou pontas, de prata.
II – As ar mas dos Amorins, que são em cam po ver melho cinco ca beças
de mour os de sua cor , toucadas de prata, cor tadas em sangue e com bar bas de our o,
postas em sautor .
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
25
Elmo de prata a ber to, gradeado, voltado à dir eita, a tr ês quar tos e
guar necido de our o.
Paquif e dos metais e cor es das ar mas
Timbr e dos Pessoas, que é um cometa de prata com cinco raios, sendo
o que cai sobr e o elmo o maior de todos
Dif er ença (no canto superior dir eito do escudo) uma brica ilegível.35
Conclusão
Como já r ef eri no ca pítulo I, pu bliquei em 1963, na r evista E studos de C astelo Branco o
ar tigo “Notas e Documentos para a História dos Judeus e Cristãos Novos de Castelo
Branco” no qual se acha a transcrição com pleta de alguns documentos aqui nomeados.
Desta vez, pr etendi or denar e f or necer as mais diver sas notícias sobr e a evolução (e em
es pecial a localização) da comuna judaica albicastr ense. E, embora o pr oblema não
tenha f icado inteiramente esclar ecido, o acervo documental r evelado constituir á,
cer tamente, uma base segura para futuras investigações.
A pr o pósito, r ecor do o seguinte. Até 1496, os judeus viviam nas judiarias onde podiam
exer cer a r es pectiva administração por f or ma semelhante à dos municípios em que se
achavam inseridos, bem como seguir e praticar a sua r eligião sem qualquer entrave.
Antes de ser em obrigados a usar sinais nas r oupas que os identif icavam como judeus,
alguns deles (em par ticular os físicos, cir ur giões e os grandes mer cador es e negociantes)
podiam viver f ora das judiarias e até obtinham car tas de privilégio para isenção de
a posentadoria, per missão para andar em mula, etc. Ora, em 1492 f oram expulsos de
Es panha os judeus que não se conver tessem à r eligião católica e, como consequência
disso, a maioria veio para Por tugal f ixando-se na zona raiana e nos centr os da costa
mar ítima. Em Castelo Branco, bem como nas terras da f r onteira, f ixou-se então um
grande númer o desta legião. Do seu neoba ptismo sur giram as f amílias de cristãos novos
com os a pelidos de Luna, Lucena, Mer cado, Santilhana, Mor ão, Montalto, etc
(pr ovenientes de Castela e Extr emadura es panhola) e com imensos patr onímicos:
Nunes, R odrigues, Mendes, Fer nandes, Lo pes, etc. Só nessa altura e, princi palmente,
de pois do esta belecimento da Inquisição, começaram a ser per seguidos e a praticar os
35 As mesmas já f oram descritas para cada um dos ir mãos em n.8, §1, n.8, §2 e n.8, §3.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
26
ritos r eligiosos às escondidas e, em par ticular , nas suas casas ou nas de seus
corr eligionários. É pr eciso não esquecer que com a extinção das comunas judaicas e dos
seus locais de r eunião (as sinagogas, as escolas, etc), muitas de suas casas f oram
destr uídas ou passaram a ser ha bitadas e utilizadas não a penas por cristãos novos. Estes
para com pr ovar o seu novo estatuto r eligioso eram obrigados a gravar uma cr uz nas
ombr eiras da por ta das suas r esidências.36 Os cristãos novos passaram então a pr ef erir as
zonas mais pr o pícias para a pr ática comer cial e os locais onde pudessem esta belecer
tendas. Em épocas tar dias, já de pois de 1773, ano em que o Mar quês de Pombal
decr etou que se anulasse a distinção entr e cristãos velhos e novos, muitos deles,
gozando de um grande desaf ogo f inanceir o e, em muitos casos, munidos de f or mação
univer sitária ir ão ocupar car gos e posições de destaque na sociedade civil.
Mas, em todas as épocas, os judeus e os seus descendentes deixaram por todo o lado a
memória da sua grande actividade e iniciativa, destacando-se em diver sas pr of issões.
Em Castelo Branco tiveram grande im por tância na assistência, antes e de pois da sua
conver são; muitos deles naturais desta vila cele brizaram-se ao serviço de Por tugal e no
estrangeir o. R ecor do, entr e outr os, João R odrigues de Castelo Branco (também
designado por Amato Lusitano), Leonar do Nunes, Fili pe de Luna Montalto e os
Henriques de Paiva.37
ADENDA DOCUMENTAL
DOCUMENTO 138
[Instr umento de escambo lavrado em Castelo Branco a 5.6.1480 onde se acha
localizada a judiaria nas traseiras da R ua dos Peleteir os]
S aibham os que este estormento e carta desca ybo pera senpre firme e valledo yro
virem como aos çinco dias / do mes de J unho da era do nacimento do nosso S enhor
J hesû39 C hristo de m jll e quatroçentos e o ytenta años em a / v jlla de C astello Branco
36 Bor ges, Júlio António, C astelo Rodrigo – Passado e Presente, Ed. da Câmara Munici pal, 2001, p.85.
37 Castelo Branco, Manuel da Silva, “Assistência aos Doentes na Vila de Castelo Branco e seu Ter mo entr e Finais do Séc. XV e Começos do Séc. XVII”, M edicina na Beira I nterior , Cader nos de Cultura, n.º2, 1990, pp. 7-20.
38 ANTT, C orporações Religiosas, Ordem de C risto, Cx.135, Mç.7, Doc.12 (em per gaminho).
39 Por ser im possível utilizar o til na vogal u, colocámos na mesma letra um acento cir cunf lexo.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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dentro nas cassas da morada do senhor Dom Diogo de S ousa, comendador de S egura,
etc. / estando elle presente e estando hi outrosi Duarte de S ousa seu filho / E estando hi
outros y M içia A fonso / molher que fo y de Lopo Galego que Deos a ja e estando Lopo
Galego seu filho escudeiro del Re y nosso S enhor os sobre / ditos, a saber, o dito Diogo
de S ousa primeiramente em nome do dito Duarte de S ousa menor de hidade como / seu
padre e curador e y sso mesmo o dito Duarte de S ousa presente diserom que sentindo
elle Diogo de S ousa / ser proveito do dito seu filho a elle e ao dito seu filho prazia como
fecto aprouve de esca ybar e como de facto esca ybava com a dita M içia A fonso e seus
filhos huûas casas que elle Duarte de S ousa hav ja na dita villa / na Rua dos Piliteiros
que elle ouvera per titollo de compra de huû Gonçalo V aaz de C astello Branco
morador / em a v jlla de E stremoz as quaes casas com seu quintaall e asentamento
partiam de huûa parte com cavalar jça / da dita M içia A fonso e quintall e asentamento
partiam de huûa parte com cavalar jça / da dita M içia A fonso e de seus filhos e da outra
com casas que foram de Gill E anes dos porcos e detras com quintall de / Diogo de
S equeira e com a j ud aria da dita v jlla e com quaesquer outros com que de direito dev ja
partir E que / as ditas casas e asentamento esca ybavam e davam aa dita M içia A fonso e
seus filhos por todo o quinham e direito / que a dita M içia A fonso e seus filhos hav jam e
em que t jnham nas casas em que ora morava Alvaro M artins escudeiro e asi / pollo
quinham do quintall que esta detras as casas de Garçia M endez o quall quinham de
casas e quintal foram / do padre e madre da dita M içia A fonso as quais casas e quintall
partiam com casas della M içia A fonso e com / o dito Alvaro M art jns e asi com o dito
Garcia M endez e Rua pubrica dosleiros [deve ser dos Oleir os] e com quaaesquer outros
com que de direito dev ja / partir, o qual esca ybo o dito Diogo de S ousa e Duarte de
S ousa seu filho e a dita M içia A fonso em nome seu / e de Ana sua filha que sob seu
poder estava e o dito Lopo Galego diseram que lhes prazia como de fecto aprouve /
fazer como de fecto fizeram e huûs a outros outorgaram a posse e senhorio das ditas
casas e quintaes / deste dia pera todo o sempre com todas as suas entradas saídas
direitos e pertenças como as cada huû hav ja e / de direito podia aver e que cada huû
podesse fazer e fizesse do que asi esca ybavam como de sua propria / cousa e verdadeira
posessam e prometeram e afirmaram a fazer a dita troca e esca ymbo bõõ/ e de paz de
quem quer que a contradizer quisesse asi em juizo como fora delle e lho compoer com
quanto em ello te / vessem fecto e melhorado. E ao senhor da terra outro tanto
obrigando o dito Diogo de S ousa todos os seus bens profanos / e os do dito Duarte de
S ousa seu filho e a dita M içia A fonso todos seus beens e dos ditos Lopo Galego e Ana /
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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seus filhos asi moveis como Raiz. E em testemunho de verdade outorgaram ser fecta
escriptura d ’ esca ymbo que fo y/ fecta dia mê s e era ut supra. E cada huû pedio sua
ambas de huû theor e esta he pêra aa dicta / M içia A fonso que primeiro saio da nota.
T estemunhas que fforam presentes o senhor Pedro de S ousa comendador da Y danha a
N ova / e C ristóvã o de S ousa seu irmãã o e J oham Gonçalvez e J oham F er / nandez C origo
clérigos de missa moradores em a dita / villa e outros e eu A ffonso do Amarall /
escudeiro e notairo pubrico geerall em o M eestrado de C hristus pollo / duque Dom
Diogo meu senhor que este estormento e carta escprev y e em elle meu pubrico sinall fiz
que tal he.
DOCUMENTO 240
[Cader no das car tas de contratos, passadas em Lisboa no ano de 1455, a judeus
morador es na vila de Castelo Branco]
Nome Prof issão Data
S amuel C idicairo Alfaiate É vora, 5.12.1455
Abraã o C ofem F erreiro É vora 4.12.1455
J acob T ov y F erreiro É vora 5.12.1455
I saque T ov y F erreiro É vora 3.12.1455
J acob F ranco T ecel ã o É vora 1.12.1455
Abraã o T ouro M ercador É vora 4.12.1455
S amuel C idicairo Alfaiate É vora 1.12.1455
S alomã o Amado F erreiro É vora 1.12.1455
J uça M açoude Alfaiate É vora 1.12.1455
Dav y T ouro S apateiro É vora 4.12.1455
J uça Ç oleima M ercador É vora 4.12.1455
I saque M olfo Alfaiate É vora 4.12.1455
40 ANTT, C hancelaria de D. A fonso V , Liv.15, f l.158v.º. Listas deste géner o e a bar cando outras pr of issões – tais como médicos, cir ur giões; car tas de privilégios, criminalidade, conver sos, of iciais das comunas, etc. – podem encontrar -se em diver sos estudos ela borados por especialistas entr e os quais menciono Maria José Pimenta Ferr o, Iria Gonçalves e Aida Gisela das Neves Faria (para esta última ve ja-se Análise S ócio-económica das C omunas J udaicas de Portugal , Bi blioteca da Faculdade de Letras de Lisboa, TL – H – 209). Vários outr os livr os da Chancelaria de D. Af onso V f or necem-nos listas idênticas àquela que aqui a pr esentamos. Assim, entr e elas ve ja-se: ANTT, C hancelaria de D. A fonso V, Liv. 2, f ls.59v.º e 60 (1441); Liv.23, f ls. 108f . e v.º (1442); Liv.31, f ls. 25f . e v.º (1469).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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Pr oveniência das Imagens
Ar quivo homo sapiens – 1, 4, 5, 6, 7, 8 e 10
ANTT – 9
IPPAR , Delegação de C. B. – 2
CMCB – 3
Sinais Convencionais
ANTT – Ar quivo Nacional da Torr e do Tombo
ASCB – Ar quivo da Sé de Castelo Branco
A. F. – Auto de Fé
O. C. – Or dem de Cristo
S.O. – Santo Of ício
x.v. – cristão velho
x.n. – cristão novo
J acob C idicairo Alfaiate É vora 5.12.1455
S alomã o Açir Alfaiate É vora 4.12.1455
J uça Amado F erreiro É vora 3.12.1455
Abraã o Amado E specieiro É vora 3.12.1455
S alomã o C ofem F erreiro É vora 4.12.1455
M ose T ov y Alfaiate É vora 3.12.1455
S anto Abaiuf S apateiro É vora 5.12.1455
Abraã o T ov y S apateiro É vora 1.12.1455
Abraã o N avarro Alfaiate É vora 1.12.1455
S amuel Açir Alfaiate É vora 1.12.1455
Dav y C ofem Alfaiate É vora 6 .12.1455
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
30
EL PR OYECTO MUSEOGR ÁFICO DEL MUSEO SEFAR DÍ DE TOLEDO.
Pr of . Doutor . Santiago Palomer o Plaza
Mi incor poración al Museo coincidió con un per íodo de cambio en los museos
españoles, que arrastra ban una lar ga desatención administrativa, y una situación
pr eocupante en comparación con los museos de Eur opa. Estos ha bían iniciado sus
r ef or mas en los años 60, per o aquí la situación empeza ba a cambiar con la llegada de
los socialistas al poder en la decada de los 80.
R ecuer do oir def ender con pasión a la entonces Subdir ectora de Museos, Paloma
Acuña, en la pr opia Administración la necesidad de “recuperar el retraso de casi un
siglo” en materia de museos en España; la suer te de que f uese el añorado M.
Fer nández-Miranda el Dir ector General de Bellas Ar tes ayudó mucho a este pr oceso
de “normalización” , tal como le gusta ba llamar lo a Paloma Acuña de los museos
españoles. En esa década además de avances en el campo museológico y
museogr áf ico, con la inauguración de nuevos museos en la perif eria como el de Cádiz
y el de Mérida, ambos de la mano de pr estigiosos ar quitectos españoles, se logr ó “dar
a la luz” la Ley de Patrimonio Histórico Español, todavía hoy en vigor , que debemos
a la constancia e inteligencia de Fer nández Miranda.
Sir va el Pr eámbulo de la ley 16/85 escrita “con el puño y letra” del pr opio Fer nández
Miranda, como un sentido homena je a su her encia:
“ E n consecuencia, y como ob jetivo último, La Le y no busca sino el acceso a los
bienes que constitu yen nuestro Patrimonio Histórico. T odas las medidas de
protección y fomento que la Le y establece, sólo cobran sentido si, al final, conducen a
que un número cada vez ma yor de ciudadanos pueda contemplar y disfrutar las obras
que son herencia de la capacidad colectiva de un pueblo. Porque en un estado
democr ático estos bienes deben estar adecuadamente puestos al servicio de la
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
31
colectividad en el convencimiento de que con su disfrute se facilitara el acceso a la
cultura y que ésta, en definitiva, es camino seguro hacia la libertad de los pueblos”.41
Así pues, desde el día de mi incor poración al Sef ar dí en el año 1985 tuve que
par tici par dir ectamente en todo el pr oceso administrativo que justif icase la necesidad
de una amplia inter vención.
R ecuer do en la primera visita la emoción, que nunca me ha a bandonado, al pasar a la
Sinagoga y la sor pr esa de las pequeñas salas del Museo, montadas con gran sobriedad
museogr áf ica por f alta de medios, per o con una museología inteligente, que explica ba
una cultura para mí entonces desconocida, incluso con car teles a mano de una
caligraf ía exquisita, en base a las princi pales f iestas judías, por las que se agr upa ban
las piezas en las vitrinas. Una serie de lá pidas hebr eas, en el centr o de las tr es salas,
imposi bilita ban un r ecorrido nor mal; la galer ía de mu jer es esta ba cerrada, por que el
f or jado esta ba en r uinas, y andando con cuidado, a través del techo de la galer ía y por
las ra jas y huecos de la cubier ta, se acer ta ba a contemplar el limpio cielo de Toledo.
Los despachos y Bi blioteca ocupa ban el lugar en el que hoy está el vestíbulo de
entrada y el actual centr o administrativo era una casa a bandonada en la que nunca se
llegó a instalar el Centr o de Estudios Judeo-españoles. El patio Nor te esta ba
totalmente degradado y sucio, a bier to a la ciudad y de espaldas al Museo; el patio Este
tampoco era visita ble, pues el r ecorrido era de entrada y salida por la misma puer ta
princi pal de la sinagoga y por la misma puer ta de entrada al Gran Salón.
Una vez puesto en mar cha el Pr oyecto Museológico, del que ya hemos ha blado en el
a par tado anterior , teníamos que centrar nos en el Plan de O bras, bastante comple jo,
por que incluía no sólo la r emodelación del edif icio y ane jos, sino la r estauración de
yeser ías, ar tesonado y piezas del Museo, además de la ar queología y la museograf ía
pr opiamente dicha. Entr e 1985 y 1994 el Museo estuvo de algún modo en obras, y en
todo ese la pso sólo se cerr ó unos tr es meses, pudiendo el público seguir el desarr ollo
41) Ley del Patrimonio Histórico Español. Ministerio de Cultura. (Madrid, 1986).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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del pr oceso, del que se inf or ma ba per manentemente en un panel, situado en la
sacristía, e incluso se pudo en jor nadas anunciadas, subir a ver en dir ecto, por un
andamio segur o y en visitas r estringidas, la la bor de r estauración de yeser ías y
ar tesonado.
Fr ente al “secreto” tradicional con que se acogían este ti po de obras, optamos por la
más incómoda, per o más a pr opiada la bor didáctica desde el comienzo de todo el
pr oceso, incluyendo a vecinos y comer ciantes en las visitas.
En lo que a Arquitectura se r ef ier e, ca be decir que el Pr oyecto f ue dirigido por Jaime
Mar tínez y Car men Bravo en la r emodelación de 1985-1994, con la ayuda y tutela del
equi po f or mado por Paloma Acuña en la Subdir ección de Museos Estatales, a cuyo
f r ente esta ban Car los Baztán, memoria viva de la r enovación de los museos
españoles42y Mª Dolor es Muñoz.
En el ámbito f uncional se r ecupera el monumento enteramente para la visita pública.
Se concentran los ser vicios inter nos- par te de los cuales se ubica ban en el vestíbulo
actual- en el edif icio ane jo y se constr uye un pequeño cuer po que lo conecta la
sinagoga. En el inmueble ane jo, que se constr uyó para ser Centr o de Estudios del
CSIS en Toledo, nunca puesto en f uncionamiento, se ubican salón de actos,
dependencias administrativas, de investigación, de conser vación, bi blioteca, taller de
f otograf ía y r estauración, junto con los almacenes en el sótano.
Se r ecupera también la galer ía de mu jer es, antes inaccesi ble, y se pr eparan para la
visita pública el jar dín y el patio.
En la cr u jía de acceso -actual vestíbulo- se or ganiza un pequeño espacio de acogida
con la venta de entradas, tienda, y espacio de audiovisuales.
42) Baztán, C: La renovación arquitectónica de los museos españoles. Ministerio de Educación yCultura. (Madrid, 1997).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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La actuación ar quitectónica tra ba ja a todas las escalas y compr ende desde la bor es de
r estauración pura a la media inter vención de nueva constr ucción. Se r estauran las
f á bricas exterior es de ladrillo, se eliminan huecos degradantes para el monumento y se
suprime también un cuer po añadido (antigua vivienda del sacristán) tras la espadaña
que cega ba los ventanales originales de la sala de oración, r ecuper ándose así la
luminosidad con que f ue concebida la sala central.
Se sustituye el f or jado de la Galer ía de Mu jer es- de los años 20 y en r uinas-por otr o de
madera de gran ca pacidad por tante, se eliminan las divisiones que compar timenta ban
espacios amplios en origen, se consolidan mur os y se pr otege la madera de la cubier ta;
se eliminan humedades y se pr otege su per ímetr o de las aguas super f iciales.
Complementando la la bor de r estuaración y conser vación ar quitectónica se r ealizan
actuaciones necesarias de nueva constr ucción, con criterios de r ever si bilidad y
contemporaneidad. Se diseñan los elementos del espacio de acogida: el cor tavientos,
el mostrador , tienda y espacio de or denador es.
Se constr uye también un f also techo de maderas nobles en la galer ía de mu jer es sobr e
el que discurr en las instalaciones y una puer ta de conexión entr e la sala III y la
sinagoga, a pr ovechando un hueco pr eexistente, cerrado en el XVII por los ca baller os
de la Or den de Calatrava.
Se diseña y constr uye el cuer po de conexión entr e el con junto de la sinagoga y el
edif icio ane jo y se r eor ganizan los patios Nor te y Este. En el primer o se pr ocede a
cerrar lo a la calle, para que sea sólo accesi ble desde el Museo; después de r ealizadas
algunas catas ar queológicas, se diseña y constr uye un ár ea de descanso que además
aco ja las grandes lá pidas sepulcrales que impedían un tr ánsito f luido por las salas del
Museo, se a jar dina y se cierra a la visión y r uido de la calle R eyes Católicos, mediante
un mur o con una inscri pción hebr ea de M. Ibn Ezra, poeta judío granadino, que hace
alusión a la f ragilidad de la vida. En el patio Nor te, la excavación descubr e
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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impor tantes r estos desconocidos hasta el momento que se inter pr etan como par te de
una antiguo Hammán de la juder ía de Toledo, amor tizados en el s. XIV, junto con una
serie de casas, para levantar la sinagoga. Se decide pr eser var los por su impor tancia
histórica y hacer los visi bles, que no visita bles, mediante una ver ja de hierr o, a la vez,
que mediante un f or jado, se per mite hacer de las excavaciones cubier tas, un ár ea de
descanso.
La escalera de acceso a la Galer ía de mu jer es se cambia por una de madera de nuevo
diseño y constr ucción.
Se pr ocede también a r epasar y limpiar el te jado, per o la f alta de pr esupuesto no
per mite una la bor en pr of undidad, una de las causas por las que luego ha br á que
acometer la segunda r ef or ma en los años 2002 al 2004.
A la vez que se lleva ba a ca bo el pr oceso de obras, tuvo lugar un gran tratamiento de
r estauración integral no sólo de la pr opia sinagoga, sino de todas la piezas que
f or mar ían par te del Museo.
La Conservación-Restauración conllevó un comple jo pr ograma de documentación e
investigación que f ue r ealizado por los equi pos técnicos del ICR BC del Ministerio de
Cultura, ba jo la dir ección de Car men R allo (yeser ías) Ana Carrasón (ar tesonado),
laudas sepulcrales (Concha Cir u jano) y f otogrametr ía (A. Almagr o).
Para ello se montó un andamio perimetral que ocupó 2/3 de la Sala, con sendas
plataf or mas de tra ba jo para yeser ía y ar tesonado, con luz, agua y desagües.
Se r estaurar on un total de 325 metr os cuadrados de yeserí as, que en su estado pr evio
el sopor te pr esenta ba diver sos pr oblemas, desde grietas, zonas huecas, sales,
humedades, ataques biológicos, suciedad generalizada y algunas desaf or tunadas
r estauraciones anterior es de los siglos XIX y XX a las que hemos hecho r ef er encia en
al a par tado de historiograf ía.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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La ca pa pictórica pr opiamente dicha pr esenta ba una ca pa de polvo, escamaciones,
suciedad y r epintes.
El princi pio general ha sido el de la inter vención mínima, primando la consolidación y
la limpieza. Se comenzó primer o por la Galer ía de Mu jer es, lo que a por tó una
inf or mación muy valiosa que luego se a plicó al r esto de la Gran Sala.
El tratamiento del sopor te consistió en r ellenar las grietas con escayola a nivel más
ba jo que el sopor te original, conser vando una pequeña junta de dilatación, se
consolida ban los bor des con r esina acr ílica en emulsión, y por f in se completa ba y
entona ba con una ca pa de “acqua spor ca” para que el blanco no distor sionase el
con junto. Las zonas huecas se consolidar on con inyecciones de r esina acr ílica en
emulsión, con o sin car ga de escayola (el consolidante utilizado f ue Primal AC-33, en
distintas pr opor ciones de emulsión con agua).
Las sales pr esentar on poco pr oblema y sólo se tratar on. Se limpió la suciedad de
ataques biológicos y polvo y en las zonas r ehechas de alguna r estauración anterior que
distor siona ban el con junto, se pr ocedió a eliminar esa coloración para a plicar les el
tono general de “acqua sporca”.
El tratamiento de la ca pa pictórica consistió en consolidar el color de los pigmentos
mediante r esina acr ílica, per o en disolución, lo que f acilita ba su r ever si bilidad (el
pr oducto utilizado f ue Paraloid B-72 en disolvente Nitr ocelulis al 5%, mediante pincel
obr e el color ). Del mismo modo con ayuda de pa pel ja ponés y algún instr umento de
asentamiento se eliminar on y limpiar on el r esto de las materias extrañas que a par ecían
super puestas a la ca pa pictórica. No se han eliminado r epintes, lo mismo que no se
han sustituido pér didas f ragmentarias de decoración como r osetones o piñas. En
general, tras discusión sobr e el pr oceso en plena polémica por la r estauración de
Colallucci en la Ca pilla Sixtina, donde esta ba claramente justif icada la limpieza, en
este caso se optó por no r eintegrar la f alta de policr omía, excepto en algunas zonas
muy concr etas, con el f in de que se pudiese “leer ”la historia de deterior o del pr opio
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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edif icio y por que además los r epintes de las r estauraciones del XIX y XX hacían casi
imposi ble la tar ea, ya que no r espetar on, ni dif er enciar on originales de adicciones.
En consecuencia se ha pr ef erido conser var lo todo, eliminando sólo lo que se
super ponía sobr e el ver dader o original y ésta pr emisa sólo se podía compr obar con
seguridad en lo tocante al sopor te yeso, nunca a la policr omía.
En suma con esta inter vención se corrigier on los pr oblemas de esta bilidad y
pr esentación estética de las yeser ías ralentizando el pr oceso de deterior o al que
esta ban sometidas y que podr ían acelerar se por humedades ca pilar es, humedades de
f iltración, suciedad de polvo y ataques biológicos.43
En cuanto al artesonado la inter vención f ue paralela a la de las yeser ías y se trató en
todo momento de r ealizar un tratamiento unif or me, tanto desde el punto de vista del
criterio a adoptar como de los pr oductos a emplear , salvando las lógicas distancias que
suponen un material inor gánico (yeser ías) y un material or gánico (madera).
Se trata de una ar madura de par y nudillo con tirantes dobles y ochavada en sus
extr emos, de 23 por 9 metr os, de coníf era muy r esinosa (Pinus Pinaster ), totalmente
policr omada y emplea en su decoración láminas de estaño y cor las, magníf icamente
estudiado por E. Nuer e44.
El estado en cuanto a su estr uctura y ca pacidad por tante era bueno, pr esentando sólo
pequeños desper f ectos como ala beo de ta blas en el arr oca be, ataque de xilóf agos en
algunos puntos, manchas de humedad y algunas piezas despr endidas o movidas. La
policr omía en ver de, azul, r o jo, blanco y negr o esta ba, sin embar go, muy alterada,
ennegr ecida y con pér didas a bundantes de color , además de una gran cantidad de
polvo acumulado.
43) R allo Gr uss, C: “ Restauración de las yeserías de la Galería de M u jeres de la S inagoga delT r ánsito( T oledo)” , Rev. Sef arad. XLIX. (Madrid, 1998). Págs 397-408.
44) Nuer e, E: O p. Cit. Nota Nº 143. Edit. ICR BC. Ministerio de Cultura. (Madrid, 1990).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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La inter vención se basó princi palmente en la consolidación tanto de piezas sueltas o
movidas como en la f i jación de la policr omía y limpieza unif or ma de toda la
techumbr e, siendo las zonas atacadas por xilóf agos desinf ectadas y consolidadas. En
cuanto a la policr omía se eliminó el polvo y la suciedad super f icial, f i jándose el color
y sentándolo con cola animal. Se pr ocedió a una media limpieza y la r eintegración se
limitó a entonar las zonas en blanco de la pr eparación por medio de aguadas de
acuar ela, r estringiéndose sólo por el sistema de “R egatino” un f ragmento del texto del
arr oca be, a plicando una pr otección f inal tanto a la madera visi ble como a la
policr omía.
R especto a las laudas sepulcrales decidimos trasladar las desde las salas del Museo al
patio Nor te a modo de Jar dín de la Memoria, tal como explicá bamos en el pr oyecto
museológico. R esolvíamos así el pr oblema de tr ánsito en unas salas pequeñas y las
piezas r ecupera ban su sentido de “cementerio al aire libre”. Para ello no sólo
necesita ban una r estauración convencional, sino un tratamiento especial que les
per mitiera per manecer al air e li br e.
La mayor ía de las laudas son de granito, aunque hay una de már mol. Las alteraciones
más f r ecuentes eran: suciedad super f icial, concr ecciones diver sas, f isuras, grietas,
r oturas, exf oliaciones, manchas de cal, biodeterior o y r eintegraciones anterior es con
mor ter os de cemento y vástagos de hierr o que debían ser eliminados.
En general el tratamiento ha seguido los siguientes pasos: Fi jación pr evia de las zonas
despr endidas mediante gasa y r esina acr ílica, Paraloid B-72 al 10% de acetona;
limpieza super f icial con agua desionizada y sal de amonio ter nario (Desogén al 1%);
secado de la humedad de la super f icie con alcohol etílico; limpieza mecánica con
cepillos de cera suave, bistur í, cinceles, tor no de dentista con f r esas de car bor undo y
corindón de distintas granulometr ías en f unción de la concr ección a limpiar y
micr oa brasímetr o; las manchas de origen or gánico o desconocido se eliminar on con
disolventes; desalación con sepiolita impr egnada en agua desionizada y para f inalizar
se sometier on a un pr oceso de hidr of ugación, para pr oteger las de las inclemencias del
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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tiempo, r epitiéndose este último pr oceso cada 5 años. Para ello se optó por la
a plicación de un metil-etoxi-siloxano (Tegosivin HL-100-Goldsschmidt) en una
concentración que osciló entr e el 8 y 10 %.
Por f in el r esto de piezas ar queológicas de la colección per manente del Museo f ue
r estaurado por Car los Álvar o y el añorado R aúl Amitrano, ba jo la super visión del
equi po técnico de Museos Estatales, dirigido por Mar ía Sanz.
La museograf í a pr opiamente dicha f ue r ealizada por el ar quitecto Juan Pa blo
R odr íguez Frade, que se encar gó de coor dinar todos los aspectos r ef er entes a
iluminación, seguridad, inf or mación gr áf ica, monta je de vitrinas y paneles e incluso
del desarr ollo del Pr ograma Gr áf ico Institucional del Museo Sef ar dí.
El ob jetivo prioritario de esta nueva instalación museogr áf ica era el mar cado por el
pr oyecto museológico: la divulgación de la historia de los judíos, mediante un
conocimiento completo y razona ble, of r ecido a través de un itinerario de piezas, y
paneles explicativos situados en un contexto histórico secuencial. Se ha considerado
en todo momento que la pieza más impor tante del Museo es la sinagoga en sí misma,
por lo que se ha pr etendido que la inter vención f uese lo más r espetuosa posi ble con la
Gran Sala, dentr o de los límites mínimos de iluminación, seguridad e inf or mación que
las condiciones museológicas exigían.
El Proyecto de Identidad Gráf ica Institucional, en el que tra ba jamos activamente
los conser vador es con el diseñador , tenía como ob jetivo ingr esar de un modo visual,
como cualquier empr esa que se pr ecie, en el contexto de la comunicación social e
institucional, para que el nuevo per f il de identidad del Museo coincidiese con el
cambio pr oducido en su interior y sir viese de a poyo a su f utura gestión.
La aceleración del consumo y la alta densidad de mensa jes que r eci bimos hacía
necesaria una identidad que esta bleciese vínculos de conf ianza en el emisor en
f unción de los valor es atri buidos a esa identidad.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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La institución, a través de su actividad diaria y de su per manente diálogo con sus
usuarios va generando f or mas de autorr epr esentación, pone en mar cha una serie de
mensa jes y mecanismos de pr oducción que pueden comunicar su identidad y así
conseguir la imagen deseada.
Para ello se conci bió un Manual Cor porativo45 en el que se conf igur ó el nombr e de
Museo Sef ar dí como el exclusivo a utilizar y se diseñó un logoti po, con sus
corr espondientes imagoti pos.
El imagoti po elegido se extrae de una simplif icación de una de las piezas más antiguas
del Museo, la pileta trilingüe de Tarraco, del s. V d.C. En la pileta se encuentran
inscritos una serie de símbolos judaicos como el candela br o de siete brazos, el cuer no
ritual, la rama de palmera más los pavos o animales simbólicos que f lanquean la
escena o motivo princi pal, que no ser ía otr o, según R achel Haclili46, que los ob jetos
rituales que r ecuer dan el “rito de las cuatro especies” que se celebra en la Fiesta de
los ta ber náculos (S ukk ot), una de las tr es grandes f estividades judías de
“peregrinación” al templo de Jer usalén en la época del segundo Templo.
La mayor ía de los Museos e Instituciones judías utilizan casi en exclusiva el
candela br o de siete brazos, la popular menor á para la identif icación con el judaísmo,
per o pr ecisamente por eso, para dif er enciar nos y singularizar al Museo Sef ar dí,
utilizá bamos una pieza hallada en la Hispania r omana, Tarraco, con el candela br o más
otras piezas de judaica, que conseguían singularizar nuestr o esf uer zo institucional,
per o no lo separa ban radicalmente del r esto, ya que la menor á también f igura ba en el
centr o, en este caso, como una r epr esentación institucional del Templo per dido, como
r ecuer do y símbolo del Gran Templo de Jer usalén.
45) R odriguez Frade, J.P: Sistemas Gráf icos de Identidad Institucional. Museo Sef ardí. Ministerio de Cultura. (Madrid, 1989).
46)Hachlili, R:Anciente Jewish Art and Archaelogy in the Diaspora.Edit. Brill. (Boston. 1998). Ver Ca p. 7 Jewishs Simbols.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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Como color cor porativo se elige el “Pantoné 179 U ”, con una clara connotación
evocadora; si no se utilizase en color , se designa el “ Pantone 431 U ” de color gris,
ambos tanto en positivo como en negativo.
A par tir de ese momento todas nuestras actividades, incluida la R evista Noticias, han
paseado por el mundo el logoti po institucional, que se ha consolidado como una
imagen atractiva y signif icativa del Museo.
La elección de los logoti pos debe hacer se con mucho cuidado, pues un “error ” o una
mala inter pr etación pueden traer graves consecuencias para una entidad; por e jemplo
nosotr os desechamos por excesivamente obvio el candela br o con el que tra ba jamos en
los primer os diseños o la “ E strella de David”, por cuanto después de un estudio
iconogr áf ico nos per catamos de que sólo es utilizada en el judaísmo a par tir de época
moder na y en la bandera del Estado de Israel en época contempor ánea, per o ese
logoti po no se podía r etr otraer a la historia, por cuanto en la Edad Media española era
un símbolo claramente mudé jar como demostramos al estudiar algunas piezas de la
r eciente exposición de Sef arad47 y como destaca, con razón Díez Jor ge r ef iriéndose a
la techumbr e de la catedral de Ter uel en la que se r epr esenta la lucha entr e un
ca baller o cristiano y uno musulmán, par eciendo este último con la piel más oscura, la
espada cur va y con una estr ella de cinco puntas en el casco, en el escudo y en la
gualdra pa que lo identif ica como tal, f r ente a los cristianos48.
R epasar emos br evemente los princi pales a por tes museogr áf icos por salas del
magníf ico tra ba jo de González Frade, que consiguió dar unicidad al Museo.
V estíbulo y Á rea de acogida.
47) Bango Tor viso, I: Memorias de Sef arad. (Toledo, 2002). Págs. 128 y 129.
48) Díez Jor ge, Mª E:. (Granada, 2001). Págs.140 y 141.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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Además de las sustituciones del equi pamiento de la zona de acogida, car teleria,
entradas, el ar quitecto diseñó un mur o estucado para a poyar el f ragmento original de
viga, completándolo con una r einter pr etación en escayola con el texto r estante en
ba jorr elieve, ideando en el panel explicativo un ingenioso sistema de color es sobr e la
r epr oducción del di bu jo original de la f achada en el s. XVIII para entender el origen
de la viga y sus signif icado.
Ya a par ece en la entrada y car teles, así como en cristales y dif uminador es de luz, la
nueva imagen gr áf ica institucional.
S ala de oración.
Al ser el centr o de inter és de la mayor ía de los visitantes el ob jetivo de la instalación
museogr áf ica es pasar lo más desa per ci bida posi ble para poder obser var la sala sin
elementos distor sionantes. Sólo en la par ed oeste, la trasera, se r ealiza una pequeña
inter vención para explicar la historia del edif icio con cuatr o paneles y una maqueta,
así como un banco corrido que da unidad al con junto y per mite una zona de descanso.
Así mismo se musealiza con otr o panel, en este caso horizontal, la zona del suelo
primitivo y se a pr ovecha para explicar allí las inscri pciones hebr eas de la sinagoga.
A pr ovechando las obras se ilumina el ar tesonado para poder contemplar la policr omía
r ecién r estaurada, y se esconden las luminarias en los tirantes del pr opio ar tesonado.
Se hace lo pr opio para iluminar la par ed este y se per mite con esta mínima
inter vención que la sala pueda tener usos polivalentes, desde conf er encias a
concier tos, teatr o etc.
S alas del M useo.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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Se pr etende una acción unitaria en las tr es salas para que puedan entender se como un
único espacio. Para ello se adopta una solución que enlaza las tr es salas a modo de
zócalo continuo y dada la gran variedad de piezas, tanto en tamaño como en
materiales, la gran cantidad de paneles inf or mativos y las condiciones mar cados por el
poco espacio, se decide instalar vitrinas par ed.
Dichas vitrinas-par ed se plantean mediante una serie de machones en madera de haya
que además de ser vir como elemento estr uctural sir ven de elemento dif er enciador
entr e los distintos temas; uniendo estos machones se cr ea una cor nisa que sir ve de
sopor te al nombr e de cada sala, que además oculta la maquinaria y el engrana je de
a per tura y cierr e, iluminación, seguridad y climatización; ba jo esta cor nisa se or ganiza
un panel en el que a par ecer án los textos e imágenes del discur so museológico.
Al interior las piezas se exponen en baldas de vidrio, su jetas a la par ed por un
ingenioso sistema de vástagos cr omados ator nillados en las calizas que f or man la
par ed de la vitrina.
Patios.
La museograf ía del “ J ardín de la M emoria” debía r ef le jar en el patio Nor te un gran
r espeto por las laudas sepulcrales, pues más allá de un r esto ar queológico son un canto
f unerario en honor de los dif untos con cuantas vir tudes pueden ensalzar su
per sonalidad; se trata de documentos humanos y literarios de pr of undo lirismo que
nos acer can al acendrado espíritu r eligioso de los judíos.
El jar dín se or ganizó como una exposición de lá pidas sepulcrales distri buidas
r egular mente y orientadas al este, y cada una va acompañada de una r eseña serigr áf ica
en una placa de latón, situada en el extr emo de dos pletinas de hierr o. Las lá pidas
r eposan sobr e una base de acer o, con gomas en su par te superior para no dañar las
lá pidas al colocar las.
En el ár ea de descanso entr e la sala III y el patio Este se diseñó una maqueta de
Toledo en madera que r epr oduce la ciudad y sobr e todo la juder ía en el s.XIV para
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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que los visitantes tengan una sensación visual del espacio-tiempo en el que se inser tan
la mayor ía de las piezas de la sala III. Esta maqueta además se puede ver desde el
exterior del Museo ba jo un gran paño de már mol blanco con la inscri pción y logoti po
institucional, con el f in de ser vir de punto de atención en la calle posterior al Museo
donde ese detalle sir ve como anuncio y r eclamo de su pr oximidad.
El Patio Este no pudo ser convenientemente dotado de mobiliario exterior , y
simplemente quedó como un ár ea de paso, más que como una zona de descanso
pr opiamente dicha, por f alta de pr esupuesto. Sólo un pequeño panel explica ba junto a
la excavación los r esultados de nuestras investigaciones.
C apilla Gótica y Galería de M u jeres.
Una museograf ía tenue, tanto en iluminación como en inf or mación, se imponía en esta
zona de paso entr e la Galer ía de Mu jer es y la tienda. Por ello decidimos r ealizar una
escenograf ía visual mediante una vitrina maclada con dos tra jes de novios sef ar díes
del Nor te de Áf rica y un br eve, per o meditado texto explicativo sobr e los sef ar díes.
En la subida a la Galer ía de Mu jer es a par ecen f otograf ías r elacionadas con mu jer es
sef ar díes.
En la Galer ía pr opiamente dicha se r ealizar on dos ti pos de implantación museogr áf ica,
unos paneles horizontales para explicar la diáspora sef ar dí y los Judíos en la España
Moder na y Contempor ánea y cuatr o vitrinas paralepi pédicas (doble cubo) en el centr o
de la sala, para per mitir un tr ánsito f luido y tenuemente iluminadas por razones de
conser vación y para garantizar cier to r ecogimiento, a modo de sala oscura con cuatr o
vitrinas iluminadas especialmente con f i bra óptica.
Los laterales y techos de las vitrinas eran de vidrio laminado para aligerar al máximo
el ef ecto visual y en el interior unos paneles de cha pa por ambas caras, que a brazan un
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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alma de ta bler o, ocupan distintas posiciones sobr e una r etícula trazada en el suelo de
la vitrina. Una serie de orif icios practicados en los paneles per mitan asociar a los
mismos, por medio de unas piezas de engar ce cr omadas, las baldas de vidrio para
sopor tar los dif er entes ob jetos.
Entr e los años 1994 y 2002, casi diez años, el tiempo razona ble, según K . Hudson
para r evisar monta jes49 pasar on por nuestr o Museo alr ededor de dos millones de
visitantes que pr ovocar on un deterior o en algunos de los elementos museogr áf icos.
Unido este hecho a una serie de pr oblemas graves como la a parición de goteras en la
pr opia sinagoga o la f alta de estanqueidad de las vitrinas de las salas del Museo, lo
que ocasiona ba pr oblemas de mantenimiento y de climatización, así como el total
desgaste de la escalera de madera de subida a la Galer ía de Mu jer es, nos llevó a
plantear un Pr oyecto puntual de R enovación Museogr áf ica y Museológica.
Para acometer las obras se decidió cerrar el Museo al público el día 1 de Octubr e del
2002, ya que la comple jidad de las obras y el hecho de tener que levantar por
completo el te jado de la pr opia sinagoga hacían imposi ble su visita. A pr ovechando
este momento se incor porar on nuevas instalaciones audiovisuales y de f i bra óptica,
que r equer ían canalizaciones especiales y se r eor ganizar on espacios, teniendo en
cuenta la experiencia de las visitas r eci bidas para corr egir algunos planteamientos
museogr áf icos y por e jemplo eliminar algunas barr eras ar quitectónicas para
disca pacitados. Este pr oyecto f ue dirigido por el ar quitecto D. Jor ge R uiz Ampuer o,
que r espetó las líneas generales del anterior pr oyecto museogr áf ico, destacando su
inter vención en la Galer ía de Mu jer es.
49)Hudson, K: Museums of Inf luence. Univer sity Pr ess. (Cambrige, 1987).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
45
Naturalmente el pr oyecto museológico se volvió a r enovar con el mismo esquema del
Conse jo Científ ico Asesor como consecuencia de la adquisición de nuevas piezas y de
nuevas investigaciones50que hacían necesario r enovar algunos de los paneles
inf or mativos del Museo, por e jemplo en el caso de la Sinagoga de Elche, se ha bían
pr oducido nuevas excavaciones y r einter pr etaciones, que hacían necesaria una puesta
al día51.
R ealizamos una br eve desri pción de las modif icaciones r ealizadas en el
pr oyecto 2002-2004.
V estibulo y Area de acogida.
Se r ealiza en la entrada una rampa de acceso para minusválidos esta ble, per o ligera y
se coloca nueva car teler ía exterior .
Entr e las puer tas de acceso originales del edif icio y el ár ea de acogida se r ealiza un
vestíbulo pr evio con las corr espondientes puer tas de entrada y salida, incluyendo un
panel inf or mativo, instalando además en el techo para r esolver los pr oblemas de
estanqueidad una cor tina de air e ti po “Air F low”.
Se coloca un f elpudo doble de vinilo con el logoti po del Museo serigraf iado a modo
de bienvenida.
50) Villaver de Vega, N: Tingitana en la Antigüedad Tardí a (siglos III-VII). Edit. R . A. de la Historia. (Madrid, 2001).Págs. 85 a 91.
51) Poveda Navarr o, A: “E l Obispado de I lici”, Los orígenes del cristianismo. Edit. Univ. Alicante. Págs. 80 a 95.
Már quez Víllora, J y Póveda Navarr o, A: “ E spacio religioso y cultura material en I lici (ss. I V - V II d.C )” , V Reunió d, Arqueologí a cristiana Hispánica. Institut d’Estudis Catalans.(Bar celona, 2000). Págs. 185-198.
R amos Fer nández, R: “N otas sobre la basílica paleocristiana de E lche” , Actas del XXICongreso Nacional de Arqueologí a. Edit. Gobier no de Aragón. Tomo III. (Zaragoza, 1995). Págs. 1231-1233.
Noy, D: Jewish Inscriptions of Western Europa, 1.Italy, Spain and Gaul. Edit. Cambridge Univ. Pr ess. (Cambridge, 1993).
R utger s, L: The Hilden Heritage of Diáspora Judaism. (Leuven, 1998). Págs. 97-123. Hachlili, R:Ancient Synagogues in Israel (III-VII d.C). BAR Inter national
Series. (Haif a, 1989).
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
46
En el vestíbulo se practicar on excavaciones ar queológicas que per mitier on delimitar
un nuevo espacio con r estos ar queológicos, al que pueden acceder los investigador es,
y que sir ve de almacén de entradas y f olletos explicativos para la taquilla, ha bilitado
mediante una nueva escalera y un cierr e practica ble de madera.
Una nueva adquisición, un cuadr o de Jer usalén, acompaña al panel de la f achada de la
sinagoga y de la viga con inscri pción hebr ea.
S ala de Oración.
El gr ueso de la actuación se centr ó en la cubier ta de la Gran Sala donde se
constr uyer on unos nuevos f aldones que incor poran una ca pa imper mea bilizante y un
aislante tér mico que optimiza para siempr e la climatización del edif icio.
Esta actuación, que obligó a levantar y r econstr uir todo el te jado para evitar las
f iltraciones de agua pr ovocó una nueva inter vención sobr e las yeser ías y el
ar tesonado.
Se pr ocedió a una limpieza exhaustiva y generalizada de las yeser ías y se r evisó el
estado de conser vación de lo r estaurado en el pr oyecto del 1985-1994. En cuanto al
ar tesonado, que ha bía suf rido dir ectamente las f iltraciones de agua, pr ovocando
manchas puntuales, con el desplazamiento de algunas ta blas originales, hubo que
ef ectuar pequeñas inter venciones, además de la limpieza y se volvió a dar los
tratamientos antixilóf agos así como a dar un bar niz de pr otección.
Se a pr ovechar on los andamios para sustituir la iluminación de los tirantes y
pr opor cionar una luz más cálida y menos f r ía que la utilizada en el primer monta je.
Se instalar on así mismo disuasor es de vidrio practica bles y anclados en el suelo para
pr oteger las yeser ías en los pasos de la Gran Sala a la Ca pilla Gótica. Asimismo,
después de la excavación de la Gran Sala se pr ocedió a sustituir el antiguo pavimento
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
47
por uno nuevo, ya implantado en las obras de r emodelación de la mezquita de
Cór doba. Se pr otegió la zona de pavimento original con una barandilla ligera y se
iluminó con cinco pr oyector es especiales con f iltr os de r ecor te y pantallas para evitar
el deslumbramiento.
S alas del M useo.
Las r eparaciones af ectar on f undamentalmente al con junto de las vitrinas para eliminar
los pr oblemas de estanqueidad, las dif icultades para su a per tura y el acceso a las
mismas, la def iciente iluminación y la actualización de los elementos gr áf icos
explicativos.
Una gran novedad desde el punto de vista museogr áf ico, consistió en conver tir las
puer tas del panel delanter o de cristal en ho jas a bati bles (a pesar de su gran tamaño)
sobr e un e je con bisagra especial, impor tado de la museograf ía neozelandesa
(Manf r ed Frank de “ I nterium”).
Anterior mente a este pr oceso y a la r etirada de las antiguas vitrinas se acometió el
empotramiento del ca bleado de seguridad, iluminación, multimedia y megaf onía. Se
conser var on, sin embar go, los paneles de madera y las sola pas originales del pr oyecto
de Frade para seguir garantizando la unicidad del con junto. En r esumen, el “vestido”
era el mismo, per o por dentr o se r enovar on por completo y se r esolvier on así los
pr oblemas de estanqueidad y a per tura, que tantos quebrader os de ca beza dier on para
la conser vacion-r estuaración.
Patios y Á reas de Descanso.
Las puer tas de los patios se ha bían degradado completamente por el uso y se ha
pr ocedido a su sustitución. Por otr o lado una rampa de nueva constr ucción per mite a
los disca pacitados el acceso al patio Nor te o “ J ardín de la M emoria”.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
48
Se ha instalado nuevo mobiliario de descanso de exterior es y se ha constr uido una
pér gola en el patio Este, muy necesaria en época estival, para tamizar la luz.
C apilla Gótica y Galería de M u jeres.
Se trata del espacio más af ectado por la r ef or ma ya que pr ácticamente se dota de una
nueva escalera, en la que se sustituyen los escalones de madera por losas de granito
a bu jar dadas para evitar el desgaste.
En la Galer ía desa par ecen las anterior es vitrinas centrales en f or ma de doble cubo y se
sustituyen por otras vitrinas-par ed, similar es a las del r esto del Museo, laterales, con el
mismo y novedoso sistema de a per tura. En este espacio se han incor porado numer osas
piezas nuevas y se a pr ovecha para sustituir el f also techo por uno de tono más neutr o,
se r epasa la tarima f lotante y se instalan sistemas de multimedia en las pr opias vitrinas
mediante pantallas planas, per f ectamente integradas en el con junto, que ahora per mite
un r ecorrido sin obstáculos y una contemplación meridiana de la sinagoga desde la
pr opia Galer ía. Unos pequeños bancos y una serie de pequeñas vitrinas, a pr ovechando
los machones de las columnas nos acer can al mundo de la lengua y la literatura o la
pr ensa sef ar dí.
T ienda.
Se trata de uno de los espacios con más af luencia del Museo, un punto de inf or mación
impor tante sobr e el mundo sef ar dí, con una gran demanda de música, historia y todo
lo r elacionado con la antr opología del judaísmo, desde las costumbr es alimentar ías y
la cocina a la vida cotidiana. Un nuevo diseño y una suger ente ar quitectura interior
han ampliado considera blemente el espacio de venta.
Fr ente a ella se instalan dos puntos de inf or mación de multimedia de li br e acceso para
el público con consultas a bier tas sobr e los f ondos del museo o la cultura judía en
general, onomástica, cocina, museos judíos etc.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
49
En suma con este nuevo Pr oyecto el Museo ha pr etendido me jorar sus pr estaciones al
Público y desde su a per tura el 17 de Noviembr e del 2004, hemos aumentado la
cantidad y calidad de nuestra visita a briendo hasta las 9 de la noche desde Mar zo a
Noviembr e, con novedades como Las Noches de los Museos de la Juder ía de Toledo,
con a per turas extraor dinarias de 10 a 12 de la noche en los meses estivales.
El Museo está ahora en condiciones de of r ecer una of er ta de calidad a sus visitantes y
el f utur o en el que ya estamos tra ba jando pasa por la ampliación de nuestr os ser vicios
y actividades, para lo que ya el Ministerio ha adquirido una tienda y unas casas,
colindantes con el centr o para constr uir una sala multiusos para exposiciones
temporales, multimedia, taller es didácticos y nuevas zonas administrativas con el f in
único de seguir atendiendo a nuestr o cada vez más variado y exigente publico.
Detalle Yeser ía decorativa
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
50
Excavacion ar queológica Patio Este
Sinagoga en 1911
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
51
Exterior de la Sinagoga del Transito
Fr ontal de la sinagoga
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
52
Galer ía de mu jer es, ciclo vital y f estivo
Los sef ar díes
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
53
Patio Nor te, Jar dín de la memoria
Pileta trilingüe, logoti po institucional
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
54
R estauración del ar tesanado de la gran Sala de Oración
Sala 2, monta je actual
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
55
JUDAÍSMO E AR QUITECTURA VERNÁCULA CIVIL NA BEIRA INTER IOR QUINHENTISTA
Ar q. José da Conceição Af onso
Intr odução
A Beira Interior de Por tugal é indiscutivelmente uma r egião com tradições
multiculturais, com r ef lexos dif er enciados nas f or mas do ha bitat. A pesar de se poder
considerar que a pr esença judaica nesta r egião se verif icava com algum signif icado já
no séc. XII, f oi essencialmente a par tir de 1492, com a entrada massiva em Por tugal de
cer ca de 120.000 r ef ugiados sef ar ditas expulsos pelos r éis católicos de Espanha, que o
panorama da Beira Interior em ter mos ur banos, culturais, económicos e sociais se
alter ou radicalmente. O património legado pelos muitos judeus que se r ef ugiaram e
f ixaram nas zonas de f r onteira é por isso vastíssimo em todos os campos da actividade
humana na Beira Interior , a pesar de incrivelmente ta pado, escondido, inconsciente, com
ele tantas vezes na f r ente dos olhos sem que tenhamos consciência disso. Alguns
historiador es consideram que os judeus chegaram a constituir ¼ da nossa população;
Por tugal era então conhecido no mundo pelo País dos judeus.
R ef er enciam-se um con junto de princípios da cultura judaica no ur banismo e
ar quitectura do ocidente, sintetizados por Br uno Zevi, judeu italiano, um dos maior es
ar quitectos do séc. XX, historiador e teórico da ar quitectura. Foi a par tir desses
princípios, enquanto instr umentos metodológicos e de análise, que se caracterizaram as
linguagens do ur banismo e da ar quitectura judaica na Beira Interior de Por tugal, dos
começos do século XVI a meados do século XVII, mostrando-se a sua pr ovável
evolução ti pológica e a pr esentando-se casos exemplif icativos.
Diga-se ainda que a publicação “Ar quitectura Popular em Por tugal”, do antigo Sindicato
dos Ar quitectos, r esume a inf luência do judaísmo na ar quitectura por tuguesa a uma
simples página, sendo pr ovável que a inquisição salazarista dia bolisando esta cultura
não per mitisse que se f osse mais longe. A pr esente comunicação, ainda que conf inando
a sua incidência à ár ea geogr áf ica da Beira Interior , r ompe de vez com tal visão r estrita
e vem mostrar que o judaísmo no nosso País pr oduziu uma autêntica r evolução ur bana,
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
56
quer quanto a ti pologias de ha bitação, quer quanto ao aumento populacional verif icado
durante os sécs. XVI e XVII.
METODOLOGIA DE I NVESTIGAÇÃO A PARTIR DE BRUNO ZEVI
• Pode existir uma casa, uma r ua, um bairr o, nunca ha bitados por judeus,
pr oduzidos ou não por judeus, r ef lectir a mensagem do judaísmo no ur banismo e
ou na ar quitectura?
R: pode!
Negá-lo, seria negar no ocidente, o pa pel inf luente, motor e activo da cultura
judaica sobr e outras culturas e economias, mesmo as opostas, ao longo do devir
histórico. Seria considerar o judaísmo como uma cultura passiva, quando na sua
essência é uma cultura voltada para a acção.
Negá-lo, seria negar que no devir da história do ur banismo e ar quitectura do
ocidente, a mensagem da cultura judaica, através daquilo que mais a caracteriza,
a temporalização do espaço, está pr esente no ver náculo, no gótico, no
maneirismo, no barr oco, no expr essionismo, no or ganicismo e no
desconstr utivismo;
• Podem ar quitectos não judeus, ela borar pr o jectos de ur banismo e ar quitectura,
de acor do com a mensagem judaica?
R: pode!
Negá-lo, signif icaria por exemplo, que toda a obra do ar quitecto não judeu,
Frank Loyd Wright, em especial a f amosa Casa da Cascata e o Gugenheim de
Nova Ior que, não são disso r ef lexo. Seria negar que Le Cor busier , não judeu, em
Le R onchamp, seguiu a mensagem judaica da temporalização do espaço, do
or ganicismo, do anti-plano, e da irr egularidade geométrica.
• Pode existir uma casa, uma r ua, um quar teir ão, bairr o, cu jo pr o jecto de
ar quitecto judeu, ou mandado constr uir por judeus, não r ef licta a mensagem do
judaísmo no ur banismo e ou na ar quitectura?
R: pode!
Existem, como af ir ma Br uno Zevi, exemplos disso em Israel.
• Um historiador pode pr ovar através de documentação escrita que deter minado
edif ício f oi ha bitado ou pr o jectado por judeus; contudo, tal f acto não pr ova que
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
57
esse mesmo edif ício se ja expr essão ar quitectónica de judaísmo enquanto cultura
e ar te.
• Para um “historiador ar quitecto”, para além da documentação escrita ou
desenhada que ha ja, inter essa-lhe sobr etudo, sa ber se o edif ício em análise se
situa dentr o deste ou daquele f io condutor de cultura, clássica ou judaica, qual a
sua datação, e se no todo ou em par te é ou não r ef lexo dessa mesma cultura.
Sa ber ver a ar quitectura é tão impor tante como sa ber ler e inter pr etar um
documento escrito.
• O que essencialmente nos inter essa, é sa ber se deter minada casa ha bitada ou não
por judeus, pr oduzida ou não por judeus, obedece ou não aos princípios que
segundo Br uno Zevi, nor teiam a cultura judaica na ar quitectura de uma dada
época.
• A a bor dagem ao tema “Judaísmo e Ar quitectura Ver nácula Civil na Beira
Interior Quinhentista”, perante a extensão geogr áf ica da investigação, seria de
todo impossível a par tir de simples f ontes escritas sobr e as casas ainda existentes
que ter ão sido pr opriedade ou ha bitadas por judeus. No máximo, as f ontes
escritas, sendo impor tantes, poder ão pr ovar ou não que deter minada casa f oi
ha bitada por judeus mas isso nada nos diz sobr e se essa mesma casa segue as
linguagens e as inf luências da mensagem judaica na ar quitectura. Acr esce o
f acto de ser pr evisível que r elativamente ao con junto vastíssimo de ar quitectura
civil quinhentista na Beira Interior de Por tugal, as f ontes escritas da época só
possam cobrir uma ínf ima par te desse todo existente. R ecorr eu-se por isso a um
outr o ti po de a bor dagem e uma outra metodologia, pr óprias da história da
ar quitectura, que consiste no caso pr esente em especif icar os princípios
caracterizador es da cultura judaica que se r ef lectem no ur banismo e na
ar quitectura ao longo das várias épocas.
• O método de investigação e a caracterização dos princípios em que assenta a
cultura judaica, enquanto instr umentos que possi bilitem a análise a a plicar na
ar quitectura ver nácula da Beira Interior de Por tugal, seguem o pensamento de
Br uno Zevi, judeu italiano, um dos maior es ar quitectos historiador e cr ítico do
século XX, autor de “Ar quitectura e Judaísmo: Mendelsohn”(1)
( 1 ) “ Bruno Z evi - Ar quitectura e Judaísmo: Mendelsohn, Editora Per spectiva,
São Paulo, 2002, 253 pp., ilustrado www.editora per spectiva.com.br .”
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
58
• R ef ira-se contudo que é da maior r elevância para o a pr of undamento desta
temática que se f aça sempr e que possível o conf r onto entr e os dados da história
da ar quitectura com os dados conhecidos, caso a caso, da história escrita e da
ar queologia.
• Os estudos que dentr o da temática específ ica do “Judaísmo: Ur banismo e
Ar quitectura” vêm sendo desenvolvidos na Beira Interior , dividem-se em dois
ti pos quanto à extensão da ár ea geogr áf ica a brangida:
1) Investigação à escala de toda a Beira Interior (Distritos de Castelo Branco e
Guar da). Estes estudos, de que estou na origem dentr o da temática da
ar quitectura ver nácula, f oram de algum modo incentivados, dir ecta ou
indir ectamente pelos tra balhos quer do âmbito da pesquisa histórica quer da
ar queologia, desenvolvidos r espectivamente pela Pr of . Dr . ª Antonieta
Gar cia, e pelas Dr . ª Car men Ballester os e Dr . ª Car la Santos, quer pelos
contri butos sobr e cultura judaica dados pelo Ar qt.º Caria Mendes, quer ainda
pelos r esultados das pesquisas do Ar qt.º Vasco Morais Soar es sobr e a R ua da
Judiaria, no âmbito do Plano de Por menor de Medelim / Idanha-a- Nova de
que é autor .
As constatações a que cheguei dentr o duma pesquisa em extensão geogr áf ica
nesta temática, em toda a Beira Interior , car eciam ser a pr of undadas e
conf r ontadas com investigações de igual modo nas ár eas do ur banismo e da
ar quitectura, num con junto de sítios pontualisados e de pequena escala
geogr áf ica e, sempr e que possível, cr uzadas com dados pr ovenientes da
história e da ar queologia desses locais;
2) Incentivadas para o ef eito, algumas equi pas técnicas como a do Dir ector
Executivo do POLIS da Guar da, Arq.º António M anuel. M . S araiva, do
G.T.L. de Belmonte na ár ea da Ar queologia, Dr.ª E lisabete M artins Robalo,
do G.T.L. do Sa bugal, Arqª . C l áudia Quelhas, do G.T.L. da Covilhã, Arq.º
Pedro F l ávio Lopes M artins, do G.T.L. do Fundão, Arq.ª Ana I sabel Aranda
e C unha e Dr. Pedro S alvado, f oram extraor dinariamente r eceptivas ao
estudo da ar quitectura e judaísmo dentr o das suas ár eas de inter venção
ur bana. O estudo de casos específ icos como a Judiaria e o Centr o Histórico
da Guar da, as Judiarias da Covilhã, as Judiaria de Trancoso, Belmonte,
Medelim, vêm chegando às mesmas interr ogações e conclusões que as da
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
59
investigação que tem sido levada a ef eito por mim em toda a extensão da
Beira Interior e mesmo em obser vações à ar quitectura quinhentista na R aia
de Espanha. Ho je, do séc. XVI a meados do séc. XVII, pode f alar -se
indiscutivelmente, da existência de uma ar quitectura judaica e de inf luência
judaica em toda esta r egião.
REFERÊNCIAS À OR IGEM DA PRESENÇA JUDAICA NA PENÍ NSULA
IBÉR ICA
• “Os judeus penetraram em muitas sociedades e em todas elas deixaram a sua
mar ca.” ( 2 )
( 2 ) «In Paul J ohnson, História dos Judeus – edit. Imago, p. 14»
• Para se compr eender o ur banismo e a ar quitectura da época quinhentista na
Beira Interior de Por tugal, ter emos de r ecuar ao per íodo do Al-Andalus, cu ja
época de our o f oi do séc. VIII ao séc. X, e ao conceito das Tr ês Culturas.
Al-Andalus é a designação de Península Ibérica r elativa à delimitação geogr áf ica
do domínio muçulmano. De 711 a 1492, teve avanços e r ecuos consoante as
dif er entes invasões ára bes e a linha de f r ente da r econquista cristã.
• É razoável supor que os primeir os assentamentos de judeus na Península Ibérica
tenham ocorrido com a diáspora depois da destr uição de Jer usalém e do 2.º
Templo, no ano 70 por or dem de Tito e mais tar de em 135 por Adriano,
imperador r omano.
• Algumas teses a pontam para o f acto de que ter ão sido os judeus a incentivar os
omíadas a invadir a Península Ibérica, por f or ma, a li ber tar em-se da per seguição
dos visigodos, depois de R ecar edo I se haver conver tido ao cristianismo, em 587
da E.C., no Concílio de Toledo.
OS JUDEUS SOB O DOMÍ NIO DOS MOUROS
• «No ano 711 da E.C. deu-se a Invasão muçulmana da Península Ibérica, a
mando de Muza ben Nossair (muçulmano), e de Tarik , ber ber e que se
r econhecia como judeu da tri bo de Simão.» ( 3 )
( 3 ) « I n Los J udios en Al- Andalus, C ronología J udeo E spañola - T rad. Livre -http:// redraven.garcia-cuervo.com / delco.htm»
• Os judeus f oram li ber tos da opr essão visigótica e em cer tos casos ter ão passado
a cola borar com os muçulmanos na guar da de castelos e cidades. Como estes
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
60
eram poucos e em cada cidade que conquistaram necessitaram de a juda para
manter o contr ole militar , ter ão sido a judados pelos judeus que tiveram uma
opor tunidade de se li ber tar do jugo dos visigodos.
• As origens pr óximas entr e ára bes e judeus, ambos se consideram descendentes
de Abraã o, a judaram em muito a mescla de culturas. Durante cer ca de cinco
séculos, desenvolveu-se uma sociedade a ber ta e f or te. Os judeus f oram incluídos
na sociedade moura do Al-Andalus e tiveram a opor tunidade de melhorar muitos
aspectos da sua cultura.
• O conceito de “Três Culturas” nasce no Al-Andalus, expr essão que designa a
coexistência e inter -inf luência entr e ára bes, judeus e cristãos, na Península
Ibérica durante a época muçulmana.
• “Três Culturas” designa no campo r eligioso o que na Idade Média se entendia
como as tr ês r eligiões do Livr o: a cristã com a Bíblia, a muçulmana com o
Cor ão, e a judaica com a Tora.
• Na sociedade andaluza, cristãos e judeus f oram considerados dimmies, os
“protegidos”, que per tenciam à r eligião do Livr o e possuíam um estatuto
jur ídico e social pr óprio. Foi uma sociedade ur bana, na qual a cidade era
dividida em tr ês bairr os f undamentais, com uma f isionomia par ticular segundo
os seus morador es.
• Foram designados como moçárabes, ter mo ára be que signif ica “ara bizado”, os
cristãos de origem pr é-islâmica e os descendentes que per maneceram dentr o da
sociedade Andaluz, tendo sido a minoria r eligiosa mais numer osa.
• Os mudé jares f oram os muçulmanos que viveram nos r einos cristãos, depois da
r econquista.
• Os judeus da Península Ibérica chamavam-se sef ar ditas. Sef arad, que signif ica
“Terra Pr ometida”, f oi o nome com que denominaram a Península Ibérica.
Tiveram a sua pr ópria língua, o ladino.
• É de todo impensável que os judeus, sendo um povo voltado essencialmente
para a acção, cu jos vestígios no território que é ho je Por tugal já r emontam há
cer ca de mil e novecentos anos, que segundo alguns historiador es chegaram a
ser um quar to da população por tuguesa, mesmo nas condições mais adver sas,
não tenham deixado mar cas e inf luências da sua matriz cultural e r eligiosa, no
nosso ur banismo e na nossa ar quitectura.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
61
• Ainda que os judeus não se jam conhecidos como ligados tradicionalmente às
actividades da constr ução, como é possível ser -lhes r oubada a par cela
impor tante da sua r esponsa bilidade, na caracterização das cidades, vilas e aldeias
do nosso país, na edif icação do seu pr óprio ha bitat?
• Por que se continua a ignorar , no r elativo ao património edif icado, que os judeus
deixaram em Por tugal as mar cas f ísicas no espaço da sua pr ópria existência, ou
f azer cr er que o seu legado nesse ca pítulo é de cariz r esidual?
• Por que continua a duvidar -se que no nosso País, a história do ur banismo e da
ar quitectura, tal como em todo o ocidente, é a história da dialéctica entr e uma
visão helénica, clássica e estática do mundo, e uma visão dinâmica e li ber tadora
da f or ma, or gânica, expr essionista e desconstr utivista, de origem hebraica?
• Na Península Ibérica, no campo da história do ur banismo e da ar quitectura, a
cultura islâmica não pode ser tida como única r esponsável pela caracterização da
cultura do Al-Andalus (sécs. VIII ao séc. X, podendo contudo ser pr olongada à
primeira metade do séc. XIII).
• Os muçulmanos não impuseram o ur banismo or ganicista aos judeus e aos
cristãos; este ti po de assentamento ur bano era intr ínseco à cultura judaica.
• O que os ára bes f izeram f oi criar uma estr utura administrativa num tecido
ur bano or gânico, cu jo ar quéti po, o la birinto, era culturalmente intr ínseco a
muçulmanos, judeus e cristãos não r omanos, f icando a cidade or ganizada nas
seguintes zonas:
O Alcazar – zona r eduto f or tif icada e lugar do gover nador ;
A Medina, com a mesquita, o mer cado (zoco), e os bairr os de cada uma das tr ês
etnias;
O Albacar - zona muralhada de ar mazenamento da cidade, e de pr otecção a
camponeses e gados em caso de perigo;
O Arrabal - subúr bios, geralmente f ora de muralhas.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
62
F1
F1. R econstr ução zonal de cidade ára be do Al-Andalus e nor te de Áf rica
In, J ose M aría M . Hernandez, Historia da las For mas Ur banas Medievales, p.33,
Univer sidad de Sevilla
• Algumas das nossas cidades medievais, a pr esentam ainda no seu traçado ur bano,
mar cas dos bairr os cristãos, judeus e muçulmanos. Sa ber emos destrinçar as suas
caracter ísticas ar quitectónicas, dentr o duma base ur banística com muitas
semelhanças?
• « Na Espanha ¹ muçulmana, os judeus encontraram uma r elação simbiótica com
o mundo não judaico que os envolvia. Em lar ga medida, os muçulmanos
exer ceram o seu impacto sobr e os judeus. Alguns dos grandes er uditos judeus
escr everam em ára be. Mas a inf luência f oi muito mais impor tante no sentido
contr ário. Pode af ir mar -se, a pr opósito disto, que se o mundo muçulmano,
sobr etudo em Espanha¹, se desenvolveu tanto, f oi devido ao grande númer o de
judeus que aí puderam viver livr emente.» ( 4 )
( 4 ) « Rabin K en S P I RO, Os Judeus de Espanha, in
http://www.lamed.f r / judaisme/Histoir e/1402.asp
¹ Entenda-se Península Ibérica dado que a Espanha ainda não era existente.
• A f or ma do tecido ur bano pode per manecer inalter ável durante séculos ou
milénios enquanto que a ar quitectura se altera com ra pidez.
• Os omíadas que invadiram a Península não f oram pr opriamente ur banistas nem
constr utor es mas sim guerr eir os; o tecido ur bano or gânico e la bir íntico já era
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
63
intr ínseco de alguns dos povos pr é-existentes, nomeadamente judeus, e cristãos
não-r omanizados.
• Se durante muitos séculos, a base or ganicista do assentamento ur bano f oi
comum às tr ês culturas, não poder emos af ir mar o mesmo quanto à ar quitectura;
esta, não obstante as inf luências mútuas, seguiu mais ra pidamente tendências e
per cur sos específ icos a cada uma destas culturas.
• Cláudio Torr es, nas comemorações dos 800 anos de Idanha-a- Nova, af ir mou que
durante o Al-Andalus, na Beira Interior , viviam judeus, cristãos não r omanos e
muçulmanos. Tinham em comum, o car ácter uno de Deus e o não
r econhecimento da Santíssima Trindade do cristianismo de R oma.
• Na Beira Interior existiu uma base cultural do Al-Andalus. Por ém, do séc. XVI à
primeira metade do séc. XVII, em ter mos muito gerais, pode dizer -se que o
ur banismo e a ar quitectura desta r egião, f oi pr edominantemente de origem ou
inf luência judaica, pelas seguintes razões:
1. Dos árabes, na Beira Interior , salvo alguma inf luência ber ber e nas zonas
r urais, não são grandes as mar cas da sua ar quitectura do barr o, pr edominante a
sul do rio Te jo como considera Or lando R i beir o.
2. O cristianismo r omano da f ase da R econquista da Península, tende a
intr oduzir geometria, simetria, axialidade e r egularidade na ar quitectura r eligiosa
e civil; em Por tugal, isso verif ica-se essencialmente a par tir de D. Dinis.
3. O judaí smo, pelo contr ário, na ar quitectura civil tende a expr essar -se pela
acentuação das irr egularidades existentes na natur eza, desalinhamentos, r ecusa
de axialidades e de simetrias.
• As ti pologias e a linguagem ar quitectónica do séc. XVI a meados do séc. XVII,
têm caracter ísticas mais ur banas que as do século anterior ; a per cebemo-nos
disso através de comparação com as do Livr o das For talezas de Duar te
D´Ar mas, ainda que os seus desenhos se jam bastante esquematizados. A título
de exemplo, vemos naquela obra que no séc. XV são rar íssimas as casas com
escadaria exterior e balcão cober to ou descober to, sur gindo este elemento
constr utivo de f or ma generalizada essencialmente a par tir dos começos do séc.
XVI pela necessidade de se aumentar em o númer o de pisos das casas, f r uto
pr ovável dum extraor dinário aumento demogr áf ico e de grandes necessidades
ha bitacionais, r esultante da vinda massiva de judeus para Por tugal;
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
64
• Se tais ti pologias ar quitectónicas entram mesmo em r uptura com as do séc. XV
na Beira Interior , e se não manif estam ter origem ou inf luência islâmica, também
é cer to que pelo seu grande númer o de exemplar es, não f oram trazidas por
cristãos mas sim por judeus sef ar ditas r ef ugiados de Espanha em 1492.
• Com tão grande númer o de judeus vindos para Por tugal, r ef or çou-se em todo o
país e muito em especial na Beira Interior , a cultura ur banística e ar quitectónica
do Al-Andalus que nos era tradicional, agora com as especif icidades dominantes
de uma das suas componentes, a do judaísmo.
APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓR IA DO UR BANISMO E
AR QUITECTURA QUI NHENTISTAS NA BEIRA I NTER IOR DE
PORTUGAL
• Em Por tugal, durante a Idade-Média, a tendência para o ur banismo car tesiano,
r omano, por via do cristianismo da f ase pós r econquista, em oposição ao
ur banismo or ganicista medieval do Al-Andalus, ganhou expr essão a par tir do r ei
D. Dinis (1279-1325).
• Em f inais do séc. XV por f or te inf luência r esultante da vinda massiva de judeus
f ugidos e expulsos de Espanha pelos r éis católicos (1492), a tendência para a
r egularidade dos traçados ur banos f oi r etar dada ou minimizada em f avor dos
traçados irr egular es, la bir ínticos e or ganicistas; Quando per sistem os traçados
or togonais, eles tendem a modelar -se e adossar -se à topograf ia.
• Ao contr ário de Por tugal, no país vizinho, af ir maram-se os traçados ur banos
car tesianos r ígidos supor te de uma r ígida política centralizadora de contr olo e
gestão territorial.
• A chamada ar quitectura popular da Beira Interior , ho je ainda existente,
r econhecida pelos por tados biselados quando em granito, vãos desalinhados e de
dif er entes dimensionamentos, situa-se essencialmente entr e começos do séc.
XVI a meados do séc.XVII.
• Essa ar quitectura coincide com a vinda para Por tugal de cer ca de 120.000 ( 5 )
r ef ugiados judeus;
( 5 ) T al estimativa resulta do cruzamento de informações e dados dos judeus
Abraã o Z acuto, Damiã o de Góis, e do cura da povoaçã o espanhola de Los
Palacios, André Bernaldez.
http:// www.ensinandodesiao.org.br /Abrad jin / 1201.htm
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
65
• Segundo estimativas de alguns historiador es (6 ), a população judaica chegou
então a atingir quase 1/4 da população por tuguesa da época;
(6 ) in http:// www.ensinandodesiao.org.br /Abrad jin / 1201.htm
• Entr e 1496 e 1527, “cr escem mais de 60% os princi pais núcleos ha bitacionais,
com destaque para a Guar da, Castelo Branco e Covilhã” (Dias, 1987, pp. 50-51)
• O elevado aumento demogr áf ico que então se verif icou nesta zona do País,
andou concer teza associado a uma enor me pr ocura de ha bitação.
• Essa pr essão na pr ocura de alo jamento ter á sido tal, que para além da
densif icação das antigas judiarias, passou a verif icar -se pr esença judaica quer
nas muitas “r uas novas” então constr uídas, quer em con juntos disper sos de casas
doutr os arr uamentos, quer ainda em con juntos de casas térr eas de extr ema
pr ecariedade, mesmo em lugar es ainda ho je quase er mos.
• Com a extinção das judiarias em 1496, por D. Manuel I, decorr eu uma disper são
da implantação judaica, agora de cristãos-novos, essencialmente pelas ár eas
envolventes ou conf inantes dos seus bairr os.
NOTAS PARA UMA I NVESTIGAÇÃO SOBRE A PROVÁVEL
I NFLUÊNCIA DA CULTURA JUDAICA NO UR BANISMO E
AR QUITECTURA DAS DESCOBERTAS
• Dado que só agora se dão os primeir os passos em Por tugal na investigação da
nossa ar quitectura com inf luências da cultura judaica, que por razões r eligiosas e
políticas f oi completamente ignorada e lançada no esquecimento, nada se sa be
do impacto desta mesma cultura na ar quitectura e ur banismo da f ase das
descober tas por tuguesas.
• Contudo, a cultura ur banística e ar quitectónica do Al-Andalus, na sua ver tente
judaica, ter -se-á dif undido durante o séc. XVI até meados do séc. XVII, não só
em Por tugal como pelo mundo das nossas descober tas, pr o jecto a que os judeus
estiveram dir ectamente associados quer cientif icamente e f inanceiramente, quer
ainda pela sua f ixação nessas paragens em f uga á inquisição. Colocam-se por
isso as seguintes hi póteses para investigação e que não ca bem no âmbito deste
tra balho:
1. É essencialmente na cultura judaica ligada á s descobertas portuguesas que
reside a grande diferença na urbanística de Portugal (org ânica / judaica) e de
E spanha (hipod âmica / crist ã romana) até finais do séc. X V II .
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
66
2. N os séculos X V I a meados de X V II , a linguagem arquitectónica das cidades
das descobertas, reflecte em parte as influências das formas de expressã o da
cultura judaica no edificado.
AS DUAS VISÕES DO MUNDO: JUDAÍSMO E CLASSICISMO
Segundo Br uno Zevi:
- O judaísmo é a cultura do tempo;
- O classicismo é a cultura do espaço;
• Para os judeus a casa signif ica o ob jecto f r uído, o morar ou o lugar de r euniões.
Um espaço não utilizado pela comunidade, como encontramos nos templos
egípcios e na cela do templo gr ego, é inconcebível para os judeus.
• Uma ar quitectura baseada no pensamento judaico é uma ar quitectura or gânica,
viva, modelada segundo as necessidades dos utilizador es;
• Uma ar quitectura judaica é ca paz de cr escer e de se desenvolver , livr e das leis da
simetria, dos alinhamentos, das r elações entr e cheios e vazios, das r egras da
per spectiva, enf im, uma ar quitectura cu ja única lei, cu ja única or dem é a da
transf or mação.
F2 F3
F2. Espanha / La Alber ca – Bairr o Novo ( judeu) – Séc. XVI
Exemplo de ar quitectura or gânica, judaica, pensada de dentr o para f ora, r esultante
do jogo aditivo de volumes, desalinhamento de vãos e r ecusa de simetrias.
F3. Par ténon em Atenas: nenhum elemento compositivo se pode adicionar ou r etirar .
Origem da imagem in Wik i pédia, a enciclopédia livr e.
• Para os gr egos, a casa ou o templo, signif icam o ob jecto casa ou o ob jecto
templo, o edif ício; Como consequência, a ar quitectura inspirada no pensamento
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
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helénico baseia-se nas or dens das colunas, nas pr opor ções, nos enta blamentos
numa visão compositiva def initiva segundo a qual nada se pode acr escentar ou
subtrair .
• O conf lito entr e tempo e espaço é o conf lito entr e li ber dade e contrição, entr e
inventividade e academia; Decorr e dessa contradição entr e a cultura do tempo
no judaísmo e a cultura do espaço no classicismo, o seguinte pr oblema no
âmbito do desenho ur bano e ar quitectura:
S e como na tradiçã o do classicismo a arquitectura for entendida como a arte
que tenta amarrar o tempo, ent ã o, ressalta desde logo a contradiçã o entre
judaísmo (a cultura do tempo, do devir dos eventos e da História) e a profissã o
de arquitecto (enquanto tentativa de amarrar esse devir a um espaço imut ável e
eterno). T alvez por isso, só a partir do séc. XX , e essencialmente a partir dos
anos 80 , os arquitectos judeus, imbuídos da sua própria cultura, ganharam
pro jecçã o mundial ; ultrapassaram tal conflitualidade, levando a dimensã o
tempo do espaço arquitectónico, ao cume das formas de expressã o. A pesar
dessa contradição, o judaísmo mar cou de f or ma r elevante toda a História
Ocidental do Ur banismo e da Ar quitectura.
BREVE CARACTER IZAÇÃO DA CULTURA JUDAICA, SEGUNDO BRUNO ZEVI
1. Não à mitif icação da cultura.
1. a - Decorr e do a pelo Divino à Li ber dade, a r ef utação de todo o ti po de mitos,
inclusive o de cultura e ar te. Ninguém como os judeus sa be que no mundo, já houve
quem amante da cultura, atirasse ser es humanos para as câmaras de gás e f or nos
cr ematórios. «Nã o sou t ã o ingénuo a ponto de esquecer que o saber nã o traz automaticamente
paz e piedade, porque já ocorreu na história que homens que amavam Brahms e
Goethe tenham sido capazes de organizar campos de extermínio».
in U mberto E co, Discur so pr onunciado em Jer usalém por ocasião da cerimónia de
agraciamento com o título de Doutor Honoris C ausa da Univer sidade Hebr eia.
1.b - Não Ao Mito Da Ar te Catár tica
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
68
Para o judaísmo a ar te não é catár tica, no sentido mítico ou evasivo. Ao contr ário,
como a ciência, é avessa aos mitos de qualquer natur eza, transcendentes ou
imanentes. O judaísmo na ar te a posta no anticlássico, na desestr uturação
expr essionista da f or ma, r e jeita os f etiches ideológicos da pr opor ção áur ea e celebra
a r elatividade; desmente as leis autoritárias do belo e opta pela ilegalidade e pela
f alta de r egras existente na r ealidade.
2. Celebração dos seguintes princípios do judaísmo no ur banismo e ar quitectura
civil:
2.a - Do r elativismo;
É do a pelo Divino à Li ber dade e consequência da pr ópria diáspora que no
judaísmo enquanto cultura, a história do pensamento, pode ser per f eitamente
r econstituída a penas na dialéctica com o pensamento de várias épocas e de
povos diver sos. Consequência dir ecta da diáspora, o judaísmo sempr e dialogou e
teve em conta as dif er entes atitudes intelectuais e corr entes ideológicas e
f ilosóf icas no mundo, mesmo as opostas. Avaliou simultaneidades e
compati bilidades, bem como ela bor ou ver sões actualizadas da f ilosof ia bíblica,
tor nou-se por isso a Cultura do Relativismo. Einstein, inventor da f ísica
r elativista, era judeu.
2.b - Da dissonância;
Não é necessário uma inter pr etação simbolista para se compr eender que a
emanci pação da dissonância coincide com a emanci pação do povo judeu, o
elemento dissonante mais hostilizado, odiado, escar necido e lesado da cultura
humana. A dissonância é um dos aspectos f undamentais que caracterizam o
judaísmo enquanto cultura. Emanci par a dissonância signif ica eliminar as
últimas escórias do iluminismo e do neoclassicismo O princípio da dissonância
está também pr esente na ar quitectura que r ef lecte a mensagem do judaísmo
enquanto cultura; É graças a este princípio que os judeus, sempr e que em
contexto de li ber dade e em consonância com a sua pr ópria matriz cultural,
assumem este princípio como indispensável e indissociável dos pr ocessos de
mudança e transf or mação. Sem dissonância, por pequena que se ja, não há
evolução e transf or mação na ar quitectura ou desenho ur bano.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
69
2.c - Da diver sidade, dif er ença e irr egularidade
“…não podemos r enunciar ao princípio da “diver sidade”, diz Br uno Zevi, “não
a penas por que é ele que nos qualif ica ao longo de milénios em r elação aos
povos escravos de r eligiões idólatras, a concepções a bsolutistas e totalitárias ou
postulados científ icos e ar tísticos pr etensiosos e f alsos, mas também por que
of er ece uma chave insubstituível para entender as ar ticulações, as inúmeras
posturas e os múlti plos modos de ser judeu.” A luta judaica pela emanci pação do
“dif er ente”, também é pr osseguida pela ar quitectura.
2.d - Da anti-simetria
A simetria na ar quitectura anda associada às f or mas estáticas, r ígidas, e por isso
a sua r e jeição na cultura ar quitectónica judaica ou de inf luência judaica civil do
ocidente. Na Beira Interior quinhentista, em Por tugal, dentr o desta cultura,
jamais sur ge uma f achada de edif ício baseada na composição simétrica dos seus
elementos.
3. Inf luência Judaica na História do Ur banismo e da Ar quitectura do Ocidente
Graças à cultura judaica, a história do ur banismo e da ar quitectura do ocidente é
a história da luta em tor no da li ber tação do espaço estático, intr oduzindo-lhe a
dimensão tempo e o movimento.
4. O judaísmo na Ar te é oposição ao:
• Clássico;
• R enascença;
• Iluminismo;
• Neo-clássico;
• Cubismo
• R acionalismo;
• Pós-Moder no.
5. O judaísmo na Ar te é celebração do:
• Espaço la bir íntico, viático, da f ase catacumbária;
• Or ganicismo ver nacular e er udito;
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
70
• Contraste dir eccional da catedral Gótica;
• Maneirismo;
• Barr oco;
• Expr essionismo;
• Desconstr utivismo.
F4 F5 F6
F4 – Em R oma, as catacumbas cristãs de Domitila, r ef lectem a concepção la bir íntica
das catacumbas judaicas de Tor lonia que as antecederam em cer ca de um século.
F5 – Planta de Toledo / Espanha - In BEAJEAU, Gar nier . CHABOT. Geor ges: (1970),
in Tratado de Geograf ía ur bana. Bar celona. España. Vicens Vivens.
F6 – Planta antiga de Trancoso / Por tugal52.
O princípio, viático la bir íntico e catacumbário, tem pr osseguido ao longo da História do
ur banismo e ar quitectura judaica. É per cebido no traçado irr egular e la bir íntico dos
aglomerados or gânicos medievais, nos per cur sos decorr entes das ligações interior es
entr e as casas nos bairr os judeus quinhentistas da Beira Interior de Por tugal, e na
ar quitectura de grandes criador es como Daniel Li besk ind e outr os.
6. Ar quitectos contempor âneos que no todo ou em par te da sua obra expr essam a
inf luência da cultura judaica:
1. Erich Mendelson (J) - T orre de E instein em Potsdam ( 1918 )
2. Le Corbusier – (n/ j) - A C apela de Ronchamp, 1950
3. Frank Loyd Wright – (n/ j) - Guggenheim M useum, NYC , 1959
e a C asa da C ascata, Bear Run, P A , 1934-37
4. Richard Meier (J) – O Ateneu da N ova Harmonia, I ndiana 197 5 a 1979
52 Planta publicada na obra: Trancoso – notas para uma monograf ia, 1989.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
71
5. Peter Eisenman (J) – M emorial em Berlim à s V ítimas do Holocausto,
2005 , e o C entro U niversit ário das Artes em Atlanta, 1991
6. Daniel Li besnk ind (J) – M useu J udaico de Berlim, 2004
7. Zvi Hecher (J) - A partamentos em E spiral, Ramat Gan / I srael, 196 3
8. Frank Gerhy (J) – A C asa Dançante, Praga, 1994
(J) – judeu
( N/J) – nã o judeu
7 . R ef lexos dos princípios do judaísmo no ur banismo e ar quitectura quinhentistas na
Beira Interior de Por tugal
Análise con junta de casos: Belmonte, Meda, Penamacor , Castelo Branco,
Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo R odrigo, Fundão, Gouveia,
Guar da, Idanha-a- Nova, Trancoso;
7.a - Símbolos mágico-r eligiosos associados à ar quitectura na Beira Interior
quinhentista, expr essão de pr esença judaica :
Hanuk iahs; Menoraths; Mezuzhats; Hexagramas (Estr ela de David);
Pentagramas (Selo de Salomão); Cr ucif or mes.
Estes símbolos sur gem com maior f r equência nas ombr eiras biseladas e nas
tosas das por tas das casas quinhentistas, com vãos desalinhados de por tas e
janelas.
7.a1 – Considerações gerais sobr e a questão dos cr ucif or mes.
• Existe em toda a Beira Interior , uma f or tíssima tradição oral de que casa
com cr ucif or me/s f oi ha bitada por judeus.
• Segundo a tradição oral, os judeus, tentando evitar ou minimizar
per seguições, ver -se-iam obrigados a colocar cr ucif or mes nas ombr eiras das
por tas das casas que ha bitavam, de f or ma a manif estar a sua conver são ao
cristianismo.
• Consider o, ao contr ário da posição actual da Pr of . ª Dr . ª Maria José Ferr o
Tavar es, que os cr ucif or mes quanto à sua origem e signif icado, perante a
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
72
f or tíssima tradição oral, podem e devem ser analisados como indiciador es
potenciais de “casa ha bitada por judeus”, ainda que nem todos o se jam.
• Os cr ucif or mes, com alguma f r equência são dif icilmente per ceptíveis
mesmo por quem já este ja tr einado na sua visão, o que se consegue por vezes
só com luz rasante. Pude constatar que existem pessoas que convivem com
os cr ucif or mes das ombr eiras das suas por tas há décadas, sem que nunca se
tenham a per cebido da sua existência.
• Os cr ucif or mes não têm pr opriamente inter esse como elemento
decorativo numa linguagem ar quitectónica, mas sim como elemento de
grande valor simbólico que pode potenciar a compr eensão dessa mesma
linguagem do edif ício.
• O cr ucif or me, pode ainda ter grande impor tância do ponto de vista
ar queológico, histórico e etnológico, se f or conf ir mado que a tradição oral
tem razão quanto à sua origem e signif icado.
• R ef ira-se também, que se o cr ucif or me é indicativo de casa ha bitada por
judeus, tal não é garante de que essa mesma casa se ja expr essão de
linguagem ar quitectónica mensagem de cultura judaica.
• Os cr ucif or mes, como qualquer símbolo, em contextos e épocas
dif er entes, podem ter inter pr etações e signif icados dif er entes. Há que
ti pif icá-los, contextualizá-los, inter ligá-los e ar ticulá-los com outr o ti po de
inf or mação e elementos da ar quitectura para que possamos chegar
pr ogr essivamente a alguma luz sobr e o assunto.
7.a2. – Considerações Sobr e os Cr ucif or mes na Beira Interior
• Existem com maior f r equência nas casas das judiarias e zonas
dir ectamente envolventes, em f achadas com ombr eiras e tosas cor tadas a 45 º
em bisel e com os vãos desalinhados; Porquê esta coincidência?
• Existem cr ucif or mes de f or ma muito disper sa, em muito menor
quantidade, noutras ár eas dos tecidos históricos, em casas já com tendência
para a r egularidade e alinhamento dos vãos, e com as ombr eiras e tosas
cor tadas a ângulo r ecto.
• Na Beira Interior , há uma grande coincidência (pr esumo cer ca de 75%) *
de mar cas cr ucif or mes, em ombr eiras ou ver gas biselados de por tados ou
janelas quinhentistas. Porquê tal coincidência?
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
73
* S obre esta estimativa há que proceder a um cálculo rigoroso com base
num cadastro sistemático dos casos existentes.
• A grande quantidade de casas quinhentistas com (por tados biselados,
vãos desalinhados e ligações interior es entr e si), com cr ucif or mes ou outras
mar cas mágico-r eligiosas, só se pode explicar pela vinda massiva em 1492
de cer ca de 120.000 sef ar ditas de Espanha para Por tugal e o pr esumível
enor me sur to de constr ução decorr ente dum aumento de mais de 60% na
população da Beira Interior . Sendo os cr ucif or mes coincidentes na sua maior
per centagem com o sur to de constr ução de novas ti pologias e linguagens
ar quitectónicas pr edominantes no séc. XVI, pode concluir -se que andem em
r egra associados a casas ha bitadas ou mandadas constr uir por judeus
conver sos.
7.b - Caracter ísticas Que Suger em A Pr esença Ou Inf luência Do Judaísmo
Na Ar quitectura E Ur banismo Da Beira Interior Quinhentista
7.b1 – Caracter ísticas do Ur banismo
1. Grande compactação ur bana e traçados or gânicos de arr uamentos em
la birinto;
2. R ecusa da malha or togonal, mesmo em zonas planas; quando aquela
existe como pr é existência, é f or çada a adoçar -se à topograf ia do terr eno e a
ganhar sinuosidades;
3. Existem alguns traçados de arr uamentos em espinha ondulada de peixe,
em que o eixo princi pal ganha ondulação de per cur so;
4. Total r ecusa de simetrias na ar quitectura civil e no ur banismo;
5. R ecusa de f or mas r epetitivas, mesmo que dentr o da mesma ti pologia;
6. Polígonos base de implantação das casas em f or ma tra pezoidal;
7. Ondulação do plano das f achadas nos arr uamentos;
8. R ecusa das leis per spécticas.
7.b2 – Caracter ísticas da Ar quitectura
a) Tal como Br uno Zevi r ef er e quanto ao judaísmo na ar quitectura, também
aqui se verif icam os princípios da diver sidade, dif er ença, irr egularidade, não
r epetividade e anti-simetria;
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
74
b) Acentuado desalinhamento de vãos de por tas e janelas; (F7)
c) Por tados biselados, em r egra com símbolos mágico-r eligiosos nas
ombr eiras ou ver gas;
d) Ligação entr e as casas, em la birinto, pelo seu interior ;
e) A existência por vezes da chamada Pedra do Espírito Santo numa das
divisões da casa;
f ) Existência por vezes de ar mários de altar ( judaicos) ou de pedras de altar
(de inf luência judaica, ligados ao culto do Espírito Santo);
h) For mas de composição aditiva, geradoras da transf or mação contínua da
ar quitectura;
(F7 - con junto) - Na ar quitectura quinhentista de inf luência judaica é
constante o princípio do desalinhamento dos vãos.
7.b3 – Cri pto- judaísmo na Ar quitectura:
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
75
O ter mo marrano, depr eciativo, era r ef erido aos judeus sef ar ditas da
Península Ibérica, obrigados a adoptar identidade cristã, pela f or ça, como
consequência das cr uéis per seguições levadas a ca bo pela inquisição. Muitos
mantiveram as suas antigas tradições como cripto- judeus, pr of essando o
cristianismo em público, e o judaísmo em segr edo.
O cripto- judaí smo, também é visível na ar quitectura da Beira Interior a que
chamamos AR QUITECTURA CR IPTO-JUDAICA, a pr esentando esta nos
alçados, princi pal e tar doz, duas linguagens dif er entes, a clássica (estática,
obedecendo às leis da simetria e pensada de f ora para dentr o) e a or gânica
(irr egular , dinâmica e pensada de dentr o para f ora).
7.b3.a - Exemplos de Ar quitectura Cri pto-Judaica
• Solar da Barr oca Grande / Fundão (antes da inter venção ar quitectónica
r ecente); (F8)
Verif ica-se a conf luência de linguagens judaica e clássica:
a) Na tradição do Judaísmo, o alçado tar doz do solar da Barr oca Grande f oi
pensado de dentr o para f ora, a pr esentando os vãos daquela f achada
desalinhados;
b) O alçado f r ontal no mesmo edif ício, segundo o classicismo, f oi pensado
de f ora para dentr o, com f or te alinhamento de vãos e obediência ao princípio
da simetria e axialidade na composição da f achada.
F8
F8 – Linguagens ar quitectónicas clássica e or gânica, r espectivamente nos
alçados princi pal e tar doz do solar da Barr oca Grande / Fundão (séc. XVIII); no
todo r esulta um edif ício caracter ístico do marranismo em Por tugal
• Solar de Casal Vasco, concelho For nos de Algodr es.
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
76
Na f achada princi pal, verif ica-se o princípio da dif er enciação do desenho de
cada moldura de vão de janela, contrariando o princípio da r epetividade e
igualdade dos mesmos. A caracter ística decorativa das molduras
dif er enciadas das janelas, associada ao alinhamento dos vãos (por tas e
janelas) na f achada princi pal do edif ício expr essa uma tendência para o
marranismo na ar quitectura, isto é, con jugação de inf luências clássica e
judaica.
7.c - Br eve Síntese da Evolução Ti pológica da Ha bitação Quinhentista com
inf luências judaicas na Beira Interior (F9)
F9 (con junto) – Pr ovável evolução ti pológica das casas quinhentistas quanto ao númer o
de pisos
As linguagens e os princípios, os símbolos mágico-r eligiosos e os índices
que potenciam a identif icação da ar quitectura judaica quinhentista na Beira
Interior de Por tugal, r ef lectem-se nas seguintes ti pologias ar quitectónicas:
1 . Casas de piso térreo;
2. Casas de dois pisos:
Actas das Primeiras Jor nadas do Património Judaico da Beira Interior
77
2.a - C om balcã o lateral direito ou esquerdo, com ou sem alpendre;
2. b - C om balcã o de gaveto, com ou sem alpendre e com ou sem janelas de
gaveto;
A janela de gaveto, elemento de cavidade para entrada de luz no edifício, d á
dinâmica e movimento ao espaço interior, afunila-o, orienta o olhar de
dentro para fora no sentido do ângulo e nã o do plano, anula a percepçã o de
regularidade e estaticidade geométrica desse mesmo espaço, de acordo com
a mensagem judaica na arquitectura do séc. XV I .
2.c - S em balcã o:
2ca – C om porta estreita;
2cb – C om uma porta estreita e outra larga.
3. Casas de três pisos, com ou sem varanda.
8. Semelhanças de linguagens na ar quitectura das raias de Por tugal e de Es panha
durante o séc. XVI
• Na Beira Inter ior de Por tugal, a par tir dos começos do séc. XVI, as linguagens
ar quitectónicas a pr esentam muitos as pectos semelhantes aos das judiar ias ou
outr os locais de im plantação judaica, na R aia de Es panha.
• É com pr eensível que f ace às per seguições de que eram alvo, os judeus
encontrassem nas raias de Por tugal e de Es panha, um es paço de r elativa
segurança, chegando mesmo a fixar -se em lugar es muito r ecônditos e pouco
acessíveis. Per seguidos, colocar -se-iam mais f acilmente em f uga e a salvo para
um ou outr o lado da f r onteira.
Por tudo isto se considera natural que num e no noutr o lado da f r onteira, existam
tipologias e linguagens de ar quitectura, e outr os as pectos de cultura, muito
semelhantes.
9. Conclusões
• É muito limitada a tese de que a “casa de judeu” na Beira Inter ior , se r esume à
tipologia de r /chão e 1.º andar , com por ta lar ga e por ta estr eita e janela, sem
balcão, na f achada pr incipal, tal como descr ito no levantamento da Ar quitectura
Po pular , ela borado pelo antigo Sindicato dos Ar quitectos Por tugueses;
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
78
• Constata-se na Beira Inter ior , a existência de uma grande diver sidade de
tipologias e var iantes de casa ver nácula, quinhentistas, em banda, com 1 piso
térr eo, piso ao nível da r ua e meio piso em cave, 2 pisos e nalguns casos 3 pisos;
• Cada casa de r /chão e 1.º andar pode ter ou não escadar ia exter ior saliente do
plano da f achada e com balcão.
• O balcão tem ou não guar da e poder á ser co ber to ou desco ber to.
• A bar cando toda a com plexidade de tipologias r ef er idas, as casas que expr essam
a cultura judaica na Beira Inter ior Nor te e Sul são no seu con junto constr uções
muito com pactadas, geralmente em r ede, por quanto ligadas entr e si por por tas
inter ior es em par edes meeiras ou confinantes, f acilitando a f uga em per cur sos
la bir ínticos e pr áticas colectivas de culto em segr edo;
• Porém, em cada uma das tipologias ref erida, podemos encontrar nas
ombreiras ou tosas das portas:
Mar cas ou sinais que expr essam a pr esença da cultura judaica (M ezuzzas,
Hanuk ias, M enoraths, Hexagramas, Pentagramas, C ruciformes.)
• Coloca-se a questão:
Foi a cultura judaica que influenciou a ar quitectura ver nácula, po pular , da Beira
Inter ior , ou o inver so?
Par ece evidente, que o judaísmo influenciou e mar cou pr of undamente a
ar quitectura civil na Beira Inter ior , durante o séc. XVI.
• O or ganicismo é uma das linguagens ar quitectónicas da mensagem cultural
judaica na ar quitectura, sucedendo o mesmo com grande par te da ar quitectura
ver nácula na Beira Inter ior .
• Segundo Br uno Zevi, a ar quitectura civil que r eflecte a mensagem cultural
judaica é evolutiva, anti-estática, es pontânea, aditiva e irr egular , tal como grande
par te da ar quitectura ver nácula quinhentista na Beira Inter ior , o é.
• A ar quitectura civil que r eflecte a mensagem cultural judaica r ecusa as leis da
simetr ia, tal como grande par te da ar quitectura ver nácula quinhentista na Beira
Inter ior as contesta.
N ota: em M onsanto da Beira diz-se que a porta principal a eixo da fachada, d á
azar !
• De acor do com os pr incípios da irr egular idade e da diver sidade, segundo Br uno
Zevi, caracter ísticas essenciais da cultura judaica, as tipologias r ef er idas da
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
79
Beira Inter ior quinhentista a pr esentam em r egra polígonos base de im plantação
com f or ma irr egular , tra pezoidal;
• A distr ibuição dos vãos nas f achadas r ef uta alinhamentos hor izontais com
ver ticais, ou sim plesmente quaisquer alinhamentos, introduz movimento
gerador de desconstrutivismo, e o seu dimensionamento ou as pecto decorativo
é diver sificado e dif er enciado;
• Ao contr ár io da ar quitectura or gânica e desconstr utivista descr ita como sendo
expr essão da cultura judaica, pode o bser var -se uma outra ar quitectura ver nácula
civil na Beira Inter ior , seguida pelos cr istãos, com tendência para a r egular idade
da f or ma dos polígonos base de im plantação, r e petitividade e alinhamento dos
vãos na com posição das f achadas, alinhamento dos planos das f achadas,
existência de simetr ias e eixos per s pécticos nas casas e arr uamentos.
• Ao contr ár io do postulado deter minista quanto à r elação casa r egião ou local, a
ar quitectura po pular séc. XVI na Beira Inter ior não f oi cr iada de um só golpe
para um só lugar , é evolutiva e dinâmica no tem po, é f or temente expr essiva da
dimensão tempo na ar quitectura, caracter ística essencial da cultura judaica.
• Na ar quitectura ver nácula da Beira Inter ior , todos os edifícios têm identidade
pr ópr ia mesmo que sigam a mesma tipologia e se encontr em ligados
inter ior mente entr e si; tal não suceder ia se o bedecessem a modelos.
• O “desconstrutivismo natural”, se assim se pode chamar quando r elativo à
ar quitectura ver nácula de influência judaica na Beira Inter ior , é potenciado por
uma postura cultural que associa or ganicismo, liber dade f or mal,
desalinhamentos e economia.
• A cultura ar quitectónica judaica civil, segundo Br uno Zevi, é na sua essência,
or gânica, expr essionista ou desconstr utivista.
• Na Beira Inter ior , as tipologias de ar quitectura ver nacular aqui r ef er idas,
quinhentistas, têm que ter or igens culturais; estas são demasiado evidentes e
coincidentes com a mensagem cultural do judaísmo.
• Na Beira Inter ior , o ur banismo e a ar quitectura do judaísmo f oram um
ur banismo e ar quitectura de r esistência, de coexistência e contextualização;
• Na cultura da Beira Inter ior de Por tugal, uma das suas com ponentes mais r icas,
o judaísmo, encontra-se ta pado, escondido, em r egra inconsciente, quer pelo
medo, quer pela mor te da memór ia e f alsificação da histór ia.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
80
JUDIAR IA DE BELMONTE – AVALIAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE PROCESSOS DE REABILITAÇÃO. 53
Dr . ª Elisa bete Mar tins R o balo
Intr odução
A pesar dos escassos conhecimentos acer ca da pr imitiva pr esença judaica em Belmonte,
o contr ibuto desta comunidade para a histór ia da Vila é indiscutível, pela sua pr esença
ainda na actualidade e pelos vestígios deixados por comunidades anter ior es.
De pois de tem pos de ocultação r eligiosa, a actual comunidade judaica de Belmonte une
esf or ços no seu Resgate, na sua r econver são de cr istãos-novos ou marranos ao judaísmo
pur o, visto que anos de convivência com os cr istãos corr om peram algumas das suas
pr áticas judaicas54. Conhecendo os vestígios da sua per sistência ao longo dos séculos,
sem pr e poder emos contr ibuir para o conhecimento da histór ia passada dos judeus em
Belmonte e tam bém para a sua histór ia f utura.
Com este tra balho, pr etendeu-se f azer um inventár io dos possíveis vestígios mater iais
ainda visíveis em Belmonte, legados pelas pr imitivas po pulações judaicas. Analisando
as vár ias eta pas da evolução ur bana da Vila, tendo em conta os inúmer os vestígios
conhecidos, pr etendeu-se tam bém lançar hipóteses acer ca da localização dos diver sos
es paços de esta belecimento de judeus.
De r ef er ir que, o levantamento dos motivos cr ucif or mes f oi ef ectuado no âm bito do
Ga binete Técnico Local de Belmonte, que ef ectuou o Plano de Salvaguar da da Vila, no
qual f oram r ef er enciados os vár ios vestígios patr imoniais pr esentes em Belmonte,
nomeadamente os judaicos.
A Pr esença Judaica em Belmonte
53 Na comunicação a pr esentada nas I Jor nadas de Patr imónio Judaico, em par cer ia com o Ar qt.º Car los
Figueir edo, f ocaram-se tam bém as estratégias de r ea bilitação da judiar ia de Belmonte. No entanto, essa
par te não ser á r ef er ida neste ar tigo, visto o comunicante considerar que a sua comunicação se baseou no
que f oi dito durante o dia das Jor nadas, per dendo-se o essencial na passagem para o escr ito. A pesar disso,
decidiu-se manter o título.
54 Cr istina Nogueira, M onografia Histórica do C oncelho de Belmonte – N ovos C ontributos, Belmonte,
Câmara Municipal de Belmonte, 2006, p. 122.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
81
Em plena Cova da Beira, a vila de Belmonte destaca-se pela sua exce pcional posição
estratégica, não só pela sua altitude, mas tam bém como ponto de conver gência de
im por tantes vias antigas, bem como pela sua boa a ptidão dos solos, a sua r iqueza
mineral e a sua pr oximidade a r ecur sos hídr icos que ter ão contr ibuído para que, desde
os tem pos mais r emotos, po pulações se tenham esta belecido em Belmonte.
Por todo o Concelho r egistam-se vestígios pr é e pr oto-histór icos, r omanos e medievais,
que pr ovam a pr ef er ência das comunidades pr imitivas em se esta belecer em neste
es paço. Os judeus tam bém não devem ter ficado indif er entes a estas condições, pelo que
a sua pr esença em Belmonte deve r ecuar bastante no tem po.
Devido à escassez de r ef er ências documentais e de vestígios, não se conhece a data
exacta do esta belecimento de judeus em Belmonte, no entanto, eles são citados no f oral
de D. Sancho I (1199), o que poder á ser já um sinal da sua pr esença. É de r ef er ir que a
passagem onde se menciona a palavra “judeus”, r e pete-se em outr os f orais atr ibuídos na
época, em vár ios locais da Beira Baixa, ada ptados do f oral de Ávila;“ testemunhamos e
para sempre confirmamos que todo o que penhorar mercadores ou via jantes crist ã os,
judeus ou mouros, a nã o ser que se ja fiador ou devedor, todo o que isto fizer, pague ao
Bispo 6 0 soldos e dar á em dobro o gado que tomar ao seu dono”55.
Não se sa be se este tr echo com pr ova a existência, já no final do século XII, de judeus
em Belmonte, no entanto, por essa altura, sa be-se da existência de po pulações judaicas
na Covilhã, Guar da, Gouveia, Trancoso e outras terras da Beira. Por isso, é pr ovável
que Belmonte tivesse já a sua comunidade de judeus.
Em 1910, aquando da demolição da Igr e ja de S. Francisco (antiga Igr e ja do Es pír ito
Santo e Miser icór dia), no actual Lar go António José de Almeida, Francisco Tavar es
Pr oença Júnior identificou uma lá pide com caracter es he braicos inscr itos, com a
seguinte legenda; “ E Adonai est á no seu templo sagrado, emudece perante E le toda a
sua terra”56 (Livr o de Ha ba buc, 2.20), que possivelmente per tencer ia à tor ça da por ta
pr incipal da pr imitiva sinagoga e cu ja datação r emonta a 1297 (5057 da Era he braica).
55 David Augusto Canelo, O s últimos cripto judeus em Portugal , 2ª ed., Belmonte, Edição do Autor com
patr ocínio da Câmara Municipal de Belmonte, 2001, p. 73.
56 I dem, ibidem, p. 74.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
82
O f acto de haver já uma sinagoga nessa altura, r eflecte a per manência na povoação de
uma comunidade judaica numer osa, bem esta belecida e or ganizada.
É ponto assente que não ter iam sido os judeus expulsos de Es panha (em 1492, pelo
édito de 31 de Mar ço) que f undaram a comunidade judaica de Belmonte, em bora, pela
pr oximidade da f r onteira, a tivessem r ef or çado57.
A 5 de Dezem br o de 1496 é assinado o decr eto de expulsão dos judeus em Por tugal, por
D. Manuel, que ir á mudar radicalmente a situação da comunidade judaica. Inter essado
no casamento com a filha dos R eis Católicos de Es panha, D. Manuel aceita a condição
pr o posta - a de expulsar os judeus do País. Assim, todos os judeus são o br igados a
a bandonar o R eino num prazo de 10 meses, no entanto, D. Manuel não estava
inter essado na par tida dos judeus, por isso, o prazo alar gado de expulsão e as
conver sões à f or ça. Os judeus exer ciam bastante influência em diver sos cam pos:
económico, político, social e cultural, destacando-se pelas actividades mer cantis,
ar tesanais, usur ár ias e, por isso, a inconveniência na sua expulsão.
Em Belmonte, o pagamento da judenga, em 1496, confir ma que os judeus continuavam
a viver na localidade, mas com o decr eto de expulsão de D. Manuel e o esta belecimento
da Inquisição, em 1536, muitos judeus devem ter a bandonado a Vila. Os que ficaram,
praticavam a sua r eligião em segr edo. Assim, Belmonte nunca ter á sof r ido um
a bandono total dos judeus.
Foi Samuel Schwar z que, nos anos 20 do século XX, detectou a existência de judeus em
Belmonte; “uma comunidade bastante demarcada da comunidade católica,
conservando pr áticas, usos e costumes muito característicos que teimam em manter-
se”58.
Judiar ia de Belmonte
A pós a concessão do f oral sanchino (1199) e o r econhecimento da entr ega do senhor io
da Vila ao Bis pado de Coim bra, f omentou-se o cr escimento do pr imitivo núcleo ur bano
57 I dem, ibidem, p.73.
58 I dem, ibidem, p.17.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
83
de Belmonte, pr ocedendo-se tam bém à constr ução do castelo. A Vila, a pr oveitando a
dis posição to pogr áfica do es paço, expande-se para poente, em tor no da actual R ua
Dir eita, e para nascente, em tor no da Igr e ja de S. Tiago e de Sta. Mar ia ( já
desa par ecida).
Quanto à localização da judiar ia, a pesar de não haver cer tezas, devido à escassez de
f ontes histór ico-ar queológicas, é a to ponímia, com nomes como R ua da Judiar ia, Bairr o
de Marr ocos, que nos poder á auxiliar a localizar es pacialmente a pr imitiva Judiar ia de
Belmonte. Esta poder ia situar -se em tor no das actuais R ua Dir eita e R ua Fonte da R osa
(antes R ua da Judiar ia), no inter ior do es paço ur bano amuralhado59.
No entanto, se a Sinagoga f undada em 1297 se situava no actual Lar go António José de
Almeida, estava demasiado longe da pr imitiva judiar ia, além de que o local ser ia um
sítio er mo, começando a ser ocu pado somente a par tir do século XV. Ser á que existia
uma sinagoga mais antiga? Ser á que se constr uiu uma segunda sinagoga, de pois
transf or mada em tem plo cr istão, no Lar go António José de Almeida, talvez maior ,
r eutilizando-se pedras de uma pr imitiva sinagoga? Ou haver ia a penas uma sinagoga, no
núcleo mais antigo, que f oi desmantelada a pr oveitando-se a pedra para a constr ução da
Igr e ja do Es pír ito Santo? A localização dessa possível sinagoga é ainda desconhecida.
A sinagoga, com o Édito de Expulsão de D. Manuel (1496), f oi transf or mada em tem plo
r eligioso – na Igr e ja do Es pír ito Santo, culto bastante f r equente na época. Alguns
elementos ar quitectónicos manuelinos pr ovenientes da Igr e ja, como uma pia ba ptismal,
r ef or çam a ideia da transf or mação da sinagoga em tem plo r eligioso por essa altura.
59 Da antiga muralha ur bana medieval de Belmonte não há quaisquer vestígios, nem cer tezas acer ca do
seu traçado. No entanto, existem documentos que r ef er em a sua existência (MAR QUES, 2001, p. 96),
dizendo que a igr e ja de S. Tiago se situava intramur os e que a de Sta. Mar ia ficava já extramur os.
Segundo Manuel Mar ques (MAR QUES, 2001, p.196), que tenta r econstr uir o traçado da possível cer ca
ur bana, esta a pr oveitar ia o desnível natural do lado sul e leste. Entr e a R ua da Fonte da R osa e o castelo,
associada à estrada medieval que está enterrada junto aos Chaf ar izes do Ar eal, poder ia estar uma por ta.
De pois passar ia cer ca do cemitér io velho, acima da R ua da Corr edoura, incluía a igr e ja de S. Tiago e ir ia
à torr e que f oi centr o dos Paços do Concelho. Estar ia aqui a por ta da vila, per to ou encostada ao torr eão
da velha muralha.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
84
A sinagoga era o centr o da comunidade judaica, f uncionando como tem plo, tr ibunal e
escola. Os açougues, f or nos, lagar es, entr e outr os equipamentos, eram tam bém
indis pensáveis numa judiar ia. Quanto ao cemitér io, desconhece-se a sua localização,
mas ser ia, com cer teza, f ora do limite amuralhado.
Como já f oi r ef er ido, é nos séculos XIV e XV, devido ao cr escimento económico,
demogr áfico e ur bano, que Belmonte começa a am pliar o seu es paço ur bano para
poente, estr uturando-se em tor no do Lar go Af onso Costa, Praça da R e pública, R ua 1º de
Maio, R ua do Inver no, R ua Nossa Senhora de Es perança, R ua Pedr o Álvar es Ca bral, e
Lar go António José de Almeida, local conhecido como Devesa, onde se r ealizar iam as
f eiras e mer cados.
De f acto, o es paço situado entr e o Lar go Af onso Costa e o Lar go António José de
Almeida era um es paço de grande actividade comer cial e ar tesanal, a que os judeus não
ter iam sido alheios, esta belecendo aqui um segundo núcleo ha bitacional. Além disso, a
comunidade local de Belmonte, por esta altura, deve ter sido engr ossada por judeus
vindos de Es panha, a pós o Édito de Expulsão es panhol de 1492.
Nesta altura, ter ia mais lógica, a f undação de uma sinagoga no Lar go António José de
Almeida, pois estava mais per to de um novo centr o de pr esença judaica.
Devemos lem brar , no entanto, que estes locais não estar iam totalmente demar cados,
havendo seguramente uma es pécie de coa bitação dos ha bitantes de Belmonte, posta em
causa a pós 1496. A pesar de poder haver arr uamentos esta belecidos e pr é-definidos, os
judeus poder iam, pr ovavelmente, fixar -se de f or ma es pontânea e livr e entr e a po pulação
cr istã.
Já que as f ontes documentais e os vestígios são escassos, são os motivos cr ucif or mes
ainda visíveis, que nos poder ão f or necer algumas inf or mações acer ca da ocu pação
es pacial judaica em Belmonte. No decur so do levantamento dos elementos patr imoniais
ef ectuado pelo G.T.L., f oi dada es pecial atenção às cr uzes pr esentes nalgumas
om br eiras de casas, pelo que f oi f eito o seu inventár io, assim como o seu decalque e
r egisto f otogr áfico.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
85
Os motivos cr ucif or mes identificados, numa pr imeira análise, poder emos r ef er ir que não
são muito a bundantes, por que alguns f oram destr uídos e outr os poder ão encontrar -se
co ber tos com os r evestimentos moder nos das casas.
Além dos motivos cr ucif or mes, r egistam-se ainda algumas datas e o bser va-se tam bém a
pr esença de casas com por tas du plas e outr os vestígios que r eflectem o secr etismo dos
cultos.
Começando pelo núcleo mais antigo, discr iminamos no quadr o seguinte os motivos
cr ucif or mes que são ainda visíveis:
Nome da R ua N.º de casa Descrição/ Localização Dimensões (cm)
Lar go da R ua Dir eita 96 Segundo Manuel
Mar ques, ser ia
aqui o pr imitivo hos pital da Vila (MAR QUES, 2001, p. 135)
Motivo cr ucif or me sim ples na om br eira esquer da.
Motivo cr ucif or me ‘com a bas’, na tor ça da por ta.
15,5X8
16X15,5
Lar go da R ua Dir eita 108 No inter ior do edifício, o bser va-se um es paço com dois or ifícios, que ser vir ia para colocar velas e queimar azeite, o qual estar ia ta pado por um caixote, de f or ma a ocultar a chama.
R ua Fonte da R osa 468 Cr uz sim ples na om br eira dir eita. Cr uz sim ples na om br eira dir eita. Um r ectângulo escavado na om br eira esquer da.
18,5X12,514,5X10
R ua Fonte da R osa 470 Cr uz sim ples, quase im per ce ptível, na om br eira dir eita.
17X12
R ua Fonte da R osa 484 Cr uz sim ples, numa pedra da f achada pr incipal.
12X9,5
R ua Fonte da R osa 455 Cr uz com base em meio cír culo e hastes com ter minação tr iangular , associada à data 1764 (11,5X7,5 cm), na om br eira esquer da.
20X14,5
Travessa da Fonte da R osa
137 Data na om br eira esquer da, onde se r econhecem a penas os númer os “764”, inser idos numa moldura
15X11,5
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
86
No segundo núcleo o bser vam-se os seguintes motivos cr ucif or mes, descr itos no
seguinte quadr o:
Nome da R ua N.º de casa Descrição/ Localização Dimensões (cm)
Lar go de Santar ém 31 Cr uz sim ples na om br eira dir eita. 14,3X8,5
R ua do Inver no (Muitas vezes chamada, de pr eciativamente, como
R ua do Inf er no, quando nela ha bitavam mem br os da comunidade judaica (Aldeias Histór icas de
Por tugal, 2000, p.101)
51 Cr uz sim ples na om br eira esquer da de por ta biselada. Cr uz com hastes nas pontas, na om br eira esquer da da por ta. Cr uz com “ter minação af unilada”na om br eira esquer da da por ta. Cr uz sim ples na om br eira dir eita da
por ta biselada.
12,5X3
14,5X6,5
11,5X8
6X6
R ua 1º de Maio 56 Cr uz com pontas de ter minação tr iangular e no to po um traço o blíquo, f or mando outra cr uz, situada na om br eira dir eita.
25,5X22,5
Travessa do Corr eio 90 Cr uz sim ples na om br eira dir eita 17X12
R ua 25 de A br il 240 Data de “1704” (?), na om br eira dir eita, so b uma base.
6 de altura 0,4 de es pessura
As cr uzes são geralmente sim ples, a pr esentando algumas hastes nas pontas. O seu
tamanho var ia entr e os 6 e os 25,5 cm. O traço de gravação é geralmente muito irr egular
e tosco, var iando dos 0,4 aos 2,5 cm. De r ef er ir tam bém que muitas destas cr uzes
a par ecem associadas a por tas biseladas, assim como a casas com caracter ísticas
comer ciais.
Existem tam bém r ef er ências à existência de outr os motivos cr ucif or mes nas casas n.º 97
e n.º 107 (R ua Dir eita), assim como na n.º 483 e 486 (R ua Fonte da R osa). O con junto
de casas f or mado pelos n.os 106, 107, 108, 109 e 110 ter iam ligação inter na entr e si, de
modo a poder em ser vir de esca patór ia, caso f ossem detectados nas suas pr áticas. As
casas n.º 102 e 103 e o n.º 138 tam bém ter iam ligação inter na entr e si. Nas traseiras do
edifício n.º 138 é possível o bser var uma por ta entaipada que dar ia com outr o edifício,
ho je em r uínas. Na R ua Pedr o Álvar es Ca bral são tam bém r ef er idas cr uzes em alguns
edifícios.
Em Belmonte r egistaram-se tam bém cr uzes em afloramentos r ochosos, talvez com a
intenção de demar car es paços e no Lagar da Fontinha, aí em razoável quantidade.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
87
De r ef er ir , no entanto, que a existência de estes motivos cr ucif or mes, que podem estar
associados a datas e outr os anagramas, gravados nas om br eiras de ha bitações e outr os
es paços públicos (f ontes, moinhos, etc), deve ser com pr eendida como um elemento de
cr istianização do local60. Nem sem pr e a gravação de um elemento cr ucif or me deve ser
entendida como a mar cação de um es paço de ocu pação judaica. Assim como não
devemos entender todas as por tas biseladas e ha bitações com por tas destinadas a local
de comér cio como locais de judeus.
De r ef er ir que o inventár io destes motivos cr ucif or mes está a ser r ealizado em outras
f r eguesias, tendo sido até agora identificados mais exem plos no Colmeal da Torr e e em
Car ia. Em Car ia sur pr eendeu não só pela sua a bundância como tam bém pela var iedade
de f or mas. A bundam no centr o histór ico da Vila, nas r uas do For no, R ua do Poço, R ua
Dir eita, entr e outras.
Todos estes elementos constituem vestígios de vivências, pelo que a sua pr otecção é
indis pensável para a pr eser vação da memór ia colectiva. Ameaçados pela er osão,
a bandono, r econstr uções do edificado e por acções humanas, os vestígios da judiar ia de
Belmonte são já escassos. É de toda a im por tância que se arran jem soluções que
per mitam a salvaguar da dos vestígios das comunidades pr imitivas, nomeadamente a
judaica. Acções de inventár io e r egisto são, com cer teza, um pr imeir o passo, para que
estes indícios não caiam no esquecimento.
Bibliografia:
Aldeias Históricas de Portugal (2000), Inatel, Diár io de Notícias, PPDR .
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Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
91
MAR CAS CRUCIFOR MES DE AGUIAR DA BEIRA
Dr . Victor Fer nandes Dr . Miguel Leal
A pr esente exposição tem, como base, os tra balhos de investigação histór ica e
ar queológica r ealizados pelos técnicos do Ga binete Técnico Local de Penaver de, entr e
os anos de 2002 e 2004. Durante a tar ef a de inventar iação do patr imónio histór ico-
ar queológico a brangido pela ár ea de inter venção do GTL, deu-se conta da existência de
inúmeras mar cas cr ucif or mes pr esentes nas om br eiras, bem como em outras secções de
estr uturas ha bitacionais. Inicialmente associadas a um hipotético sentido de pr otecção
do es paço ha bitacional ou exor cismo contra o mal, o contacto com outras teor ias,
r elativas a este tipo de gravações, levantou a hipótese de uma associação entr e estas
mar cas e a pr esença de cr istãos-novos/cr ipto- judeus na r egião. O grande númer o de
mar cas existentes, bem como a constatação da sua pr esença em inúmer os aglomerados
ur banos de toda a Beira Inter ior , aguçou a nossa cur iosidade, tendo-se dado início à
tar ef a de inventar iação ar queológica deste patr imónio no município de Aguiar da Beira.
CRUCIFORMES: LOCALIZAÇÃO E TIPOLOGIAS
Não dis pomos de dados concr etos que nos per mitam uma associação dir ecta entr e a
existência de mar cas cr ucif or mes e a pr esença de comunidades ou f amílias cr istãs -
novas. Sa bemos, pelos ar quivos da Inquisição, que indivíduos or iundos de Aguiar da
Beira f oram acusados de pr áticas judaizantes. Contudo, tirando esse por menor , não
dis pomos de quaisquer outr os dados ou bases documentais que confir mem a pr esença
de tais minor ias r eligiosas na r egião. Por isso, há que ter muita cautela r elativamente às
associações que se possam f azer , tanto mais que, como a baixo se pode ver , a gravação
de cr uzes pode estar meramente associada a f unções de invocação divina para pr otecção
dos es paços e das estr uturas.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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A maior ia das mar cas encontradas segue o modelo da cr uz latina sim ples, des pr ovidas
de or namentação. Contudo, muitos dos exem plar es possuem deter minado tipo de
decoração, possuindo bases ou até vár ios braços. Em alguns dos casos os cr ucif or mes
par ecem r emeter -nos para a f or ma de um candela br o.
Fonte Ameada da Vila de Aguiar da Beira. Estr utura
possivelmente do século XIV. Ladeando o ar co que dá acesso à
f onte de chaf ur do encontram-se duas mar cas cr ucif or mes, talvez do
século XIV ou XV, que estar ão ligadas a f unções de “ pr otecção
contra o mal”.
Edifí cio em ruí nas na aldeia de Pinheiro, com mar cas
cr ucif or mes em am bas as om br eiras. Como se pode ver as
tipologias diver gem, podendo-se encontrar numa mesma
casa uma cr uz latina sim ples ou uma cr uz de seis braços com
base em f or ma de cír culo/tr ipé.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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De um modo geral as gravações encontram-se em edifícios que a par entam alguma
antiguidade, r emontando possivelmente aos séculos XVI, XVII ou até XVIII. Por
vezes, per to das mar cas cr ucif or mes podem encontrar -se datas, aludindo
possivelmente ao ano de constr ução dos edifícios. Estas estr uturas inser em-se
geralmente naqueles que poder ão ser definidos como os “núcleos histór icos” dos
aglomerados ur banos.
Habitação em ruí nas na aldeia de Cortiçada. Podem
distinguir -se vár ias gravações de cr ucif or mes em am bas
as om br eiras
R esidência em avançado estado de degradação na aldeia de
Cortiçada. Desta vez, juntamente com os cr ucif or mes pode
distinguir -se uma data: 17 29
1729
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Marca crucif orme na ombreira direita de uma entrada de
habitação em Dornelas. A ligação entr e os vár ios braços da
cr uz par ece r emeter para uma f or ma de cálice ou de candela br o
Habitação em Forninhos, com mar cas
cr ucif or mes em am bas as om br eiras
Muro de delimitação de propriedade na aldeia de
Forninhos. No entanto, é possível que a pedra que ser ve de
su por te às cr uzes tenha sido r etirada da sua im plantação
or iginal, que poder ia ser uma ha bitação.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Marcas encontradas nas ombreiras de um
solar em ruí nas, na aldeia de Valverde. As
gravações de cr ucif or mes podem encontrar -
se nos mais diver sos tipos de ha bitações,
desde as mais humildes, às mais a bastadas.
Marca crucif orme encontrada no jardim de um
particular, na aldeia de Penaverde. A pedra f oi r etirada
da sua localização or iginal. R e pr esenta uma cr uz r odeada
por dois “ postes” de cada lado, sendo o con junto envolto
por uma moldura r ectangular . Uma leitura mais atenta
par ece a pontar para uma estilização de um candela br o de
sete braços, onde a cr uz ser ia o braço central.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Acima: mar cas cr ucif or mes encontradas em vár ias ha bitações na aldeia de Penaver de
Abaixo: mar cas cr ucif or mes numa ha bitação que, su postamente, ter á sido o antigo edifício da Câmara e
pr isão de Penaver de. Uma das cr uzes é ladeada por dígitos, possivelmente r elativos a uma data: 1811.
Mar ca no inter ior de om br eira dir eita, na aldeia de Mosteir o.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Marca crucif orme na f achada principal da capela de S. Domingos,
na aldeia de Moreira. Existem vár ios destes exem plar es, não só na
ca pela em questão, como em vár ios outr os tem plos cr istãos. Estes
sím bolos estão associados às Estações da Via Sacra.
Marca de delimitação territorial entre as f reguesias de Dornelas e
Urgueira. Mais um exem plo de utilização de mar cas cr ucif or mes,
desta vez enquanto sinal de demar cação de terr itór io, para fins
administrativos.
Pedra da Cruz da Fortuna, na f reguesia de Carapito. Neste
monólito f oram gravadas diver sas cr uzes, associadas à su per stição
po pular .
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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LOCALIZAÇÃO DE MARCAS:
Em baixo são a pr esentadas as plantas dos núcleos histór icos dos aglomerados ur banos, com a
indicação das estr uturas onde, até agora, f oram desco ber tas mar cas cr ucif or mes, sendo estas
identificadas pelos edifícios pr eenchidos a cor . A nosso ver este tipo de localização to pogr áfica
f eita por meios digitais par ece-nos essencial para um melhor desenvolvimento da investigação
ar queológica. Ser ia mesmo ideal que todos os esf or ços conver gissem no sentido da ela boração de
uma base de dados nacional, envolvendo este, bem como outr os tipos de patr imónio.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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TÉCNICAS DE LEVANTAMENTO:
Achámos por bem r ef er ir , muito br evemente, as técnicas por nós em pr egues aquando do
levantamento das mar cas cr ucif or mes que podem ser a pr eciadas nesta a pr esentação.
Para a o btenção dos desenhos, r ecorr eu-se à técnica de decalque dir ecto so br e a su per fície pétr ea,
usando grafite e pa pel vegetal. Os decalques daí r esultantes f oram poster ior mente trans postos para
uma f olha de desenho, pr eser vando-se a escala or iginal. Os desenhos o btidos f oram,
poster ior mente, conver tidos em f or mato digital e incluídos numa base de dados. Nos casos em que
sur giram dúvidas r elativamente ao decalque f eito com grafite, f oram executados moldes,
r ecorr endo-se ao barr o ou a pasta de moldar . As su per fícies gravadas f oram co ber tas por película
ader ente (de maneira a pr eser var a integr idade da pedra), so br e a qual f oi poster ior mente a plicada a
pasta de moldagem, tendo-se assim o btido um “negativo” da mar ca. So br e o molde r esultante
ef ectuou-se, poster ior mente, a trans posição para pa pel vegetal por meio de grafite.
CONCLUSÃO:
A pr esentámos aqui alguns exem plos dos diver sos tipos de mar cas cr ucif or mes que podem ser
encontrados no município de Aguiar da Beira. Como se pode o bser var , existem as mais distintas
tipologias so br e as quais se podem em pr egar as mais diver sas teor ias e explicações: pr otecção do
es paço ha bitacional, demar cação terr itor ial, identificação r eligiosa, entr e outras hipóteses que
poder ão sur gir . Não podemos afir mar que exista uma só f unção para este tipo de mar cas, da
mesma f or ma que não existe um tipo univer sal de estr uturas que lhes sir va de su por te.
R elativamente à questão da associação entr e comunidades cr ipto- judaicas e mar cas cr ucif or mes
esta é uma questão que continuar á em a ber to. Os dados que temos não nos per mitem tirar
conclusões pr ecisas. A penas o pr osseguimento das investigações e a desco ber ta de novos dados
nos per mitir ão f or necer r es postas e colocar novas per guntas. Mas fica pelo menos a satisf ação de
sa ber que os pr imeir os passos têm sido dados no âm bito da ar queologia dos “es paços domésticos”
e da histór ia cultural e das vivências sociais. R esta agora pr osseguir a caminhada.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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MEDELIM - A RUA DA JUDIAR IA
Ar qt. Vasco Morais Soar es
BREVE RESUMO HISTÓR ICO
Medelim emer ge nas Terras de Idanha como povoado im por tante na segunda metade do
século I, com a localização de um acantonamento militar r omano f undado por Cecilio
Metelo Pio (Cecillium Mettelum Pium) na pr oximidade de um o ppidum pr é-r omano em
Monsanto.
Considerada uma das mais im por tantes cidades da Lusitânia, era-o - como ainda ho je o
é - passagem e cr uzamento para outras terras à ilhar ga da estrada r omana, de longo
cur so, que ligava Emer ita Augusta (Mér ida) a Viseu. O to pónimo Medelim, em
terr itór io da Lusitânia, como Medellin na Bética (a Sudeste de Cácer es), der iva de
Metellinus - o citado Quintim Cecillium Mettelum Pium, sendo por or dem deste que f oi
constr uída a r ef er ida estrada, com vár ias pontes dentr o as quais avulta a de Alcântara.
Vice-cônsul de cinco colónias, estas a bar cavam um vasto terr itór io, com pr eendendo as
actuais, Andaluzia, Estr emadura, e vastas ár eas do Alente jo e da Beira Baixa.
Fixou a sua sede em Medellin - Castr um Metellinensis, cidade amuralhada, guar diã
centrada no vasto terr itór io que gover nava. Os povos de Idanha - Igaeditane, mantinham
r elações pr ivilegiadas com o Sul, nas suas ligações até à f oz do Guadalquivir , sendo que
este r io navegável até Sevilha viu constr uir nas suas mar gens um im por tante por to de
mer cador ias por mando e or ientação do Im perador Tra jano, o qual para o ef eito desviou
o seu cur so, na ár ea aonde ho je se f or maliza de novo a ilha da Car tuxa.
Até ao séc. XVI, existiu em Medelim uma im por tante colónia judaica com o seu lugar
de culto - a Sinagoga, da qual não r estam vestígios por desastrada inter venção ur bana
havida nos anos 70 do séc. XX, convivendo com a po pulação autóctone, que desde o
séc. VI se havia misturado com os visigodos cr istianizados, mais tar de com os ára bes.
Consta que convivendo com esta, por encosto de em penas tar dozes existiu uma
mourar ia.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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TRAÇADOS UR BANOS E TIPOLOGIAS AR QUITECTÓ NICAS
DA RUA DA JUDIAR IA
A Judiar ia de Medelim a pr esenta-se com casar io contínuo, desenvolvido por am bos os
lados da R ua, em casas de r /chão e um andar ao qual se acede por escadas exter ior es
r ematadas por patamar de f or ma quadr ática, os caracter ísticos balcões.
Na análise do cadastr o e da ar quitectura das casas da judiar ia, detectam-se algumas
caracter ísticas que não quer endo tor nar exclusivas, per mitir ão contudo r ecolher
elementos, alguns deles com par áveis com idênticas caracter ísticas de outras judiar ias
possibilitando vir a esta belecer -se elementos distintos dos outr os povos, e que a seguir
sucintamente se enumeram:
§ A inexistência de qualquer pequeno jar dim ou logradour o de su bsistência, para
cr iação de cultivo de hor ta ou cr iação de animais.
§ Uma volumetr ia ligeiramente menor que as das outras casas de outras r uas; mas com
os balcões de igual dimensão. Por que a par entes?
§ A inexistência de plantas geometr icamente r egular es, a inexistência de eixos de
simetr ia, de nivelamentos ou de alinhamentos entr e por tais. O que sem som bra de
dúvida o sa biam f azer , mas não f aziam!
§ As escadas de ligação arr umadas a um canto da casa, nunca centradas ou pr óximas da
por ta da entrada, sendo contudo esta uma caracter ística da maior par te das casas de
Medelim e das terras de Idanha.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
102
Algumas casas com meia f olha de a br ir , a penas no piso térr eo, ser vindo ao comér cio, e
tal está com pr ovado histor icamente.
Um a par elho po br e nos aca bamentos dos chãos e das par edes, que r ealça a f alta de
r egular idade dos ângulos r ectos inexistentes no encontr o destas.
Os tectos baixos a f echar as alcovas com uma escada diminuta e esconsa,
pr ovavelmente so br e estes para guar dar alf aias ou pr odutos da terra, já que o piso térr eo,
tudo leva a cr er , ser para comér cio, ar tes ou ofícios. Par edes inter ior es de taipa, e não de
ti jolo ou ado be, r ematadas com o r ef er ido tecto baixo.
A r ua de desenho r ectilíneo é contudo entr ecor tada pelos r ef er idos balcões, com
avanços dif er entes entr e eles r elativamente ao plano das f achadas conf er indo-lhes um
traçado or gânico, anulando a per s pectiva geométr ica pura que o eixo r ectilíneo definir ia.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
103
Dentr e o con junto das casas - a denominada Casa do Judeu - que no caso em nada se
distingue das r estantes. A po pulação mais idosa, alguns quase centenár ios, só sa be dizer
que desde cr ianças assim chamavam àquela casa, não sa bendo explicar o por quê desta
distinção. Uma coisa é cer ta! Mesmo f r onteira a esta situava-se a Sinagoga, podendo
daqui tirar em-se vár ias ilações.
A pesquisa por nós ef ectuada so br e as casas ou ur banismo judaicos nesta zona raiana,
f oi mor osa e inf r utíf era, tendo vindo a quem consultamos sem pr e a r es posta tão sim ples
quanto esta: Não sa bemos da existência de qualquer caracter ística ar quitectónica
significativa, mas tão somente a necessár ia e justificada integração na tipologia
ar quitectónica existente em cada r egião. Ser iam a penas alf aias móveis, ou a se paração
num sim ples ar már io de cozinha que as distinguiram. Por outr o lado o que alguns
histor iador es denominam de «iconof o bia» leva tam bém a que o bviamente não ha ja
vestígios identificativos, nos cam pos da imaginár ia ou da pintura.
O que é per f eitamente com pr eensível, vista a necessidade de passar em desa per ce bidos,
ou a r esguar dar em-se da inve ja de outr os povos, seguramente mais po br es, por que
menos cultas, mais atr eitas à agr icultura e não ao comér cio, à escr ita ou às ciências.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Sem som bra de dúvidas, pode-se afir mar que a f or mação das cidades, no que tem de
decorr ente do judaísmo, f ace as constantes per seguições e migrações, se traduz em
o bras latentes e raramente emer gentes.
E tam bém que há, nitidamente, uma distor ção, um desconstr utivismo consciente, no
alinhamento das r uas, na constr ução das casas, ver ificável mesmo a par tir do exter ior já
que nos telhados o beirado hor izontal em poucas delas está galgado com a linha de
r emate su per ior da cumeeira. Ou, o «sutamento» sur ge em todos os seus lados, se ja
tam bém nas par edes de meação.
MEDIDAS E PRECAUÇÕES DE SALVAGUAR DA
No Plano de Salvaguar da de Medelim, f oi f eito o inventár io de todas as casas, com
fichas individualizadas, e caracter izados os as pectos ur banos mais r elevantes,
nomeadamente o que r es peita a calcetamentos e ao escamotear das r edes inf ra-
-estr uturais, bem como a manutenção dos traçados e dos locais aonde se pr econiza
dever em ser f eitas escavações ou pesquisas.
Na R ua da Judiar ia, o calcetamento vetusto da calçada à antiga por tuguesa assente so br e
terra batida com barr o, manter -se-á, como todos os seus balcões, soleiras e vãos de
por tais, tentando a penas r e por -se aqueles que por que modificados a descaracter izam.
Alguns balcões ser vem duas casas.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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A inter venção so br e a Casa do Judeu ser á singela, mantendo as suas caracter ísticas
antigas ainda detectáveis e que os documentos f otogr áficos e o pr o jecto melhor
descr evem.
Como atr ás mencionado, as constr uções da r ua da Judiar ia, seguem mimeticamente as
caracter ísticas das outras constr uções, as quais r e pr esentam ainda ho je um acer vo que
ur ge pr eser var pelas suas es pecificidades constr utivas dentr e as quais se destacam:
- Por tais com om br eiras e algumas tor ças a pr esentando sem pr e ar estas «sutadas»,
distinguindo-se das dos cr istãos, estas com ar estas r ectas, e nalguns casos de casar io
mais no br e, com as ar estas arr edondadas típicas da ar quitectura filipina.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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- Pisos térr eos com acesso dir ecto à r ua, se parados do andar , pr ovavelmente ocu pados
para guar da de alf aias agr ícolas e ar mazém da casa ou mesmo gado ovino para os
cr istãos e posto de comér cio para a po pulação judaica.
- Exiguidade dos cadastr os, com constr uções pequenas que venciam a co ber tura com
uma só água descarr egando para a r ua.
-Inexistência de logradour os, o que conf er ia aos povoados uma inter venção
essencialmente ur bana, concentrada e não dis per sa como a do Nor te do País, ou a
su por tada em grandes pr o pr iedades como no Sul, no que as distingue ainda ho je da
tradição decorr ente r es pectivamente do dir eito visigótico ou do dir eito r omano.
No intuito de pr eser var as constr uções da judiar ia e de toda a aldeia, para além de
R egulamento que enquadra o Plano de Salvaguar da, seguem anexos desenhos que de
f or ma sim ples, - o que deve e o que não se deve f azer -, pr etendem esclar ecer os
pr o pr ietár ios e os constr utor es, so br e acções f uturas.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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MEMÓR IAS GRAVADAS NA PEDRA – UM PATR IMÓNIO A CONHECER NO CONCELHO DE TRANCOSO
(CONTR IBUTOS PARA O ESTUDO DA PRESENÇA JUDAICA E CR ISTÃ-NOVA)
Dr . ª Car la Alexandra Santos
A pr esença da comunidade judaica em Trancoso é anter ior ao r einado de D. Pedr o I,
este monar ca concedeu-lhe pela pr imeira vez, a 15 de Setem br o de 1364, judiar ia
a par tada, localizada na rua da metade da …”vila onde sempre tinham vivido”61. No que
se r ef er e à localização dessa r ua, vár ios autor es têm hipóteses dif er enciadas. Uns
def endem a R ua dos Cavaleir os, outr os a R ua Conde de Tavar ede, a R ua da Corr edoura
ou ainda a R ua da Alegr ia.
No entanto lamentavelmente até ho je não existe qualquer documento escr ito que
com pr ove uma das hipóteses sustentadas. A par te da vila menos povoada, e com um
maior númer o de terras em a ber to é a zona das antigas igr e jas de S. Tiago e de S. João
intra-mur os, cr iada com a am pliação das muralhas, f undamentalmente, entr e os séculos
XIII a XIV. A igr e ja de S. João intra-mur os ficou a pelidada, já no r einado de D. Dinis
de S. João de Vila Nova e poster ior mente no de D. João II, pois em car ta r égia de 5 de
Junho de 1486, este r ei legitimou Isa bel, filha de Álvar o Saraiva, a bade de S. João de
Vila Nova de Trancoso e de Leonor Nunes, solteira62. Ora a R ua Dir eita a R ua Emídio
Navarr o, a R ua Dr . Fer nando Vaz ou a R ua da Corr edoura63 dos nossos dias são uma e
mesma R ua. Lo pes Corr eia elucida-nos:
61 Elias Lipiner , Gonçalo Anes Bandarra e os C rist ã os- N ovos, A.P.E.J., Câmara Municipal de Trancoso, 1996, p.29.
62 Joaquim Serr ão, I tiner ários de E l- Rei D. J oã o II , in Academia Por tuguesa de Histór ia, Lis boa, 1975, p.210.
63 Lo pes Corr eia, T rancoso ( N otas para uma M onografia), Câmara Municipal de Trancoso, 1989,pp-89-90.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
109
Poster ior mente na chancelar ia de D. Af onso V, o btemos outra inf or mação acer ca da
pr esença da comunidade judaica em Trancoso. Numa car ta de confir mação de “todallas
graças e previllegios e liberdade” à comuna dos judeus outor gada a 15 de Julho de
1439. A 27 de Novem br o de 1464, Lo po Albuquer que era nomeado “…real da judiaria
de T rancoso, com a feira…” , a fim de o bter os im postos sem a inter venção de oficiais
r égios. A 18 de Janeir o de 1470, o r ei su bstitui o ta belião dos judeus de Trancoso,
por que João Af onso r enunciou às f unções e nomeou o escudeir o Fer nando Álvar es
r esidente na vila de Trancoso64.
Ao longo do século XV a po pulação judaica cr esceu su bstancialmente em Trancoso,
tor nou-se mais numer osa que a comunidade da Guar da65. O mesmo é confir mado pela
necessidade que os judeus tiveram em am pliar a sinagoga, o pedido f oi ef ectuado ao r ei
D. João II a 12 de Dezem br o de 1481, que aceitou mas com a seguinte condição:
“…contanto que a nam façam preceosa, riqua nem sumpetosa sem embargo de
qaaesquer defesas que h y a ja em contra yro…”66 .
O fim da toler ância estava pr óximo, D. Manuel em Dezem br o de 1496, expedia uma
pr ovisão na qual or denava a saída do país de todos os judeus e muçulmanos, não
64 José Mar ques, “R elações de D. Af onso V e D. João II com a Comuna Judaica de Trancoso. Algumas notas”, in S eparata da Revista de C iências Históricas da U niversidade Portucalense I nfante D. Henrique, Por to, 1988, pp.226-236.
65 Adr iano Vasco R odr igues, J udeus e I nquisiçã o na Guarda, Por to, 1980, p.18.
66 Elias Lipiner , I bidem, p.31.
« (…) Esta r ua era chamada R ua Emídio Navarr o e por acór dão municipal de 20 de Janeir o de
1894, passou a chamar -se Fer nando Vaz, não só em homenagem ao eminente Pr of essor de
Dir eito Dr . José Joaquim Fer nandes Vaz, mas tam bém de seu ir mão, pouco antes f alecido, Dr .
Francisco José Fer nandes Vaz, médico e de putado pelo cír culo de Trancoso (…) E cum pr indo
pr estar à memór ia do saudoso extinto e ao nome que ele no bilitou uma consagração ainda mais
solene e ao mesmo tem po r ender pu blicamente um pr eito de homenagem pelos altos mér itos e
elevada qualidades de seu ilustr e ir mão, o Exmo. Sr . Dr . José Joaquim Fer nandes Vaz, a r ua
desta vila onde tem a sua casa de morada que ao pr esente se denomina Emídio Navarr o e
antigamente R ua Dir eita, passe a denominar -se Fer nandes Vaz. (…). À Corr edoura f oi dado
nome de Emídio Navarr o, na sessão de 6 de Outu br o de 1887, em atenção aos grandes
melhoramentos iniciados por este digno Ministr o e ser ele quem a pr ovou a ligação das duas
estradas que tinham ficado às por tas de EL-R ei e do Prado. (…) Esta r ua sof r eu su bstancial
arran jo a par tir , so br etudo, de 1890 (…)».
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
110
escravos e não conver tidos à fé católica. Mas o pior , para os que o ptaram ficar , os
chamados cr istãos-novos, ainda havia de vir ; já no r einado de D. João III, esta beleceu-se
tam bém em Por tugal o Tr ibunal da Santa Inquisição. Esta intoler ância iniciava-se no
século XVI e r umar ia até ao século XIX, muitos f oram per seguidos e mor tos nos vár ios
Autos de Fé que f oram acontecendo ao longo destes séculos67. Entr e eles tam bém
contavam muitos cr istãos-novos naturais e/ou morador es em Trancoso que f oram
julgados pelo mesmo Tr ibunal.
Alguns dos indivíduos a pr esentados de seguida têm a pelidos que ainda ho je podemos
encontrar nesta cidade. A lista seguinte r ef er e-se somente à Inquisição de Lis boa,
menciona os cr istãos-novos, julgados em diver sos Autos de Fé, naturais e/ou morador es
em localidades que per tencem ao actual concelho de Trancoso de 1597 a 176468.
23/02/1597 - Miguel de Sousa69, cr istão-novo, natural de Trancoso e morador Lis boa,
cavaleir o da Or dem de Santiago, acusado de judaísmo e condenado só com adver tência.
16/01/1605 - Brites Lopes70, cr istã-nova, natural de Trancoso e moradora na Guar da,
acusada de judaísmo e condenada (?).
18/11/1659 - Filipa Ferraz71, cr istã-nova, com 69 anos, natural e moradora em
Trancoso, filha de João Fonseca, acusada de judaísmo e condenada a cár cer e para o
Brasil.
18/09/1662 - Luí s Solha72, cr istão-novo, com 35 anos, natural e morador em Trancoso,
filho de Fer não Lo pes da Costa, contratador , acusado de judaísmo e condenado a
cár cer e e ar bítr io com 3 anos para o Brasil.
23/07/1664 - Guiomar Serrana73, cr istã-nova, com 35 anos, natural Trancoso e
moradora Lis boa, acusada de judaísmo e condenada a a b juração em f or ma74.
67 Alexandr e Her culano, História da origem e E stabelecimento da I nquisiçã o em Portugal , Tomo I, pp.180-212.
68 Lista incom pleta. Para um estudo mais a pr of undado convém consultar as listas já pu blicadas nas seguintes o bras: J udeus em Portugal no século X I V e XV da autor ia da Pr of . ª Dr . ª Mar ia José Ferr o Tavar es e N oticias de T rancoso do Dr . Lo pes Corr eia
69 António Joaquim Mor eira, C olecçã o de Listas I mpressas e M annuscritos dos Autos de F é Públicos e Particulares da I nquisiçã o de É vora, C oimbra e Lisboa, Lis boa, 1863, B NL. (r es) COD864. p.43v.
70 I bidem, p.54v.
71 I dem, p.206v.
72 I dem, p.221.
73 I dem, p.219.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
111
04/04/1666 - Diogo Mendes de Castro75, cr istão-novo, com 35 anos, natural de
Trancoso e morador em Lis boa, homem de negócio, acusado de judaísmo e condenado a
cár cer e e ar bítr io com 3 anos para o Brasil.
Bernardo Ferro76, cr istão-novo, com 40 anos, natural da Quinta do Ferr o, (Trancoso)77
e morador no Azevo, Pinhel. Acusado de judaísmo e condenado a cár cer e e há bito
per pétuo78.
Lucrécia R oiz79, cr istã-nova, com 55 anos, natural da Quinta do Ferr o, (Trancoso) e
moradora em Celor ico, mulher de Francisco da Costa, vive da sua f azenda, acusada da
pr imeira a b juração em judaísmo e condenada a cár cer e e ar bítr io com 2 anos para o
Brasil.
11/03/1668 - Duarte R oiz Soares, cr istão-novo, com 59 anos, natural de Trancoso e
morador em Celor ico, mer cador , acusado de ter ceira a b juração em f or ma e condenado a
cár cer e e há bito per pétuo.
31/03/1669 - Isabel R oiz80, cr istã-nova, com 40 anos, natural da Guar da e moradora em
Trancoso, mulher de António Gomes, vive da sua f azenda, acusada de judaísmo e
condenada a cár cer e e ar bítr io com 3 anos para o Brasil.
22/07/1670 - Maria Montova81, cr istã-nova, natural de Trancoso, moradora na Faia
ter mo da Guar da, mulher de João Gomes, pintor , acusada de a b juração em f or ma por
judaísmo e condenada a (?).
10/12/1673 - João Soares82, cr istão-novo, natural Trancoso e morador em Lis boa,
mer cador , acusado de judaísmo e condenado a cár cer e per pétuo.
74 Mar ia Antonieta Gar cia, I nquisiçã o e I ndepend ência – U m motim no F und ã o – 1580, Alma Azul, p.153. Traduz pelo seguinte: A b jurar em f or ma - o penitente conf essa a her esia e jura não voltar a pecar .
75 I dem, p.229.
76 I dem, I bidem.
77 Ainda ho je existe esta quinta, a pesar de há muito não per tencer à f amília Ferr o, a qual deu o to pónimo a esta pr o pr iedade agr ícola que per dur ou até aos nossos dias, ainda que com diver sas r ea bilitações ar quitectónicas ef ectuadas ao longo dos séculos.
78 Mar ia Antonieta Gar cia, o b. cit., p.155. Cár cer e e há bito per pétuo: a pena durar ia 3 anos.
79 I bidem, p.230v.
80 I bidem, p.222v.
81 I dem, p.245v.
82 I dem, p.256.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
112
José Pinho83, cr istão-novo, natural de Cótimos ter mo de Trancoso e morador de Lis boa,
filho de Geor ge Pinho, mer cador , acusado de judaísmo e condenado a cár cer e para o
Brasil.
Leonor R oiz84, cr istã-nova, natural e moradora em Trancoso, filha de Antão Pina
r endeir o, acusada de a b juração leve e condenada com r e pr eensão.
Maria da Fonseca85, cr istã-nova, natural e moradora em Trancoso, mulher de Nuno May (?),
acusada de judaísmo, convicta, condenada a cár cer e e r elaxada em estátua86.
Maria da Fonseca87, cr istã-nova, com 54 anos, natural e moradora em Trancoso,
mulher de Nuno Álvar es Per eira, mer cador em Trancoso, acusada de judaísmo,
condenada a cár cer e e r elaxada em estátua.
12/09/1706 - Isabel Mendez Furtado88, cr istã-nova, com 25 anos, natural de Trancoso
e moradora em Lis boa, filha de Pedr o Fur tado, homem de negócio, acusada de judaísmo
e condenada a cár cer e de há bito per pétuo sem r emissão com insígnias de f ogo89.
Pedro Furtado90, cr istão-novo, com 60 anos, natural Trancoso e morador em Lis boa,
pai de Isa bel Mendez Fur tado, homem de negócio, acusado de judaísmo e condenado a
cár cer e de há bito per pétuo sem r emissão com 5 anos para o Brasil.
06/11/1707 - Diogo Mendez Sola91, cr istão-novo, com 36 anos, natural de Trancoso e
morador em Lamego. Assistente em Lis boa, ca pitão de cavalos, acusado de judaísmo e
condenado a cár cer e de há bito per pétuo.
Isabel Mendez Furtado92, cr istã-nova, com 42 anos, natural de Toledo, moradora em
Trancoso. Assistente em Lis boa, casada com Manuel Pinheir o Ferr o, acusada judaísmo
e condenada a cár cer e de há bito per pétuo.
83 I dem.
84 I dem, p.257.
85 I dem, p.258.
86 Mar ia Antonieta, o b.,cit., p.151. R elaxada em estátua: julgada e condenada à r evelia, e as imagens queimadas na f ogueira.
87António Joaquim, Ibidem, p.259. Existem duas mulher es com o mesmo nome, mas constam na lista dif er enciadas, como aqui descr evemos.
88 I dem, p.367.
89 Mar ia Antonieta, Ibidem, p.155. Insígnias de f ogo: chamas pintadas nos há bitos dos r éus condenados àmor te e que não eram queimados por ef ectuar em confissões a pós a sentença.
90 I dem, p.366.
91 I dem, p.369v.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
113
30/07/1709 - Francisco Mendez de Castro93, cr istão-novo, com 54 anos, natural de
Trancoso e morador em Lis boa. Homem de negócio, acusado de judaísmo e condenado
a cár cer e per pétuo sem r emissão com insígnias de f ogo e 5 anos para as galés.
Maria R ibeiro94, cr istã-nova, com 71 anos, natural e moradora nos Vilar es (Trancoso).
Acusada de f azer curas, usando de palavras su per sticiosas e per petuação de ter pacto
com o dia bo, f oi condenada a 3 anos para a cidade de Évora.
06/07/1711 - Heitor Mendez Furtado95, cr istão-novo, com 25 anos, natural e morador
em Trancoso, filho de Pedr o Fur tado, estanqueir o. Acusado de pr imeira a b juração em
f or ma de judaísmo e condenado a cár cer e e ar bítr io com há bito per pétuo.
Miguel Telles da Costa96, cr istão-novo, com 57 anos, natural de Trancoso, r esidente
em Vila de Molas (R io de Janeir o), e filho de Diogo Mendez Castr o tam bém acusado
nesta lista. É ca pitão-mor de Parati, f oi acusado pela quinta a b juração em f or ma de
judaísmo e condenado a cár cer e com há bito per pétuo.
10/03/1725 - Brites Henriques97, cr istã-nova, com 45 anos, natural de Trancoso e
r esidente em Penamacor , mulher de Henr iques Nunes, tam bém vai na lista dois meses
de pois, am bos f oram acusados de judaísmo. Condenada a (?).
07/05/1725 - Henrique Nunes98, cr istão-novo, com 50 anos, natural e r esidente em
Penamacor , mar ido de Br ites Henr iques, tratante, acusado de judaísmo e condenado a
(?).
10/03/1727 - Duarte R odrigues da Fonseca99, cr istão-novo, com 22 anos, natural do
R io de Janeir o, r esidente em Trancoso (Por tugal), sem ofício, acusado judaísmo e
condenado a (?).
21/07/1727 - Leonor Gomes Henriques100, cr istã-nova, com 32 anos, natural e
r esidente Guar da.
92 I dem, p.371.
93 I dem, p.376v.
94 I dem, p.377.
95 I dem, p.381v.
96 I dem, p.382v.
97 I dem, p.426.
98 I dem.
99 I dem, p.434v.
100 I dem.
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114
25/07/1727 - Gaspar Furtado Ferro101, cr istão-novo, com 34 anos, natural de
Trancoso e r esidente na Guar da é administrador de ta baco, f oi acusado de judaísmo e
condenado à pr isão.
07/02/1728 - Guiomar da Costa102, cr istão-novo, com 15 anos, natural e r esidente em
Trancoso, filha de Fer nando Lo pes da Costa, que era advogado e tam bém natural da
mesma vila. Acusada de judaísmo e condenada a a b juração em f or ma.
16/10/1729 - Matheus Gueterrez Pacheco103, cr istão-novo, com 59 anos, natural e
r esidente em Trancoso, mer cador . Acusado de judaísmo e condenado a cár cer e per pétuo
para f ora do r eino.
17/06/1731 - Duarte Navarro104, cr istão-novo, natural de Guimar ães e r esidente em
Trancoso, vive da sua f azenda (f azendeir o), acusado novamente por judaísmo, por que
tinha sido r econciliado por culpas de judaísmo na Inquisição de Coim bra a 25/09/1683,
agora f oi pr eso segunda vez pelas mesmas culpas. Foi condenado a cár cer e per pétuo e 5
anos para Castr o Mar im.
Maria de Sousa105, cr istã-nova, natural e r esidente em de Trancoso, casada com
Caetano Tavar es que era f azendeir o. Foi acusada de f eitiçar ia e condenada a cár cer e e
há bito per pétuo sem r emissão e 5 anos para S. Tomé.
06/07/1735 - Diogo Trancoso106, cr istão-novo, com 40 anos, natural da Galiza,
r esidente em Trancoso, era filho de Diogo Trancoso. Foi sar gento da Ganadar ia,
acusado de judaísmo e condenado a a b juração107.
24/07/1735 - José Tavares de Sousa108, cr istão-novo, com 39 anos, natural do Terr enho
(Mor eira de R ei)109, r esidente em Lis boa. Filho de Manuel Gonçalves que era sa pateir o.
101 I dem, p.435. Mulher de Gas par Fur tado Ferr o tam bém f oi acusada de judaísmo e condenada à pr isão.
102 I dem, p.435v.
103 I dem, p.441v.
104 I dem, p.444.
105 I dem, p445.
106 I dem, p.456v.
107 R enunciar à cr ença judaica.
108 I dem, p.456v.
109 Nesta altura a povoação de Terr enho per tencia à vila de Mor eira de R ei, esta última só vir ia a per tencer ao concelho de Trancoso a pós 1855.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
115
Foi acusado da segunda a b juração em f or ma110 de judaísmo, era ta ber neir o e f oi
condenado a cár cer e.
01/09/1737 - Josef a Correia111, cr istão-novo, com 57 anos, natural de Trancoso e
r esidente na Guar da, solteira, filha de Manuel Bor ges, f errador . Foi acusada de judaísmo
e condenada a cár cer e e há bito per pétuo.
16/10/1746 - Pedro Furtado Ferro112, cr istão-novo, com 58 anos natural de Trancoso e
r esidente na Guar da era advogado. Acusado da segunda a b juração em f or ma de
judaísmo e condenado a cár cer e e ar bítr io com há bito que se tirar á no auto.
Manuel Pinheiro Ferro113, cr istão-novo, com 33anos, natural e r esidente na Guar da era
filho de Pedr o Fur tado Ferr o que vai nesta lista e era natural de Trancoso. Era homem
de negócio, f oi acusado da segunda a b juração em f or ma de judaísmo e condenado a
cár cer e e ar bítr io com há bito que se tirar á no auto.
Maria Clara114, cr istã-nova, com 30 anos, natural da Torr e do Terr enho (Mor eira de
R ei)115 e r esidente em Monsanto. Casada com Henr ique Nunes de Paiva, homem de
negócio. Acusada pela segunda a b juração em f or ma de judaísmo e condenada a cár cer e
per pétuo.
Henrique Nunes de Paiva116, cr istão-novo, com 37 anos, natural e r esidente em
Monsanto, casado com Mar ia Clara117. Era tratante f oi acusado de judaísmo e
condenado à f or ma de r elaxado em car ne.
27/08/1758 - Gaspar Francisco Soares118, cr istão-novo, natural de Trancoso e
r esidente em Sintra, filho de Duar te Lo pes Ca br eira. Era médico tal como o pai, f oi
acusado de a b juração em f or ma de judaísmo e condenado a cár cer e per pétuo.
110 Mar ia Antonieta, Ibidem. Conf essou a her esia e jura não voltar a pecar .
111 I dem, p.460.
112 I dem, p.505.
113 I dem, p.505v.
114 I dem, p.506v.
115 Ver nota nº35.
116 I dem, p.506v.
117 Ler texto r ef er ente à nota nº39.
118 I dem, p.532.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
116
Joana Pereira119, cr istã-nova, solteira, com 51 anos, natural de Trancoso e r esidente em
Sintra era filha de Ga br iel Lo pes Ca br eira120, que f oi dentista. Acusada de a b juração em
f or ma de judaísmo e condenada a cár cer e per pétuo.
04/02/1764 - R odrigo Lopes Pereira121, cr istão-novo, com 68 anos, natural e r esidente
em Trancoso, casado com Br ites Ter esa. Era homem de negócio, f oi acusado de
judaísmo e condenado a a b juração em f or ma.
Perante esta lista de cr istãos-novos r esidentes e/ou naturais de Trancoso, podemos r eter
alguma inf or mação acer ca das suas pr ofissões. Os homens de negócio, os f azendeir os e
mer cador es são os mais r e pr esentativos, existem em menor númer o, os médicos, os
tratantes, os f errador es, os sa pateir os entr e outr os. Assim podemos concluir perante as
pessoas aqui r ef er idas que a grande maior ia delas viviam das suas terras, dos negócios,
dos seus r endimentos, e dos pr odutos que comer cializavam estes últimos, os
mer cador es, a judaram a desenvolver em Trancoso a f eira que com caracter ísticas
dif er entes per dura até aos nossos dias.
A documentação escr ita, não é a penas a única inf or mação que podemos r ecolher acer ca
do patr imónio judaico por tuguês. «(…) A s judiarias, as sinagogas e as l á pides
funer árias judaicas, constituem outros aspectos do património material judaico(…)»,
bem como as mar cas mágico-r eligiosas que se identificam em muitos imóveis das
antigas judiar ias por tuguesas122. « A s marcas de simbologia religiosa judaica e crist ã
sã o identificadas por cinco grupos: as marcas nas «mezuzot», ou se ja ombreiras de
porta, as quais resultam da tradiçã o judaica de marcar nas portas das casas ou
sinagogas o testemunho da fé monoteísta no Deus único de I srael ; as cruzes crist ã s; as
abreviaturas católicas; as marcas longitudinais123; e as gravações de «menorot», ou
119 I dem, p.532.
120 Pr ovavelmente ir mão de Duar te Lo pes Ca br eira que f oi médico, tam bém mencionado nesta lista.
121 I dem, p.546.
122 Car men Balester os e Car la A. Santos, “As pectos da Ar queologia Judaica em Trancoso”, in Actas Beira I nterior História e Património, Guar da, 2000, p.331.
123 Car men Balester os, “Mar cas de sim bologia R eligiosa Judaica e Cr istã – para um levantamento pr évio em povoações da raia por tuguesa e es panhola. Callipole”, in Revista C ultural , nº3/4, 1995-6, pp19-26.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
117
se ja candelabros judaicos124» (…). A inexistência de documentos escr itos que
confir mem os autor es de tais mar cas tem tecido alguns conflitos, no entanto, estes
sím bolos, estão pr esentes em cer ca de 90%, do es paço geogr áfico corr es pondente às
antigas judiar ias Por tuguesas, em r elação ao r estante equivalente a cada Centr o
Histór ico das vilas ou cidades deste país. E na sua f or ma nada têm de idêntico às siglas
ou mar cas de canteir o existentes nos var iadíssimos monumentos militar es, r eligiosos e
civis125. «(…)S er ã o estas resultantes de um puro acto de fé por parte dos crist ã os –
velhos ou novos ou reflectir ã o antes uma necessidade de defesa por parte dos crist ã os –
novos, gravando essencialmente cruciformes nas ombreiras das portas para afirmarem
a sua adesã o ao novo credo religioso126»(...).O Centr o Histór ico de Trancoso é aquele
que em toda a Beira Inter ior de Por tugal, contém até ao momento, o maior númer o de
mar cas mágico-r eligiosas cento e dezassete, distr ibuídas f undamentalmente na par te
Este do aglomerado ur bano.
No que se r ef er e à ar tér ia da vila r eser vada como r ua da Judiar ia a nossa investigação
inclina-se, para a R ua da Alegr ia. « (…) Parece-nos ser esta a rua da metade da vila,
quer no que se refere à da localizaçã o da antiga cerca amuralhada, quer da ligaçã o
ainda ho je visível, entre as Portas do Prado e a Rua da Alegria» 127(…). Acr escem as
nossas cer tezas, pelo f acto desta ser a ar tér ia da vila que contem o maior númer o (27) de
mar cas mágico-r eligiosas. E tam bém por que no imóvel nº11 existem as seguintes
gravações: 10 cr uzes, 1 f ragmento de candela br o e 1 peixe sím bolo do cr istianismo e da
pr ofissão dos pr imeir os seguidor es de Cr isto. Não é demais lem brar que a palavra
” peixe”, no gr ego antigo se escr evia ICQUS (ik thus), da qual encontramos ainda ho je
mar cas em alguns dos nossos es paços r eligiosos, através das suas pr imeiras letras, ou
se ja o I (esus) X (r isto) so br e posto.
124 Car men Balester os e Car la A. Santos, “Ar queologia Judaica no Concelho de Trancoso (novos elementos) ”, in C adernos de E studos S efarditas, Univer sidade de Lis boa, n4, 2003, pp.9-40.
125 Convém consultar os ar tigos do Dr . Moutinho Bor ges acer ca destas siglas.
126 I dem, I bidem, p.334.
127 I bidem, p.18.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
118
Ainda neste imóvel e segundo a tradição oral se praticou culto judaico, o levantamento
to pogr áfico dos es paços indicados para o culto, coincidem com as plantas das sinagogas
de Évora, Tomar e Valência de Alcântara128.
O patr imónio judaico mater ial e por vezes associado ao imater ial, não existe somente
em Trancoso mas tam bém noutras f r eguesias do concelho, pr incipalmente: Cótimos,
Mor eira de R ei, Valdu jo, Torr e do Terr enho, Cogula, Car nicães, Palhais, Fr eches,
Venda do Cê po, R ibeira do Fr eixo, Vila Franca das Naves, Tamanhos e Feital entr e
outras, segundo a nossa investigação. De seguida a pr esentamos alguns exem plos de
mar cas mágico-r eligiosas existentes nalguns imóveis do Centr o Histór ico de Trancoso e
nas r estantes localidades do concelho.
«Mer orah» (candela br o de 7 braços), r e pr esentado na sua metade, localizado na R ua da Estr ela129.
Cr ucif or me decorado com as extr emidades que poder á ser o pr imeir o car ácter he braico da palavra DEUS
= S H ́ DA I , R ua da Estr ela130.
128 I dem, I bidem, pp.9-40.
129 I bidem, p.20.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
119
Na Fr eguesia de Fr eches o imóvel nº10A, na R ua Chão da Calçada é um dos que tam bém contém mar cas
cr ucif or mes.
Na localidade da Venda do Cê po, nesta om br eira dir eita de um imóvel podemos o bser var duas mar cas
cr ucif or mes.
130 I dem, p.21.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
120
Em Vila Franca das Naves, na om br eira dir eita deste imóvel o bser vam-se duas mar cas cr ucif or mes.
Na f r eguesia dos Car nicães, num lintel a inscr ição IHS= Jesus, com uma mar ca cr ucif or me, um motivo
floral e a data de 1687.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
121
0 2 cm4
No Terr enho na R ua da Carr eira encontramos aquilo que nos par ece ser uma menorah, ou se ja um
candela br o131.
Em Mor eira de R ei, no imóvel nº68 da R ua da Praça, uma mar ca cr ucif or me acom panhada da data 1776.
A planta r ef er ente ao Centr o Histór ico de Trancoso, e os quadr os seguintes r ef er entes ao
inventár io das mar cas mágico-r eligiosas distr ibuídas nos imóveis assinalados, bem
como datas, anagramas e outr os sím bolos vêm acr escentar um maior númer o de
inf or mação, no que diz r es peito ao patr imónio mater ial judaico r elativamente a
pu blicações anter ior es132.
131 I bidem, p.34.
132 Car men Balester os e Car la A. Santos, “As pectos da Ar queologia Judaica em Trancoso”, in Actas Beira I nterior História e Património, Guar da, 2000; Car la A. Santos, Car la Sofia e Car men Ballester os,
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
122
“Terr enos da Ar queologia da Península Ibér ica”, in M arcas de S imbologia Religiosa J udaica e C rist ã ou C rist ã -nova nos N úcleos U rbanos Antigos de E stremoz e de T rancoso, Por to, 2000, pp.218-225.
A c t a s
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1 3 3
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2
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3
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4
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1 3 3
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B o m =
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“
“
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O m b r e i r a
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3
-
3
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1 8
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2
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“
3
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1 2 6
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9
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1
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1
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1
-
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l i g a
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m a
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7
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1
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G o n ç a l o
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3
O m b r e i r a
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1
1
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2
O m b r e i r a
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3
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-
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G r a v a ç ã o
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1
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1
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O m b r e i r a
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1 2 7
“
3 0
O m b r e i r a
e s q u e r
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1
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N a
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c r u c i f o r m e é i n v e r t i d a
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R e s i d ê n c i a
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e s t u d
a n t e s
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P .
F a c h a
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4
1
2 « I H
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I n c l u i u m a
e s t r e l a
d e c i n c o
p o n t a s n u m c í r c u l o
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P r a ç a
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D i n i s
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O m b r e i r a
d i r e i t a
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o m b r e i r a
d i r e i t a
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p o r
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2
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A g r a v a ç ã o
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O S d e v e r i a
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l e t r a s
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c o m c i m e n t o
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R
F r e i
J o ã o
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L u c e n a
9 A
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o m b r e i r a
q u e s e r v e a s
d u a s
p o r
t a s
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2
1
-
-
M e t a
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d e u m c a n
d e l a b r o
A g r a v a ç ã o
d o c a
n d e l a b r o é
d e f i c i e n t e e a
c r u z r a z o á v e l ,
p o r
i s s o a
p a r e c e r e m a s
d u a s
l e t r a s
n o c a
m p o
s e g u
i n t e .
R / D
“
9
O m b r e i r a
e s q u e r
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e s q u
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o m b r e i r a
d i r e i t a
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1
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A g r a v a ç ã o
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“
1 0
O m b r e i r a
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d i r e i t a
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2
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-
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4
E s
f i n g e s
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, 1 p e l i c a n o
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l e ã o d
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o m b r e i r a
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c i m o
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e s t r e i t a
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4
4
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-
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O m b r e i r a
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i n t e r n a
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2 0
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B i b l i o g r a
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B e i r a
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C o n c e l h o
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r a n c o s o
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s
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I n q u i s
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1 9 8 0
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d e H i s t ó r i a
, L i s b
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, 1 9 7 5
, p . 2 1 0 .
C o l a b o r a r a m
n e s t e t r a b a l h o c o m i m
a g e n s , p
l a n t a s
e l e
v a n t a
m e n t o s o s s e g u i n t e s t é
c n i c o s :
C a r l o s A n d r a d
e ,
A n t ó n i o R a m a l h o , E l í s i o G a s p a r , I s a b e
l F e r n a n d
e s , R u i
S a n t a n a , S o f i a A g u i a r
e P a u l a M o n t e i r o . E s t a ú l t i m a t é
c n i c a t a
m b é m f o i
c o - a u t o r a n a a p r e s e n t a ç ã o d a c o m u n i c a ç ã o p r o f e r i d a n a s J o r n a d a s E u r o p e
i a s d o
P a t r i m
ó n i o J u d a i c o d a B e
i r a I n t e r i o r , a 1 3 d
e J u n h o d
e 2 0 0 5
.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
131
OS JUDEUS DE TRANCOSO: ENTR E A LEI DE MOISÉS E O BAPTISMO
Pr of . ª Doutora Mar ia José Ferr o Tavar es
1. Intr odução
Se pr ocurar mos a memór ia dos judeus por tugueses, ver if icamos que ela per dur ou até
aos nossos dias no inter ior beir ão e transmontano no r omanceir o po pular e em tradições
r eligiosas, onde o judaísmo se cr uzava com o cr istianismo imposto. A bade de Baçal,
Leite de Vasconcelos134, Amílcar Paulo135, Samuel Schwar z136, e, mais r ecentemente,
David Canelo137 ou Mar ia Antonieta Gar cia138 f izeram-se eco de uma memór ia
etnológica, ainda viva – em bora infelizmente em vias de extinção - que pr ocuraram
completar com o conhecimento histór ico, por vezes, pr esente numa ou noutra rara
inscr ição em pedra, como a que Samuel Schwar z r elacionou com uma pouco pr ovável
sinagoga em Belmonte no século XIII, ou a mais r ecente inscr ição de uma sinagoga em
Gouveia, em vés peras da expulsão.
Amílcar Paulo escr evia, em meados do século XX, o seguinte: “N a Beira, há ainda
povoados que vivem em usos de sinagoga e o mesmo acontece em muitas povoações
raianas de T r á s-os-M ontes. C hamam-se a si mesmos “ gente de naçã o” e cr êem-se, em
verdade, um povo à parte, mas já nã o t êm a noçã o de que povo é esse.
Para os seus ritos, dum judaísmo oculto e tímido, usam reunir-se em casa uns dos
outros. E , nessas reuniões, sã o principalmente as mulheres que recitam, por tradiçã o
oral, rezas e salmos de acentuada origem hebraica”139 .
134 J. Leite de Vasconcelos, E tnografia Portuguesa, Impr ensa Nacional-Casa da Moeda, vol. IV.
135 Amílcar Paulo, O s judeus secretos em Portugal , ed. La bir into, 1985
136 Samuel Schwar z, O s crist ã os novos em Portugal no século XX , UNL, Lis boa, s/d.
137 David Canelo, O s últimos judeus secretos, Jor nal de Belmonte, 1985; I dem, O s últimos C ripto judeusem Portugal , Belmonte, 1987.
138 Mar ia Antonieta Gar cia, O s J udeus de Belmonte. O s caminhos da memória, UNL, s/d
139 Amílcar Paulo, o b. cit., p. 26
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
132
Belmonte, Pinhel, Covilhã, Fundão f oram lugar es, na Beira, onde estes autor es
coligiram orações e r itos de or igem judaica que, em pleno século XX, ainda se
mantinham vivos. No entanto, se cote jar mos os es paços desta memór ia r ecente,
ver if icamos que nem sempr e eles coincidem com a inf or mação documental, sendo
f or çoso que r emetamos a sua so br evivência para uma pr esença tar dia, pr ovavelmente,
mais cr istã nova por que pr óxima dos últimos tempos da pr esença judaica em Por tugal.
Não temos qualquer dúvida em af ir mar que a pr esença dos seguidor es da Lei de Moisés
por estas paragens é antiga e r emonta, pelo menos, à outor ga dos foros e costumes a
alguns destes terr itór ios pelos r eis de Por tugal, em bora alguns destes foros per tençam ao
domínio leonês, como acontece em Castelo R odr igo que, tal como os de Castelo Melhor
e de Castelo Bom, estão datados de 1209. Neles se mencionavam as multas que
incidiam so br e todo aquele que fer isse um judeu, as quais oscilavam entr e 2 e 4
mora bitinos de our o, sendo os testemunhos a pr esentados com testemunhas cr istãs e
judias. Os foros de Alf aiates e de Castelo Melhor legislavam so br e o empr éstimo a jur o,
feito por judeus140.
Se estes f or os, pelo f acto de ter em uma or igem leonesa, poder ão não compr ovar uma tão
r emota pr esença judaica em terr itór io por tuguês, podemos, no entanto, af ir mar sem
r eser vas que, pelo menos, desde D. Af onso III os encontramos na Guar da. De f acto os
f or os deste concelho mencionavam a existência de judeus e transcr eviam a legislação do
Bolonhês contra a usura e o empr éstimo judaicos. Das inquir ições do mesmo so berano
se extrai que nos foros dos ter mos de Gar dão havia uma “Póvoa de judeus”, da qual se
per deu a memór ia, excepto a do to pónimo141.
Per tencem a D. Dinis as mais antigas minutas de car tas de conf ir mação de pr ivilégios a
comunas de judeus do r eino, entr e as quais as das comunidades de Castelo R odr igo,
Sa bugal, Monf or te e Guar da. Esta última r esidia num es paço do município que era
pr o pr iedade do r ei e, por isso, possuímos inf or mações a bundantes so br e a comuna da
140 Portvgaliae M onvmenta Histórica, Leges et C onsvetvdines, vol. I, pp. 865, 911 e 789, r es pectivamente; For tunato de Almeida, História da I gre ja em Portugal , 2ª ed., Por tucalense Editora, Por to, vol. I, pp. 207 e 209; Mar ia José Ferr o Tavar es, O s J udeus em Portugal no século X I V , Guimar ães ed., Lis boa, 2ª ed., 1999 (1 ª ed. IAC, Lis boa, 1970, p. 15), p. 16.
141 “For os da Guar da”, in Livros I néditos de História Portugueza, Lis boa, Impr ensa Nacional, 1926, tº V, pp. 433 e 448; For tunato de Almeida, o b. cit., p. 206, nota 6.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
133
Guar da, a sua localização e os seus ha bitantes142. A judiar ia pr inci piava pr óximo da
por ta d’el-r ei e ter minava junto ao adr o da igr e ja de S. Vicente, tal como ainda ho je
per siste na memór ia to ponímica da cidade. De 1316, data a mais antiga r efer ência à
chancelaria do arrabiado da Beira, que valia para a cor oa 100 libras por ano. Nele
eram mencionadas as 80 libras anuais que os judeus de Castelo R odr igo pagavam ao r ei
de peita r eal, enquanto os de Monf or te eram colectados em 40143.
2. A comuna de Trancoso e a sua judar ia ou judiar ia
Com existência documentada em meados do século XIV, encontramos a comuna de
Trancoso, que nos sur ge mencionada nas car tas r égias de D. Pedr o I com alguma
notor iedade, o que nos f az pensar que a sua or igem se ja anter ior , tanto mais que o r ei
af ir ma pr ecisamente que a judiar ia se r eduz a uma r ua “em que sempre viverom que he
na metade da dicta villa”144. De f acto, a sua existência e impor tância a par ecem
dir ectamente associadas à feira f ranca da vila, a qual f oi cr iada por D. Af onso III, pelo
que a podemos su por contempor ânea na or igem das acima mencionadas. Sa bemos que a
ainda ho je conhecida feira de S. Bar tolomeu durava cer ca de tr ês semanas, quinze dias
de feira e oito dias antes para a chegada e acolhimento dos mer cador es. Com D. Dinis, o
concelho o bteve a per missão para ter feiras mensais, no início da quar ta semana de cada
mês, a qual tinha a duração de tr ês dias145.
A sua impor tância para a r egião esteve bem patente na documentação desta centúr ia e
da seguinte. Vir gínia R au escr eveu a este r es peito: “A sua influência nas relações
económicas da regiã o fez-se sentir numa área bastante grande. E ra nela que o cabido
da S é de V iseu conseguia arrendar mais vanta josamente as suas propriedades, e que
142 Mar ia José Ferr o, o b. cit., ed. 1970, pp. 20 e 26; Mar ia José Ferr o Tavar es, “Judeus e Cr istãos- Novos:o ante e pós- ba ptismo nas terras de R iba Côa e arr edor es”, in O T ratado de Alcanices e a import ânciahistórica das T erras de Riba Côa, Univer sidade Católica ed., Lis boa, 1998, pp. 271-272; R ita Costa Gomes, A Guarda medieval : 1200-1500, Cader nos da R evista de Histór ia Económica e Social, eds. Sá da Costa, Lis boa, 1987, pp. 54-58.
143 Mar ia José Ferr o, o b. cit., pp. 156-160.
144 C hancelarias Portuguesas. D. Pedro I , Centr o de Estudos Histór icos, I NIC, Lis boa, 1984, p. 457;Mar ia José Ferr o, o b. cit., p. 27.
145 Vir gínia R au, F eiras medievais portuguesas. S ubsídios para o seu estudo, ed. Pr esença, 1983, 2ª ed. pp. 85-86.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
134
C astelo Branco vendia os gados da sua criaçã o, factos que demonstram a amplitude da
esfera de acçã o desse centro de traficância, nos fins do século X I V e princípios do
século X V” 146.
Ora, esta actividade económica era motivo de deslocação de pessoas gradas, leigas e
cler icais, ao concelho e motor de desenvolvimento de Trancoso e do seu ter mo. Por
isso, não podemos estranhar que ela estivesse dir ectamente r elacionada com a pr esença
da comunidade judaica, que, na segunda metade da centúr ia de Tr ezentos147, tinha a sua
judiar ia localizada intra-mur os e por ventura numa das zonas mais impor tantes do
es paço munici pal, a da maior pr oximidade com o chão da feira.
A 15 de Setem br o de 1364, a comuna, alegando que o bteve r ecentemente judar ia
a par tada, solicitava e o btinha a isenção do dir eito de a posentador ia a no br es, of iciais
r égios e a outras dignidades que visitassem o concelho. No entanto, este r ecusava-se a
cumpr ir a car ta de pr ivilégio outor gada pelo so berano e continuava a exigir -lhes o
dir eito, incluindo a ocu pação de suas casas. Queixavam-se os judeus de que no tempo
da feira os corr egedor es e os seus of iciais se instalavam nas suas casas, f azendo-lhes
per der o ganho com o aluguer de suas casas aos mer cador es e visitantes que se
deslocavam à feira, o qual era naquela altura igual ao que r etiravam no r esto do ano.
Atento ao agravo da comuna que, o bviamente, se r eper cutia nos impostos que r ece bia,
D. Pedr o I ratif icava a anter ior car ta de pr ivilégio, estendendo a isenção aos inf antes e
seus of iciais, aos corr egedor es e outr os of iciais da justiça, assim como a quaisquer
poder osos148.
No entanto, a 1 de Fever eir o do ano seguinte, o monar ca r evogava o pr ivilégio
concedido à comuna dos judeus. Se a bstrair mos na car ta de pr ivilégio ao concelho de
Trancoso, datada deste dia e ano, uma cer ta r ivalidade, podemos anotar o seguinte:
a) Trancoso possuía uma comuna com ra bi, entidade com quem os juízes do
concelho dialogavam para o cumpr imento do dir eito da a posentador ia;
146 Vir gínia R au, o b. cit., pp. 86-87.
147 Não nos podemos esquecer que a muralha de Trancoso ter ia sido iniciada no século XIV, talvez no r einado de D. Dinis ou de D. Af onso IV.
148 C hancelaria de D. Pedro I , pp. 433-434; Mar ia José Ferr o, o b. cit., pp. 203-204.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
135
b) A judar ia era uma r ua que f icava na “metade da dicta villa” e f ora-lhes dada
r ecentemente como judar ia a par tada;
c) Os judeus eram “muitos” e “muito r icos”.
Nas entr elinhas, podemos ver que os agravos do concelho contra a comuna assentavam
no f acto de esta, alegando ter judiar ia a par tada, ter benef iciado da isenção de
a posentador ia, o que o bviamente ia pr e judicar a comunidade cr istã so br e a qual passara
a r ecair a totalidade da a posentador ia. Cur iosamente, a irr itação de D. Pedr o I, ao
r evogar a car ta de graça dada aos judeus da vila, r esidia no f acto de ter havido um
acor do pr évio entr e o concelho e a comuna, acor do que f ora escondido, voluntar iamente
ou não, pelos r epr esentantes dos judeus, e que muito pr ovavelmente se baseava no
seguinte: os judeus continuavam a r esidir na r ua onde sempr e tinham ha bitado, r ua que
per tencia ao concelho e onde eles viver iam misturados com os cr istãos, no início. Para
não ser em desalo jados dessa r ua, os judeus ter iam aceite f icar com o encar go da
a posentador ia, passando a r ua a ser “judar ia a par tada agora novamente”, ou se ja, havia
pouco tempo149.
É pr ovável que toda a r iqueza que a comunidade r etirava do aluguer das casas aos
mer cador es e visitantes tenha diminuído com as r estr ições ao r elacionamento entr e
cr istãos e judeus, imposto pelos pr imeir os r eis de Avis, pois o concelho queixava-se a
D. João I, em 1407, que a no br eza pr ocurava a a posentador ia nas aldeias dos arr edor es
com pr e juízo do município, que não alugava as suas casas, e dos morador es destas que
viam as searas e as vinhas destr uídas. Ainda em 1459, a feira era bastante f r equentada,
a pesar de o concelho nas cor tes f alar de decadência. Dos sete ca pítulos das cor tes de
Lis boa deste ano, seis r elacionavam-se com a feira, o que mostra a impacto que esta
tinha na economia do concelho. Nos agravos, associavam a decadência da feira aos
arr endamentos das sisas, não indicando se os r endeir os eram judeus se cr istãos150, os
quais cometiam o pr essões e agravos so br e os mer cador es. Noutr o ar tigo, queixavam-se
149 C hancelaria de D. Pedro I , p. 457. “ E que ora quando eu fu y em essa comarca os dictos judeusvieram a m jm dizer que o concelho lhe dera judaria apartada agora nouamente pella qual razam lhes eude y m jnha carta de graça per que lhes nom tomasem roupa nem galinhas nem pousasem com ellesC alando em ello os dictos judeus a uerdade da dicta razam porque a elles fo y dada por judaria a Rua emque sempre viuerom que he na metade da dicta villa…”.
150 Aliás, em 1454, os r endeir os da sisa eram dois judeus, Jaco b Castelão e Jaco b Soleima, e um cr istão, Álvar o Mar tins da Covilhã (Vir gínia R au, o b. cit, p. 89)
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
136
da mudança do local da feira e da exposição das mer cador ias, a que atr ibuíam o
desinter esse de alguns mer cador es pela feira de Trancoso. De f acto, a feira, que devia
r ealizar -se à por ta da vila e intra-mur os, era pr e judicada pela ausência de um bom
r egimento para a a posentador ia de todos quantos a ela se dir igiam. Talvez, por isso, ela
f ora mudada para Alver ca151.
Por esta altura, as comunidades judaicas de Trancoso e da Guar da a pr esentavam uma
r ivalidade, que r esidia no f acto de esta última ser ca beça do almoxar if ado da Beira e
dela par tir a r epar tição dos impostos pelas demais comunas da r egião. Mais antiga e
localizada numa sede de bis pado, a comuna da Guar da, decadente em meados de
Quatr ocentos, continuava a deter o poder de eleger entr e os seus mem br os o r epar tidor
dos impostos, agr egando a este um r epr esentante de outra comunidade do mesmo
almoxar if ado. Os dois of iciais deter minavam em con junto quanto ca bia na glo balidade e
per capita a cada agr egado po pulacional, sem pr eviamente o ouvir em. Contra este f acto
insur giram-se os judeus de Trancoso, em plena pu jança económica, que pediram e
o btiveram de D. Af onso V a per missão para um seu pr ocurador estar pr esente na
r efer ida r epar tição152.
Aliás, consultando o Dicionário Geogr á fico, podemos ler o que o a bade de Nossa
Senhora da Fr esta escr evia, em 1732, so br e a existência de tr ês feiras em Trancoso: a
feira de S. Bar tolomeu, ou feira f ranca, no chão junto à por ta d’el-r ei, estendendo-se por
toda a Corr edoura e terr eir o da igr e ja de S. João, a mais antiga e que nos inter essa, neste
momento, a de Sta. Luzia e a feira junto a Nossa Senhora da Fr esta153.
Para além da feira f ranca e da feira mensal, Trancoso tinha ainda o mer cado semanal
que vinha a per der f r equentador es, devido aos mer cados mensais r ealizados em
concelhos pr óximos como em Celor ico, Aguiar da Beira, Pinhel, Guar da, etc. É nesta
r elação de Trancoso com a sua feira ou feiras que devemos entender o cr escimento da
151 Vir gínia R au, o b. cit., pp. 89-90. Os agravos mencionavam a feira mudada “ per aluer ca”.
152 Mar ia José Ferr o Tavar es, O s judeus em Portugal no século X V , UNL, Lis boa, 1981, p. 195; I dem, O s J udeus e C rist ã os N ovos: ante e pós baptismo nas T erras de Riba Côa, p. 273.
153 A. N.T.T., Dicionário Geogr á fico, vol. 43, p. 417.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
137
comuna e dos seus bairr os: o mais antigo, em Trancoso, e o mais pequeno, satélite da
comuna, em Alver ca154.
Ora, onde se localizava o bairr o ou a r ua dos judeus de Trancoso? Em 1997, escr evi o
seguinte a pr o pósito da sua localização: “ Documentos relativos aos processos de
crist ã os novos deste concelho na I nquisiçã o permitem-nos localizar a judiaria perto da
C orredoura, onde terminava uma parte. S eria chamada V ila N ova e daria o nome à
igre ja que lhe estava próxima, S . J oã o de V ila N ova. Ao bairro dos judeus deve ter
pertencido a Rua Direita, paralela à C orredoura e que ia desembocar na praça,
próximo das igre jas de S . T iago, de S ta. M aria de Guimar ã es e de S . Pedro, ou se ja, na
zona destruída para construçã o do recente edifício da câmara” 155.
Tenho consciência de que esta minha af ir mação vai contra o que é voz corr ente em
Trancoso, que a coloca para os lados da por ta de S. João, e cu ja or igem documentada
desconheço156. No entanto, pr ocurando per ce ber a razão desta tradição, li com atenção o
livr o N otícias de T rancoso de Lo pes Corr eia, autor que a transmite e que f az esta
af ir mação: “ Do lado nascente nã o há nem nunca houve igre jas e isto, em nossa
opiniã o, por ser a judiaria” 157. Ora, nada mais err óneo. As judiar ias, em todo o mundo
cr istão, tiveram sempr e igr e jas nas pr oximidades, pois um dos o b jectivos da toler ância
r eligiosa era a conver são voluntár ia dos judeus ao cr istianismo e esta era incentivada
pela a pologética pr egada no púl pito das igr e jas ou no seu adr o.
154 A. N.T.T., C hancelaria de D. A fonso V , liv. 31, f ls. 25vº e 32vº; Mar ia José Ferr o Tavar es, O s judeusem Portugal no século X V , p. 45.
155 Mar ia José Ferr o Tavar es, J udeus e C rist ã os- N ovos: o ante e pós baptismo nas T erras de Riba Côa earredores, in o b. cit., p. 273. Tenho em pr eparação, a pesar de há muito estar interr ompido devido a car gos univer sitár ios que tenho desempenhado, um estudo so br e os cr istãos novos de Trancoso.
156 Tenho depr eendido, ao longo destes anos, que uma das explicações é a existência de mar cas em f or ma de cr uzes nas pedras das casas. A minha contestação à tentativa de identif icação destas casas mar cadas, como sendo casas per tencentes a cr istãos novos, r esulta da leitura da documentação so br e esta matér ia e
por que nada há que o compr ove documentalmente. De f acto, desde longa data, a cr uz era uma mar ca de posse de uma pr o pr iedade, por par te de um senhor ou de uma or dem r eligiosa. Ve ja-se, a penas, a título de exemplo: Livro das Leis e Posturas, transcr ição de Mar ia Ter esa Campos R odr igues, Univer sidade de Lis boa, Faculdade de Dir eito, Lis boa, 1971, pp. 14,132-133, etc.
157 Lo pes Corr eia, N otícias de T rancoso, Câmara Munici pal de Trancoso, 1986, p. 47.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
138
No entanto, este autor esteve muito pr óximo da sua ver dadeira localização, ao
mencionar a R ua Nova, ou se ja, a antiga r ua da judiar ia que, com o ba ptismo f or çado
dos judeus, se tor nou a r ua nova da cr istandade. No entanto, em f inais do século XV, a
judiar ia devia ter sido constituída por outras r uas ou travessas, f or mando um bairr o, pois
vir ia a ser r efer ida por Vila Nova. A igr e ja de S. João, ho je destr uída, e f r equentada
pelos cr istãos novos da vila, deve ter sido a antiga sinagoga, tor nada templo cr istão
como tantas outras e local pr efer encial, para alguns deles se f azer em sepultar em terra
vir gem.
A corr o borar a nossa hi pótese de localização da judar ia, junto à por ta d’El-r ei e entr e
esta e a por ta do Prado, está a descr ição que o a bade de Nossa Senhora da Fr esta f az
destas duas por tas, que as tor nam únicas em r elação às outras duas por tas da vila. De
f acto, am bas têm “dois andares de portas de pau” e “junto a primeira porta de pau
quando se entra para a villa desce encaixada em huma e outra torre huma forte grade
de pau, de que se nã o uza por nã o ser necessário”. Acr escentava o nosso autor que a
por ta do Prado, igual à d’el-r ei, tinha à dir eita de quem entrava um grande poço158. As
outras duas por tas, a do Car valho e a de S. João, não a par ecem assim descr itas. Ora esta
r efer ência a por tas du plas, sendo uma delas constituída por uma grade que se descia,
leva-nos a su por que am bas def iniam o es paço do bairr o dos judeus, o que é
corr o borado pelo f acto de as pr imeiras gerações de cr istãos novos a par ecer em
associadas, pelo local de r esidência, às f r eguesias de S. Tiago, S. João de Vila Nova ou
S. João de intra-mur os, Nossa Senhora do Sepulcr o ou Sta. Mar ia do Sepulcr o, no
exter ior das muralhas159 e, mais raramente, a S. Pedr o.
Isto signif ica que, tal como a documentação do século XIV nos f azia su por , a judar ia de
Trancoso situava-se na zona mais r ica e impor tante do concelho, junto à por ta d’El-r ei e
da Corr edoura, r ua em que, mais tar de, alguns cr istãos novos ir iam ha bitar , assim como
do es paço ocu pado pela feira f ranca, à por ta da vila, r ua onde se localizava uma das
por tas da judiar ia, como ver emos, a par tir da documentação do século XVI.
158 A. N.T.T., Dicionário Geogr á fico, vol. 43, pp. 412-413.
159 Segundo par ece, é o antigo nome da igr e ja r omânica de Sta. Mar ia da Fr esta (Júlio R ocha e Sousa, A antiga vila de T rancoso, Viseu, 2004, p. 63).
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
139
Infelizmente as casas não per tenciam ao monar ca como acontecia na Guar da, pelo que a
sua localização não nos está per feitamente delimitada no es paço munici pal.
É pr ovável que a evolução do seu es paço nos conduza a uma pr imitiva f ixação no
exter ior de uma pr ovável cer ca velha, pr óximo do local onde se começou a r ealizar a
feira, es paços da(s) r ua(s) dos judeus e da feira que, mais tar de, durante o século XIV,
f icar iam integrados no inter ior da muralha nova, junto à por ta d’el-r ei. Por isso, as suas
casas poder iam ser pr o pr iedade da comuna, dos judeus, do concelho ou das igr e jas, já
então, localizadas no exter ior da cer ca velha, ou de todos eles, uma vez que os judeus
em Por tugal puderam usuf r uir do dir eito de adquir ir solo ur bano e outr os bens de raiz.
3. A po pulação judaica
O pr estígio cr escente da comunidade, e que era visível no es paço concelhio que
ocu pava, estava r elacionado com o estatuto sócio-económico da sua po pulação.
Infelizmente para o estudo desta só possuímos a documentação do século XV,
nomeadamente as car tas de contrato que eram outor gadas pelos r eis, inicialmente a
título individual, pelas quais um indivíduo da minor ia judaica podia exer cer uma
pr of issão e ser colectado por ela. Em meados da centúr ia, a per missão passar ia a ser
integrada nos pr ivilégios gerais concedidos às comunas, deixando de identif icar os
indivíduos destas.
Assim, podemos o bser var que a comunidade f oi alar gando o númer o daqueles que se
intitulavam mer cador es e que podemos associar ao comér cio por gr osso, geralmente de
panos, panos que eram vendidos na feira, mas que tam bém eram expostos, consoante o
r egimento munici pal, no exter ior das lo jas em expositor es so b as ar cadas, ou não, de
uma r ua Dir eita ou de uma praça, praça que ainda em pleno século XVIII era descr ita
com os seus balcões co ber tos de mer cador ias diver sas e a bundantes. Dir ectamente
associadas ao comér cio dos tecidos estão os ofícios que os transf or mam como alf aiates
e gibiteir os. Outr os mester es que se pr endem com o tra balho das peles, numa r egião
onde a cr iação de gado era já mencionada, são os dos sa pateir os e per gaminheir os. A
comunidade tinha ainda um físico, mestr e José Levi, que acumulou com as f unções de
ra bi, um mestr e Isaac Fa bibe, cir ur gião, e um mestr e Salomão Cidecair o, físico.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
140
Cartas de contrato e profissões na 1ª
metade do século XV
0 5 10 15 20 25
sapateiro
gibiteiro
alfaiate
mercador
s/ prof .
Series1
0 5 10 15
sapateiro
alfaiate
mercador
f ísico
espingard
tecelão
s/prof .
Profissões na 2ª metade do século XV
Series1
Os gr áf icos mostram-nos o aumento de númer o de mer cador es, assim como o
a par ecimento de novas pr of issões, não existentes na pr imeira metade da centúr ia. O
númer o elevado de judeus sem pr of issão indicada não signif ica que não tivessem
r endimentos, pois podiam dedicar -se à agr icultura ou à cr iação de gado ou
simplesmente aos arr endamentos e empr éstimo de dinheir o, ou, ainda, ser em
pr o pr ietár ios e viver em dos aluguer es das suas ha bitações a judeus ou a cr istãos, durante
o tempo das feiras.
A pesar da r iqueza, os judeus de Trancoso não eram bafe jados pelos pr ivilégios r eais,
talvez por se encontrar em longe dos locais pr efer idos pela cor te. No entanto, alguns
conseguiram r ece ber car tas de pr ivilégio. Assim aconteceu com David Bor cas ou
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
141
Bacoa, ser vidor de D. Gonçalo Coutinho, alcaide de Trancoso, o atr ás mencionado
mestr e José, físico, e Salomão Canês, es pingar deir o do r ei160. Bacoa r ece beu car ta de
pr ivilégio que o dis pensava do exer cício de car gos comunais, enquanto mestr e José
o btinha a per missão para se deslocar em besta muar de sela e f r eio e, por f im, Salomão
Canês, o pr ivilégio de es pingar deir o do r ei161.
Os judeus de Trancoso pagavam ao r ei o ser viço r eal, velho e novo, a sisa, o sisão,
peitas e taxas vár ias. Em 1435, o ser viço r eal, velho e novo, eram arr endados por
A braão Bar uc, por 227 500 libras, e no ano seguinte o mesmo judeu arr ematava os
mesmos tr ibutos por 251 000 libras. Para os mesmos anos, o pagamento que a comuna
f azia distanciava-se de outras da r egião, como Sa bugal que entr egava 35 000 libras e
Gouveia 15 750, em 1435, contra as 140 000 de Pinhel e 40 000 do Sa bugal, no ano
seguinte162. As sisas pelas transacções r ealizadas na feira eram anotadas e r ece bidas
pelo escr ivão das sisas dos judeus que f r equentavam a feira de Trancoso163.
Nem sempr e os dir eitos dos judeus f oram r ece bidos pelo so berano. Em 1464, uma par te
deles ou a totalidade f oi dada a Lo po de Albuquer que, camar eir o de D. Af onso V164. No
momento da expulsão, as r endas das judiar ias de Trancoso e Mar ialva eram r ece bidas
por D. Diogo de Castr o e somavam 30 000 r eais165.
A comuna tinha os seus magistrados pr ópr ios. R a bis, como o físico mestr e José Levi, o
escr ivão, como Haim Franco, ou o escr ivão da câmara, sisão e genesim, como Moisés
R odr iga f oram alguns dos nomes que chegaram até nós166. Os of iciais judeus eram
o br igados, desde os f inais do século XIV, a dominar o por tuguês escr ito, pois as
chancelar ias comunais deixaram de ser r edigidas em he braico. Como nem todos
160 Mar ia José Ferr o Tavar es, O s J udeus em Portugal no século X V , I NIC, Lis boa, 1985, vol. II, pp. 374-378.
161 I bidem, pp. 787 (1450, 31/03), 795 (1465, 18/02), 807 (1492. 29/03).
162 I bidem, pp. 633-634.
163 I bidem, p. 695
164 I bidem, p. 735.
165 I bidem, p. 756.
166 I bidem, pp. 376 e 378.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
142
escr eviam o por tuguês, havia cr istãos que desempenhavam car gos na comuna como o
ta belião João Af onso ou Fer não Álvar es, escudeir o, ou Álvar o Per es, escr ivão da sisa
judenga paga na feira de S. Bar tolomeu, desde 1473 a 1496, acumulando, neste último
ano, com a escr ivaninha dos dir eitos r eais dos judeus de Trancoso167. Em meados do
século XV, a comuna teve os seus ra bis eleitos, em vez de nomeados pelo r ei, a título
per pétuo. Tal pr ivilégio teve a inter cessão junto de D. Af onso V de Lo po de
Albuquer que, camar eir o do r ei, o mesmo f idalgo que, a par tir de 1 de Janeir o de 1465,
passar ia a r ece ber como r endimento o ser viço r eal e novo dos judeus de Trancoso168.
A onomástica das f amílias judaicas deste concelho indica-nos pelos to pónimos de
alguns dos a pelidos a sua pr oveniência para além das f r onteiras, como os R odr igo,
talvez de Cidade R odr igo, os Navarr o, os Castelão, os de Cácer es, os Sor iano que se
juntavam aos Bar zelai, aos Justo, aos Cohen, aos Levi, aos Favive, aos Tovi, aos Car o,
aos Barr ocas, etc.169, nomes que se r epetem noutras comunidades beir ãs170. Não
podemos compr ovar que a expulsão dos judeus de Es panha, em Mar ço de 1492, pelos
R eis Católicos tenha tido como consequência o aumento da po pulação judaica do
concelho, em bora pensemos que tal aconteceu, à semelhança de outr os locais do r eino,
nem tão pouco que os r ecém-vindos tenham contr ibuído para o r enascimento económico
do concelho.
Quantas f amílias ha bitavam na comuna? Podemos estimar pelo númer o de car tas de
contrato, passadas em 1441-42, que 44 judeus adultos, pelo menos, aqui r esidiam e
podiam identif icar outras tantas possíveis f amílias, num total de cer ca de 200 pessoas,
se não mais, se pensar mos que muitas das f amílias cr istãs novas eram constituídas por
uma grande pr ole de f ilhos que atingiam a idade adulta e que, por vezes, ultra passava a
dezena. O númer o de ha bitantes da minor ia pode ter du plicado nas vés peras da
expulsão, com a vinda dos judeus castelhanos. Tam bém é ver dade que algumas destas
pessoas atingiam uma elevada longevidade, chegando aos 80 anos.
167 I bidem, pp. 695-709.
168 A. N.T.T., C hancelaria de D. A fonso V , liv. 8, f l 175.
169 I bidem, pp. 374-378.
170 Mar ia José Ferr o Tavar es, J udeus e C rist ã os N ovos…, pp. 272-274.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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4. A expulsão e o ba ptismo f or çado. A comunidade cr istã nova
Em Dezem br o de 1496, D. Manuel pr omulgava o édito de expulsão das minor ias
judaica e muçulmana. À semelhança do que aconteceu noutr os lugar es, os of iciais do r ei
leram o édito nos paços do concelho, perante as autor idades munici pais e da comuna, e,
em seguida, f oram-no ler na sinagoga a toda a po pulação judaica, a qual se pr epar ou
para par tir , cumpr indo a vontade do r ei. Sa bemos, tam bém, que a maior ia não o fez,
sendo f or çada a r ece ber o ba ptismo nas igr e jas de Trancoso ou de outr os concelhos do
r eino, depois de lhes ter em r etirado as cr ianças, a 19 de Mar ço de 1497, sá bado de
R amos, por ventura o dia da Páscoa judaica. Ba ptizados à f or ça, per maneceram no
concelho devido às r estr ições à mo bilidade para que não a bandonassem o r eino nem
vendessem os bens. Uma minor ia r ece bê-lo-ia voluntar iamente pelo que o bteve uma
car ta de limpeza de sangue e, por pr ivilégio r eal, entrava na pequena no br eza. Tal deve
ter sucedido com João R odr igues Ferr o, judeu castelhano, natural de San Felices que
pediu para r ece ber o ba ptismo e ascendeu a escudeir o, estatuto em que ser ia conf ir mado
pela pr o pr iedade da quinta da R ibeira de Távora171.
Outr os atingiram Trancoso depois de uma per egr inação por outr os lugar es do r eino. Tal
aconteceu com Andr é Gonçalves, sa pateir o, tam bém ele natural de San Felices, que f oi
ba ptizado de pé em Sanf ins da Mar inha, per to do Por to, tendo como padr inhos todos os
f r egueses da localidade que f oram pr esentes ao seu ba ptismo172. No entanto, a pós o
ba ptismo, a catequização não f oi muito convincente, em bora a maior ia dos cr istãos
novos de Trancoso sou bessem per signar -se e r ecitar as orações pr inci pais, como o Pai
Nosso, a Ave Mar ia, o Cr edo, em latim ou em por tuguês, e com mais dif iculdade a
Salve R ainha.
Ana R odr igues, natural de Medina del Campo, f ora ba ptizada em S. João de Vila Nova
pelo a bade Álvar o Saraiva e cr ismada na igr e ja de S. Pedr o173. Por sua vez, Francisco do
Vale r ece bera as águas do ba ptismo, sendo cr iança, na igr e ja de S. Pedr o174. Beatr iz
171 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 37 38.
172 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512.
173 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8918.
174 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 896 .
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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R odr igues f ora ba ptizada quando D. Manuel mandara tirar os meninos aos judeus.
Tinha dez anos de idade175.
Ba ptizados livr emente ou à f or ça, os cr istãos novos mantiveram a sua r esidência na
judar ia, que passou a ser ha bitada tam bém por cr istãos velhos, quando aqueles, depois
do levantamento contra os cr istãos novos de Lis boa, em A br il de 1506, passaram a
poder par tir para f ora do r eino ou para outras paragens onde o seu passado de judeus
não era conhecido. A comunidade per manecia no es paço da antiga judar ia, agora Vila
Nova176, à por ta d’el-r ei, a Corr edoura, a R ua Dir eita e estendia-se pela Praça, onde
muitos cr istãos novos tinham as suas tendas a ber tas, pela r ua da Cadeia, pela r ua de
Santiago e pelas pr oximidades da igr e ja de S. Tiago, pela r ua dos Vales. Declaravam-se
f r egueses de S. João de Vila Nova, de S. Tiago, de S. Pedr o e de Santa Mar ia do
Sepulcr o. As casas eram pr o pr iedade do concelho, de par ticular es cr istãos, de
esta belecimentos r eligiosos e até dos pr ópr ios cr istãos novos os quais as su b-alugavam a
cr istãos novos. Por exemplo, Francisco Gonçalves r esidia na r ua de Santiago em casas
de Lo po Dias, cr istão novo177. Já Jor ge Henr iques, mer cador , era f r eguês de Santa Mar ia
do Sepulcr o e nesta igr e ja se f ar ia sepultar em terra vir gem, ou mestr e Manuel, físico, e
Lucr écia Nunes, sua mulher , o licenciado Luís Gomes, pr ocurador , casado com a f ilha
de Diogo Pinheir o, mer cador ,178. Por sua vez, o mer cador João Fer nandes r esidia na
Praça179, Graça Fer nandes, cu jo mar ido ser via o r ei como cavaleir o em Ar zila, morava
na R ua da Cadeia180 enquanto Diogo Fer nandes, mer cador e almocr eve, vivia à por ta
d’el-r ei181.
175 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 2431.
176 A pr ópr ia designação de Vila Nova nos indica que a judar ia de Trancoso se es palhava por vár ias r uas e travessas, entr e as por tas d’el-r ei, a Corr edoura e a muralha do século XIV, a par te mais no br e do concelho. A dif iculdade em localizá-la com r igor r esulta da pr o pr iedade das suas casas per tencer aos
pr ópr ios judeus/cr istãos novos ou aos cr istãos, entendidos este por concelho, igr e jas e par ticular es, que poster ior mente as su b-alugavam aos indivíduos da minor ia.
177 T.T., I nquisiçã o de É vora nº 6 346 , f ls. 109v-113.
178 T.T., I nquisiçã o de É vora nº 6 346 , f ls. 33.
179 T.T., I nquisiçã o de É vora nº 6 346 , f ls. 59v-60.
180 T.T., I nquisiçã o de É vora nº 6 346 , f ls. 60-60v.
181 T.T., I nquisiçã o de É vora nº 6 346 , f ls. 86-86v.
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Com a mo bilidade veio tam bém a deslocação para outras zonas do concelho, outr ora
exclusivamente ha bitadas por cr istãos. Ba ptizados, podiam r ece ber or dens r eligiosas,
mandar os f ilhos para a Univer sidade ou par tici par na vida munici pal, como
magistrados, ou ser mem br os de conf rar ias e da Miser icór dia. O nome já não os
distinguia, excepto na comunidade onde f oram conhecidos como judeus, em que o
nome judaico per manecia agora como alcunha, como acontecia com Manuel R odr igues
Bar uc182. A pesar de pr oibido o casamento entr e cr istãos novos, este f oi mantido como
r egra, sendo o casamento misto uma excepção. E o mesmo vir ia a acontecer com as
sociedades comer ciais que cr iavam, que mais não eram senão o pr olongamento das
r elações f amiliar es, onde os cr istãos velhos não entravam.
5. A comunidade cr istã nova e a entrada da Inquisição em Trancoso
Os pr ocessos da Inquisição de Évora, iniciados pouco depois do esta belecimento do
Tr ibunal do Santo Ofício, mostram-nos uma comunidade pr ós pera, onde o cr istianismo
escondia um judaísmo clandestino no inter ior das casas. A visitação dos inquisidor es
pr ovocou um des povoamento quase geral no concelho, de tal modo que no par ecer que
os r epr esentantes dos cr istãos novos deram a D. João III, declaravam que o inquisidor
“ fez fogir em dous ou tr ê s dias cento e satenta moradores que os mais delles her ã o
merquadores riquos”183. Aliás esta ser á uma das acusações feitas a alguns dos r icos
cr istãos novos do concelho, como a Francisco Car los, mer cador , acusado de vender
bens para par tir do r eino. Pr eso enviara uma car ta ao f ilho, or denando-lhe que vendesse
a “mer cador ia”, o que levou os f amiliar es, que ainda se encontravam livr es e na vila,
entender que ele confessara e indir ectamente lhes estava a indicar que f ugissem, o que
aca bar iam por f azer Manuel Car los, Branca Car los e outr os cr istãos novos184. Alguns,
a pesar de se encontrar em f ora do r eino, não conseguiram esca par aos braços
inquisitor iais, como aconteceu com o r ico mer cador Diogo Pinheir o que, tendo-se
acolhido em Es panha, f oi pr eso em Cidade R odr igo pela inquisição de Ller ena que
182 Pai de António R odr igues, genr o de Andr é Gonçalves de Trancoso (A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512)
183 Gavetas da T orre do T ombo, CEHU, Lis boa, vol. I, pp. 38 w 232-234; Mar ia José Ferr o Tavar es, J udaísmo e I nquisiçã o. E studos, ed. Pr esença, 1987, p. 92; I dem, Los J udíos en Portugal , eds. Ma pf r e, Madr id, 1992, p. 189.
184 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
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desconf iara do grande númer o de por tugueses que entravam naquele r eino. Vir ia a ser
denunciado à inquisição de Ller ena, por corr es pondência enviada pelo inquisidor de
Évora185.
Não há dúvida que Trancoso mer eceu logo no início o inter esse dos inquisidor es,
por que o concelho tinha f or tes r elações com a raia es panhola e, so br etudo, por que nele
se localizou um dos mais impor tantes f ocos de irradiação do messianismo judaico,
f or talecido pelas tr ovas do sa pateir o de Trancoso, Gonçalo Eanes, o Bandarra186. Aliás,
era voz e f ama que os cr istãos novos da vila eram maus cr istãos, como pudemos ler em
muitos depoimentos a eles r elativos, dados por escravas, cr iadas cr istãs velhas,
r eligiosos e cidadãos da vila, como António Benevides, a bade de S. Tiago, António
Car valho, ar ci pr este, António Saraiva, juiz dos ór f ãos, Fer não Lo pes Saraiva, escudeir o
f idalgo, Gonçalo Anes, sa pateir o, quem sa be se o nosso Bandarra, assim como nos autos
da inquir ição r ealizados pelo bachar el Jor ge Gonçalves R ibeir o187. Mas não só. Alguns
cr istãos novos f oram os grandes denunciantes da comunidade, tais como os sa pateir os
Andr é Gonçalves, seu f ilho António Gonçalves e Duar te Gonçalves que acusar iam per to
de cento e cinquenta f amílias de judaízar em188. Quem eram, como viviam e a que
actividades económicas se dedicavam estes cr istãos novos, é o que tentar emos r etratar ,
sumar iamente, a par tir do quotidiano denunciado nos pr ocessos da Inquisição de
meados do século XVI.
185 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8122.
186 So br e este assunto e so br e a inf luência do Bandarra na comunidade cr istã nova, ve ja-se: “Para o estudo dos judeus de Tr ás-os-Montes, no século XVI: a 1 ª geração de cr istãos novos”, in Revista C ultura
História e F ilosofia, Centr o de Histór ia da Cultura, UNL, 1985, vol. IV, pp. 371-417 ; I dem, J udaísmo e I nquisiçã o, ed. Pr esença, 1987; I dem, “Caracter ísticas do messianismo judaico em Por tugal”, in E studosOrientais II – O legado cultural de J udeus e M ouros, Instituto Or iental, UNL, Lis boa, 1991, pp. 245-266;
I dem, Los J udíos en Portugal , eds. Ma pf r e, Madr id, 1992, pp. 187-259. Estes tra balhos e outr os r esultaram de uma investigação, f inanciada pela Fundação Gulbenk ian, e dir igida por mim com a
par tici pação de Lucília R una e Mar ia do Car mo Teixeira Pinto, como bolseiras deste pr o jecto de investigação. Mais r ecentemente e utilizando muita inf or mação dos tra balhos então pu blicados, Elias Li piner , Gonçalo Anes Bandarra e os crist ã os-novos, Trancoso, Associação Por tuguesa de Estudos Judaicos, 1996.
187 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora,nº 11 56 7 (auto da diligência feita em Trancoso); nº 9890, f ls. 79-90v.
188 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512 , 116 51 e 6 436 ,, r es pectivamente.
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Pudemos conf ir mar que estes descendentes de judeus em pr imeira, segunda e ter ceira
geração de cr istãos mantinham entr e si uma fer oz endogamia, casando com outr os
cr istãos novos da mesma ou de comunidades vizinhas, onde se salientavam Guar da,
Pinhel, Celor ico, Valver de nos arr edor es de Aguiar da Beira, Sa bugal, Melo,
Penamacor , Fundão, ou mais distantes como Montemor -o- Novo, Bragança, Vila R eal,
por exemplo. Tais casamentos tor naram-se sus peitos pelo que houvera uma devassa
contra os cr istãos novos da r egião, enca beçada pelo corr egedor Mar tim Velho189.
A mo bilidade era uma constante, quer no inter ior do r eino, quer do outr o lado da
f r onteira, onde alguns se f ixavam quer como mer cador es, quer como médicos. Francisco
Car los deslocava-se com f r equência a Quintela de Lampaços, a Bor nes, a Bragança ou a
Lis boa, ou a Cidade R odr igo, onde a panhara peste. Justif icava as deslocações por razões
de negócios; para os seus denunciantes, era uma maneira de divulgar a r eligião judaica,
junto das comunidades cr istãs novas. Tal acontecera quando era r endeir o dos votos de
Sam bade, onde pousara na casa de Álvar o de Leão de Cor tiços e de sua mulher Leonor
de Car va jal, o qual, com seu ir mão Jor ge de Leão, tinham as r endas do ar ce bis pado de
Braga, em que ele pr ópr io, Francisco Car los, tinha par cer ia, pois ia arr ecadar a r enda
com os dois ir mãos190.
Por sua vez, mestr e Manuel, cir ur gião, veio para Trancoso por ter casado com Lucr écia
Nunes que aqui vivera com sua mãe, natural de Pinhel. Conheceu-a em Évora, onde
r esidiam os ir mãos e de Évora f ora morar para Por tel e daqui para Lis boa, onde casou,
antes de par tir para Trancoso191. O bachar el em leis, Diogo de Solazar , natural da
Guar da, f ora casar a Trancoso e par tira para Cidade R odr igo, onde vivia com a
f amília192
Este r elacionamento estr eito, quer f amiliar , quer económico, per mitiu-lhes viver ,
durante quase um quar to de século, numa atitude hí br ida: exter ior mente cr istãos,
f r equentador es da igr e ja e dos sacramentos, mem br os de conf rar ias, continuador es da
189 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
190 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
191 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 11285.
192 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 11285
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tradição r eligiosa judaica no inter ior das suas f amílias e casas. No entanto, nem todos
eram assíduos à missa, alegando ter o btido dis pensa pa pal que os isentava da ida à
igr e ja, como Lucr écia Nunes.
Se as mulher es mantinham o r itual que lhes per tenceu sempr e, como a limpeza da casa e
a mudança de r ou pa da cama à sexta-feira, a pr eparação da r efeição do sá bado, a
limpeza da candeia e a colocação de matula nova e de azeite na candeia que f icava acesa
num quar to ou numa ar ca, durante toda a noite de sexta para sá bado, a limpeza da casa
para a pr eparação da Páscoa do pão ázimo, o f a br ico deste e a sua distr ibuição
clandestina por algumas delas junto das f amílias cr istãs novas, aos homens ca bia a
degolação dos animais, a indicação dos dias cer tos em que ocorr iam as Páscoas judaicas
e os je juns, nomeadamente o qui pur e o da rainha Ester , indicação que pr ocuravam no
S idur , livr o que alguns ainda possuíam às escondidas. A pr ática do descanso sa bático,
das festas judaicas, como a Páscoa do cor deir o e a das ca banas, dias em que se
ador navam e vestiam melhor , os je juns à maneira judaica de dia inteir o, os thanis de
segunda e quinta-feira, a r ecusa em comer car ne de por co ou sangue, a cozedura dos
pães ázimos com os bolos de azeite no f or no de Francisco Lo pes, f or neir o, cr istão novo
de Trancoso, eram outras das denúncias feitas, quer por cr istãos velhos, quer por
cr istãos novos.
Alguns ser iam acusados de pr eparar os cr istãos novos f alecidos à maneira judaica: aos
homens ca bia o amor talhamento com as mãos ao longo do cor po e os pés paralelos e
não, à maneira cr istã com as mãos e os pés cr uzados, a lavagem do mor to com água
per f umada com r osas e r osmaninho, o cor te das unhas das mãos e dos pés, assim como
o a paramento da bar ba e outr os pelos, de vestir em os mor tos com r ou pa nova e mor talha
nunca usada nem lavada em linho cr u e pr ocurar em uma sepultura em terra vir gem. Às
mulher es ca bia o pranto dos mor tos. A estas tam bém per tencia des pe jar toda a água
existente na casa ou nas casas pr óximas, pois acr editavam que o an jo da mor te e a alma
do mor to lá tinham mer gulhado.
Entr e eles estava divulgada a cr ença messiânica. Acr editavam que estar ia para br eve a
vinda do Messias dos judeus, inter pr etando os acontecimentos da época como sinais
conf ir mativos de que estavam a viver anos messiânicos. A vinda de David R eu beni ao
r eino e a sua pr esença em Almeir im, onde estava a cor te, r ef or çou a cr ença dos cr istãos
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novos de que o Messias dos judeus, que os havia de conduzir a Jer usalém, estar ia para
br eve. Aliás, com o o b jectivo de o bter inf or mações a este r es peito, João R odr igues
Ferr o, de Trancoso, deslocou-se a Lis boa para f alar com o f ilho do r ei dos judeus, o
denominado “judeu do sa pato”, que vinha a Por tugal como em baixador em nome de seu
ir mão. Nas denúncias constava esta deslocação de João R odr igues a Almeir im, segundo
uns, para levar os pr esentes que os cr istãos novos de Trancoso ofer eceram a R eu beni.
Na denúncia que fez de Francisco de Valladolid, pr eso em Es panha, João R odr igues
Ferr o declar ou que o Messias dos judeus era o Anticr isto dos cr istãos, segundo umas
tr ovas que cir culavam, talvez as do Bandarra, que f alavam das tr ibos per didas de Israel
e do seu ca pitão per tencente à tr ibo de Dan o qual devia vir pelo ano de 1550193.
Feiras, como a de Sta. Eufémia, em Setem br o, eram pr etexto para os je juns, como o do
qui pur , ou para feste jar a Páscoa das Ca banas que caiam por esta altura. Um passeio
pelo campo, com saída e entrada pela por ta de S. João, era uma maneira de cumpr ir o
descanso sa bático, alegando af azer es f ora da vila, ou no caso das mulher es, a deslocação
ao mer cado, na Praça, com as suas escravas que, depois das compras mandavam para
casa, enquanto elas f icavam a conver sar o dia todo umas com as outras, passeando pela
Praça e pela Corr edoura. Nos R amos, feste javam a Páscoa judaica, e no domingo de
Páscoa, conf rater nizavam com os cr istãos na Páscoa cr istã. Pelo Natal, iam buscar água
à f onte e lançavam nela um ferr o em brasa e às vezes tam bém vinho. Nas Páscoas de
Setem br o (hanuca) e na dos R amos (a Páscoa judaica), comiam em louça nova, e alguns
acendiam a menorah de sete braços, segundo testemunhava a escrava Antónia.
Feste javam o Pentecostes. Je juavam o thisabeat , os thanis de segunda e quinta-feira,
sempr e à maneira judaica, ou se ja, até ao cair da noite. R ezavam ca beceando como os
judeus e alguns f aziam-no ainda em he braico, segundo os denunciantes194.
Alguns cr istãos novos tinham f ama de ser em ra bis, como Francisco Car los, que ser ia
acusado de amor talhar os cr istãos novos f alecidos à maneira judaica, de degolar os
animais e co br ir o sangue com terra, de conhecer os dias dos je juns dos judeus, como o
qui pur , indicando-os a outr os e je juando-os à maneira judaica, durante o dia todo até a
193 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 37 38.
194 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8355 , 7 512.
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noite cair , de sa ber orações judaicas e de possuir livr os pr oibidos, além de se vanglor iar
de ser f ilho de ra bi Iça (Joshua) Cohen195.
Tam bém o licenciado João Luís Medina ser ia alvo da mesma acusação e de ter
sepultado o pai junto aos degraus da por ta da igr e ja de S. Pedr o que f ora a ber ta
r ecentemente para a travessa de S. Pedr o, por ser terra vir gem196. Não eram os únicos.
Isa bel de Almeida acusar ia Duar te Lo pes, o “nevoeir o” e Manuel Car los de ser em
“sa bidos na Lei” e de lhe indicar em os je juns e as festas judaicas para ela as guar dar 197.
Algumas das casas de cr istãos novos f uncionavam como sinagoga, pois nelas se
r euniam gr u pos pequenos para r ezar e ouvir os “clér igos dos judeus”, ou se ja, os ra bis.
A r eunião era feita numa câmara no piso su per ior , por vezes, numa câmara inter ior , para
que olhos indiscr etos não vissem e não f ossem denunciar . No entanto, com pouco
sucesso, pois as visitas de vár ios cr istãos novos a outr o ou outra cr istã nova, mesmo
com o pr etexto de que estes últimos se encontravam doentes, eram o b jecto de sus peita
por par te dos vizinhos cr istãos velhos ou da cr iadagem. Uma destas “sinagogas” era a
casa de Manuel Car los, onde se juntavam aos sá bados alguns dos seus f amiliar es, como
os casais Pedr o Henr iques e Ana R odr igues, o mer cador e siseir o Simão Gar cia e Isa bel
do Vale, Jácome R odr igues Beselga e Br ites R odr igues, Catar ina R odr igues, a dona da
casa e ir mã destas, assim como a mãe Mécia do Vale e sogra de Manuel Car los198.
Alguns mem br os da comunidade detinham uma cultura e um estatuto social, comum a
uma bur guesia média ou alta. Francisco Car los possuía livr os em sua casa, incluindo a
História do Palmeirim, uma T orah, segundo alguns, que ele declarava ser uma Bí blia e
outr os livr os199. No auto da sua pr isão em Trancoso, o ta belião descr eveu o seu
vestuár io e penteado, tanto mais que ele declarara ter tomado or dens, o que o ta belião
duvidara por que não lhe vira sinais de cor oa na ca beça. O cor te do ca belo era r edondo
195 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
196 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305.
197 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8355.
198 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512.
199 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
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até às or elhas. Na ca beça usava um barr etinho pr eto r edondo e trazia vestido um pelote
pr eto até aos joelhos, de mangas dir eitas. Trazia vestidas umas calças brancas e umas
botas brancas com o car naz virado.
Francisco Car los era tido por ra bi ou ca pelão dos cr istãos novos de Trancoso, como já o
f ora dos cr istãos novos de Tr ás-os-Montes, quando aqui vivera. Pr eso na cadeia da vila,
Francisco Car los aceitava pagar a um homem de conf iança, nomeado pelo juiz de
Trancoso, que o acompanhasse até à pr isão da Inquisição em Évora, depois de o ter
r ecusado f azer , por que não tinha bens para tal. O meir inho Andr é Gil f oi indigitado para
o acompanhar pr eso a Évora. Estávamos em 1543 e per maneceu pr eso até 1549, tendo
a b jurado na sé desta cidade, graças à bula do per dão concedida por Paulo III aos cr istãos
novos por tugueses200.
Tam bém mestr e Manuel, cir ur gião, possuía em casa livr os de medicina, sendo acusado
de ter livr os dos judeus que quis esconder junto do ar ci pr este, o qual se r ecusar ia a
r ece bê-los por que os achou sus peitos201. Por sua vez o licenciado João Luís Medina
tinha em casa livr os de quir omância, assim como o Antigo Testamento glosado por
Nicolau de Lira202.
Como dissemos acima, os grandes denunciantes da gente de Nação, r esidente em
Trancoso, f oram tr ês sa pateir os, bem conhecedor es, pois eram os degolador es e
distr ibuidor es da car ne degolada ao modo judaico, assim como auxiliavam no
amor talhamento dos cr istãos novos f alecidos, ao mesmo tempo que eram os coveir os
das suas sepulturas. Pelos seus depoimentos, temos o r etrato da comunidade, dos que
tinham f icado e dos que, com medo da Inquisição, conseguiram f ugir para Es panha ou
tinham par tido por razões de negócio para mais longe, como o Per u. Segundo eles, não
haver ia em Trancoso tr ês cr istãos novos que f ossem bons cr istãos.
6. As r elações com os cr istãos velhos e a vivência cr istã
200 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
201 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 11285.
202 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Não era só a posse de livr os e a convivência com a gente grada do concelho que
indicava o estatuto social de algumas f amílias da ex-minor ia judaica. Alguns
af ir mavam-se honrados e par ticular izavam a sua posição no município pelo f acto de
poder em ser eleitos para os car gos do concelho, tal como declarava o licenciado João
Luís Medina, físico, perante os inquisidor es203. Aliás, cr istãos velhos e cr istãos novos
gladiavam-se entr e si pelos car gos munici pais, tendo o gr u po daqueles, enca beçado por
João Gomes conseguido que os cr istãos novos não ocu passem os car gos nem f ossem
corr egedor es, excepto se f ossem eleitos, enquanto João Luís Medina alcançara na cor te
um documento que lhes per mitia integrar em o númer o dos elegidos. Segundo alguns
testemunhos, quer de cr istãos velhos, quer de cr istãos novos, pessoas gradas de
Trancoso, havia bandos de uma e outra par te pelo domínio do poder do concelho,
a par ecendo alguns destes bandos mistos204. Pelas contraditas a pr esentadas contra alguns
acusador es, depr eendemos a r ivalidade entr e pessoas do mesmo estatuto social ou o
ódio ao r endeir o que lhe f icara com as pr o pr iedades por dívida.
Para além das ligações à comunidade cr istã nova, alguns mem br os desta comunidade
a pr esentavam como testemunhas a bonatór ias da sua vida cr istã, mem br os da oligar quia
munici pal ou do cler o local, alguns dos quais aca bar iam por ser seus acusador es através
do “ouvir dizer a outr ém”. Francisco Car los indicou como testemunhas de defesa, entr e
outr os, o ar ci pr este António Car valho, a bade de S. Miguel, Diogo Bor ges, a bade de S.
João, Diogo de Matos, cura de S. Pedr o, João Frade, cura da igr e ja de S. João, António
Gil, cura de S. Tiago, Jor ge Car valho, padr e de Sta. Mar ia, António Saraiva, juiz dos
ór f ãos, entr e outr os205.
António Fonseca, cavaleir o f idalgo da casa r eal, morador em Trancoso, era compadr e
do ta belião João da Fonseca, de quem era amigo, e se encontrava pr eso na Inquisição
por pr áticas e cr enças judaicas. João da Fonseca Saraiva, igualmente cavaleir o da casa
r eal e r esidente no concelho, declarava-se seu compadr e e amigo206. Aliás, tal como
João da Fonseca, Francisco Car los era tido por homem honrado que convivia com as
203 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305.
204 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305.
205 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
206 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5995.
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pessoas gradas da vila, acompanhando-as na caça. João Frade, clér igo e ca pelão da
igr e ja de S. João de Vila Nova, era tam bém seu compadr e, depondo a seu f avor e
declarando que ele era seu f r eguês e bom cr istão 207. Tam bém mestr e Manuel
f r equentava a igr e ja de S. João de Vila Nova, ia à missa de Nossa Senhora do R osár io a
S. Pedr o e às missas na igr e ja da Miser icór dia, para além de acompanhar o Santíssimo
Sacramento quando ia ser dado aos enfer mos208.
Às mesmas f r eguesias e conf rar ias per tencia o licenciado João Luís Medina que
acr escentava às conf rar ias de Trancoso a de Nossa Senhora de Guadalu pe, talvez em
Es panha, e a de Nossa Senhora da Graça, talvez em Lis boa209. A estas juntavam-se,
ainda em Trancoso, a conf rar ia da Miser icór dia, a de S. Se bastião e a do Es pír ito Santo
de S. João de Vila Nova, esta última cr iada no início do século XVI210, e tida como
pr efer ida pelos cr istãos novos para acompanhar os seus mor tos em vez da Miser icór dia,
como f aziam os cr istãos velhos. A seguir a S. João de Vila Nova, a outra igr e ja
pr efer ida para sepultura pelos cr istãos novos era a de S. Miguel, “ por que era igr e ja
nova”, segundo af ir maram alguns morador es nos autos de diligência or denados pela
Inquisição de Évora211. Fr equentavam as r omar ias de Nossa Senhora da R ibeira, de
Nossa Senhora dos Açor es, de Nossa Senhora de Aguiar , etc. O ta belião João da
Fonseca era acusado de ser o mor domo da conf rar ia do Es pír ito Santo, conf rar ia onde,
segundo os cr istãos velhos, os cr istãos novos se f aziam sepultar em covas vir gens, para
além das conf rar ias de Nossa Senhora do R osár io e de S. Se bastião212
A pesar da f r equência das igr e jas, nem todos se encontravam catequizados, sa bendo
dizer as orações ou per signar -se. Tal acontecia com Fili pa Lo pes, cr istã nova com cer ca
de 80 anos. Interr ogada pelos inquisidor es so br e as suas pr áticas cr istãs, Fili pa Lo pes
não conseguiu r ecitar nenhuma oração cr istã nem tão pouco se sou be per signar , tendo
207 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9890.
208 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 11 285.
209 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305.
210 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 896 .
211 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 896 , 5995
212 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5995.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
154
aca bado por dizer mal o Pai Nosso. Aliás, as denúncias eram unânimes em dizer que ela
não ia assistir à missa nem entrava numa igr e ja, ao contr ár io da tradição judaica que era
acusada de transmitir a outras pessoas, incluindo orações ditas em he braico, acusações
que o pr ópr io cura de S. João de Vila Nova não conf ir mava pois confessara-a e vira-a na
igr e ja, em bora f altasse muito a pr etexto de se encontrar doente.
Acr editava que o Messias dos judeus havia de vir , denominando-o por “R a bi Iça”, o
qual havia de dar aos judeus toda a r iqueza do mundo. Je juava no tempo das vindimas,
ou se ja, o qui pur que vinha em Setem br o. Ao contestar a acusação de que ela pr ópr ia
degolava as galinhas de que se alimentava, declarava aos inquisidor es que era r ica e
a bastada, tinha muitos escravos e escravas, pelo que nunca ser ia ela a r ealizar a
degolação dos animais que cozinhavam em casa. Tal como outr os cr istãos novos
a bastados, Fili pa Lo pes a pelou para o pa pa, a pelação que o Inquisidor Pedr o Álvar es de
Par edes não aceitar ia213.
As f amílias eram numer osas, a pr esentando um númer o elevado de f ilhos que atingiam a
idade adulta e iniciavam um novo agr egado f amiliar , independentemente do estrato
social, em bora os mais r icos a par ecessem com uma pr ole mais pequena. Casavam entr e
si, estendendo os laços f amiliar es a comunidades pr óximas, como a Guar da, Pinhel,
Celor ico, Mar ialva, ou um pouco mais longe, como Bragança. Para além da endogamia,
os cr istãos novos de Trancoso pr ocuravam mar idos para as suas f ilhas entr e mem br os
do mesmo ofício, ofício que, tam bém, era mantido pelos f ilhos. R aras vezes nos
a par ecem casais estér eis. Ve jamos alguns exemplos.
Fili pa Lo pes tinha cer ca de 80 anos, quando f oi pr esa por praticar actos contra a r eligião
cr istã, a pesar de ter r ece bido o ba ptismo. Casara em Bragança com Ber nar do Lo pes,
escudeir o e af ilhado de D. Manuel. Seu pai, Henr ique Nogueira, era natural de Trancoso
e sua mãe, Isa bel Soar es, de Bragança. Am bos f aleceram cr istãos e f oram enterrados na
igr e ja de S. João, templo que diz f r equentar . O pai f ora mer cador , tal como era o ir mão
Jor ge R odr igues, que acumulava com os arr endamentos, pelo que andava a maior par te
do tempo f ora de Trancoso. Era tia de Guiomar Lo pes, casada com Ber nar do Lo pes,
213 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9238.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
155
r esidentes em Bragança. A r estante f amília pr óxima já tinha f alecido. Declar ou não ter
f ilhos, desconhecendo nós se já não os tem vivos, se par tiram ou se nunca os teve214.
Ana Seixas era mãe de Manuel Henr iques, r ico mer cador que negociava em panos de
Flandr es, o qual estava casado com uma ir mã do Licenciado Medina, e de Jusar te Nunes
que casara com Ana Nunes215. O casal Francisco R odr igues, ta belião/Ana R odr igues
tinha as duas f ilhas casadas com Fer não Lo pes Ferr o e Ber nar do Ferr o, f ilhos de João
R odr igues Ferr o216, uma outra casada com Simão Peixoto, tratante e siseir o, r esidente na
Covilhã, enquanto o f ilho, Jor ge Francisco, se consor ciara com uma f ilha de Diogo
Pinheir o. Era tia do Licenciado Medina217.
Por sua vez o sa pateir o Andr é Gonçalves tinha uma f amília numer osa, com 11 f ilhos,
entr e os 35 anos de idade, o mais velho, e os mais novos, ainda cr ianças. Os dois f ilhos
mais velhos eram sa pateir os como o pai e estavam casados. O mesmo acontecia com as
f ilhas: uma casara com um almocr eve e par tira para Es panha, r esidindo em Placença, a
outra estava casada com um sa pateir o, o mesmo acontecendo com uma ter ceira que
estava noiva de um jovem do mesmo ofício. Todos os f ilhos r esidiam ou tinham
r esidido em Trancoso. É cur ioso, que na enumeração das f ilhas, Andr é Gonçalves
utilizava os diminutivos: Isa belinha, Branquinha, Mor zinha, Fili pinha218.
Muitos destes cr istãos novos eram pessoas honradas e r icas. No entanto, quando pr esos,
declaravam-se po br es. Tal aconteceu com Manuel Ferr o, f ilho menor de Fili pa
R odr igues e de Fer não Lo pes Ferr o, am bos pr esos, que se r ecusou a defender a memór ia
da avó, f alecida no cár cer e da inquisição de Évora, declarando-se “muito po br e”, assim
como os seus pais219, o que nos pode f azer su por que a pr isão destas f amílias acarr etou a
queda em po br eza dos f amiliar es em liber dade, alguns deles deslocados para Évora, a
214 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9238.
215 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512.
216 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512.
217 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8918 (pr ocº de Ana R odr igues, viúva de ra bi Iça, físico (1ºcasamento) e de Francisco R odr igues, ta belião (2º casamento))
218 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512.
219 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8918.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
156
f im de sustentar em o pr ocesso dos que se encontravam pr esos. Sa bemos que os bens de
Ana R odr igues, as casas pr ópr ias que tinha em Trancoso, f oram vendidas para continuar
o pr ocesso, a pesar de mor ta. Com o mesmo f im f oi utilizada a quantia de 2800 r eais que
ela levara consigo para a cadeia. Sentindo a mor te a pr oximar -se, Ana R odr igues f izera
testamento onde declarava quer er ser sepultada na sé de Évora, deixando dinheir o para
que lhe r ezassem 6 missas por alma e dinheir o para as conf rar ias do Santíssimo
Sacramento, de S. João, Sta. Mar ia e da Cr uz. Legava à f ilha Fili pa R odr igues, tam bém
pr esa, a casa com torr e que era de sua ter ça e estava contígua à sua r esidência, assim
como ao genr o Fer não Lo pes Ferr o, tam bém pr eso, a quantia de 2800 r eais que tr ouxera
de Trancoso220.
As ha bitações eram constituídas por uma casa térr ea ou dianteira e por um pr imeir o
piso, onde se dis punham uma ou mais câmaras ou quar tos de dor mir , por vezes,
tam bém, escr itór io de tra balho, de que é exemplo a casa de João Luís Medina. Outras
vezes, a casa era no pr imeir o piso para onde se su bia por uma escada a que se acedia
pela por ta da r ua. Às vezes tinham ainda um sótão ou um quar to esconso. R esidiam:
• na Corr edoura, como o tendeir o Manuel Dias e sua mulher Leonor de Sousa, que
moravam onde se fechava toda a judiar ia, o cir ur gião mestr e António e sua
mulher Br ites Lo pes, ou per to da Corr edoura (“à Corr edoura”), como o
mer cador Manuel Henr iques e Jusar te Nunes, à por ta da Corr edoura como
Simona Lo pes, viúva de um mer cador cr istão novo
• na praça221, junto ao r elógio, como o mer cador Diogo Fer nandes e sua mulher
Ana Gomes,
• na r ua que ia para Sta. Mar ia de Guimar ães, como os sa pateir os Antão
Gonçalves e Manuel Lo pes,
• junto de S. Tiago, a par da r ua da Cadeia, como Francisco Car los e Mar ia Draga,
sua mulher ,
• na R ua de S. Tiago, como os Fei jó, João Lo pes Fei jó e sua mulher Br ites Fei jó e
f ilhos, o mer cador Vasco R odr igues e Lucr écia Fei jó, o sa pateir o João Dias
• ou junto a esta como o mer cador Henr ique Lo pes e a sua f amília,
220 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 8918.
221 A praça iniciava-se junto ao adr o da Miser icór dia.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
157
• ou na r ua de S. Tiago para os álamos, como o sa pateir o Jor ge Dias, o
“negr ote”222,
• ou nas traseiras da igr e ja de S. Tiago, como Isa bel Lo pes, a “terra pala”223,
• na r ua da Cadeia, como Branca R odr igues, mulher do sa pateir o João Dias224,
• na r ua Chã, de Vila Nova, como Ber nar do Lo pes, serralheir o225,
• ou na r ua dos Vales, como Ana do Vale.
R esidiam pr óximo uns dos outr os. Isa bel de Medina era vizinha de Ana R odr igues, sua
pr ima; Catar ina Soar es e o mar ido Ber nar do Ferr o eram vizinhos do licenciado João
Luís Medina; Jor ge Francisco morava ao lado de Clara Pinheir o, f ilha de Diogo
Pinheir o; Fer não Lo pes Ferr o r esidia ao lado de Manuel Álvar es; Andr é Gonçalves
sa pateir o e denunciante de quase toda a comunidade era vizinho de Manuel Car los, pelo
que f acilmente o bser vava as idas e vindas ao sá bado ou aos dias das festas judaicas a
casa deste. Distr ibuíam-se pelas f r eguesias de S. João de Vila Nova a que per tencera o
Licenciado Medina, antes de se mudar e passar a per tencer a S. Pedr o, Francisco Car los;
pela f r eguesia de S. Pedr o, como Ana R odr igues, em cu ja igr e ja f oi lida a car ta da
Inquisição onde se citavam os her deir os para vier em defender a memór ia de Ana,
entr etanto f alecida226, ou pela de S. Tiago, como Justa R odr igues227, ou ainda pela
f r eguesia de Nossa Senhora do Sepulcr o, como o sa pateir o Duar te Gonçalves228.
O to pónimo R ua Nova a par ece mencionado no século seguinte, assim como a igr e ja de
S. João extra-mur os, o que pode quer er indiciar que não se a plicava à antiga judiar ia
mas sim a uma r ua a ber ta r ecentemente no agr egado munici pal229. Tam bém a
222 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 512 , 7 491.
223 A. NT.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 238.
224 A. NT.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 238.
225 A. NT.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 3312.
226 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 5305 , 8918.
227 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 7 6 04.
228 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 6 346 .
229 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 1437 . Na generalidade dos casos, a r ua Nova indicava a r ua da judiar ia, mas, no caso de Trancoso, a existência de um bairr o, fez que este viesse designado por Vila Nova. O mesmo sucedia em Lis boa, Évora ou Por to, onde o bairr o judaico era densamente povoado. A
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
158
Corr edoura, nome que se mantinha na segunda metade de Quinhentos230 deve ter -se
passado a chamar a r ua Dir eita. Aqui morava o mer cador Diogo R odr igues Chaves e sua
mulher Branca R odr igues, f r eguesa da igr e ja e S. Pedr o231. É na segunda metade do
século XVI, que começamos a ter r efer ências a cr istãos novos que r esidiam à por ta de S.
João. Tal acontecia com Fer não Lo pes, o ba boso, e sua mulher Ana Fer nandes,
azeiteira232.
Sa pateir os, alf aiates, mer cador es, tratantes, tendeir os, médicos, ta beliães, os cr istãos
novos desenvolviam actividades a que nem as mulher es se eximiam. Estas f iavam e
do bavam bar bilho de seda, f iavam mantas nas tendas ou à por ta de casa, ou eram
tendeiras vendendo es peciar ias na tenda, como a mulher de mestr e António, cir ur gião
A praça da vila era um local de encontr o entr e os mem br os das duas comunidades que,
neste es paço e noutras r uas, vizinhavam. Fili pa Lo pes era vizinha de Domingos
Car doso, cavaleir o f idalgo de Trancoso, r esidindo am bos na f r eguesia de S. João de
Vila Nova233.
As r elações com a raia castelhana eram pr ivilegiadas e tinham a sua or igem no f acto de
alguns destes cr istãos novos ser em descendentes de judeus castelhanos que aqui se
f ixaram a pós o édito de expulsão dos judeus de Es panha pelos R eis Católicos. San
Felices de los Gallegos f oi a localidade de onde pr ovieram Andr é Gonçalves, sa pateir o,
João R odr igues Ferr o, escudeir o e r endeir o. Cidade R odr igo f oi o lugar para onde f ugiu
o a bastado mer cador Diogo Pinheir o. Outr os tam bém o f izeram, como Cr istóvão
Fer nandes e sua mulher Clara Car los, ir mã de Francisco Car los, Duar te Lo pes, o
“nevoeir o”, os f ilhos de Ana R odr igues (Jor ge Francisco, Catar ina Soar es e o mar ido
Ber nar do Ferr o, Isa bel R odr igues e o mar ido Simão Peixoto)
hi pótese de esta R ua Nova ter designado uma outra possível r ua da judiar ia não é conf ir mada pela documentação conhecida, que sempr e a localizou à por ta d’el-r ei e na zona mais impor tante do concelho.
230 A. NT.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 238.
231 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 336 3.
232 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 238.
233 A. N.T.T., I nquisiçã o de É vora, nº 9238
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
159
7. Conclusão
Os pr ocessos da Inquisição, per tencentes à pr imeira entrada do tr ibunal em Trancoso,
mostram-nos uma comunidade po pulosa. Se pensar mos que só Duar te Gonçalves
denunciou cer ca de cento e quar enta f amílias, dir ecta ou indir ectamente, podemos
calcular que estamos perante uma comunidade com cer ca de 700 pessoas, que, mais
tar de ou mais cedo, aca bar iam por se dis per sar pelo r eino, por Es panha e outras par tes.
Os descendentes destes cr istãos novos depois do per dão geral de 1547 r egr essaram ao
concelho e aos f amiliar es, e devem ter r etomado as suas pr of issões, r eocu pando as suas
casas que aqui tinham deixado desamparadas. Mas, se uns f icaram, outr os sentiram
necessidade de par tir , tal era o peso da inf âmia que so br e eles caíra. A Es panha f oi um
dos locais escolhidos: Cidade R odr igo, Placência, Salamanca, Sevilha. Outr os o ptaram
pelas cidades italianas como alguns mem br os da f amília Pinheir o ou de Francisco
Car los. Esta última f amília tam bém se deslocou para Lis boa, onde constituiu uma
sociedade comer cial com a f amília Milão que levar ia um neto deste ultimo, Car los
Francisco, a S. Tomé, onde vir ia a cr iar a conf rar ia do Es pír ito Santo, e aos negócios do
açúcar 234.
Tam bém os Fonseca f icaram e tiveram f amiliar es seus de novo pr esos pela Inquisição.
Assim aconteceu com Álvar o Fonseca Ferraz, o “nar igão”, velho, casado com Beatr iz
do Mer cado, neto de João Fonseca, ta belião e de sua mulher Violante Nunes, por par te
de sua mãe, e de João Fer nandes “ pé de gin ja” por par te de seu pai António Ferraz, que
vir ia a ser entr egue à justiça secular em Coim bra235. Outr o Álvar o Fonseca era f ilho de
um meio cr istão novo, Pedr o Tavar es e de Ana Fonseca. No seu r egr esso do Brasil dera-
se a conhecer a umas pr imas como judeu o que f ar ia que f osse denunciado. Declar ou-se
bom cr istão, sendo conf rade da conf rar ia de Sta. Catar ina em S. João intra-mur os. Era
pr imo dos Fonseca Henr iques com os quais f alara so br e a Lei de Moisés no caminho
para a La pa e em Gradis. O campo de S. Francisco, a Corr edoura, a Praça, assim como
lo jas e tendas eram locais onde ele e outr os cr istãos novos se declaravam uns aos outr os
judeus. Fonseca, Car doso, Mota, Mendes, Nunes Car valho, Costa Teles, Pinheir o Ferr o,
234 A. N.T.T., I nquisiçã o de Lisboa, nº 12132.
235 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 6 21.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
160
Mendes da Costa, Mendes Guterr es, Soar es Franco, Neto, etc, mer cador es, assentistas,
médicos, advogados, tendeir os, etc encontravam-se e conver savam, declarando a sua fé
e or gulho na sua ascendência judaica 236.
Se alguns mem br os da f amília Pinheir o par tiram, outr os aqui per maneceram e
ensaiaram casar com cr istãs velhas, como Manuel Pinheir o que, num pr imeir o
casamento, se matr imoniou com Isa bel, cr istã velha, e num segundo casamento, com
Mar ia Fonseca, cr istã nova237. Continuaram a r esidir na Quinta do Ferr o, como os
descendentes daquele João R odr igues Ferr o, o mer cador Ber nar do Ferr o, Manuel
Pinheir o Ferr o que vivia de sua f azenda, João R odr igues Ferr o, soldado de inf antar ia
Uns continuavam a r esidir nos grandes centr os; outr os pr efer iam f ixar -se em Muxagata,
Mor eira, Dor nelas, Ca baços, ter mo de Moimenta da Beira, Folgosa, Vila da Ponte,
Ar mamar , etc, localidades sem passado judaico e onde os cr istãos novos pr ocuravam
viver a sua fé sem a intr omissão dos olhar es daqueles que os tinham conhecido como
judeus238.
236 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 9297 .
237 A. NT.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 37 61.
238 A. N.T.T., I nquisiçã o de C oimbra, nº 3358.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
161
UMA LÓGICA PER IFÉR ICA PARA OS CENTR OS: OS MENDES/BENVENISTE ENTR E A BEIRA INTER IOR E
ISTAMBUL
Dr . Paulo Mendes Pinto
O tema aqui desenvolvido centra-se no que se pode designar por Patr imónio Imater ial.
Falamos das pessoas, das suas r elações, não dos es paços e dos pr odutos que elas
pr oduziram ou vivenciaram.
Nor malmente, quando nos f ocamos nos grandes per sonagens histór icos, f ocamo-nos
tam bém nos grandes es paços, nas grandes cidades, nos centr os onde a vida pulsa. Ao
f alar de mer cador es no século XVI, no início do Mundo Moder no, no nascimento do
ca pitalismo, na génese do cosmo politismo como ho je o entendemos, ainda mais
arr eigados f icamos a essas ideias de centralidade.
Dizemos, numa herança dessa f or ma de ver o mundo que «Por tugal é Lis boa e o r esto é
paisagem». Neste texto ir emos deam bular por uma situação f amiliar em que ver emos
que a possibilidade da centralidade advém, em cer ta medida, do domínio das per ifer ias.
Os Mendes/Benveniste andavam exactamente pelos tais centr os (Lis boa, Antuér pia,
Ferrara, Istam bul) mas, de que f or ma essa sua centralidade não é possível por que
tinham toda uma base social e f amiliar de a poio que me muito encontrava elos de
r elação, f idelidade e r es peito em algumas das per ifer ias que, assim, dominavam muitas
das lógicas dos centr os?
Ao longo de quase um milénio de histór ia f amiliar , os Benveniste estão documentados
em quase meia centena de cidades do mundo239.
Linguisticamente or iginár io do es paço his pânico, o a pelido Benveniste sur ge r efer ido
pela pr imeira vez em Bar celona, em documentação de 1097, e dever á ter or igem numa
239 Seguindo o Dicionário S efardi de S obrenomes, de Guilher me Faiguen boim, Paulo Valadar es e Anna R osa Campagnano (São Paulo, Fraiha, 2003, p. 204), o nome «Benveniste» encontra-se citado
bibliograf icamente nos seguintes locais: “Veneza, Alepo, Alexandr ia, Por t-Said, Esmir na, Salónica, Belgrado, R odes, Edir ne, Gálata, Pera, Istam bul, Çanakk ale, R ússia, Sóf ia, Bulgár ia, Tunísia, Jáf a, Jer usalém, Livor no, Vevey-Montr eux, Por to Alegr e, R io de Janeir o, São Paulo, Buenos Air es, Ur uguai, Temuco, Chile, Los Angeles, Londr es, Amster dão, Curaçao, Ham bur go, Andaluzia, Bar celona, Zaragoça, Ger ona, Ber lim, Drancy, Par is, Ville la Grande, Languedoc, Mont pellier , Lamego, Lis boa, e R oménia”.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
162
cr istalização da expr essão « bem vindo». Uma tradição, uma lenda, justif ica o nome,
pondo-o a nascer pela boca de um monar ca de Aragão. R ealmente, ao longo de, pelo
menos, quatr o séculos, ser á por esse r eino his pânico que os Benveniste ter ão par te da
sua acção e da sua f or tuna.
O peso desta f amília na sociedade sef ar dita peninsular f oi imenso. Durante dois séculos
a sua posição económica é tal que encontramos, com r ecorr ência, monar cas cr istãos a
pedir a liber tação de mem br os desta f amília em momentos contur bados. Assim f oi em
1391, na violente onda de conver sões f or çadas ao cr istianismo, pela pena da rainha de
Aragão240, assim f oi em 1485 pela mão dos R eis Católicos, a penas sete anos antes da
expulsão geral de Es panha241, assim f oi em 1536 com D. João III e D. Catar ina de
Bragança a solicitar ao imperador Car los V a liber tação de Diogo Mendes242.
Mas, quando e como passa esta f amília para Por tugal? A documentação até agora
estudada não nos a pr esenta r es posta consistente alguma. A Histór ia é feita, a par tir deste
momento, de con jecturas, de modelos de inter pr etação, de ver osimilhanças.
Os anos oitenta do século quinze f oram pr of undamente dolor osos para os meios
r eligiosos dos r einos castelhano e aragonês. Por um lado, os meios cler icais cr istãos
tomavam cr escente consciência da ver dadeira f raude r eligiosa que tinha sido a onda de
conver sões de f inais do século XIV (o ano de 1391, já aqui r efer ido) e inícios do XV (a
céle br e Dis puta de Tor tosa em 1412, 1413); sem qualquer a poio de catecumenato, a
Inquisição, autor izada desde 1 de Novem br o de 1478, mostrava agora toda a
pr of undidade dos r itos e pr áticas judaicas daqueles que su postamente eram cr istãos.
Como r eacção, as po pulações, que justif icavam muitos dos pr o blemas de insalu br idade
e de saúde pú blica com esta situação de her esia judaizante. As entidades r eligiosas, cada
240 As car tas corr es pondentes a este pr ocesso estão pu blicadas por Flor entino Zamora em “Los judios en Sor ia”, C eltiberia, Ano XIV, Vol. XV, ener o- junio 1964, pp. 122-125.
241 Ve ja-se R egistr o del Sello, 1485-VII, f ol. 212. Pu blicado por Luis Suár ez Fer nández, O p. cit., nº 91, pp. 267-268.
242 Ver as entradas corr es pondentes a Diogo Mendes e Francisco Mendes no Dicionário dos S efarditas Portugueses, em f ase ter minal.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
163
vez mais pr óximas dos monar cas, pediam um cer co mais f or te aos f alsos conver sos e,
por impossibilidade de a Inquisição julgar os não ba ptizados, de expulsar os judeus.
Desde 1478 que a Inquisição f ora muito dura nas cidades onde os Benveniste tinham
mais poder e tradição: Saragoça e Sór ia. Em 1485, em vir tude de ter sido assassinado o
inquisidor Pedr o de Ar buès, a per seguição po pular em Saragoça ganha f or o de violência
quotidiana.
Neste quadr o, dá-se a expulsão de 1492, o ano da conquista de Cór dova e da chegada de
Colom bo ao Novo Mundo.
Num sentido linear da leitura dos escassos documentos que temos, a chegada a Por tugal
da f amília Benveniste poder á ter ocorr ido na época da expulsão dos r estantes r einos
peninsular es (1492). Mas, devemos tentar ir mais além. Nesta situação de um efectivo
conhecimento dos meandr os da política e r eligião peninsular , aliada a uma pr essão
segr egacionista cada vez maior na sua pr ópr ia r egião, e na posse de um poder
económico inve jável, poder ão mesmo ter sido os Benveniste quem negociou com o
monar ca por tuguês a passagem dos judeus de Es panha para Por tugal. Numa situação de
f or te pr eponder ância no mundo judaico his pânico, vár ios autor es colocam mem br os dos
Benveniste como negociador es da vinda, ou melhor , da passagem, dos judeus de Castela
para Por tugal.
Os Benveniste são um impor tante gr u po de f amílias or iundas, possivelmente, de
Aragão. Francisco, a par entemente, o pr imeir o desta f amília Benveniste a ter actividade
económica e morada em Por tugal, ser ia, segundo af ir ma H. P. Salomon num r ecente
texto243, f ilho de Dom Mayr Bienveniste de Calahorra, destacado elemento desta secular
f amília, e de doña Gracia.
243 “A or igem dos Mendes / Benveniste”, C adernos de E studos S efarditas, vol. 5, 2005, no pr elo.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
165
A basar : 10.000246 – nenhum destes nomes consta do documento enviado por D. João II,
r efer indo os Benveniste já então, em 1494, morador es em Lis boa.
O nome Samuel Benveniste assume uma complexidade que talvez, em f uturas
investigações, se possa começar a compr eender melhor . A pesar da r ecorr ente e, para
nós investigador es, muitas vezes exas perante homonímia entr e indivíduos, ser ão eles, de
f acto, os mesmos Samuel Benveniste (o identif icado por Salomon, o arr endatár io de
impostos e/ou o homem do casal acusado pela Inquisição, e liber tado pelos monar cas)?
Mas mais: poder emos equacionar um quadr o f amiliar em que este Samuel Benveniste
(que ter ia de nome cr istão Álvar o Henr iques), para além de r ico arr endatár io de
impostos per tencente ao gr u po f amiliar mais pr óximo de Francisco, f osse, ainda, o pai
de Agostinho Henr iques (A braão Benveniste), que f icar á, signif icativamente, na década
de quar enta de quinhentos como um dos testamenteir os de Diogo Mendes?
Naturalmente, a penas começamos a lançar os dados so br e este quadr o f amiliar .
Contudo, começa a ser cada vez mais clar o e cer to que os ir mãos Mendes vieram para
Por tugal enquadrados num lar go gr u po f amiliar que, logicamente, fez uma
r elativamente pacíf ica transição dos seus negócios de um r eino para o outr o.
A grande questão em causa, para além da mais linear identif icação dos indivíduos,
r eside na per cepção dos motivos que levaram a que uns Benveniste ado ptassem um
nome cr istão, Mendes, e outr os o Henr iques. Quase cer tamente, como avançaram Leoni
e Salomon247, são par entes pr óximos. Toda a r ede de negócios o evidencia, assim como
a poster ior pr oximidade em Antuér pia e na Península Itálica.
castellanos del siglo XV en el arr endamiento de impuestos r eales”, C uadernos de Historia. Anexos de la Revista Hispania, Madr id, Instituto Jer ónimo Zur ita, 1975, pp. 431-439.
Ser á algum destes o A braão r efer ido no empr éstimo a Isa bel, a Católica?
246 Ve ja-se Flor entino Zamora, O p. cit., p. 123.
247 SALOMON, Her man, LEONI, Ar on, “Mendes, Benveniste, de Luna, Micas, Nasci: the State of the Ar t (1532-1558)”, T he J ewish Quaterl y Review, vol. LXXXVIII, n. º 3-4, p. 141e 145.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
166
Contudo, muito pouco conhecemos so br e estes pr imeir os elementos vindos para
Por tugal. Sa bemos que Francisco é um Benveniste, ocultado so b um nome cr istão,
por que o pr ópr io D. João III o diz na car ta que escr eve a Car los V a 29 de Agosto de
1532 ao r efer ir -se a F rancisco M endes Benveniste - a pesar de escondido por tr ás de um
«Mendes», ado ptado possivelmente em 1497 aquando da conver são f or çada, continuava
a ser conhecido, e usado, o a pelido da tradição judaica (se bem que este nome nada
tenha de he br eu, linguisticamente f alando).
Nesta car ta menciona-se que Francisco Mendes se encontrava no seu r eino há quar enta
anos, isto é, exactamente desde o ano da expulsão de Es panha, em 1492, o que
conf ir mar ia a vinda da f amília no ano da expulsão de Es panha, se bem que não invalide
uma longa pr eparação da f uga.
Tendo f icado em Por tugal depois do édito de expulsão de D. Manuel, pr esumimos que
Francisco tenha sido ba ptizado como milhar es de outr os companheir os de f uga. Do seu
nome pr ópr io judaico nada sa bemos; alguma bibliograf ia pr oduzida a ponta o nome
Semah Benveniste, se bem que se trata de uma conclusão errada, na medida em que no
pr ocesso de Henr ique Nunes, o Righetto, de onde o dado f oi r etirado, o acusado r efer e-
se, não a Francisco e Diogo, mas sim de Henr ique Nunes e Nuno Henr iques.
Centrando-nos na vinda, o simples dado r elativo à data dessa migração levanta algumas
questões algo complexas. Numa leitura r elativamente linear dos escassos documentos
que temos, a chegada a Por tugal da f amília Benveniste poder á ter ocorr ido, de f acto, na
época da expulsão dos r estantes r einos peninsular es. O a pelido cr istão Mendes (Ou
tam bém o Henr iques), ocultando o Benveniste (e tam bém o Nasi e o Luna) que era sua
identidade desde há séculos, dever á ter sido escolhido aquando do ba ptismo248, o que
vai no sentido de os nomes avançados por Salomon corr es ponder em à mesma f amília.
Contudo, desde há vár ios séculos que os Benveniste, assim como os Sénior (f utur os
Cor onel, depois da conver são de 1492 em Castela e Aragão), detinham uma posição
248 SALOMON, Her man, LEONI, Ar on, “Mendes, Benveniste, de Luna, Micas, Nasci: the State of the Ar t (1532-1558)”, T he J ewish Quaterl y Review, vol. LXXXVIII, n.º 3-4, Center f or Judaic Studies Univer sity of Pennsylvania, Jan.-A br . 1998, p. 141 e 145.
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pr ivilegiada, quer junto das al jamas e das elites judias, quer junto da cor te: ora, nessa
posição, não é de estranhar que pr essentissem o andamento da Histór ia, sentindo de
f or ma esclar ecida a pr essão segr egacionista cada vez maior na sua pr ópr ia r egião. Na
posse de um poder económico inve jável, poder ão mesmo ter sido alguns dos Benveniste
quem negociou com o monar ca por tuguês a passagem dos judeus de Es panha para
Por tugal249. Numa situação de f or te pr eponder ância no mundo judaico his pânico, vár ios
autor es colocam mem br os dos Benveniste, nomeadamente Vidal Benveniste, como
negociador es da vinda, ou melhor , da passagem, dos judeus de Castela para Por tugal.
Tentadora, no entanto, esta tese é f r ágil. Por exemplo, Er na Par is, diz expr essamente
que f ora Vidal Benveniste o negociante desta passagem, citando um documento que,
a par entemente nada nos diz so br e a questão.
Sem f azer alusão à f amília Benveniste, Alexandr e Her culano, seguido por diver sos
autor es, diz-nos que, de f acto, um gr u po de judeus castelhanos e aragoneses ter ão vindo
a Por tugal e negociado, quer a vinda em massa dos judeus es panhóis, quer a instalação,
mais cuidada, de um cer to númer o de f amílias pr oeminentes. Ter ão sido seiscentas as
f amílias mais r icas a ser a brangidas por esse acor do mais es pecíf ico, mediante o
pagamento da avultada soma de sessenta mil cr uzados250. Da negociação mais geral,
sa bemos par te do desfecho, se bem que não se conheçam númer os exactos251.
249 Ytzahk Baer , O p. cit., p. 757. ou
250 Ve ja-se Alexandr e Her culano, O p. C it., p. 104.
251 A grande mole de judeus que f oi o br igada a f ugir sem qualquer pr eparação, ter á vindo em 1492 com o aval de D. João II, e a penas com autor ização para per manecer por um cur to per íodo de tempo. A pesar das muitas vozes contra, o r ei por tuguês impôs um lar go gr u po de condições vanta josas para os seus cof r es, não per dendo esta o por tunidade de negócio e de eventual engrandecimento económico. Sistematizando a cr onística da época, as condições impostas, e aceites, f oram as seguintes: entrar iam por uma das seguintes f r onteiras: Olivença, Arr onches, Castelo R odr igo, Bragança e Melgaço; cada um dever ia pagar oito cr uzados (pagos em quatr o pr estações), excepção para cr ianças de peito e algumas pr of issões manuais (ferr eir os, latoeir os, malheir os e ar meir os); a per manência era, então, de oito meses; quem f osse encontrado para além dos oito meses ou sem a dita cer tidão ser ia considerado cativo; o monar ca o br igava-se a f or necer -lhes navios, no f im dos ditos oitos meses, para que pudessem par tir para outr o destino, mediante o pagamento da r es pectiva viagem.
No cômputo geral, Ber naldez (cr onista dos R eis Católicos) indica para esta migração o valor de 93.000indivíduos. Ve ja-se Mendes dos R emédios, O s J udeus em Portugal , [s.l., s.n., s.d.], p. 267.
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Tudo leva a cr er que ter ão existido duas, senão mais, modalidades na vinda e
incor poração dos judeus es panhóis. Algumas f amílias podem, mesmo, ter usado linhas
de f uga, conhecimentos de f amiliar es que tenham vindo para Por tugal a pós 1391 ou
depois da Dis puta de Tor tosa, data das pr imeiras migrações massivas de judeus para
Por tugal, pr eparando a deslocação de ca pitais. Outras, mais ligadas ao poder r égio
quando este solicita o Tr ibunal do Santo Ofício ao pa pado, atr ibuído a 1 de Novem br o
de 1478 pelo pa pa Sisto IV, ter ão tido tempo – 14 anos - para f azer uma sistemática e
bem conseguida deslocação de bens e ca pitais.
Neste sentido, e numa leitura mais complexa, mas tam bém ela ver osímil, a chegada da
f amília Benveniste a terras por tuguesas pode ter ocorr ido alguns anos mais cedo, como
que pr eparando a vinda que se sa bia ser inevitável dentr o em pouco. De f acto, existe
uma r efer ência a um Benveniste em Lamego antes da expulsão dos r einos vizinhos.
Com data de 3 de Julho de 1478, há um emprazamento de terras em nome de um
A braão Benveniste e R uga, sua es posa, junto à sua casa na judiar ia de Lamego252.
Ora, este A braão Benveniste253, pode mostrar -nos o que, de f acto, encaixa como uma
estratégia de efectivo contr ole da evolução política, social e r eligiosa nos r einos
his pânicos. Desde há muito que a f amília estava pr esente nas situações mais mar cantes
da vida e integração das comunidades sef ar ditas nos r einos de Aragão e de Castela, em
situação de grande pr oximidade às casas r einantes. Estão pr óximos da questão de
Tor tosa e da consequente onda de conver sões; estão pr óximos do poder r égio quando
este solicita o Tr ibunal do Santo Ofício ao pa pado, atr ibuído a penas a 1 de Novem br o
de 1478 pelo pa pa Sisto IV. Ser ia com naturalidade que, vendo a evolução da situação
de tensão, cedo distr ibuíssem bens e f amiliar es por alguns outr os r einos, em es pecial
252 ANTT, C hancelaria de D. A fonso V . Beira, Livr o 2, f l. 177-177 v. R efer ido por Mar ia José F. Tavar es, O s J udeus em Portugal no S éculo X V , vol. 2, Lis boa, 1984, p. 172.
253 Meyer K ayser ling indica num dos índices de ca pítulo da sua o bra História dos J udeus em Portugal o nome «A braão de Lamego» (p. 74); acontece que em texto nunca o tor na a r efer ir . Pensamos que se trata de uma conf usão cr iada com o f acto de, na página 77, sur gir na mesma linha uma r efer ência a um «José Sa pateir o de Lamego» e outra a um «R a bi A braão de Be ja». De qualquer f or ma, esta pequena conf usão que nos fez julgar que K ayser ling r efer ia este nosso A braão Benveniste, deve ter lugar por que o autor dever ia conhecer , de f acto, a existência de um A braão de Lamego.
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Por tugal, Flandr es e, quem sa be, Tur quia, para onde f ugiu Chemuel ben-Meir
Benveniste logo em 1492.
Olhemos para a data deste documento: estamos exactamente no ano do início da mais
dura r epr essão em Saragoça, e ano da instalação da Inquisição em Castela, e no ano da
instalação da Inquisição em Castela.
De r esto, a pr oximidade da f amília à cidade de Lamego é, ao menos, estranha. Muito da
r ede de poder e de negócio dos Mendes passa, com estranheza, por essa cidade. É
inter essante constatar , numa visão mais complexa das r elações f amiliar es e sociais, que
na pr oximidade a esta f amília sempr e estar ão indivíduos or iundos desta r egião.
Assim se passa com Francisco Vaz, homem que f az entr egas de prata na Casa da Moeda
na mesma época que Francisco Mendes e que, mais inter essante, casa com a ter ceira das
ir mãs Luna, quando as duas r estantes estavam casadas com os dois ir mãos Mendes
(Francisco e Diogo), mostrando-nos uma grande pr oximidade f amiliar . Ora, Francisco
Vaz, que na década de quar enta do século XVI estar á na Casa de Gr ácia Nassi, viúva de
Francisco Mendes, tam bém dá pelo nome de Francisco Vaz Beir ão, assumindo assim
uma possível or igem r egional.
Poder íamos ainda f alar de Gas par R ibeir o, possivelmente natural de Lamego, que é
pr eso duas vezes pela Inquisição de Veneza (uma nos anos sessenta e outra nos setenta).
Em am bas ele é testemunha; na pr imeira é testemunha no pr ocesso de A braão
Benveniste, o R ighetto, mostrando estar muito por dentr o dos há bitos e vivencias dos
Mendes/Benveniste. Na segunda, é testemunha de uma beir ã, Benvenida de Aguiar . O
mais inter essante, e que une de f or ma pr of unda este homem aos Mendes, é que Gas par
R ibeir o casa com uma Luna, Alum bra de Luna, tal como os ir mãos Francisco e Diogo
Mendes algumas décadas antes, e tem como padr inho o descendente destes, Joseph
Nassi.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
170
Muitos outr os casos de beir ões se poder iam elencar entr es os mem br os da casa
Mendes/Benveniste, ou entr e, simplesmente, a mir íade de cr istãos-novos que esta
f amília a juda a f ugir de Por tugal nas décadas de vinte a oitenta do século XVI. Talvez
este ja mesmo aqui uma das mais signif icativas linhas de pesquisa f utura em tor no da
necessidade de, em meados de 1530, se ter instalado um Tr ibunal da Inquisição em
Lamego, como que r es pondendo a um impor tante centr o de vivência judaica.
Signif icativamente, esse tr ibunal, como que nos dizendo que a sua tar ef a era mesmo
pontual, teve uma vida bastante cur ta, ao contr ár io dos de Coim bra, Lis boa e Évora.
Naturalmente, não é nossa intenção af ir mar que os Benveniste vieram para Por tugal
antes de 1492 – este único documento não nos possibilita tal af ir mação -, mas é
inter essante constatar , na tal visão mais complexa das r elações f amiliar es e sociais, que
na pr oximidade a esta f amília sempr e estar ão indivíduos or iundos desta r egião.
Sur ge-os cada vez mais clar o que a r egião beir ã deu a esta f amília, tenha ela por lá
passado em 1478, ou não, muitos dos seus pr inci pais cola borador es. Sem esta per ifer ia,
talvez este centr o, que é esta f amília, não tivesse tido a grandiosidade que teve.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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UM MOTIM NO FUNDÃO EM 1580254
Pr of . ª Doutora Mar ia Antonieta Gar cia
Intr odução
O inter esse pelo tema radica na leitura da R evista255 O M unicípio do F und ã o nas
comemorações centenárias, datada de 1940, que fecha com um cur to r elato so br e um
alvoroço judaico que acontecera no Fundão, no ano de 1580. So br e o desenr olar do
motim f icaram dúvidas, incer tezas que a pesquisa de nova documentação per mitiu
esclar ecer .
Lugar de r efúgio de judeus, a Beira cr escera, demograf icamente, desde 1391, com a
f uga aos motins de Bar celona, Sevilha, Toledo, Valência e Cór dova, que se cif raram em
judiar ias incendiadas e milhar es de vítimas.
Em 1492, com o Édito de Expulsão dos R eis Católicos de Es panha, o númer o de judeus,
em Por tugal, na Beira, aumentar á de novo, signif icativamente. Se outr os sinais não
existissem, o to pónimo R ua Nova, com mar cas ar quitectónicas quinhentistas, que se
encontra no casco antigo de muitos bur gos, atestar ia o aumento de po pulação256,
naquele per íodo.
O convívio tr i-cultural (cr istãos, muçulmanos, judeus), no r eino, teve o f im anunciado a
par tir do Édito de Expulsão de D. Manuel I, em 1496. Em Por tugal, na Península, só
havia lugar para os f iéis ao catolicismo. A con juntura político-social que envolve a
pu blicação do documento, a legislação poster ior , a actuação do monar ca per mitem
254 Síntese do livr o: Mar ia Antonieta Gar cia, I nquisiçã o e I ndepend ência, U m motim no F und ã o -1580 ,Coim bra, Alma Azul, 2006.
255 José Monteir o, “O alvor oço Judaico”A pêndice, O M unicípio do F und ã o nas comemoraçõescentenárias, Fundão, 30 de Novem br o de 1940, pp 115,116.
256 As f ontes diver gem r elativamente aos judeus que entraram em Por tugal, mas aceita-se que não ser ia infer ior a 120 mil. Cf , entr e outr os, Meyer K ayser ling, História dos judeus em Portugal, São Paulo, Livrar ia Pioneira Editora, 1971, pp.98 e 99. Lúcio de Azevedo, História dos crist ã os novos, Lis boa, Clássica Editora, 1989; José Mattoso, História de Portugal, vol III, Lis boa, Cír culo de Leitor es, 1993.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
172
pr esumir que o Édito não expr essava a vontade r eal; D. Manuel per ce bia o inter esse da
per manência dos judeus no país.
Os pogroms de 1504 e 1506, em Lis boa, são, por ém, r evelador es de que o sentimento
anti- judaico era f acilmente ateado; com o acr éscimo po pulacional das comunidades
judaicas, e por que deixara de haver her eges no país, com a o br igator iedade do ba ptismo,
o ódio cr escera contra os neo-conver sos, então, em igualdade legal para dis putar car gos
e pr of issões.
Acumularam-se conf litos; D. João III ir á r eclamar insistentemente a Inquisição, junto do
Pa pa; são conhecidas as dis putas di plomáticas, as ver bas que se movimentam e
compram adiamentos, antes que o Tr ibunal se instale no país. Em 1536, a Bula C um ad
nihil magis cer tif ica a vitór ia do monar ca.
Na Beira, são múlti plas as histór ias de um tempo que ator doa pela violência, pelo poder
do medo e pela sua ef icácia..
Aos judeus impediam-nos de f icar sem a conver são ao catolicismo, pr oibiam-lhes
tam bém a saída do r eino, por razões que esta ou aquela con juntura deter minava; como
pr oceder para ser em quem eram e dese javam ser ? Onde viver ?
Tempo de massacr e, em nome de Deus, a cultura tr i-cultural ( judeus, ára bes e católicos)
vivida na Península I bér ica, cedera lugar à intransigência r eligiosa. Na linguagem dos
ar quivos inquisitor iais trans par ece a mar ca de um mundo enfer mo: a traição, o terr or , a
solidão envolveram gerações e gerações o br igadas a es par tilhar compor tamentos no
casulo de afectos; ainda assim as delações grassavam.
Sa be-se, por exemplo, por uma denúncia do bachar el Simão Nunes, morador na
Covilhã, em 1542,
que no F und ã o, em casa de F ernã o N unes, havia uma sinagoga, e aí faziam os seus ofícios e orações
segundo o rito judaico, F ernã o N unes ensinava aos crist ã os-novos salmos e lhes dizia que o M essias
estava ainda para vir, fazendo assim as suas pregações. Aí compareciam os crist ã os novos Rui M endes,
pessoa principal do F und ã o e já defunto; sua mulher, I sabel M endes que ainda ho je costuma praticar
je juns dos judeus; o seu filho Henrique M endes, mercador que habita na vila de E stremoz, e que
praticava o je jum de quipur ; o seu filho Duarte M endes, a irmã deste, Beatriz M endes mulher de Duarte
Gonçalves, mercador e morador no F und ã o; Ana M endes, irmã dos sobreditos e Branca M endes
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
173
Esta denúncia, perante a Inquisição de Lis boa, r evela ainda que Fer não Nunes tinha
morrido a caminho do Golfo para onde ia fugido e que a testemunha praticara também
durante muito tempo, cerimónias judaicas, mas que se af astara, por lhe chamarem
malsin por ele ter descoberto o dinheiro que eles tiraram para sustentar em R oma a luta
contra os seus per seguidor es. Disse ainda que S imã o V az, morador no lugar do F und ã o,
era judeu estando à espera do M essias e dizendo que Deus «nã o tinha necessidade de
se meter no ventre de uma mulher e que o M essias nã o havia de ser Deus».257
O medo devorava, atento, vidas no f io da navalha. Ora, é em con juntura inquisitor ial
que acontece a revolta do F und ã o. Como f oi, então, possível a r esistência, que f actor es
engendraram a aventura f undanense de 1580?
Contexto histór ico-cultural
A análise do contexto histór ico-cultural per mite compr eender , ar ticular as pectos causais
e teleológicos de Alcácer Quibir , as lutas pela sucessão ao tr ono, a vitór ia de Fili pe I e o
motim do Fundão.
A oscilação entr e o r eal, o sonho e o delír io por que enver eda a sociedade por tuguesa,
r evela, em última análise, uma inconsciência alar gada e uma cr ença inf inita numa mão
pr ovidencial a guiar os destinos de Por tugal.
D. Se bastião escolheu ser her ói, su bmeter -se a pr ovas, desco br ir -se na aventura,
ado ptando os modelos de cor tesia, honra, no br eza, es pír ito de cr uzada de cavaleir o ao
gosto medieval. Pr edestinado a um f utur o glor ioso – E V ós, ó bem nascida segurança
(...); novo temor da maura lança258 ) – acr editou-se «eleito»; as histór ias de cavalar ia, a
demanda do Santo Graal, os padr ões da fé cr istã, as narrativas de r eis e navegador es
sá bios e cora josos tinham povoado o seu imaginár io e desaf iado para um dese jo de ser
que igualasse os maior es. Este ca pital do f antástico ditou r egras de jogo; aventur ou-se
em Alcácer Quibir , em bar cou em nave de loucos, não desvelou o lugar do Graal.
257 Cf : Mendes dos R emédios, O s J udeus em Portugal, Edição f ac símile, Lis boa, Alcalá, 2004, vol II. p. 148; António Baião, A I nquisiçã o em Portugal e no Brasil, Lis boa, 1921, p. 129.
258 Luís de Camões, O s Lusíadas, Canto I, Dedicatór ia.
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Todavia, pelo deses per o, pela cr ença, pela lenda, f oi o Enco ber to. Sem f utur o r eal,
tor nou-se, na ver dade, no a póstolo do Quinto Impér io, um traço incontor nável da
cultura por tuguesa, através dos tempos. A lenda do Enco ber to, a pós a batalha, encontr ou
terr eno fér til para ger minar f or te e duradouramente; em situação de deses per o, o
Se bastianismo er igia-se como um dos quatr o mitologemas259 da por tugalidade;
sintécticamente, traduz a nostalgia de uma idade de ouro que passara e o sentimento de
humilhaçã o nacional de um povo ocupado pelo estrangeiro, bem como a espera
messiânica duma comunidade incapaz de resolver os seus destinos26 0.
A cr ença num Messias salvador , na vinda de um r ei pr edestinado explica a divulgação
das tr ovas pr oféticas de Gonçalo Anes. Conhecia a Bí blia que lia e r elia, empr estada por
João Gomes de Gr ã, escudeir o natural de Trancoso. Para os judeus f uncionava como um
mestr e, um ra bi; os cr istãos tam bém o consultavam so br e o signif icado de textos. Na
ver dade, o pr ocesso inquisitor ial do Bandarra, contém car tas que lhe elogiam a o bra261.
As tr ovas de Gonçalo Anes – 1520 e 1540 - , o Bandarra, sa pateir o de Trancoso,
sustentam dese jos e es peranças:
O Porco, e é muito certo / F ugir á para o deserto /Do Leã o e seu bramido /Demonstra que
vai ferido /Desse bom Rei E ncoberto26 2.
Ver sos que se memor izavam e cr istalizavam a cr ença no r egr esso do monar ca, mor to
em com bate, que o her oif icavam e o deif icavam.
Vencer o Adamastor que, por cer to, povoara o seu imaginár io de menino e jovem,
guiara D. Se bastião e f idalgos. Em Por tugal, lem bramos, nada mais adequado do que o
ver so pessoano, polissémico, para desocultar o f ado do r ei, ao longo de séculos: Quem
vem viver a verdade / que morreu D. S ebastiã o?26 3
259 Sequências lendár ias que o imaginár io pr of undo do povo por tuguês r epete e pr ivilegia – Cf . Gilber t Durand, “ O imaginár io por tuguês e as as pirações do ocidente cavaleir esco”, C avalaria espiritual econquista do mundo, Lis boa, I NIC/ Ga binete de Estudos de Sim bologia, 1986. p 11.
260 J.M., O S ebastianismo, Breve panorama de um mito portuguê s, Lis boa, Terra Livr e, 1978, p.10.
261 ANTT, Inquisição de Lis boa, Pr ocesso nº 7197.
262 Nas Co plas de Pedr o Fr ias lê-se: E sto ser á al mes d ’ outubre / E sta escritura no erra, / Avera la vitor yaen guerra / U n re y que non se descubre / . Juan de R ocacelsa escr eveu: S ube por el mar airado. / uncrusado prisionero / E ncubierto aventurero / Llegara de dia al prado / aun amañessa primero / . A pud, Belar d da Fonseca, D. S ebastiã o, antes e depois de Alcácer Quibir, Vol II, Lis boa, Ti pograf ia R amos Af onso e Moita, 1978, p. 27.
263 Fer nando Pessoa , M ensagem, poema D. Se bastião.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
175
O sucesso do texto de Bandarra é, tam bém, per ceptível à luz da decadência que Alcácer
Quibir desencadeia. O Enco ber to, qual R ei Ar tur , r etirado para o deser to, ou oculto
numa Ilha Enco ber ta, havia de cumpr ir velhas pr ofecias, e r egr essar um dia para
constr uir o Quinto Impér io:
E ste sonho, que sonhei, /É verdade muito certa, /Que l á da I lha E ncoberta / V os há-de vir
este Re y.26 4
Af inal, o enigmático Bandarra, - António Vieira di-lo-ia pr ofético - , com as Tr ovas
r imadas f avor ecia a memor ização; a condenação pelo Santo Ofício tor nava-as sedutoras.
Conhecidas, ditas e cantadas por cr istãos velhos e cr istãos novos, conheceram uma
enor me divulgação. D. João de Castr o f ala do cardume grande de cópias , es palhadas
principalmente pela Beira; e tam bém que os judeus trazem mui empapeladas muitas
profecias nossas, por amor das grandes venturas que prometem, parecendo-lhe que sã o
as que eles esperam.265 Tam bém António Vieira diz que os meninos da Beira
aprendiam a ler pel os seus” t oscos versos” , que exprimiam com tanta felicidade as
secretas aspirações de muita gente portuguesa.266
Em suma, no país e, na Beira, como dissemos, lugar de judeus, pelo menos desde o
século XIV, Bandarra e o Se bastianismo, uma ver são do messianismo judaico,
medravam.
Ao car deal r ei que sucede no tr ono a D. Se bastião, a pós a notícia da mor te em Alcácer
Qui bir , valor izam uns a r eligiosidade, a santidade, o r igor escr u puloso; pr ivilegiam
outr os a componente ditator ial.
A loucura grassara, a r iqueza dila pidada atolara o r eino; em tempo difícil, com vár ios
candidatos ao tr ono por tuguês, D. Henr ique, doente, per de-se em hesitações e a anar quia
assenta arraiais no país. Conf litos, batalhas, escaramuças semeiam o desnor te e a
insegurança. Fili pe II, através de Cr istóvão de Moura, vai vencendo os o positor es,
conquistando Por tugal; a f rase que se lhe atr i bui a pr o pósito do r eino por tuguês: Y o lo
I n Don Juan Valera, Historia General de E spaña, Bar celona, Montaner y Simon, Editor es, 1889, p. 115.
264 Bandarra, T rovas, Lis boa, Ina pa, 1989, Ter ceir o cor po das Tr ovas, Sonho 2º, quadra 5ª.
265 In Lúcio de Azevedo, A evoluçã o do S ebastianismo, Lis boa, Ed. Pr esença, 1984, p. 15.
266 José van den Besselaar , O S ebastianismo, História S umária, Lis boa, ICALP, 1987, p. 52.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
176
heredé, yo lo compré, yo lo conquisté é a síntese de um per cur so que culmina com a
união das cor oas peninsular es. Não foi imediata, pacíf ica, global, a aceitação do r ei
castelhano. D. António, Pr ior do Crato, r esistir á quanto pode.
É este o contexto mar cado pelo caos e pela conf litualidade que sub jaz aos
acontecimentos que se iniciaram no Fundão no ano de 1580. A aventura de Alcácer
Qui bir cr iou condições pr o pícias à união dos países i bér icos. Uma economia difícil,
uma Inquisição267 intolerante, tinham isolado Por tugal do mundo culto.
A intranquilidade, no último quar tel da era de Quinhentos, é toda poder osa na Península
Ibér ica; Alcácer Qui bir f r ustr ou as es peranças de quantos a postaram na aventura: em
1580, Por tugal per de a independência; em 1588, a Invencível Ar mada não f az jus ao
nome e é batida pelos Ingleses.
As desgraças, os err os políticos, a tr ágica batalha, a mor te de D. Se bastião
desencadeiam cr enças num fatum sagrado.
O insucesso da batalha é, na é poca, tendencialmente, inter pr etado como castigo de
Deus. Para os conver sos, ao Édito de ex pulsão somara-se o r efúgio em Marr ocos e a
coincidência de ter em de pr estar auxílio aos sobr eviventes da batalha; acr escia a mor te
da numer osa descendência de D. João III, que instalara a Inquisição em Por tugal, sinais
que eram inter pr etados como demonstração da ira divina pelos tor mentos que o r eino
havia inf ligido ao povo eleito.
Ao contr ár io, para os cr istãos, foram o r ecur so a dinheir o judaico e o per dão do conf isco
dos bens que ocasionaram a derr ota, a linguagem escolhida por Deus para manif estar
discor dância f ace às o pções r eais. A cada povo, sua ver dade.
267 Leia-se, a título de exemplo, o texto de um via jante: “S e sabe ya con que serenidad la I nquisicióncastiga a los que llama here jes, sobre todo a los judíos, a los que quema vivos. C omo éstos est án en grannúmero, y originarios del país, donde el interés y la riqueza del comercio les su jetan, afect án el serbuenos cristianos, tienen sus bolsillos llenos de libros de devoción, sus casas tapizadas de imá genes de
J esús C risto, de la V irgen y de los santos y bastante a menudo se comprometen en el estadoeclesiá stico.”. Aubr y de la Motraye, in J. Gar cia Mer cadal, V ia jes de extran jeros por E spaña y Portugal , Vol. IV, Junta de Castilla y León, 1999, p. 440.
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Sobr e Por tugal, escr eviam, então, Gas par Cunner tor f e João Jansen, mer cador es
neer landeses: Deus acuda ao reino neste seu terrível estado de miséria e desgraça.
Ainda a quem, como nós, nã o é vassalo ou natural parece estala o coraçã o de ver e
ouvir nesta cidade tanto dano, l á stima e destruiçã o e desonra que á naçã o causaram
nossos pecados.268
A intranquilidade, a desor ientação cr escia em Por tugal; ouvia-se,...o mais lastimoso
pranto e choros de donas e de todas as pessoas que jamais se viu, porque nã o houve
ninguém que ficasse t ã o livre desta perda que lhe nã o fosse l á marido, filho, pai ou
parente, e aos fidalgos coube tanto a maior parte disto que as mais casas grandes de
Portugal ficaram sem herdeiros26 9...
O estado do país era caótico e a f ragilidade de D. Henr ique acentuara-se com as divisões
inter nas, com as dissenções r eligiosas e políticas que grassavam na Eur o pa e ganhavam
adeptos entr e a elite nacional.
D. António, Pr ior do Crato, r esistia; conhecia bem o terr eno e pr ocurava gente de
conf iança, qualidade que rar eava, num mundo em desconcer to. Aos r eligiosos conf iava
o Pr ior a def esa do temporal, acr editando no empenhamento desinter essado dos que o
seguiam. A La pesa mer ece o comentár io: Y depositando en los monasterios sus dineros
y sus jo yas, juntó algunos miles de hombres entre soldados, menestrales, esclavos y
gente colecticia, y siguiéndole y haciendo de capitanes los frailes, llevando cruces en
sus manos izquierdas y en sus diestras espadas, llegó el antiguo Prior do C rato á
Belem...27 0
Era este o exér cito com que contava D. António; po pular es e f rades for mavam
batalhões, mas as terras e praças do país iam caindo nas mãos de Fili pe.
268 In João Lúcio Azevedo, “Notícias de Por tugal de 1578 a 1580 segundo car tas de uma Casa comer cial neer landesa”, Lusit ânia S acra, Lis boa, f asc 7, vol 3, 1925, Outubr o, p. 43.
269 Pêr o R oiz Soar es, M emorial, Coim bra, Univer sidade de Coim bra, ed Manuel Lo pes de Almeida, 1953, p. 102.
270 Idem, i bidem.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Vence e a vingança de Fili pe II é avaliada de modos dif er entes; uns cr êem-na leve,
outr os qualif icam-na como dura. Na ver dade, amnistiou, per doou alguns, mas há
pessoas castigadas por seguir em D. António. Quando Fili pe II é aclamado r ei, alguns
tinham par tido para o exílio, outr os haviam ex piado a f idelidade ao Pr ior do Crato.
Por ém, com o monar ca ausente, Lis boa é cantada como viúva, comparada a Jer usalém.
O se bastianismo e o antonionismo sobr eviviam, guar davam a es perança do r enascer da
monar quia por tuguesaJacobo Sobiesk i, via jando por Por tugal e Es panha, em 1611,
r eparava que: E ntre los portugueses y españoles rige una antipatía mu y profunda: los
primeros no pueden sufrir a los últimos. (...).
R etrato síntese de um sentir anti-i ber ista a que acr escenta: Ha y en Portugal muchísimos
judíos, y tan numerosos, que varias casas tienen su origen de ellos. A pesar de haberlos
quemado y expulsado, viven muchos ocultos entre los portugueses. La gente de
Portugal tiene mu y buenas disposiciones para el comercio y la navegación.27 1
Sur pr eendem-no os muitos navios, as casas, as igr e jas, os mosteir os o pulentos. O
am biente de Lis boa conquistara o via jante polaco. Negociantes r icos, as es peciar ias, as
jóias do Or iente, o comér cio var iado guindavam Lis boa ao to po do cosmo politismo.
Mas a sociedade estava enf er ma: os nauf r ágios, a manutenção dos por tos, as lutas ao
longo da costa, o desastr e da batalha, as pestes, a corr u pção, o estado de misér ia da
lavoura por tuguesa, traduziu-se, em última análise, em per da de vidas e de bens, em
desencanto.
Na Beira, pastor es e cultivador es, r udes, integram-se mal numa sociedade sem
har monia: na justiça vigorava o dir eito local, vilas e aldeias conf lituam. O ódio e o
medo comandam as vidas. O quotidiano desmente a r eligiosidade. Af inal, em muitas
terras do r eino, não havia cristandade mais que no nome, como r econhecia Fr ei
Bar tolomeu dos Már tir es.
271 Jacobo Sobiesk i, in J. Gar cia Mer cadal, V ia jes de E xtrangeros por E spaña y Portugal, Salamanca, Junta de Castilla y León, vol III, 1999, p. 182.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Olhar es vár ios, de nacionais e de estrangeir os, r evelam o contexto, o r etrato em grande
plano de um tempo que per mite compr eender o episódio de r esistência que se inicia no
Fundão em 1580.
As Br igas do Fundão
Como era então o Fundão?
Em documento datado de 15 de Janeir o de 1569, lê-se:
Dizem oficiais do lugar do F und ã o, termo da vila da C ovilhã , por suas partes e de todo o povo do dito
lugar e dos lugares a ele chegados, que os do F und ã o est ã o grandes tr ê s léguas afastados da dita vila,
entre as quais tr ê s léguas há dois rios grandes e outras muitas ribeiras que por vezes tolhem v ã o, o qual
é mui g rande de mais de 500 vi z inhos e muito grande trato e a mais honrada aldeia que no reino há ,
aonde há d ois j uíz es e um tabelião das notas que há mais de 80 anos , que está separado da dita vila por
autoridade dos reis passados...
O documento inter essa por ser r evelador que, no tempo de D. Se bastião, o Fundão era
aldeia grande e es boçava a sua vontade de emanci pação da Covilhã. Por isso, o monar ca
satisf ar á o pedido; r econheceu a par tir da diligência que:
mostra ter o dito lugar os ditos 500 vizinhos e ser aldeia g rande e de muito trato , e estar tr ê s léguas da
vila da C ovilhã , e nã o terem posse de ter tabeliã o antes sempre os da dita vila iam ali escrever e somente
um dos seis tabeliã es das notas havia muito tempo que morava no dito lugar por provisã o de E l rei meu
senhor e avô que santa glória ha ja, e que o povo do dito lugar receberia pre juízo em nã o ter tabeliã o
(...)272
Eram muitos os judeus que viviam na localidade, f oram muitas as pr isões, muitas as
f ugas. A Beira estava na mira da Inquisição.
Houve beir ões que se r ef ugiaram: um depoimento datado de 1581 r egistava que na
cidade de Ferrara havia uma l âmpada de S . V icente, uma do F und ã o e outra da
C ovilhã .273. Tam bém pr ocur ou exílio na Itália o céle br e f undanense Pedr o de Barr os,
professor de M edicina que ensinou na C orte de T urim, onde foi físico mor de C arlos II ,
Duque de S abóia; f aleceu com 90 anos , em 1558; f oi autor das obras editadas nos anos
de 1507 e 1512: De pestilentia e Lexipir ytae perpetuae quaestionis.
O Fundão cr escera, por cer to, com o r efúgio de judeus vindos de Es panha, a pós o Édito
de ex pulsão. Em meados do século XVI, a par tir dos lugar es de culto que se constr uíram
272 A. N.T.T.Chancelaria de D. S ebastiã o e D. Henrique, Privilégios, Liv 8, f olhas 54vs
273 António Baião, A I nquisiçã o em Portugal e no Brasil, Arquivo Histórico Portuguê s, vol VIII, p. 419.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
180
e que delimitavam o es paço ur bano, o es paço sagrado, pr esume-se a dimensão do lugar .
As ca pelas, de Nossa Senhora da Conceição constr uída em 1560, as de Santo António e
de S. Francisco que datam de 1574, e a do Es pír ito Santo de 1578, a par das casas
quinhentistas r evelam um bur go pr ós per o.
O Convento de Nossa Senhora do Seixo, outr o edifício quinhentista, ser vir á de lugar de
r ecepção a visitador es, e de a br igo ao meir inho da Inquisição que, em 1580, veio ao
Fundão e esteve na or igem do alvor oço judaico. Foi f undado por D. Diogo da Silva, no
tempo em que era Desem bar gador dos agravos de D. João III; natural do concelho do
Fundão ser á o pr imeir o Inquisidor .
Na Santa Casa da Miser icór dia instituída tam bém no século XVI, que se situar ia na R ua
da Fonte Grande, actual r ua da Miser icór dia velha numa casa com por ta ogival, f oram
ouvidas as testemunhas dos tumultos de 1580.
Médicos, par teiras, boticár ios, sa pateir os, padeir os, alf aiates, mer cador es, corr eeir os
são pr of issões r egistadas entr e os ha bitantes do Fundão, na era de Quinhentos.
Mar cos Teixeira, inquisidor de Évora, em 1579, visita a Beira274. Ouve a Mar ia de Sá e
a Ana Lo pes, cr istãs velhas da Covilhã e do Fundão, que Francisca R odr igues, viúva do
Fundão, assegurava que o Santo Ofício metia as almas nos inf er nos com as suas
pr egações. Na R ua Nova do Fundão, Diogo Vaz af ir mava que não o podiam pr ender por
não comer por co e guar dar o sá bado. Conhecia a legislação inquisitor ial, este cr istão-
novo, mas de pouco valia; a petição dos conver sos do Fundão contra o que consideram
ser atr o pelos do visitador Mar cos Teixeira aos dir eitos que possuíam, não sur te ef eito.
D. Jor ge, bis po de Lis boa, encarr egar á Fr ei João de Santar ém, guar dião do convento de
S. Francisco de Penamacor para ouvir testemunhas sobr e a petição. Ser á r ece bido no
mosteiro de S . F rancisco (assim o denominam) do dito lugar do F und ã o, onde vem em
segredo, ouvir testemunhas.
A uma visitação seguiam-se pr isões, per seguições e... f ugas, quando era possível. Graça
Henr iques275, Diogo Barr eir os, Leonor Gomes, Jor ge Francisco, Francisco de Matos e
274 A. N.T.T., Inquisição de Coim bra, Livro de visita do licenciado M arcos T eixeira ( 157 9 )
275 Graça Henr iques, Inquisição de Lis boa, pº 1269. É queimada viva, em auto da fé.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
181
Beatr iz R odr igues, do Fundão, são alguns beir ões que, então, sof r eram os cár cer es da
Inquisição. A Beira inter essava à Inquisição e os cr istãos-novos não conhecem a paz.
Que aconteceu, então, no Fundão, no Ano do nascimento de nosso S enhor J esus C risto
de mil e quinhentos e oitenta anos, aos vinte e dois dias de N ovembro do dito ano nesta
vila do F und ã o27 6 , título do auto que Damião Mendes, meir inho do Santo Ofício,
r equer eu?
Feito nas pousadas de Simão de Sequeira, pr ior da vila, queixa-se o meir inho de uma
resist ência que foi feita a ele...e à s pessoas que ele tinha para favor e a juda da
dilig ência que vinha fazer por parte do S anto O fício e de S ua M a jestade.
Conta o auto que chegara a uma sexta-f eira, muito de noite, em segr edo, ao Mosteir o de
Nossa Senhora do Seixo um meir inho. Sá bado, cedo, mandara o guar dião do convento a
casa do Pr ior do Fundão. A mensagem dizia que convinha muito ao serviço de Deus que
viesse ao mosteir o. Simão de Sequeira obedece; é inf or mado sobr e as intenções dos
Inquisidor es; acor dam que convinha para o tal caso os delinquentes se prenderem ao
domingo seguinte estando à missa.
Por isso, o Pr ior mandou chamar os licenciados Domingos Alves e Jor ge R uber te,
clér igo de missa, Domingos Franco, cura da igr e ja da vila, e Gonçalo Vaz, todos
cr istãos velhos e gente principal da terra, em quem conf iava.
R epar tiu-os pelas tr ês por tas da igr e ja; aler tou que, quando o meir inho entrasse, os
encarr egados da guar da das por tas não podiam deixar sair nenhum dos culpados.
Tentaram cumpr ir .
Vá lá sa ber -se como, o segr edo solta-se. Estêvão de Sampaio, morador na vila, capit ã o
de uma companhia, f oi visto a avisar os cr istãos novos para não ir em à missa, por que o
meir inho os pr ender ia. Diz o Auto que os mais deles assim homens como mulheres se
ausentaram e nã o vieram à missa. Por que pr ocedia assim? A af eição e o comer deles é
a ex plicação avançada por delator es.
276 ANTT, Inquisição de Lis boa, Cader no VI do Pr omotor – 1571- 1591 -, Liv 197.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
182
Conta mais o Auto: C omo capit ã o e V ereador que é na dita vila mandou por em armas
a todos lançando tom e sob pena de que vinha o C orregedor da Guarda e justiça da
C ovilhã para lhe tomarem a vila.
Estratégia de Estêvão de Sampaio para juntar toda a po pulação contra o meir inho?
Pr etendia salvar os cr istãos novos ou/ e pr eser var o r ecente estatuto de vila?
Considerado ter mo da Covilhã, o Fundão é titulado como vila, na documentação a que
tivemos acesso, durante um cur to per íodo277 e, como ver if icámos, os ha bitantes quer iam
salvaguar dar o estatuto adquir ido.
Damião Mendes adianta que f oi r ece bido à por ta da igr e ja por Estêvão de Sampaio e
homens ar mados para matarem, afrontarem e impedirem o S anto O fício, como de feito
afrontaram a ele, meirinho, defendendo-lhe que nã o fechasse as portas da dita igre ja
com armas ofensivas e defensivas, arcabuzes, montantes e espadas nuas, repicando o
sino dizendo com altas vozes matai estes ladr ões, matai estes ladr ões. Queixa-se mais o
meir inho da Inquisição. Fala de impuxões, de o ter em derr ubado, de lhe que brar em a
vara e lhe tomar em a es pada, de ter f icado sem ca pa e sem cha péu, no chão; não f ora a
chegada do pr ior que o identif icou como mem br o do Santo Ofício, garante que não ter ia
sido solto e de feito o mataram como tinham determinado e depois dito.
No adr o da igr e ja, cor taram as r édeas aos cavalos, af ugentaram-nos pelo campo e
es pancaram, assim como a António Francisco, homem do meir inho, que os segurava,
deles cuidava.
Damião Mendes denuncia tam bém Estêvão de Sampaio pelo que ouvira a Jor ge
R uber te, o guar dador da por ta pr inci pal da igr e ja; o ver eador r ecr iminado por não a judar
a Inquisição, r es pondera com palavras muito in juriosas; a pelidara o clér igo de missa de
crist ã ozinho e tredo à vila do F und ã o, donde era natural, e que ao meirinho lhe
tomaria a vara e lha meteria pelo cu acima e outras muitas palavras semelhantes.
Acr escenta que, com os juízes ausentes e sendo ver eador mais velho não quisera tomar
a vara para f avor ecer o Santo Ofício. Pelas razões aduzidas, por def ender os cr istãos
277 In R i beir o Car doso (dir ), S ubsídios para a História regional da Beira Baixa, Castelo Branco, Junta Pr ovincial da Beira Baixa, 1940, p. 50.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
183
novos, Damião Mendes lança a sus peita: pode-se dizer que é da dita naçã o. Damião
Mendes nomeia testemunhas para ser em per guntadas, e das mais das ditas coisas
conteúdas no Auto deu fé passarem na verdade, o escrivã o.
A 26 de Novem br o de 1580, na casa do pr ior , a par ece Gonçalo Vaz, e porquanto nã o
havia juiz na terra, mandou f azer outr o Auto. Queixa-se Gonçalo Vaz que os cr istãos
novos saltaram com ele, que o quer iam matar ; cul pa Estêvão de Sampaio e conta que
levara muitas estocadas e pancadas; valeram-lhe, af ir ma, os cr istãos velhos. Ameaçado
de mor te por ter a judado ao Santo Ofício a pr ender os cr istãos novos, sa be mais: à tar de,
viera à vila António de Pr oença, meir inho da vila da Covilhã, trazendo um pr eso para
entr egar a Damião Mendes. O sino r epicou e o povo, avisado pelo ver eador , não
per mitiu que o meir inho da Covilhã entrasse de vara levantada na vila do Fundão. E
depois disto saltou com ele dito meirinho no caminho com muitos homens, atitude que
Gonçalo Vaz inter pr eta como r eveladora da vontade de impedir o S anto O fício, porque
trouxe o dito preso ao meirinho da S anta I nquisiçã o.
Tr ocam palavras of ensivas e ouvem a Estêvão de Sampaio clamar matai, matai o
ladr ã o. R azão mais do que suf iciente para Gonçalo Vaz r equer er ao juiz, Gonçalo R oiz,
que pr enda o ver eador ; a or dem não é cumpr ida e a justif icação é clara para Gonçalo
Vaz: o juiz é cr istão-novo e solta-o. Pr esume tam bém que os compor tamentos do juiz e
do ver eador decorr em da cumplicidade gerada pelos laços de per tença aos da nação;
conf ir ma que um dia, na missa, Estêvão de Sampaio dissera ao pr ior : mente que pois as
mentiras se diziam no púlpito... Acusa-o mais: de ousar cometer cr imes por comprazer
aos crist ã os novos e comer deles.
Ousadia demasiada em tempo de f er vor r eligioso, ainda que a anar quia r einasse,
acr editámos que este episódio não podia ter parado por aqui.
Na ausência de pr ocessos inquisitor iais, r ecorr emos ao Cader no do Pr omotor onde
encontr ámos outr os textos sobr e o motim.
Lemos que no ano do nascimento de N osso S enhor J esus C risto de mil quinhentos e
oitenta e um anos, a 17 de Novem br o, ou se ja, um ano depois do alvor oço, o Dr . Gas par
de Castr o, corr egedor e pr ovedor da comar ca de Castelo Branco, veio ao Fundão para
devassar acer ca de uma resist ência que se fez ao meirinho da S anta I nquisiçã o.
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A or dem ser á obedecida. A leitura dos depoimentos dos inquir idos sur pr eende. A
histór ia dos acontecimentos r epete-se, com ângulos de visão nem sempr e coincidentes,
valor izando uns o que outr os menos pr ezam, alguns guar dando inf or mações r elevantes
para a compr eensão do episódio. Ouçamos as testemunhas, a par tir do r egisto de Gas par
da Silva, o escr ivão.
O pr imeir o a depor é Simão de Sequeira, pr ior da igr e ja. Af ir ma que o meir inho do
Santo Ofício o tinha mandado chamar estando escondido no M osteiro de N ossa
S enhora do S eixo, pelo guardiã o do dito mosteiro. Foi então que conheceu a pr ovisão
do Santo Ofício e soube que iam pr ender cr istãos novos morador es no Fundão os quais
ele deu o rol ; ex plica que acor daram que escolher ia tr ês homens cr istãos velhos para
guar dar em cada uma das por tas da Igr e ja; descr eve a conver sa com Gonçalo Vaz, um
dos eleitos: sur pr eende-se o pr ior , quando o ouve pedir -lhe que o nã o enganasse,
porque E st êvã o de S ampaio, morador aqui, lhe dissera que o meir inho da Santa
Inquisição quer ia meter no Fundão o Corr egedor da Guar da. Dissuadiu-o Simão de
Sequeira, e Gonçalo Vaz aceita encarr egar -se da guar da de uma das por tas. Os f actos
narrados pelo depoente incluem por menor es; Damião Mendes entrara na igr e ja, pela
por ta pr inci pal e nela levantou a vara dizendo da parte da S anta I nquisiçã o trazendo o
rosto coberto com um papafigo e logo muita gente saltou nele e o derribara dando-lhe
muitas punhadas e coices com muitas espadas (...). O sacer dote acudiu, lem brando que
o meir inho vinha da par te da Inquisição e que nã o estavam na Rochela, cidade f rancesa,
onde muitos conver sos idos de Por tugal se r ef ugiavam. Levanta do chão o meir inho, e
vê à porta travessa onde estava Gonçalo V az sof r er uma estocada nos peitos e nã o o
matara, justif ica, por ter umas couraças.
Simão de Sequeira indica Anr ique Antunes, cr istão-novo, que atacara Gonçalo Vaz por
sa ber que ele impedia a saída da igr e ja a quem quisesse sair .
Gas par de Castr o, o corr egedor de Castelo Branco, interr oga-o: de quem se queixava o
pr ior ? Estêvão de Sampaio é o acusado. Af r ontara-o quando entrara na igr e ja, mandara
cor tar as r édeas ao cavalo, além de ser pública voz e fama que o dito E st êvã o de
S ampaio foi o princípio deste motim; andara pelas r uas avisando pessoas, por a ele vir a
notícia de que o dito meirinho estava escondido no mosteiro.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Como soubera o ver eador da pr esença do meir inho da Inquisição? Como se des pr endeu
o segr edo? Os convocados para guar dar as por tas, por cer to, não divulgar iam a
inf or mação, não lhes convinha; af inal ter iam de viver no Fundão par edes-meias com
muitos cr istãos novos que passar iam a olhá-los com, pelo menos, sus peição. E que ser ia
da terra se par tissem os conver sos?
De posse do segr edo estava, de cer teza, o guar dião do mosteir o que viera chamar o
pr ior . E os outr os f rades não sa ber iam? As par edes tinham ouvidos e, na é poca, o há bito
não f azia o monge; muitas vezes ser via, pr ecisamente, para ocultar cr enças pr oi bidas. O
númer o de acusados de heter odoxias e her esias, entr e eclesiásticos, é consider ável.
Segundo o depoimento do pr ior , a mãe de Estêvão de Sampaio era cr istã nova, ele
pr ó pr io convivia amigavelmente com eles e os f avor ecia, por que eles o sustentavam. O
compor tamento, para Simão de Sequeira, não deixava mar gem para dúvidas. Acr escenta
que sendo ver eador e ca pitão, ele e o meir inho mandaram que tomasse a vara de juiz,
por um dos juízes se ausentar por ser crist ã o-novo e ele o nã o quisera fazer.
As questões mais difíceis f icam para o f inal: o corr egedor exige mais esclar ecimentos.
Desf iando o auto de Damião Mendes, a histór ia incluía o meir inho da Covilhã, que
viera ao Fundão trazer um pr eso do Santo Ofício; ouvira-se r epicar o sino e o povo
amotinado saltou com o dito meirinho no caminho. O pr ior esclar ece que o meir inho da
Covilhã é seu ir mão, uma inf or mação r elevante, como ver emos. Para validar o
depoimento, interr ogado sobr e o costume declara que estava diferente com E st êvã o de
S ampaio. Inter vir iam o af ecto pelo ir mão e o desaf ecto pelo ver eador , no r elatar dos
f actos? Ajudam a a juizar sobr e a ver são da testemunha?
No f inal do depoimento constam assinaturas de Gas par de Castr o e de Simão de
Sequeira, bem como a do escr ivão, Gas par da Silva.
No dia 18 de Novem br o, o Corr egedor de Castelo Branco ouve, na Santa Casa da
Miser icór dia do Fundão, a António R oiz, mer cador . Não diver gem as inf or mações em
r elação ao essencial: inova, por ém, quando es pecif ica que havendo quatro meses que
este povo estava levantado por vila e não entrava nele J usti ça da C ovilhã nem da
G uarda por terem para isso provisã o veio António de Proença, meirinho da Covilhã a
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
186
este F und ã o e trouxe um preso da S anta I nquisiçã o; o pr o blema, na visão de António
R oiz, é que depois de entregar o dito preso andou pela vila de vara levantada fa z endo
demoras nas r uas , prag uejando da terra di z endo que havia de ser aldeia da Covilhã.
Testemunho pr ecioso, o de António R oiz: como aceitar a ostentação de poder do
meir inho da Covilhã, as pragas r ogadas ao Fundão, a pr ovocação de que havia de ser
aldeia da C ovilhã ? Bem aconselhou este mer cador ao meir inho que não tr ouxesse vara
levantada que o povo estava alvoroçado. A r esposta da autor idade viera em tom de
desaf io: António de Pr oença jura que havia de levar duas varas uma numa mã o e outra
noutra e se alguém lhe falasse que o havia de pagar e que havia de fazer com que
destr uí sse este l u gar ...
Foi Estêvão de Sam paio quem o f ez baixar a vara o que lhe valeu uma tr oca de palavras,
que pr esumimos pouco amigáveis, com o ir mão, o pr ior do Fundão.
Af inal, o motim tinha outra dimensão; em causa estava a def esa da inde pendência da
vila, conseguida havia quatr o meses; ora, o desaf io/pr ovocação de António de Pr oença,
meir inho da Covilhã, maldizendo o novo estatuto do Fundão, exacer bara os ânimos. Em
tem po de conf lito mandava quem podia e o estatuto de vila para o Fundão f ora uma
conquista.
O ter ceir o de poimento é de Jor ge R uber te, clér igo de missa. Não altera muito as
inf or mações; pr ivilegia uns f actos, desvalor iza outr os. Boato ou não, acr escenta que
Gonçalo R oiz, juiz, cr istão-novo, se pusera a cavalo... e se fora por detr á s das casas e
andou fora quatro ou cinco dias.
Indícios de cul pa que, um ano de pois dos acontecimentos, são r egistados, r econstituídos
com o por menor possível. R ef er e tam bém o alvoroço, o rumor de muita gente, o
reboliço gerado pela entrada do meir inho, em buçado e de vara levantada na igr e ja.
Factos, memór ias e boatos amalgamam-se e Jor ge R uber te lança a dúvida, tor nada
pública, na altura dos acontecimentos, so br e um filho de P êro Gomes, defunto, o mais
moço a quem nã o sabe o nome, crist ã o-novo, autor do cor te das r édeas e da pancada aos
cavalos do meir inho. Não esquece, tam bém, o clér igo de missa o gol pe sof r ido por
Gonçalo Vaz; Anr ique Antunes ser ia um suspeito, pelo que ouvira dizer , mas viu
António Roiz, sapateiro, de alcunha o doudo, crist ã o-novo com uma espada arrancada.
Def ende ainda que lhe par ece que de um dos lados da por ta, o meir inho f ora im pedido
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
187
de entrar por que nã o se sabia que era da S anta I nquisiçã o e cuidava que era da C ovilhã
ou da Guarda; conf ir ma que o negócio que houve com o meirinho, António de
Proença , foi depois de ter entregue o preso, levar vara levantada e o im pediram por
sustentarem a posse da vila , e dizem que o prior, irmã o do dito meirinho, acudira e
prendera ao dito E st êvã o de S ampaio...
Estar ia ili bado de cul pas, o ver eador ?
Jor ge R uber te tem outr os dados para lançar : ouvira dizer ao escr ivão dos achados do
Fundão que Estêvão de Sam paio aconselhara a f uga a um cr istão-novo, por que estava na
terra o meir inho da Inquisição. Acr escentou que r e pr eendera o ver eador pelo
com por tamento que tivera, e ele lhe respondera mal e com palavras descorteses, mas
que ele testemunha lhe nã o quer mal.
O licenciado Domingos Álvar es, cum pr idos os r ituais de juramento so br e os
Evangelhos, inicia o de poimento, conf ir mando que estando esta terra levantada por
vila havia quatro meses pouco mai s ou menos e tendo provi são no caso , veio ao
Fundão, o meir inho da Covilhã. Declara que Francisco Mendes se deslocara a sua casa
por ser ver eador , a pr eensivo, por que não se arreceava de outra coi sa senão que viesse
o Corregedor da G uarda e Covilhã e lhe tomassem a cadeia e posse em que estava .
Domingos Álvar es deu conta desta conver sa a Estêvão de Sam paio por ser outrossim
vereador e, como o pr ior o mandara chamar , pede-lhe tam bém que provesse na guarda
e defesa do caso. Conta que Estêvão de Sam paio se levantou da cama e se encarregou
disso.
Esta testemunha é uma das escolhidas pelo pr ior , para guar dar as por tas da igr e ja;
desconf iou Sam paio da pr esença do meir inho da Inquisição, a par tir da conver sa com
Domingos Álvar es? Esta testemunha ter á desvendado o segr edo, ou suger iu mais do que
af ir mou?
Declara ainda o cura que aconselhara o pr ior a desviar o r umo dos acontecimentos por
saber o estado em que terra e gente dela estavam por que a qual quer sinal se iravam
j untos , armados os moradores quase todos por ra z ão da g uarda e posse .
O pr ior não o ouve e a Domingos Álvar es não r esta senão o bedecer : guar da a por ta.
Quando o meir inho da Inquisição entra, vestido de S aragoça com um papafigo da
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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mesma cor, rebuçado e a vara dobrada, o povo não o identif ica como mem br o do Santo
Ofício. Alvor oça-se, cuidando que era o C orregedor da Guarda. Quando f oi
r econhecido, as pessoas aquietaram-se. Em traços br eves, o cura f ala do e pisódio com
Gonçalo Vaz, e adianta uma inf or mação dissonante, per tur badora: segundo ouvira dizer,
E st êvã o de S ampaio é tido na dita vila por crist ã o velho.
Par ece estranho o f acto de os inquisidor es a pr eciar em o de poimento; anotam ao lado do
manuscr ito: E sta testemunha parece que conta a verdade. Por que assim se
salvaguar dava o r osto, a f or ça da instituição? Por que conheciam o medo que inspirava a
Inquisição? Af inal, concluíam, o r econhecimento do meir inho como elemento do Santo
Ofício acalmara as pessoas. A questão desviava-se; no Fundão, a po pulação enf r entava
o meir inho da Covilhã e não a Inquisição. Def endia-se o estatuto de vila e não os
cr istãos novos.
Francisco Anes, outr o de poente, não se af asta das declarações até então pr oduzidas.
Disser ta so br e o temor que viessem tomar a vila, a cr ença de que era o Corr egedor da
Guar da que entrara na igr e ja, e o f acto do meir inho da Covilhã trazer um pr eso para
entr egar ao Santo Ofício. R eitera que, de pois de o ter entr egue, andara pela vila com a
vara levantada e começara a zombar da cadeia e da vila, e r evoltara as pessoas. Ao
pedido da testemunha para que baixasse a vara, por amizade, António de Pr oença, em
casa do ir mão, r espondera à testemunha que havia de levar uma em cada mã o.
António Mendes, Manuel Pir es, paneir o, Diogo Vaz, almocr eve, Jor ge Antunes, Pêr o
Fer nandes e Miguel Pir es, f err eir os, nada acr escentam aos testemunhos anter ior es.
Matias Fer nandes, alf aiate, lem bra um por menor : os cr istãos novos, quando f ugiam pela
por ta onde o meir inho estava, lhe davam encontr ões e que alguns dos crist ã os novos
que fugiam eram de C astelo Branco que vieram aqui para uma boda que ele
testemunha nã o conhece.
António Teixeira, mance bo, identif ica quem agr ediu o cunhado de Gonçalo Vaz.
Nomeia: Domingos Mendes, Anr ique Antunes e Duar te Antunes. Viu tam bém quem
cor tou as r édeas aos cavalos: António R oiz, doido por alcunha, Manuel Gomes.
Francisco da Conceição, cr istão velho, tam bém ter ia atacado os cavalos, mas nã o
sabiam que eram do meirinho da I nquisiçã o. Conclui o de poente, claramente, que o
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
189
negócio que aconteceu ao meirinho da C ovilhã nã o fora sobre coisas do S anto O fício
somente fora por levar vara levantada tendo entregue o preso porque nisso foram
alguns crist ã os velhos.
Quem, entr e não her éticos, ousar ia agr edir um meir inho da Santa Inquisição? Que
melhor pr ova do que a par tici pação dos cr istãos velhos no conf lito com António de
Pr oença?
Declara ainda António Teixeira que não vira na volta Estêvão de Sam paio, nem sa bia
que avisara os cr istãos-novos, e que dizem algumas pessoas que o ver eador visado é
meio crist ã o-novo. Sa be-se pouco so br e o ver eador : para uns é cr istão velho, outr os
dizem-no cr istão-novo, e tam bém há quem o identif ique como meio cr istão-novo. Quem
e o que ser ia? Em que acr editar iam os inquisidor es?
Os interr ogatór ios continuam. A 19 de Novem br o de 1581, na Santa Casa da
Miser icór dia do Fundão, Gaspar de Castr o ouve novas testemunhas.
Francisco de Pr oença r eitera que conhece as acusações de Jor ge R uber te a Estêvão de
Sam paio, que outras pessoas (das quais não se lem brava) conf ir mavam, e que soube que
o visado é amigo de crist ã os-novos e come deles por ser pobre e que ele testemunha o
tem por crist ã o velho.
O ver eador é ou não conver so?
Não conf ir mamos a judaicidade; não coincidem os de poimentos que lemos, af ectos e
cr enças par tici pavam na r econstr ução dos f actos. Estêvão de Sam paio podia per tencer
ao r eduzido númer o de gente solidár ia com os cr istãos-novos, e não pr of essar a cr ença
judaica. Def endia-os por que def endia a terra onde era ver eador ? Como ser ia o Fundão
sem a pr esença dos conver sos? Acr esce que o meir inho da Covilhã manif estara
publicamente o dese jo de r ecusar o estatuto de vila ao Fundão, e ao ver eador incum bia a
def esa da emanci pação alcançada.
Francisco de Pr oença lem brar á o conf lito, o medo que se a poder ou dele pr ó pr io e o
levara a r ef ugiar -se na ca pela r eceando o alvor oço do povo; temera as cutiladas em
Gonçalo Vaz, estr emecera com o desaf io do meir inho da Covilhã; tr emera a pr isão de
Estêvão de Sam paio, pelo pr ior , por ter mandado r e picar o sino e mandar baixar a vara,
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
190
assustara-o a deso bediência do juiz, cr istão-novo, que soltara o ver eador ... Paralisou-o o
medo? Tinha razões para isso. O testemunho f inaliza com a per gunta so br e o costume; o
escr ivão anota que o inquir ido conf essa ser parente da mulher de E st êvã o de S ampaio.
Domingos Franco, cura da igr e ja, estava acautelado; ouvira, na sacr istia, a conver sa
entr e o pr ior e Gonçalo Vaz, tinha per ce bido a dúvida deste encarr egado de guar dar uma
das por tas, antes de sa ber quem se deslocar ia ao Fundão: se o meir inho da Inquisição ou
o Corr egedor da Guar da. O r esponsável pela desconf iança, lem bra, havia sido Estêvão
de Sam paio que, sendo vizinho, o chamara e lhe dera a entender que estava a ser
enganado.
Af ir ma a testemunha que o r e boliço da gente o im pedira de ouvir r e picar o sino; mas
actuara por que, ar gumenta, se pr eocupara em aplacar as mulheres que gritavam por
cuidarem vinha sobre eles a justiça da C ovilhã ou Guarda, pelos sobressaltos que
havia, no que r espeitava à posse da vila.
Os de poentes continuam a ser ouvidos, aos vinte dias de Novem br o de 1581, ainda na
Santa Casa da Miser icór dia do Fundão.
As declarações de Andr é Gonçalves, bar beir o, arr olado como testemunha, af inal, não
têm valor ; no dia em que vieram os meir inhos da Inquisição e da Covilhã, estava preso
na cadeia e nã o sabia de nada. Por que f oi indicado?
Gaspar Antunes conf ir ma que vira Estêvão de Sam paio andar pela vila a avisar que
vinha o Corr egedor da Guar da que se fizessem prestes porque vinha a quebrar a posse
da vila; não f osse o dia bo tecê-las, tam bém ouvira dizer a um vizinho, António Jor ge,
que Branca Manuel e outr os cr istãos-novos não tinham ido à missa por ter em sido
avisados pelo ver eador . A Gonçalo R oiz tinha-o visto sair a cavalo pela porta de tr á s se
fora à aldeia do Al caide a uma a z enha onde esteve alguns dias até o prior lhe dizer
que podia vir seguro; nessa altura, em sua casa estavam Gaspar Mendes e ...Vaz, o
Gana. O r elato do e pisódio da igr e ja explicita a dif er ença de actuações entr e cr istãos-
novos e cr istãos velhos; os últimos a paziguam-se logo que per ce bem que se trata do
meir inho da Inquisição; os conver sos trabalhavam por se sair e abrir algumas portas
assim os que estavam dentro como os de fora.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
191
Gaspar Antunes vira, ainda, agr edir Gonçalo Vaz, e chegar um f ilho de Branca Manuel,
com uns dez, doze anos que f ugira e trazia uma espada f err ugenta que ele lhe tomara.
Do tem plo, tam bém esca para Diogo Antunes, o bodegueir o, cr istão-novo, a quem
caíram as chinelas pelo caminho; conf ir ma tam bém, por ouvir dizer , que f ora António
R oiz, o Doudo, que cor tara as r édeas aos cavalos; r ef er e, como novidade, que na igr e ja
estavam uns noivos, cr istãos-novos, de Castelo Branco, o esposado com outros seus
parentes e parentas, e que estando ele per to viu, crist ã os-novos e crist ã s-novas
deitaram tanta arrochada no meirinho e o prior, e algumas saíram; identif ica uma
delas: era Isa bel R oiz, mulher de Pêr o Lo pes que ora vive em Guimar ã es. Indicações
valiosas para uma instituição que constr uíra uma r ede de olhos e ouvidos que envolvia
todo o r eino.
Gaspar Antunes testemunha ainda que os cavalos do meir inho foram ter a Aldeia de
J oanes, e corr o bora que o pr o blema com António de Pr oença, da Covilhã, ocorr era por
levar vara levantada.
Gracia R osales, serralheir o, outr o inquir ido, nada acr escenta às inf or mações anter ior es.
Cheio de razão, Vaz, f eltr eir o, conf essa que estava de candeias às avessas com o juiz; na
noite anter ior tinha-lhe tomado uma espada que lhe vira usar no dia do alvor oço. Conta
mais: à por ta da casa de Gonçalo R oiz, o juiz, encontrara Estêvão de Sam paio que o
avisara que não estava em casa; explica, então, que fora para as traseiras das casas do
dito Gonçalo Roiz e o vira ir pelo olival abaixo. Fugira o juiz?
É ódio e raiva de quem diz? São com por tamentos e de poimentos que r evelam medos
entranhados e f undamentam desconf ianças ca pazes de colocar na mira do Santo Ofício
novos per seguidos.
Fer não Vaz r ecor dar á por menor es na agr essão de Gonçalo Vaz; para além de Anr ique
Antunes, f r equentemente nomeado, vira António Manuel, Diogo Nunes, Diogo Antunes
e Francisco Lo pes, e outr os de que nã o é lembrado; puxa pela memór ia e r ef er e que no
e pisódio entram Catar ina R oiz, mulher de Francisco Manuel, e Beatr iz R oiz que o
de poente vê a atirar pedras ao guar dador da por ta da igr e ja. Outr o nome é ventilado: o
de Simão, f ilho de Isa bel Fer nandes, cr istão-novo que cortara as rédeas aos cavalos.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
192
O bser vador , dá conta que muitas pessoas conver sam com Estêvão de Sam paio; justif ica,
por ém, o f acto lem brando que era capit ã o e vereador ; ver dade é que a conf usão se
instalara: uns diziam que vinha o Corr egedor da Guar da, outros diziam que podia ser o
meirinho da S anta I nquisiçã o por estar no mosteiro e o dito E st êvã o de S ampaio dizia
nã o havia de ser senã o o C orregedor da Guarda...
Ver sões dif er entes para dif er entes públicos? Não era esta a f or ma ideal para motivar uns
e outr os e evitar pr isões de cr istãos-novos que ter iam ef eitos nef astos na vila? Pr esumia
Estêvão de Sam paio um conluio, entr e os poder es, que pudesse por em r isco a r ecente
inde pendência do Fundão f ace à Covilhã? Cer tezas e desconf ianças mesclavam-se, por
cer to, e o ver eador acautelava a def esa em todas as f r entes. Visado em vár ios
de poimentos, per ce be-se que era homem que desper tava sim patias, e que tinha os seus
inimigos. Como acontece com os que inter vêm na res publica.
António da Cunha, outr o inquir ido, f oi o r e picar do sino, quando estava em casa, que o
tr ouxe para a r ua. Chegado ao adr o da igr e ja, vira agr edir a Gonçalo Vaz, Anr ique
Antunes e António R oiz, e ao meio crist ã o-novo, F rancisco Lopes M arote.
Helena João, mulher de Fer nandes Cara pito, inf or ma que estava à janela que é defronte
da igre ja, e disseram que vinham... tomar a vila; são mais nomes, mais suspeitos; havia
gente com ar mas, cr istãos velhos e cr istãos-novos, mas quando souberam que eram
of iciais da Santa Inquisição toda a gente se tornou a recolher.
Do testemunho de Francisco R oiz Bár bara r eleva a declaração que E st êvã o de S ampaio
era tido por crist ã o velho e homem honrado natural de S antarém, segundo dizem.
O de poimento de Manuel Dias tem outr o inter esse. Af inal, no Fundão seguia-se o pulsar
do país. Explica o inquir ido que, domingo, antes da missa se rugia caladamente que em
N ossa S enhora do S eixo, estavam uns homens aí recolhidos e uns di z iam que era D .
António e mai s o Bi spo e outros diziam que podia ser o C orregedor da Guarda ou de
C ovilhã ... O contexto f avor ecia os r umor es, as dissidências, os conf litos, desencadeava
motins, alimentava a anar quia. As pr esenças de D. António e do Bispo da Guar da, o
com panheir o f iel, podiam, na ver dade, estar na or igem do alvor oço do Fundão.
R ef er imos, anter ior mente, que era f r equente o acolhimento do Pr ior do Crato em
conventos que o pr otegiam. Este é o único testemunho r egistado que r ef er e a
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possi bilidade da pr esença na Beira dos o positor es a Fili pe II, ainda r esistentes à data da
audição das testemunhas.
Gaspar Lo pes e Gaspar Luís são os últimos a de por , no dia 20 de Novem br o.
Gaspar Luís pr esume que o meir inho da Covilhã se metera em casa do ir mão, o pr ior
Simão de Sequeira, por o povo estar mal com o dito meirinho. Ser vindo na Covilhã,
inf er ia-se que estava contra a vila do Fundão. A 21 de Novem br o, continua a audição de
testemunhas. Era a vila a contas com a Justiça.
Gonçalo Vaz é o pr imeir o a de por e traz muito para contar . No domingo, vira a Estêvão
de Sam paio andar pela r ua com uma espada; estranhou, por não ser costume. De pois,
quando o pr ior o chamou, por que as janelas eram def r onte uma da outra, o ver eador
suger iu que o pr ior podia estar a enganá-lo... Ainda assim cum pr e com a tar ef a que lhe
f oi atr i buída. Encarr egado de guar dar uma das por tas, conf ir ma que vira entrar o
meir inho da Inquisição, e que o povo se alvor oçara por pensar que era o corr egedor da
Guar da. Fechara a por ta e no primeiro ímpeto da gente se atiraram nele deitando-o
para fora da porta a tempo que havia algum sossego... Anr ique Antunes, Fili pe Nunes,
Pêr o Anr iques e Diogo Antunes, o engasgado, de alcunha, e outr os cr istãos-novos de
f ora; explica ainda que o intimaram a que a br isse a por ta para deixar sair as pessoas. A
r ecusa valera-lhe uma estocada e tê-lo-iam mor to se não tivesse umas couraças
pr otectoras. Acr esce que os cr istãos-novos, quando assim pr ocederam, sa biam que
guardava a porta por parte do S anto O fício. Desde então, af ir ma que estava diferente
com E st êvã o de S ampaio.
Dif er ença ó bvia de com por tamentos: os cr istãos-novos estavam de má f é, e continuaram
a agr edir o meir inho do Santo Ofício mesmo de pois de sa ber em que o assunto tinha a
ver com a Inquisição.
Gonçalo R oiz, alf aiate, vê o que inter essa. Lem bra o em buçado, o alvor oço da gente, os
em purr ões, antes que conhecessem que o meir inho era do Santo Ofício, mas nã o
conheceu as pessoas que empurravam por a volta ser grande...
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Francisco, f ilho de Manuel Luís, sa be pouco: só viu deitar uma pedrada aos cavalos e
isso ouvira-o a Francisco R oiz Dourado, cr istão velho, quando o meir inho chegou
em buçado, Armas por armas.
João Nunes conf essa tam bém que nã o sabia outra coisa mais que somente, domingo
pela manhã lhe dissera o padre-cura com pena de excomunhã o que nã o dissesse nada
porque havia de haver negócio na igre ja. O segr edo estrangulava o cura? Li ber ta-se
dele, mas ameaçou com a excomunhão a João Nunes se o divulgasse.
Inquir idas todas as testemunhas, o Corr egedor de Castelo Branco mandou que esta
dilig ência se cerrasse e selasse para ser enviada, especif icando que o texto se
com punha de tr inta e cinco meias f olhas. Seguem-se anotações: Até ao presente nã o se
pagou nada.
Na mesma f olha vê-se o r egisto: Deixa-lhe nesta M esa dois mil réis na S emana da
P á scoa de 82 e houve-se por pago.
Na página 326, do documento constam as conclusões que transcr evemos:
E stas culpas posto que me nã o parecem de qualidade para por elas se proceder a prisã o, contudo por
serem de matéria de muito pre juízo ao ministério do S anto O fício se deve fazer muito caso de culpas
semelhantes para exemplo de outros e castigo dos delinquentes.
E consta por muitas testemunhas que é fama pública em o lugar do F und ã o E st êvã o de S ã o Paio natural
do dito lugar avisara a muitos crist ã os novos que nã o fossem à igre ja onde sabia que estava o meirinho
do S anto O fício para fazer dilig ência e isto para os favorecer e pre judicar ao S anto O fício e isto diz o
licenciado J orge Ruberte que viu; e outras testemunhas depõem de indícios; e por seu aviso se ausentou
o juiz da dita vila que era crist ã o-novo e andou fora do dito lugar tr ê s ou quatro dias até se segurar.
Pelo que peço a V . M . que mandem comparecer ante si a E st êvã o de S . Paio; e lhe mandem dar sua
fiança abonada de27 8... para ser acusado e castigado pelas ditas culpas como o caso merecer.
E o mais que algumas testemunhas dizem que ele tem raça de crist ã o-novo e favorece a gente desta
naçã o e come e vive dela. T ambém consta que Anrique Roiz, ( Antunes, entrelinham, em cima de Roiz)
crist ã o-novo do dito lugar sabendo que Gonçalo V az tinha cargo de uma das portas da igre ja que parte
do S anto O fício para melhor se efectuar a dita dilig ência, lhe resistiu arrancando da espada e lhe deu
uma estocada fazendo motim e alvoroçando a gente em pre juízo do S anto O fício, pelo que peço a V . M .
vistas as ditas culpas que o mandem prender e que se passe mandado para ser trazido ao c árcere deste
S anto O fício.
278 Duas palavras ilegíveis.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
195
Pela Páscoa de 1582, dois homens, Estêvão de Sam paio e Anr ique Antunes, dever iam,
pois, ser detidos e entr egues ao Santo Ofício. Pr esume-se que o Corr egedor aceitara que
a volta do Fundão tinha mais a ver com ódios velhos entr e o Fundão, já pr omovido a
vila, e a Covilhã que não aceitava o novo estatuto.
Acr editámos que o pr ocesso estar ia concluído. Não era assim. Continuámos a pesquisa
e uma nova f olha se a br iu com outr o ciclo de interr ogatór ios. Desta vez, as diligências
são da com petência do mui ilustre governador do Bispado da Guarda, Arcipreste da
C ovilhã , licenciado E st êvã o M agro.
Enviam-lhe um S umário sobre o caso do meirinho da S anta I nquisiçã o da cidade de
Lisboa e que aconteceu no F und ã o.
Titulam-no: A s brigas do F und ã o sobre prisões que se fizeram como est á decretado no
fim. Na mar gem esquer da da f olha consta um a pontamento: Para se devassar e ver se se
far á dilig ência. Este con junto de documentos está em mau estado. O tem po e a
humidade encarr egaram-se de a pagar e conf undir a inf or mação; a tinta so br e pôs-se às
palavras, enco br iu graf emas, pr e judicou a descodif icação do texto. Pelo contexto,
per ce be-se que as inf or mações não são dif er entes das pr oduzidas anter ior mente.
Considerações f inais
Ao tem po dos acontecimentos do Fundão, vivia-se, na Península, um clima de r e pr essão
inquisitor ial, que im punha uma disci plina ideológica esmagadora de quaisquer
dissidências r eligiosas; às nascidas do conf r onto entr e a R ef or ma e a Contra R ef or ma,
somavam-se os conf litos com f iéis a outras f és.
Simultaneamente o contexto de anar quia gerado por Alcácer Qui bir , a luta de acesso ao
tr ono de Por tugal, a que se juntava, no Fundão, o dese jo de emanci pação da Covilhã,
está na génese das brigas que descr evemos.
A vitór ia tr identina disseminava-se em todos os domínios. Nesta con juntura ideológica,
a aventura de Alcácer Qui bir que culmina com o desa par ecimento de D. Se bastião, é
modelar : ébr io de Deus, o dese jado monar ca acr editara-se eleito divino, para um f utur o
glor ioso, na senda de her óis de um país pioneir o que a pr endera a cultuar ; o terr itór io do
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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eu é um la bir into, e f antasista, em bar ca na aventura da conquista de Áf r ica/derr ota de
inf iéis, os esteios do r eino; as per das somaram-se, a tragédia mitif icou o monar ca, a
cr ença num salvador sustentou-se com a cr iação/idealização do Enco ber to; o
messianismo/se bastianismo ger minou em esplendor . A cr ise do r eino f or java lendas,
r ecr iava r elatos, r eacendia o inter esse por pr of ecias, quer ia cr er em f alsos D.
Se bastião279, r essuscitava o bandarr ismo.
As oscilações, as cedências de D. Henr ique, de no br es, de algum alto cler o r edundaram
na união das cor oas peninsular es. É este o contexto ideológico que envolve os
acontecimentos no Fundão.
Da análise da documentação f icam algumas questões. Quem era Estêvão de Sam paio?
Um ver eador consciente da im por tância dos cr istãos novos no desenvolvimento da vila?
Um ir mão de f é oculto? Uma das raras (mas existentes) pessoas que se solidar izavam
com os per seguidos, por que o convívio desocultava a condição humana dos conver sos,
as suas alegr ias e af lições, e gerava amizades? Um vendido, como testemunham cer tos
inquir idos, às dádivas dos cr istãos-novos que lhe garantiam uma vida mais desaf ogada?
A pr esença simultânea dos meir inhos da Inquisição e da Covilhã, a coexistência dos
f actos per mitiu, conhecido o segr edo, af r ontar a Inquisição e im pedir a pr isão de
conver sos? Ou a volta do Fundão teve em Estêvão de Sam paio um def ensor , acima de
tudo da inde pendência da então vila, f ace à Covilhã?
E os outr os, envolvidos tam bém no tumulto, r eagiram à Inquisição ou def enderam a
posse do estatuto de vila alcançado havia quatr o meses, à data dos acontecimentos? A
o posição manif esta-se contra o Corr egedor da Guar da e justiças da Covilhã?
Pr esumivelmente, a maior ia dos cr istãos-novos insur gia-se contra a Inquisição e contra
a tomada da vila pela Covilhã. Mas tam bém os cr istãos-velhos dese javam conser var a
emanci pação do Fundão.
279 O pr imeir o é o r ei de Penamacor . Cf, entr e outr os: Pinheir o Chagas, História de Portugal, vol V I ,
Chagas, Pinheir o, História de Portugal, popular e ilustrada, Lisboa, Escr i ptor io da Em pr eza, 1900.
pp. 456, 457 e 458; José van den Besselaar , o p, cit, pp. 68 a 71. Seguiram-se o r ei da Er iceira, Ga br iel Espinosa e o pr isioneir o de Veneza.
Actas das Pr imeiras Jor nadas do Patr imónio Judaico da Beira Inter ior
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Per ce be-se pela análise dos textos que António de Pr oença, o meir inho da Covilhã, é
f igura anti pática, para os que testemunham. Por que zombava da vila onde entrara de
vara levantada, em ostensiva manif estação de poder ? Ir mão do pr ior do Fundão sentiu-
se pr otegido? Que sentido f azia aquele desaf io à po pulação?
Muitos não entenderam as razões do alvor oço. Em tem po de cr ise, de f acções diver sas,
D. António, pr etendente ao tr ono de Por tugal deam bulava pelo país, era acolhido em
conventos. Manuel Dias testemunha o boato que corr ia; expr essivamente r ef er e que,
antes da missa do f amigerado domingo, se rugia caladamente que D. António e o Bispo
da Guar da estavam escondidos no Convento de Nossa Senhora do Seixo; o alvor oço era
inter pr etado como mais uma luta desencadeada pelas solidar iedades e o posições que o
candidato que continuava a disputar o tr ono a Fili pe II animava.
Do motim que envolveu a po pulação emer ge, sem dúvida, uma nota comum: o dese jo
de manter a posse da vila; po pular es r esistir ão simultaneamente a uma justiça que não
existia, ao mesmo tem po que, (a pesar de alguns), questionam o modus faciendi da S anta
I nquisiçã o.
O Fundão soltou-se; pagou, como r ef er imos, a ousadia. A r ivalidade entr e as duas
localidades beir ãs manter -se-ia. Os pr ocurador es da Covilhã às Cor tes im pediram o
acesso, enquanto puderam. Em 1641 Francisco Botelho da Guerra e João de Sousa
Falcão, aler tavam:
Têm os suplicantes informaçã o ou temem que os moradores do l u gar do F undão,
aldeia do termo da dita vila, tratem de que seja vila, como j á antigamente intentaram,
oferecendo d ádivas e fazendo largas ofertas, e porque de o ser resulta not ável agravo e
vitupério à V ila da C ovilhã , e grande perda e interesse aos moradores dela, porque
havendo de ser vila o dito lugar, nã o se poder ã o sustentar e acabar á de se destruir de
todo a dita vila. Pedem a V . M . lhes nã o defira em caso que os contentem e os conserve
na posse em que est ã o.
Na ver dade, o estatuto de vila só em 1747 se concr etizar ia.