admirável mundo novo obbedite perché dovete obbedire
TRANSCRIPT
ESCOLA TÉCNICA DA ZONA LESTE
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: OBBEDITE PERCHÉ DOVETE OBBEDIRE
MARCELO TAVARES DOS SANTOS
SÃO PAULO 2016
ESCOLA TÉCNICA DA ZONA LESTE
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: OBBEDITE PERCHÉ DOVETE OBBEDIRE
Trabalho apresentado na disciplina Linguagem, Trabalho e Tecnologia, sob a orientação do prof. Michel Franklin
SÃO PAULO 2016
Sumário
Introdução............................................................................................................3
Desenvolvimento.................................................................................................4
Considerações finais..........................................................................................10
Referências........................................................................................................11
Introdução
Aqui exporemos nossas afirmações acerca da obra literária “Admirável
Mundo Novo”, de Aldous Huxley.
Importante aqui é compreender um dos textos mais importantes do
século XX.
Este estudo deve servir àqueles que desejam se aprofundar neste
grande escritor da língua inglesa e que compreendeu como poucos a
transformação por qual passaria o mundo, indo muito além dos dias atuais.
Inicialmente, faremos uma análise do prefácio do livro escrito pelo
próprio autor, para, de forma ulterior, apresentarmos alguns aspectos
importantes que apontamos como importante. Finalizaremos, com as
considerações finais.
Desenvolvimento
Antes de analisarmos o livro propriamente dito, destacamos o prefácio
escrito pelo próprio autor, duas décadas após o lançamento da obra, em 1932.
Mister é sabermos os motivos que levaram Aldous Huxley despender seu
tempo a produzir seu trabalho, mormente quando ele próprio nos conta.
Huxley ressente-se de não ter escrito nada acerca da tecnologia
baseada em fissão nuclear, assunto latente nos anos de 1950, em face das
bombas atômicas lançadas sobre o Japão nos últimos episódios da II Grande
Guerra. Em sua própria voz, ele assevera que o tema de “Admirável Mundo
Novo” é: “o progresso da ciência na medida em que atinge os indivíduos
humanos” (p. 15), apresentando sua preocupação de que as ciências da vida,
como diz, podem por fim à vida ou torná-la um processo torturante e complexo
em busca do impossível. Para isso ocorrer, deve-se tomar conta da alma
humana, primariamente. Isso seria algo revolucionário e preocupante, estando
na iminência, pois a revolução seria pensada, não apenas como apropriação
do poder político, mas das mentes e corpos humanos.
Huxley profetiza que uso de material nuclear para fins bélicos deve levar
o mundo a um período de destruição controlada. Intervalo esse de tempo que
ficou conhecido na História como Guerra Fria. Outrossim, ressaltou que o
controle estatista, ou seja, os “novos totalitarismos”, dar-se-ia através dum
controle com o uso de “ministérios da propaganda, editores de jornais e
professores” (p. 19), baseado numa eficiente tecnologia avançada, repleto de
chefes e administradores estatais, a fim de escravizar a população, omitindo,
muitas vezes, fatos indesejáveis. Essa servilidade só seria obtida com
estabilidade econômica.
Esse controle mental e somático ocorreria desde o período infantil
através: do uso de drogas; presença de chefes políticos com poder suficiente
para posicionar indivíduos na estrutura sócioeconômica; e proliferação dum
sistema eugênico de ordem biossocial. Huxley, às folhas 21, assinala: “com a
restrição da liberdade política e econômica, em compensação, tende a crescer
a liberdade sexual”.
Aldous Huxley diz que a única forma de determos esse processo
revolucionário é lutarmos pela “descentralização e o emprego da ciência
aplicada não como o fim cujos meios seriam o seres humanos, mas como
meios para produzir uma competição de indivíduos livres” (idem).
Para críticos conservadores como Olavo de Carvalho, A Nova Ordem
Mundial está espelhada nessa obra. Um governo mundial, capaz de promover
uma engenharia biossocial, através da produção de seres humanos in vitro,
com um conceito de cidadania engendrado por tecnocratas, proselitismo duma
satisfação sexual sem limite, constituindo-se num cadeamento lógico de
moralidade difícil de ser questionado. Para espanto do próprio Huxley, sua obra
constitui-se num projeto globalista não tão distante quanto imaginou.
A Universidade de Oxford deu origem ao Instituto para o Futuro da
Humanidade. Empresas como Google e magnatas capitalistas compram outras
do ramo tecnológico de ponta, como o biotecnológico. Estados nacionais
disputam entre si especialistas capazes de antecipar cenários. Todos dizem, à
superfície, trabalharem para que os avanços tecnológicos favoreçam a
humanidade. Aldous Huxley veria isso com certa desconfiança.
Deixa claro o escritor inglês que os governantes do “Admirável Mundo
Novo” desejam a estabilidade social acima de tudo. Estabilidade desejada que
serviu e serve como pílulas de soma a muitos elementos da classe artística
real. Na obra, a estrutura totalitária venceu aqueles que ousaram questioná-la.
Às primeiras folhas da obra distópica, há a descrição da sociedade a ser
apresentada, que despreza a atividade do pensar: “não são os filósofos e sim
os entalhadores e os colecionadores de selos que constituem o arcabouço da
sociedade” (p. 24).
Não há distinção de sexo, onde homens e mulheres estão padronizados
e a manipulação trivial de embriões aparece segundo as palavras do Sr.
Foster: “neste momento estou trabalhando com um maravilhoso ovário Delta-
Menos” (p. 29). O concerto/conserto genético é concebido em salas brancas,
salubres, de nomes assaz sui generis, como de Predestinação Social, da
Decantação, e de Condicionamento Neopavloviano. Os próprios personagens
que servem a esse processo artificial, como o próprio Sr. Foster, foram criados
a partir dele. Todos ali são felizes, pois estão condicionados a “fazer as
pessoas amarem o destino social do qual não podem escapar” (p. 38). No
mundo distópico, a igualdade entre as pessoas não é apenas um desejo de
ordem política, ela está embasada nas ciências da matéria: “todos os homens
são físico-quimicamente iguais” (p. 101).
Defendemos a ideia de que o autor critica de certa maneira o
industrialismo, tema assaz caro a grupos anarcoprimitivistas: “as flores do
campo e as paisagens, observou, têm um grande defeito: são gratuitas. O amor
à natureza não depende de trabalho industrial” (p. 45).
Percebemos que o próprio sistema de ensino está sendo utilizado para
fabricar pessoas cidadãs, desde muito jovens. Os ministérios de educação de
inúmeros Estados, que estão mais para ministérios da reforma psicológica,
seguem ordens dos chefes-pedagogos-revolucionários da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Os
selvagens do mundo real causam profundo desconforto nas instituições de
ensino, mormente nas de estágio superior.
No Brasil, tem-se discutido nos últimos anos a inserção da teoria de
gênero nos planos estatais de educação. Com certeza, muitos defensores de
que a escola seja palco de novas convicções de valores e morais estariam
felizes por viver no Admirável Mundo Novo: “tivemos sexo elementar nos
primeiros quarentas minutos – respondeu. – Mas agora sintonizamos o curso
elementar de Consciência de Classe” (p. 49), é uma das falas do Diretor.
A corrupção de valores também é apresentada na forma linguística,
onde personagens usam termos com sentido totalmente distorcido da
sociedade real: “está longe de ser tão pneumática quanto Lenina. Oh, bem
longe!” (p. 73). Necessário lembrarmos episódios nessa década no Brasil, onde
o próprio Ministério da Educação (MEC) distribuiu livros em que há a defesa de
expressões que vão de encontro à norma padrão.
Livros como a Bíblia e de poesia eram proibidos, pois “sempre haveria o
risco de lerem algo que descondicionasse seus reflexos” (p. 44). Como o
pensador francês Edgar Morin assinalou no seu livro “Cultura de massas do
século XX”, a sociedade atual, condicionada pelo mundo da indústria cultural
virou-se contra a espiritualidade, além da existência duma produção prazerosa
e simplicista. Outrossim, censura é algo desejado pela sociedade da perfeição,
que não deixa espaço para sentimentos como a tristeza (p. 216): “‘o autor deve
ser mantido sob supervisão. Sua transferência para a Estação Biológica da
Marinha de Santa Helena poderá tornar-se necessária’”.
Valores conservadores, como o familismo, estão em colapso na
sociedade distópica da estória, oportunidade em que “nosso Freud foi o
primeiro a revelar os perigos espantosos da vida em família” (p. 62). Ideias
oriundas da corrente filosófica do liberalismo também não eram aceitas (p. 71):
“havia o que se chamava liberalismo. O Parlamento, se você sabe o que era,
votou uma lei contra ele. Os registros ainda existem. Discursos sobre a
liberdade individual. Liberdade de ser ineficiente e miserável”. Nas ciências
sociais, tornou-se comum a expressão “papel social”. Papeis sociais
tradicionais como mãe e pai encontram-se obsoletos: “o espetáculo de duas
jovens mulheres amamentando os filhinhos fê-la corar e virar o rosto. Nunca
vira coisa tão indecente na vida” (p. 141). O movimento higienista, tão
importante no começo do século passada, que defendia a eliminação de seres
humanos não desejáveis, como os deficientes, através de métodos como a
eutanásia e o controle de natalidade, estaria mui feliz ao descobrir a existência
dum Centro de Abortos como é citado nas folhas 150.
Aldous Huxley percebeu já nas primeiras décadas do século XX, de que
a estrutura do capital seria usada para impulsionar a revolução dum Estado
Mundial. Henry Ford não entrou para a História apenas como um grande
empreendedor, mas também como antissemita e colaborador do regime
nazista e é reverenciado em “Admirável Mundo Novo” (p. 77): “Agora temos o
Estado Mundial. E comemorações no Dia de Ford. Hinos da Comunidade e
Serviços de Solidariedade”. Neste momento convém lembrar que famílias como
Ford, Rockfeller e Rothschild são detentoras de fundações fornecedoras de
recursos a institutos e grupos sociais que preconizam a revolução social,
relacionados a interesses de feministas, de gays e de negros. Obviamente,
defendem sempre intervenção de políticas estatais para a elucidação de
conflitos por eles apontados.
O próprio cinema estadunidense, que serve eficazmente a esse
condicionamento no mundo real, produziu obras que se relacionam com o livro
de Huxley. A começar citamos o filme Gattaca (nome dado em referência à
ordenação das bases nitrogenadas que compõem o DNA humano – Guanina,
Adenina, Timina, Timina, Adenina, Citosina e Adenina)
Ao analisarmos a referida obra literária, defendemos a ideia de que há
uma disputa do que é ser civilizado. Para o autor Huxley ser civilizado é ser
conservador, defender os valores liberais de individualidade humana. Aos
condicionados personagens do enredo – como Bernard Marx, Benito Hoover e
outros – ser civilizado é defender a manutenção duma sociedade estável onde
todos são felizes, com funções definidas pelos tecnocratas do Estado.
Ademais, cabe discutir o que é ser civilizado afinal (p. 199):
“O Selvagem,” escreveu Bernard, “recusa-se a tomar soma (grifo do
autor), e parece muito aborrecido porque Linda, sua m..., está em
permanente relaxação. É digno de nota o fato de que, a despeito da
senilidade e aparência repulsiva de sua m..., o Selvagem a vê com
frequência e parece ser-lhe muito ligado – exemplo interessante do
modo pelo qual o condicionamento na infância pode modificar e até
mesmo contrariar os impulsos naturais (no presente caso, o impulso
de recuar ante um objeto desagradável).”
Esse debate acerca duma sociedade civilizada e seus valores aparece no filme
King Kong (1976), onde homens civilizados vão até uma ilha não explorada no
Pacífico em busca dum gorila gigante a fim de que ele seja exposto para
entretenimento das massas em Nova Iorque. A película mostra o estado
psicológico conflitivo do animal ao ter o destino de sua vida nas mãos de seres
civilizados.
No Hospital para Moribundos, o Selvagem viu uma cena grotesca que
contrastava com o perecimento de seres humanos (p. 252): “cinco gêmeos de
cáqui, cada um com uma longa bomba de chocolate na mão direita, e os rostos
idênticos lambuzados diversamente de creme de chocolate, faziam fila,
contemplando-o com os olhos esbugalhados”. A incapacidade de sensibilidade
ao próximo lembra-nos da frase exposta em vários campos de extermínio do
regime nazista “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta).
Interessante é o debate entre o Dirigente, Sua Fordência, Bernard Marx,
Sr. Selvagem e Helmotz Watson já na parte final da obra. Sua Fordência,
representante máximo da estrutura burocrática, possui completa consciência
da insensibilidade de seus concidadãos, do fazimento artificial de seres
humanos, do apagamento das mentes tangente a valores e a comportamentos
naturais, enfim, de administrar o teatro da engenharia biossocial, defendendo-o
(p. 268): “agora o mundo é estável. O povo é feliz; todos têm o que desejam e
nunca querem o que não podem ter”. O mundo distópico possui valores tão
invertidos que a liberdade passa a servir de punição (p. 275): “ser enviado a um
lugar onde irá encontrar o mais interessante conjunto de homens e mulheres
existente em qualquer parte do mundo”. A deportação de pessoas foi usada
sempre por governos despóticos e autoritários.
A sociedade mundial distópica retratada no “Admirável Mundo Novo”
possui uma vida material abundante, mas de nível rarefeito afetivamente. A
sensibilidade sempre fez parte do emprego da arte, e no livro, por diversas
vezes, citações de obras shakesperianas são apresentadas, provenientes de
“A tempestade” e “Romeu e Julieta”, por exemplo. A emoção artística pode ser
usada contra uma ordem idiotizante, perpetrada por técnicas de persuasão
racionais. A película “Sociedade dos poetas mortos” retrata essa celeuma.
Assim como William Shakespeare, Aldous Huxley sabia que a arte é o espelho
da alma.
Considerações finais
A obra analisada suscita discussão em várias áreas do conhecimento
humano, como comunicação, bioética, administração e outros. Um tema que
poderia ser posto é quais os motivos que levaram a alguns povos a existirem
por mais tempos – ou nem deixarem de existir - que outros.
Uma das coisas a chamarem atenção foi a capacidade do autor de
perceber que a estrutura criada pelo sistema capitalista serviria para a
promoção do processo revolucionário. Pensadores no início do século XX,
como o sobrinho de Sigmund Freud, Edward Bernays, foram grandes
entusiastas de técnicas de manipulação de massa. O avanço no estudo
científico do sistema nervoso humano tem colaborado com áreas conhecidas
como neuropropaganda, neuromarketing, neuroeconomia.
Ao fim do prefácio, Huxley adverte que a forma para interromper esse
processo decadente seria o de usar a ciência como instrumento para facilitar a
manutenção de homens livres. A arte pode ser usada também para a defesa da
liberdade individual, como o próprio autor fez em sua bibliografia vasta. O
britânico Aldous Huxley foi um lutador contumaz contra a destruição do ser
humano e merece ser sempre revisitado.
Referências CARVALHO, Olavo de. Dois estudos sobre Aldous Huxley: prefácios a
“Admirável Mundo Novo” e “A Ilha”, escritos para a reedição dessas obras pela
Editora Globo. Olavo de Carvalho. São Paulo, abr. 2001. Disponível em:
<http://www.olavodecarvalho.org/textos/huxley.htm>. Acesso em: 16 set. 2016.
DUTRA, Fernanda. Cultura de massas e outras culturas: as concepções
contemporâneas de Edgar Morin e Néstor García Canclini sobre a cultura de
massas. Crátilo: Revista de Estudos Linguísticos, Pato de Minas, 2008.
Disponível em:
<http://cratilo.unipam.edu.br/documents/32405/38116/CulturaDeMassaEOutras
Culturas.pdf>. Acesso em: 17 set. 2016.
ELOLA, Joseba. O futuro da humanidade em suas mãos. El país. 14 fev. 2016.
Disponível em:
<http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/12/ciencia/1455304552_817289.html>.
Acesso em 16 set. 2016.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Tradução de Felisberto
Albuquerque. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
SILVA, Anderson Pires da. As impurezas do branco: “Ensaio sobre a cegueira”
como distopia positiva. IPOTESI, Juiz de Fora, 2011. Disponível em:
<http://www.ufjf.br/revistaipotesi/files/2012/03/8-as-impurezas-dobranco.pdf >.
Acesso em: 17 set. 2016.