adolescente em liberdade assistida e o direito À educaÇÃo ... · pensar a educação como ponto...
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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SO PAULO CONSELHO DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
MARIA RUTE PEREIRA DE SOUZA
ADOLESCENTE EM LIBERDADE ASSISTIDA
E O DIREITO EDUCAO ESCOLAR
SO PAULO 2011
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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SO PAULO CONSELHO DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
MARIA RUTE PEREIRA DE SOUZA
ADOLESCENTE EM LIBERDADE ASSISTIDA E O DIREITO EDUCAO ESCOLAR
Dissertao de mestrado apresentada Banca Examinadora como exigncia parcial dos requisitos do curso de ps-graduao Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei da Universidade Bandeirante de So Paulo UNIBAN, para a obteno do ttulo de MESTRE em Adolescente em Conflito com a Lei, sob a orientao da Professora Doutora Lavnia Lopes Salomo Magiolino
SO PAULO
2011
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MARIA RUTE PEREIRA DE SOUZA
SOUZA, MARIA RUTE PEREIRA DE ADOLESCENTE EM LIBERDADE ASSISTIDA E O DIREITO EDUCAO ESCOLAR / Maria Rute Pereira
de Souza. So Paulo: [s.n.] 2011. 155 f; 30cm. Trabalho Final (Ps-graduao Stricto Sensu) Universidade
Bandeirante de So Paulo, Curso de Mestrado Profissional. Orientador: Professora Doutora Lavnia Lopes Salomo
Magiolino. 1. Direito educao 2. Adolescente 3. Escola 4. Proteo integral I. Ttulo
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ADOLESCENTE EM LIBERDADE ASSISTIDA E O DIREITO EDUCAO ESCOLAR
Trabalho apresentado como requisito parcial para concluso do curso de Mestrado
Profissional: Adolescente em Conflito com a Lei.
Presidente e Orientadora
Nome: Lavnia Lopes Salomo Magiolino
Titulao: Doutora
Instituio: UNIBAN BRASIL
Assinatura: __________________________________________________
Titulares:
2 Examinadora
Nome: Rosa Elisa Mirra Barone
Titulao: Doutora
Instituio: UNIBAN BRASIL
Assinatura: __________________________________________________
3 Examinadora
Nome: Rosemary Ruggero
Titulao: Doutora
Instituio: UNINOVE
Assinatura: __________________________________________________
Suplentes:
4 Examinadora
Nome: Irandi Pereira
Titulao: Doutora
Instituio: UNIBAN BRASIL
Assinatura: __________________________________________________
3 Examinadora
Nome: Eliana Silvestre
Titulao: Doutora
Instituio: UEM - Maring
Assinatura: __________________________________________________
NOTA FINAL: ___________
Biblioteca
Bibliotecrio: _________________________________________________
Assinatura: _________________________________ Data: ___ / ___ / ___
So Paulo, ___ de ________________ de 20____
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DEDICATRIA
A meu Pai (in memoriam), que sempre se preocupou em garantir meu direito educao, e grande mulher, minha me, que me ensinou, com seu exemplo, a ter fora para vencer os desafios que a vida nos impe, tornando possvel uma infinidade de caminhos.
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AGRADECIMENTOS
Trabalho finalizado, um momento singular, a angstia inquietante dos
ltimos dias, a expectativa notada nos olhares de todos que acompanharam esta
trajetria mostraram-me a resposta bvia: sim, nunca estive sozinha...
Em cada linha, em cada conceito ou ideia, o reconhecimento de vozes,
incentivo, energia que me trouxe at aqui.
Obrigada!!!!!
A Deus, por ter me carregado nos braos em todos os momentos em que
a tristeza, a incerteza, a dvida quiseram se apossar de mim, obrigada a Ti pela
vida e capacidade de obter esta vitria.
Ao Sergio, companheiro querido de uma vida, pela compreenso e
respeito pelos interminveis momentos que sacrifiquei em nome deste projeto.
Aos meus filhos, Vanessa Christine, Caroline Alexandra e Igor Alexandre,
pelo carinho da presena, mesmo quando das minhas mais absolutas ausncias e
principalmente pelo seu amor incondicional, vocs sempre foram meus
sustentculos, motivo de orgulho e admirao. Serei eternamente grata a vocs por
terem sido to amorosos e compreensivos.
minha menina-neta Bibi, por me ensinar o que realmente importa: a
fora de seu amor, seu sorriso, seu aconchego, voc me ensinou a crescer.
Ao Professor Paulo Artur Malvasi, pelas primeiras orientaes que
fundamentaram este trabalho.
Professora Lavnia, que, num momento crucial da jornada, se fez
presente, modificando e transcendendo compreenso e apoio ao longo deste que foi
meu maior desafio profissional e acadmico e que, com pacincia e um lindo sorriso,
me fez acreditar, persistir e conseguir finalizar a travessia.
Professora Irandi, responsvel por transformar este trabalho.
s Professoras Isa Guar e Rosa Barone, que contriburam com
conhecimentos novos e necessrios realizao deste trabalho.
Professora Regina Umaras, por acreditar e me fazer sempre acreditar
que eu chegaria aqui.
Professora Ana Maria Falsarella, pelas ideias essenciais, pelo apoio
que recebi.
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Ao Professor Roberto Negro, pelas leituras incansveis de meus escritos
e pelo incentivo.
Professora Ftima Volpiani Carnels, pela confiana que depositou em
mim, garantindo e permitindo condies para a realizao e finalizao deste
trabalho.
Aos meus amigos da Diretoria de Ensino Regio Osasco, gestores,
professores, em especial a Professora Akiko, que contriburam com o levantamento
de dados e informaes preciosas para a realizao da pesquisa.
Aos meus tantos amigos e amigas, de perto e de longe, que me
incentivaram, fazendo-me rir quando queria chorar, que acreditaram que tudo daria
certo, mesmo quando eu duvidei, vocs foram muito importantes para mim! Em
especial, ao Guido, Helena e Solange.
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O problema fundamental em relao aos direitos humanos hoje, no tanto o de justific-
los, mas de proteg-los. Trata-se de um problema no filosfico, mas poltico.
Norberto Bobbio
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RESUMO
A dissertao aborda o tema do direito educao aos adolescentes em conflito com a lei
no cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida aplicada pelo sistema de
justia e operacionalizada pelo executivo, por meio de programas denominados
socioeducativos. A pesquisa tem como objetivo conhecer as estratgias utilizadas pela
instituio escolar na garantia do direito educao tendo em vista a adoo, pelo Brasil, do
paradigma da doutrina da proteo integral, um conjunto de direitos para o universo infanto-
juvenil, sem nenhum trao discricionrio, presente em outros tempos da legislao
brasileira. Os procedimentos metodolgicos foram embasados em uma abordagem
qualitativa, de base exploratria, combinada com a anlise documental. A pesquisa de
campo se deteve na prtica dos profissionais da educao pertencentes ao sistema pblico
de ensino estadual localizado no municpio de Osasco, regio metropolitana da Grande So
Paulo, tendo sido utilizados instrumentais prprios para a coleta de dados junto aos
professores e gestores (diretor, vice-diretor, professor-coordenador). As bases tericas e
legislativas adotadas na compreenso e anlise do problema tomam o direito educao e
o direito da criana e do adolescente como direitos pblicos subjetivos, ou seja, direitos de
todos e dever do Estado. Os resultados da pesquisa apontam para um distanciamento
perceptvel entre o direito proclamado e o que executado na prtica com relao aos
adolescentes em conflito com a lei no cumprimento da medida de liberdade assistida, seja
pelo desconhecimento da lei e dos diferentes marcos regulatrios, seja pela dificuldade de
interpretao dos mesmos por parte dos profissionais da educao.
Palavras-chave: educao, escola, adolescente em conflito com a lei, proteo integral,
medida socioeducativa.
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ABSTRACT
This dissertation addresses the question of the right adolescents in conflict with the law
under social-assisted liberty (which applied by the justice system and operated by the
executive through social educational programs) have to education.
The research aims at evaluating the strategies used by the school, in guaranteeing the right
to education with a view to the adoption by Brazil of the paradigm of the full protection
doctrine, a set of rights to children and Youth universe, with no trace discretion, present in
other times in the Brazilian law.
The methodological procedures were based on a qualitative approach, basically exploratory,
combined with document analysis. The field research has focused on the practice of
education professionals belonging to the state public school system located in the city of
Osasco, metropolitan region of the great So Paulo. Instruments to collect data with teachers
and managers (director, deputy director and teacher-coordinator) have also been used. The
theoretical basis and laws adopted in the understanding and analysis of the problem take the
right to education and the right of children and adolescents as a subjective public right, or
right and duty of all of the state.
The survey results point to a noticeable gap between the proclaimed right and what is
implemented in practice with respect to adolescents in conflict with the law in compliance
with the measure of assisted freedom, either through ignorance of the law and the different
regulatory frameworks, or the difficulty education professionals have in interpreting these
regulatory frameworks.
Keywords: education, school, adolescents in conflict with the law, integral protection, social
educational measures.
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Sumrio
1 INTRODUO .................................................................................. 13
2 O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A GARANTIA
DE DIREITO ...................................................................................... 25
2.1 POLTICA DE DIREITOS .................................................................. 25
2.2 DIREITO EDUCAO ................................................................... 32
2.3 O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA NA EFETIVAO DO DIREITO
EDUCAO DE CRIANAS E ADOLESCENTES ........................... 39
2.4 O DIREITO EDUCAO E O ADOLESCENTE EM CONFLITO
COM A LEI ........................................................................................ 47
2.5 O DIREITO EDUCAO COMO GARANTIA DE DIREITOS AO
ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI ................................... 56
3 CAMPO DE PESQUISA: A PROBLEMTICA DO
ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO CONTEXTO
ESCOLAR......................................................................................... 69
3.1 DA METODOLOGIA .......................................................................... 72
3.2 DOS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA DE CAMPO .................... 74
3.2.1 Pesquisa Exploratria (Bloco E) ........................................................ 74
3.2.2 Definio e execuo do Projeto de Pesquisa ( Blocos A,B,C e D) .. 75
3.2.3 Aplicao de questionrios ............................................................... 76
3.2.4 Categorias de anlise ........................................................................ 77
3.3 ANLISE DOS DADOS DA PESQUISA ........................................... 78
3.3.1 As escolas pesquisadas, suas caractersticas: a gesto em
foco..................................................................................................... 78
3.3.2 Os gestores escolares ....................................................................... 81
3.3.3 Os professores .................................................................................. 88
3.3.3.1 O conhecimento do ECA ................................................................... 89
3.3.3.2 O professor e o adolescente em conflito com a lei ........................... 94
3.3.3.3 A prxis docente e suas concepes de educao para todos ........ 98
4 CONSIDERAES FINAIS .............................................................. 104
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 110
ANEXOS ............................................................................................................ 116
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1 INTRODUO
Pensar a educao como ponto de partida para a construo da
identidade pessoal, intelectual e social da criana e do adolescente sempre esteve
presente no cotidiano da minha carreira profissional desde os idos da dcada de
1980 at os dias atuais.
O tema aqui abordado a garantia do direito educao escolar ao
adolescente em conflito com a lei emerge de minha trajetria de insero social e
profissional na rea da infncia e adolescncia no municpio de Osasco, regio
metropolitana da Grande So Paulo. Tal trajetria marcada pelo fato de eu assumir
o cargo de supervisora de ensino1 da rede pblica estadual da educao desse
municpio e ser responsvel pela garantia da escolarizao formal de adolescentes
em medida socioeducativa de internao na Fundao CASA2 e, tambm, na
assessoria de polticas pblicas na rede pblica estadual de incluso de
adolescentes em medidas socioeducativas de Prestao de Servios Comunidade
(PSC) e Liberdade Assistida (LA) no sistema de ensino (art. 53, 117 e 118 do
ECA)3,respectivamente.
Essa insero profissional despertou-me para a busca de referncias
tericas, tcnicas e legais sobre a gesto de polticas pblicas que garantam o
direito educao escolar e sua qualidade a todos os estudantes e, em especial,
aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Assim, o presente
estudo fruto da inquietao, observao e reflexo sobre diversas situaes que
se apresentam no cotidiano escolar de minha atuao em Osasco.
Em que pese o que preconizado na Constituio da Repblica
Federativa do Brasil4 (CF) de 1988 quanto ao direito educao, pode-se verificar a
existncia de lacunas entre o direito proclamado e a sua efetivao no trato da
garantia de escolarizao formal e regular de adolescentes em cumprimento de
1 As atribuies da ao supervisora de ensino so, entre outras, exercer acompanhamento junto
equipe escolar, garantindo a efetivao da implantao das polticas pblicas educacionais, as quais agregam a esse trabalho as informaes referentes garantia do direito educao conforme estabelecido na Constituio Federal e leis decorrentes. Para tanto, in loco, essa ao tem sido exercida desde 1987 at a data atual. 2 Fundao CASA - Centro Atendimento Socioeducativo ao Adolescente.
3 Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei Federal n 8069/90.
4 Constituio Federal promulgada em 05 de outubro de 1988.
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medidas socioeducativas, em especial a Liberdade Assistida (LA) e Prestao de
Servio Comunidade (PSC), as definidas como regime aberto.
Em seu captulo III Da Educao, da Cultura e do Desporto, Seo I
Da Educao, a Constituio Federal estabelece o seguinte:
Art.205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (CF, 1988).
O art. 208 detalha o direito educao, como dever do Estado, aquele
compreendido entre a Educao Infantil e o Ensino Mdio e, nesse sentido, a
educao definida como direito pblico subjetivo: direito de todos e dever do
Estado.
Cabe ressaltar que, na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional 5
(LDBEN), o dever do Estado com a educao pblica compulsria dar-se- mediante
a garantia de ensino fundamental, obrigatrio e gratuito6, inclusive para os que a ele
no tiveram acesso na idade prpria e com proposta de universalizao para o
ensino mdio 7 (art. 4, inciso I). A Emenda Constitucional n 598 define o inciso I do
art. 208 como sendo educao bsica9 obrigatria e gratuita dos 04 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os
que a ela no tiveram acesso na idade prpria.
Para compreender o significado da abrangncia do termo educao
bsica, inclusa na referida LDBEN, Cury (2008) aponta que
A expresso educao bsica no texto de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDBEN um conceito, um conceito novo, um direito e tambm uma forma de organizao da educao nacional. [...] Como direito, ela significa um recorte universalista prprio de uma cidadania ampliada e ansiosa por encontros e reencontros com uma democracia civil, social, poltica e
5 Lei Federal n 9394, promulgada em 20 de dezembro de 1996.
6 Importante a distino entre o preconizado na LDBEN, ensino fundamental, obrigatrio e gratuito,
enquanto direito pblico subjetivo, que, enquanto lei complementar, carece de regulao em funo do estabelecido na nova redao sobre o que educao obrigatria, dada pela Emenda Constitucional n 59/2009, que amplia a garantia constitucional do direito pblico subjetivo educao bsica. 7 Redao dada pela Lei n 12.061, de 2009.
8 Emenda Constitucional n 59, aprovada em 11 de novembro de 2009.
9 A LDBEN, no art. 22, estabelece os fins da educao bsica: A educao bsica tem por finalidade
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
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cultural. E a que se situa o papel crucial do novo conceito inclusive como nova forma de organizao da educao escolar nacional. Essa nova forma atingiu tanto o pacto federativo quanto a organizao pedaggica das instituies escolares. Esse papel o como tal porque educao lhe imanente o de ser em si um pilar da cidadania e o inda mais por ter sido destinado educao bsica o condo de reunir as trs etapas que a constituem: a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio (CURY, 2008, p. 294).
Ento, ao situarmos a Educao Bsica como compulsria, implica
entendermos a educao como direito pblico subjetivo e, para fundamentar tal
compreenso, necessrio conceber esse direito em termos de uma poltica pblica
a ser, de fato, implementada pelo Estado brasileiro. Cabe afirmar que as polticas
pblicas so construdas a partir de demandas sociais reconhecidas como direitos,
pois, historicamente, vo se institucionalizando e incorporando no dia a dia da vida
pblica, representando a materialidade da interveno do Estado.
[...] polticas pblicas sociais referem-se a aes que determinam o padro de proteo social implementado pelo Estado no que concerne distribuio de benefcios sociais, de forma a diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento econmico (AZEVEDO, 2001, apud MARTINS, 2010, p. 498).
Assim, a educao, como um direito pblico subjetivo, um componente
da poltica pblica social enquanto instrumento de sua realizao, e a concepo de
direito pblico subjetivo significa a possibilidade de o indivduo transformar a norma
geral e abstrata em algo que possua como prprio e que, enquanto seu,
inalienvel, ou seja, impossvel de transferir a outrem. Nesse ponto, cabe observar a
definio desse direito e dessa obrigao do Estado no contedo do 1, art. 208 da
CF (1988): O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo.
Essa concepo de educao predominantemente social contempla
definitivamente a educao como direito fundamental, pois o direito pblico subjetivo
o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pelo ordenamento
jurdico, tem por objeto um bem ou interesse (JELLINEK, apud DUARTE, 2004,
p.113).
A educao compulsria reconhecida como um direito fundamental, um
interesse do e concedida ao indivduo por um ordenamento jurdico e institucional
(Estado), eleva seu detentor condio de sujeito desse direito; e o Estado, tendo a
tutela jurdica, encontra-se em condio de ser exigido quando houver omisso,
leso, abuso do direito educao ou oferta irregular de um bem social. A exigncia
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a ser buscada cabe desde aos rgos do sistema de garantia dos direitos, grupos de
pessoas, sindicatos, movimentos sociais at a pessoa diretamente envolvida na
questo, como preceitua GARRIDO DE PAULA (1995):
Atender ao direito social protegido pela lei significa cumprir, qualitativa e quantitativamente, as obrigaes que dele decorrem, produzindo aes e servios que satisfaam os titulares daquele direito. Existindo oferta irregular dessas aes e servios por parte do Estado, a fora subordinante do direito social violado conduz necessidade de prestao jurisdicional, de modo que a ordem social violada pelo Poder Pblico, notadamente atravs de seu Poder Executivo, possa ser restaurada pelo Poder Judicirio. Assim, reconhece-se que o interesse tutelado pelo direito social tem fora subordinante, isto , subordina o Estado ao atendimento das necessidades humanas protegidas pela lei. Assim, deflui do direito pblico subjetivo fora subordinante em relao ao Estado, no s no que diz respeito ao cumprimento voluntrio das obrigaes, mas tambm na garantia de acesso ao Judicirio para o suprimento coercitivo das omisses governamentais (GARRIDO DE PAULA, 1995, p. 15).
H ainda uma relao direta entre direito pblico subjetivo e o direito da
criana e do adolescente consubstanciado, no art. 227 da Constituio Federal de
1988, como um dever da famlia, da sociedade e do Estado em assegurar criana,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, um rol de direitos e, dentre
eles, a educao escolar10.
A educao, enquanto direito natural inerente pessoa humana e
ampliado no como um privilgio e, sim, como um direito pblico subjetivo, s se faz
efetiva se as instituies capazes de responder por sua materializao agirem de
modo articulado e em rede (Poder Pblico, sociedade em geral, famlia). Conforme
anota PEREIRA (2006):
[...] a garantia do direito educao implica numa articulao de instituies e atores no sentido da finalidade de se alcanar a cidadania plena de todos, e, no caso particular, do adolescente sentenciado (PEREIRA, 2006, p. 152).
Aps 1988, o ordenamento jurdico e institucional brasileiro adotou o
paradigma da doutrina da proteo integral na garantia de direitos populao
10
Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. Redao dada Pela Emenda Constitucional n 65, de 2010 (CF, 1988).
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infanto-juvenil, independentemente de sua condio socioeconmica, intelectual, de
etnia e gnero. A legislao tem carter universal enquanto abrangncia para esse
grupo, lembrando que a seara do Direito da Criana e do Adolescente tem
prescrio no tempo, ou seja, compreende a faixa etria de zero a 18 anos
incompletos11. Tal especificao temporal est consubstanciada nos princpios
fundamentais na Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana12, adotada
pela Assembleia Geral das Naes Unidas a partir de 20 de novembro de 1989.
A ideia da proteo integral adotada na legislao brasileira tomada na
compreenso de Machado (2003) como
[...] um conjunto de deveres atribudos famlia, comunidade, sociedade em geral e ao Poder Pblico para a garantia dos diversos direitos fundamentais da criana e do adolescente - direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais, tratando-os como indivisveis e interdependentes. A integralidade verifica-se, portanto, nesta diversidade de direitos protegidos de forma interligada. (...) Trata-se de uma responsabilidade solidria na medida em que, a cada um destes protagonistas, atuando em dimenses distintas, cabe a promoo e proteo de todos os direitos assegurados em lei. Neste caso, a integralidade pode ser verificada atravs das aes amplas, diversificadas e interdependentes realizadas por estes protagonistas no que tange aos deveres que possuem para garantia dos direitos da populao infanto-juvenil (MACHADO, 2003, p. 388).
Nessa perspectiva, a criana, o adolescente e o jovem no so mais tidos
como objetos de tutela e, sim, sujeitos de direitos, o que sugere o reconhecimento
do status de cidados, sujeitos capazes de interferir na sua prpria histria e na
histria de sua comunidade, conforme anota LIBERATI (2011):
O princpio impositivo da lei enquanto declaratrio estabelece ser a funo hermenutica de interpretao da garantia do direito, assegurando a efetividade do direito pblico subjetivo de educao, colocando a proteo integral no mais como fundamento assistencialista e sim como poltica pblica13.
11
ECA - Art. 2 - Considera-se criana, para os efeitos desta Lei, a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Pargrafo nico. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto s pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. 12
Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana - Artigo 1 - Nos termos da presente Conveno, criana todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicvel, atingir a maioridade mais cedo. 13
Prof. Dr. Wilson Donizeti Liberati, conceituao anotada pela pesquisadora em aula de 10 de maro de 2011 da disciplina de Direito e Sistema de Justia: Adolescente autor de ato infracional do Programa Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei.
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Sobre a noo objeto de tutela h na literatura, em especial a jurdica,
vrias posies firmadas a partir da Conveno Internacional sobre os Direitos da
Criana (1989) como tambm diversos so os olhares sobre a questo na
antropologia, sociologia, psicologia, pedagogia.
A ttulo de ilustrao, Nogueira Neto (2008) aponta duas posies: uma, que
prima pela institucionalizao e pela apartao das crianas e dos adolescentes da
sociedade, famlia e comunidade, tendo em vista a noo de incapacidade dos
mesmos; e, outra, pela capacidade plena, numa espcie de autodeterminao
quase que absoluta, a saber:
[...] tem-se registrado a ocorrncia de duas posies antagnicas dessa questo dos direitos da criana e do adolescente em funo da Conveno. Uns acentuam exacerbadamente a necessidade da tutela, quase que anulando a autonomia ontolgica deles: vendo-os como vulnerveis em si (no, vulnerabilizados), sem responsabilidade alguma por seus atos necessitando de verdadeira tutela da famlia, da sociedade e do Estado e de respostas puramente assistencialistas. Para esses, a triagem, a apartao (institucionalizao), o controle ainda o melhor caminho: o lugar dessas crianas e adolescentes no ninho gaiola. Quando no por essa linha, outros por sua vez colocam exageradamente a tnica da sua reflexo e da sua ao numa autodeterminao quase que absoluta da criana e do adolescente e repudiam como castradoras quaisquer formas de proteo. E, acabam, de um lado, anulando todo e qualquer resqucio da responsabilidade/poder parental e da responsabilidade do Estado e da sociedade pela sobrevivncia, pelo desenvolvimento e pela proteo da criana e do adolescente, como se fosse possvel reeditar, com sucesso absoluto, teorias e experincias como as de Summerhil, Christiana, Childrenjs Liberationists, kiddy-libbers e congneres (NOGUEIRA NETO, 2008, p. 28).
O autor ressalta que, escolhida a segunda alternativa, os adolescentes
em conflito com a lei, por sua vez, seriam apenas inadaptados sociais,
irresponsveis; susceptveis apenas de encaminhamentos do servio social, de
psicoterapias de anlises, de profissionalizao, etc., sem qualquer medida jurdico-
judicial de carter sancionador. O autor ainda mostra que a no instaurao de
procedimento apurao de ato infracional no se pode fazer apreenso em
flagrante e, desse modo, fecha-se [sic] os olhos a situaes de abandono... finge-se
uma liberalidade falsa de relao a tudo isso ou assume-se uma sensao de
incapacidade e de impossibilidade (NOGUEIRA NETO, 2008, p. 29).
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E, sobre a noo sujeito de direitos, existe tambm na literatura jurdico-
judicial e nos diversos campos do conhecimento uma gama de posies e a que
interessa presente pesquisa a adoo da gramtica de direitos, em que se
percebe a criana, o adolescente e o jovem com direitos indisponveis que, por isso
mesmo, devem ser exigidos no sentido de forar a prevalncia do seu interesse: do
seu melhor interesse. O que est em questo no a instituio de novos direitos
e, sim, a necessidade de efetivao da norma, de implantao e implementao
(operacionalizao) de um sistema de proteo de direitos, isto , espaos pblicos
institucionais e mecanismos de promoo, controle e garantia (proteo) dos
direitos, segundo Noqueira Neto (2008: 30).
Nesse sentido, so, portanto, responsveis o Estado, a sociedade e a
famlia no mais pela tutela e, sim, pela proteo integral da criana e do
adolescente (art. 227 da CF, 1988).
Convm ressaltar que a legislao brasileira, em consonncia com
diversos tratados internacionais14 adotados pela Organizao das Naes Unidas
(ONU), define que, determinados grupos de crianas, adolescentes e jovens, pela
situao de vulnerabilidade ou risco social15 e pessoal, so ainda destinatrios de
outros direitos (porque no dizer de mais direitos) como o caso do adolescente
em conflito com a lei, conforme se depreende dos contedos do art. 227 da CF
(1988), pargrafo 3, incisos IV a VII, a saber:
Art.227 [...] [...] 3 - O direito proteo especial abranger os seguintes aspectos: [...]
14 Importante aqui a compreenso da importncia jurdica sobre a formatao e fora de lei de Tratados e Convenes Internacionais. No Brasil as Convenes Internacionais so internalizadas no arcabouo jurdico interno com status de lei ordinria, tornando-se, pois, uma norma de aplicao obrigatria no pas. O Direito Internacional tem como fonte internacional, entre outros, os Tratados e Convenes. Uma Conveno Internacional um acordo de vontades, regido pelo Direito Internacional, estabelecido por escrito, entre Estados, agindo na qualidade de sujeitos internacionais, do qual resulta a produo de efeitos jurdicos (DOLINGER, 1996). Podendo ainda ser conceituado o Tratado conforme adotado pela Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados, (Viena, em 26 de maio de 1969 com entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980), artigo 2 - 1. Para os fins da presente Conveno: a) "tratado" significa um acordo internacional concludo por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento nico, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominao especfica. 15
No entendimento de SIERRA e MESQUITA (2006), a vulnerabilidade como um conjunto de fatores, que pode aumentar ou diminuir a situao de risco social, tem uma dimenso alm da carncia econmica. Outros tipos de carncia, como desnutrio, condies precrias de habitao e saneamento, subemprego, subconsumo, falta de integrao e suporte familiar e baixos nveis educacionais e culturais, tm a mesma importncia que a econmica.
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IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuio de ato infracional, igualdade na relao processual e defesa tcnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislao tutelar especfica; V - obedincia aos princpios de brevidade, excepcionalidade e respeito condio peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicao de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estmulo do Poder Pblico, atravs de assistncia jurdica, incentivos fiscais e subsdios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criana ou adolescente rfo ou abandonado; VII - programas de preveno e atendimento especializado criana, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins (CF, 1988, Redao dada Pela Emenda Constitucional n 65, de 2010).
A doutrina da proteo integral pressupe a garantia dos direitos
individuais estabelecidos no Estatuto da Criana e do Adolescente, ficando a poltica
de direitos sob a responsabilidade do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) e,
como visto, a materializao dessa doutrina pressupe uma articulao entre as
aes desencadeadas pelos diversos atores desse sistema e, por isso, uma atuao
em rede.
Ao considerarmos a referida doutrina como a que visa ao melhor interesse
da criana, do adolescente e do jovem na ateno ao princpio da prioridade
absoluta, isso implica
[...] raciocinar a partir do desenvolvimento de cada criana. Sua
primeira referncia a famlia, atravs dos pais. Em seguida, como
locus privilegiado de socializao e de aquisio de conhecimento,
indispensvel instrumento cultural de sobrevivncia, a escola.
Finalmente, a partir da complexificao das relaes sociais, os
Conselhos de Polticas Pblicas, como o de Educao e de Direitos,
e os Conselhos Tutelares (MARQUES, 2004, p. 31 grifos nossos).
E, se a garantia do direito educao implica um trabalho em rede, numa
articulao das instituies e atores do SGD, tendo como objeto alcanar a
cidadania plena de todos, importncia maior deve ser considerada no contexto ao
adolescente em conflito com a lei, pois, se as redes de proteo dos direitos de
crianas e adolescentes tm como marco de referncia o sistema de garantia de
direitos definido no ECA16, a relevncia da educao escolar como fortalecedora da
16
Art. 86 - A poltica de atendimento dos direitos da criana e do adolescente far-se- atravs de um conjunto articulado de aes governamentais e no-governamentais, da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios (ECA, 1990). Art. 88 - So diretrizes da poltica de atendimento:
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21
rede de proteo integral ao adolescente em conflito com a lei faz eco dos princpios
do Estatuto.
A escola, por princpio e funo, deve acolher e garantir a melhor
educao aos estudantes e, em especial, aos adolescentes em conflito com a lei por
estes se encontrarem em cumprimento de deciso judicial. No entanto, o que ainda
se percebe a resistncia, de parte do sistema educacional, em incluir os referidos
adolescentes e, assim, contribuir para o fortalecimento da rede de proteo social,
como uma das instituies do poder executivo na composio do SGD.
Nesse contexto, o objeto de estudo da presente dissertao visa
discusso da questo da incluso dos adolescentes em medidas considerada mais
branda (restrio da liberdade) como a Liberdade Assistida (LA) cumprida pelos
adolescentes em meio aberto. No que se refere s medidas consideradas graves
(privao de liberdade), como o caso da Internao, os adolescentes frequentam a
escola regular e formal no interior das Unidades de Atendimento no caso do
Estado de So Paulo, na instituio pblica denominada Fundao CASA17.
I - municipalizao do atendimento; II - criao de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criana e do adolescente, rgos deliberativos e controladores das aes em todos os nveis, assegurada a participao popular paritria por meio de organizaes representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; III - criao e manuteno de programas especficos, observada a descentralizao poltico-administrativa; IV - manuteno de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criana e do adolescente; V - integrao operacional de rgos do Judicirio, Ministrio Pblico, Defensoria, Segurana Pblica e Assistncia Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilizao do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; VI - integrao operacional de rgos do Judicirio, Ministrio Pblico, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execuo das polticas sociais bsicas e de assistncia social, para efeito de agilizao do atendimento de crianas e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rpida reintegrao famlia de origem ou, se tal soluo se mostrar comprovadamente invivel, sua colocao em famlia substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; (redao dada pela Lei n 12.010, de 29 de julho de 2009) VII - mobilizao da opinio pblica para a indispensvel participao dos diversos segmentos da sociedade (ECA, 1990, inciso includo pela Lei n 12.010, de 29 de julho de 2009). 17
O ECA, em seu artigo 112, prev medidas socioeducativas aplicveis aos adolescentes quando verificada a prtica do ato infracional, que, em ordem crescente de severidade, consistem em: I. Advertncia: admoestao verbal por parte da autoridade judiciria. II. Obrigao de Reparar o Dano: restituio do bem, promoo do ressarcimento do dano ou compensao do prejuzo da vtima. III. Prestao de Servios Comunidade: realizao de tarefas gratuitas, de interesse geral, por perodo no excedente a seis meses. IV. Liberdade Assistida: acompanhamento psicossocial, em um prazo mnimo de seis meses. V. Insero em regime de Semiliberdade: como forma de transio para o meio aberto, possibilitada a realizao de atividades externas.
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22
Como visto nas primeiras linhas desta parte introdutria, a razo
motivadora do desenvolvimento deste objeto de estudo decorre de minhas
experincias vivenciadas no campo de trabalho como supervisora de ensino e, por
conseguinte, de uma pesquisa exploratria realizada para o aprofundamento do
tema, tomando como recorte parte do universo das escolas pblicas estaduais
sediadas em Osasco.
Nesse sentido, o suporte da pesquisa recai sobre a dinmica contraditria
das relaes que se estabelecem entre a educao formal escolar, enquanto um
direito fundamental que, na qualidade de direito pblico subjetivo, torna essa escola
responsvel pela garantia da educao, devendo responder pela educao escolar
ao adolescente em conflito com a lei.
O presente estudo objetiva deter o olhar sobre a instituio escolar,
considerando parte de seu corpo funcional (professores e gestores diretores, vice-
diretores e coordenadores pedaggicos), tendo em vista a materializao da
doutrina da proteo integral na poltica socioeducativa ao adolescente em conflito
com a lei - especificamente, no caso em questo, do adolescente que cumpre
medida socioeducativa, em meio aberto, considerando o recorte do objeto de
pesquisa, a Liberdade Assistida (LA)18.
Os objetivos definidos para a pesquisa compreendem:
a) levantar dados e informaes sobre a insero dos adolescentes em
conflito com a lei no sistema escolar pblico estatal em particular, no municpio de
Osasco de competncia da poltica estadual de educao;
b) compreender como as escolas pesquisadas lidam com o direito
educao do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, a partir do
olhar de parte de seus profissionais;
c) destacar limites e possibilidades da escola (comunidade escolar) em
relao garantia do direito fundamental de educao com qualidade, bem como a
VI. Internao em estabelecimento educacional: constitui medida privativa da liberdade, prazo indeterminado, no podendo exceder a trs anos (ECA, 1990). 18
ECA - Art. 118 - A liberdade assistida ser adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Art. 119 - Incumbe ao orientador, com o apoio e a superviso da autoridade competente, a realizao dos seguintes encargos, entre outros: II - supervisionar a freqncia e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrcula.
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23
concepo dos referidos profissionais em relao aos direitos preconizados no
Estatuto da Criana e do Adolescente, colocando-se em perspectiva a teoria (o que
o ECA prope) e a prtica (o cumprimento da lei) ao adolescente em cumprimento
de medida socioeducativa.
No desenvolvimento da pesquisa a metodologia adotada a de
abordagem exploratria e qualitativa sobre o tema da garantia da educao escolar
e do direito da criana e do adolescente (na acepo de direito pblico subjetivo),
combinada anlise documental e anlise terica sobre a temtica do adolescente
em conflito com a lei.
O campo emprico de pesquisa foi definido a partir do total de escolas do
sistema de educao, de responsabilidade da poltica estadual de educao
jurisdicionada no municpio de Osasco: de 52 escolas, foram selecionadas duas a
partir de um levantamento exploratrio realizado preliminarmente quando da
definio do objeto de pesquisa. Os instrumentos privilegiados para a investigao
do tema de estudo foram questionrios estruturados com parte dos profissionais da
educao (professores e gestores). Os contedos dos instrumentais partiram da
incipiente produo sobre o tema do direito educao aos adolescentes em
conflito com a lei; a ausncia de debate e reflexo crtica sobre a relao escola e
adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, na prtica escolar e, ainda,
sobre a necessidade de se colocar o tema na agenda da poltica pblica sobre a
garantia da doutrina da proteo integral populao adolescente e jovem.
As referncias tericas trabalhadas na compreenso e anlise do tema de
estudo esto vinculadas concepo do direito pblico subjetivo da educao e
tambm do direito da criana e do adolescente e, para tanto, foram privilegiadas as
contribuies de diversos autores como Miguel Arroyo, Paulo Afonso Garrido de
Paula, Wilson Donizeti Liberati, Martha de Toledo Machado, Irandi Pereira,
Romualdo Portela de Oliveira, Wanderlino Nogueira Neto, entre outros. Sobre a
gramtica de direitos, foi tomada a legislao em vigor como a Constituio da
Repblica Federativa do Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases de Educao Nacional, o
Estatuto da Criana e do Adolescente e parte dos Tratados e Convenes
Internacionais ratificados pelo Governo brasileiro. E, sobre os procedimentos
metodolgicos, foram tomadas as referncias de Maria Ceclia de Souza Minayo,
Otvio Cruz Neto e Romeu Gomes.
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24
A apresentao da pesquisa, alm desta parte introdutria, segue a
seguinte ordenao:
Na primeira parte tem destaque a poltica de direitos a partir do
entendimento consubstanciado no art. 227 da CF (1988), que atribui criana e ao
adolescente a condio de sujeitos de direitos, trazendo a discusso da
conceituao de proteo integral, art. 98 do ECA, e o reconhecimento terico do
direito educao reivindicado na legislao brasileira e em tratados e Convenes
Internacionais. Ao se discutir o papel social da escola, busca-se compreender a
complexidade das relaes existentes no ambiente educacional entre seus atores e
em especial o adolescente em conflito com a lei. O tema do direito educao,
como garantia de direitos ao adolescente em conflito com a lei, assume dimenso
relevante para se perceber a distncia entre o preconizado na lei e a aplicao desta
na trajetria educacional formal da criana e do adolescente, em especial do
adolescente que cumpre medida socioeducativa em meio aberto de Liberdade
Assistida.
Na segunda parte se discute a problemtica do adolescente em conflito
com a lei dentro do contexto escolar, abordando-se a metodologia adotada no
desenvolvimento da pesquisa, privilegiando-se para tanto a apresentao dos
resultados, a anlise dos resultados, observando-se as bases legais, tericas e
metodolgicas adotadas para a anlise da pesquisa.
Por ltimo, na parte trs, apresentam-se as consideraes finais que a
anlise ensejou na pesquisa sobre a complexidade do princpio da doutrina de
proteo integral de direitos e a execuo dessa poltica pelo sistema educacional
no atendimento ao adolescente em conflito com a lei.
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25
2 ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A GARANTIA DE
DIREITOS
2.1 POLTICA DE DIREITOS
O art. 98 do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) parte da
premissa de que so sujeitos de medidas de proteo integral todas as crianas,
adolescentes e jovens que compreendem a faixa etria entre zero a 18 anos de
idade e, em condies especiais, at 21 anos19.
A proteo integral um princpio assumido pelo ECA a partir da adoo
da Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana, aprovada pelos Estados-
membros da Organizao das Naes Unidas, em 1989. Cabe ressaltar que, antes
mesmo disso, o Brasil, na Constituio da Repblica, j adotara o direito proteo
integral para o universo criana e adolescente (art. 227).
Interessante observar as anlises de Nogueira Neto (2008) sobre as
ideias de proteo integral, proteo especial e tutela no campo da infncia e
adolescncia sob a tica dos direitos humanos:
Todas as crianas e os adolescentes precisam de proteo integral, intrinsecamente. Mas, em determinadas circunstncias, situaes, condies, momentos, quando vulnerabilizados ou em desvantagem social, algumas crianas e alguns adolescentes exigem medidas especiais de proteo ou aes afirmativas do seu direito (discriminaes positivas). Em outras, quando em conflito com a lei penal, exigem medidas (sancionadoras) socioeducativas. As necessrias limitaes ao exerccio de seus direitos devem ser entendidas como estratgicas para garantir a plenitude desses direitos. Isto , limita-se a autonomia deles para assegurar a plenitude de sua cidadania e no para torn-los menos-cidados, cidados de segunda classe, ainda mais marginalizados. No se protege uma pessoa como se protege um pequeno animal feroz e perigoso ou um anjo jaula ou altar. No se pode esquecer que ela, de qualquer maneira, um ser que j tem todos os direitos de um cidado e como tal deve ser tratado, revertendo-se todo e qualquer processo que resulte no abortamento de sua cidadania. A eles h que se garantir, alm do mais, sua participao proativa e no
19
Art. 98 As medidas de proteo criana e ao adolescente so aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaados ou violados: I por ao ou omisso da sociedade ou do Estado; II por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel; III em razo de sua conduta (ECA, 1990).
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26
meramente reativa, na construo de sua vida, nos processos de extenso de sua cidadania. Sua participao igualmente de alguma forma no desenvolvimento dos servios e programas/projetos pblicos, administrativos e judiciais, governamentais e no-governamentais, num sentido lato (NOGUEIRA NETO, 2008, p. 28).
Ento, no caso dos adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, a restrio ou a privao de liberdade imposta pela legislao no
significa nem restrio ou privao de direitos. A proteo integral direito de todos
os adolescentes e a proteo especial medidas especiais um direito que se deve
estender a determinados adolescentes que, por especial situao e/ou condio,
encontra-se em desvantagem ou em perigo pessoal e/ou social.
Sobre a proteo integral devida ao grupo etrio criana e adolescente, o
STF, em 2008, assim se pronunciou:
A proteo integral da criana e do adolescente devida em funo de sua faixa etria, porque o critrio adotado pelo legislador foi o cronolgico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam no apenas responsabilizao do interessado, mas ao seu aperfeioamento como membro da sociedade, a qual tambm pode legitimamente exigir a recomposio dos seus componentes, includos a os menores (STF, 1. Turma, HC 94938/RJ, Rel. Min. Crmen Lcia, DJ 12.08.2008 apud ARAJO JNIOR, 2010, p. 3).
O direito educao bsica considerado lquido e certo, ou seja, um
direito do cidado e um dever do Estado. Para tanto, o sistema de garantia de
direitos deve se articular e se integrar numa ao sistmica para que a educao
escolar seja uma realidade em termos quantitativos e qualitativos para toda a
populao brasileira, incluindo-se aquela que no pode realiz-la no tempo e em
idade correspondente aos ciclos de ensino-aprendizagem. A ideia de ao sistmica
compreende aquela em que h o esforo dos poderes (legislativo, judicirio,
executivo) e seus respectivos rgos (ministrios, secretarias, departamentos) e ou
mesmo instncias (conselhos, fruns, consrcios) no dever de articular-se em rede
para que as polticas pblicas possam ser efetivadas.
O enfrentamento pelos sistemas de polticas pblicas (educao, sade, assistncia social, cultura, segurana, etc.) e pelo sistema de justia (varas judiciais, promotorias de justia, defensorias pblicas e outras procuradorias sociais), de questes como as dos
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27
adolescentes em conflito com a lei, das crianas e adolescentes em situao de rua, explorados no trabalho infantil, submetidos a abusos e exploraes sexuais por exemplo h que ser posto numa ambincia sistmica, isto , no seio de uma concertao sistmica pela promoo e proteo (defesa) dos seus direitos humanos, ou pelo menos, minimamente, no ambiente institucionalizado sistema de garantia e direitos (NOGUEIRA NETO, 2008, p. 77).
Retomando-se o estabelecido nos incisos I a III do art. 98 do ECA sobre o
fato de que as medidas de proteo devam ser aplicadas por diferentes razes
no ter acesso educao formal ou ser submetido a um processo educacional que
leve ao fracasso escolar de crianas e adolescentes ou mesmo que os pais ou
responsvel legal se omitam do dever de assistir e educar os filhos menores de
idade essas podem ser consideradas violaes de direitos. E, ainda, h os
casos de adolescentes que, em funo de sua conduta, acabam por fazer vtimas.
Com frequncia cada vez mais evidente, percebe-se que muitas crianas e jovens enveredam pelo caminho alucinante das drogas; tornam-se delas dependentes e, muitas vezes, traficam-na. A droga atrai a prostituio; duas situaes que no se separam. Enfim, a prpria criana ou adolescente poder colocar em risco de ameaa ou violao os seus direitos, em virtude de sua conduta. Esse comportamento poder estar relacionado com a prtica infracional, que dar origem ao judiciria ou tutelar de imposio da medida protetiva mais adequada para o caso (LIBERATI, 2010, p. 100).
O ECA reconhece como ato infracional 20 uma dada conduta anloga ao
crime ou contraveno penal (art. 103) e, por isso mesmo, implica aplicao de
medidas socioeducativas, restritivas ou privativas de liberdade (art. 112)21. O
Estatuto no criminaliza o adolescente, ele o responsabiliza, com as medidas
socioeducativas, na faixa etria entre 12 e 18 anos de idade22 e, a criana23, com
20
Art. 103 Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contraveno penal (ECA, 1990). 21
Art. 112 - Verificada a prtica de ato infracional, a autoridade competente poder aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertncia; II - obrigao de reparar o dano; III - prestao de servios comunidade; IV - liberdade assistida; V - insero em regime de semi-liberdade; VI - internao em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 22
Art. 104 So penalmente inimputveis os menores de dezoito anos, sujeitos s medidas previstas nesta lei. Pargrafo nico: Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente data do fato (ECA, 1990).
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28
menos de 12 anos no passvel de responsabilizao, pois ao ato infracional
praticado por criana correspondero as medidas previstas no art. 101. A mudana
trazida pelo Estatuto da Criana e do Adolescente em relao s legislaes
anteriores (Cdigos de Menores de 1927 e 1979) a de que nenhum adolescente
ser privado de liberdade sem o devido processo legal (art. 110), devendo ser
assegurado um rol de garantias, dentre as quais se destacam a defesa tcnica por
advogado; assistncia judiciria gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
o direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; e o direito de
solicitar a presena de seus pais ou responsvel em qualquer fase do procedimento
(art. 111, incisos III a VI, respectivamente).
A deciso de se incluir na esfera de ao do Estatuto a pessoa que tem
menos de 18 anos de idade se ancora na Conveno Internacional sobre os Direitos
da Criana24, pois, para os efeitos dessa norma, "se entende por criana todo o ser
humano menor de 18 anos". O princpio da inimputabilidade at aos 18 anos de
idade toma por base a condio peculiar de desenvolvimento, permanecendo
assegurados a toda criana e adolescente e, por conseguinte, ao adolescente em
conflito com a lei, todos os seus direitos fundamentais, incluindo-se a o direito
educao. O direito educao e a proteo integral ao adolescente em conflito
com a lei so inspirados nas agendas e lutas dos movimentos sociais (nacional e
internacional) e respaldados em diversos tratados e convenes, como a Conveno
sobre os Direitos da Criana, (1990); as Regras Mnimas das Naes Unidas para a
Administrao da Justia Juvenil (Regras de Beijing) (1985); as Regras Mnimas das
Naes Unidas para a Proteo dos Jovens Privados de Liberdade (1990); as
Diretrizes das Naes Unidas para a Preveno da Delinquncia Juvenil (Diretrizes
de Riad) (1990); e a Declarao Mundial de Educao para Todos (Declarao de
Jomtien) (1990).
23
Art. 2 - Considera-se criana, para os efeitos desta Lei, a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Pargrafo nico. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto s pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (ECA, 1990). 24
Conveno sobre os Direitos da Criana. Adotada pela Assembleia Geral nas Naes Unidas em 20 de Novembro de 1989.
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29
A ttulo de exemplo, as Diretrizes das Naes Unidas para a Preveno
da Delinquncia Juvenil (Diretrizes de Riad) 25, ao tratar do adolescente em conflito
com a lei, dispem que
IV. Dos PROCESSOS DE SOCIALIZAO 9. Dever ser prestada uma ateno especial s polticas de preveno que favoream a socializao e a integrao eficazes de todas as crianas e jovens, particularmente atravs da famlia, da comunidade, dos grupos de jovens nas mesmas condies, da escola, da formao profissional e do meio trabalhista, como tambm mediante a ao de organizaes voluntrias. Dever ser respeitado, devidamente, o desenvolvimento pessoal das crianas e dos jovens que devero ser aceitos, em p de igualdade, como co-participantes nos processos de socializao e integrao. A.[...] B. Educao 23. Os sistemas de educao devero cuidar e atender, de maneira especial, aos jovens que estejam em situao de risco social. Devero ser preparados e utilizados, plenamente, programas de preveno e materiais didticos, assim como planos de estudos, critrios e instrumentos especializados (ONU, Diretrizes de Riad, 1990).
No item 23 das Diretrizes de Riad, ao se tratar dos adolescentes em
conflito com a lei, estabelece-se que os sistemas de ensino devem ser preparados
para prestar ateno especial s polticas de preveno que favoream a
socializao e a integrao eficazes de todas as crianas e jovens.
No caso dos adolescentes sentenciados, a oferta regular de programas de educao escolar obrigatria pela condio de tutela a que esto submetidos no cumprimento das decises judiciais, notadamente sob medidas de semiliberdade e de internao. (PEREIRA, 2006, p. 134).
Ainda sobre a insero dos adolescentes em conflito com a lei
educao escolar compulsria, cabe verificar o que dispe o ECA sobre a questo,
no art. 53, ao reafirmar que toda criana e todo adolescente tem direito educao,
tendo em vista sua finalidade, o pleno desenvolvimento de sua pessoa (...),
assegurada a igualdade de condies para o acesso e a permanncia na escola
(inciso I) , o que, somado atribuio do direito e da obrigatoriedade ou a chamada
dupla obrigatoriedade educao, implica garantia de cumprimento eficaz do direito
educao enquanto dispositivo de direito pblico subjetivo.
25
Princpios Orientadores das Naes Unidas para a Preveno da Delinquncia Juvenil (Princpios Orientadores de Riad). Adotados e proclamados pela Assembleia Geral das Naes Unidas na sua Resoluo 45/112, de 14 de Dezembro de 1990.
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30
O dever do Estado de efetivar o direito educao no o isenta da
obrigao de garantir ao adolescente em medida socioeducativa em regime de
Liberdade Assistida (LA), na qual se incumbe, ao orientador social, a
responsabilidade de supervisionar a frequncia e o aproveitamento escolar do
adolescente, promovendo inclusive sua matrcula (inciso II, art. 119, ECA), ou em
regime de Prestao de Servios Comunidade (PSC), em que a frequncia
escola no pode ser prejudicada pelo cumprimento das tarefas atribudas (pargrafo
nico, art. 117, ECA), ficando clara, no plano legal, a existncia de mecanismos e
procedimentos que visam implementao da poltica pblica de educao para
todos.
O enfoque da presente pesquisa centra-se na garantia do direito
educao ao adolescente em medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e,
nesse sentido, cabe destacar que o Estatuto no art. 119, inciso II, estabelece como
incumbncia do orientador, sob a superviso de autoridade competente,
supervisionar a frequncia e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo,
inclusive, a matrcula deste no sistema de ensino.
A determinao do citado artigo corrobora a necessidade de se garantir o
acesso e a permanncia na escola formal, visto a realidade encontrada no contexto
social do adolescente em conflito com a lei ainda ser de excluso e desinteresse
pela educao escolar compulsria. Uma pesquisa, realizada junto ao sistema de
cadastro de alunos de uma unidade da Fundao Casa Osasco em 2010, com 77
internos matriculados no Ensino Fundamental II, mostrou que apenas 27% dos
adolescentes estavam matriculados na escola antes da aplicao da medida
socioeducativa de internao (mesmo em defasagem idade-srie), sendo o
percentual dos matriculados, mas no assduos, de 29% (Fonte da pesquisa Setor
de cadastro de alunos da DERO, elaborado pela pesquisadora).
Os aspectos defasagem idade-srie e evaso do sistema escolar
aparecem como chancela a comportamentos que colocam o adolescente em risco
de ameaa ou violao de seus direitos em virtude de sua conduta 26 como tambm
grave manter a excluso de adolescentes em medida socioeducativa de Liberdade
Assistida ou para os egressos do sistema socioeducativo que ainda encontram a
escola de portas fechadas para a sua incluso no sistema educacional.
26
Inciso III, artigo 98, ECA.
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31
Cabe ressaltar que um dos requisitos para o cumprimento de medida
socioeducativa pelo adolescente o retorno, a permanncia e o sucesso escolar e,
segundo o art. 208 do Estatuto, cabe, ao Poder Pblico, a obrigao dessa
garantia27.
A dificuldade da escola em lidar com essa garantia de direitos fruto, em
parte, da ausncia de metodologias capazes de trabalhar com o adolescente em
medida socioeducativa pelas diferentes formas de vivncia na prtica de delitos e no
enfrentamento dos sistemas de segurana e justia. A atuao sistmica e em rede
de diversos atores vinculados s polticas pblicas pode contribuir para a construo
de metodologias de incluso do adolescente em medida socioeducativa aos bancos
escolares. Esse tipo de atuao articulada/integrada/complementar, de um lado, e
a relao interinstitucional/intersetorial/interdisciplinar, por outro, pode conduzir a
estratgias criativas e amplas para a permanncia e o sucesso escolar dos
adolescentes, ou seja, a efetivao da garantia da educao, enquanto direito
pblico subjetivo.
Os princpios da poltica de direitos ao segmento criana, adolescente e
jovem, como os da poltica de educao, esto postos na letra da lei; contudo, na
prtica do direito h um longo caminho a se percorrer para a diminuio dessa
distncia. A articulao e integrao do sistema de garantia de direitos, a presso
popular e a participao da famlia e/ou do responsvel legal pelos adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas podem levar construo de um pacto
social em torno do paradigma escola, dever do Estado, dever da famlia e
responsabilidade da sociedade, em que se efetive o verdadeiro papel social da
escola pblica como o da proteo integral de crianas, adolescentes e jovens,
definidos nos ordenamentos legais vigentes a partir de 1988.
27
Artigo 208 do ECA Regem-se pelas disposies desta Lei as aes de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados criana e ao adolescente, referentes ao no-oferecimento ou oferta irregular: I- do ensino obrigatrio.
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32
2.2 DIREITO EDUCAO
Refletir a respeito dos Direitos Humanos nos remete a pensar em
dignidade humana que, em princpio, deve ser compreendida como inerente a todo
ser humano indistintamente, no havendo uma pessoa que tenha mais dignidade
que outra o que justifica a chamada igualdade substancial28. E nessa chave de
raciocnio que se assenta o direito da criana e do adolescente perante a
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Isso se confirma nas
palavras de Garrido de PAULAque, em seu texto O direito da criana e do
adolescente, bem define:
[...] para atingir este objetivo, que a garantia da dignidade da pessoa humana, o direito da criana e do adolescente se funde em dois princpios fundamentais, a proteo integral e a condio de pessoa em processo peculiar de desenvolvimento. No possvel pensar o direito da criana e do adolescente perdendo de vista o destinatrio desse direito, que algum que atravessa modificaes na sua existncia que jamais vo ocorrer novamente [...] (GARRIDO de PAULA, 2010, p. 05). 29
Assim sendo, o princpio basilar de proteo integral criana e ao
adolescente, conforme estabelecido no artigo 1 do ECA, inova ao adotar tal
doutrina como objeto de atendimento, conforme LIBERATI, (2010):
A Lei 8069/1990 revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a doutrina da proteo integral. Essa nova viso baseada nos direitos prprios e especiais das crianas e adolescentes, que, na condio peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteo diferenciada, especializada e integral (TJSP,AC 19.688-0, Rel. Lair Loureiro, apud LIBERATI, 11 Ed., 2010, p. 15).
Para que se conjuguem os aspectos da proteo diferenciada,
especializada e integral e de pessoas na condio peculiar de desenvolvimento, faz-
se essencial percepo de que, nessa etapa da vida, compete ao Estado
desenvolver polticas pblicas e famlia fornecer os meios adequados para um
28
A igualdade substancial, nas palavras do professor Celso Ribeiro Bastos, consiste no tratamento uniforme de todos os homens. No se cuida, como se v, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida. (BASTOS, 2001, p. 5 apud GONZAGA, 2009, p. 2). 29
Dr. Paulo Afonso Garrido de Paula Procurador de Justia do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo e professor da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, responsvel pela cadeira de Direito da Criana e do Adolescente, foi um dos autores do anteprojeto que deu origem ao Estatuto da Criana e do Adolescente. Disponvel em: http://www.portalpromenino.... Acesso em: 20 de junho de 2011.
http://www.portalpromenino.../
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33
desenvolvimento sadio e harmonioso, o que implica uma vida livre de crueldade,
coero, violncia e opresso.
Logo, pensar desenvolvimento saudvel implica garantir integridade
emocional e fsica, o que nos remete vida digna e, por conseguinte, ter vida digna
implica ter acesso ao conhecimento, educao e, em especial, ter o direito a ter a
posse do saber. Saber esse que, no mundo ocidental, traz em seu bojo a ideia do
direito e do dever em determinado nvel de escolarizao, com caractersticas
emancipadoras e disciplinadoras. Emancipadoras no aspecto direito, educao,
direito de todos, dever do Estado e da famlia [...] 30, pois a educao como direito
possibilita a garantia de acesso a outros bens sociais, sade, trabalho, moradia,
previdncia social, entre outros, diminui a desigualdade social, busca por justia e
emancipa.
Ao mesmo tempo, essa mesma garantia de direito emancipadora, castra,
reprime, coercitiva, pois disciplinadora na sua obrigatoriedade, conforme os
textos legais j citados, inciso I do artigo 208 da Constituio Federal (1988) [...]
educao bsica obrigatria e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade [...], podendo ser responsabilizada a famlia quando no garantir tal direito.
Ou seja, educao no s direito, mas tambm dever.
E, se o estabelecido no artigo 205 A educao, direito de todos, e
dever do Estado e da famlia, [...] implica que, se a educao direito de todos,
obrigao do Estado garantir a vaga, cabendo famlia o dever de matricular e fazer
garantir o direito estabelecido, tendo para isso, conforme estabelecido no pargrafo
primeiro do artigo 208, o mecanismo destinado a reforar e detalhar a importncia da
declarao do direito educao: O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito
pblico subjetivo. Considera-se, portanto, que o acesso ao ensino obrigatrio31
lquido, certo e indisponvel, podendo ser exigido do Poder Pblico que dever
garantir vagas a todos que estejam dentro da faixa etria discriminada no dispositivo
legal.
Vale aqui lembrar os ensinamentos de Jos Cretella Jr sobre direito
pblico subjetivo:
30
Artigo 205 da Constituio Federal de 1988, Dos fins da Educao. 31
CF - Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de: I - educao bsica obrigatria e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria; (Redao dada pela Emenda Constitucional n 59, de 2009).
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34
Tratando-se de direitos subjetivos h, pois, dois sujeitos: sujeito ativo, o credor, pessoa de quem emana a exigncia, o poder de exigir; sujeito passivo, o devedor, pessoa sobre quem recai a exigncia, o dever de cumprir a obrigao jurdica resultante de regra de direito (CRETELLA Jr, 1993, v. 8, p. 4.413-4, apud OLIVEIRA, 1999, p. 31).
E, se o Estado o sujeito ativo nessa relao, a obrigatoriedade se
desdobra em outro momento, configuram-se como sujeitos ativos, conforme os
ensinamentos de Cretella, os pais, que devem (obrigatoriamente) matricular seus
filhos, existindo, pois, dois sujeitos responsveis pela garantia do direito educao.
Nesse cenrio, esse sujeito de direito, aqui, mais especificamente, a
criana e o adolescente, passa a ser protagonista. Portanto, sujeitos ativos, capazes
de verem e se envolverem com a educao enquanto posse de conhecimentos,
construtores de uma identidade social e cultural; em contrapartida, o sujeito ativo,
aquele que organizou ou construiu o contrato social ou o contrato ideolgico
(Estado), e a famlia, os sujeitos que vo garantir o direito, transformando o suposto
protagonista em objeto do direito.
Caracteriza-se, ento, essa relao direito-dever como uma educao
que se d mais pelo dissenso decorrente de polticas pblicas, nas quais contedos
valorativos e vises de mundo discrepantes se entrechocam. Essa concepo
aproxima-se da educao alicerada no modelo de interveno coercitiva e
repressora, que legitima aes e programas que, disfarados de poltica social de
benemerncia, aprimoram e solidificam mecanismos de controle social, configurando
a ter o dever a criana e o adolescente de estar na escola, sob pena de
responsabilizao do sujeito ativo e do sujeito passivo.
Assim, inexistindo a oferta da educao obrigatria (educao bsica,
artigo 208, inciso I, CF), ou sendo sua oferta irregular, estabelece-se a possibilidade
de se apurar a responsabilidade da autoridade omissa ou, se for o caso, do
comportamento omisso da famlia quando no houver a efetividade da matrcula ou
do acompanhamento escolar do filho ou pupilo. Esto, assim, dados as garantias, os
mecanismos de procedimentos para se efetivar o direito fundamental da educao,
pois,
[...] no ECA, a educao merece destaque como contedo do pargrafo nico, art. 4 como uma garantia de prioridade e, nas alneas c e d, a preferncia na formulao e na execuo das polticas sociais pblicas e a destinao privilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e
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35
juventude, respectivamente. No artigo 5, qualquer omisso ou ao que colida ou impea a garantia de seus direitos fundamentais (a educao um bem fundamental), a instituio e mesmo seus responsveis podero ser punidos na forma da lei (PEREIRA, 2006, p. 149)32.
Como vimos, a educao definida como direito de todos33 enquanto
direito constitucional, e, nessa perspectiva, estabelecidos dispositivos nas leis
complementares para sua garantia, no isentando dessa obrigao do Estado,
enquanto sistema escolar, e da famlia, enquanto garantidora desse dever, os
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Ao contrrio, a
educao compulsria parte dos requisitos jurdicos do ECA na aplicao de
medidas socioeducativas, conforme dispe o inciso II, artigo 119 desse Estatuto34.
Percebe-se uma distncia entre o preconizado na lei e a garantia efetiva
do direito na prtica escolar, no sendo, pois, surpresa que a sociedade
contempornea atribua, equivocadamente, escola, o papel deseducador, pois, por
essa perspectiva, ela tambm no estaria considerando necessria a presena
desses adolescentes que, afinal, no reproduzem a imagem do aluno ideal.
Surgem, assim, premissas do senso comum, extremamente equivocadas e
apartadas de um contexto educacional amistoso, tais como: aluno bom aquele
que obedece s regras da instituio-escola; adolescentes oriundos de famlias
desreguladas s trazem problemas; melhor no virem para escola35. Ou, ainda,
que esta sociedade seja composta por adolescentes que encontram dificuldades em
valorizar a escola, que se desinteressam ou que se deparam com a dura labuta de
enfrentar diariamente um espao ao qual no se sentem pertencentes.
32
Art. 4 - dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria. Pargrafo nico. A garantia de prioridade compreende: c) preferncia na formulao e na execuo das polticas sociais pblicas; d) destinao privilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e juventude (ECA, 1990). Art. 5 - Nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punido na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso, aos seus direitos fundamentais (ECA, 1990). 33
Artigo 205 da CF/88, artigo 2 da LDBEN, Lei n 9394/96, artigo 53 do ECA, Lei n 8069/90. 34
Art. 118 A liberdade assistida ser adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Art. 119 - Incumbe ao orientador, com o apoio e a superviso da autoridade competente, a realizao dos seguintes encargos, entre outros: II - supervisionar a frequncia e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrcula (ECA, 1990). 35
Discurso reproduzido no cotidiano escolar por professores, educadores e gestores, observados no exerccio da ao supervisora.
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36
Diante disso, quando se discute a importncia da garantia dos direitos
humanos, as consequncias do racismo, da violncia, do abuso de drogas e da
intolerncia com adolescentes em conflito com a lei, a sociedade contempornea se
depara com o fato de serem essas questes aquelas com as quais a escola deve
lidar. Contudo, isso nos leva a pensar que, se a escola no consegue atrair e
manter o interesse dos adolescentes, de maneira geral, como far para abordar esse
aspecto complexo, ou seja, receber, cuidar, educar e preparar o adolescente autor
de ato infracional, que cumpre medidas socioeducativas de LA ou PSC, garantindo a
ele o direito humano educao?
A Declarao do Direito Educao aparece na Constituio Federal
(1988) em seu artigo 6: So direitos sociais a educao [...], destacando-se com
primazia a educao, que reafirmada enquanto direito no artigo 205 - A educao
direito de todos [...], detalhada na sua efetivao no artigo 208 e reconhecida como
direito fundamental, quando, no pargrafo primeiro desse artigo, se refora a
importncia da declarao do direito educao, afirmando-se: O acesso ao ensino
obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo. Dado a importncia desse
dispositivo, recorremos novamente aos ensinamentos de Cretella:
O artigo 208, 1 da Constituio vigente no deixa a menor dvida a respeito do acesso ao ensino obrigatrio e gratuito que o educando, em qualquer grau, cumprindo os requisitos legais, tem o direito pblico subjetivo, oponvel ao Estado, no tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitao, protegida por expressa norma jurdica constitucional cogente (CRETELLA apud OLIVEIRA, 1999, p. 64).
Compreender a abrangncia e importncia desse dispositivo legal nos
remete aos movimentos e campanhas gestadas no final dos anos 1980, incio dos
anos 1990, organizadas na defesa dos direitos da criana e do adolescente e que
colocavam na agenda, como direito humano fundamental, o direito educao.
Enquanto a norma construda pelo consenso institui a educao como Direito
Humano, a Constituio Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional e o Estatuto da Criana e do Adolescente estabelecem o direito
educao como direito pblico subjetivo.
Impe-se, em decorrncia dessa garantia, uma atuao mais ampliada e
comprometida dos gestores pblicos, pautada no novo ordenamento constitucional,
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37
que visa implementao de poltica pblica educacional que garanta educao de
qualidade para todos.
A LDBEN (1996), em seu artigo 1, apresenta um conceito amplo de
educao o qual contempla tambm os processos educacionais que acorrem fora
dos limites da escola quando estabelece: [...] na vida familiar, na convivncia
humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais
e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais. Contudo, essa lei
define, por fim, ser seu objeto a educao escolar, tendo no ensino sua dimenso
especfica e sendo desenvolvida em instituies prprias. Por esse vis, a
instituio escolar, representante oficial dessa poltica social, que deveria garantir
tal direito.
Mas, como pensar o papel do Estado e a escola como seu representante
oficial em meio ao fato de esta instituio se negar a receber os adolescentes em
conflito com a lei? Ao fazer isso, a escola no acaba por violar o direito inalienvel
educao sobretudo, quando no permite a igualdade de acesso aos diversos
nveis de educao -, mais a fundo, acaba por ferir o aspecto epistemolgico ao no
garantir o processo de produo, sistematizao e socializao do conhecimento
com qualidade? Por outro lado, como pensar a questo dos direitos humanos e das
polticas pblicas?
Segundo Costas Douzinas (2007), o fim dos Direitos Humanos chega
quando eles perdem o seu fim utpico [...] (p. 384). importante a compreenso de
que os Direitos Humanos perdem seu fim quando passam a serem instrumentos de
poltica de dominao, poltica esta que deve continuamente ser objeto de discusso
dentro do contexto escolar, na busca de equidade. Assim sendo, no podemos
deixar de considerar a importncia das polticas pblicas que se caracterizam pela
afirmao de direitos e do papel social da escola, seu comprometimento consciente,
possibilitando formao integral, consolidando um futuro digno com respeito ao
adolescente como sujeito de direitos.
No entanto, vale ressaltar a necessidade de se reforar ser o processo
ensino-aprendizagem voltado aos Direitos Humanos, devendo este visar
propagao de boas prticas e no dar maior enfoque aprendizagem e respeito
desses direitos a partir da narrativa de uma violao. No h necessidade que haja
uma violao para o ser humano ter direito. Esse ponto nevrlgico pode explicar o
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sentimento de injustia em relao ao respeito aos direitos, assim como, se fazer
perceber o direito que todos tm e, muitas vezes, desconhecem.
Lafer (1997) nos traz elementos importantes para essa discusso,
tomando as contribuies de Hannah Arendt. Para o autor, Arendt ensina que ter
direito consiste numa construo poltica, ou ainda, em formar conhecimento dessas
construes histricas que fazem a histria humana, nos intervalos das diferentes
opinies, porque a Histria que se constri com dilogo e negociao, por meios
no violentos, ainda que, muitas vezes, possam ser conflitivos e de difcil
negociao.
A maneira pela qual uma sociedade, a partir de seus prprios valores, busca adotar um agir voltado para a construo do bem comum, no subjetiva, tem que ter uma finalidade a partir de uma realidade e agir em funo de um projeto maior, um projeto de compromisso tico consciente da importncia de uma reflexo terica e de uma prxis reflexiva (TELES, 2010).36
Reconhecer o direito educao e reivindicar que o que est no texto da
Declarao Universal de Direitos Humanos e nos trechos da Constituio Federal de
1988, ligados educao, seja garantido para todas as crianas e adolescentes e,
tambm, aos que estejam em medidas socioeducativas traz algumas implicaes.
Isso implica a eliminao de todas as formas de preconceitos, no incentivo ao
respeito diversidade, participao de grupos socialmente discriminados e de
compromissos ticos junto aos destinatrios do direito. A funo social, expressa na
norma e no compromisso da misso institucional, bem como na qualidade do servio
profissional prestado, consiste e, assim, possibilita essa mesma reflexo terica
junto aos profissionais da educao.
Dessa forma, em consonncia s ilustres palavras de Costa (2010) 37,
consideramos que uma questo tica assumir que no dependemos
exclusivamente do poder poltico para garantir o direito educao a todos,
conforme o valor expresso nas normas. Tal fato sinaliza a importncia de se (re)ver
as oportunidades que se tm formado (ou no) na sociedade escolar frente tarefa
humanizadora que visa transformar o aspecto disciplinador em emancipador da
36
Prof. Doutor Edson Teles, conceituao anotada pela pesquisadora em aula de 17 de abril de 2010, da disciplina de tica e Direitos Humanos, do Programa Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei. 37
Educador Antnio Carlos Gomes da Costa, 20 de agosto de 2010, em palestra proferida no V Seminrio Nacional Adolescente em Conflito com a Lei, promovido pela UNIBAN Brasil em So Paulo (anotado pela pesquisadora).
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39
educao enquanto direito humano, mais ainda, enquanto oportunidade de se ter um
futuro melhor.
2.3 O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA NA EFETIVAO DO DIREITO
EDUCAO DE CRIANAS E ADOLESCENTES
Discutir o papel social da escola e o direito educao representa um
debate atual e necessrio, visto ser ainda o conceito de garantia inovador no campo
desses temas vinculados criana e ao adolescente e, mais especificamente,
garantia do direito educao do adolescente em conflito com a lei. O tema
inovador quando temos em vista a criana e o adolescente como sujeitos de direitos,
em relao ao antigo ordenamento cuja principal norma era o Cdigo de Menores,
com seu carter nitidamente discriminatrio, que considerava a criana e o
adolescente como menor objeto de medidas de proteo.
Cabe aqui uma breve anlise acerca do contexto histrico da educao
no Brasil, o papel da escola e a articulao entre esta e a garantia de direitos.
O primeiro movimento oficial de educao formal38 apareceu na
Constituio Poltica do Imprio do Brasil, em 1824, e trazia em seu Inciso XXXII do
artigo 179 - A Instruco primria gratuita a todos os Cidados [...], prevalecendo,
aqui, a ideia assistencialista e de caridade na poltica governamental, como observa
Del Priore (2010):
[...], pelo menos at o fim do sculo XIX, o abandono de crianas, o trabalho infantil e a questo da falta de educao, ou seja, o pouco prestgio da escola, acabaram por criar uma enorme dessensibilizao em torno da nossa infncia. A criana era um trabalhador braal como qualquer outro, e tinha que sobreviver graas a suas artes, sua inventividade e sua criatividade sem grande apoio da sociedade (p. 4).
38
Por educao formal, aqui, compreende-se a prtica educativa que ocorre nos espaos escolarizados e acontece de forma intencional e com objetivos determinados. Conforme ensinamentos de Brando, O que Educao, p. 26, 2007, 49 edio, O ensino formal o momento em que a educao se sujeita pedagogia (a teoria da educao); cria situaes prprias para o seu exerccio, produz os seus mtodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores especializados.
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40
Nesse perodo, segundo Del Priore (2010), as Rodas dos Expostos39,
localizadas nos muros das Santas Casas, eram a fonte para a fora do trabalho
infantil, pois as crianas recolhidas, cuidadas e atendidas pelas Irms de caridade
eram aproveitadas nos servios domsticos, no comrcio e, no caso de crianas em
situao de abandono e as oriundas de famlias pobres, eram recrutadas pela
Companhia de Aprendizes Marinheiros ou Aprendizes do Arsenal de Guerra (p.
198). A marca da poltica social desse perodo passava pela internao de crianas
e jovens em orfanatos e colgios internos, o primeiro destinado aos pobres com
status de ameaa social e o segundo, educao dos filhos da elite (CUSTDIO e
VERONESE, 2009, p. 33).
A Constituio republicana de 1891 estabeleceu que [...] o ensino ser
leigo e livre em todos os graus e gratuito no primrio. Faz-se importante lembrar
que o percentual de analfabetos, no ano de 1900, segundo o Anurio Estatstico do
Brasil, do Instituto Nacional de Estatstica, consistia em 75%. Alm disso, vale
ressaltar que parcela populacional de crianas e de adolescentes no
pertencentes elite cabia o acesso s indstrias nascentes e agricultura, de
maneira que a mo de obra infantil era proibida na lei, mas no se fazia valer na
prtica.
A referncia para se estabelecer responsabilidade sobre a criana recaa
sobre o Cdigo Penal dos Estados Unidos do Brasil. O mesmo estabelecia ser
inimputvel a criana menor de nove anos e inimputveis as crianas entre nove e
14 anos, que no tivessem discernimento. Quando constatado seu discernimento em
relao prtica da ao criminosa, as crianas e adolescentes eram recolhidos em
estabelecimentos disciplinares industriais at perfazerem 17 anos.
J na primeira metade do sculo XX, a educao no Brasil marcada por
reformas de abrangncias estaduais, caracterizando a no existncia de um sistema
de ensino que fosse unificado, voltado para o interesse do aluno que, sendo pobre
ou excludo, tinha o trabalho como soluo para sua aprendizagem profissional. Del
Priori aponta ter, no incio do sculo XX, o trabalho infantil sido visto com
preocupao, quando em decorrncia deste os adolescentes comearam a ganhar
39
O nome Roda dos Expostos se refere a um artefato de madeira fixado ao muro ou janela das Santas Casas de Misericrdia, no qual era depositada a criana, sendo que, ao se girar o artefato, a criana era conduzida para dentro das dependncias, sem que a identidade de quem ali a colocasse fosse revelada.
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importncia, ao mesmo tempo em que, estando nas ruas, comearam a praticar
pequenos delitos. Com isso, em 1902 so criadas as primeiras Casas de Correo:
As Casas de Correo so criadas justamente para canalizar estas crianas, tir-las das ruas e faz-las, de alguma maneira, aprender algum tipo de atividade ou serem punidas pelas faltas que cometeram. H um grande debate na poca, sobretudo entre juzes e criminalistas, a respeito do discernimento que as crianas teriam a respeito das faltas cometidas (DEL PRIORE, 2010, p. 9).
O que se percebe que a teoria da ao do discernimento40 persistia na
previso de permanncia nessas Casas de Correo por perodo que no
exce