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Projeto de Dissertao
O Fenmeno da Corrupo nos Media
- O Caso Duarte Lima
Tipo de trabalho: Dissertao de Mestrado
Ttulo: O Fenmeno da Corrupo nos Media - O Caso Duarte Lima
Autora: Adriana Afonso
Orientadora: Isabel Ferin
Curso: 2 Ciclo em Comunicao e Jornalismo
Data: 2014/2015
Resumo
Adriana Afonso
O Fenmeno da Corrupo nos Media O Caso Duarte Lima
Dissertao de Mestrado em Comunicao e Jornalismo, orientada pela Doutora
Isabel Maria Ribeiro Ferin Cunha, apresentada ao Departamento de Filosofia,
Comunicao e Informao da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
2015
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ii
Faculdade de Letras
O Fenmeno da Corrupo nos Media
O caso Duarte Lima
icha Tcnica:
Tipo de trabalho Dissertao de Mestrado
Ttulo O Fenmeno da Corrupo nos Media
O caso Duarte Lima
Autor/a Adriana Afonso
Orientador/a Isabel Maria Ribeiro Ferin Cunha
Jri Presidente: Doutor Joo Jos Figueira da Silva
Vogais: 1. Doutora Isabel Maria Ribeiro Ferin Cunha
2. Doutor Bruno Ricardo Vaz Paixo
Identificao do Curso 2 Ciclo em Comunicao e Jornalismo
rea cientfica Comunicao
Especialidade/Ramo Jornalismo
Data da defesa 22-10-2015
Classificao 15 valores
iii
Agradecimentos
Agradecer uma arte. S o faz, verdadeiramente, quem v, sente e vive a vida como um
presente, uma possibilidade. Agradecer a capacidade de reconhecer a importncia dos
outros na sua vida.
Ao meu marido, que sempre me incentivou em tudo, que me apoia, que se preocupa
comigo e me ama incondicionalmente.
minha famlia, de c e de l, por todo o apoio neste percurso.
minha orientadora, professora Doutora Isabel Ferin. Sem ela, sem a sua ateno, os
seus ensinamentos, a sua ajuda, carinho e compreenso em todos os sentidos, este
mestrado no seria possvel.
Aos meus professores da Universidade de Coimbra que tambm foram meus mestres
neste ciclo. Os ensinamentos de cada um, com toda certeza, fizeram a diferena na
minha formao.
Quero ainda deixar registrado a imensa gratido que tenho aos amigos e colegas que fiz
no mestrado, sem os quais este curso no teria sido o mesmo.
Obrigado a todos!
iv
O que me preocupa no nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos,
dos sem carter, dos sem tica... O que me preocupa o silncio dos bons.
Martin Luther King
Se o homem falhar em conciliar a justia e a liberdade, ento falha em tudo.
v
Albert Camus
Resumo
Esta dissertao, intitulada "O Fenmeno da Corrupo nos Media - O Caso Duarte
Lima", pretende apresentar de que forma a figura do advogado e ex-deputado Duarte
Lima foi abordada nos meios de comunicao social durante o caso BPN. Por meio de
Pujas (2001), Yves Mny e Donatella Della Porta (1995), Wolf (2002) e Mesquita
(2004), traamos um retrato da corrupo no mundo e em Portugal, com um
enquadramento terico onde foram utilizados dados da Transparency International e de
Maia (2009). A seguir, falamos sobre como a corrupo vista pelos media, as
abordagens, denncias e pblico, com recurso a Sousa e Tries (2008), Giovanni Sartori
(1998), Traquina (1988), Brunetti e Weder (2003).
Para fazer o estudo emprico elegemos os meses de Maio e Novembro de 2012, que
concentraram as principais notcias envolvendo o nome de Duarte Lima e o caso BPN.
A partir destes perodos foram analisadas as notcias veiculadas nos canais de televiso
aberta (RTP1, SIC e TVI), bem como dos jornais DN e JN, utilizando mtodos
qualitativos e quantitativos, onde foram verificados o contedo das imagens, as
temticas, as caractersticas e a linguagem. Foi ainda aplicado um questionrio a
jornalistas portugueses para avaliar a perceo que os mesmos sobre os trabalhos que
fazem sobre a corrupo e a censura que eventualmente possam passar.
O estudo leva em considerao o relacionamento entre os vrios elementos figura
pblica-jornalista-pblico e conclui que a comunicao social fornece informaes
importantes para o debate pblico e ampliao do espao democrtico, com o combate
ao fenmeno da corrupo como principal consequncia.
Palavras-chave: Corrupo, Media, Jornalismo, BPN, Duarte Lima
vi
Abstract
This dissertation entitled "The Phenomenon of Corruption in Media - The Case Duarte
Lima", aims to present how the figure of the lawyer and former deputy Duarte Lima
was addressed in the media during the BPN case. Through Pujas (2001), Yves Mny
and Donatella Della Porta (1995), Wolf (2002) and Mosque (2004), draw a picture of
corruption in the world and in Portugal, with a theoretical framework in which the
Transparency International data were used and Maya (2009). Then we talk about how
corruption is seen by the media, approaches, and public complaints, using Sousa and
Tries (2008), Giovanni Sartori (1998), Teasing (1999), Brunetti and Weder (2003).
To do the empirical study we chose the months of May and November 2012, which
focused the main news involving the name of Duarte Lima and BPN case. From these
periods were analyzed news reports in broadcast television channels (BBC1, SIC and
TVI), as well as the DN and JN newspapers, using qualitative and quantitative methods,
which have been verified the content of images, themes, features and the language. It
was also applied a questionnaire to Portuguese journalists to assess the perception that
the same about the jobs they do about corruption and censorship which might pass.
The study takes into account the relationship between the various elements - public-
journalist-public figure - and concludes that the media provides important information
to the public debate and expansion of democratic space, with the fight against the
phenomenon of corruption as a major consequence.
Keywords: Corruption, Media, Jornalism, BPN, Duarte Lima
vii
Lista de Grficos
Grfico 1 A perceo da corrupo no mundo..................................................... ........8
Grfico 2 Nmero de processos-crime registados por suspeitas de prticas................10
Grfico 3 Processos-crime registados e acusados por corrupo.................................11
Grfico 4 Arguidos pelo crime de corrupo...............................................................11
Grfico 5 Estatsticas oficiais registadas para o crime de Corrupo em Portugal......18
Grfico 6 Inqurito sexo............................................................................................26
Grfico 7 Inqurito idade...........................................................................................26
Grfico 8 Inqurito distrito........................................................................................27
Grfico 9 Inqurito - Carteira profissional...................................................................28
Grfico 10 Inqurito escolaridade.............................................................................28
Grfico 11 Inqurito emprego/desemprego...............................................................29
Grfico 12 Inqurito Local de trabalho.....................................................................29
Grfico 13 Inqurito Reportagens corrupo............................................................30
Grfico 14 Inqurito Perceo do pblico.................................................................30
Grfico 15 Inqurito Credibilidade pblico...............................................................31
Grfico 16 Inqurito Importncia reportagens..........................................................31
Grfico 17 Inqurito Liberdade para escrever...........................................................32
Grfico 18 Inqurito Presso sobre meios de comunicao......................................32
Grfico 19 Inqurito Presso dos polticos................................................................33
Grfico 20 Inqurito Presses da justia...................................................................33
Grfico 21 Inqurito Nmero de respostas dirias....................................................34
Grfico 22 Jornal de Notcias 2011 a 2014...............................................................50
Grfico 23 Dirio de Notcias 2011 a 2014...............................................................51
Grfico 24 Jornal de Notcias 2011..............................................................................51
Grfico 25 Dirio de Notcias 2011...................................................................... .......51
Grfico 26 Jornal de Notcias Novembro de 2011....................................................52
Grfico 27 Dirio de Notcias Novembro de 2011....................................................52
viii
Grfico 28 Jornal de Notcias 2012..............................................................................52
Grfico 29 Dirio de Notcias 2012..............................................................................53
Grfico 30 Jornal de Notcias Maio de 2012................................................................53
Grfico 31 Dirio de Notcias Maio de 2012...............................................................53
Grfico 32 Jornal de Notcias Novembro de 2012.......................................................53
Grfico 33 Dirio de Notcias Novembro de 2012 ......................................................54
Grfico 34 Jornal de Notcias 2013 e 2014...............................................................54
Grfico 35 Dirio de Notcias 2013 e 2014...............................................................55
Grfico 36 Canais de TV aberta...................................................................................56
Grfico 37 - Minutos em reportagens nas TVs Maio de 2012....................................73
Grfico 38 - Minutos em reportagens nas TVs Novembro de 2012...........................73
Grfico 39 - Nmero de vezes em que os canais de TV referem o passado poltico de
Duarte Lima Maio de 2012...........................................................................................74
Grfico 40 - Nmero de vezes em que os canais de TV referem o passado poltico de
Duarte Lima Novembro de 2012..................................................................................74
ix
Lista de Imagens
Figura 1 Capa Dirio de Notcias (29/04/2012)...........................................................38
Figura 2 Capa Semanrio Sol (12/02/2010).................................................................39
Figura 3 Duarte Lima e Cavaco Silva..........................................................................40
Figura 4 Duarte Lima na Assembleia da Repblica.....................................................40
Figura 5 Duarte Lima em capa do semanrio O Independente (09/12/1994) .............43
Figura 6 Revista Sbado (29/09/2011).........................................................................44
Figura 7 Jornal de Notcias (18/11 2011)................................................. ........ .........45
Figura 8 Dirio de Notcias (18/11/2011)................................................................ ...46
Figura 9 Jornal i (18/11/2011) ........................................................................ .... .....46
Figura 10 Correio da Manh (18/11/2011)........................................ ..................... ...46
Figura 11 Destak (18/11/2011)........... .................................................................... ..47
Figura 12 Dirio de Notcias (19/11/2011)........... ............................................... ..47
Figura 13 Jornal i (19/11/2011)....... ................................... ...................47
Figura 14 - Semanrio SOL (18/05/2012).......................................................................48
Figura 15 - Semanrio Sol (22/06/2012).........................................................................48
Figura 16 - Semanario SOL (16/11/2012).......................................................................49
Figura 17 - Revista Sbado (11/07/2012)........................................................................49
Figura 18 Duarte Lima na Revista do Ano 2011 (SIC) ...................................... 56
Figura 19 Duarte Lima na Revista do Ano 2011 (SIC)......................................... .....60
Figura 20 Duarte Lima na Revista do Ano 2011 (SIC).................................. ............60
Figura 21 Duarte Lima e o filho em fotos de famlia (RTP).................... ..................63
Figura 22 Ligao de Duarte Lima e o PSD (RTP)............................................... .....67
Figura 23 Duarte Lima e ligao ao PSD (SIC)............................................ .............68
Figura 24 Duarte Lima e orculo como ex-deputado (SIC).................................. .....69
Figura 25 Casa de Duarte Lima e orculo sobre passado poltico (SIC)............ ..... ..70
Figura 26 Casa de Duarte Lima e orculo de ex-lder parlamentar (SIC).......... ........70
Figura 27 Dados pessoais de Duarte Lima (RTP).......................................... ........ ...71
x
Figura 28 - Dados pessoais processo (RTP)....................................................................72
Sumrio
Introduo.....1
Captulo 1: Da Corrupo e de Sombras .................................................................... 5
1.1 Um dos principais problemas do mundo ................................................................. 7
1.2 A corrupo em Portugal ......................................................................................... 9
1.3 As fugas de informao e justia ........................................................................... 12
Captulo 2: A Corrupo e os Media ........................................................................ 15
2.1 Denncias de casos de Corrupo em Portugal ..................................................... 17
2.2 A abordagem dos casos de corrupo ................................................................... 19
2.3 Como os portugueses veem as notcias sobre corrupo ....................................... 20
Captulo 3: O futuro dos Jornais e o Combate Corrupo ..................................... 22
3.1 Os novos media vo sobreviver corrupo? ........................................................ 23
3.2 Como os jornalistas observam o seu trabalho no mbito da corrupo ................. 24
Captulo 4: O Caso BPN e Duarte Lima .................................................................... 36
4.1 Duarte Lima, a poltica .......................................................................................... 39
4.2 Duarte Lima e os escndalos.................................................................................. 41
4.3 Duarte Lima e o BPN ............................................................................................ 45
4.4 O nome de Duarte Lima nos Jornais JN e DN ..................................................... 50
Captulo 5: Metodologia de anlise em TV Duarte Lima ....................................... 56
5.1 O ms de maio de 2012 .......................................................................................... 62
5.2 O ms de novembro de 2012 ................................................................................. 65
5.3 Referncias ao passado poltico de Duarte Lima ................................................... 69
Consideraes Finais......76
Referncias Bibliogrficas.........79
Outros documentos consultados..............................................................................86
Anexos.................................................................................................................... 90
1
INTRODUO:
O tema da corrupo nas notcias em jornais ou na televiso produz vrias
sensaes nos leitores e no pblico em geral. Indignao, perplexidade, raiva e outras
emoes so comuns ao leitor ou telespetador, o que acaba por afetar a perceo que
tem sobre a corrupo e as consequncias polticas o que, consequentemente, acaba por
originar ainda mais confuso na opinio pblica como um todo. Segundo o primeiro
Relatrio Anticorrupo, elaborado pela Comisso Europeia, e publicado no dia 03 de
Fevereiro de 2014, cerca de 90% dos portugueses veem a corrupo como um fenmeno
generalizado que prejudica o pas. No toa que a palavra do ano 2014 foi
corrupo. A escolha foi feita pelos portugueses atravs da votao direta na pgina
eletrnica Infopdia.pt durante todo o ms de dezembro daquele ano. Os vrios casos de
suspeita de corrupo que foram sendo conhecidos, e a consequente ateno dada pelos
media durante 2014, tero influenciado esta escolha dos portugueses.
Um dos casos mais mediticos dos ltimos tempos foi o do BPN, que trouxe
nomes conhecidos do pblico, da classe poltica e empresarial, e que foram indiciados
noutros inquritos por crimes como a corrupo, burla ou branqueamento de capitais.
Os fatos foram amplamente investigados, divulgados e analisados pela imprensa em
geral e, se muitos trouxeram tona dados inditos, com mais sucesso do que os rgos
de investigao do Estado, tambm podemos afirmar que, no raras vezes, as
reportagens acabam por violar princpios como o segredo de justia. Se, por um lado, a
imprensa sacia a fome do pblico por notcias desse teor, por outro lado, acusada de
no ser imparcial, noticiar sem fundamentos e, mesmo, de criar novos escndalos. De
acordo com Giglioli (1996), os media detetam, publicitam e dramatizam o fenmeno de
corrupo. J no que se relaciona com a publicitao do facto, possvel referir que
nenhuma informao completamente fivel, uma vez que, segundo Saperas e
Tuchman (1993), atendendo a que a informao uma interpretao da realidade, essa
pode ser passvel de no ser objetiva ou at mesmo manipulada. A fiabilidade da
informao publicitada sobre factos de corrupo depender em muito dos interesses
dos meios de comunicao que, sendo de propriedade privada, possuem as suas prprias
agendas mediticas, e da capacidade cognitiva dos recetores, uma vez que a
2
democratizao da comunicao deve levar em conta o nvel de conhecimento do
pblico. Alm disso, os rgos de comunicao social so o principal meio de
divulgao dos casos de corrupo, contudo, nem todos os casos so abordados, ou tm
o mesmo tratamento. Isso leva a que cada um dos casos tenha diferentes impactos na
opinio pblica, influenciando toda a forma como sero tratados em outras reportagens
e, at mesmo, segundo Giglioli (1996: 381-383), o modo como estes sero discutidos e
avaliados no espao pblico.
Em Portugal, o caso do Banco BPN um dos que mais marcou a agenda
meditica nos ltimos anos, e refere-se a um conjunto de casos interrelacionados que
exibem indcios de vrios tipos de crime como corrupo, lavagem de dinheiro e trfico
de influncias, que levaram nacionalizao do banco BPN e que envolve ex-membros
do Governo. Entre as organizaes envolvidas encontram-se, alm do BPN, a Sociedade
Lusa de Negcios e o Banco Insular. Tudo comeou no mbito da Operao Furaco,
que investigou instituies financeiras e empresas de vrios setores da atividade
econmica por prticas de evaso fiscal entre 2003 e 2005, prticas essas que tero
lesado o Estado em mais de 200 milhes de euros. Esta investigao ter tido incio em
Maro de 2004, incidindo especialmente na banca, na construo civil e nos casinos,
tendo mais tarde sido alargada a outros sectores. Em 2008, aps a renncia do
presidente do BPN Jos Oliveira e Costa1, comearam a surgiu acusaes de gesto
danosa e fraude fiscal e a histria acaba por arrastar vrios nomes polticos suspeitos de
envolvimento, acusaes de falta de superviso por parte do Banco de Portugal, vrias
fraudes financeiras ascendendo a vrios milhes envolvendo antigos administradores e,
a partir de 20 de Novembro de 2008, uma auditoria descobre crditos do BPN a Arlindo
de Carvalho2 (20 milhes de euros) e Duarte Lima
3(5 milhes de euros). Em Abril de
2011, foi testemunhado em julgamento que Duarte Lima comprou a offshore EMKA ao
1 Militante do PSD, Oliveira e Costa foi presidente da Comisso Poltica Distrital de Aveiro e eleito
Deputado Assembleia da Repblica, em 1987. Contudo no chegou a assumir o cargo, em virtude da sua nomeao como Secretrio de Estado dos Assuntos Fiscais do X Governo Constitucional, chefiado por Cavaco Silva, tendo Miguel Cadilhe no Ministrio das Finanas. 2 Militante do PSD, Arlindo de Carvalho foi Secretrio de Estado da Segurana Social e Ministro da Sade
1991 a 1993, nos XI e XII Governos Constitucionais de Cavaco Silva (PSD) 3 Militante do PSD, Duarte Lima foi deputado Assembleia da Repblica por Bragana de 1983 a 1995
(III, IV, V e VI legislaturas), depois por Lisboa, de 1999 a 2002 (VIII legislatura) e, novamente por Bragana, de 2005 a 2009 (X legislatura). Foi vice-presidente da Comisso Poltica Nacional do PSD entre 1989 e 1991, e presidiu ao respetivo grupo parlamentar, de 1991 a 1994, durante a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, sucedendo-lhe Jos Pacheco Pereira. Em 1998 venceu Passos Coelho e Pacheco Pereira nas eleies para a Comisso Poltica Distrital de Lisboa do PSD, que liderou at 2000, sucedendo-lhe Manuela Ferreira Leite.
3
grupo SLN por cerca de 3 milhes de euros. Esta offshore foi alegadamente utilizada
por Oliveira Costa para obter liquidez para um aumento de capital da SLN em finais de
2000.
Duarte Lima e o filho Pedro Lima foram presos nas primeiras horas da manh de
quinta-feira, 17 de Novembro de 2011, em Lisboa, pela Unidade Nacional de Combate
Corrupo da Polcia Judiciria. Duarte Lima foi acusado de burla qualificada e
branqueamento de capitais no caso BPN/Fundo Homeland, sendo suspeito do
usufruto de vrios crditos no valor de mais 40 milhes de euros, obtidos com garantias
bancrias de baixo valor, que permitiriam adquirir terrenos no concelho de Oeiras,
localizados nas imediaes da projetada sede do Instituto Portugus de Oncologia, que
no avanou, pelo que o crdito ficou por liquidar. Pedro Lima saiu em liberdade, em
fevereiro de 2012, aps o pagamento de uma cauo de 500 mil euros, mas Duarte Lima
ficou em priso preventiva at maio desse ano, quando o juiz determinou que ficasse em
priso domiciliria, com pulseira eletrnica. Acusado de trs crimes de burla
qualificada, dois crimes de branqueamento de capitais e um crime de abuso de
confiana na forma agravada, Duarte Lima comeou a ser julgado em Maio de 2013,
juntamente com o filho, Pedro Lima, Vtor Raposo, Francisco Canas e os advogados
Joo Almeida e Paiva e Miguel Almeida e Paiva. Em Abril de 2014, o juiz mandou
retirar a pulseira eletrnica ao ex-lder parlamentar do PSD por considerar que o perigo
de fuga estava diminudo. O julgamento do caso Homeland terminou a 28 de
Novembro de 2014 e condenou Duarte Lima a seis anos pelo crime de burla e a sete por
branqueamento de capitais, tendo ficado em dez anos por cmulo jurdico. Na ocasio, o
ex-deputado social-democrata considerou "brutal, imerecida e injusta" a sentena.
A dissertao centra-se na anlise da abordagem sobre a corrupo em Portugal
por parte dos media, alm de averiguar at que ponto existe liberdade para noticiar os
casos, refletindo sobre as causas que condicionam o trabalho jornalstico sobre a
corrupo e as suas implicaes na imagem de polticos, utilizando para o efeito a figura
de Duarte Lima no caso BPN. Informao, responsabilizao, participao e
transparncia podem ser importantes aliados no combate corrupo em Portugal. O
presente trabalho visa questes sobre como as constantes notcias sobre o combate
corrupo, veiculadas pelos media, acabam por ser encaradas pelo pblico como uma
campanha de moralidade seletiva e criminalizao da poltica; Se a corrupo e o
clientelismo fazem parte da relao entre os media e a poltica nas sociedades; E se o
4
envolvimento de nomes de polticos, como Duarte Lima, em casos de corrupo,
preocupa os portugueses. Para tentar analisar essas questes, ser feito um estudo sobre
o caso BPN e o envolvimento do antigo deputado e ex-lder parlamentar do PSD, o
advogado Duarte Lima. As imagens do causdico, emitidas pelos quatro canais de
televiso, alm de reportagens onde surjam o nome de Duarte Lima, publicadas no SOL
(semanrio), durante o perodo de novembro de 2011 a novembro de 2012, tambm
sero objeto de anlise. Um inqurito, direcionado a jornalistas portugueses, tambm
avalia como os mesmos observam as notcias sobre a corrupo em Portugal, e as
avaliaes que fazem da perceo do pblico em relao ao que produzem, bem como a
forma como o entendimento que fazem em relao censura e possveis tentativas de
ingerncia por parte do poder poltico ou judicirio.
5
Captulo 1 Da corrupo e de Sombras
Corrupo, segundo o dicionrio Priberam, vem do latim corruptio, -onis,
deteriorao, seduo, depravao. Substantivo feminino. 1. Acto ou efeito de
corromper ou de se corromper. 2. [Antigo] Deteriorao fsica de uma substncia ou de
matria orgnica, por apodrecimento ou oxidao (ex.: aps vrios meses no mar, a
corrupo dos mantimentos era inevitvel). = DECOMPOSIO, PUTREFACO,
PUTRESCNCIA. 3. Alterao do estado ou das caractersticas originais de algo. =
ADULTERAO. 4. Comportamento desonesto, fraudulento ou ilegal que implica a
troca de dinheiro, valores ou servios em proveito prprio (ex.: os suspeitos foram
detidos sob alegao de corrupo e desvio de fundos). 5. [Figurado] Degradao moral
(ex.: corrupo de valores). = DEPRAVAO, PERVERSO. 6. Seduo (ex.: o ru
foi condenado pela corrupo de pessoa menor de 14 anos).4
Falar em corrupo abordar um tema intemporal, uma vez que este um
fenmeno que atravessa a multiplicidade dos tempos sociais e tem uma histria de
muitos sculos, contando mesmo com referncias na Bblia, como em Isaas 1:23
Os teus prncipes so rebeldes,
companheiros de ladres; cada um deles
ama o suborno, e corre atrs de presentes.
No fazem justia ao rfo, e no chega
perante eles a causa das vivas.
Pujas (1999) j havia afirmado que as relaes de poder que se estabelecem
entre os trs campos (meditico, judicial e poltico) so reciprocamente instrumentais,
oscilando entre a colaborao e o conflito. Ou seja, se a justia recorre aos media para
reafirmar a sua posio na sociedade civil, seja para obter mais visibilidade, seja para
4 corrupo", in Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa
6
uma opinio mais favorvel quanto sua atuao; Por sua vez, os media tambm se
utilizam de fontes judiciais, muitas vezes de forma annima, para demonstrar que
possui melhor capacidade de exigir e obter resultados do que a prpria justia. Com
isso, os efeitos no funcionamento da democracia podem ser positivos ou negativos. Para
a jornalista brasileira Maria Cristina Fernandes (2012),
A imprensa parte da disputa democrtica pelo Estado, e a essa
serve tanto em benefcio de sua explicitao quanto no acobertamento de
seus ditames. H uma lgica jornalstica que lhe prpria e nem sempre
difusa de defesa da cidadania no mbito da qual a corrupo aparece
como fenmeno difuso e descolado de interesses consolidados e
duradouros. Esse descolamento impede no apenas o esclarecimento dos
nexos de interesse que do corpo e materialidade corrupo, mas
tambm obstrui seu combate efetivo pela sociedade e pelo Estado.
A crise econmica, financeira e social que existe atualmente na Europa acaba
por colocar uma presso quase anormal em todos os setores, e os media no so
indiferentes a isso, uma vez que podem desempenhar um papel de enquadramento,
agregador (ou polarizador) da opinio pblica na construo social das percees e na
clarificao de julgamentos (Wolf 2002; Mesquita 2003). Contudo, tambm certo
que, nesse mesmo contexto, a populao ir exigir muito mais informao. Convm
compreender como se constri esta perceo em Portugal, uma vez que, conforme Maia
(2009) a maior parte das pessoas recolhe informao acerca das prticas de corrupo e
constri a sua perceo acerca do problema, tendo como base os canais televisivos, bem
como a imprensa.
Segundo Maria Jos Morgado (2003),
Na sua essncia, a corrupo, ao nvel poltico-
administrativo de um Estado, consiste num ato secreto praticado
por um funcionrio ou por um poltico, que solicita ou aceita
para si ou para terceiros, com ele relacionados, e por ele prprio
ou por interposta pessoa, uma vantagem patrimonial indevida,
como contrapartida da prtica de atos ou pela omisso de atos
contrrios aos seus deveres funcionais.
7
J o Conselho da Europa5, entende por criminalidade econmico-financeira todo
o conjunto de aes praticadas por duas pessoas, ou mais, que participam
conjuntamente num projeto criminal, com o fim de obter poder e lucro atravs de
negcios ilegais, ou de atividades a estes associados, recorrendo violncia e
intimidao, e usando de influncia junto das esferas polticas, dos media, da economia,
do governo e da justia.
Grande parte do sistema de trfico de influncias gerado a partir do momento
em que os que detm poder financeiro se aproximam dos que podem ser influenciados.
Por exemplo, o envolvimento na esfera poltica e partidria, principalmente por via do
financiamento de partidos e campanhas eleitorais, uma vez que estas ltimas necessitam
de plataformas de propaganda e marketing. a partir desse ponto que so utilizadas
tcnicas para a obteno de vantagens, sejam patrimoniais ou no, como o caso da
aquisio de poder e influncia, bem como a maior possibilidade de existirem casos de
corrupo.
1.1 Um dos principais problemas do mundo
De acordo com o Banco Mundial (1997), a corrupo o maior obstculo ao
desenvolvimento econmico e social. Esta instituio defende que
A corrupo desenvolve-se num ambiente onde o poder
de membros individuais da sociedade, medido em termos de
acesso aos poderosos e em poder financeiro, suplanta o respeito
pelas Leis () uma alta desigualdade reduz o crescimento
econmico, que por sua vez impede a reduo da pobreza () e
afeta o modo como o dinheiro pblico aplicado, divergindo o
5 Organizao internacional, fundada a 5 de Maio de 1949, com o propsito de defender os direitos
humanos, o desenvolvimento democrtico e a estabilidade poltico-social na Europa. Tem personalidade jurdica reconhecida pelo direito internacional e serve cerca de 800 milhes de pessoas em 47 Estados, incluindo os 28 que formam a Unio Europeia
8
investimento de setores menos lucrativos, como a educao, para
outros de altos lucros, como a construo.
De acordo com Daniel Kaufman, presidente do Revenue Watch Institute, num j
clssico artigo publicado na revista Foreign Policy (1997), um pas corrupto tem
tendncia para captar investimentos na ordem de cinco por cento menos do que pases
relativamente no corruptos, e para perder metade de um ponto percentual do produto
interno bruto por ano. Tambm a Transparency International (TI), uma organizao
no-governamental fundada em maro de 1993 e que que tem como principal objetivo a
luta contra a corrupo, defende, no seu relatrio de 2002, que a perceo da corrupo
como um problema global marca um importante ponto de viragem nas atitudes dos
governos e das sociedades. Os investigadores europeus Yves Mny e Donatella Della
Porta (Della Porta e Mny 1995) afianam que h um aumento do interesse da opinio
pblica da corrupo oriunda da contnua exposio, informao e denncia de
suspeitos, indcios ou casos de corrupo, mas tambm da cobertura extensiva da
maneira como a classe poltica reagiu a esse ataque inesperado quilo que eles
consideravam um modo normal de exercer as funes de poder.
Grfico 1 A perceo da corrupo no mundo (via Transparncia
Internacional)
9
No fundo, a corrupo (e todos os outros crimes a ela ligados, como trfico de
influncias, branqueamento de capitais, entre outros), est entre as principais
preocupaes das populaes, principalmente dos pases menos desenvolvidos onde,
segundo a organizao Transparncia Internacional, o sigilo bancrio, escndalos de
impunidade, pagamentos irregulares e corrupo poltica so indicados como os
principais fatores geradores desse problema endmico. A problemtica das prticas de
corrupo foi referenciada num trabalho de Lus de Sousa (2002), que conclui pela
existncia de cinco traos que a caracterizam: a intensidade, a natureza cclica, a
complexidade e sofisticao, a natureza sistmica e poltica, e por fim a
internacionalizao.
1.2 A corrupo em Portugal
De acordo com a lista da Transparency International, Portugal o terceiro pas
mais corrupto da Europa Ocidental, perdendo apenas com Itlia e Grcia. J o Gallup6,
num estudo divulgado em 2013, classificou o Governo Portugus como um dos mais
corruptos do mundo, com base nas percees dos portugueses, com 88 por cento a
considerar que a corrupo generalizada no pas. Segundo a Gallup, a corrupo est
difundida em todo o mundo, em pases com uma imprensa livre - "um indicador da boa
governao e do desenvolvimento" -, mas tambm naqueles onde a liberdade de
imprensa limitada ou inexistente. Os dados vo mais alm e mostram que a imprensa
tambm uma aliada da corrupo, distorcendo os factos a preceito, segundo os
entrevistados. Em Portugal, 41 por cento dos entrevistados acredita que a prpria
imprensa est corrompida.
As grandes questes so: A populao est realmente interessada nos casos de
corrupo? Qual o papel dos media na divulgao destes? E qual a perceo dos
portugueses em relao atuao dos media? De acordo com uma pesquisa divulgada
pela TI, atravs da sua representao em Portugal, a TIAC -- Transparncia e
Integridade, Associao Cvica, no que se refere ao combate corrupo, 70% dos
6 Empresa de pesquisa de opinio dos Estados Unidos, fundada em 1930 pelo estatstico George Gallup.
10
portugueses consideram-no ineficaz em Portugal.7 O mesmo relatrio indica ainda que
60% dos portugueses consideram que os contatos pessoais so importantes para obter
servios ou acelerar procedimentos na administrao pblica, mais de metade (cerca de
53%) acham que "o Governo est nas mos de um conjunto restrito de grupos
econmicos" e "teme que as decises polticas sejam tomadas sem independncia,
favorecendo esses mesmos grandes interesses econmicos" e 85% dos portugueses
acreditam que o envolvimento dos cidados fundamental no combate corrupo.
O problema das prticas de corrupo em Portugal no recente e, ano aps ano,
existem novos escndalos que levam a suspeitas e, consequentemente, a investigaes.
Contudo, por via do sistema de justia, as acusaes e, por fim, as condenaes, so em
nmero muito inferior. Se a corrupo no nenhuma novidade em Portugal, fato que,
nos ltimos anos, este tipo de prticas tem aumentado em conforme Morgado e Vegar
(2003), isto ter ocorrido devido a dois fatores: a atribuio a Portugal de um grande
volume de verbas provenientes da Unio Europeia, sem que tenha existido fiscalizao
e controlo sobre onde essa verba, proveniente de Fundos Estruturais, foram gastas; e
ainda a falta de capacidade da justia portuguesa em lidar com esse fenmeno, tanto a
nvel de investigaes, principalmente em relao ao segredo de Justia, bem como no
que se refere s condenaes. A dimenso que o crime de corrupo tem apresentado
em Portugal nos ltimos anos bem diagnosticada num estudo apresentado por Maia
(2004) tendo por base os registos encontrados nas Estatsticas Oficiais da Justia em
Portugal, designadamente no que se refere aos anos 1994 a 2004:
7 Estudo, coordenado por Lus de Sousa, do Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa, e
realizado por trs investigadores de universidades de Lisboa e do movimento Transparncia e Integridade. O trabalho resultou de um inqurito de opinio realizado por telefone pela Marktest para a Gallup Internacional, comissionado pela Transparency International e efetuado entre 27 de agosto e 27 de setembro de 2012.
11
Grfico 2 Nmero de processos-crime registados por suspeitas de prticas de
corrupo 1994-2001 (Maia.2004)
Grfico 3 Processos-crime registados e acusados por corrupo 1995-2002
(Maia 2004)
Grfico 4 Arguidos pelo crime de corrupo 1995-2004 (Maia 2004)
12
Os resultados apresentados nesse estudo asseguram que quando a investigao
criminal permite a recolha de provas da ocorrncia do crime, essas levam a uma
acusao e posterior condenao dos suspeitos, o que vai em sentido contrrio ao que
costuma ser observado na opinio pblica, que no acredita em resultados efetivos em
relao eficcia do sistema judicial. Se o estudo de Maia leva a crer que a corrupo
no sofre problemas em relao investigao ou ao sistema judicirio, porque a
corrupo continua a ser um fenmeno aparentemente em franca expanso? Ao que
tudo indica, uma das causas parece ser o nmero elevado de casos desconhecidos. que
o Estado costuma ser o maior lesado no seu conjunto, no existindo uma vtima
identificada. Como referiu a Procuradora-geral da Repblica (PGR), Joana Marques
Vidal, em Fevereiro de 2015, numa entrevista Renascena e ao Pblico, existe uma
rede que utiliza o aparelho do Estado e outro tipo de aparelhos da Administrao
Pblica para realizar atos ilcitos, muitos na rea da corrupo, e que as reas da
Sade e da contratao pblica so os terrenos mais frteis onde germinam este tipo
de casos. Contudo, tambm seria correto afirmar que h um gasto de tempo elevado na
investigao, fruto das condies especficas em que este tipo de ilcitos se desenvolve,
e a podemos incluir a ausncia de denncias ou o pacto de silncio entre os envolvidos.
1.3 As fugas de informao, media e justia
Um dos principais casos relacionados com a corrupo, sob o ponto de vista dos
meios de comunicao, a fuga de informaes e a sua divulgao atravs da
imprensa. Em Portugal, a expresso segredo de justia se relaciona de vrias formas
com a liberdade de informao, o sigilo e o direito do pblico a ser informado.
Inclusivamente, a prpria Constituio Portuguesa apresenta um artigo relativo
Liberdade de Expresso e Informao (artigo 37) e outro, alusivo Liberdade de
Imprensa e Meios de Comunicao Social (artigo 38). Se ao jornalista garantido o seu
direito de acesso s fontes de informao, proteo da sua independncia e do sigilo
profissional, por outro lado o segredo de justia condicionado pela liberdade de
expresso, o respeito do direito privacidade e os interesses da investigao. Os
resultados de uma auditoria violao do segredo de justia divulgada em 2014 pela
Procuradoria-Geral da Repblica sugeriu escutas telefnicas a jornalistas e buscas nas
13
redaes para obteno de provas deste crime. Segundo as concluses da auditoria, 83
inquritos criminais foram instaurados por violao do segredo de justia num universo
de 6696 casos abrangidos pelo segredo nos anos de 2011 e 2012, em que foram
movimentados mais de 1,3 milhes de processos. At ao momento, apenas foi deduzida
acusao em nove casos, tendo 49 sido arquivados e mantendo-se 25 inquritos em
investigao. Quanto tipologia dos crimes que estiveram sujeitos ao segredo de
justia, o trfico de estupefacientes (475 casos) lidera a tabela, seguido de abuso sexual
de crianas (189) e violncia domstica (102). A corrupo (com 51 casos) aparece em
stimo lugar da lista. Na ocasio, o autor do trabalho, o procurador Joo Rato, defendeu
multas verdadeiramente dissuasoras para os rgos de comunicao social e jornalistas
que violem o segredo de justia, sendo a suspenso da sua atividade outra penalizao
prevista. De realar que, em Portugal, a moldura penal para a violao do segredo de
justia inferior a cinco anos, o que impossibilita buscas.
Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem8, a liberdade da imprensa
proporciona opinio pblica um dos melhores meios para conhecer e julgar as atitudes
dos dirigentes. No Reino Unido, o bom funcionamento da justia prevalece sobre a
liberdade de imprensa. A lei que rege esta matria foi aprovada em 1981 e cria a
infrao designada por Contempt of Court onde, entre outros, estabelece a obrigao
de a comunicao social no publicar informaes que podem influenciar os jurados
contra o acusado. Por conta disso, os tribunais ingleses reprimem a liberdade de
imprensa para garantir a imparcialidade do poder judicial. Em Frana, a teoria o
segredo de justia quase total, mas na prtica isso no existe. Na Blgica, a situao
quase idntica, com a permisso da divulgao de informaes sobre as instrues
criminais em curso, quando tal informao for justificada pelo interesse superior
geral. J na Itlia, est proibida a divulgao de provas ou atas do juiz de instruo
criminal. Apesar disso, o segredo de justia tem sido constantemente violado, com
impunidade, mas os processos instaurados a jornalistas que violaram o segredo so mal
vistos pela opinio pblica.
8 O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (sinnimos: Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Tribunal de Estrasburgo ou TEDH) foi criado em 1959 e tem a sua sede em Estrasburgo. Transformou-se num rgo permanente em 1 de novembro de 1998. A sua misso de verificar o respeito dos princpios da Conveno Europeia dos Direitos Humanos. Ele s pode efetuar julgamentos contra os Estados que assinaram a Conveno.
14
Em Portugal, de acordo com as normas processuais penais, a regra que o
processo criminal pblico em todas as suas fases, quer para os intervenientes
processuais, quer para o pblico em geral. No entanto, o juiz de instruo, a
requerimento do Ministrio Pblico (MP), do arguido ou do ofendido, pode restringir a
publicidade, na fase do inqurito, determinando o segredo de justia. O prprio ex-
Procurador-geral da Repblica, Fernando Pinto Monteiro, j tinha afirmado, em
entrevista publicada no DN em 20 fevereiro 2011, que o segredo de justia em
Portugal uma fraude, no h segredo de justia nenhum".
A propsito deste ponto, caber referir a questo do relacionamento entre a
comunicao social, as fontes de informao e as frequentes discusses pblicas, por
vezes muito intensas, acerca do segredo de justia e da forma como ele
(des)respeitado. Relativamente a esta vertente do problema, e quando vivemos num
tempo em que a comunicao tem um papel central na vida das pessoas e das
sociedades, parece-nos que seria no mnimo interessante e porventura necessrio que se
promovesse uma reflexo profunda, sem nenhum interesse ou abordagem a algum caso
em especfico, que envolvesse todos os intervenientes do sistema de Justia e os
prprios profissionais da comunicao social. Nesse cenrio, seriam analisados os
modelos e processos de comunicao entre a Justia e a comunicao social, com o
intuito de fomentar uma maior transparncia, objetividade e iseno da informao que
transmitida sociedade, sem que, com isso, sejam violados ou colocados em causa os
direitos e deveres legalmente estabelecidos. Com isso, haveria a possibilidade de limitar
ou reduzir a especulao, uma expresso inevitvel do nosso sistema, que acaba por ter
consequncias negativas para todos os envolvidos, sejam os suspeitos, os servios de
Justia, os media e a prpria sociedade.
15
Captulo 2 - A corrupo vista pelos Media
O poder dos jornalistas to grande no que respeita
recolha da informao como maneira de a tratar que exercem
um magistrio moral sem partilha. De contrapoder salutar
passaram a constituir-se em verdadeiro poder
abusivo?(Kouchner, presidente dos MSF)9
No estaramos longe da verdade se considerssemos que a corrupo no uma
patologia da democracia, mas sim, social, e um dos remdios para a cura a liberdade
dos meios de comunicao. Conforme estudos realizados por Sousa e Tries (2008), a
maior parte das pessoas recolhe informao acerca das prticas de corrupo e constri
a sua perceo acerca do problema, tendo como base os canais televisivos, bem como a
imprensa. Para que o fenmeno da corrupo seja compreendido pela opinio pblica
necessrio que o discurso meditico distinga todos os interesses envolvidos. Segundo
Franoise Giroud, ex-diretora do semanrio francs LExpress, os jornalistas tm poder
sobre os poderosos e, o que faz correr o jornalista o sentimento de estar a cumprir
uma misso de interesse pblico. O pblico tem o direito de saber, o jornalista a misso
9 Bernard Kouchner: co-fundador dos Mdicos Sem Fronteiras (MSF)
16
de o fazer saber. Contudo, a liberdade dos media em relao aos poderes polticos e
econmicos no to linear, e depende do seu prprio pblico para que no seja
ultrapassada.
O cientista poltico italiano Giovanni Sartori (1998), um dos defensores da
Democracia Procedimental ou Democracia Institucional (corrente da teoria poltica que
considera praticamente impossvel que todos os cidados possam participar ativamente
do jogo poltico) afirma que, atualmente o povo soberano acredita, especialmente
naquilo que a televiso o leva a crer e que o poder da imagem colocado no centro de
todos os processos da poltica contempornea. Nesse ponto, se por um lado a
populao leva em considerao as denncias feitas pelos meios de comunicao,
tambm no seria errado afirmar que, muitas vezes, a prpria populao no leva a srio
essas mesmas denncias, demonstrando desconfiana quanto veracidade das notcias
veiculadas, principalmente por no acreditarem na imparcialidade dos veculos de
comunicao social, uma vez que, consideram que estes servem a interesses
econmicos. Exemplo recente disso a crise nos media da Grcia, bem diagnosticada
atravs de uma entrevista a Nikos Sverkos, jornalista do Efimerida, o "Jornal dos
Editores", fundado por uma cooperativa de jornalistas que se tornou um dos jornais
mais vendidos em Atenas, onde este responsvel afirma que o projeto nasceu pelo fato
da liberdade de imprensa ter deixado de existir noutros rgos de comunicao. Neste
momento uma das publicaes independentes mais lidas de Atenas. Grande parte dos
jornalistas que hoje l trabalham, e que estiveram no comeo deste jornal, faziam parte
do Eleftherotypia, que fechou h alguns anos, entre dvidas de impostos e de
emprstimos bancrios, e ps cerca de duas mil pessoas no desemprego. Nesta
cooperativa de jornalistas, em que toda a gente tem a mesma quota e em que todos
recebem o mesmo salrio ao fim do ms, desde um simples jornalista, at ao diretor do
jornal, passando pelos editores, o critrio editorial simples: liberdade de expresso, da
imprensa, e das pessoas. Traam a linha na extrema-direita, racismo, homofobia e todos
os ataques dignidade humana. O Jornal dos Editores filho da crise econmica
grega, da crise econmica dos jornais e dos media. A ideia de fazer uma cooperativa
surgiu para podermos ter uma resposta aos nossos prprios problemas, mas tambm aos
problemas dos media na Grcia. Os media na Grcia esto em grande parte
corrompidos. comum haver histrias interessantes que no aparecero na televiso ou
em outros jornais. Portanto, o nosso lema que queremos ser um jornal dos prprios
17
editores, de maneira a que os editores e os jornalistas sejam livres para escrever o que
querem e sem limitaes. Por outro lado, estamos empenhados na liberdade de
expresso, liberdade de imprensa e, claro, a liberdade das prprias pessoas. Escolhemos
fazer uma cooperativa de maneira a que sejamos livres de escrever, mas tambm para
podermos ser iguais entre ns, para no podermos ser pressionados por um qualquer
chefe, poder poltico ou poder social. Temos as nossas maneiras de pensar e as nossas
opinies e por isso que, at agora, quase dois anos e meio depois, conseguimos
alcanar uma posio forte nos media gregos. Estamos tambm muito orgulhosos,
depois de dois anos e meio, somos economicamente viveis, como um jornal, por um
lado. Por outro, estamos contentes por termos revelado histrias importantes, que
mudaram a agenda poltica na Grcia. Uma agenda poltica que era, em grande parte,
controlada pela imprensa, media e estaes de televiso que so pr-memorando e
austeridade, assegura Nikos Sverkos, referindo ainda que os polticos e partidos
polticos devem ter mais ateno sociedade. Opomo-nos s pessoas que querem
controlar a imprensa. Opomo-nos aos media e aos empreendedores corruptos, que
tentam que nada seja escrito sobre isso. Neste momento, o Efimerida o segundo
jornal mais lido em Atenas em alguns dos dias da semana e fim-de-semana, e em
conjunto garantem a viabilidade econmica da edio.
Maria Jos Morgado, no seu discurso no I Congresso sobre a Democracia em
Portugal, j havia defendido a importncia da blogosfera e de alguma comunicao
social, na denncia de enriquecimentos sbitos de titulares de cargos polticos,
esbanjamento de dinheiros pblicos, crimes financeiros e porosidade entre poder
poltico e poder empresarial e, de acordo com Maia (2004), os portugueses consideram
que os jornalistas devem divulgar informaes que cheguem ao seu conhecimento
acerca de prticas ilcitas ocorridas nas esferas pblica e poltica. Contudo, se esse
mesmo pblico considera que essas denncias devem ser feitas de forma a respeitar as
matrias que se encontrem protegidas pelo segredo de justia,
2.1 Denncias de casos de Corrupo em Portugal
A corrupo um crime pblico, logo, assim que existir uma denncia, seja
Polcia Judiciria, Ministrio Pblico ou qualquer outra autoridade judicial ou policial,
18
verbalmente, por escrito, ou atravs do formulrio eletrnico, devem ser iniciadas as
investigaes. De acordo com a Procuradoria-Geral da Repblica, os funcionrios ou
agentes da Administrao Pblica tm o dever legal de denunciar situaes de
corrupo e, em caso de suspeita de atos de corrupo praticados por funcionrios ou
agentes da Administrao Pblica, a infrao passvel de dupla responsabilidade
penal e disciplinar. O Ministrio Pblico refere ainda que qualquer cidado que efetue
uma denncia de corrupo pode beneficiar, na qualidade de testemunha, das medidas
de proteo em processo penal quando a sua vida, integridade fsica ou psquica,
liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em
perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objeto do
processo. Contudo, segundo um relatrio da associao cvica Transparncia e
Integridade (TIAC), apresentado em 2012, o Estado portugus no d proteo
suficiente aos trabalhadores do sector pblico e privado que denunciam crimes de
corrupo ou de fraude. Falha da esfera poltica; contedo vago e sem
regulamentao; indiferena e passividade pelas consequncias sofridas pelos
denunciantes; proteo sem garantias ou falta de vontade poltica so algumas das
expresses usadas para caracterizar a situao dos denunciantes (whistleblowers) em
Portugal.
19
Grfico 5 - Estatsticas oficiais registadas para o crime de Corrupo em Portugal, entre
1993 e 2009 (Estatsticas Oficiais da Justia -
http://www.dgpj.mj.pt/sections/estatisticas-da-justica/index/)
Segundo as estatsticas do Ministrio da Justia, entre 2007 e 2013, o nmero de
crimes de corrupo reduziu mais de metade, passando de 122 (em 2007) para 58
(2013). Quando analisados os processos por corrupo j em julgamento, na primeira
instncia, os nmeros tambm mostram uma reduo: de 59 para 37. Nestes, a maior
parte dos casos refere-se a crimes so de corrupo ativa, praticados por funcionrios
pblicos contra o prprio Estado. J um inqurito da consultora Ernest & Young sobre
fraude e corrupo em 38 pases coloca Portugal na quinta posio, a seguir Crocia,
Qunia, Eslovnia e Srvia, e depois da ndia e Ucrnia. Dos trabalhadores portugueses
inquiridos de um universo de 3.800 entrevistados, de 38 pases da Europa Ocidental e
de Leste e do Mdio Oriente, ndia e frica 83% concordam que as prticas de
suborno/corrupo acontecem de uma forma generalizada em Portugal.
http://www.dgpj.mj.pt/sections/estatisticas-da-justica/index/
20
2.2 Como os media abordam os casos de corrupo
Maia, em seu estudo Corrupo: Realidade e Percepes: O Papel da
Imprensa, afirma que nos ltimos anos houve um acrscimo significativo do nmero
de notcias relativas corrupo, sendo que a maioria relacionada a processos judicias
em curso, principalmente em fases iniciais das investigaes e que envolvam figuras
pblicas. Segundo o autor, essa tendncia natural, uma vez que resulta da prpria
lgica de funcionamento dos meios de comunicao social, que tendem a conceder um
maior potencial de valor-notcia a factos que, cumulativamente, contrariem as
expectativas sociais, sejam verdadeiramente novos ao nvel da opinio pblica e que
envolvam pessoas ou organizaes de elevada ou destacada posio no contexto social,
poltico ou econmico. Contudo, essa explorao meditica intensa, que muitas vezes
chega ao recorte da coisificao e estereotipizao das pessoas, nunca dura muito
tempo, uma vez que, a expropriao/apropriao a base de funcionamento do prprio
regime meditico onde o pblico a matria-prima e h uma busca por novos fatos que
capturem as atenes.
No fundo, os leitores e espectadores so vidos consumidores de escndalos de
corrupo na mesma medida em que empregam o seu tempo e subjetividade na
discusso. Por exemplo, a imprensa, no raras vezes, confunde audincia com
legitimidade social e qualidade, veiculando informaes e imagens que ultrapassam a
barreira entre pblico e privado. O direito liberdade que os meios de comunicao
possuem pode induzir a populao a erros de concluso e a julgamentos de valor. De
acordo com Isabel Ferin da Cunha (2014), esta perceo pblica da justia faz com que
os media assumam a intermediao entre poderes, exercendo ora o papel de acusadores,
ora de advogados, ora de juzes nos casos com maior potencial meditico.
No caso de reportagens sobre corrupo, muitas vezes a divulgao de
informaes ainda em investigao ou a quebra do segredo de justia acabam por serem
valorizadas pela sociedade e, o fato desta receber a mesma informao no altera a
forma diferenciada como cada um a recebe, alm do fato de que a influncia dos media
proporcionalmente inversa ao contacto que o indivduo tem com o evento ou a
situao. Se Traquina (1988) considera que os media so o principal elo entre os
21
acontecimentos e as imagens desses acontecimentos que cada um forma, certo
tambm que a estabilidade da sociedade seja por fatores sociais ou econmicos -
tambm um fator importante para a confiana nos rgos de comunicao (Santos,
2001).
A partir do momento em que comeam a surgir notcias sobre corrupo, estas
comeam por ser aberturas de telejornais e capas de jornal e, mais tarde, durante dias,
continuam a ser exploradas apenas com variaes mnimas, que permitam manter o
assunto vivo e captar a ateno do pblico. Conforme o tempo passa, j no so
notcias de destaque e, consoante o surgimento de novos temas, as notcias sobre
corrupo acabam por ser relegadas a segundo plano, at serem temas de notas ou
rodaps, e desaparecerem. Mesmo assim, consoante o desenrolar das investigaes, os
casos de corrupo voltam a ser notcia, mas com menor destaque do que antes.
Segundo Maia (2008) isso acontece devido ao fato do tempo da justia ser
necessariamente diferente do da comunicao social, bem como ausncia de um
jornalismo de investigao. Na sua maioria, os casos que so noticiados se encontram
j sob investigao judicial, sendo muito poucas as situaes em que a instaurao de
processos judiciais tenha resultado de trabalhos de investigao jornalstica e das
correspondentes notcias publicadas.
2.3 Como os portugueses veem as notcias sobre corrupo
Quando um caso de corrupo assume destaque nos meios de comunicao
social, qual a sua importncia para a opinio pblica? Qual o impacto que vai gerar ou
que efeitos se vo fazer sentir na sociedade? A perceo dos portugueses relativamente
ao problema da corrupo em Portugal tende a seguir a dos brasileiros, sendo
praticamente um conformar-se com a situao, do gnero rouba, mas faz, com o
termo corrupo a ser utilizado de forma indiscriminada. Se a populao considera
condenvel a corrupo, tambm certo que no acredita na diminuio desse
problema, com a expectativa mesmo de que esse fenmeno venha a aumentar.
A questo da credibilidade, segundo Lackey (2011) que, o que nos leva a
confiar no jornalismo tem a ver no apenas com a singularidade do jornalismo como
22
conhecimento, mas com o fato de ele ser um ato comunicativo com a funo de
informar algum e, sendo assim, sujeito s exigncias e maneiras pelas quais atribumos
confiabilidade em qualquer relao. Reid (2008), j questionou como, quando e de que
modo adquirimos esses princpios que formam a nossa razo e considera que eles fazem
parte da nossa constituio e no podemos prescindir deles. No caso do jornalismo,
segundo Goldman (1999), por perseguirmos a verdade que tiramos dvidas
especficas com fontes de informao com autoridade no assunto. Confiar no
testemunho de algum requer tambm confiana no modo de produo desse
testemunho.
Para os portugueses, a corrupo est localizada sobretudo ao nvel poltico,
nomeadamente na esfera dos relacionamentos entre os partidos polticos e os grandes
grupos econmicos e empresariais, e a Justia no apresenta formas de punio efetivas,
o que leva a que todos esses no gozem de muita credibilidade. nesse cenrio que
surgem os media, com a maioria dos portugueses a confiar na informao difundida e na
ao desenvolvida pela comunicao social, designadamente na sua capacidade para
denunciar publicamente situaes de corrupo e apresentarem uma reproduo, o mais
fiel possvel, do caso que esto a reportar. Neste caso, a credibilidade percebida pelo
pblico sofre uma influncia direta da credibilidade construda pelo meio de
comunicao.
Charaudeau (2010) reconhece o modelo da credibilidade como prprio do
discurso informativo, que precisa provar a veracidade dos fatos que reporta. Ora, se o
princpio do discurso jornalstico a verdade, tambm certo que este acaba por ter
uma estreita relao com o imaginrio do poder, em grande parte pela autoridade que
este saber lhe confere.
Captulo 3 O futuro dos jornais e o combate corrupo
23
The news of the day as it reaches the newspaper
office is an incredible medley of fact, propaganda, rumor,
suspicion, clues, hopes, and fears, and the task of selecting
and ordering that news is one of the truly sacred and
priestly offices in a democracy. For the newspaper is in all
literalness the bible of democracy, the book out of which a
people determines its conduct. It is the only serious book
most people read. It is the only book they read every day.
Walter Lippmann, in Liberty and the News
Segundo Brunetti e Weder (2003), uma imprensa livre pode ser um poderoso
controlo sobre a corrupo, uma vez que jornalistas independentes conseguem
investigar e descobrir casos de prtica de atos ilcitos, o que acaba por diminuir esses
crimes. Contudo, a forte recesso econmica que vrios pases atravessam nos ltimos
tempos pode influenciar a qualidade do jornalismo e at mesmo o desaparecimento de
jornais acaba por ter influncia nessa questo. Seno vejamos: No artigo Goodbye to
the Age of Newspapers (Hello to a New Era of Corruption), de Paul Starr, publicado
na New Republic em 2009, este afirma que enquanto o novo ambiente digital mais
aberto ao "jornalismo cidado" e livre expresso de opinies, certo que tambm
mais aberto ao jornalismo por contrato ou reportagens pagas. Com isso, o perigo no
apenas mais corrupo do governo, mas tambm a corrupo do prprio jornalismo.
Na atual crise financeira de imprensa, a Internet tem minado o papel do jornal
como intermedirio do mercado. Os anunciantes no precisam apanhar bolia no
noticirio para atingir os consumidores, e os consumidores tm outras maneiras de
descobrir sobre os produtos e vendas. Para lerem uma notcia online, muitas vezes os
consumidores no precisam pagar por isso e, para alm de jornais, h outras fontes de
informao, tais como sites operados por estaes de rdio e TV. Assim, para os jornais,
diminuem drasticamente os nmeros de circulao, bem como as receitas de publicidade
e, nem o fato de alguns restringirem o acesso gratuito a seus sites os salva, porque, para
alm de isso custar alguma receita de anncios, pode permitir que outros meios
aproveitem as notcias. De qualquer maneira, ao doar seu contedo ou limitar o acesso,
24
os jornais podem estar a cavar a sua prpria sepultura. Se durante muitos anos os
proprietrios dos jornais podiam se dar ao luxo de fazer um jornalismo de servio
pblico, agora a falta de financiamento empurra os mesmos no sentido oposto, numa
viso mais comercial. Mas, a crise no afeta apenas os jornais no que se relaciona falta
de investimento publicitrio. H tambm a diminuio no nmero de leitores e da
circulao e, at mesmo a queda na qualidade da informao apresentada, uma vez que
o despedimento de jornalistas experientes muitas vezes acaba por ter efeitos desastrosos
na forma como os media se apresentam.
3.1 Os novos media vo sobreviver corrupo?
Se os jornais no conseguirem sobreviver s leis de mercado, como manter a
liberdade e independncia? Muitos jornais, principalmente os de mbito regionais,
utilizam o Governo para subsidi-los ou para produzi-los indiretamente. Isso no era
muito visvel at meados de 2000, quando acabou o Porte Pago em Portugal, que
beneficiava a exportao de jornais para o estrangeiro. Essa medida, que acabou por
afetar a comunidade de emigrantes, tambm mostrou que vrios meios de imprensa
regional e local funcionavam com engenharias-financeiras. Atualmente muitos jornais
esto ligados a grandes grupos econmicos e operam em sistemas de multiplataformas,
enquanto outros menores, para sobreviver, tentam converter-se em organizaes sem
fins lucrativos, na esperana de angariar fundos para mant-los em funcionamento.
Os meios de comunicao emergentes no ambiente digital so os mais
suscetveis de sofrer de falta de independncia, rigor e iseno. Na fragmentao sofrida
alm de texto existem ainda os udios e vdeos parece grande a probabilidade destes
meios virem a sofrer de imparcialidade. No af de captar recursos financeiros, tais
meios acabam por se tornarem suscetveis a publicar o que algum estiver disposto a
pagar. Conforme afirma Paul Starr (2009), News coverage is not all that newspapers
have given us. They have lent the public a powerful means of leverage over the state,
and this leverage is now at risk. If we take seriously the notion of newspapers as a
fourth estate or a fourth branch of government, the end of the age of newspapers
implies a change in our political system itself. Newspapers have helped to control
corrupt tendencies in both government and business. If we are to avoid a new era of
25
corruption, we are going to have to summon that power in other ways. Our new
technologies do not retire our old responsibilities.
Um jornalismo sem credibilidade parece interessar muito aos interesses privados
que invadiram governos e outras instituies pblicas, e invadiram tambm o espao
pblico meditico. Quanto menos credvel o jornalismo, mais esses interesses podem
desenvolver-se. Muitas das discusses atuais sobre o jornalismo esto centradas em
questes como o impresso versus digital, contudo, mais importante do que isso
discutir em que condies o jornalismo deve ser feito. Nas democracias, o destino do
pas depende da deciso individual de cada eleitor, segundo seu entendimento do que
melhor para a comunidade. O jornalismo tem um papel fundamental na formao deste
entendimento e, por isso, ousamos dizer que o produto do jornalismo no a
informao, a credibilidade. Conforme afirma Bucci, a independncia editorial
resulta de um distanciamento necessrio do jornalista das esferas de governo, pois, caso
haja essa proximidade, podem ser suscitadas indefinies jornalsticas
Di Franco (1995) tambm considera que as empresas jornalsticas esto
estruturadas em trs nveis, dentre os quais a reportagem deve ter independncia em
relao articulao e publicidade. A reportagem deve caminhar sem se deixar levar
pelas predilees do veculo em que ser veiculada. Seria bom se a opinio dos veculos
fosse mais clara, o que realaria o nvel de independncia de suas reportagens.
3.2 Como os jornalistas observam o seu trabalho no mbito da corrupo
Para ter uma melhor compreenso de como os jornalistas encaram o seu prprio
trabalho, no mbito da veiculao de artigos sobre corrupo, respetiva liberdade e
relacionamento com os poderes, foi feito um inqurito a respeito da Imprensa e a
Corrupo em Portugal. Durante duas semanas, dezenas de jornalistas de Norte a Sul
do pas responderam a vrias perguntas sobre temas relacionados compreenso que
eles prprios sentem em relao ao seu trabalho sobre a corrupo, bem como as
percees que sentem da parte do pblico, Governo e Justia.
Abaixo esto os grficos que resultaram do inqurito. Os resultados de 133
respostas vlidas recebidas trazem dados como:
26
- No que concerne s idades, possvel verificar que dos mais novos, com idade
entre os 18 e os 35 anos (cerca de 55 pessoas), apenas trs tinham o 12 ano, existindo
27 pessoas com licenciatura, 16 com mestrado e um com doutoramento. J os com
idade acima dos 36 anos (cerca de 67 pessoas), 11 tinham o 12 ano, 32 com
licenciatura, 10 com ps-graduao, 9 com mestrado, quatro com doutoramento e dois
com ps-doutoramento.
- Dos 32 elementos com mestrado, doutoramento e ps-doutoramento, a partir da
pergunta n. 12, os resultados apresentados mostram que h uma diferena muito
pequena entre os jornalistas que consideram ter liberdade para escrever reportagens
sobre corrupo, e os que consideram no ter.
- J entre os 91 elementos com 12 ano, Licenciatura e ps-graduao, as
respostas no diferem muito, com exceo da ltima questo apresentada (Considera
que h "presses" da Justia para que no sejam publicadas reportagens sobre
corrupo?), onde a maior parte dos jornalistas considera que esta existe e uma
realidade.
O inqurito tambm demonstrou que mais fcil para um jornalista sofrer
presses quando trabalha num meio de comunicao local ou regional. Tal deve-se,
possivelmente, ao fato da cobertura jornalstica em certos meios estabelecer relaes de
proximidade. Segundo Curran e Seaton (2001), os jornalistas fazem o seu trabalho a
partir de um monte de suposies plausveis, traduzindo a realidade desordenada em
histrias claras com princpio, meio e fim (Curran e Seaton, 2001:329). Mas, a
necessidade de captar a ateno, num cenrio de forte concorrncia, acaba por
neutralizar os temas, num meio em que a promiscuidade entre publicidade e
informao uma realidade e onde so publicados pseudoacontecimentos, cujo
principal objetivo assegurar e controlar a cobertura meditica. Muito do que
entendido como notcia pouco mais do que publicidade grtis e Muito do que
aparece como notcias polticas , de fato, escrito por conselheiros, candidatos e
membros do parlamento, afirmam Curran e Seaton, qu consideram ainda a 2001) a
imprensa local como sendo a mais vulnervel a estas atividades.
Resumo
27
1 Sexo:
Masculino 65 52%
Feminino 58 46%
(Grfico 6)
2 Idade
18 - 25 anos 14 11%
26 - 35 anos 41 33%
36 - 45 anos 43 34%
46 - 55 anos 20 16%
56 - 65 anos 4 3%
Mais de 65 anos 3 2%
(Grfico 7)
3 - Distrito onde reside
28
Lisboa - 46
Leiria - 21
Porto - 18
Coimbra - 9
Braga - 8
No responderam - 6
Setbal - 4
Aveiro - 2
Faro - 2
Guarda - 2
Santarm 2
Aveiro 2
Viseu - 2
Ponta Delgada -1
Beja - 1
Funchal - 1
(Grfico 8)
4 - jornalista com Carteira Profissional ativa?
Lisboa
Leiria
Porto
Coimbra
Braga
No Responderam
Setbal
Guarda
Santarm
Aveiro
Viseu
Faro
Ponta Delgada
Beja
Funchal
0 10 20 30 40 50
Distritos
Distritos
29
Sim 68 54%
No 56 45%
(Grfico 9)
5 - Escolaridade?
At o 6 ano de escolaridade 0 0%
De 7 a 10 anos de escolaridade 0 0%
At 12 anos de escolaridade 14 11%
Licenciatura 59 47%
Ps-Graduao 18 14%
Mestrado 25 20%
Doutoramento 5 4%
Ps Doutoramento 2 2%
No sabe / No quer responder 1 1%
(Grfico 10)
30
6 - Est a trabalhar?
Sim, por conta de outrem 84 67%
Sim, em regime de freelancer 15 12%
No, estou desempregado 20 16%
No sabe / No quer responder 3 2%
(Grfico 11)
7 - Trabalha em:
TV 12 10%
Rdio 8 6%
Jornal dirio 10 8%
Jornal semanrio 16 13%
Jornal digital 10 8%
Revista 10 8%
Estou desempregado(a) 14 11%
Trabalho noutra rea 37 30%
(Grfico 12)
31
8 J escreveu reportagens sobre corrupo?
Sim 49 39%
No 70 56%
No sabe / no responde 2 2%
(Grfico 13)
9 - Qual a sua perceo sobre o interesse do pblico sobre reportagens com o
tema da corrupo?
Totalmente interessados 22 18%
Muito interessados 59 47%
Razoavelmente interessados 23 18%
Interessados 13 10%
Pouco interessados 6 5%
Nada interessados 0 0%
No sabe / no responde 0 0%
(Grfico 14)
32
10 - Acha que o pblico considera as reportagens sobre corrupo credveis?
Totalmente credveis 5 4%
Muito credveis 34 27%
Razoavelmente credveis 61 49%
Credveis 17 14%
Pouco credveis 6 5%
Nada credveis 0 0%
No sabe / No responde 0 0%
(Grfico 15)
11 - Acha que o pblico considera as reportagens sobre corrupo importantes
para acabar com esse fenmeno?
Totalmente importantes 16 13%
Muito importantes 34 27%
Razoavelmente importantes 34 27%
Importantes 20 16%
Pouco importantes 14 11%
Nada importantes 3 2%
No sabe / No responde 1 1%
(Grfico 16)
33
12 Considera que os jornalistas tm liberdade para escrever reportagens sobre
corrupo?
Sim, completamente 3 2%
Sim, na maior parte das vezes 40 32%
Talvez 41 33%
No, na maior parte das vezes 36 29%
No, de todo 3 2%
No sabe / No responde 0 0%
(Grfico 17)
13 - Considera que h "presso" sobre os meios de comunicao para que no
sejam feitas reportagens sobre corrupo?
Sim, completamente 12 10%
Sim, na maior parte das vezes 46 37%
Talvez 47 38%
No, na maior parte das vezes 12 10%
No, de todo 4 3%
No sabe / No responde 2 2%
(Grfico 18)
34
14 - Considera que h "presso" dos polticos e partidos para que no sejam
publicadas reportagens sobre corrupo?
Sim, completamente 25 20%
Sim, na maior parte das vezes 51 41%
Talvez 31 25%
No, na maior parte das vezes 10 8%
No, de todo 3 2%
No sabe / No responde 3 2%
(Grfico 19)
15 - Considera que h "presses" da Justia para que no sejam publicadas
reportagens sobre corrupo?
Sim, completamente 10 8%
Sim, na maior parte das vezes 24 19%
Talvez 36 29%
No, na maior parte das vezes 34 27%
No, de todo 14 11%
No sabe / No responde 5 4%
(Grfico 20)
35
Nmero de respostas dirias
(Grfico 21)
de realar que elevado o nmero de profissionais que acreditam existir
"presso" sobre os meios de comunicao, bem como de polticos e partidos, para que
no sejam feitas reportagens sobre corrupo. Apenas o poder judicirio acaba por ter,
na opinio dos jornalistas, uma posio que varia entre o Sim, na maior parte das
vezes, o Talvez e o No, na maior parte das vezes. Ser ento possvel afirmar que
os jornalistas sofrem presso para no publicarem artigos sobre corrupo?
Acobertado pelo anonimato, um jornalista de um dirio nacional de grande circulao
refere que Sim. J perdi a conta de quantas vezes recebi recados para no investigar
certas denncias. Essas mensagens vinham tanto da parte de editores quanto de fontes,
mas nunca diretamente nem em formato que eu pudesse provar que fui alvo de alguma
censura. No muito fcil manter a imparcialidade quando voc sabe que o alvo da sua
denncia esteve a jantar com o seu chefe, ou que a publicidade de pgina inteira feita no
seu jornal e que vai servir para pagar uma parte do seu salrio foi feita por uma
empresa que apresenta suspeitas da prtica de atos ilcitos. E a questo vai mais alm:
Todos ns sabemos de casos em que faz-se uma investigao sobre polticos e
determinada notcia cai como uma bomba. Logo no dia seguinte a mesma pode ser
atenuada ou mesmo desmentida por outro meio de comunicao, o que demonstra
claramente a militncia poltica dos proprietrios dos jornais, ou ento, o jornalista no
consegue que a sua fonte sustente o caso devido a ela prpria vir a sofrer presses. Isso
se d tanto em grandes centros como em cidades da provncia..
36
Para este jornalista, os novos meios de informao que tm surgido so uma
faca de dois gumes. Por um lado, podem trazer a liberdade que, muitas vezes, no temos
para noticiar. Contudo, por outro lado, h claramente um dfice na rea da formao.
Qualquer um se considera um jornalista e detentor da verdade, quando, na realidade,
existem os prprios interesses por detrs do que escrevem. Muitos blogues que existem
hoje em dia so feitos por jornalistas, ao abrigo do anonimato, para que eles possam
falar com mais liberdade, mas, a maior parte dos blogues e pginas eletrnicas que
supostamente denunciam alguns casos e falcatruas so, elas mesmas, feitas com a
inteno de descredibilizar determinada personagem, partido ou instituio. Um dos
melhores exemplos que tivemos nos ltimos tempos de como isso funciona foi
justamente no caso da dissertao de Mestrado de Fernando Moreira de S, a respeito da
manipulao de fruns das rdios e TVs, e do condicionamento de debates na
campanha poltica de Pedro Passos Coelho. O jornalista no deixou de referir, ainda, a
questo da auto-censura. Muitas vezes eu mesmo j no escrevo sobre determinado
assunto porque sei que no vale a pena, que o editor no vai deixar passar. De que
adianta perder tempo e neurnios se ningum vai ler? Sei que no deveria pensar assim,
mas j vi pessoas a serem demitidas por muito menos.
37
Captulo 4 - O caso BPN
O caso BPN refere-se a um conjunto de diversas ocorrncias que exibiram
indcios de vrios tipos de crime como corrupo, lavagem de dinheiro e trfico de
influncias, que levaram nacionalizao do banco. A histria teve vrios
desenvolvimentos e chegou mesmo a envolver figuras de Estado como o atual
Presidente da Repblica de Portugal, Cavaco Silva, bem como ex-membros do ncleo
duro do seu X Governo Constitucional de Portugal: Dias Loureiro, Jos Oliveira e
Costa, Duarte Lima e Miguel Cadilhe.
O Banco Portugus de Negcios (BPN) foi criado em 1993, com a fuso das
sociedades financeiras Soserfin e Norcrdito, com negcios na banca de investimento.
O maior acionista do banco era Amrico Amorim que, cerca de quatro anos depois,
abandonou a instituio. Em 1998, Jos Oliveira e Costa, antigo secretrio de Estado
dos Assuntos Fiscais do PSD num dos governos liderados por Cavaco Silva, assumiu a
liderana do BPN. Nesse mesmo ano, foi criada a Sociedade Lusa de Negcios (SLN),
'holding' destinada a agregar os investimentos no financeiros do grupo. Em 2002, o
BPN comeou a adquirir outras instituies, como o banco Efisa, a corretora Fincor e o
Banco Insular, de Cabo Verde e, a partir de 2003, inicia as suas operaes no Brasil,
com o BPN Brasil que, posteriormente, em 2005, teve 20 por cento adquirido pelo
Banco Africano de Investimento (BAI), uma instituio privada angolana.
A partir de 2007, o Banco de Portugal comea a solicitar ao grupo Sociedade
Lusa de Negcios/BPN, vrias informaes, tais como a clarificao da sua composio
acionista e a separao entre a sua rea financeira, constituda pelo BPN e Real Seguros,
e no financeira, constituda pela SLN Investimentos e Pliade e Partinvest. A partir de
2008, a cronologia do escndalo BPN comea a tomar corpo e, em Fevereiro, Jos
Oliveira e Costa abandonou a presidncia do grupo SLN/BPN, invocando problemas de
sade, e foi substitudo interinamente por Abdool Vakil, que em 1994 tinha criado o
Banco Efisa. Em Junho do mesmo ano, Miguel Cadilhe, antigo ministro das finanas do
XI Governo Constitucional de Portugal chefiado por Cavaco Silva, e ex-administrador
do Banco Comercial Portugus, foi escolhido para a presidncia do BPN e, cerca de
38
quatro meses depois, denunciou publicamente vrios crimes financeiros que
alegadamente tero sido cometidos em gestes anteriores.
Em Outubro de 2008 o BPN comea a apresentar problemas de liquidez e faz
um um financiamento de 200 milhes de euros junto da Caixa Geral de Depsitos. No
ms seguinte, ainda face s dificuldades de liquidez do Banco, o Governo (na altura
liderado pelo PS de Jos Scrates), anuncia a proposta ao Parlamento da nacionalizao
do BPN, uma iniciativa indita no pas desde os anos 70, devido descoberta de um
'buraco' de 700 milhes de euros, que durante anos foi ocultado do supervisor atravs do
Banco Insular de Cabo Verde e, em 05 de Novembro, a Assembleia da Repblica
aprova a nacionalizao do BPN, que incorporado na Caixa Geral de Depsitos,
iniciativa promulgada a 11 de Novembro pelo Presidente da Repblica. No mesmo ms
de Novembro, Jos Oliveira e Costa foi constitudo arguido e detido por suspeitas de
burla, branqueamento de capitais e fraude fiscal, ficando em priso preventiva. Foi
aberto um inqurito parlamentar sobre atuao do Banco de Portugal e auditorias
revelaram 950 milhes de euros de perdas e imparidades ocultadas ou omitidas por ex-
gestores.
Em Fevereiro de 2009, em declaraes prestadas na comisso parlamentar de
inqurito nacionalizao do banco, o administrador da instituio, Norberto Rosa,
revela que as perdas do Banco Portugus de Negcios (BPN) atingem 1,8 mil milhes
de euros e, a partir de Julho, comeam a ser ouvidos vrios intervenientes no escndalo
BPN. No incio desse ms, Dias Loureiro e Oliveira e Costa so ouvidos no
Departamento Central de Investigao e Aco Penal (DCIAP), em Lisboa e, em 19 de
Julho, o ex-ministro da Sade Arlindo Carvalho constitudo arguido no caso BPN. J
no dia 21, anunciado que Oliveira e Costa passa a ficar em priso domiciliria com
pulseira eletrnica. Ainda no ano de 2009 abordada a questo da privatizao do
banco e, em todo o pas, comeam a surgir manifestaes protagonizadas por clientes
que se sentem lesados. O prprio BPN anuncia a instaurao de um processo cvel
contra o ex-conselheiro de Estado Manuel Dias Loureiro e contra o ex-presidente do
banco, Jos Oliveira e Costa, por prejuzos contra a instituio. Entretanto, o Governo,
atravs da Caixa Geral de Depsitos, deu aval a um emprstimo de mil milhes de euros
ao Banco Portugus de Negcios que, posteriormente, assumiu um buraco de 203
milhes no Banco Insular, dos quais quase 40 milhes seriam dvidas de Oliveira e
Costa e outros ex-dirigentes da instituio. O ano termina com o Ministrio Pblico a
39
acusar 24 arguidos no caso BPN, num processo que contou com 68 testemunhas, e a
pedir, em representao do Estado portugus, uma indemnizao de 104,9 mil euros. O
ano de 1010 foi marcado pelo incio do julgamento de Oliveira e Costa e outras 14
pessoas, para alm da empresa Labicer, por crimes diversos, que vo desde abuso de
confiana a burla qualificada, passando por fraude fiscal e falsificao de documentos,
entre outros ilcitos.
O ano de 2011 marcado pela continuao do julgamento de Oliveira e Costa e
pelo inico da polmica que envolveu Cavaco Silva e a compra de aes do BPN a um
valor abaixo do esperado. No final de Julho desse ano, o Ministrio das Finanas
anunciou que o Banco angolano BIC seria o novo dono do BPN, e que a proposta de
aquisio de 100% das aes do BPN foi de 40 milhes, uma soluo, encarada por
algumas figuras pblicas, como ruinosa para o interesse pblico e o julgamento do caso
BPN foi adiado para o ano seguinte. Mas, foi no final desse ano, mais precisamente a 17
de Novembro, que o advogado e antigo lder do grupo parlamentar do PSD, Duarte
Lima, foi detido, juntamente com o filho, Pedro Lima, por inspetores da Unidade
Nacional de Combate Corrupo da Polcia Judiciria, no mbito de uma investigao
relacionada com o caso BPN, ficando em priso preventiva. Em 2012, o escndalo BPN
atingia propores gigantescas, com jornais a fazerem primeiras pginas, tais como o
Dirio de Notcias e o semanrio SOL. No final desse ano, o total parcial de prejuzos
causados, a serem pagos pelo Estado Portugus, ascendiam a 7 mil milhes de euros.
40
Figura 1 Capa Dirio de Notcias (29/04/2012)
Figura 2 Capa Semanrio Sol (12/02/2010)
41
4.1 Duarte Lima, a poltica
Domingos Duarte Lima nasceu em 1955 em Peso da Rgua, Poiares. Licenciado
em.Direito na Universidade Catlica Portuguesa (UCP), estudou ainda Histria de Arte
na Accademia Europea de Florena e Msica no Instituto Gregoriano de Lisboa. Aps a
revoluo de 1974, aderiu ao PSD e iniciou a carreira poltica, seguindo as atividades do
partido em Bragana, onde chegou a ser lder da distrital, e consegue maior relevo a
partir de 1981, como assessor poltico e de comunicao de ngelo Correia, ento
ministro da Administrao Interna. Foi deputado Assembleia da Repblica por
Bragana, de 1983 a 1995, depois por Lisboa, de 1999 a 2002, e novamente por
Bragana, de 2005 a 2009. Foi vice-presidente da Comisso Poltica Nacional do PSD
entre 1989 e 1991, e presidiu ao respetivo grupo parlamentar, de 1991 a 1994, durante a
segunda maioria absoluta de Cavaco Silva. Em 1998 venceu Passos Coelho e Pacheco
Pereira nas eleies para a Comisso Poltica Distrital de Lisboa do PSD, que liderou
at 2000.
Figura 3 Duarte Lima e Cavaco Silva
Em Novembro de 1998 foi diagnosticado a Duarte Lima uma Leucemia
Mielide Aguda, a pior de todas, rara e com taxa de sobrevivncia de 30 a 40 por cento.
Aps tratamentos e um transplante de medula ssea, j nos primeiros meses de 1999,
42
Duarte Lima regressou ao Parlamento ainda em Outubro de 1999, eleito pelo crculo de
Lisboa. Chega a dar por certa a sua candidatura Cmara de Sintra, mas Manuela
Ferreira Leite escolhe Fernando Seara. Seria o segundo confronto com Ferreira Leite,
que o derrotou na corrida liderana da distrital de Lisboa depois de ele se ter salvado
na luta contra a leucemia. Em 2010, Duarte Lima foi escolhido para integrar o Conselho
Consultivo da Nova Comisso de Reviso do Programa do PSD, liderada pelo deputado
Aguiar-Branco. A nomeao foi da responsabilidade do prprio lder, Pedro Passos
Coelho.
Figura 4 Duarte Lima na Assembleia da Repblica (foto PBLICO)
4.2 Duarte Lima e os escndalos
Durante a sua vida poltica, Duarte Lima acumulou desafetos e at mesmo
alguns escndalos de favorecimentos e enriquecimento ilcito. Desde os anos 80 que o
seu nome est envolto em negcios e em contradies. O rpido enriquecimento,
rendimentos inexplicados e supostos esquemas para esconder o patrimnio, eram
assuntos que vinham baila, mas Duarte Lima nunca foi acusado pela Justia. Uma das
verses apresentadas pelo advogado ara justificar o enriquecimento a de que, em
1987, apostou 20 mil contos (100 mil) na Bolsa de Lisboa, e que em dois anos, ter
tido 80 mil contos de lucro lquido, aproveitando a euforia dos mercados.
O jornal Correio da Manh, numa reportagem intitulada As trs vidas do
advogado, afirmou que,